Anais do Simpósio de Pesquisa em Música 2013 | SIMPEMUS 6 | UFPR

September 26, 2017 | Autor: Norton Dudeque | Categoria: Music, Musicology, Música
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SIMPEMUS

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anais

simpósio depesquisa emmúsica2013

 

SIMPEMUS

6|

anais

simpósio depesquisa emmúsica2013

Universidade Federal do Paraná Reitor Zaki Akel Sobrinho Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Edilson Sérgio Silveira Diretora do Setor de Artes, Comunicação e Design Dalton Razera Coordenadora do Programa de Pós-Graduação Silvana Scarinci Editora do DeArtes Diretor Norton Dudeque

anais do simpósiodepesquisaemmúsica2013 SIMPEMUS

6 norton dudeque (organizador)

deartes | ufpr curitiba | 2013

anais do simpósiodepesquisaemmúsica2013 SIMPEMUS

6

Realização Programa de Pós-Graduação em Música da UFPR Departamento de Artes da UFPR

Apoio PPGMúsica – UFPR DeArtes

© 2013 os autores listados no sumário

Anais do Simpósio de Pesquisa em Música: SIMPEMUS6 (6.:2013:Curitiba) Simpósio de Pesquisa em Música: Anais / Organização Norton Dudeque – Curitiba: DeArtes-UFPR, 2013. 364p. : il., 29cm. x 21 cm. ISBN 978-85-98826-24-0 1. Musicologia-Congresso-Brasil. 2. Música-Pesquisa. 3. Música-Popular Brasileira 4. MúsicaComposição. 5. Música-Análise. 1. Dudeque, Norton. II.Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Paraná.II.Título CDD – 780.01

DeArtes UFPR Editora do Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná Rua Coronel Dulcídio, 638 80420-170 Curitiba PR www.artes.ufpr.br impresso no Brasil 2013

SIMPEMUS 6 | simpósio de pesquisa em música 2013 29 e 30 de novembro de 2013 Departamento de Artes | UFPR Rua Cel. Dulcídio, 638 Batel Curitiba PR

| programação |

SEXTA-FEIRA 29 DE NOVEMBRO DE 2013

11h00 inscrição e credenciamento 13h00 local: auditório Abertura Profa. Dra. Silvana Scarinci e Prof. Dr. Norton Dudeque Concerto: Grupo “Práticas Musicais para a Comunidade no DeArtes”.Coordenação: Prof. Dr, Edwin Pitre (coordenador) e Prof. Drando. Rafael Ferronato (vicecoordenador) 13h30 início dos trabalhos

local: auditório

sessão 1A mediador: Profa. Mestranda Débora Bergamo

Dra.

ZÉLIA

CHUEKE.

Monitora:

13h30 Avaliação de conteúdos de fonética aplicados em uma proposta de ensino da dicção no canto na abordagem linguístico-analítica – Jeanne Rocha 14h00

Ética, semiótica e edição musical: segundo movimento sonatina para flauta e violão de Radamés Gnattali – Solon Santana

14h30 Rosa Del Ciel, ária da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi: pesquisa empírica e bibliográfica para a construção de uma performance musical – José Brazil 15h00 Robert Schumann, poeta musical ou em torno de “ Zwielicht” : breves sugestões para uma interpretação – Isaac Chueke 15h30 Ernst Mahle: obras para clarineta – Herson Amorim

local: sala 103

sessão 1B mediador: Prof. Dr. Mestrando Thiago Tatsch

ÁLVARO CARLINI – Monitor:

13h30 O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti – Ísis Biazioli 14h00 Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a 1949 – Alice Belém

14h30 Do conceito metafísico ao fenômeno sonoro: considerações a respeito da mousike no pensamento de Platão e de Aristóteles – Sarah Roeder 15h00 Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da música culta em São Paulo na Belle Époque – Fernando Pereira Binder 15h30 Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro italiano em Curitiba, entre 1912-1940 – Alan Rafael de Medeiros

local: sala 101

sessão 1C mediador: Prof. Dr. MAURÍCIO DOTTORI – Monitor: Mestrando Anderson Zabrocki

13h30 Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise – Diogo Lefevre 14h00 Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao Opus 11/3 – Felipe Ribeiro 14h30 Wie bin ich froh! op. 25 nº1 para Voz e Piano de Anton Webern, possíveis associações entre texto, estrutura e forma das séries empregadas – Ernesto Frederico Hartmann Sobrinho 15h00

Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na Ária (Cantiga) da Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos – Ana Carolina Manfrinato

15h30 Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica – Diego Borges 16h00–16h30 intervalo cafezinho

local: auditório

sessão 2A mediador: Prof. Dr. FELIPE RIBEIRO (EMBAP) – Monitor: Mestranda Kátia Santos

16h30 Composição de Música Textural Assistida por Computador – Wander Vieira 17h00 Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação – Christina Marie Bogiages; Cleber da Silveira Campos 17h30 Timbre, Análise e Composição: uma proposta colaborativa – Ivan Eiji Simurra; Igor Leão Maia 18h00 Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais para poética composicional – Eduardo Frigatti

local: sala 103

sessão 2B mediador: Profa. Dra. SILVANA SCARINCI Mestrando Anderson Zabrocki

Monitor:

16h30 Reconstrução da parte de viola de um quarteto e das partes de viola e canto de três árias da ópera Precipício de Faetonte (BGUC-MM876), de Antônio José da Silva (17051739) e Antônio Teixeira (1707-1774) – Gabriel de Sousa Lima; Márcio Leonel Farias Reis Páscoa 17h00 A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais – Monica Vermes

17h30 Aspectos sócio-culturais de Curitiba, Paraná, na última década do século XIX: o Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) – Alvaro Carlini 18h00 Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si” na investigação acadêmica da música popular – Sérgio Freitas

local: sala 101

sessão 2C mediador: Profa. Ms. MARGARET AMARAL DE ANDRADE (EMBAP) Monitora: Mestranda Lizzie Lessa

16h30 Abordagem Pontes: uma pesquisa sobre a construção teórica – Vilma de O. S. Fogaça 17h00 Apresentações musicais nas escolas: interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical – Cristiana de Azevedo Tramonte; Katarina Grubisic 17h30 Experiências de domínio em El Sistema – Veridiana de Lima Gomes Krüger 18h00 Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos de percepção musical – Lílian Sobreira Gonçalves 18h30 – 19h00

intervalo

19h00 Palestra Prof. Dr. Rogério Budasz (UCR- EUA)

SÁBADO 30 DE NOVEMBRO DE 2013

local: auditório

sessão 3A Kátia Santos

mediador: Prof. Dr. EDWIN PITRE – Monitora: Mestranda

09h30 Uma História da Bossa Nova na Capital Pernambucana – Fernando Torres 10h00 Um brasileiro que faz música: considerações sobre o pensamento musical de Hermeto Pascoal – Daniel Zanella dos Santos 10h30 A segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950: o caso do Trio Surdina – Rodrigo Vicente 11h00

Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho comum – Lucas Bonetti

11h30 "Jequibau" – Daniel Vilela

local: sala 103

sessão 3B (iniciação científica I) Monitora: Mestranda Melody Falco

mediador: Prof. Dr. DANILO RAMOS

09h30 Embocadura na flauta transversal – Marina Monroy da Costa Penna 10h00 Entre a fonte e o som – Levy Oliveira e Ana Cláudia de Assis 10h30 A harmonia em “Trovas” de Alberto Nepomuceno: em busca de elementos da poética harmônica – Heitor B. Vieira e Francisco Wildt

11h00 Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim Koellreutter e Raymond Schafer – Andre Greboge 11h30 Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência – Gabriel Silveira Pfarrius

local: sala 101

sessão 3C (Iniciação científica II) mediador: Profa. Dra. ROSEANE YAMPOLSCHI – Monitor: Mestrando Adriano Elias

09h30 Jogo de malha: por uma poética composicional em ‘paisagem sonora mista’ – Julio Cesar Damaceno; Fátima Carneiro dos Santos 10h00 Composição modular para obras audiovisuais interativas – Alexandre Campos Moraes e Silva; Lucas Henrique Serpe Diaz 10h30 Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística – Rodrigo Enoque 11h00 Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e sua relação com a construção das crenças de autoeficácia – Marina Abrahao 11h30 Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática musical coletiva de músicos de grupos de música popular e bandas de rock – Marcos Aloisius Perufo Damke

local: auditório

sessão 4A mediador: Prof. Mr. TIAGO MADALOZO (FAP) Monitor: Mestrando Anderson Zabrocki

14h00 Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos guias de execução nas Variações ABEGG, op. 1, de Schumann – Bibiana Bragagnolo; Luciana Noda 14h30 A noção de auditório para a música contemporânea – William Teixeira da Silva 15h00 A canção pop/rock na sala de aula, um estudo de caso: problemáticas e propostas – Jorge A. Falcón; Jetson de Souza 15h30 O Estado da Arte na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho: resultados iniciais – Camila Durães Zerbinatti; Teresa Mateiro; Guilherme Sauerbronn de Barros 16h00 o “complexo Ab‐C‐E” em “choro bandido” de Edu Lobo e Chico Buarque: um estudo de relações entre componentes textuais e musicais – Matheus Henrique de Souza Ferreira; Sérgio Freitas

local: sala 103

sessão4B mediador: PROFA. DRA. CARMEN CÉLIA FREGONEZE (EMBAP) – Monitor Mestrando Jean Pscheidt

14h00 Novas possibilidades sonoras para percussão a partir de técnicas expandidas e recursos tecnológicos em tempo real – Pedro Henrique Machado Freire 14h30 Validação de Ferramenta Analítica para o estudo de quatro variáveis da embocadura na Flauta Transversal – Luiz Fernando Barbosa Jr e Lucas Robatto

15h00 A escolha da digitação para performance no contrabaixo: um estudo sobre o processo de otimização das escolas de contrabaixo – Guilherme Espindula de Oliveira e Fernando Gualda 15h30 Histórias que ouvi e coisas que aprendi com a Sonata op. 147 de Dimitri Shostakóvitch – Isabel Pereira Duschitz e Sérgio Freitas 16h00 Considerações interpretativas sobre a obra TransFormantes III para vibrafone e liveelectronics – Charles Augusto Braga

local: sala 101

sessão 4C mediador: PROFA. DRA. ROSANE CARDOSO DE ARAUJO – Monitora - Mestranda Micheline Gois

14h00 Construção das crenças de autoeficácia em aulas de musicalização e flauta doce – Renata Filipak e Rosane Cardoso de Araújo 14h30 Persuasão verbal e o processo de ensino El Sistema – Veridiana de Lima Gomes Krüger 15h00 Aquisição de habilidades rítmicas no estudo do violão – Luiz Carlos Martins Loyola Filho

16h30–17h00 intervalo cafezinho local: auditório - 17h00 - Concerto de encerramento: grupo “LendJazz”. Coordenação, Prof. Dr. Danilo Ramos

Coordenação e equipe do Simpemus 6

Programa de Pós-graduação em Música – UFPR - Coordenação: Profa. Dra. Silvana Scarinci (coordenadora) e prof. Dr. Danilo Ramos (vice-coordenador) /Secretário: Gabriel Snak Firmino. Coordenação geral do Simpemus: Prof. Dr. Norton Dudeque e Profa. Dra. Rosane Cardoso de Araújo Coordenação Científica: Prof. Dr. Daniel Quaranta (UFJF) e Prof. Dr. Norton Dudeque (UFPR) Pareceristas: Professores doutores Daniel Quaranta (UFJF), Norton Dudeque (UFPR), Silvana Scarinci (UFPR), Zélia Chueke (UFPR), Carmen Célia Fregoneze (EMBAP), Valéria Luders (UFPR), Danilo Ramos (UFPR), Orlando Fraga (EMBAP), Guilherme Romanelli (UFPR),Rosane Cardoso de Araújo (UFPR), Roseane Yampolschi (UFPR) Edwin Pitre (UFPR) Professor Palestrante Convidado: Prof. Dr. Rogério Budasz (UCR – EUA) Professores Mediadores: Dra Zélia Chueke (UFPR), Dr. Álvaro Carlini (UFPR), Dr. Felipe Ribeiro (EMBAP), Dr. Maurício Dottori (UFPR), Ms. Tiago Madalozo (FAP), Dra. Silvana Scarinci (UFPR), Ms. Margaret Amaral de Andrade (EMBAP), Dra. Roseane Yamploschi (UFPR), Dra. Carmen Célia Fregoneze (EMBAP), Dr. Edwin Pitre (UFPR), Dr. Danilo Ramos (UFPR), Dra. Rosane Cardoso de Araujo (UFPR). Equipe organizadora: alunos mestrandos Anderson Zabrocki, Micheline Gois, Lizzie Lessa, Veridiana Lima Krüger, Igor Krüger, Kátia Santos, Jean Pcheidt, Débora Bérgamo, Tiago Tatch, Melody Falco, Adriano Elias, Elder gomes da Silva, Renata Filipack. Aluno graduação: Gabriel Pfarrius. Organização para divulgação/site e apoio: Dra. Desire Oliveira Grupos musicais convidados: 1. “Práticas Musicais para a Comunidade no DeArtes” - Coordenação Prof. Dr. Edwin Pitre e vice-coordendção Prof. Drando Rafael Ferronato 2.

“LendJazz” – Coordenação Prof. Dr. Danilo Ramos.

Apoio financeiro: Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação; Programa de Pós-graduação em Música/UFPR; Departamento de Artes/UFPR

| sumário | xv

| apresentação | | comunicações | | sessão 1A |

1

Avaliação de conteúdos de Fonética aplicados em uma proposta de ensino da dicção no Canto na abordagem linguístico-analítica Jeanne Rocha (UFU)

7

Ética, semiótica e edição musical: segundo movimento sonatina para flauta e violão de Radamés Gnattali Solon Santana (UFBA)

16

Rosa Del Ciel, ária da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi: pesquisa empírica e bibliográfica para a construção de uma performance musical José Brazil (UFPR)

24

Robert Schumann, poeta musical ou em torno de “ Zwielicht” : breves sugestões para uma interpretação Isaac Chueke (UNESPAR/EMBAP)

30

Ernst Mahle: obras para clarineta Herson Amorim (UFPA)

| sessão 1B | 37

O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti Ísis Biazioli (USP)

43

Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a 1949 Alice Belém (UEMG)

51

Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da música culta em São Paulo na Belle Époque Fernando Pereira Binder

57

Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro italiano em Curitiba, entre 1912-1940 Alan Rafael de Medeiros (UFPR); Álvaro L. R. S. Carlini (UFPR) Do | sessão 1C |

64

Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise Diogo Lefévre (UNESP)

72

Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao Opus 11/3 Felipe Ribeiro (UNESPAR/EMBAP)

81

Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na Ária (Cantiga) da Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos

Ana Carolina Manfrinato (UFPR) 87

Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica Diego Borges (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC) | sessão 2A |

93

Composição de Música Textural Assistida por Computador Wander Vieira (UNICAMP); Jônatas Manzolli (UNICAMP)

105

Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação Christina Marie Bogiages (UFRN); Cleber da Silveira Campos (UFRN)

111

Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais para poética composicional Eduardo Frigatti (UFPR) | sessão 2B |

117

A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais Monica Vermes (UFES/UNESP/CNPq)

124

Aspectos sócio-culturais de Curitiba, Paraná, na última década do século XIX: o Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) Alvaro Carlini (UFPR)

133

Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si” na investigação acadêmica da música popular Sérgio Freitas (UDESC) | sessão 2C |

137

Apresentações musicais pela apreciação musical

nas escolas: interações sociais na aprendizagem

Katarina Grubisic (UFSC); Cristiana de Azevedo Tramonte (UFSC) 144

Persuasão verbal e o processo de ensino em El Sistema Veridiana de Lima G. Krüger (UFPR)

152

Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos de percepção musical Lílian Sobreira Gonçalves (UFPR); Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)

| sessão 3A | 157

Uma História da Bossa Nova na Capital Pernambucana Fernando Torres (UDESC)

164

Um brasileiro que faz música: considerações sobre o pensamento musical de Hermeto Pascoal Daniel Zanella dos Santos (UDESC)

172

A segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950: o caso do Trio Surdina

Rodrigo Vicente (UNICAMP) 179

Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho comum Lucas Bonetti (UNICAMP); Claudiney R. Carrasco (UNICAMP)

184

"Jequibau": algumas considerações Daniel Vilela (UFPR)

| sessão 3B | 192

Embocadura na flauta transversal Marina Monroy da Costa Penna UFBA)

201

Entre a fonte e o som Levy Oliveira (UFMG); Ana Cláudia Assis (UFMG)

207

A harmonia em “Trovas” de Alberto Nepomuceno: em busca de elementos da poética harmônica Francisco Wildt (FAP-PR); Heitor B. Vieira (FAP-PR)

218

Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim Koellreutter e Raymond Schafer Andre Greboge (UFPR)

224

Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência Gabriel Silveira Pfarrius (UFPR)

| sessão 3C | 228

Jogo de malha: por uma poética composicional em ‘paisagem sonora mista’ Julio Cesar Damaceno (UEL); Fátima Carneiro dos Santos (UEL)

234

Composição modular para obras audiovisuais interativas Alexandre Campos Moraes e Silva (UFPR); Lucas Henrique Serpe Diaz (UFPR); Débora Opolski (UFPR)

242

Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística Rodrigo Enoque (UFPR)

248

Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e sua relação com a construção das crenças de autoeficácia Marina Calçado Abrahão (UFPR)

252

Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática musical coletiva de músicos de grupos de música popular e bandas de rock Marcos Aloisius Perufo Damke (UFPR)

| sessão 4A | 255

Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos guias de execução

nas Variações ABEGG, op. 1, de Schumann Bibiana Bragagnolo (UFPB); Luciana Noda (UFPB) 264

A noção de auditório para a música contemporânea William Teixeira da Silva (UNICAMP); Silvio Ferraz (UNICAMP)

271

A canção pop/rock na sala de aula, um estudo de caso: problemáticas e propostas Jorge A. Falcón (PUCPR); Jetson de Souza (PUCPR)

281

O Estado da Arte na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho: resultados iniciais Camila Durães Zerbinatti (UDESC); Guilherme Sauerbronn de Barros (UDESC)

288

O “complexo Ab‐C‐E” em “choro bandido” de Edu Lobo e Chico Buarque: um estudo de relações entre componentes textuais e musicais Matheus Henrique de Souza Ferreira (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC)

| sessão 4B | 293

Novas possibilidades sonoras para percussão a partir de técnicas expandidas e recursos tecnológicos em tempo real Pedro Henrique Machado Freire (Universidade de Aveiro); Cleber da Silveira Campos (UFRN)

301

Validação de Ferramenta Analítica para o estudo de quatro variáveis da embocadura na Flauta Transversal Luiz Fernando Barbosa Jr(UFBA); Lucas Robatto (UFBA)

312

A escolha da digitação para performance no contrabaixo: um estudo sobre o processo de otimização das escolas de contrabaixo Guilherme Espindula de Oliveira (UFRGS); Fernando Gualda (UFRGS)

318

Histórias que ouvi e coisas que aprendi com a Sonata op. 147 de Dimitri Shostakóvitch Isabel Pereira Duschitz (UDESC); Sérgio Freitas (UDESC)

323

Considerações interpretativas sobre a obra TransFormantes III para vibrafone e live-electronics Charles Augusto Braga (UFMG); Fernando Rocha (UFMG) | sessão 4C |

328

Construção das crenças de autoeficácia em aulas de musicalização e flauta doce Renata Filipak (UFPR); Rosane Cardoso de Araújo (UFPR)

336

Aquisição de habilidades rítmicas no estudo do violão Luiz Carlos Martins Loyola Filho (UFPR)

| apresentação |

É com grata satisfação que apresentamos os Anais do SIMPEMUS6, Simpósio de Pesquisa em Música 2013. O evento foi realizado nos dias 29 e 30 de novembro de 2013 no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná, através do seu Programa de Pós-Graduação em Música. As edições anteriores deste evento científico nacional contaram com a participação de pesquisadores de várias universidades brasileiras, assim como com palestrantes de renome nacional. Os Anais dos eventos passados foram publicados pela editora do Departamento de Artes da UFPR e distribuídos a pesquisadores e instituições científicas de todo o País. O SIMPEMUS5 permanece fiel às diretrizes que nortearam as versões anteriores, constituindose em um fórum científico dedicado à discussão e reflexão de questões relevantes às áreas da musicologia, teoria, análise, interpretação, tecnologia musical, e cognição musical. Para esta edição foram selecionados trabalhos de pesquisadores oriundos de diversas instituições do Brasil (FAP-PR, EMBAP, UDESC, UNESP, UNICAMP, USP, UFRGS, UFSC, UFES, UFRJ, UFBA, UFRN, UFPR, entre outras). Ademais, realizamos o simpósio de alunos de graduação e de iniciação científica. Este ano tivemos a honra da presença da prof. Dr. Rogério Budasz (UCR-EUA). Em nome da comissão organizadora do SIMPEMUS6, agradeço a todos os pareceristas, mediadores de sessões e monitores, funcionários do DeArtes, à Pro-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, à Coordenação do PPG-Música e ao Departamento de Artes da UFPR. Sem o apoio de todos, a realização do evento não seria possível.

Norton Dudeque Coordenador do SIMPEMUS5 Curitiba, novembro de 2013

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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013

Avaliação de conteúdos de Fonética aplicados em uma proposta de ensino da dicção no Canto na abordagem linguístico-analítica COMUNICAÇÃO ORAL: Jeanne Rocha

Universidade Federal de Uberlândia – [email protected]

Resumo: A pesquisa foi realizada na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com 10 alunos de Canto, matriculados na disciplina Dicção 4, de agosto a dezembro de 2011, a quem aplicamos uma proposta de ensino fundamentada em Fonética (SOUZA, 2009). Apresentamse resultados parciais advindos do questionário coletado ao final da disciplina, com avaliações dos participantes sobre os conteúdos aplicados, contribuindo para investigações sobre benefícios da Fonética no processo ensino-aprendizagem da dicção no Canto. Palavras-chave: Dicção para Cantores. Fonética. Pedagogia Vocal. Review content of Phonetics applied in a teaching diction in singing the linguistic-analytical approach Abstract: The research was conducted at the Universidade Federal de Uberlândia (UFU) with 10 students Singing, registered in the discipline Diction 4, August-December, 2011, who apply a teaching based on phonetics (SOUZA, 2009). We present partial results deriving from the questionnaire collected at the end of the course, with reviews from participants on content applied, contributing to research on benefits of phonetics in the teaching-learning process in Singing diction. Keywords: Diction for Singers. Phonetics. Vocal Pedagogy.

1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa trata-se da abordagem linguístico-analítica, fundamentada em Fonética, do ponto de vista da articulação dos sons – a Fonética Articulatória (WEISS, 1980) – e da representação – o Alfabeto Fonético Internacional (AFI) (IPA, 2005) e sua prática, a Transcrição Fonética (TF) (LACERDA & HAMMARSTRÖM, 1952). Nesta abordagem, de acordo com Souza (2009), a compreensão de descrições articulatórias favorece o aprendizado da pronúncia, uma vez que o aprendiz passa a conhecer e saber praticar o movimento certo dos articuladores em seus modos e pontos de articulação, com consciência da corrente de ar no processo fonatório; já o conhecimento de um alfabeto fonético favorece no entendimento de como os sons do discurso são transcritos ou representados.

2. MATERIAIS E MÉTODOS Optamos pela pesquisa-ação, tendo em vista necessidades de mudanças didático-pedagógicas na referida disciplina e instituição (MOREIRA & CALEFFE,

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2006). Dos 10 participantes, 6 cursam Licenciatura e 4 Bacharelado; 4 homens e 6 mulheres entre 21 e 42 anos de idade, a quem aplicamos tal proposta e coletamos dados para análises quantitativa, qualitativa e comparativa. A coleta de dados constou: 1) Dados iniciais: coletados nas primeiras semanas do curso (08 a 20/08/11) por meio de questionário digital, gravação digital em áudio (cada participante gravou uma canção erudita em Português Brasileiro, de livre escolha, antes da aplicação da proposta de ensino), partitura musical e TF; 2) Aplicação da proposta de ensino: coletados durante o curso (16 horas/aula): anotações de campo, exercícios e provas; 3) Dados finais: coletados nas últimas semanas do curso (05 a 16/12/11) por meio de questionário digital; regravação digital em áudio da mesma canção inicial e sua TF.

3. DADOS E RESULTADOS PARCIAIS Para este artigo, selecionamos dados do questionário final com a avaliação dos participantes aos conteúdos da abordagem linguístico-analítica: Fonética Articulatória, Alfabeto Fonético Internacional (AFI) e Transcrição Fonética (TF). Tal avaliação inclui também pontos de maior e menor assimilação destes conteúdos durante a aplicação da proposta de ensino, considerando seu desconhecimento a 60% dos participantes.

a) Fonética Articulatória A Fonética Articulatória visa ao estudo dos sons da fala do ponto de vista articulatório, observando como são articulados ou produzidos pelo aparelho fonador (MATZNAUER In: BISOL, 2010, p. 11), bem como a descrição precisa desses sons e suas possíveis coarticulações no espaço destinado ao trato vocal, sendo importante no processo ensino-aprendizagem de línguas (SOUZA, 2009). Na avaliação deste conteúdo, 1 participante relatou não achar decisivos os conhecimentos de Fonética Articulatória para uma boa pronúncia do idioma ao cantar, enquanto 9 consideram a importância deste conteúdo no sentido de:

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1. Promover clareza na articulação do cantor para melhor entendimento do público; 2. Melhorar o canto sabendo como são produzidos estes sons no aparelho fonador; 3. Encontrar o ponto certo na articulação de cada vogal, semivogal e consoante para cantar corretamente; 4. Conscientização da língua com maior auxílio ao canto; 5. Entender, na prática, o ponto de articulação e o movimento dos articuladores na produção dos sons da língua cantada; 6. Entender, sentir e experimentar como os sons das palavras são produzidos; 7. Fazer com que o falante ou cantor produza sons precisos, de forma mais autêntica.

Depoimento em destaque: “O conhecimento da estrutura anatômica e fisiológica, tanto para o educador quanto para o aluno, torna-se fundamental na compreensão do papel que desempenha cada órgão e suas funções na produção dos sons fonéticos” (participante 10).

- Pontos de assimilação do conteúdo Fonética Articulatória Neste conteúdo os participantes afirmaram maior assimilação na articulação dos sons de consoantes, vogais e semivogais do PB; e menor assimilação na identificação entre consoante surda (sem voz nas pregas vocais) e sonora (com voz nas pregas vocais); a consciência de pontos e modos de articulação em geral; memorizar o trapézio vocálico representado pelo AFI; identificar cada termo linguístico com seu significado e aplica-los na prática. No tocante à articulação de sons fonéticos, este resultado, considerado satisfatório, mostra que o curso cumpriu sua meta, despertando nos participantes a importância da Fonética Articulatória nos estudos da dicção. Acreditamos que os

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pontos de menor assimilação se efetivarão com o tempo e a prática destes conteúdos.

b) Alfabeto Fonético Internacional O AFI, conhecido como International Phonetic Alphabet (IPA), é um sistema de notação fonética, criado em 1888, pela Associação Internacional de Fonética, com o objetivo de propor uma representação específica para os sons da fala. Sugere um conjunto de símbolos e diacríticos para registrar todo e qualquer som atestado nas línguas naturais. É apresentado na literatura de Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas como ferramenta para o ensino e aprendizagem da pronúncia de línguas em geral (HIRAKAWA, 2007; SOUZA, 2009). Na pedagogia vocal, Miller (2011) considera sua importância tendo em vista o crescente número de publicações norte-americanas que o utilizam. A literatura estrangeira sobre dicção para cantores e as Normas do PB Cantado (KAYAMA et al., 2007) utilizam o AFI para representar a pronúncia.

c) Transcrição Fonética Transcrição fonética é uma tentativa de se registrar de modo inequívoco o que se passa na fala. Em sua prática, Weiss (1980) considera ser preciso registrar cada som, cada modificação e cada traço prosódico com símbolos específicos. Cada traço fonético (som, combinação de sons, modificação de um som, traços prosódicos, etc.) é representado por certo símbolo e, vice-versa, cada símbolo representa um som, uma modificação ou um traço prosódico1. Nas avaliações dos conteúdos AFI e TF, os participantes apontaram seus seguintes benefícios nos estudos da dicção: 1. A padronização dos sons para que sejam reproduzidos sempre como no original, além de tornar o estudo da pronúncia mais sério e mais prático; 2. Permite pronunciar em qualquer idioma sem conhecê-lo totalmente, além de desenvolver a habilidade de transcrever o repertório estudado, levando o cantor a pronunciar corretamente sempre que cantar em línguas estrangeiras e em PB;

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3. Permite representar os sons, o que ajuda o cantor a ter mais consciência dos detalhes de cada língua, melhorando na performance vocal; 4. Por ser um sistema acessível a todos, o AFI possibilita aos cantores nacionais e estrangeiros a oportunidade de cantar em outros idiomas com maior precisão de pronúncia e um número menor de dúvidas; 5. Aproxima ou decodifica o modo como se fala, já que o alfabeto da escrita não oferece esta aproximação; 6. Refina o ouvido para os mais sutis detalhes sonoros da língua; 7. Facilita o aprendizado correto da pronúncia de línguas, ampliando o senso crítico de análise dos sons fonéticos emitidos no canto; 8. Padronização da notação para representação fonética de todas as línguas.

Depoimento em destaque: “A partir da grafia dos sons por meio do AFI é possível cantar

no

idioma

alvo

com

maior

precisão

e

pureza

sonora,

evitando

estrangeirismos, maneirismos, vícios e regionalismos” (Participante 9).

- Pontos de assimilação dos conteúdos AFI e TF Nestes conteúdos os participantes afirmaram maior assimilação da TF (na escrita e leitura de símbolos) para os sons do PB, símbolos e sons de línguas do alfabeto ortográfico; e menor assimilação a sons não utilizados no PB; memorizar inúmeros símbolos; entender os sons de /r/; memorização de símbolos fonéticos, seus respectivos sons e aplicação precisa. No tocante à representação de sons fonéticos, nossa satisfação concentra-se em dois pontos: 1) no cumprimento da meta do curso ao atingir tal nível de conscientização dos participantes sobre a importância do AFI e da TF como ferramentas nos estudos da dicção no Canto; 2) na efetivação do aprendizado destes conteúdos em 80%, evidenciado em instrumentos avaliativos, como provas e exercícios de TF aplicados durante o curso. Da mesma forma, acreditamos que os pontos de menor assimilação se efetivarão com o tempo e a prática destes conteúdos.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A experiência vivenciada com esta pesquisa nos leva a continuar na defesa da abordagem linguístico-analítica no processo de ensino e aprendizagem da dicção no canto, confirmando os pressupostos teóricos de Souza (2009) apresentados na introdução deste artigo.

REFERÊNCIAS BISOL, Leda (Org.). Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPURCS, 2010. HIRAKAWA, Daniela Akie. A fonética e o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras: teorias e práticas. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado), USP. International Phonetic Alphabet (IPA, 2005). Disponível em: . Acesso em: 31 jan. 2012. KAYAMA, A. et al. Normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito; OPUS; v. 13, n. 2, dezembro, 2007, p. 16-38. LACERDA, Armando; HAMMARSTRÖM, Göran. Transcrição fonética do português normal. Revista do Laboratório de Fonética experimental da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. V. 1, 1952, p. 119-135. MILLER, R. On the art of singing. NY: The Oxford University Press, Inc., 2011. MOREIRA, H. & CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. Rio de Janeiro: D&A, 2006. ROCHA, J. M. G. Contribuições da fonética no processo ensino-aprendizagem da pronúncia de línguas no canto. Uberlândia, 2013. Dissertação (Mestrado), UFU. SOUZA, M. O. P. de. A fonética como importante componente comunicativo para o ensino de língua estrangeira. Revista Prolíngua. v. 2 n. 1 Jan/Jun 2009, p. 33-43. WEISS, Helga E. Fonética Articulatória: guia de exercício. 2. Ed. Brasília: SIL, 1980. Notas 1

Um melhor detalhamento sobre transcrição fonética apresenta-se no aporte teórico de nosso trabalho de Mestrado (ROCHA, 2013).

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ÉTICA, SEMIÓTICA E EDIÇÃO MUSICAL: SEGUNDO MOVIMENTO DA SONATINA PARA FLAUTA E VIOLÃO DE RADAMÉS GNATTALI Solon Santana Manica UFBA - [email protected] Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo delinear relações possíveis entre intérprete/obra/compositor, intermediados pelo ato editorial, enfocando os aspectos éticos presentes no processo interpretativo musical na tradição de música de concerto ocidental. A investigação desenvolve-se através do trabalho de revisão editorial da parte de flauta do segundo movimento da Sonatina para Flauta e Violão de Radamés Gnattali, problematizando questões teóricas sobre o ato interpretativo - que envolvem tanto o editor como o músico - através do estudo de fontes para a obra, e as consequências de decisões editorias para a transmissão da mesma dentro de critérios éticos. Palavras-chave: Ética. Semiótica. Edição Musical. ETHICS, SEMIOTICS AND MUSICAL EDITING: THE SECOND MOVEMENT OF THE SONATINA FOR FLUTE AND GUITAR BY RADAMÉS GNATTALI Abstract: This research aims to delineate possible relations between performer/work/composer that are mediated by editorial actions. This approach focuses on some ethical aspects presented by those relations in the western concert music tradition. The research is based on an editorial revision of the flute part of the second movement of the Sonatina for Flute and Guitar by Radamés Gnatalli, and problematizes ethical questions about the interpretative act – which touch both editor and musician – through the investigation on the sources for the work. The ethical consequences of editorial decisions for the transmission of the work are also perused. Keywords: Ethics. Semiotics. Musical Editing.

1 - Introdução e apresentação do referencial teórico Este estudo1 se desenvolveu a partir da hipótese que a relação entre intérprete/obra/compositor, intermediados pelo ato editorial, comprova a importância da formação de uma consciência histórico-crítica para o intérprete em suas atividades. A investigação busca, a partir do aparato disponibilizado pelo pensamento teórico científico, compreender o quanto a interpretação de um músico pode ser influenciada pela do editor, presente na edição que o músico utiliza para sua execução. Chama, assim, a atenção para a importância de uma pesquisa em torno das fontes da obra, que foram utilizadas pelo editor, bem como busca compreender quais os pressupostos teóricos utilizados por este. Esses, firmados em uma postura ética do intérprete, possibilitam ao músico desenvolver uma consciência histórico-crítica em relação à obra a ser executada. As questões com as quais o intérprete irá se deparar em suas atividades, partem do foco sobre a interação entre sujeito e objeto a ser interpretado e não no 1

Pesquisa orientada pelo Prof. Dr. Lucas Robatto.

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sujeito, no autor ou na obra em si. Com base nessa premissa, advêm os questionamentos que norteiam a pesquisa. As questões norteadoras são as seguintes: 1) Todas as respostas, ao conteúdo do texto musical, estão dentro do texto em si, ou há a necessidade/possibilidade de informações originadas além do texto para criação de sentido deste? 2) A totalidade dos conhecimentos previamente adquiridos e o acúmulo das experiências de vida de um músico são suficientes para que este, ao deparar-se com um texto desconhecido, possa interpretá-lo de maneira não arbitrária ou colaboram para colocar o intérprete em posição “pré-conceituosa” em relação ao texto? 3) A partir dos questionamentos anteriores, qual seriam os pressupostos que, na medida em que podem auxiliar o músico a tornar-se consciente das escolhas tomadas diante do texto musical, afirmariam a necessidade/possibilidade da realização de uma pesquisa em torno do texto para sua interpretação? Estas perguntas remetem inicialmente a Hermenêutica que, segundo Ian D. Bent (BENT, 2011), trata do estudo a respeito da interpretação dos textos, mas pode ser expandido para as obras de arte. Este mesmo autor relata que em música a Hermenêutica esteve relacionada tangencialmente a Filosofia da Música, dentre o século XIX e início do século XX, após aproximou-se da Psicologia da Música e recentemente da Sociologia da Música. Ao procurar compreender o conteúdo do texto musical vai ao encontro da Semiótica, do Estruturalismo e da teoria da Recepção. Visto a abrangência dos estudos da Hermenêutica, fez-se necessário definir alguns tópicos levantados por este campo do saber, e que possibilitam uma visão geral do assunto e se adequam ao tema e a hipótese levantada para esta investigação. A escolha destes tópicos procurou se fundamentar nas disciplinas normativas, segundo Charles Sanders Peirce: a estética, a ética e a lógica ou semiótica. Como bem descreve Santaella: A estética, a ética e a lógica são chamadas normativas porque elas têm por função estudar ideais, valores e normas. Que ideais guiam nossos sentimentos? Responder a esta questão é tarefa da estética. Que ideais orientam nossa conduta? Esta é a tarefa da ética. A lógica, por fim, estuda os ideais e as normas que conduzem o pensamento. [...] Por isso, a lógica, também chamada de semiótica, trata não apenas das leis do pensamento e

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das condições da verdade, mas, para tratar das lei do pensamento e da sua evolução, deve debruçar-se antes, sobre as condições gerais dos signos. (SANTAELLA, 2010, p.2)

Uma das tarefas fundamentais de uma teoria científica é a sua capacidade de previsão, ou seja, esta “deve constituir um conjunto de regras de inferências que permitam a previsão dos dados de fato.” (ABBAGNANO, 1998, p.953) De maneira que tem por finalidade normatizar um determinado fenômeno ou prática, por isso justifica-se o uso de disciplinas normativas (a estética, a ética e a semiótica) para estabelecer os pressupostos que devem orientar uma interpretação musical. Nesta pesquisa dentre as disciplinas normativas elencadas acima serão abordadas a ética e a semiótica. O que se procura delinear aqui não é uma teoria científica, que normatize o ato interpretativo, mas sim utilizar o aparato teórico para descrever e refletir a respeito da atividade do intérprete, visto que no meio musical existem normas de interpretação que são estabelecidas pelos músicos dentro uma cultura e de um dado momento histórico, vide a ornamentação no período barroco e os vário tratados que tentam descrever esta prática da época. Assim, pretende-se entender a atividade do músico erudito, dentro da música de concerto de tradição ocidental, na qual o texto musical desempenha importante papel, pois é o meio pelo qual o intérprete desenvolve sua performance. O maior desafio não é, portanto, definir as normas de uma interpretação musical, mas sim descrever e compreender os motivos que movem o intérprete a estabelecer diretrizes para realização de suas atividades. 2- Ética Antes de demonstrar as implicações éticas de uma interpretação musical, é necessário entender o pensar ético adotado para esta pesquisa, pois assim se pode ter clareza da causa de tais implicações. O pensamento de Hans Jonas (JONAS, 2006), considerado um dos principais filósofos alemães contemporâneos, é usado como base para o presente trabalho, devido à representatividade de sua obra nesta área do conhecimento A partir do pensamento de Hans Jonas fica evidenciado o aspecto ôntico da ética no ser humano e que, por isso, está presente em todas as áreas do conhecimento e do fazer humano. Ao ter em mente esta premissa, a pesquisa procura demonstrar a importância da ética para a interpretação musical. Embora o autor se preocupe mais com as questões ambientais e tecnológicas,

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também afirma sua importância para as obras de arte, que, como patrimônios culturais da humanidade, devem ser preservadas: Dentro desse quadro genérico, que vincula qualquer tipo de responsabilidade à vida é possível que coisas não vivas se tornem objeto de responsabilidade, não porque estejam subjetivamente a serviço da vida, mas como elas próprias, e até mesmo em prejuízo do que se considera normalmente como sendo o interesse vital. [...] A maior das obras de arte se tornaria um pedaço mudo de matéria em um mundo sem homens. De outro lado, sem a obra de arte o mundo habitado por homens se torna um mundo menos humano, e a vida dos seus habitantes seria mais carente de humanidade. Assim, a criação da obra de arte faz parte do agir humano constituinte do mundo; e sua presença é parte do patrimônio do mundo instituído pelos homens, o único onde os homens podem encontrar abrigo. Não podemos imputar ao artista a preocupação em aumentar o acervo artístico ou fomentar a cultura; é melhor que ele se ocupe exclusivamente de sua obra. Mas, no que concerne à preservação de sua criação por parte de outros, como patrimônio da humanidade (um dever indubitável), a obra não se beneficia da imunidade com a qual o seu criador, responsável apenas pela obra pode se desfazer de todos os seus outros deveres. (Ibid, p.177-178)

A citação acima demonstra a importância do princípio responsabilidade para a arte. Pois como o homem, afirma Hans Jonas, possui o poder de colocar em risco a humanidade, ou seja, destruí-la, também tem o poder de destruir uma obra de arte, que é patrimônio da humanidade e por isso deve, indubitavelmente, ser preservada. O autor, na citação anterior, afirma ainda que a obra de arte é essencial, pois humaniza o homem, sem ela o mundo se tornaria mais carente de humanidade. É importante ressaltar que uma obra de arte pode ser interpretada em diferentes momentos históricos e, consequentemente, em diferentes contextos socioculturais, pois segundo Eros Grau: A compreensão é um processo de aproximação em desenvolvimento que aproxima o sujeito que compreende e o objeto a compreender até o encontro mútuo produzindo assim uma transformação recíproca. Esse processo se desenvolve no tempo, coloca em jogo o indivíduo com sua história vital, e o contexto das tradições sociais. (GRAU, 2010, p.7)

Portanto, o intérprete utiliza os princípios morais de sua época, ou seja, os costumes e valores consagrados que, como visto, podem ser confrontados pela ética e como este confronto ocorre no tempo, a moral de uma época sempre será distinta (em alguns ou em muitos fatores) a de um período histórico anterior ou posterior. Por isso a importância de uma consciência histórico-crítica por parte do intérprete, para estar ciente dos valores do seu momento histórico e dos valores presentes no texto

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que podem pertencer à outra época, tal consciência advém, em grande parte, de uma postura ética na sua interpretação. 3 – Semiótica Em A Estrutura Ausente (ECO, 1976), Umberto Eco procura definir o campo de estudos da semiótica e sistematizar a estrutura que subjaz do processo de comunicação, apresenta a seguinte definição: A Semiologia estuda todos os fenômenos culturais como se fôssem sistemas de signos – partindo da hipótese de que na verdade todos os fenômenos de cultura são sistemas de signos, isto é, fenômenos da comunicação. Ao fazê-lo, interpreta uma exigência difundida nas várias disciplinas científicas contemporâneas, que justamente procuram, aos mais variados níveis, reduzir os fenômenos que estudam a fatos comunicacionais. (ECO, 1976, p.3)

Ao admitir-se que a semiótica estuda como ocorre a comunicação, através do estudo dos signos e seus significados, fica evidente que cabe a esta disciplina estabelecer as normas de como ocorre o processo de interpretação de um texto. Como visto, na ética o que regula uma interpretação são os princípios, por esta estabelecidos, que devem orientar a conduta do intérprete perante o texto. Para ter um comportamento ético deve-se respeitar o “outro” e aplicando este princípio à interpretação de um texto, o intérprete deve, portanto, distinguir as suas posições de outras possíveis impressas no texto, falta ver como ocorre este processo. Para demonstrar a importância dos estudos da interpretação Umberto Eco afirma que: […] a interpretação – fundada na conjectura ou na abdução […] - é o mecanismo semiósico que explica não apenas nossa relação com mensagens elaboradas intencionalmente por outros seres humanos, mas toda forma de interação do homem (e quiçá dos animais) com o mundo circunstante. É através dos processos de interpretação que, cognitivamente, construímos mundos, atuais e possíveis. (ECO, 1995, p.XX)

O autor acredita, assim, evidenciar as razões para a preocupação em torno das condições e dos limites da interpretação. De modo que inspirado no debate em torno da interpretação dos textos, Umberto Eco escreve Os Limites da Interpretação, no qual após assinalar teorias anteriores e as teorias correntes na época, aponta para a importância do sentido literal como princípio básico para a interpretação de um texto. Afirma que todo discurso a respeito da liberdade de interpretação deve iniciar pela defesa do sentido literal. Esse estaria ligado ao enfoque gerativo, o qual

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se refere às supostas características objetivas de um texto, que não pretendem reproduzir as intenções do autor, mas “a dinâmica abstrata por meio da qual a linguagem se coordena em textos com base em leis próprias e cria sentido, independentemente da vontade de quem os enuncia.” (Ibid, p.7) Em contraposição está o enfoque interpretativo, o qual procura no texto o que o seu destinatário nele encontra, utilizando-se de seu conhecimento, relativo a seus próprios sistemas de significação e/ou a seus próprios desejos, pulsões, arbítrios. Para

desenvolver

estes

dois

enfoques,

utiliza

os

conceitos

de

interpretação semântica e interpretação crítica: A interpretação semântica ou semiósica é o resultado do processo pelo qual o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-a de significado. A interpretação crítica ou semiótica é, ao contrário, aquela por meio da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o texto produzir aquelas (ou outras, alternativas) interpretações semânticas. (Ibid, p.12)

Através desses dois conceitos o autor procura estabelecer os limites da interpretação e que, consequentemente, determinam o processo de distinção das posições do intérprete de outras possíveis impressas no texto. Portanto, o músico deve estar ciente de que a percepção do conteúdo do texto musical de forma crítica (racional) depende intrinsecamente dos seus conhecimentos em torno do texto. Por isso, a importância da pesquisa do universo retórico e ideológico deste, a fim de tornar consciente a compreensão de outros possíveis léxicos nele presentes e não apenas utilizar os léxicos mais correntes atualmente, disponíveis ao intérprete (através de suas vivências). No caso da música de concerto de tradição ocidental esta premissa pode remeter o músico a buscar as fontes que foram utilizadas na edição em uso para sua execução, visto que é a partir desta que vai desenvolver sua interpretação. Neste contexto, a compreensão do ato editorial se torna importante para o músico, pois, como visto, quanto maior o repertório de conhecimentos do intérprete, mais conscientes são suas decisões diante da obra, isso evidencia a necessidade dos conhecimentos a respeito da edição, para a compreensão do importe semiótico do texto. 4 - Segundo movimento da Sonatina para Flauta e Violão de Radamés Gnattali A partir do cotejamento e avaliação crítica das diferentes fontes que

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transmitem a Sonatina para Flauta e Violão de Radamés Gnattali, pretende-se apontar para a importância da consciência histórico-crítica na atividade do intérprete musical. Serão abordados aqui apenas os aspectos editoriais referentes à parte da flauta do segundo movimento da obra. Os exemplos de comparação entre as diversas fontes encontradas para a obra, este artigo apresenta um exemplo, explicitam as decisões tomadas pelo editor, decorrentes do tratamento dado pelo editor ao importe semiótico do texto. Realizado o confronto entre a edição Chanterelle e as outras fontes do segundo movimento da sonatina, foram encontrados alguns pontos diferentes, estes se referem a ligaduras de expressão e prolongamento, indicações de respiração, e em apenas um caso ocorre diferença entre notas musicais, este último é o exemplo apresentado neste artigo. Como os manuscritos praticamente não apresentaram diferenças entre si (apenas uma ligadura de expressão), o exemplo a seguir irá apresentar primeiro a edição Chanterelle e em seguida o manuscrito da parte de flauta separada, feito por Radamés Gnattali. A única diferença de nota, neste movimento, entre a edição Chanterelle e as outras fontes, pode ser vista no exemplo abaixo. Aqui a alteração realizada pelo editor, pode decorrer da falsa relação que o Láb (no primeiro tempo do compasso, da imagem do manuscrito) causa em relação ao baixo, executado pelo violão, no qual há um Lá natural (semínima, também no primeiro tempo do compasso).

Exemplo 1: Gnattali, Sonatina, 2° mov., cc. 167, diferença de nota entre edição e manuscrito

Como este Láb está presente em todas as fontes manuscritas estudadas, apresenta-se aqui um possível erro editorial. Tal erro poderia provavelmente ser

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evitado diante de uma pesquisa a respeito do estilo composicional de Gnattali. Para Grier (GRIER, 1996, p.28-30) dentro do contexto da pesquisa histórica e semiótica realizada em torno de uma obra e suas fontes, a prática de edição depende de uma forma elementar da concepção de estilo, por parte do editor, da obra em questão. Tomados em conjunto, os símbolos, ou seja, a notação e seu significado semiótico geram os atributos estilísticos da obra. Como a edição, pretende a fixação dos símbolos de uma determinada peça, o estilo, neste processo, governa muitas das escolhas editoriais. Este mesmo autor ressalta que a visão histórica de estilo governa avaliação crítica do editor em suas leituras da obra. Afirma, ainda, que em última análise, edição se resume na preferência de uma leitura sobre outra e a ferramenta mais importante, que um editor tem para a tomada destas decisões, é o seu conhecimento a respeito do estilo e do contexto histórico da obra. 5 - Conclusão A arte é uma manifestação da cultura, por isso a música, que é um fazer e um bem cultural da humanidade, não pode ser olhada isolada do contexto sóciohistórico-cultural em que está inserida. Outros saberes são de relevante valor para compreendê-la e também a influenciam, na mesma medida em que são influenciados pelo fenômeno musical, por isso os pressupostos teóricos ajudam a compreender os motivos que movem o intérprete a estabelecer diretrizes para realização de suas atividades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. BENT, Ian D. Hermeneutics. In Grove Music Online. Oxford Music Online: Data de acesso: 13/10/2011. ECO, Umberto. A Estrutura Ausente. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1976. , . Os Limites da Interpretação. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 1995 GRAU, Eros. Extradição 1.085 - Caso Cesare Battisti [voto quanto ao mérito da extradição]. Transcrição do discurso acessada em: http://www.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-2133.pdf Data de acesso: 09/07/2010. GRIER, James. The Critical Editing in Music. EUA: Cambridge University Press., 1996. JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização

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tecnológica. Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. SANTAELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

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Rosa del ciel, ária1 da ópera L’Orfeo de Claudio Monteverdi: pesquisa empírica e bibliográfica para a construção de uma performance musical. MODALIDADE: Performance José Brazil

Universidade Federal do Paraná – [email protected]

Resumo: A pesquisa expõe um relato sobre a preparação da performance musical da ária Rosa del ciel, da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi, ocorrida no ano de 2012. O objetivo é comparar este relato às reflexões encontradas em uma pequena lista de referências, principalmente em Performance musical e suas interfaces, organizado por Sonia Ray (2006). O trabalho não se apresenta conclusivo posto que a performance não se esgota em nenhuma interpretação, mas traz a exposição do envolvimento na construção de uma performance musical, podendo servir de exemplo ou paradigma na construção de estratégias em tarefas similares. Palavras-chave: Música vocal. Claudio Monteverdi. L’Orfeo. Ópera. Performance. Rosa del ciel: the aria of the opera L’Orfeo by Claudio Monteverdi: an empirical and bibliographical research in sense of building a musical performance. Abstract: This research presents a report on preparations for the musical performance of the aria Rosa del ciel, from the opera L'Orfeo by C. Monteverdi, which occurred in 2012. The purpose is to compare the reflections found in a short list of references, especially in Musical Performance and its Interfaces, edited by Sonia Ray (2006). The work does not present conclusive since the performance is not limited in any interpretation, but brings the exposure of involvement in the construction of a musical performance, thus it may serve as a paradigm or example in building strategies to similar tasks. Keywords: Vocal music. Claudio Monteverdi. L’Orfeo. Opera. Performance.

1. Construção de uma performance musical: em busca de elementos. O planejamento e elaboração de estratégias na construção de uma performance musical para um cantor, a decifração de uma partitura, a verificação do caráter, andamento, pronúncia etc., constituem pontos iniciais estratégicos, muitas vezes esquecidos, pois são considerados como andaimes da construção principal. Trazemos aqui os holofotes para os bastidores e salas de ensaio, focando o trabalho de preparação do performer. Sonia Ray, organizadora de Performance musical e suas interfaces, constata a “pouca tradição que os performers, em geral, têm em documentar suas práticas” (RAY, 2006, p.40). Procurando preencher esta lacuna, será exposto um relato sobre a preparação da performance da ária Rosa del ciel, a partir de uma experiência vivenciada durante a montagem da ópera L’Orfeo de C. Monteverdi, conduzida no Departamento de Artes da Universidade Federal do Paraná no ano de 2012, sob a direção da Prof. Silvana Scarinci, como parte das atividades da disciplina de pós-graduação “Os Primórdios da Ópera”.

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Ao primeiro contato com a partitura, a preocupação inicial foi com a tessitura e, sobretudo, com o centro da escala explorado pelo compositor, que poderia apresentar diversos graus de dificuldade, até mesmo inviabilizar sua execução. O trecho musical Rosa del ciel, aqui denominado como ária, apresenta a tessitura vocal mediana, indo de ré-2 ao fá-3, viável para a classificação vocal do barítono. Em seguida foi feita a leitura das notas musicais e do texto em italiano, que mostrou algumas dificuldades na leitura métrica. Foi preciso fazer a marcação com linhas coloridas para que o ritmo irregular, que imita a declamação, ficasse claro. Como parte dos estudos a Prof. Scarinci sugeriu a tradução desta ária, localizando-a no contexto do enredo da ópera. Estes foram os primeiros passos de um trabalho que durou algumas semanas. Eis a tradução: Rosa del ciel, vita del mondo, E degna prole di lui Che l’universo affrena; Sol, che’l tutto circondo e’l tutto miri Da gli stellanti giri, dimmi, vedesti mai di me più lieto e fortunato amante? Fu ben felice Il giorno, Mio bem, che pria ti vidi; E più felice l’hora che per te sospirai, Poi ch’al mio sospirar tu sospirasti. Felicíssimo il punto che la candida mano, Pegno di pura fede, à me porgesti, Se tanti cori havessi Quant’occhio há’l ciel eterno, E quante chiome han questi coli ameni Il verde maggio, Tutti colmi sarieno e traboccanti Di quel piacer ch’oggi mi fa contento.

Rosa do céu, vida do mundo, digna descendente daquele que domina o universo. Sol, que tudo circunda e tudo vê dentre as órbitas estelares, diga-me, já viste alguém mais do que eu, tão alegre e afortunado amante? Feliz foi o dia minha querida, quando te vi pela primeira vez; e ainda mais feliz a hora que por ti suspirei. Pois com o meu suspirar tu [também] suspiraste. Felicíssimo o momento que tua mão cândida, símbolo de pura fé, tu me estendeste. Tivesse eu tantos corações quanto os olhos que há no céu infinito, e quanto as copas que há nas colinas calmas e verdes de maio, todos [assim] estariam plenos e transbordantes do prazer que hoje me faz contente.

Exemplo 1: Texto da ária Rosa del ciel, trecho da ópera L’Orfeo. Tradução por José Brazil.

Nessa etapa já se pode identificar o viés sobre o que afirmam Pablo Gusmão e Cristina Gerling (2006, p.66): “uma interpretação musical é uma atividade complexa, pois envolve o planejamento em diversos níveis de processamento e de hierarquização de eventos para possibilitar uma projeção convincente.” O próximo passo foi localizar a ária dentro do contexto da ópera, recorrendo-se à leitura usual sobre enredos de ópera: o Kobbé: livro completo da ópera: Ato I: Pastores e ninfas se regozijam pelo casamento de Orfeo e Eurídice. Os dois pastores e a ninfa têm estrofes soladas entre os coros, e o próprio Orfeo canta sua primeira ária: Rosa del ciel. Segue-se uma stanza para Euridice, e os coros são repetidos. O ato termina com um belo coro manifestando o desejo de que a felicidade geral não traga a infelicidade dos amantes. (1997, p.8)

Tem-se uma visão dentro da obra, que consta de cinco atos, sendo que este trecho apenas inicia uma longa jornada dramática que passará por dissabores e

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frustrações de um resgate mal sucedido de Euridice, que morre picada por uma serpente logo no segundo ato. Ao tomar conhecimento destas passagens dramáticas, poderiam surgir algumas interferências na interpretação. Como parecer convincente sem se deixar contaminar pelo conhecimento prévio do desfecho da ação dramática? Os estudos musicais ainda estavam em andamento, portanto seria preciso buscar mais subsídios. Um exercício de declamação sem música, proposto pela Prof. Scarinci, ajudaria na fluência do texto. Algo já se configurava em uma experiência de deleite como quer representar o texto. A partitura utilizada não trazia indicações de dinâmica nem andamentos, bem como se espera para esta fase do período barroco. Não por acaso, Gusmão e Gerling (2006, p.67) afirmam que “outros elementos, mesmo presentes na partitura, não passam de aproximações, como é o caso de indicações de andamentos ou dinâmica”. Assim o texto deve, de fato, comandar a música. Sonia Ray (2006, p.8) discorre em seu tópico sobre “Musicalidade e Expressividade”, citando Williamon: “Para que o músico possa expandir sua capacidade de expressar musicalidade ele tem de ter boa dose de imaginação, bem como conhecimento do contexto (estilo, forma, métrica, textura...) que lhe nutra.” Assim, os intérpretes se voltam para o que deixou o autor como legado de suas ideias, que sustentaram e deram a ele as regras de sua composição. Nikolaus Harnoncourt, um pioneiro, traz o seguinte: A palavra tornou-se a senhora absoluta, a quem a música deveria servir. A tradição rítmica e harmônica juntamente com a condução melódicodeclamatória, adquiriram independência e valor próprios, resultando daí uma interpretação musical do texto: uma linguagem sonora integralmente nova, inaudita até então. (1993, p.146).

Uma nova etapa se configura a partir destas informações, que trazem novos elementos. Mas há ainda espaço para outras indicações. Harnoncourt oferece mais uma vez informações valiosas sobre a motivação de Orfeo: Monteverdi faz Orfeo expressar sua alegria por meio de uma canção de louvor à natureza, um artifício que se tornou frequente nos séculos vindouros: a felicidade da alma abre os olhos humanos para a beleza da natureza [...] Orfeo canta sua alegria louvando o Sol [...] Esta é uma constatação bem plausível: os olhos de quem sofre se fecham à beleza que nos cerca – só um homem feliz pode pode ver. (1993, p.148).

Poderia ocorrer uma espécie de armadilha interpretativa ao seguir o texto e as imagens suscitadas como chaves para uma interpretação correta e idealista, resultando em uma plástica artificial. Marcia Higuchi traz a seguinte observação ao discorrer sobre a emoção e expressividade: “Para inibir, fingir ou exagerar uma emoção, seria necessária uma concentração forçada [...] para atingir o fluxo em uma performance musical, é necessário que essa execução ocorra isenta de preocupações.” (2006, p.159). A pergunta de Orfeo para o Sol: “Já viste alguém mais do que eu, tão alegre e afortunado amante?”; poderia soar ridícula se mal interpretada. Na verdade trata-se de um diálogo entre divindades (Apolo é o Sol

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mítico), perfeitamente conhecido da plateia contemporânea a Monteverdi. Por outro lado temos de contar com a empatia: “Causa ainda mais impressão que a empatia pela felicidade ou sorte daqueles que amamos ternamente provoque em nós essa mesma reação” (DARWIN, citado por HIGUCHI, 2006, p. 162). Assim constituem-se as ferramentas para a construção da performance. O intérprete deve ter antes em mente o sentido de felicidade que induz Orfeo ao diálogo – aparentemente insólito –, que está pleno da real grandeza que Monteverdi e seu libretista, Alessandro Striggio, desejaram transmitir. Ray (2006, p.55) chama a atenção para a “interferência na performance”, que altera o esperado, sendo um conceito positivo que muda o desenvolvimento de forma explícita. É preciso buscar na memória a expressão corporal que suscite as emoções mais próximas daquelas que cobrem as palavras de Orfeo. A música, como suporte em si, pode e deve alimentar os sentidos evocados. Este movimento de sair e retornar à obra musical cria uma dinâmica de construção interpretativa alimentando o crescimento artístico. Não basta visitar uma página da internet, observar interpretações e retirar uma média do que se quer como ideal de performance. É preciso uma construção sobre alicerces enraizados no corpo do intérprete. A voz, a interpretação vocal precisa do corpo por inteiro. Canta-se com o corpo – reza a máxima. As orientações sugeridas pela direção artística da Prof. Scarinci iam reforçando e confirmando um potencial crescimento enquanto os tempos e a melodia tornavam-se cada vez mais orgânicos com o decorrer dos ensaios. Harnoncourt ainda oferece uma visão panorâmica inconteste da ária em questão: “O ‘canto ao sol’ de Orfeo inciai-se por um recitativo, ou seja, é livremente declamado, para transformar-se em seguida num arioso com uma vibrante melodia e uma estrutura rítmica.” (1993, p.148). As notas graves prolongadas do acompanhamento deixam o intérprete livre para a declamação inicial e logo aparece um movimento no baixo que suscita um ajuste rítmico à melodia. Monteverdi, na verdade, alterna estes padrões para reforçar os efeitos do texto, e o entendimento desta mecânica traria uma espécie conforto e maior interação com os instrumentos do contínuo. Vale a pena citar as considerações a respeito de alguns pontos assinalados por Gusmão e Gerling (2006, p.69): 1. A partitura como registro das ideias do compositor oferece apenas informações limitadas; 2. Cabe ao executante tomar decisões quanto aos aspectos que não estão suficientemente definidos na partitura; 3. Muitas decisões são tomadas intuitivamente, sofrendo influências das experiências musicais prévias do intérprete; 4. Uma abordagem sistemática da obra através de uma análise interpretativa pode complementar as decisões tomadas a partir do conhecimento intuitivo.

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Os autores reiteram o uso da intuição, como um conhecimento que emerge sem uma rememoração consciente, o qual inclui vasto depósito de sons familiares, padrões de harmonia e ritmo, resgatados aos milhares durante uma performance; fragmentos de uma primeira experiência acumulados e moldados trazidos de forma instantânea até mesmo sob forma de julgamentos; enfim esta intuição seria o resultado das experiências acumuladas que conferem graus de especialização ao performer. Citando Sloboda, os autores Gusmão e Gerling (2006, p.68-9) relatam: “A interpretação especializada [...] é o resultado da interação entre conhecimento específico e geral através de vasta gama de vivência musical. A distinção entre o especialista e o iniciante consiste na extensão e na disponibilidade do uso deste conhecimento.” Um aspecto importante do acabamento musical é o uso da voz e sua estética. Thurston Dart (2002, p.55), fala sobre as práticas dos séculos XVI e XVII: “O vibrato era um ornamento comparável ao mordente, ao trinado [...] e deve ser usado nem mais nem menos frequentemente que os demais ornamentos.” Ele ainda acrescenta algo sobre as pinturas da época que revelam “cantores tendendo cada vez mais para a técnica moderna, de músculos relaxados e garganta aberta” (DART, 2002, p.55). Por outro lado, Harnoncourt acrescenta alguns elementos pictóricos relativos ao ambiente em que Monteverdi vivia, como algo que lhe salta aos olhos: A música italiana é bem melhor compreendida quando se conhece o povo, a paisagem e o clima da Itália [...] Monteverdi foi um artista apaixonado, um inovador completo [...] a obra de Monteverdi se mostra tão interessante para nós, pois ela jamais é ‘antiga’. Pelo contrário, é uma música que permanece ardente e vital [...] é essencial que não se caia em um falso purismo, uma falsa objetividade ou autenticidade equivocada. Monteverdi jamais o permitiria, pois é um músico puro-sangue e, ainda por cima, italiano. É preciso não ter medo do vibrato, da interpretação vivaz, da subjetividade, do calor mediterrâneo. (HARNONCOURT, 1993, p.31-2).

Ao longo dos ensaios, foram transmitidas orientações de uso moderado do vibrato na voz. Inicialmente houve alguma dificuldade, porém a prática foi tornando cada vez mais confortável seu emprego pontual assim como outros ornamentos colocados por Dart. Mas a condução do todo artístico desta ária, de fato suscita o calor interpretativo defendido por Harnoncourt, a amúsica ardente e vital se revela a cada compasso indo além do sentido auditivo. Pode-se sentir o coração acelerando aos primeiros acordes e às primeiras palavra que evocam a presença das forças da natureza para ouvirem o discurso de um ser perplexo e maravilhado. Chaga-se então ao ponto defendido por Higuchi: a empatia como via de transmissão da emoção, abrindo um canal interativo entre obra, intérprete e audiência. 2. Em busca de equilíbrio técnico e artístico.

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Com a aproximação do dia da apresentação, ainda se pode buscar algo mais, algo que contribua para a satisfação do esforço empreendido. Alguns cuidados práticos foram observados, e constam nos tópicos desenvolvidos por Ray (2006): são os “Aspectos Anoto-fisiológicos”, e os “Aspectos Psicológicos”. Segundo a autora, a música pode se beneficiar da medicina do esporte. Estes aspectos, que também estão ligados à performance de atletas, devem ser observados com especial atenção, pois trazem interferências relevantes para a performance musical. Segundo Ray (2006, p.46-7): “o preparo do corpo é fundamental para que se possa cumprir as tarefas de domínio do instrumento [...] na performance a estrutura emocional de um músico precisa ser trabalhada tanto quanto suas habilidades motoras”. Não obstante os cuidados com o corpo buscou-se ainda os detalhes de acabamento para além da fluência do texto, para além do domínio rítmico e melódico, e da interação com os instrumentos e aparente segurança geral. São as sutis interações da música com o texto. Sonia Albano de Lima (2006, p.104-5) faz a seguinte observação: Na sua realidade física, a música é definida como arte dos movimentos no espaço sonoro concreto, e não apenas mental, entretanto ela se apresenta como uma linguagem essencialmente simbólica, ou seja, estruturada em formas puras, portadora de significados abstratos, traduzidos na consciência do fruidor em categorias de emoções estéticas, sugestões ou impressão de sentimentos contemplativos na sublimação lírica.

O que se pode deduzir é que há elementos musicais de ritmos e saltos intervalares a serem computados, como quando as palavras estão destacadas ritmicamente ou em saltos mais agudos, terminações delicadas ou frases ascendentes exclamativas. São pequenos valores a serem acrescentados, mesmo que não sejam enfatizados, mas que podem ser sentidos e realizados sem causar perturbação à fluência musical. Trata-se do refinamento que pode contribuir decisivamente no julgamento dos ouvintes. A propósito encontramos aqui o conceito colocado por Ray (2006, p.41) sobre o que se entendo como performance musical: “o momento em que o músico (instrumentista, cantor ou regente) executa uma obra musical exposto à crítica de outro ou outros”. Não se pode ignorar a mudança que ocorre com o fato de estar sendo observado – ela afirma. O aspecto da musicalidade e expressividade é o resultado do trabalho de construção da performance: “a reconstrução do que foi estudado, planejado, idealizado e contextualizado durante a preparação da performance é insdispensável para que a musicalidade possa ser percebida e transmitida.” (RAY, 2006, p.51). 3. Considerações finais.

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A preparação de uma performance musical pode gerar um tour-de-force intelectual. A ária Rosa del ciel trouxe a oportunidade de percepção sobre a necessidade de ampliar o universo para além dos conhecimentos técnicos de execução de uma partitura. A pesquisa bibliográfica pode trazer subsídios valiosos à compreensão do trecho estudado da obra, e por extensão à obra total. Por outro lado, a pesquisa empírica, a intuição e a experimentação forneceram resultados confirmando ou refutando as práticas adotadas. As decisões tomadas ao longo basearam-se não só nas orientações oferecidas pela direção artística, como também foram corroboradas pelo performer, que teve, por sua vez, a tarefa da síntese do conhecimento e experiência adquiridos. O treino diário não oferece todas as respostas ao diálogo entre a obra e o executante. Citando L. Pareyson, Sonia de Lima (2006, p.101) traz a seguinte reflexão: “a obra fala a quem sabe interroga-la melhor e a quem se põe em condições de saber escutar a sua voz [...] cabe ao intérprete interrogar a obra de modo a obter dela a resposta mais reveladora para ele.” De fato, a ação de interrogar é que põe a trabalho a construção da performance, indo em busca de uma resposta que nunca satisfaz plenamente, mas que fornece os nutrientes do contexto. A performance da música através do canto, traz apenas as respostas provisórias no instante em que é executada, mal é ouvida e ela já não é mais. O discurso do compositor mediado pelo intérprete será tanto melhor percebido quanto maior for sua capacidade de compreensão e entrega que a obra lhe propõe. Pela dimensão sucinta, este ensaio representa não mais do que um recorte minúsculo, como se fosse um parco olhar pelo buraco da fechadura, que tenta (re)compor através de alguns fragmentos o universo da ópera L’Orfeo de Claudio Monteverdi. Referências: DART, D. Interpretação da Música. Trad.: Mariana Czertok. São Paulo: Martins Fontes, 2002. HARNONCOURT, N. O diálogo musical: Monteverdi, Bach e Mozart. Trad.: Luiz Paulo Sampaio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. HIGUCHI, M. K., Emoção: a essência da expressividade na performance musical. Simpósio de Pesquisa em Música 3: anais, Curitiba, v.3, p.157-162, 2006. KOBBÉ, G. Kobbé: o livro completo da ópera. Trad. Clovis Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997. RAY, S. (org.); BORÉM, F.; CHUEKE, Z.; GERLING, C. C.; GUSMÃO, P. S.; LIMA, S.A. Performance musical e suas interfaces. Goiânia: Ed. Vieira, 2006.

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Partitura: MONTEVERDI, C. L’Orfeo. Clifford Bartlett, editor. King’s Music, 1993. 1

Tomou-se de empréstimo o termo “ária” para designar uma parte solo cantada em meio à ação dramática da ópera. O sentido para o termo “ária”, tal qual conhecemos hoje, só seria estabelecido anos depois da composição de L’Orfeo em 1607.

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Robert Schumann, poeta musical ou em torno de “Zwielicht”:breves sugestões para uma interpretação

Isaac Chueke Unespar/[email protected] Resumo: Através da análise de sua música e letra, abordaremos o lied “Zwielicht” visando primordialmente uma interpretação desta obra. Frequentemente encontramos em Schumann caminhos composicionais que, pelo menos em aparência, poderiam parecer contraditórios. O trabalho em parceria do cantor e do pianista apontando para uma perfeita sincronia, esperamos contribuir para os estudos relativos a esta disciplina difundida e conhecida no mundo anglo-saxão como análise para intérpretes. Palavras-chave : Análise.Interpretação.Zwielicht.Lied. Robert performance

Schumann,musical

poet

or

about

“Zwielicht”:brief

suggestions

for

a

Through an analysis of its music and lyrics, we shall cover the lied “Zwielicht”, aiming mainly a performance of this work. Quite often, we find in Schumann compositional paths that, at least apparently, could seem contradictory. The mutual collaboration between the singer and the pianist pointing to a perfect syncronisation, we hope contributing to the studies related to this discipline known in the anglo-saxon world as Analysis for Performers. Keywords: Analysis.Performance.Zwielicht.Lied.

O texto de Eichendorff. A música de Schumann. Ao examinarmos o texto de Joseph von Eichendorff perguntamo-nos primeiramente se é forçosamente pessimista. Diríamos que é no mínimo cauteloso uma vez que adverte quanto aos cuidados da floresta em meio à penumbra, sendo este último têrmo o empregado por Elrike Riedel para traduzir Zwielicht1. Na realidade, trata-se de um momento ínfimo este proporcionado pelo crepúsculo, do mesmo modo o alvorecer, na sua alternância entre a passagem da luz para a sombra e inversamente. Na nossa análise salta à vista o fio contínuo das idéias, musicais e extramusicais, bem como o papel fundamental do piano na construção interpretativa da peça que conta ao todo com 41 compassos. Uma sensação de suspense e angústia permeia-a notadamente graças à não acentuação dos tempos fortes e como observado por Charles Rosen com um “deslocamento da melodia e da harmonia essencial para Schumann no que diz respeito à representação de ansiedade” entre a voz e o piano (ROSEN, 1995: 688) Sem uma dicção perfeita

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pode tornar-se difícil um acompanhamento do texto e aproveitamos para questionar se, a propósito do piano, trata-se tão sómente de providenciar um acompanhamento ou se este instrumento não estaria ao invés no centro das ações, práticamente comandando-as; para apoiar nossa tese, observe-se a linha melódica do canto, repetitiva e sem variações. Do ponto de vista da forma, igualmente, temos uma única seção, sem parte B contrastante. Sem este elemento de oposição, estaríamos em consequência mais livres em termos interpretativos ? Uma pausa de colcheia e uma série de acordes de 5a. diminuta, ornamentados de 7as., notas de passagem, antecipações, numerosos elementos, todos contidos em sete compassos de uma introdução pianística onde temos o pressentimento que mais que uma preparação à entrada da voz, o que efetua de fato o instrumento é uma síntese do lied, o caráter miniaturista da peça, bem ao feitio do compositor,

fazendo

dele

um

verdadeiro

« ator protagonista»

do

drama,

particularmente no que se refere à expressão. Na voz, encontramos uma « melodia plana », onde combinam-se graus conjuntos e notas repetidas, com o canto mantendo-se numa região de estreito espaço sonoro, sem maiores vôos, o efeito desejado o de uma contenção, não uma expansão ou dilatação : a nota mais aguda é um mi 4, a mais grave um lá # 2 enquanto o centro da voz gravita em tôrno do sol 3. As diferenças ficam por conta de alguns poucos saltos, particularmente com este motivo recorrente que faz uso da 4a. aumentada com sua resolução, e sempre com as mesmas notas, sol 3, dó# 4, ré 4 (comp. 8, 16, 24, 33). Ao final da peça, no penúltimo compasso, observamos uma 7a. diminuta descendente e outro elemento importante é a constatação de que, do início ao fim, é quase inexistente a presença de uma dinâmica escrita separadamente para a voz. Mencionamos no primeiro parágrafo o “deslocamento da melodia e da harmonia”, nos agrada utilizar também o têrmo “defasagem”. Sua eficiência é bem comprovada no compasso 15, por exemplo, quando ao final da estrofe, a mão direita do pianista reforça o canto, a dois tempos de distância. O texto diz: « …was willst dieses Grau’n bedeuten ? » (“O que significa este pavor ?”)

Incertezas

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Se o tecido harmônico é muito rico, continua presente o sentimento de insegurança, provocado pelo movimento de síncopa nos baixos e a fricção das dissonâncias ouvidas entre o canto e a linha superior do piano (c.11 e 15). Se há uma movimentação maior por parte do piano enquanto o canto se mantém imovél, paralisado, pode-se imaginar uma forma de ‘neutralidade’ na interpretação deste ? Pois é onde cria-se o paradoxo e a ocasião de observar igualmente a genialidade de Schumann na sua adequação musical ao texto de Eichendorff. Se o temor imobiliza é necessário entretanto prosseguir na jornada… Seguindo-se à introdução pianística, segue-se uma frase musical que ouviremos repetidamente, sempre com a regularidade do grupamento de oito compassos. Nela encontramos uma semelhança na adoção de um esquema que alterna respectivamente a tensão (c.8) e a distensão (c.9). O mesmo ocorre, respectivamente nos compassos 10 e 11 antes que a técnica sofra um processo de aumentação pois teremos agora não apenas um mas dois compassos de tensão (c.12-13) versus dois compassos de distensão (c.14-15).

Dinâmica e agógica A respeito da dinâmica empregada por Schumann em Zwielicht, é muito sutil, até o compasso 24 temos um p indicado para a linha do canto enquanto o piano por momentos atinge um pp (c.14 e 22). Um crescendo só aparece no final da primeira metade da peça (c.21) porém este consta apenas na parte do piano. Um dos aspectos mais interessantes é o que trata da agógica adotada pelo compositor, verdadeiro poeta musical. Graças à sua escolha do andamento Langsam, discretamente mas cada vez mais presente, desde o compasso 25 faz-se mais audível uma movimentação do baixo, por tons e semitons. A partir da observação das correções de Schumann antes da publicação da peça, observamos que o compositor risca o ritard. préviamente indicado no compasso 7 ; agirá do mesmo modo mais adiante, no compasso 30, sem deixar de mencionar sua eliminação também dos Adagio antes indicados nos compassos 14 e 22. Qual o motivo para estes procedimentos ? Argumentamos que Schumann poderia estar preocupado com intérpretes retardando exageradamente o tempo, particularmente no que se refere a esta passagem do trecho únicamente

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instrumental para o trecho em que retorna a voz. Seguindo o mesmo raciocínio, se o Adagio primeiramente indicado tivesse sido mantido, a música correria o risco de tornar-se demasiado lenta. Ao invés, no exato momento em que adentramos uma segunda parte da peça, temos o indício certo de uma maior intensidade expressiva. Como um córrego que avança de modo resoluto, sem encontrar barreiras, a idéia é de que nada aqui deveria perturbar uma fluidez voluntáriamente desejada do discurso poético-musical.

Comparando edições Aproveitamos o momento para analisarmos de modo mais aprofundado as três edições a que tivemos acesso, a saber : a prova corrigida por Robert Schumann, a edição revisada e editada aos cuidados de Clara Schumann, pianista reputada e espôsa do compositor, por último, a edição utilizada por Charles Rosen. No caso da prova contendo as anotações de Schumann, é notável pela sua supressão dos Adagios e simultâneamente, pela sua adição de dois Im Tempo, observações anotadas a lápis e que Clara Schumann se encarrega de respeitar escrupulosamente. Já a partitura usada por Rosen destoa pelo fato duplo de nela constarem os Adagio (c.14 e 22) e por estarem ausentes as indicações de uma retomada do andamento inicialmente previsto, os Im Tempo que deveriam seguir-se ao ritardando (c.16 e 24). Ou seja, em momentos bem específicos, Rosen segue justamente o oposto do que desejava Schumann. Outra indicação ausente tanto na prova do compositor quanto na versão averbada por sua espôsa e cumprida à risca pela editora Breitkopf & Härtel é a indicação de marcato para os três ultimos acordes da peça. Na prova examinada por Schumann encontra-se o sinal de algo que poderia ser interpretado ora como um staccato ora como uma ligeira acentuação, com certeza no intuito de tornar o som mais curto e ‘sêco’. Bem ao estilo do típico acompanhamento ao cravo que encerra os recitativos clássicos, deste modo dispensando o marcato que outrossim poderia ser interpretado como um sinal para que os acordes fossem sustentados de modo mais prolongado.

Um final dúbio ?

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Uma segunda parte de Zwielicht caracterizada a partir do compasso 24, esta demarca-se claramente por não encontramos nela ritardandi. « Hast du einen Freund hienienden, trau ihm nicht zu diser Stunde… » ; ao refletirmos no significado da letra, igualmente do ponto de vista musical pode considerar-se este momento como um ponto climático da peça ? Se fôr o caso, este, ainda que relativamente contido, inserido numa seção que não apresenta contrastes fundamentais em têrmos composicionais, teria que revestir-se de uma maior exigência em têrmos interpretativos. Se a angústia parece não ter fim. É que a música procura ainda uma saída e repare-se as dissonâncias de segundas maiores entre a linha superior do piano e a voz nos compassos 28 e 31, e nos mesmos compassos também encontramos, sétimas, quartas, quintas diminutas… Um único compasso, o de número 32, efetua a transição para a Coda; nos últimos nove compassos Schumann não atribui um papel particular ao canto que permanece entoando a mesma melodia ouvida desde o início do lied. Logo, é novamente o piano que opera a transformação : afirma os tempos fortes, emprega agora acordes, não mais arpejos, com sua progressão finalmente apontando para um finale. Acordes de Fa#9, si menor, sol #7 dim., Mi 7, lá menor, ré#7 dim., Dó acrescido de 6a (em Nacht verloren, com a acentuação no primeiro tempo, tem-se um efeito de apogiatura). No antepenúltimo compasso, um lá # em Hütte dich é imediatamente transferido da voz ao piano, temos uma cadência sob forma de ‘recitativo’ e os acordes conclusivos característicos. Com esta conclusão, terá sido dito tudo, os pavores, as dúvidas, os medos e as precauções estarão definitivamente afastados ? Guardemos a ultima frase : « Muita coisa desaparece na noite, guardate, permanece pronto e alerta ! ».

Referências: ROSEN, Charles. The Romantic Generation. Cambridge: Harvard University Press, 1995. SCHUMANN, Robert. Liederkreis. Op.39. First edition, proof with pencil corrections by the composer. Vienna: Tobias Haslinger, n.d. [1842]. Plate T.H. 8760.Disponível em http://petrucci.mus.auth.gr/imglnks/usimg/1/1f/IMSLP174917SIBLEY1802.5003.9625-39087012085199.pdf . Acesso em 13.01.2014.

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SCHUMANN, Robert. Liederkreis. Op.39. Clara Schumann, ed. Robert Schumanns Werke, Series XIII: Für eine Singstimme mit Begleitung des Pianoforte. Leipzig : Breitkopf & Härtel, 1879-1912. Plate R.S.127. Disponível em http://javanese.imslp.info/files/imglnks/usimg/2/28/IMSLP51730-PMLP12741RS127.pdf. Acesso em 13.01.2014.

1

EICHENDORFF, Joseph Karl Benedikt von. Zwielicht. SCHUMANN, Robert. Liederkreis, Op.39, 1840. Traduzido para o português. RIEDEL, Elke Beatriz. Penumbra. 2010. Disponível em http://www.recmusic.org/lieder/get_text.html?TextId=5279. Acesso em 13.01.2014.

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ERNST MAHLE: OBRAS PARA CLARINETA MODALIDADE: COMUNICAÇÃO ORAL

Herson Mendes Amorim UFPA – [email protected] Resumo: O presente trabalho trata-se de projeto de pesquisa que tem como objetivo um estudo sobre a obra para clarineta de Ernst Mahle. A metodologia utilizada foi revisão de literatura e pesquisa bibliográfica. Foi realizada uma classificação, para melhor entendimento e referência para instrumentistas interessados na obra para clarineta de Ernst Mahle, baseada nos catálogos de obras do compositor e chegou-se a conclusão de que a obra, além de vasta, é bastante variada em termos de formação instrumental, e merece pesquisa e atualizações constantes. Palavras-chave: Ernst Mahle; Clarineta; Música Brasileira. Ernst Mahle: Works for Clarinet Abstract:   This present work is a research project that aims to study Ernst Mahle's works for clarinet. The methodology used was the literature review and bibliographic research. Was realized a classification for better understanding and reference for musicians interested in Ernst Mahle's clarinet works, based on catalogs of works by the composer and came to the conclusion that work, in addition to extensive, is quite varied in terms of instrumental variety, and deserves research and constant updates. Keywords: Ernst Mahle; Clarinet; Brazilian Music.

O COMPOSITOR

Falar sobre música brasileira é, quase sempre, falar sobre músicos e compositores brasileiros. Entretanto, na música erudita brasileira há uma figura que, apesar de não ter nascido no Brasil traz, ainda hoje, contribuições significativas para esse campo da música brasileira; trata-se de Ernst Mahle. O presente trabalho trata-se de projeto de pesquisa que tem como objetivo um estudo sobre a obra para clarineta de Ernst Mahle. Foi realizado um panorama geral sobre a produção do compositor para o instrumento. A metodologia utilizada foi revisão de literatura e pesquisa bibliográfica. Foi realizada uma classificação, para melhor entendimento e referência para instrumentistas interessados na obra para clarineta de Ernst Mahle, baseada nos catálogos de obras do compositor e chegouse a conclusão de que a obra, além de vasta, é bastante variada em termos de

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  formação instrumental, e merece pesquisa e atualizações constantes, haja visto que o compositor ainda encontra-se em atividade. Sua importância reside em méritos que devem-se conhecer observando sua trajetória de vida. Ernst Mahle é alemão, natural de Stuttgart, nascido em 1929. Iniciou seus estudos musicais aos sete anos, ainda na escola primária na Alemanha. Mahle passou a se dedicar à composição em 1950, matriculando-se na Staatliche Hochschule fur Musik, em Stuttgart, tendo como professor Johann Nepomuk David (1895 – 1987), com quem estudou harmonia e contraponto. Residiu na Europa até os vinte e um anos. Em 1951, a família Mahle deixou a Alemanha e fixou residência no bairro do Brooklin, em São Paulo. No Brasil, a história da vida de Mahle está intimamente ligada à cidade de Piracicaba.

A OBRA PARA CLARINETA

A obra de Ernst Mahle é uma referência na música brasileira. Esse é um fato incomum, pois se trata de um estrangeiro, a exemplo de Walter Smetak (1913 – 1984), Bruno Kiefer (1932 – 1987) e Ernst Widmer (1927 – 1990), dentre outros, que tantas contribuições

significativas trouxeram à música brasileira. Mahle é um

estrangeiro que adaptou-se perfeitamente ao Brasil e sua obra é tida como pura música brasileira, por suas características peculiares, que remetem à mais genuína brasilidade. Em número de obras, seu catálogo é vasto, compreendendo peças para praticamente todas as formações instrumentais e vocais da música ocidental, passando também por formações incomuns dentro da música de concerto e de câmara. Seu catálogo de obras necessita de atualização constante, pois o compositor permanece ativo até hoje, demonstrando assim uma capacidade criativa impressionante, que não sucumbe ao tempo. A qualidade das obras também é incontestável. MARIZ (2005) afirma que:

Deve ser considerado compositor brasileiro com os mesmos critérios pelos quais aceitamos artistas plásticos estrangeiros, há muito radicados no país, como nacionais também...e vem escrevendo em linguagem moderna, de bom gosto e com excelente feitura técnica (MARIZ, 2005. pg. 498).

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A obra de Ernst Mahle também vem sendo objeto de estudo de diversos pesquisadores que, compreendendo sua riqueza e diversidade, se debruçam sobre elas, redescobrindo assim a importância desse compositor. GARBOSA (2002) apud RAMOS (2011) nos diz que:

Apesar de ter incorporado diversos estilos ao longo do tempo, Mahle pode ser considerado um compositor com tendências neoclassicistas. Para o compositor, três fatores foram fundamentais na formação do seu estilo composicional: os ensinamentos tradicionalistas assimilados em seu estudo de contraponto e harmonia com J. N. David, as técnicas de vanguarda apresentadas por H. J. Koellreutter, e o folclore brasileiro, sobretudo o nordestino, com seus ritmos sincopados e suas escalas em modo mixolídio (GARBOSA, 2002 apud RAMOS, 2011. pg. 21).

Todas essas características em sua obra, demonstram a profunda assimilação da cultura brasileira por Mahle. Em sua obra, porém, Mahle foi cada vez menos utilizando os conceitos de vanguarda e se aproximando cada vez mais do nacionalismo brasileiro. Os estudos sobre a obra de Ernst Mahle para clarineta são escassos. Apesar da numerosa obra, em uma busca sobre estudos relacionados às mesmas, constatou-se apenas um estudo aprofundado de uma obra para clarineta; a tese de Doutorado de Guilherme Sampaio Garbosa (2002): “Concerto (1988) para Clarineta e Orquestra de Ernst Mahle: Um Estudo Comparativo de Interpretações”, conforme nos relata SILVEIRA (2008), em sua “Listagem comentada sobre estudos acadêmicos e publicações sobre temas relacionados à clarineta no Brasil”. Outro trabalho que aponta para o mesmo estudo é o de CERQUEIRA (2011) “Levantamento de teses e dissertações sobre o ensino da performance musical no Brasil”. Portanto, observa-se a necessidade de mais estudos com esse fim. Segundo “Ernst Mahle - catálogo de obras” (2000), a produção para e com clarineta do compositor foi a seguinte até então:

Clarineta Solo c 179. Solo (1994) Duas Clarinetas

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  c 112. Duetos Modais (1977) Quatro Clarinetas c 167. Quarteto (1990) Duos:
Clarineta e Piano a 15. As melodias da Cecília (1972) (Vitale) c 44. Sonata (1970)
 c 50. Miniatura (1970)
 c 79. Sonatina (1974) c 110. Sonatina (1976) Trios b 10. Prelúdio e Fuga – fl. (cl.), vl. (ob.), pn. (1956) c 43. Trio – fl., ob., cl. (1969) c 44a. Trio – cl., vcl., pn. (1970)
 c 53. Trio – fl., vcl. (cl.), pn. (1971) Quartetos (Madeiras) c 38. Quarteto – fl., ob., cl., fg. (1968) c 165. Quarteto – fl., ob., cl., fg. (1988) Quinteto c 73. Quinteto – fl., ob., cl., fg., trp. (1974) Sexteto b 14. Divertimento – 2 cl., 2 vl., trp., pn. (1956) Septetos b 15. Septeto – fl., cl., fg., tpt., trp., trb, pn. (1957) c 88. Septeto – cl., trp., fg., vl., vla., vcl., cbx. (1975) Nonetos c 11. Música concertante (tímpano e sopros) – fl., ob., cl., fg., trp., tpt., trb., tuba (1958)

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  c 97. O amor é um som – soprano, fl., cl., percussão, pn. (vibrafone), vl., vla., vcl., cbx. (1976) c 116. Noneto – ob., cl., fg., trp., 2 vl., vla., vcl., cbx. (1977) Clarineta e Orquestra de Cordas b 20. Concertino (1972) c 166. Concerto (1988) Clarineta e Orquestra Sinfônica c 166a. Concerto (1988) Obras para Clarone Clarone Solo c 179. Solo (1994) Duo:
Clarone e Piano c 163. Sonata (1987)

Constatou-se que uma obra não está incluída no catálogo consultado para esta pesquisa, sendo ela: C 195a Trio – cl., vl., pn. (1998) Apesar do número de obras brasileiras originais para clarineta ser grande, a maioria delas, segundo FREIRE (2001) é posterior a 1950. Observada a lista de composições para clarineta constantes no catálogo de Ernst Mahle, pode-se notar que todas elas foram escritas no período pós 1950 citado por FREIRE (2001). Esse período é citado por este autor como o “terceiro estágio” na formação da identidade do clarinetista brasileiro, baseado em pressupostos de Mário de Andrade. Para entendermos tal conceito, é preciso analisar a questão da identidade nacional, discutida por Mário de Andrade em seu ensaio “Evolução Social da Música no Brasil”, no qual ele afirma que a música brasileira “apresenta manifestações evolutivas idênticas às da música dos países europeus, e por esta pode ser compreendida e explicada, em vários casos teve que forçar a sua marcha para se identificar ao movimento musical do mundo ou se dar significação mais funcional”

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  (ANDRADE, 1965. pg. 15 apud FREIRE, 2001. pg. 439). Baseado nesses pressupostos, FREIRE (2001) estabelece quatro estágios de desenvolvimento para a música brasileira aplicada à clarineta:

Essas ideias são articuladas durante o artigo e podem ser sintetizadas em quatro estágios de desenvolvimento: 1) Estágio Universal (Música vinculada a religião), 2) Estágio Internacional (Música vinculada ao Teatro, cópias dos modelos europeus), 3) Nacionalismo, e 4) Estágio Cultural (FREIRE, 2001. pg. 440).

As composições de Ernst Mahle são criadas a partir do período que é considerado “Nacionalista”, portanto a influência nacional na obra de Mahle é direta. Este estudo não pretende ser conclusivo, pois o compositor permanece em atividade e sua obra cresce dia-a-dia, necessitando seu catálogo, assim, de constante atualização. Entretanto, pretende servir de base e referência inicial para aqueles que desejam conhecer sobre a obra para clarineta desse importante compositor.

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  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Mario de. Evolução Social da Música no Brasil, em Aspectos da Música Brasileira. São Paulo – SP. Livraria Martins Editora. 1965.

CERQUEIRA, Daniel Lemos. Levantamento de teses e dissertações sobre o ensino da

performance

musical

no

Brasil.

Disponível

em

http://musica.ufma.br/ensaio/publi.html. São Luís, 2011. FREIRE, Ricardo Dourado. A formação da identidade do clarinetista brasileiro. Anais do XII Encontro Nacional da ANPPOM. Belo Horizonte – MG. 2001.

GARBOSA, Guilherme Sampaio. “Concerto (1988)” para Clarineta e Ernst Mahle: Um Estudo Comparativo de Interpretações. Tese de Doutorado em Música. Universidade Federal da Bahia. 2002.

KRAUSZ, Luis Sergio. Ernst Mahle. Revista Concerto. (S.l). p. 12-13. Jan/fev. 1999.

MAHLE, Ernst. Catálogo de Obras. Instituto Educacional Piracicabano. Piracicaba. 2000.

MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 6ª edição ampliada e atualizada. 3ª impressão. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2005.

RAMOS, Eliana Asano. As relações Texto-Música e o Procedimento Pianístico em Seis Canções de Ernst Mahle: Propostas Interpretativas. Dissertação de Mestrado em Música. Universidade Estadual de Campinas. 2011.

SILVEIRA, Fernando José. Listagem comentada dos estudos acadêmicos e publicações sobre temas relacionados à clarineta no Brasil. Revista Música Hodie. Vol. 8 – Nº 1. pg. 115 – 127. Universidade Federal de Goiás. 2008.

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O conceito de “fuga” no barroco e o Kyrie de Ligeti MODALIDADE: Teoria e Análise Musical Ísis Biazioli de Oliveira

CMU/ECA/USP – [email protected]

Resumo: Este trabalho pretende compreender o Kyrie (1963) de Ligeti a partir da tradição da “fuga”. Como as principais preocupações composicionais durante o barroco (estrutura harmônica e formal) aparecem adaptadas para uma linguagem pós-tonal? Para tal, utilizaremos o estudo de MANN (1987) sobre a história do termo “fuga” e trabalhos analíticos e biográficos a respeito da obra de Ligeti (CLENDINNING, 1989; TOOP, 1999). Verificaremos como o plano harmônico do Kyrie é anunciado pelo Sujeito Christe eleison, dialogando com a forma da peça (apresentação, afastamento e “retorno”), como propõem os tratados barrocos. Palavras-chave: György Ligeti; Kyrie; Fuga; Alfred Mann (1987); Tradição versus Modernidade. The concepto of “fugue” in Barroque and the Ligeti’s Kyrie Abstract: This work aims to understand the Ligeti’s Kyrie (1963) from the point of view of the tradition of "fugue". How the main compositional concerns during the Baroque (harmonic and formal structure) appear adapted to a post-tonal language? For such, we will use the study of MANN (1987) on the history of the term "fugue" and biographical and analytical papers on the work of Ligeti (CLENDINNING, 1989; Toop, 1999). So we will see how the harmonic plan in the Kyrie is announced by the Subject Christe eleison, dialoguing with the formal structure of the piece (presentation, remote and "return"), as proposed in the Baroque treated. Keywords: György Ligeti; Kyrie; Fugue; Alfred Mann (1987); Tradition versus Modernity.

1. Introdução Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado que pretende – a partir da análise dos elementos musicais do Kyrie (1963) de Ligeti e os processos composicionais que os organizam no texto musical da obra – encontrar reflexos da tensão entre a Tradição e a Modernidade na obra 1. Ampliando e aprofundando parte das observações apresentadas no artigo intitulado “A tradição do termo ‘fuga’ e o Kyrie de Ligeti”, pretendemos discutir aqui de que maneira as principais preocupações composicionais durante o barroco em torno da “fuga” aparecem adaptadas na escrita pós-tonal de Ligeti na década de 1960. A sugestão de que esse Kyrie tenha sido construído como uma fuga é anunciada pelo próprio compositor quando diz que, “estruturalmente falando, esse movimento de obra [Kyrie] é uma estranha fuga a vinte vozes. (LIGETI apud CLENDINNING, 1989: 47)”. Outros exemplos da música moderna, como o primeiro movimento da obra de Béla Bartók, Música para Cordas, Percussão e Celesta (1936) 2, também aparecem como uma importante releitura da fuga no século XX.

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Para que possamos tecer comentários a respeito da relação da obra de Ligeti com a tradição barroca, buscaremos as discussões teóricas do período a respeito da “fuga”. Para tal, iremos nos apoiar nos estudos apresentados por Alfred Mann em seu livro The Study of Fugue (1987), assim como na introdução de Adam Adrio para o compêndio Antology of Music: A collection of complete musical examples illustrating the history of music – The Fugue. Depois de compreendermos mais afundo a fuga barroca, poderemos então, depreender quais características musicais puderam ser trabalhadas por Ligeti de modo a transcender as expectativas tonais que rondam a ideia de fuga desde o barroco, e que podem ser entendidas como paradigmáticas para a escrita de seu Kyrie. Tal hipótese, que partira da citação do compositor a respeito desse movimento de obra, será confirmada a partir da análise do Kyrie.

2. Os tratados barrocos sobre “fuga” e o Kyrie de Ligeti Durante o Barroco, duas ênfases podem ser detectadas nos escritos de seus tratadistas: a busca por um plano formal e os esforços a respeito da estrutura harmônica (tonal) das obras. Essas duas preocupações composicionais vão estar diretamente ligadas, também, ao termo “fuga”. Podemos notar as buscas por um plano formal já no tratado Musices poeticae praeceptiones (1613) de Johannes Nucius, onde o autor se atém à conceituação de termos que ao se preocuparem com “a recorrência de uma passagem melódica” (repetitio), em “intensificar no ouvinte a expectativa para o fim de uma composição” (clímax) ou ainda que sugere que “a reapresentação do início deveria formar o final de uma obra” (complexio) (Mann, 1987: 33, 33, 34), indicam em suas ideias sugestões para a escrita de fugas baseada em um escopo formal. Alguns anos depois, as observações de Praetorius, em 1619, também sugerem uma preocupação formal para as fugas. É o que aponta Alfred Mann a respeito de seu tratado Syntagma musicum: “pela primeira vez, [a larga forma] foi integrada em um ciclo de exposição fugal, desenvolvimento e recapitulação” (Mann, 1987: 35). Embora a fuga não tenha sido engessada em uma estrutura formal rígida3, os estudos barrocos permitiram induzir uma expectativa quanto à exploração composicional e auditiva de fugas que, em sua essência, pode ser compreendido como um início, afastamento desse início e retorno a ele, a partir de sucessivas entradas defasadas de um ou mais temas. A reinterpretação desse princípio básico é utilizada, já na segunda metade do século XX, no Kyrie de Ligeti. Ao observarmos as notas iniciais 4 de cada uma das entradas dos dois sujeitos micropolifônicos que compõem a peça de Ligeti, percebemos que elas formam, juntas, uma “falsa polifonia” 5 que sai de um uníssono

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em Bb, se amplia e depois volta a se condensar (Fig. 1). De um modo bastante peculiar, Ligeti ressignifica desta maneira a ideia genérica de um início, seu afastamento e, ao fim, seu retorno – muito embora a última entrada no Sujeito 2 se inicie em um B natural, também última nota da peça, mas uma 7ª maior acima da nota inicial Bb 6.

Fig. 1: A falsa polifonia criada a partir das notas iniciais de cada um dos sujeitos dessa fuga.

Ao lado das buscas a respeito de um plano formal para as fugas, boa parte dos tratados barrocos que tratam sobre o tema, concentra-se no estudo de conceitos tonais. Assim, Bernhard, em 1650, trata das transposições e modulações que poderiam ser usadas em uma fuga (Mann, 1987: 38). Algumas décadas depois, em 1670, Reinken explora o ciclo modulatório e discute as cadências de uma exposição fugal (Mann, 1987: 41). No ápice desse processo, Rameau (1722), pela primeira vez, consegue explicar com seu sistema harmônico, a já usual prática de resposta tonal, diferenciar “fugas” de “imitações” por razões tonais e ainda diferenciar cadências fortes e fracas, sendo cada uma delas adequada a momentos específicos de uma fuga (Mann, 1987: 50-51). As explicações de Rameau não impõem uma maneira específica de escrita fugal, mas compreende a prática já corrente em seu tempo a partir de um único sistema harmônico e, assim, deixa transparecer numa construção teórica as imposições que o próprio material musical impõe à forma musical 7. Da mesma maneira, o material ultracromático de Ligeti também se relaciona diretamente com a forma de seu Kyrie. A falsa polifonia que vimos organizar a superestrutura dessa fuga é também o modus operandi de todas as diversas versões de um dos sujeitos dessa peça, o Sujeito Christe Eleison (Fig. 2).

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Fig. 2: Uma das versões do Sujeito Christe eleison (sequência de alturas base para o microcânone de mezzos, c. 13-28). Note a falsa polifonia das primeiras nove alturas que é retrogradada a partir do Re# formando um palíndromo perfeito, quase como no plano formal do Kyrie.

Como vimos acontecer com as notas iniciais de cada uma das entradas dos dois sujeitos desse Kyrie, aqui também uma falsa polifonia que é seguida por seu retrógrado, nesse caso perfeito, serve de base para a exploração microcanônica para uma das versões do Sujeito Christe eleison. Assim como nesse caso, quase todas as outras versões desse sujeito estarão baseadas nessa falsa polifonia (primeiras nove alturas), sua transposição ou inversão, e serão geralmente ampliadas ao gosto do compositor por sucessivas simetrias bilaterais, formando grandes palíndromos, por vezes sobrepostos (cf. BIAZIOLI, 2012). 3. Considerações Finais A partir do que expusemos nesse trabalho, podemos compreender como Ligeti relê a tradição contrapontística, de que ele era tão próximo 8, numa linguagem condizente com as buscas estéticas de seus contemporâneos da segunda metade do século XX. Auditivamente, as micropolifonias que compõem cada um dos sujeitos dessa fuga estão altamente relacionadas com as experimentações sonoras do estúdio de Colônia das décadas de 1950-60 (cf. LEVY, 2006; CATANZARO, 2005; VITALE, 2013). Por outro lado, como vimos, a estrutura formal da peça recria as potencialidades de fuga sugeridas pelos tratadistas do século XVII-XVIII. Este artigo apresenta apenas um dos inúmeros exemplos onde o dialogo com a tradição aparece contraposto às rupturas buscadas por Ligeti e sua geração, nesse Kyrie de 1963. Nos próximos passos de nossa pesquisa, integraremos todos os exemplos coletados durante nosso mestrado (análise da escrita linear das alturas que trazem reflexos de Bach e Bartók, a exploração rítmica e textural que fazem uma releitura acústica de propostas eletrônicas do estúdio de Colônia e abordagens formais apresentadas nesse trabalho que dialogam com as fugas barrocas) dentro de uma perspectiva filosófico-sociológico, tão cara aos estudos sobre a (pós)modernidade, como mostram as reflexões de Walter Benjamin, Hanna Arendt, Antoine Compagnon e outros.

Referências Bibliográficas

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ADRIO, Adam (Org.). Antology of Music: A collection of complete musical examples illustrating the history of music – The fugue, v. I (from beginnings to Johan Sebastian Bach). Cologne: Arno Volke Verlag, 1961. BIAZIOLI, Ísis. A tradição do termo “fuga” e o Kyrie de Ligeti. In: Anais do XXIII Congresso Internacional da ANPPOM. Natal, 2013. Disponível em http://anppom.com.br/congressos/index.php/ANPPOM2013/Escritos2013/paper/view/ 2221/563. ____________. Os dois sujeitos do Kyrie de György Ligeti. In: Anais da I Jornada Discente do PPGMus da ECA/USP. São Paulo, 2012. Disponível em http://www.pos.eca.usp.br/sites/default/files/jornada_discente/ppgmus/isis_biazioli_te oria_analise.pdf. CATANZARO, Tatiana. Do descontentamento com a técnica serial à concepção da micropolifonia e da música de textura. In: Anais do XV Congresso da ANPPOM. Rio de Janeiro, 2005, pp. 1246 – 1255. CLENDINNING, Jane Pipper. Contrapuntal Techniques in the Music of György Ligeti. Connecticut, 1989. 222 páginas. Tese. Yale University. GUEORGUIEV, Martin. Traditional formal structures and 20th century sonorities: A successfull pairing in the solo sonatas of Ligeti, Crumb and Stevens. Georgia, 2009. 93 páginas. Tese (Doutorado em Artes Musicais). The University of Georgea. LEVY, Bejamin Robert. The electronic Works of Györgu Ligeti and their influence on his later style. College Park, 2006. 263 páginas. Tese (Doutorado em filosofia). University of Maryland. MANN, Alfred. Study of fugue, 1ª Reimpressão. Nova York: Dover, 1987. SOLOMON, Larry. Symmetry as a Compositional Determinant, revised 2002. Disponível em hattp://www.jstor/org/stable/3685917. STRAUS, Joseph N. Introdução à teoria pós-tonal. Trad. BORDINI, Ricardo Mazzini. 2ª ed. Upper Saddle River: Prentice-Hall, 2000. TOOP, Richard. György Ligeti. London: Phaidon Press, 1999. VITALE, Cláudio Horacio. A gradação nas obras de György Ligeti dos anos sessenta. São Paulo, 2013. 339 páginas. Tese (Doutorando em Música) Universidade de São Paulo. 1

O mestrado é realizado sob orientação do Professor Doutor Paulo de Tarso Salles no Departamento o de Música da ECA/USP, com financiamento da FAPESP (n de processo 2012/02240-6). 2 Bartók foi um grande referencial de pesquisador, professor e compositor no mesmo Conservatório que Ligeti estudou e lecionou. Estando diretamente relacionado com as pesquisas de Bártok, foi Ligeti

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quem transcreveu suas gravações etnomusicológicas realizadas no início do século (Toop, 1999: 33). Além disso, Ligeti permaneceu impactado pelo Bartók-compositor desde seus anos de formação, passando pela fase em que chega a Colônia e já como compositor maduro, como mostra Richard Toop (1999: 19, 43-44, 79). 3 Como as criações musicais ligadas ao termo “fuga” seguem grandes variações, mesmo se levadas em conta um mesmo período como o barroco, muitos autores preferem entender o termo “fuga” como um “procedimento composicional” de imitação e não uma “forma musical”. Essa interpretação é, segundo Mann, adotada por importantes musicólogos do século XX, como Bukofzer (1910-1955): “[u]ma explicação mais concisa e bem sucedida é dada por Manfred Bukofzer, que declara que ‘fuga’ não é nem uma forma, nem uma textura, mas um procedimento contrapontístico” (Mann, 1987: 7). Contudo, se tivermos em mente que nenhuma “forma musical” está sujeita à rigidez e esterilidade que alguns manuais tentam sugerir, podemos, então, compreender que tantas quantas forem às manipulações musicais em torno de uma “fuga”, todas dialogarão com o princípio básico lançado já por Praetorius em 1619, de integrar “um ciclo de exposição fugal, desenvolvimento e recapitulação” (Mann, 1987: 35) em meio a uma textura imitativa. Nesse sentido, adotamos a interpretação de “fuga” como “forma musical” capaz de sugerir em si, expectativas composicionais e auditivas que, como tais, serão seguidas também por Ligeti – como veremos mais adiante neste trabalho. 4 Utilizamos aqui o conceito de “equivalência de oitavas” (Straus, 2000: 1). Apesar de as notas reais empregadas na peça não pertencerem, todas, a uma mesma oitava (o âmbito real das notas selecionadas vai de um Re2 no compasso 44 até um Fa4 no compasso 40), entendendo-as como “classes de alturas” (Straus, 2000: 2), podemos verificar melhor a nossa análise. 5 Com a expressão “falsa polifonia” (compound melody) quero me referir a um procedimento de escrita melódica onde inúmeros saltos melódicos, dentro de uma escrita de prevalência de graus conjuntos, impõem à linha uma descontinuidade que acaba por reforçar a percepção de outra escrita implícita, a da intercalação de duas linhas melódicas em contraponto. Esse procedimento é bastante recorrente nas Suítes para instrumento melódico de J. S. Bach, como fica evidente na fuga dupla da o Suíte para Cello n 5 BWV 1011. 6 A forma em arco em torno de uma nota também aparece na fuga do primeiro movimento de Música para Cordas, Percussão e Celesta de Béla Bartók, como mostra a análise realizada por Larry J. Salomon disponível no site http://solomonsmusic.net/diss7.htm. 7 Isso fica claro, por exemplo, com a necessidade da resposta tonal de um sujeito, onde alguns intervalos são alterados para que a tonalidade seja mantida. Essa prática já é referida por Vincentino em 1555 (Mann, 1987: 18), mas só a partir de Rameau (1722) que essa sugestão composicional pode ser explicada por um sistema harmônico que integra a explicação harmônica de toda a peça. Os compositores anteriores, portanto, já atendiam intuitivamente à necessidade do material, embora não pudessem explica-la por uma teoria harmônica. 8 A ligação de Ligeti com o contraponto aparece desde seus anos de formação e é reforçada ainda durante o período no qual lecionou a disciplina na Academia de Música de Budapeste durante a década de 50. (Clendinning, 1989: 2).

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Considerações sobre a correspondência trocada entre Francisco Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a 1949 (Musicologia Histórica) Alice Belém Escola de Música da UEMG - [email protected]

Resumo: A correspondência do musicólogo Francisco Curt Lange apresenta grande potencial para a pesquisa musical brasileira. O presente artigo analisa as cartas trocadas entre Curt Lange e Cláudio Santoro no perído de 1942 a 1949, objetivando apresentar como essa correspondência possibilitou a realização de ações relacionadas ao movimento Americanismo Musical, liderado por Lange, e o contato de Santoro com a produção musical contemporânea.

Palavras-chave: Curt Lange, Cláudio Santoro, correspondência, Americanismo Musical.

On the Letters between Cláudio Santoro and Francisco Curt Lange from 1942 to 1949

Abstract : The correspondence of the musicologist Francisco Curt Lange is a great potential source for the research on Brazilian music. The paper examines the letters exchanged with the composer Cláudio Santoro from 1942 to 1949, showing that the analysis of this set of letters sheds light on the movement Americanismo Musical, guided by Curt Lange. The letters express also Santoro’s interchange with the music milieu. Keywords : Curt Lange, Cláudio Santoro, Correspondence, Americanismo Musical.

1. Apresentação da trajetória e do conjunto episolar de Curt Lange Nascido em 1903 na cidade de Eilenburg, Alemanha, Franz Kurt Lange desembarcou na América Latina em 1923, naturalizando-se em seguida uruguaio e substituindo o nome de origem germânica por Francisco Curt Lange. Curiosamente, sua formação era em Arquitetura, mas com uma sólida formação musical tornou-se um dos musicólogos mais atuantes da América Latina. Lange fundou centros de estudo e difusão musical como o Instituto Interamericano de Musicologia (1938) e a Editorial Cooperativa Interamericana de Compositores (1941), publicou periódicos musiciais como o Boletín Latino Americano de Música – BLAM (1935-1946), a Revista de Estudios Musicales (19491954) e partituras de diversos compositores americanos. Em colaboração com o Servicio Oficial de Difusión Radio Eléctrica – SODRE (Montevideo) – trabalhou na

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radiofusão de obras de compositores latinos, muitas vezes realizando primeiras audições. Com a organização do Acervo Curt Lange, na Biblioteca Central da UFMG, em Belo Horizonte, iniciada no ano de 1995, teve-se acesso a um dos mais significativos conjuntos epistolares relacionados à música do século XX na América Latina. Para compreender o significado da correspondência de Lange e sua relevância como documentação para o estudo da música brasileira, realizaremos uma breve apresentação do material1. Correspondente assíduo, o musicólogo tinha o hábito de fazer cópias em carbono das missivas enviadas, numerando-as e organizando-as por data. A correspondência totaliza quase 100.000 cartas – 58.000 itens enviados e 40.100 recebidos – escritas entre 1929 e 19952. O material deixado por Lange abrange missivas que, em sua maioria, têm como temática a música, e assuntos a ela relacionados. Sua correspondência engloba diálogos estabelecidos com diversos compositores e intérpretes. Essas cartas apresentam em comum o intuito de discutir e viabilizar projetos relacionados à música no Brasil e na América Latina.

Curt Lange apresenta ainda a peculiaridade de ter sido colecionador. Porque um correspondente faria cópias das cartas que enviou? A aguçada consciência de Lange como pesquisador nos faz pensar que a carta era para ele um documento e, portanto, deveria ser preservada como tal. É bem provável que tivesse noção de que os diálogos ali estabelecidos um dia viriam a ser testemunhos de seus projetos de fomento à música na América Latina.

Também é certo que a correspondência foi na vida de Curt Lange uma ferramenta de trabalho. Através das cartas, o musicólogo realizava colaborações para revistas européias; coordenava atividades musicais em países distintos; recebia obras de vários compositores, estudando e conhecendo músicas de países do continente americano. A partir daí, realizava diversos tipos de publicações sobre a vida musical na América Latina numa época em que os meios de transporte tornavam as distâncias mais longínquas, o acesso à telefonia ainda era restrito e

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nem se sonhava com as facilidades possibilitadas pelo avanço tecnológico ocorrido nas décadas seguintes.

Por um período extenso – de 1942 a 1989 – Curt Lange manteve uma prolífera troca epistolar com o compositor brasileiro Cláudio Santoro (1919-1989)3. Motivada por situações de vida e épocas tão diversas, essa troca epistolar apresenta volumes e enfoques diferenciados no decorrer do tempo. A troca se dá de forma mais intensa, em termos de número e conteúdo, nos anos de 1942 a 1949, período selecionado para o presente estudo.

2. A correspondência entre Curt Lange e Cláudio Santoro

Dentro do conjunto epistolar reunido no Acervo Curt Lange, 219 documentos totalizam a correspondência entre o musicólogo Curt Lange e o compositor Cláudio Santoro, onde 115 são envios de Lange a Santoro e 104 de Santoro a Lange. Deste total, cerca de 140 cartas (70 enviadas por cada um dos interlocutores) foram trocadas no período de 1942 a 1949.

O mapeamento das missivas nos referidos anos indica a presença de temáticas recorrentes: divulgação dos ideais do Grupo Música Viva; projeto de modernização dos parâmetros do nacionalismo musical brasileiro em relação ao que era produzido na Europa; publicações de textos e partituras do Grupo Música Viva e do Instituto Interamericano de Musicologia; diálogos com representantes dos movimentos musicais de renovação na América Latina; registros de radiodifusões de obras e concertos; envio de peças de Cláudio Santoro para acompanhamento, apreciação e crítica por parte de Lange.

A análise dessas epístolas nos permite observar a recorrência de assuntos relacionados ao projeto Americanismo Musical, movimento liderado por Curt Lange que propunha o aprimoramento da formação cultural, da pesquisa e da produção musical dos países latino-americanos, promovendo a integração da música nesse continente. Através deste movimento, o musicólogo implementou diversas ações em prol da música na América Latina, tais como publicações acerca

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da música dos países americanos, pesquisa sobre novos compositores, edição de obras e divulgação entre intérpretes. Desse modo, Lange pretendia divulgar as principais realizações musicais da América, como discute o pesquisador César Buscacio (2009): Assim, para Curt Lange, era premente suscitar, através de pesquisas e publicações acerca da produção musical contemporânea da América, reconhecimentos mútuos das afinidades culturais existente entre essas sociedades, pois, a escuta recíproca de seu legado musical propiciaria não apenas uma maior valorização, como principalmente um aprimoramento das possibilidades latentes, contidas na particularidade de cada corpus musical nacional. (BUSCACIO, 2009: p. 11)

A consciência de que era preciso divulgar o projeto Americanismo Musical aparece em grande parte da correspondência de Lange, como nota-se no trecho a seguir, ocasião em que Santoro é contemplado com uma menção honrosa em um Concurso de Composição nos Estados Unidos :

Quando você [Santoro] fizer declarações, lhe peço somente uma coisa: Diga que o primeiro grande estímulo que você recebeu, foi dado pelo Instituto Interamericano de Musicologia, que vem o apoiando até hoje. Isto é sempre 4 importante para nós .

Além de divulgar o Americanismo, a prática epistolar de Lange viabilizou também parcerias com grupos interessados na renovação musical dos países latinoamericanos. As cartas possibilitaram a realização de ações do musicólogo junto ao Grupo Música Viva, no Brasil e ao Agrupación Nueva Música, na Argentina. Nos envios entre Curt Lange e Santoro encontramos diversas menções às ações relacionadas a esses grupos, tais como : logística da distribuição e venda de exemplares das publicações da revista Música Viva, planejamento para a execução de obras em concertos do Música Viva e do Agrupación Nueva Música, escolha de obras para publicação e de representantes para a venda das publicações.

As alianças com os referidos grupos possibilitavam a divulgação de obras entre intérpretes de todo o mundo, a realização de concertos, a radiofusão de obras, interligando no projeto do Americanismo Musical “atividades aparentemente fragmentárias (tais como publicações, concertos, transmissões radiofônicas etc.), conferindo-lhes maior coesão e consistência” (BUSCACIO, 2009: p.5-6).

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Assim, percebemos que as ações discutidas na correspondência entre Lange e Santoro, atingiam propósitos diferenciados : para o compositor, era uma maneira de se obter a divulgação da obra e o reconhecimento profissional; para o musicólogo, uma forma de introduzir sua posição ideológica, difundir as edições e estabelecer uma rede de sociabilidades5 (BUSCACIO, 2009 : p.147).

3. Circulação de obras na correspondência entre Lange e Santoro

Dentre as diversas ações relacionadas ao Americanismo Musical encontradas na correspondência entre Lange e Santoro, a circulação do repertório contemporâneo encontra lugar de destaque, sendo geralmente viabilizada pelo envio de materias anexos ao texto epistolar. A circulação de obras percorria dois caminhos distintos. Por um lado, Lange levava ao conhecimento de Santoro, por meio de envios anexos às missivas, partituras de compositores contemporâneos. Por outro, o musicólogo encarregava-se de reenviar obras de Santoro para a apreciação de outros músicos do continente americano. Esse processo de circulação constituiu para Santoro um estímulo ao conhecimento da produção contemporânea da vanguarda americana, bem como a divulgação de sua obra composicional.

Curt Lange tinha o hábito de enviar a Santoro obras que trabalhassem com aspectos também explorados por este compositor. Longe de constituir-se um fato isolado, esse gesto aponta para uma situação que fazia parte da troca epistolar do musicólogo: divulgar entre os compositores americanos, obras relacionadas às suas orientações estéticas, proporcionando o contato com referências estilísticas que poderiam vir a se refletir em suas composições.

Diversas missivas trocadas entre Curt Lange e Cláudio Santoro exemplificam como o conhecimento das obras de vanguarda era viabilizado por materiais anexos às epístolas. É o caso, por exemplo, dos envios com obras de Juan Carlos Paz, um dos primeiros compositores latino-americanos a dedicar-se à composição atonal e dodecafônica: Caro Dr. Lange,

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  Respondo somente hoje suas duas missivas de 29-9- e 16-10-, por falta absoluta de tempo. Recebi tambem nesses dias a peça do “Ascone” para canto e cordas, e, a Sonatina do Paz que indiscutivelmente é uma obra 6 prima, uma joia no genero .

Outra forma de circulação de obras identificada na correspondência entre Lange e Santoro era o reenvio de obras do compositor brasileiro para múltiplos destinatários. Ou seja, frequentemente, o musicólogo recebia partituras de Santoro junto com as cartas e encarregava-se de encaminhá-las para outros músicos, que também intervinham na análise da obra, na divulgação e no encaminhamento para os intérpretes. O trecho abaixo menciona uma obra enviada por Santoro a Lange, a ser encaminhada a Juan Carlos Paz: Em todo caso a “Sonata para Piano” seguirá por estes dias, pois já está copiada. Quero que depois de vê-la envie ao Carlos Paz, para ver se ele pode executar. Tecnicamente não tem dificuldade. Mande-me sua opinião sincera, pois só deste modo poderei tirar proveito. Peço-lhe também a fineza de dizer ao Carlos Paz que envie suas impressões "sinceras" sobre 7 as cousas que lhe enviar .

Este recurso permitia a multiplicação dos músicos com quem Santoro estabelecia um diálogo sobre a composição e a difusão da obra entre os intérpretes, possibilitando a realização de concertos e gravações, como constatamos através de menções na própria correspondência. Na carta escrita por Lange em 4 de março de 1942, encontramos: ‟Neste ano serão tocadas obras suas em Buenos Aires, desde que me mande as cópias prometidas. Também será tocada, assim espero, sua Sonata no Grupo do Paz”8. O reduzido número de partituras de Santoro hoje catalogadas no Acervo Curt Lange e a ausência de diversos títulos cujo recebimento foi confirmado por Lange nas cartas reforça o propósito de circulação dessas obras.

O musicólogo valeu-se dos envios epistolares para fornecer a Santoro um rico material, sobretudo partituras, que foram importantes para que o compositor conhecesse a produção de vanguarda da época. Estes envios constituíram uma fonte de aprendizado informal, ampliando as referências musicais de Santoro nos primeiros anos de sua atividade composicional e, provavelmente, interferindo no direcionamento do compositor.

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4. Considerações finais

A correspondência trocada entre Curt Lange e Cláudio Santoro de 1942 a 1949 proporcionou a concretização de diversas ações relacionadas ao projeto Americanismo Musical, dentre as quais destacamos a formulação de estratégias de divulgação relacionadas a este movimento, o estabelecimento de uma rede de contatos entre personagens do meio musical da época, publicações musicais e a circulação de obras de compositores latino-americanos.

A circulação de obras proporcionada por Lange contribuiu para o direcionamento estético de Santoro nos primeiros anos de sua produção, permitindonos contextualizar suas escolhas composicionais diante do meio musical e de sua época. Assim, ao contrário do que comumente se encontra na historiografia musical brasileira, que reconhece unicamente o papel do Grupo Música Viva e de Koellreutter na orientação da primeira fase composicional de Santoro, deveria-se também destacar a atuação de Lange neste sentido, que parece ser indispensável para a compreensão dos caminhos aos quais a música de Santoro esteve ligada.

Deve-se ressaltar também que a circulação de obras verificada na correspondência entre Lange e Santoro confirma a inserção da troca epistolar do musicólogo no projeto de disseminação da ideologia do Americanismo Musical, que tinha como uma de suas principais ações a difusão da produção musical do continente. Esta constatação é reforçada se confrontarmos o estudo das cartas entre Lange e Santoro com estudos dedicados aos envios desse musicólogo a outros interlocutores, como Camargo Guarnieri (Buscacio, 2009) e César Guerra-Peixe (Assis, 2006).

Através de estratégias de difusão da produção musical contemporânea verificadas na análise da correpondência, Lange realizava um processo de legitimação de seus ideiais, e, em certa medida, de intervenção nos destinos culturais latino-americanos.

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Referências : ASSIS, Ana Claudia. Os doze sons e a cor nacional: conciliações estéticas e culturais na produção de César Guerra-Peixe (1944-1954). Belo Horizonte, 2006. 268 f. Tese (Doutorado em Música). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. BUSCACIO, César Maia. Americanismo e nacionalismo musicais na correspondência de Curt Lange e Camargo Guarnieri (1934-1956). Rio de Janeiro, 2009. 272 f. Tese (Doutorado em Historia). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. LANGE, Francisco Curt e SANTORO, CLÁUDIO. Correspondência (1942-1949). Acervo Curt Lange, Biblioteca Universitária da UFMG: Série Correspondências. VIEIRA, Alice Martins Belém. Diálogos de Cláudio Santoro com a produção musical contemporânea: um estudo a partir de correspondências do compositor e da análise musical de obras para piano. São Paulo, 2013. 254 f. Tese (Doutorado em Música). Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. ________________________________

Notas 1

Grande parte dessas informações está disponível no website do Acervo Curt Lange, disponível no endereço . Acesso em 27/11/13. 2 Idem nota anterior. 3 Compositor brasileiro (1919-1989) que desenvolveu intensa atuação profissional no Brasil e no exterior, cuja produção percorreu diversas técnicas e linguagens musicais, incluindo obras tonais, atonais, dodecafônicas, aleatórias e eletrônicas. Santoro contribuiu significativamente com movimentos de renovação da linguagem musical no país, tais como o Grupo Música Viva, na década de 1940, e a música eletroacústica brasileira, nas décadas de 60 e 70. 4 Carta enviada por Curt Lange a Cláudio Santoro em 30 de novembro de 1944. 5 Buscacio analisa como as discussões entre Curt Lange e Camargo Guarnieri sobre obras a serem editadas no Boletín Latino Americano de Música representa o cruzamento de interesses profissionais: “As cartas trocadas entre Curt Lange e Camargo Guarnieri estão repletas de passagens em que o musicólogo e o compositor discutem quais obras deveriam ser impressas, seja através dos Boletíns ou de outros meios editoriais. Essas composições entrecruzavam diferentes perspectivas estéticas e interesses sócio-profissionais - o do compositor que poderia obter reconhecimento, através da publicação de suas criações; o do musicólogo que, como agente mediador da edição, poderia imprimir seu posicionamento ideológico e artístico; e o do próprio editor que priorizava a viabilidade mercadológica da edição. Acrescente-se, ainda, que as publicações viabilizaram a promoção de expressivo intercâmbio entre os compositores e intérpretes, propiciando o estabelecimento de uma rede de sociabilidades” (BUSCACIO, 2009, p.147). Dada a grande semelhança dos parâmetros descritos por Buscacio com informações encontradas nas cartas trocadas entre Lange e Santoro, transpusemos o modelo de reflexão do autor para descrever o cruzamento de interesses também presente na correspondência entre Lange e Santoro. 6 Carta enviada por Cláudio Santoro a Curt Lange em 22 de outubro de 1942. 7 Carta enviada por Cláudio Santoro a Curt Lange em 7 de junho de 1942. 8 Carta enviada por Curt Lange a Cláudio Santoro em 4 de março de 1942.

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Mulheres e imigrantes: invisibilidades históricas e as práticas da musica culta em São Paulo na Belle Époque MODALIDADE: Apresentação Oral Fernando Binder NOMADH – Núcleo de Musicologia e Desenvolvimento Humano – [email protected] Resumo: este trabalho analisa alguns reflexos dos ideários nacionalista e modernista em duas obras da historiografia musical brasileira: o compêndio História da Música Brasileira (KIEFER, 1997) e O Coro dos Contrários (WISNIK. 1977). O objetivo é elucidar como os critérios daqueles ideários conformaram os objetos e abordagens daqueles livros. Após uma breve exposição sobre as práticas musicais em São Paulo concluo que, ao privilegiar um tipo particular de Obra e de Compositor, aqueles ideários contribuíram para a inviabilidade de mulheres e imigrantes, atores históricos decisivos na música da Belle Époque paulistana. Palavras-chave: Historiografia. Gênero. Nacionalismo. São Paulo. Belle Époque. Women and immigrants: historical invisibilities e the serious musical practices on São Paulo’s Belle Époque. Abstract: This paper examines some consequences of nationalist and modernist ideas in two works of Brazilian musical historiography: the compendium Historia da Música Brasileira (KIEFER, 1997), and O Coro dos Contrários (WISNIK, 1977). The goal is to elucidate how the criteria of those ideals shaped those books’ objects and approaches. After a short exposition of the musical practices at São Paulo, I conclude that, by favoring the creation of a particular type of Work and Composer, those ideals contributed to the invisibility of women and immigrants, crucial historical actors in São Paulo’s Belle Époque music. Keywords: Historiography. Gender. Nationalism. São Paulo. Belle Époque.

1. O Nacional e Moderno na Musicologia Este texto faz uma reflexão sobre as influências que o ideários nacionalista e modernista tiveram na historiografia musical brasileira. Em particular interessa-me relacioná-los à invisibilidade de mulheres e imigrantes, agentes históricos decisivos nas práticas da música culta da Belle Époque em São Paulo. Dentro deste período José Miguel Wisnik inscreveu o “enorme vazio de criação, deixado pelo não surgimento de nenhum compositor importante no final do século [XIX]” (1977: 53). Este período tinha de um lado a geração de Henrique Oswald (1852-1931), formada de compositores maduros que escrevem aos moldes do neoromantismo de Camile Saint-Saëns, e a de Luciano Gallet (1893-1931), músicos que abriam-se aos novos horizontes da música (1977: 51-53). Uma chave para entender a este vazio criativo foi dada por Bruno Kiefer em seu compêndio de História da Música Brasileira, onde o ápice da vida musical do romantismo carioca é a “composição. Esta última, naturalmente, em condições artesanais e estéticas avançadas” (1997: 66). Além disso “nem toda composição é criação” nem o “sucesso de uma obra pode ser critério neste sentido”; “tendências criadoras” existem quando há “seriedade, domínio técnico e formal” (idem, 75). Para Kiefer estas qualidades desenvolveram-se à medida que a burguesia carioca se

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educava e “o melodismo fácil das óperas italianas” era substituído pela música alemã (idem, 72). Ele não só ecoa opiniões já em voga no século XIX como também as subscreve. Veja-se por exemplo sua opinião sobre a produção erudita de Henrique Alves de Mesquita (1830-1906): suas óperas e aberturas “a julgar pelo que se encontra gravado [...] pode ser perfeitamente esquecida pela história” (idem, 104). Wisnik assume a mesma postura, trocando o modelo do compositor artesão pelo vanguardista, pesquisador de novos técnicas de composição. Assim, no quarto capítulo d’O Coro dos Contrários, ele coloca em paralelo as soluções para “crise do sistema tonal” desenvolvidas por alguns dos expoentes das vanguardas europeias1 àquelas desenvolvidas por Heitor Villa-Lobos. Postas ao microscópio, as obras de Villa serão julgadas por suas qualidades artesanais e estéticas em relação à superação daquela crise. O nacionalismo nesta metodologia modernista, que valoriza a renovação técnico-estética revela-se como a identificação de um certo grau de originalidade e autonomia a serem “afirmados e provados a respeito das características, expressividade e estilo da música brasileira” (VOLPE, 2001: 14). O nacionalismo de Wisnik está na busca pela originalidade de Villa-Lobos em relação à crise da tonalidade. Não pretendo refutar a validade ou correção das conclusões dos trabalhos acima citados. Mesmo porque isto demonstraria minha pretensão em substituir uma história subjetiva, e portanto falsa, por uma outra objetiva e autêntica, logo verdadeira. Mas, como ensina Wegman, a realidade histórica não pode ser objetivamente conhecida pois, enquanto “entidade metafísica”, ela “não pode ser empiricamente conhecida [...] apenas postulada – isto é, novamente criada (2003: 137). Ainda assim, é importante identificar algumas das consequências que este ideário nacional-modernista produziu. Entre elas está a desvalorização simplista da importação da cultura musical europeia. E Bruno Kiefer, que abraçou abertamente a “autoafirmação nacional em termos de música” (1997: 7) faz algumas menções algo desabonadoras a vários compositores brasileiros. Para ele, Leopoldo Miguez “não trouxe a menor contribuição para uma música de características brasileiras. A rigor não foi criador” (idem, 126); Henrique Oswald compusera música “sedutora, mas, ao mesmo tempo, desenraizada. Falta-lhe a força da terra” (idem, 129) e continua: “[...] não foi uma personalidade criadora. Sentimos nele um músico deveras excepcional [...]. Para compor, necessita de determinadas premissas estéticas, criadas por outros” (idem, 130). Quanto à Glauco Velasquez, uma ou outra obra sua teria “condições de resistir ao tempo, graças à força e o talento do autor; por razões de autoafirmação nacional em termos de música certamente não será.” (idem: 136).

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2. Música, mulheres e imigrantes na Belle Époque paulistana Nas primeiras décadas do século XX São Paulo passou por um processo de institucionalização da música em várias esferas. Neste período foram criados o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo (CDMSP), em 1906; o Teatro Municipal de São Paulo (TMSP), em 1911; a Sociedade de Cultura Artística (SdCA), em 1912; o Pensionato Artístico do governo do Estado, em 1912; o Centro Musical São Paulo, em 1913, e a Orquestra de Concertos de São Paulo, em 1920. Criadas ora pelo poder público, ora pelo associativismo privado, ora de um entrelaçamento de ambos tais instituições não devem ser vistas apenas em seu caráter utilitário, como promotores de atividades culturais e educacionais. Olhadas em conjunto indicam claramente a vontade da elite paulistana em ajustar as práticas musicais ao processo modernizador de cunho europeizante que marcou o início do século XX. Mulheres e imigrantes foram os dois principais atores nas práticas musicais paulistanas. Entre os primeiros destacam-se os italianos e seus ascendentes. Estes correspondiam a cerca de 70% dos 205 músicos que fundaram o Centro Musical São Paulo (IKEDA,1989:6). O CMSP surgiu em razão da profissionalização das atividades musicais ligadas ao cinema e ao teatro musicado; misto entre sindicato e sociedade de auxílio mútuo (1913: 11). A instituição mostra uma distinção de gênero entre os músicos paulistanos: entre os sócios fundadores havia apenas uma mulher, ou seja, professoras de canto e piano, não foram incluídas na associação. (IKEDA, 1989: 6). Esta distinção de gênero parece corresponder à outra distinção das atividades musicais: os profissionais e amadores. E tratar de mulheres e música em São Paulo é falar necessariamente pelo piano. Um pequeno livro laudatório publicado em 1916 pela alunas de Luigi Chiaffarelli deixa isso evidente. Ali foram listados o nome das alunas e os programas dos saraus musicais e concertos que Chiaffarelli promoveu em sua escola entre 1892 a 1916. De um total de 509 discípulos, nada menos que 469 são mulheres, cerca de 92% enquanto os homens somavam 40 alunos, cerca de 8% (AO MAESTRO, 1916: 63-63). Pianolatria foi o termo que Mário de Andrade usou para descrever a hegemonia do piano na educação musical em São Paulo. Foi em 1922, no primeiro número da revista Klaxon, que saiu sua famosa reclamação contra “a fada perniciosa que a cada infante dá como primeiro presente um piano e como único destino tocar valsas de Chopin” (1922: 8). Nos Aspectos da Música Brasileira, de 1939, Mário vai mostrar uma visão muito mais negativa e ácida sobre a Pianolatria. Depois de ser demitido do Departamento de Cultura numa situação vexatória ele diria que a “floração pianística” da “Cafelândia” era uma “excrescência” por sua “quase nula função nacional” (1991: 12). Há muito a imagem da idolatria ao piano foi banalizada, usada acriticamente para descrever o ensino, a execução

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doméstica e amadora do piano sobretudo entre as mulheres. Em realidade, esta visão negativa sobre desconsidera completamente o horizonte possível das mulheres no início do século XX, como explica Dalila Carvalho: [...] se para compositores e instrumentistas [homens] era absolutamente comum a convivência com estilos e ambientes musicais diversos o mesmo não se verifica para entre as pianistas, cantoras e compositoras. [...] Confinadas a alguns espaços sociais, as pianistas eram proibidas de se apresentarem em público e serem remuneradas [...]. As moças de conservatório tinham pouco contato com a “música ligeira” ou “popular”, que chegava à sala de visitas pelas mãos dos pianeiros, pela compra de alguma partitura, pelas melodias ouvidas na rua ou pela frequência ao teatro. (CARVALHO,2012:82)

Gênero é “um sistema de designação de papéis sociais, poder e prestígio que é sustentado por uma vasta rede de metáforas e práticas culturais comumente associados ao ‘masculino’ e ao ‘feminino’”(CUSICK, 1999: 475). Portanto é importante procurar pelo lugar dos homens nas práticas musicais paulistana na Belle Époque. E para tano nada é mais esclarecedor que os primeiros dias de funcionamento da Sociedade de Cultura Artística. A SdCA foi fundada em 1912 por homens que pertenciam à elite intelectual e política de São Paulo como Nestor Pestana, José de Freitas Valle, Ramos de Azevedo e Vicente de Carvalho. Entre os fundadores também havia um pequeno grupo de músicos eram eles: Luigi Chiaffarelli, Fúrio Franceschini, Agostino Cantù, Zacharias Autuori, Felix de Otero, José Wancolle, Luiz e Maurício Levy e, talvez, José Augusto de Souza Lima2. Uma rápida análise do quadro de sócios fundadores revela uma situação exatamente oposta ao que ocorria na escola do prof. Chiaffarelli. Quando a SdCA é fundada, dos 118 sócios apenas 10 eram mulheres, cerca de 8,5%. Na lista de sócios do ano de 1917 a proporção é a mesma, entre 596 sócios, 48 eram mulheres pouco mais de 8,22%. Mas estes números dizem respeito aos associados e não às atividade que a sociedade patrocinava. Pois bem, foi a literatura o motor que colocou em marcha a criação da SdCA, como fica claro no discurso inaugural feito por Roberto dos Santos Moreira, seu segundo secretário. Segundo ele, a associação nascia voltada unicamente “às coisas do espírito” numa sociedade “saturada de ideais utilitários”. A SdCA trabalharia “pelo engrandecimento da pátria” oferecendo “concertos e conferências que tenham, de preferência, por objetos assuntos nacionais”. A literatura era vista como o “meio mais fecundo” para o sucesso de tal empreitada, pois era a língua “o vínculo mais forte que une uma às outras as parcelas de uma nação”. Como então, indagava-se Moreira, “desejando fazer obra patriótica não conceder primazia à língua e, portanto, à literatura nacional?” (MOREIRA apud ÂNGELO,1998:245). Portanto, a música era uma atividade “sedutora mas

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desenraizada” sem a “a força da terra” como a música de Henrique Oswald para Bruno Kiefer. Na década de 1910 foram realizadas 80 “noites de arte”3. Nelas ocorreram 34 conferências, 74 concertos, 7 espetáculos com declamação de poesia, 1 ópera, 1 balé e 1 apresentação teatral4. Das 34 conferências, carro chefe para a criação da associação, 23 trataram sobre temas de literatura, 5 conferências trataram sobre as lendas e tradições populares, as famosas apresentações de Afonso Arinos. A música foi tema de uma só conferência. Coincidência ou não, esta foi a única das ministrada por uma mulher: a escritora Júlia Lopes de Almeida discorreu sobre a vida e a obra do Pe. José Maurício Nunes Garcia. A ligação entre um seleto grupo de músicos e a elite social e política também transparece na lista de alunas de piano do prof. Chiaffarelli. Ler aquela lista é fazer um passeio pelas atuais ruas de São Paulo. Nela aparecem os clãs paulistanos mais tradicionais, famílias que hoje dão nome aos igualmente tradicionais engarrafamentos da cidade. Estão mencionados ali os Prados, Rebouças, Homem de Mello, Siqueira Campos, Toledo Piza, Tobias de Aguiar, Lacerda Franco, Paes de Barros, Matarazzo, Klabin, França Pinto, Rudge, Penteado, Pujol, Anhaia, Mesquita, Rodrigues Alves etc. Nos pianos de Chiaffarelli tocaram nada menos que as filhas do Presidente da República, do Presidente do Estado e do Prefeito de São Paulo. Esta imbricação das esferas públicas e privadas, velha conhecida da cultura brasileira, teve um papel importante na nomeação de José Augusto de Souza Lima, irmão de João de Souza Lima, como professor de piano do CDMSP. José Augusto já era próximo ao filho do governador do Estado, com quem fazia música de câmara. O posto como professor foi conseguido através da intervenção de uma tia, casada com um alto funcionário da Secretária de Segurança do Estado e que tratou pessoalmente do assunto com o governador (LIMA,1981: 20). 3. Conclusão Parece claro que o “vazio criativo” de Wisnik só faz sentido se a narrativa histórica é construída para certo tipo composição, a de feição nacional ou moderna. Além disso esta música deve ser composta por um tipo particular de indivíduo: brasileiro e homem. Como os principais agentes históricos da música em São Paulo, mulheres e imigrantes, não se encaixam nesta perspectiva eles não entram na narrativa, ou pior, são incluídos de maneira negativa ou pejorativa, como é o caso da associação das mulheres à Pianolatria. No que diz respeito às práticas musicais, fica claro a existência de uma clivagem entre atividades masculinas, femininas, profissionais e amadores. Nas

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atividades desinteressadas, as “coisas do espírito”, a literatura foi a atividade masculina e a música a atividade feminina. O mundo do trabalho musical é masculino, os homens, em grande parte imigrantes ou seus descendentes, eram responsáveis pela música em nível profissional. Referências Ao Maestro Luigi Chiaffarelli. [São Paulo]: s.e., 1916. Centro Musical São Paulo [excerto do estatuto]. São Paulo: José Guzzi, 1913. ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991. __________________.Pianolatria. Klaxon, São Paulo, n.1, p.8, maio de 1922. ÂNGELO, Ivan. 85 anos de Cultura, História da Sociedade de Cultura Artística. São Paulo: Editora Studio Nobel, 1998. CARVALHO, Dalila Vasconcelos de. O gênero da música: a construção social da vocação. São Paulo: Alameda, 2012. CUSICK, Suzanna G. Gender, Musicology and Feminism. In: COOK, Nicolas; EVEREST, Mark. Rethinking Music.. Oxford: Oxford University Press, 1999. 471-498. IKEDA, Alberto. Italianos e a música em São Paulo. O Estado de São Paulo, Suplemento Literário, São Paulo, ano VII, n. 442, p.6-7, 7 jan. 1989. KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do século XX. 4a. ed. Porto Alegre: Movimento, 1997. LIMA, João de Souza. Moto Perpétuo: a Visão Poética da Vida Através da Música, Autobiografia do Maestro Souza Lima. São Paulo: IBRASA, 1981. VOLPE, Maria Alice. Indianismo and landscape in the Brazilian age of progress: Art music from Carlos Gomes to Villa-Lobos, 1870s—1930s. Austin, 2001. 346f. Tese de Doutoramento. University of Texas at Austin. WEGMAN, Rob C. Historical musicology: is it still possible? In: CLAYTON, Martin; TREVOR; Herbert; MIDDLETON, Richard. The Cultural Study of Music: a critical introducion. Nova Iorque: Routledge, 2003. 136-145. WISNIK, José Miguel. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas Cidades São Paulo, 1977. Notas

1

São eles: Eric Satie, Arnold Schoenberg, Claude Debussy, Darius Milhaud, Anton Webern, Igor Stravisnky e Béla Bartók. 2 A lista consta indistintamente como “Souza Lima”. Mas, nesta época, José Augusto de Souza Lima, irmão mais velho de João de Souza Lima, já era músico renomado em São Paulo. 3 Convém notar que já no segundo ano a unidade conferência/concerto deixou de ser norma. Assim as reuniões poderiam ter uma ou outra atividade; ou mesmo nenhuma no caso de alguns espetáculos teatrais ou óperas. 4 As minutas dos programas das reuniões foram compiladas por Ângelo (1998, 259-269).

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Romualdo Suriani (1880-1943): atividade musical do maestro italiano em Curitiba, entre 1912-1940 Modalidade: Musicologia Alan Rafael de Medeiros

Universidade Federal do Paraná – [email protected]

Álvaro Luiz Ribeiro da Silva Carlini Universidade Federal do Paraná - [email protected] Resumo: O presente artigo apresenta considerações sobre a atuação do maestro italiano Romualdo Suriani em Curitiba-PR, fazendo apontamentos gerais sobre as diferentes atividades exercidas pelo músico entre 1912-1940. Dada a escassez de materiais sobre o assunto, esta pesquisa preliminar tem como principais fontes de pesquisa os periódicos locais daquele contexto, assim como bibliografias que abordam a realidade sociocultural da cidade na primeira metade do século XX. Palavras-chave: Romualdo Suriani. Banda da Força Militar do Estado. Sociedade Sinfônica de Curitiba. Romualdo Suriani (1880-1943): musical activity of italian conductor in Curitiba, between 19121940 Abstract: This article presents considerations about the performance of Italian conductor Romualdo Suriani in Curitiba-PR, making general notes about the different activities performed by the musician between 1912 - 1940. Given the scarcity of material on the subject, this preliminary research has as main sources of local research journals, as well as bibliographies that deal with the social and cultural reality of the city in the first half of the twentieth century. Keywords: Romualdo Suriani. Military Band of State. Sociedade Sinfônica de Curitiba.

1. Considerações preliminares A presente abordagem se justifica pelo fato de contribuir para com o mapeamento da produção musical realizada em Curitiba, ao longo das primeiras décadas do século XX, período significativo para o desenvolvimento dos espaços de sociabilidades musicais. Do mesmo modo, auxilia no processo de verificação da produção musical na cidade, apresentando obras que, em parte, buscaram justificar os contextos ideológicos e políticos na capital, no momento de instauração do ideário que tinha por objetivo valorizar a identidade regional do Paraná, conhecido como Paranismo 1. Em relação à prática musical desta corrente ideológica, ainda que não haja trabalhos aprofundados sobre esta temática, sabe-se que esteve em pauta ao longo das décadas de 1920 a 1940, buscando justificar e criar um público apreciador alinhado à estética ambicionada pelos envolvidos no movimento, tal como o músico e maestro italiano Romualdo Suriani (1880-1943). Entusiasta desta corrente, se inseriu no cenário musical paranaense por meio de sua produção musical, de sua prática musical como maestro da Banda da Força Militar do Estado, do mesmo modo aliado ao seu trabalho de animador cultural e de divulgação da obra do compositor Carlos Gomes. Dada a escassez de documentação que aprofunde a análise sobre Romualdo Suriani, neste trabalho são realizados apontamentos gerais sobre sua

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trajetória em Curitiba, desde sua chegada, em 1912 até o início da década de 1940, período no qual se manteve ativo na capital paranaense. Compreender esta personagem, procurando delinear aspectos de sua trajetória social e artística, possibilita levantar características gerais visando a considerações sobre uma musicologia local, que, mesmo não isolada, relaciona-se a um contexto político e ideológico específicos de afirmação da identidade local. A temática abordada neste artigo está inserida no contexto do grupo de pesquisa UFPR/CNPq, intitulado Música Brasileira: estrutura e estilo, cultura e sociedade, na linha Musicologia histórica: sociedades civis vinculadas à Música no Paraná, séculos XX. 2. Romualdo Suriani: principais atividade do maestro italiano Romualdo Suriani nasceu em Veneza-Itália, em 1880, e veio criança para o Brasil, tendo passado a infância e a juventude no Estado de São Paulo, na cidade de Campinas, voltando à Itália aos 20 anos para estudar música. Em 1912, durante o governo de Carlos Cavalcanti, no Paraná, com a reestruturação do Regimento de Segurança, foi convidado para assumir a regência da Banda da Força Militar do Estado. Quando chegou a Curitiba no ano de 1912, Suriani promoveu concertos, que incluíram eventos oficiais, homenagens, comemorações cívicas e apresentações realizadas aos domingos. Periódicos locais situavam a tradicional Rua XV de Novembro como palco de apresentações diversas, mencionando com frequência o maestro Romualdo Suriani e sua Banda, em eventos rotineiros e nas comemorações oficiais. A Banda da Força Militar do Estado se apresentava frequentemente ao ar livre, nas praças da cidade de Curitiba, prática conhecida como Retretas, concertos populares de bandas em praças públicas (JUSTUS, 2002: p.49). Durante as décadas de 1910 e 1920, as retretas eram evento constitutivo da rotina dos curitibanos, e os coretos os principais pontos para a realização desta prática musical. As retretas acabaram se transformando em relevantes espaços de disseminação musical para a maioria da população curitibana, uma vez que parte das obras eruditas executadas pela Banda integrava a realidade pertencente à parcela da sociedade local frequentadora do antigo Teatro Guaíra. O maestro Suriani seguia esquema de concertos didáticos nas apresentações da Banda nas praças, com informações sobre as principais características das obras e breve biografia dos compositores executado, fornecendo assim “conhecimento musical informal” às diversas camadas frequentadoras destes eventos.

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Os periódicos da época anunciavam de maneira positiva as apresentações da banda e, do mesmo modo, o fluxo do público. O repertório executado nas retretas era variado, misto de obras clássicas, valsas e dobrados, que somado pela gratuidade do evento, resultava em grande presença de público. As retretas públicas, no coreto da Praça Ozório, realizada pela Banda da Força Militar do Estado, brilhantemente dirigida pelo maestro Romualdo Suriani, atraem uma multidão imensa para aquele lindo logradouro [...] O maestro Suriani é, nas praças públicas, o médico da alma popular. (IN Diário da Tarde, 13 de janeiro de 1921. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

Romualdo Suriani foi personagem que ganhou prestígio como musicista atuante na cidade, tendo sido aceito pela sociedade curitibana de sua época. Exemplo desta aceitação é o trecho da Revista Ilustração Paranaense de 1927, que registrava momentos importantes de personalidades notórias da sociedade paranaense, partidária do ideário paranista, divulgando a estética desta corrente ideológica em suas edições. De música Suriani! Maestro do excelente conjunto musical da Força Militar do Estado, a sua atividade é assombrosa. Organizou, por ocasião do centenário de Beethoven, um grande concerto sinfônico, que constituiu o maior acontecimento musical registrado em nossa terra. Podemos dizer sem receio de errar, que o maestro Suriani é uma das mais competentes mentalidades emotivas que o Paraná possui. Além de regente é inspirado compositor, é um dos mais apaixonados paranistas que vivem sob o céu da terra dos tinguis. (IN Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano I, n.12, dez/1927. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná.)

A citação acima informa a existência de concerto exclusivo com obras de Beethoven, realizado no Teatro Guaíra. O que se pode afirmar é que o evento ocorreu no dia 27 de março de 1927, intitulado “Festival Beethoviniano em comemoração ao centenário do artista, sob a regência do maestro Romualdo Suriani” (COSTA, 1990: p.39). Foi através da Banda da Força Militar do Estado, ao que tudo indica, que Curitiba pôde apreciar pela primeira vez uma obra orquestral sinfônica completa no ano de 1925. Em artigo de periódico local é informada a primeira apresentação de obra sinfônica completa: Sábado, às 19 horas, a Banda da Força Militar do Estado, sob a regência do maestro Suriani, na Praça Osório, vai proporcionar ao povo de Curitiba uma original e primorosa audição musical. O apreciado conjunto da Força Militar executará a partitura completa da Tosca, a mais conhecida das obras de Puccini. É a primeira vez, em nossa capital, que teremos a satisfação de ouvir uma ópera completa executada pelos bravos musicistas da Força Militar. (IN O Dia, 16 de setembro de 1925. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

Apesar da atividade da Banda da Força Militar ao longo das décadas de 1910 e 1920, foi somente a partir de 1930, após a fundação da Sociedade Sinfônica de Curitiba (SSC) que houve maior regularidade nas apresentações de concertos sinfônicos na cidade. Esta entidade artística foi resultado da mescla das atividades musicais disseminadas pela banda militar do maestro Suriani, assim como dos

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músicos formados nos diferentes instrumentos pelo maestro Leo Kessler

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(18821924) e Antônio Melillo (1900-1966) no Conservatório de Música do Paraná (a partir de 1916). A única referência localizada até o momento que aborda a criação da SSC afirma que “em 1930, Romualdo Suriani, então mestre da Banda de Música da Força [Militar] do Estado, transformou-a em uma verdadeira banda sinfônica, criando na ocasião a Sociedade Sinfônica de Curitiba”. Ao que tudo indica, ele uniu instrumentistas de sopro e percussão que tinha à disposição na banda militar e agregou músicos externos para formar a família das cordas, incluindo alunos formados pelo Conservatório de Leo Kessler, que a esta época era dirigido por Antônio Melillo, também colaborador da Sociedade Sinfônica de Curitiba. O concerto inaugural da SSC foi realizado a 10 de maio de 1930, no Teatro Guaíra. A primeira matéria jornalística localizada abordando a fundação da Sociedade Sinfônica de Curitiba é datada de 29 de abril de 1930, entretanto não são apresentados maiores detalhes sobre a criação deste grupo orquestral. O que se verificou na notícia é atuação em conjunto dos maestros Romualdo Suriani, Ludovico Seyer e Antônio Melillo, assim como o considerado “nivelamento cultural” da cidade de Curitiba com as demais capitais brasileiras, a partir da consolidação desta orquestra. Este concerto é também o primeiro da Sociedade Sinfônica de Concertos, recém organizada pelos músicos Antônio Melillo, Ludovico Seyer e Romualdo Suriani, os quais têm a sua direção. É de esperar que o adiantado público de Curitiba corresponda a tão nobre empreendimento, já porque os seus organizadores só por si constituem uma verdadeira garantia. Porque irá colocá-la em plano igual às demais capitais do Brasil. (IN Gazeta do Povo, 29 de abril de 1930. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná)

O primeiro concerto da Sociedade Sinfônica de Curitiba coincidiu, talvez intencionalmente, com o evento intitulado “Festa da [Revista] Ilustração Paranaense”. Esta comemoração teve como finalidade angariar fundos destinados aos artistas paranaenses que estudavam na Europa. A página reservada às impressões sobre o evento traz informações sobre a recém-formada orquestra, questões técnicas relacionadas à interpretação musical do conjunto, assim como a gratidão nominalmente expressa aos principais benfeitores e suas respectivas contribuições. A festa organizada pela revista Ilustração Paranaense contou com a presença da alta sociedade curitibana, motivada por objetivo nobre: a primeira apresentação de conjunto orquestral de grande porte na cidade coincidiu com o evento da revista e contou com larga aceitação por parte desta elite financeira e intelectual local. Tal apreciação pode ser verificada ao longo da sua publicação, especialmente em frases que sugerem a “magnífica afirmação do conjunto orquestral”, o que revela o frenesi para com o evento cultural no qual o grupo

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orquestral desempenhou relevante papel. O início desta orquestra em um círculo influente, somado ao ineditismo de uma prática contínua no campo da música orquestral sinfônica, garantiram sua permanência ao longo da década de 1930. A sala do velho Guaíra parecia transfigurada. Aquele público – e era densíssimo – muitas vezes e não sempre com razão, acusado de frio e incompreensível, no primeiro concerto da Sociedade Sinfônica de Curitiba, foi arrebatado e exaltado pela arte de Romualdo Suriani. (IN Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.5, mai/1930. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná).

Não se pode precisar o ano de encerramento das atividades da SSC. Até o ano de 1937 é possível afirmar que Suriani permaneceu em Curitiba realizando trabalhos a frente da Banda da Força Militar do Estado e da Sociedade Sinfônica de Curitiba. O acervo Curt Lange da UFMG (originalmente pertencente ao musicólogo Francisco Curt Lange, 1903-1997) preserva em arquivo duas fotografias 3 autografadas por Romualdo Suriani enviadas na época ao musicólogo alemão. Ambas as imagens são datadas de outubro de 1937, e em uma delas Suriani aparece em frente a orquestra, possivelmente a SSC, tendo em vista que a fotografia apresenta como spalla o também maestro Ludovico Seyer (1882-1956).

Figura 1: Conjunto orquestral de 1937, possivelmente a Sociedade Sinfônica de Curitiba. Maestro: Romualdo Suriani. Acervo Curt Lange, Universidade Federal de Minas Gerais, ref. 8.1.12.21

Sabe-se que em 1938 o maestro Romualdo Suriani foi à Itália, autorizado pelo então Interventor do Estado, Manoel Ribas (1873-1946) e recebendo para tanto seis meses de licença, para divulgar a música brasileira na Europa. O maestro esteve em Florença, Milão e outras cidades na Itália. Regeu bandas e orquestras locais apresentando obras de compositores brasileiros como Carlos Gomes, Alberto Nepomuceno e do paranaense Bento Mossurunga. É possível que neste período as atividades da SSC tenham sido interrompidas, uma vez que Romualdo Suriani, o elo que possibilitava a fusão entre músicos oriundos da Banda da Força Militar do Estado e aqueles provenientes do Conservatório de Música do Paraná não estava à frente do conjunto. O maestro Suriani era conhecedor da obra de Carlos Gomes, tendo publicado na revista Ilustração Paranaense análises de fragmentos da obra do

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compositor paulista. Romualdo Suriani foi o responsável pelo busto erguido em homenagem a Carlos Gomes, na praça curitibana homônima ao compositor campinense. Foi sua a iniciativa dos concertos em homenagem a Carlos Gomes, executados nas principais praças de Curitiba, todos precedidos por uma conferência sobre a importância das obras do compositor brasileiro. Romualdo Suriani era frequentemente citado pela imprensa diária como compositor de obras musicais escolares e cívicas, compositor da peça que a partir do ano de 1980 foi oficializada como hino da cidade da Lapa-PR. Recentemente o grupo de pesquisas localizou o exemplar manuscrito do poema sinfônico intitulado Gôio-Covó, que a musicologia local informava ter sido perdido. O manuscrito de Suriani está neste momento em fase de digitalização para posterior análise, visando a oferecer mais dados para a comunidade acadêmica. Ao final do ano de 1938, após seu regresso ao Brasil, o maestro Suriani passou gradativamente a ser estigmatizado em decorrência de sua nacionalidade italiana, sendo por vezes taxado de fascista. Ao longo da Segunda Guerra Mundial, todos os estrangeiros residentes no Brasil nascidos nos países que integravam o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) passaram por severa vigilância das autoridades, a exemplo de Romualdo Suriani. A este período a atividade artística do maestro já havia sido reduzida consideravelmente. Em janeiro de 1942 um decreto emitido pelo Interventor Federal do Estado dispensava o Capitão Suriani das funções que exercia na Polícia Militar pelo fato de ser italiano. Somente um ano após sua morte, dada em 02 de fevereiro de 1943, foi baixado decreto tornando sem efeito a sua exclusão da Polícia Militar. 3. Considerações finais A música em Curitiba, nas primeiras décadas do século XX, era disseminada de maneira heterogênea e vivenciada por um público heterogêneo, devido à ausência de prática cultural solidamente constituída. Este quadro fazia com que a vida musical na capital paranaense se movimentasse de maneira eclética, originando diferentes espaços de sociabilidades para a apreciação da música, verificáveis nas práticas musicais dos cineteatros, nos recitais realizados pelas sociedades e clubes musicais, mesmo nos eventos de maior porte oferecidos pelo maestro Romualdo Suriani à frente da Banda da Força Militar do Estado, ao longo das décadas de 1910, 1920 e 1930. Este levantamento preliminar sobre esta personagem relevante do ponto de vista sócio cultural na capital paranaense, pode contribuir para o mapeamento mais aprofundado das práticas musicais em Curitiba ao longo do século XX, colaborando na verificação dos espaços de sociabilidade musicais locais, do repertório disseminado, da reprodução e da fruição musical, bem como, por fim, das

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estratégias e ideologias presentes no discurso das elites locais no contexto da afirmação de uma identidade regional para o Paraná, servindo a música, assim como as demais manifestações artísticas, para justificar este contexto. Referências COSTA, Marta Morais. Curitiba, Teatro e Euforia, 1927. Revista Letras, Curitiba, n°39, p.21-45, 1990. JUSTUS, Liana Marisa. Práticas, plateias e sociabilidades musicais em Curitiba nas primeiras três décadas do século XX. Curitiba, 2002. 239f. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal do Paraná, Curitiba. LEÃO, Geraldo V. de Camargo. Paranismo: arte, ideologia e relações sociais no Paraná. Curitiba, 2007. 213f. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Paraná, Curitiba. Fontes de Pesquisa Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano I, n.12, dez/1927. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.4, abr/1930. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, ano IV n.5, mai/1930. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. SURIANI, Romualdo. Análise da Sinfonia da ópera Fosca. Revista Ilustração Paranaense, Curitiba, Ano II, n.9, set/1928. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. Diário da Tarde, 13 de janeiro de 1921. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná O Dia, 16 de setembro de 1925. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. Gazeta do Povo, 29 de abril de 1930. Divisão de Documentação Paranaense, Biblioteca Pública do Paraná. SURIANI, Romualdo. Gôio-Covó. Curitiba: manuscrito, 1941. 1

De acordo com Leão (2007: p.8) é possível compreender o Paranismo como “[...] resultado de um longo processo de formulação de uma imagem do Paraná posteriormente à sua emancipação política, ocorrida em 1853. Um processo persistente que procurou elaborar uma visão simbólica diferenciada da nova província em relação às outras regiões do Brasil e que se define também por sua interpretação das formas modernas em arte”. 2 Leo Kessler nasceu na Suíça, iniciou seus estudos de piano na adolescência, tendo cursado órgão e História da Música em Estrasburgo, de 1901 até 1904, quando se mudou para Paris, tendo aulas particulares de órgão, piano e composição. Ao início de 1911 aceitou o cargo de diretor musical da Companhia de Operetas Alemãs Papke, que se preparava para visitar o Chile, a Argentina e o Sul do Brasil. Curitiba seria a última parada da Companhia, e com a dissolução deste conjunto, alguns músicos, dentre eles Kessler, acabaram por fixar residência na cidade. 3 As referências das fotos pertencentes ao acervo Curt Lange, da UFMG, são: 8.1.12.21 e 8.1.18.103.1; em ambas segue o texto: “Ao eminente musicólogo Prof. Francisco Curt Lange, homenagem respeitosa de Romualdo Suriani. Curitiba, 16/10/1937”.

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Ode a Benedito de Eduardo Guimarães Álvares: uma análise. MODALIDADE: Teoria e Análise Musical Diogo Lefèvre

IA-UNESP (Grupo de Pesquisa: Teorias da Música – e-mail: [email protected]

Resumo: Este artigo aborda Ode a Benedito, de Álvares, baseada em texto de Penna. A análise de uma peça musical composta a partir de um poema envolve um exame da estrutura musical e do texto literário. Escritos de Motte, Lewin e Danuser reforçam tal opinião. A partir de conceitos de teoria literária (definidos por Goldstein e Tavares) e musical (definidos por Forte e Oliveira) se demonstra que o compositor foi sensível à seleção de palavras realizada pela poetisa e cuidou da estrutura musical através de relações motívicas e intervalares. Palavras-chave: Relação texto-música. Análise musical. Canção. Música contemporânea brasileira. Eduardo Guimarães Álvares. Ode a Benedito by Eduardo Guimarães Álvares: an analysis. Abstract: This paper approaches Ode a Benedito by Álvares, based on a text by Penna. The analysis of a musical piece composed taking a poem as a point of departure includes an examination of the musical structure and of the literary text. Writing of Motte, Lewin and Danuser supports this opinion. Concepts of literary and musical theory (as explained by Goldstein and Tavares, Forte and Oliveira) help to prove that the composer was sensitive to the words selection made by the poetess and cared about the musical structure by means of motivic and intervallic relationships. Keywords: Text-music relationship. Musical analysis. Song. Brazilian contemporary music. Eduardo Guimarães Álvares.

1. Introdução A presente comunicação aborda a composição Ode a Benedito, sexto movimento da obra Pétala Petulância (1991/1992) de Eduardo Guimarães Álvares, baseada em poemas de Alícia Duarte Penna. Acredita-se que a análise de uma peça musical composta a partir de um texto poético envolva, além do escrutínio da estrutura musical, um exame do texto literário que lhe serve de base, o que muitas vezes se verifica em trabalhos teóricos a respeito de obras vocais. Tal posição é defendida por Diether de la Motte (1968: p. 61-71), que, ao abordar a canção Nacht und Träume de Schubert, mostra como diversos aspectos do poema de Matthäus von Collin musicado por Schubert (tais como a ordenação das rimas, a sintaxe, a sucessão das imagens veiculadas) sugerem diferentes articulações ou subdivisões do texto, para em seguida mostrar como os diversos elementos da música (como por exemplo a harmonia, o acompanhamento pianístico, a inter-relação entre as frases melódicas da linha vocal) se relacionam com os aspectos analisados do texto. David Lewin (2006: p. 357-365), ao abordar o Op. 15/5 de Schoenberg, mostra conexões entre o esquema de rimas do poema, as imagens veiculadas pelo texto e seu significado, e os motivos

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rítmico-métricos empregados pela linha vocal daquela canção (Saget mir). Hermann Danuser (2004: p. 357-365), ao enfocar a peça Soupir de Ravel, mostra relação entre a sintaxe peculiar do poema de Mallarmé e a maneira como Ravel realiza a escrita instrumental de sua composição, de maneira que um período extremamente extenso do poema conserva certa unidade sonora em sua versão musical através de um ostinato igualmente duradouro. 2. Análise de Ode a Benedito Abaixo se reproduz o poema Ode a Benedito de Alícia Duarte Penna (198?: p. 25) (as palavras entre colchetes foram omitidas pelo compositor): Ode a Benedito Seu corpo, Benedito, é o corpo mais bonito! E que olhos, que olhos! Meu Deus, os olhos de Benedito! Às vezes ficam verdes! O nariz de Benedito! A boca de Benedito! O pescoço, o colo, as toleimas, as tiróides, as meias de Benedito enternecem a quem quer que as veja! Os pés de Benedito! São feios, mas que falanges! Que falácia essa ode que [por hora] a ti ofereço, meu Benedito, quando tu és o corpo mais bonito! O título de “Ode” se justifica pela atitude de exaltação do eu-lírico diante de Benedito. Tal atitude se verifica, por exemplo, pela pontuação: o poema não faz uso do ponto final, contém apenas exclamações. O louvor a Benedito também se manifesta pela enumeração das partes de seu corpo: os olhos, o nariz, o pescoço, o colo. Ao se prosseguir o exame do nível lexical do poema, ou seja, verificar “de quais palavras ele se compõe, [...] quais as categorias gramaticais presentes no poema, qual delas predomina e como são empregadas no texto” (GOLDSTEIN: 2001, p. 60), pode se constatar que, para um texto laudatório, a quantidade de adjetivos empregados é relativamente pequena. Se o primeiro adjetivo que aparece no texto inicia a glorificação característica do poema, ao dizer que o corpo de Benedito “é o

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corpo mais bonito”, por outro lado o eu-lírico atribui aos pés de Benedito a característica oposta, ao dizer que eles “são feios”. O contraste entre esses dois termos beira ao oxímoron: “a ligação entre duas ideias ou pensamentos, que, na realidade se excluem” (TAVARES, 1991: p. 347). Além disso, causa estranheza que os pés de Benedito não sejam belos, quando antes se afirmou que as suas meias “enternecem a quem quer que as veja!”. Em sua composição, Eduardo Guimarães Álvares valoriza a surpresa causada pelo adjetivo “feios”, colocando grande ênfase nos “pés de Benedito” e fazendo com que o momento no qual se pronuncia o referido termo soe como um anticlímax. Assim, a cantora por duas vezes diz “Os Pés”, na primeira vez empregando a voz falada e na segunda iniciando uma frase cantada que atinge a mais longa e mais aguda nota vocal da Ode a Benedito até esse ponto, o Mi bemol (ver Figura 2). Tal nota soa ao mesmo tempo em que todos os instrumentos que participam dessa peça (clarinete em mi bemol, trombone e percussão) executam frases formadas por notas rápidas, ao mesmo tempo utilizando grande extensão do campo de tessitura. A densidade da escrita instrumental dessa passagem também se reflete no aspecto harmônico, pois a reunião das classes de altura executadas pela voz e pelos instrumentos nesse compasso 168 resulta no total cromático. Quando no compasso seguinte se canta “são feios” todos os instrumentos silenciam, gerando o já mencionado anticlímax. Aqui é necessário um parêntese para explicar o conceito de classes de altura. Quando se fala em classe de altura, está se referindo a uma nota independentemente da oitava em que ocorre e ao mesmo tempo, para fins analíticos, notas enarmônicas estão sendo consideradas como pertencentes a uma mesma classe de equivalência, de maneira que “Mi sustenido seja o mesmo que Fá ou Sol dobrado bemol, por exemplo. [...] Como consequência da equivalência de oitava e da equivalência enarmônica qualquer altura [do sistema temperado] pertence a uma e apenas uma de 12 classes de altura distintas” (FORTE, 1973: p. 2).

Nos dois últimos versos, entretanto, o eu-lírico se dirige de maneira terna a Benedito, empregando a segunda pessoa do singular, e ainda utilizando o pronome possessivo com conotação afetiva, tratando-o por “meu Benedito”. Quando o eu-lírico adota um tom mais afetuoso, a escrita vocal se torna mais cantabile, o que se percebe não apenas pela instrução singing, como também pelas frases melódicas de tessitura mais ampla, nas quais as notas mais agudas se prolongam. Tal característica da linha vocal pode ser observada na Figura 2 (na frase “Que falácia”) e na figura 3 (na frase “quando tu és o corpo”). Há ainda uma relação formal entre música e texto, que consiste na recorrência de elementos do início da peça em seu final. No caso do poema, o primeiro e o último verso do poema terminam de maneira similar: “é(s) o corpo mais bonito!”. No caso da composição musical, o último verso é acompanhado por frases

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do clarinete em mi bemol que haviam aparecido por ocasião do primeiro verso, inclusive com as mesmas alturas e com ritmo similar (ver Figuras 1 e 3). Além disso, o conjunto não-ordenado formado pelas classes de altura da frase inicial da voz (“Seu corpo, Benedito”) é novamente empregado pela linha vocal da primeira frase do último verso (“quando tu és o corpo”), apenas se acrescentando uma nova classe de altura (o Dó), ainda que a ordenação e o desenho melódico formados por tal conjunto de classes de altura sejam aqui bem diferentes do que no início. Conforme João Pedro de Oliveira, em livro no qual aborda a Teoria dos Conjuntos de Allen Forte (além de outros desenvolvimentos teórico-analíticos posteriores), “Um conjunto não-ordenado é constituído por qualquer coleção de elementos pertencentes ao conjunto universal S [conjunto formado pelas 12 classes de altura da escala cromática], sem atender à sua ordenação específica na textura musical. [...] Qualquer conjunto não ordenado tem uma identidade sonora própria, que é definida pelas notas que o compõem e pelos intervalos que elas formam, independentemente da sua disposição no contexto musical. [...] É evidente que, ao reduzir-se uma superfície musical a um conjunto abstrato de elementos, deixou de se considerar certas características sonoras (ordem das notas, tessitura, registro, dinâmica, orquestração, etc.), que poderão ser pertinentes para a coerência da obra” (OLIVEIRA, 2007: p. 43).

Em termos de estrutura musical também pode ser observado um nexo entre a frase inicial da voz e a frase do clarinete em mi bemol que lhe precede (ver Figura 1). Assim, em se pensando em classes de altura e sem considerar os elementos rítmicos, se percebe que as notas da primeira frase vocal são uma transposição exata da frase do clarinete em mi bemol, mantendo inclusive a sua ordenação. Apesar disso, a maneira diversa como as frases são dispostas em termos de ritmo e distribuição no campo de tessitura faz com que elas soem bastante diferentes entre si, gerando simultaneamente um contraste de perfil rítmicomelódico e uma similaridade intervalar. 3. Conclusão Pela análise realizada acima é possível concluir que, ao musicar o poema Ode a Benedito de Alícia Duarte Penna, o compositor Eduardo Guimarães Álvares se mostrou sensível à seleção de palavras realizada pela poetisa, por exemplo, colocando em relevo a surpresa gerada pelo adjetivo “feios”. Ao mesmo tempo, ele cuidou da estrutura musical de sua composição, utilizando similaridades entre diversas passagens da peça e relações motívico-intervalares. Referências: ÁLVARES, Eduardo Guimarães. Pétala Petulância. Belo Horizonte. Partitura manuscrita, 1991/1992.

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DANUSER, Hermann. Das Ensemblelied. In: DANUSER, Hermann (Hg.) Musikalische Lyrik: Teil 2: Vom 19. Jahrhundert bis zur Gegenwart: Auβereuropäische Perspektiven. Laaber: Laaber Verlag, 2004. p. 181-196. . FORTE, Allen. The Structure of Atonal Music. New Haven and London: Yale University Press, 1973. GRIFFITHS, Graham (regente); Grupo Novo Horizonte; HERR, Martha; RICCITELLI, Cláudia (sopranos): Brazil! New music! – Vol. 1: Obras de Sílvio Ferraz, Roberto Vicotorio, Eduardo Guimarães Álvares. Santo André: Estúdio Camerati, 1993. GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. 13ª Edição. São Paulo: Editora Ática, 2001. MOTTE, Diether de la. Musikalische Analyse. Kassel: Bärenreiter, 1968. LEWIN, David. Studies in Music with Text. New York: Oxford University Press, 2006. OLIVEIRA, João Pedro Paiva de. Teoria Analítica da Música do Século XX. 2a Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2007. PENNA, Alícia Duarte; VITORINO, Júlio Cesar. Duo Terno e Gravata. Belo Horizonte: [s.n.], 198?. TAVARES, Hênio Último da Cunha. Teoria Literária. 10a Edição. Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas, 1991.

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Figura 1: Compassos 146-148 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento Ode a Benedito).

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Figura 2: Compassos 165-172 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento Ode a Benedito).

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Figura 3: Compassos 175-179 da obra Pétala Petulância de Eduardo Guimarães Álvares (movimento Ode a Benedito).

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Webern durch Stockhausen: a estética da Momentform aplicada ao Opus 11/3 Felipe de Almeida Ribeiro

Unespar/Embap – [email protected] Resumo: o presente ensaio propõe uma análise estética e formal da obra Opus 11/3 (1914) de Anton Webern (1883-1945) sob a ótica da Momentform encontrada em obras como Kontakte (1958-60) de Karlheinz Stockhausen – conceito e peça elaborados na década de 1950 pelo mesmo. Palavras-chave: Momentform. Webern. Stockhausen. Webern durch Stockhausen: Momentform aesthetic in Opus 11/3

Abstract: the following essay presents a formal and aesthetic analysis of Anton Webern’s Opus 11/3 (1914) through Karlheinz Stockhausen’s Momentform theory, which can be found in works such as Kontakte (1958-60) – both piece and concept developed during the 1950s. Keywords: Momentform. Webern. Stockhausen.

1. Problemática A obra opus 11 de Webern, composta em 1914, é constituída de três miniaturas: Mäßige, Sehr bewegt, Äußerst ruhig. A terceira peça – Äußerst ruhig (muito tranquilo)–, objeto de estudo deste ensaio, apresenta dez compassos com uma duração total aproximada de 50 segundos (Figura 1).

Figura 1. Partitura completa do Opus 11/3 de Webern.

A questão principal que será tratada neste ensaio é a estrutura desta miniatura enquanto obra musical autônoma. É importante salientar a natureza desta análise: um ensaio. Isto é, serão levantadas aqui diferentes abordagens dos modelos já consolidados da música da primeira metade do século XX, como

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dodecafonismo, serialismo ou modalismo. Serão apresentadas soluções de análise que apontem possibilidades, novas perspectivas, mas não necessariamente que esgotem e/ou estabeleçam um novo modelo – o que banalizaria a obra em questão. Assim como outras miniaturas, essa peça nos apresenta o desafio de extrair no pouco apresentado materiais suficientes para traçarmos uma atmosfera, um mundo. Há aqui uma grande responsabilidade envolvida. Este material escasso dificulta a tomada de decisões por justamente não ocorrer com frequência – não há padrões de repetição claros. Por outro lado, o pouco que nos é oferecido é tudo o que foi dito – não há espaço para especulações. Reforçando a ideia de uma peça volátil, Christopher Wintle nos alerta do caráter experimental desta obra: “técnicas serão discutidas aqui na qual foram previamente associadas exclusivamente com sua música mais tarde, embora elas operam aqui de uma maneira experimental e imperfeitamente realizadas” (WINTLE, 1975: 166). Nosso objetivo maior é o de apresentar uma possível maneira de abordar essa obra, mesmo num terreno incerto como aponta Wintle. Para isso, partiremos da teoria da Momentform de Karlheinz Stockhausen (1928-2007) utilizando como referencial a obra Kontakte de 1958-60. O conceito de Momentform concentra-se em uma percepção formal diferente daquela herdada pela música tonal. Ela propõe uma expectativa diferente. A questão principal que emerge deste conceito é um repensar da função do material e da forma musical. A questão não é mais de sujeito enquanto substantivo, mas do sim do sujeito enquanto verbo. Em outras palavras, a forma-momento se concentra na ação dos materiais sônicos enquanto entidades independentes de um contexto global. Como estratégia para ilustrar essas ideias, analisemos o início de Klavierstück IX de Stockhausen (Figura 2):

Figura 2. Klavierstück IX

O gesto inicial desta peça é talvez um dos mais marcantes na literatura de piano moderno e contemporâneo. As questões que levantamos aqui são: o que 2

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determina a duração desta ideia musical? E o que define o que sucede ou antecede? Assim como Gérard Grisey (1946-1998) afirmou em relação ao espectralismo que não se tratava de um sistema que considerava os sons como objetos mortos, mas sim como entidades vivas com nascimento, vida e morte (GRISEY, 1996), o mesmo pode ser afirmado para a teoria da momentform. É muito mais uma questão de atitude do que necessariamente de um apanhado de técnicas. 2. Momentform A ideia de Momentform foi elaborada e desenvolvida por Stockhausen em função de suas críticas ao sistema artístico e cultural Romântico de prática musical herdado por seus contemporâneos. De acordo com o próprio compositor, esse perfil não supria mais as necessidades da música moderna. Segundo o compositor e musicólogo Gustavo Alfaix Assis: O conceito de forma-momento, Momentform, (…) é caracterizado pelo compositor como a unidade mínima de percepção da forma. A formamomento alcança um nível mais aprofundado de amadurecimento em Kontakte, para sons eletrônicos, piano e percussão, composta entre os anos de 1958 e 1960. (ASSIS, 2011: 26)

Ideias e conceitos, como forma e temporalidade, não se adequavam mais às propostas que emergiram da música tonal. Stockhausen propôs uma libertação desses paradigmas: “(...) os concertos seriam realizados ininterruptamente da mesma maneira que são realizadas algumas performances de cinema, (...) a apresentação não teria começo nem fim, e o público poderia chegar ou partir da maneira que desejasse.” (STOCKHAUSEN in HEIKINHEIMO, 1972: 119).

Isto tudo não surgiu somente de um insight do compositor. Esta é uma tendência que vem se desenvolvendo desde o período romântico tardio até Stockhausen: Debussy (1862-1918) com a expansão temporal utilizada em La mer, Wagner (18131883) em Parsifal, Schönberg (1874-1951) em Moses und Aron, assim como o próprio Webern – mesmo em suas miniaturas. A reflexão gerada por estes compositores, além de muitos outros, levou a um imenso desenvolvimento da temporalidade atingindo seu cume com a forma-momento de Stockhausen, principalmente na obra Kontakte de 1958-60. Richard Toop (2005) define Momentform como uma forma de escuta que se concentra no presente, no agora, sem necessariamente criar materiais sonoros que dependam de um antes ou que indiquem um depois. Ainda segundo Toop, na forma-momento existe uma

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preocupação maior com a combinação interna dos elementos do que necessariamente com uma direcionalidade global e/ou seccional. A teoria da forma-momento não é apenas um repensar de como uma peça pode ser organizada formalmente. É uma proposta de repensar a escuta musical como um todo. Em 1951, em um evento dos cursos de férias de Darmstadt, Stockhausen e Theodor Adorno travaram uma discussão acerca do problema da escuta: [Karel] Goeyvaerts e eu tocamos sua sonata para piano. [...] A peça foi violentamente atacada por Theodor Adorno. [...] Ele criticou essa peça (...) dizendo que era absurda [...]. Adorno não a entendia de maneira alguma. Ele disse, não há trabalho motívico. Então eu levantei [...] e defendi esta peça [...]. Eu disse, mas Professor, você está procurando por uma galinha em uma pintura abstrata. (STOCKHAUSEN, 2000: 36)

O humor de Stockhausen, assim como a suposta resistência de Adorno, provam esse choque de épocas, da herança romântica ainda presente no século XX e da emancipação estética pós-1945. Partindo deste episódio conflituoso, Stockhausen fala da obtenção desta suposta independência: “Para que tal ênfase seja criada, cada momento composicional deve ser auto suficiente na sua construção, sendo que cada um de seus elementos musicais dependa apenas um do outro dentro do contexto temporal imediato.” (TOOP, 2005) A figura 3 apresenta um exemplo de auto suficiência em Kontakte, mais especificamente o momento XIIIc:

Figura 3. Momento XIIIc de Kontakte

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O trecho, com aproximadamente 45 segundos, nos mostra um outro fator importante da forma-momento. Ela não alveja atingir um clímax no sentido global. Ela não prepara o ouvinte para a expectativa do clímax. São ideias, complexos sonoros que afetam a direção da peça localmente, não restringindo a ideia local à construção global. Não palavras de Stockhausen: “não há necessidade de ouvir Kontakte de uma vez, pois seus momentos são independentes e não é requerido do ouvinte seguir a progressão da composição junto à linha de desenvolvimento” (STOCKHAUSEN in SEPPO, 1972: 119). Finalizando, Stockhausen afirma ainda que o critério essencial da forma-momento é o domínio de uma ideia fundamental dentro de cada momento em questão. 3. Análise A seguinte análise pretende realizar uma leitura do opus 11/3 usando como filtro/ferramenta analítica as teorias de Stockhausen sobre momentform. Importante frisar que o objetivo aqui não é de localizar similaridades técnicas e/ou gestuais simplesmente, mas sim de verificar que a teoria por trás de Kontakte acha vida em outros contextos também. A primeira estratégia de análise deste ensaio foi de explorar o opus 11/3 enquanto excerto de Kontakte; ou seja, buscar na obra elementos fundamentais à teoria da momentform. Em uma análise elementar desta peça, pode-se chegar a seguinte conclusão: o primeiro “momento” (compassos 1-3) apresenta um envelope dinâmico acentuado no início e seguido de uma cauda de ressonância. O segundo momento (compassos 3-6) é um pequeno discurso contrapontístico, enquanto que o terceiro (compassos 7-10) possui uma característica mais espectral: violoncelo ressoa harmônicos de um material oriundo do piano. O silêncio entre cada momento colabora para que o ouvinte segmente o trecho como três ideias distintas (Figura 4).

Figura 4 – Possíveis momentos em opus 11/3

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Os três recortes acima apontam possíveis momentos: são todos autossuficientes e ao mesmo tempo todos com características diferentes. Por serem independentes, não há necessariamente uma linearidade pré-definida, assim como aquela que encontramos em algumas progressões harmônicas dentro da música tonal. Por exemplo, é esperado que uma Sonata Clássica siga o desenvolvimento tradicional de exposição (tônica), desenvolvimento (dominante), recapitulação (tônica). Nessa música, a estrutura formal e harmônica é extremamente dependente de uma certa temporalidade. Na miniatura de Webern, por outro lado, isso não ocorre da mesma forma. Por mais sentido que a peça faça na sequência em que é apresentada, não se pode negar a possibilidade da obra poder existir com permutações temporais diferentes: ao invés de momento I, II e III, poderia se imaginar um momento II, I e III, ou ainda III, II e I. Como o próprio Stockhausen já afirmou, alguns momentos podem ser constituídos de outros momentos menores, internos. No nosso caso, podemos localizar um certo padrão na organização formal em relação à estrutura intervalar dos grupos de notas (Figura 5).

Figura 5 – Agregados de momentos em opus 11/3

Emprestando o jargão da set theory (teoria dos conjuntos), a ilustração acima aponta relações intervalares e tendências gestuais muito semelhantes e simétricas no contexto global. Momento I e III, por exemplo, apresentam uma certa característica comum separadas apenas pelo Momento II, esta enquanto estrutura contrastante. Verifiquemos agora, em uma investigação mais comparativa, dois momentos simultaneamente – um do opus 11/3 e outro de Kontakte (Figura 6).

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Figura 6 – Comparação de momento 1 (opus 11/3) com momento XIIIc (Kontakte)

Tanto um quanto outro apresentam envelope dinâmico de grande similaridade: ambos apresentam um envelope em forma de arco (crescendo, ataque “explosão”, decaimento). O momento 2 do opus 11/3 em contraponto com um recorte do IF de Kontakte (Figura 7) , assim como momento 3 com momento II (Figura 8), apresentam encontros e similaridades no âmbito contrapontístico e polifônico.

Figura 7 – Comparação de momento 2 (opus 11/3) com momento IF (Kontakte)

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Figura 8 – Comparação de momento 3 (opus 11/3) com momento II (Kontakte)

Novamente, o intuito aqui não é decifrar algum tipo de mensagem comum a ambas peças, assim como funcionam os Códigos do Torá (mensagens ocultas supostamente inseridas na bíblia). Não, a concepção desta análise é a de entender a momentform enquanto um conceito mais amplo, não restrito à obra de Stockhausen somente e sim como um posicionamento, uma atitude, que possa ressoar com obras de muitos outros compositores. 4. Conclusão Mais do que altura e ritmo, a música no séc. XX e XXI emancipou a noção de tempo, afetando principalmente a estrutura formal das obras. Stockhausen foi um dos primeiros a escrever sobre isso de uma maneira sistemática e a aplicar o conceito em suas obras, especialmente em Kontakte. É importante justificar a escolha da Momentform enquanto ferramenta analítica para o objeto de estudo desse ensaio: opus 11/3 de Anton Webern. É um conceito que valoriza o gestual como princípio elementar, trabalhando com relações comparativas e referenciais que afetam de uma maneira incisiva a estrutura formal e temporal de uma peça. Assim como Klavierstück III de Stockhausen, o Opus 11/3 no auge de seus quase 100 anos (1914-2014) ainda nos apresenta uma estrutura volátil; uma obra com um alto potencial narrativo, isto é, apresenta-se como uma peça extremamente orgânica que não sintoniza com uma análise fria e instantânea, e nem permite uma conclusão de

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ideias. Ela proporciona uma atmosfera extremamente criativa e ao mesmo tempo misteriosa. Citando Stockhausen, em referência a Theodor Adorno, “Uma pessoa criativa fica sempre estimulada quando acontece algo que não consegue explicar (…)” (STOCKHAUSEN, 2000: 36). É com esse espírito que finalizo este ensaio, sabendo “(…) pensar com as emoções e sentir com o pensamento; não desejar muito senão com a imaginação (…).” (Pessoa, 2006: 151) Referências ASSIS, Gustavo Oliveira Alfaix. Em busca do som – A música de Karlheinz Stockhausen nos anos 1950. São Paulo: Editora UNESP, 2011. GRISEY, Gérard; BUNDLER, David. An interview with Gérard Grisey. 1996. Disponível em ≤http://www.angelfire.com/music2/davidbundler/grisey.html≥. 03/12/2013. HEIKINHEIMO, Seppo. The Electronic Music of Karlheinz Stockhausen: Studies on the Esthetical and Formal Problems of Its First Phase. Helsinki: Suomen Musiikkitieteellinen Seura, 1972. PESSOA, Fernando. O livro do desassossego. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. STOCKHAUSEN, Karlheinz. Kontakte. Partitura. Londres: Universal Edition, 1966. ______________________ Stockhausen on Music. Compiled by Robin Maconie. Marion Boyars Publishers Ltd, 2000. TOOP, Richard. Six Lectures from the Stockhausen Courses Kurten 2002. Kurten: Stockhausen-Verlag, 2005. WEBERN, Anton. Opus 11/3. Wien: Universal Edition, 1924. Partitura. WINTLE, Christopher. An Early Version of Derivation: Webern's Op. 11/3. Perspectives of New Music, Vol. 13, No. 2 (Spring - Summer, 1975), pp. 166-177

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Intertextualidade em música: presença de uma citação literal na Ária (Cantiga) da Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos MODALIDADE: Teoria e Análise Musical Ana Carolina Manfrinato

Universidade Federal do Paraná – [email protected]

Resumo: Com este trabalho, através de elementos musicais relevantes que pudessem ser comparados entre si, teve-se a intenção de mostrar as referências feitas à obra de J. S. Bach, à estética barroca e à música popular do Brasil do início do século XX presente na Bachianas 1 Brasileiras n. 4, de Heitor Villa-Lobos. Para isso, esta pesquisa foi baseada em conceitos e definições da intertextualidade atrelada a estudos tradicionais de análise musical. Após sua concretização, constatou-se a presença de uma citação literal de outra obra composta pelo próprio Villa-Lobos: a canção Itabaiana que está presente no terceiro movimento, Ária (Cantiga). Palavras-chave: Bachianas Brasileiras. Itabaiana. Villa-Lobos. Intertextualidade em Música. Citações em Música. Music intertextuality: citation on the Ária (Cantiga) of Bachianas Brasileiras, by Heitor Villa-Lobos Abstract: Through relevant musical elements that could be compared, had become intent showing references to the work of J. S. Bach, the Baroque aesthetic and popular music of Brazil from the early twentieth century on the Bachianas Brasileiras no. 4, Heitor Villa-Lobos. To this end, this research was based on intertextuality concepts linked to traditional studies of musical analysis. After their completion, the presence of a literal citation from another work composed by Villa-Lobos was noted: the Itabaiana song that is present in the third movement, Ária (Cantiga). Keywords: Bachianas Brasileiras. Itabaiana. Villa-Lobos. Intertextuality in Music. Music citations.

Terceiro movimento da Bachianas Brasileiras n.4, a Ária (Cantiga), de 1935, é dedicada a Sylvio Salema, cantor que trabalhava para Villa-Lobos como intérprete desde a década de 1910. Assim, em 1932, esse cantor foi designado pela Superintendência de Educação Artística e Musical – SEMA, como assistente técnico de Villa-Lobos e professor de canto orfeônico. Segundo o catálogo digital atualizado em 2009: Villa-Lobos: sua obra, a canção Itabaiana2, de 1935, integra o ciclo de Canções Típicas Brasileiras, composto por treze canções baseadas no folclore brasileiro. Entretanto, três delas não foram impressas no ciclo, inclusive a Itabaiana que, de acordo com o referido catálogo, foi baseada de um tema sertanejo de origem indígena da Paraíba, que é Ó mana deix’eu ir3. A Ária (Cantiga), por sua vez, é composta em forma ternária ABA com introdução, coda e codeta. A seção A também é o tema Ó mana deix’eu ir; a seção

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B é um desenvolvimento feito através da variação desse tema e o A que retorna é idêntico ao A da exposição. A coda também é uma variação do mesmo tema. A seção A é composta por 32 compassos, correspondentes aos 32 compassos de canto da Itabaiana. Por isso, aqui se constata uma citação literal. Na Ária (Cantiga), Villa-Lobos utiliza a mesma distribuição de vozes de Itabaiana, além de que tonalidade e fórmula de compasso persistem idênticas. Pode-se comparar os exemplos 1 e 2, em que somente as notas circuladas na Ária são acréscimos ou sofreram alterações em relação a Itabaiana. Em geral, tais notas são alteradas para preencher a harmonia. Para não se perder na comparação, é necessário atentar-se ao ritornello do exemplo 2. Por essas razões, fica-nos a impressão de que a Ária (Cantiga) foi criada a partir de Itabaiana, visto que a seção B da Ária é um desenvolvimento trabalhado desse tema; enquanto que em Itabaiana, após apresentar o tema, a peça é encerrada com uma pequena coda executada ao piano. Dessa maneira, comparando-se as partituras, verifica-se a inserção literal de Itabaiana na Ária (Cantiga).

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Exemplo 1: Tema Ó mana deix’eu ir presente na Ària- (Cantiga), c. 1- 24.

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Exemplo 2: Tema Ó mana deix’eu ir presente em Itabaiana, c. 1- 16.

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Sobre citação, Gouvêa (2007: 60-62) afirma que ela é uma das formas de intertextualidade. Ela traz um trecho, ou mesmo trechos, de outros textos incorporados ao novo texto. Tais trechos podem ou não ser cópias literais; em geral, as citações tendem a levar o receptor do novo texto a se reportar ao anterior, caso este conheça. Para Zani (2003: 123), “a citação firma-se por mostrar a relação discursiva explicitamente e todo o discurso citado é, basicamente, um elemento dentro de outro já existente”. Ou seja, a citação é uma maneira evidente de intertextualidade. Entretanto, uma consideração importante de Sant'Anna deve ser aproveitada: a intertextualidade é um fenômeno que depende do receptor (leitor, ouvinte ou apreciador). Se o receptor não tiver a informação a priori, não reconhecerá o texto original; logo, não poderá apreciar um recurso intertextual como tal (NOGUEIRA, 2003: 4). Todavia, nessa peça, nota-se algumas peculiaridades em relação aos elementos extramusicais que corroboram para a percepção dessa intertextualidade. O nome do movimento, Ária (Cantiga), tem relação com o que, de fato, o movimento é: uma cantiga, Ó mana deix’eu ir, disposta em forma de ária da capo4. Outro aspecto a se ressaltar é para quem esse movimento foi dedicado; todos os movimentos da versão original5 da Bachianas Brasileiras n.4 são para piano e foram dedicados a pianistas; entretanto, esse movimento que faz referência a uma canção, embora seja para piano, é o único que fora dedicado a um cantor, Sylvio Salema.

Referências GOUVÊA, Maria Aparecida Rocha. O Princípio da Intertextualidade Como Fator de Textualidade. Cadernos UniFOA, Volta Redonda, ano II- n. 4, p.57-63, agosto 2007. MANFRINATO, Ana Carolina. Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor Villa-Lobos: um estudo de intertextualidade. Curitiba, 2013. 110f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade federal do Paraná. NÓBREGA, Adhemar. As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 2.ed., Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos, 1976. NOGUEIRA, Ilza. A Estética intertextual na Música Contemporânea: Considerações Estilísticas. Brasiliana. Revista da Acadêmia Brasileira de Música, Rio de Janeiro, n. 13, p.2-12, jan. 2003.

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VILLA-LOBOS, SUA OBRA. Catálogo. Versão 1.0 baseada na versão de 1989. Museu Villa-Lobos, 2009. Disponível em: Acesso em: 25/02/2012. ZANI, Ricardo. Intertextualidade: considerações em torno do dialogismo. Em Questão, Porto Alegre, v. 9, n.1, p.121-132, jan./jun. 2003.

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Este artigo é excerto da minha dissertação de mestrado: Bachianas Brasileiras n.4, de Heitor VillaLobos: um estudo de intertextualidade. Ou Itabayana, como está no manuscrito de autoria não identificada fornecido, gentilmente, pelo Museu Villa-Lobos. O manuscrito é dedicado a Sylvio Salema, assim como o terceiro movimento da Bachianas Brasileiras n.4. Entretanto, Nóbrega (1976, p.73) informa que José Vieira Brandão tem uma peça coral também denominada Itabaiana e baseada no mesmo tema Ó mana deix’eu ir. Apesar da insistente procura, não foi encontrada nenhuma versão impressa de Itabaiana durante a realização desta pesquisa.

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Na pesquisa feita, não foram encontrados registros dessa canção anteriores a Villa-Lobos. Posteriormente, entretanto, Ó mana deix’eu ir também é conhecida pelo nome de Caicó- (Cantiga) devido a uma gravação no CD Sentinela de Milton Nascimento em 1980 e depois regravada pela dupla Pena Branca e Xavantinho e também por Ney Matogrosso. Além disso, há a utilização do refrão de Ó mana deix’eu ir pelo cantor e compositor pernambucano Alceu Valença na canção Porto da Saudade de 1981 e esse mesmo refrão reaparece em uma canção interpretada por dois grupos de forró, um cearense e outro baiano, intitulada Forrobodó, na qual introduzem esse refrão numa espécie de “algo comum” que dá familiaridade ao regionalismo da canção. 3

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Forma musical de ária em que há uma seção A, uma seção B contrastante e a repetição de A.

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Posteriormente, em 1942, o próprio Villa-Lobos a orquestrou.

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Dualismo harmônico: uma revisão bibliográfica MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral) Diego Borges

Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) - [email protected]

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – [email protected] Palavras-chave: Dualismo harmônico. Harmonia tonal. Teoria musical.

A relação “maior-menor” faz parte do longo processo histórico, artístico e cultural da música ocidental. Ela pode ser vista, ainda que com várias caras, em grande parte do repertório e nos livros didáticos de teoria musical. Mas a balança não é tão equilibrada: a sonoridade mais “consoante” da tríade maior, afiançada pela série harmônica, e o emprego da nota sensível no modo menor pesam para o lado do primeiro; mesmo assim, o sucesso do modo menor na prática musical é capaz nos fazer duvidar até da mais científica das leis acústicas. De fato, alguns teóricos desconfiaram desse desequilíbrio propondo uma visão de igual importância entre os dois modos, que, genericamente, é conhecida como “dualismo harmônico” (também referida como: dualismo ou bipolarismo tonal, série harmônica descendente ou invertida, ressonância inferior, harmônicos inferiores, etc). Na teoria musical corrente, podem ser encontrados resquícios dessa visão no vocabulário da harmonia funcional, mas é possível notar que muito já se perdeu. A partir daí, algumas questões podem ser levantadas: O que é dualismo harmônico? Qual é o percurso histórico desse conceito e quem são seus principais teóricos e obras? Quais são as críticas dirigidas ao dualismo harmônico e que podem ter causado seu abandono? Como estão hoje as pesquisas sobre dualismo harmônico? Ainda existem traços do dualismo harmônico no ensino de teoria musical corrente e quais são eles? O alvo central da presente pesquisa é reunir informações básicas sobre dualismo harmônico e sua trajetória ao longo da história. Especificamente, busca-se organizar dados sobre as concepções mais representativas, confrontando argumentos e contra-argumentos. O método escolhido foi a revisão bibliográfica, que, segundo Gonçalves (2005, p.58), “consiste em um levantamento do que existe sobre um assunto e em conhecer seus autores” e a “verificação do que já se produziu e publicou até o momento sobre o assunto”. O tema tem reaparecido nas pesquisas em teoria musical no âmbito internacional basicamente sob duas formas: direta, envolvendo a disparidade entre a aceitação musical do modo menor e sua justificação na teoria; e indireta, contido na origem da harmonia funcional, mas não propriamente declarado e reconhecido em sua forma atual. Através de levantamento preliminar e da notória vigência das teses da harmonia funcional em programas de

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ensino musical no Brasil, percebe-se a validade de uma revisão que, de forma acessível, reavalie criticamente informações e referências. Tal revisão pode também ampliar o senso crítico sobre concepções do que é o natural em harmonia e sobre a justificação das práticas teóricas em termos científicos, racionais e numéricos. Em síntese, três trabalhos fundamentam esta pesquisa. Em cada um deles, a definição de dualismo harmônico se encontra nos primeiros parágrafos. Mickelsen (1977, p.3) introduz a noção: “[...] significa que as tonalidades maior e menor, enquanto de valor perfeitamente igual, são uma a antítese da outra e evoluem de fontes exatamente opostas”. Segundo Jorgenson (1963, p.31), essa “teoria é quase tão velha quanto a primazia do sistema de dois modos maior-menor e é fundada na crença de que, como se supõe que as tríades maior e menor produzam efeitos psicológicos opostos no ouvinte, elas devem então basear-se em princípios opostos.” Já para Snyder (1980, p.45): “dualismo harmônico pode ser definido como uma escola de pensamento teórico musical que sustenta que a tríade menor tem uma origem natural diferente daquela da maior, mas de igual validade”. A sutil discordância reflete a gradação da igualdade entre os dois modos na concepção dos dualistas. Princípios duais antecedem a consolidação da tonalidade harmônica. Gioseffo Zarlino, em Le Istituzione Harmoniche (1558), aponta a proporção 1:2:3:4:5:6, conhecida como número senario, como fonte de todas as consonâncias, extraindo as duas espécies de tríades perfeitas da divisão harmônica ou aritmética. Diferente dos próximos dualistas, Zarlino considerava o modo menor “contrário à natureza, de sonoridade lamuriosa” (cf. JORGENSON, 1963, p.33). Na era tonal, o caso de Jean-Philippe Rameau é especial: apesar de ter explorado a ideia da covibração de cordas mais graves para gerar a harmonia menor em Génération Harmonique (1737), ele a descartou por influência de D’Alembert, chegando a ser excluído da lista de dualistas. Com sua interpretação da natureza do corps sonore e do baixo fundamental, Rameau teve papel decisivo no desenvolvimento da teoria dualista e, ao mesmo tempo, em sua crise. Giuseppe Tartini, no Trattato di Musica (1754), ainda utiliza as divisões harmônica e aritmética como Zarlino, mas busca uma explicação acústica para a harmonia menor à maneira de Rameau. O dispositivo encontrado foi o chamado terzo suono ou som de combinação. A partir da nota dó no grave, ao dispor os intervalos na ordem do senario, com a adição da proporção 6:7, Tartini justifica a formação descendente da tríade de fá menor. Na Alemanha romântica, Moritz Hauptmann, possivelmente influenciado por Goethe, agrega às explicações acústicas uma abordagem filosófica parafraseando o modelo dialético hegeliano, em Natur der Harmonik und der Metrik (1853), conforme Snyder (1980, p. 47-48), como “unidade, dualidade e união”. Para Hauptmann, a formação da tríade maior ou menor depende da direção: se a primeira

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nota “tem” uma quinta e uma terça (relação ascendente) ou se ela “é” uma quinta e uma terça (relação descendente). Arthur von Oettingen cria nova terminologia para ressaltar a simetria entre os modos. Em Harmoniesystem in dualer Entwicklung (1866), Oettingen desenvolve um princípio “dual” para a harmonia: a propriedade de se ter uma nota fundamental comum (Tonicität) é contrastada com a propriedade de se ter um harmônico comum (Phonicität). Este princípio é estendido a escalas e funções harmônicas, as quais são inspiração para o próximo e mais conhecido dualista. Hugo Riemann, em obras como Musikalische Logik (1874) e Natur der Harmonik (1882), entre outras (cf. MICKELSEN, 1977, p.26-27), se apropria, desenvolve ou reforma muitos dos conceitos anteriores, com destaque para a série de subtons, baseada em múltiplos da corda. Outros teóricos se aventuraram nos caminhos do dualismo: no âmbito austro-germânico, após Riemann, destacam-se nomes como Sigfrid Kar-Elert, Hermann Erpf e Sven Emanuel Svensson. Na França, o dualismo foi abordado por autores de prestígio como Vincent d’Indy e Edmond Costère. No Cours de Composition Musicale (1912), D’Indy trata do conceito dual de résonnance supérieure et inférieure estendendo-o até a harmonia. Costère levou o princípio de inversão de D’Indy para a microtonalidade em Lois et Styles des Harmonies Musicales (1954). De forma geral, críticas dirigidas ao dualismo estão relacionadas ao questionamento da necessidade de validação científica para a música, à validade acústica dos subtons, à estruturação descendente da harmonia menor, a dúvida quanto ao título de “dualista” dado a alguns teóricos, como Zarlino e Hauptmann, e também ao distanciamento da prática musical. Os dualistas são acusados de forçar uma explicação natural para a harmonia menor, recorrendo a combinações arbitrárias. Tais críticas estão ligadas à forte ideia do baixo fundamental de Rameau como único gerador da harmonia “natural”, fazendo com que alguns dualistas mantenham a fundamental sobre a nota mais grave mesmo na harmonia menor, e causando discrepâncias de interpretação por parte dos monistas. Mais recentemente, pesquisadores se propuseram a estudar, resumir, criticar ou reforçar o dualismo harmônico. Dentre eles, incluem-se os trabalhos de Bernstein (1993; 2006), Harrison (1994), Riley (2004), Klumpenhouwer (2006; 2011), Rehding (2011) e Tymoczko (2011). Alguns abordam aspectos do dualismo em pesquisas específicas sobre algum teórico, tais como Burnham (1992) e Mooney (2000) sobre Riemann, Clark (2001) sobre Oettingen, e Moshaver (2009) sobre Hauptmann. No Brasil, o tema perpassa trabalhos como o de Ramires (2001) sobre Costère, Bittencourt (2009) e Taddei (2012) sobre Riemann, Freitas (2010) sobre harmonia e Barros (2005) sobre Ernst Mahle.

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Até para quem não advoga o dualismo harmônico, as polêmicas ao seu entorno são temas que continuam preocupando. Referências a outros teóricos foram encontradas, abrindo margem para outras pesquisas para além do escopo deste resumo. Mesmo considerando a dificuldade de um fundamento natural ou científico e também o fato de que a própria série harmônica tenha sido um pouco “adaptada” ou “podada”, a razão simétrica desenvolvida pelos dualistas constitui um grande potencial estruturador das relações sonoras. Referências: BARROS, Guilherme Antonio Sauerbronn de. Goethe e o pensamento estéticomusical de Ernst Mahle: um estudo do conceito de harmonia. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado em Musicologia). UNIRIO. BERNSTEIN, David W. Nineteenth-century harmonic theory: the Austro-German legacy. In: CHRISTENSEN, Thomas. The Cambridge history of western music theory. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. p. 778-811. BERNSTEIN, David W. Symmetry and symmetrical inversion. In: HATCH, Christopher; BERNSTEIN, David W. (Ed.). Music theory and the exploration of the past. Chicago: Chicago University Press, 1993. p. 377-­‐407. BITTENCOURT, Marcus Alessi. Apresentação de uma reforma simbológica para a análise harmônica funcional do repertório tonal. Anais do congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música - ANPPOM, v. 19, p. 764-770, 2009. BURNHAM, Scott. Method and motivation in Hugo Riemann's history of harmonic theory. Music Theory Spectrum, v. 14, n. 1. p. 1-­‐14, 1992. CLARK, Suzannah. Seduced by notation: Oettingen’s topography of the major-minor system. In: CLARK, Suzannah; REHDING, Alexander. Music Theory and Natural Order from the Renaissance to the Early Twentieth Century. Cambridge: University Press, 2001. COSTÈRE, Edmond. Lois et styles des harmonies musicales. Paris: Presses Universitaires de France, 1954. FREITAS, Sérgio Paulo Ribeiro de. Que acorde ponho aqui? Harmonia, práticas teóricas e o estudo de planos tonais em música popular. São Paulo, 2010. Tese (Doutorado em Música). Unicamp. GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de metodologia da pesquisa científica. São Paulo: Avercamp, 2005. HARRISON, Daniel. Harmonic function in chromatic music: a renewed dualist theory and an account of its precedents. Chicago: University of Chicago Press, 1994.

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Composição de Música Textural Assistida por Computador Artigo aprovado para Apresentação no Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR - SIMPEMUS 6 Wander Vieira Rodrigues [email protected] Jônatas Manzolli [email protected] Resumo: O presente artigo apresenta um estudo sobre heurística e formalização do processo criativo que envolve composição musical assistida por computador e música textural. O projeto iniciou-se com uma concepção que utilizava geometria plana para a composição de agregados sonoros, e no estágio do presente artigo nosso enfoque está no espaço multidimensional e nos elementos musicais dispostos em vários eixos. O artigo apresenta um projeto piloto no qual se verificam os primeiros passos no intuito de elaborar uma ferramenta em um ambiente computacional para dispor materiais que serão matéria prima para elaboração de texturas no contexto de música instrumental. Palavras-Chaves: Composição Assistida por Computador, Formalização. Música Textural.

Computer Assisted Textural Composition Abstract: This article presents a study on creative process that involves computer assisted textural composition. The aim of this project is to study heuristics and musical formalization to compose textural music, focusing on applications of projections on a multidimensional space to design musical structures. The research intends to elaborate strategies to develop compositional gestures and to analyze musical processes to compose textural music. This article presents a pilot project in which the initial steps to develop a computational tool to create textural music were tested. Keywords: Computer Assisted Composition, Formalization, Textural Music.

Introdução.

O presente artigo pretende apresentar o estágio intermediário da pesquisa de Doutorado que se realiza no departamento de Pós-Graduação em música na Unicamp e no NICS (Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora). O texto descreve os resultados de um estudo piloto no qual se utilizam algoritmos para discriminar e categorizar os elementos musicais necessários à elaboração de escritura musical textural.

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Em linhas gerais, a pesquisa aqui reportada foca em estudos sobre a formalização1 do processo criativo musical utilizando-se de parâmetros projetados em um espaço multidimensional. O objetivo é associar os elementos da estrutura musical como figuração rítmica, altura, articulação, dinâmica, cortes, disposição no espaço e orquestração como parametrização para moldar e prever o discurso sonoro. Esse método será aplicado na elaboração da microestrutura que envolve aspectos ligados principalmente à elaboração do que denominamos em nossa pesquisa

de

“agregados

sonoros”.

O

tratamento

composicional

aqui

preconizado baseia-se num processo sistemático de iteração de alturas e ritmos superpostos formando camadas como descrito em MAIA JR. E MANZOLLI, p.3, 2010, que em nosso estudo será expandido por meio de outros

eixos

ortogonais.

Este

artigo

faz

uma

abordagem

sobre

o

desenvolvimento de um ambiente computacional para ser utilizado em composição assistida por computador e também numa aplicação futura da improvisação musical como suporte para interação entre computador e violão.

Para tal, para construir um modelo no qual a composição através de algoritmos fosse viável, foi necessário entender o processo que envolve a escritura textural, quais os elementos estruturais estão presentes, sua categorização e representação e como eles se relacionam em níveis de hierarquia. Em um primeiro estágio, no intuído de explanar esse processo, é necessária uma breve abordagem sobre esse tipo de escritura. Nas próximas seções abordaremos de forma breve aspectos da música textural que formam o nosso corpus de estudo seguido da seção na qual descreveremos o modelo computacional implementado, bem como, os resultados obtidos. Introduzimos primeiramente os fundamentos de nossa pesquisa a partir da noção de massas sonoras apoiando nossas leituras nas obras texturais de György Ligeti e em estudos musicológicos sobre a sua obra (Chemellier 2001, Clendinning 1993, Bader 2003). Na próxima subseção,                                                                                                                         1

   

95

abordamos o conceito motriz da nossa pesquisa o qual trata da noção de “agregados sonoros”. É esse ponto de vista composicional que nos levou a implementar um programa piloto em Pure Data com qual geramos uma representação de agregados sonoros que se utiliza de listas binárias, ou seja, compostas de “zeros” e “uns”. O sistema computacional será então apresentado na seção seguinte.

1. Referência Teórica

Faremos aqui uma rápida abordagem sobre processos texturais tratando do

aspecto

microestrutural

a

partir

de

uma

de

nossas

referências

composicionais mais importantes já citadas, György Ligeti.

1.1 Fundamentos Estruturais

Chemillier (2001) afirma que nos fins dos anos sessenta Ligeti desenvolve uma técnica de escritura que se assemelha a estruturas próprias da biologia, da física molecular e da matematicamente

que descrevem a

evolução, multiplicação ou geração de formas por processos iterativos. Bader (2003) já relaciona-a com a Teoria dos Fractais e com a música Amadinda africana, além da influência dos compositores de música minimalista como Steve Reich e Terry Riley. De forma complementar, a abordagem de Clendinning (1993) parte do ponto de vista de que essa escritura parte do processo que é definido como “pattern-meccanico-goup” ou “grupos de padrões mecânicos”, que surgiu a partir das experiências de Ligeti na infância com sons de tique-taques de relógios. Chemillier (2001) ao descrever a escritura textural de Ligeti relaciona-a com a textura de alguns vegetais. Para esse autor, a textura dos musgos e dos

96

líquens são bastante homogêneas, mas não são tão regulares quanto a texturas dos cristais. Essas texturas são repletas de pequenas asperezas e acidentes que se destacam em um contexto indiferenciável. Em Bader (2003), esse conceito é derivado de uma estrutura rítmica básica rápida (Grundschicht) reiterada numa sequência de pulsos regulares não contados, mas apenas sentidos. Essa construção textural propicia a percepção de uma camada emergente a qual é gerada por processos assimétricos. Esses processos são reiterados em longas durações que variam no tempo e possuem valores várias vezes menores que os do pulso. Já para Clendinning (1993) as massas sonoras criadas por Ligeti são provenientes de um efeito de superposição de camadas de elementos que são tratados independentemente e nas quais nenhuma delas se destaca, há um processo de iteração que gera micro-cânones entre as partes das camadas. Um quarto ponto de vista é o de Roig-Francolí (1995) que expande a noção da escritura textural de Ligeti em direção ao conceito de “net-structures”, ou estrutura de teias.

1.2 Formulando uma Concepção.

No intuito de elaborar nosso modelo é vital estabelecer as bases para a criação do conceito de agregado sonoro. Entendemos agregado sonoro como uma estrutura musical composta de sons, alturas ou grãos sonoros dispostos no tempo e em camadas sobrepostas organizadas por processos iterativos e de forma interativa. O agregado sonoro é formado por uma pequena célula que se multiplica em proporção e ordem variada, criando grupos e subgrupos. Disposta em camadas, essa célula, ou célula textural, é formada normalmente por uma figuração rítmica rápida e de alturas que se relacionam em âmbito estreito, ou amplo, utilizando-se de processos de expansão e contração intervalar. Envolvendo ocultação e ressurgimento de seus elementos, pode haver perda ou não de seu espaço, contração e expansão temporal das unidades e de cada camada, ocorrendo processo de permutação de material entre as camadas. Há

97

vários estudos que descrevem este tipo de processo de escritura textural de Ligeti (Chemillier (2001), Bader (2003), Clendinning

(1993) e Roig-Francolí

(1995)). A estruturação dessas camadas não pode ser cíclica ou ocorrerá a escuta da repetição de padrões o que faz com que haja perda de resiliência da estrutura musical. Obedecendo a esses parâmetros, o processo gerará a formação de uma massa sonora detentora de certa plasticidade nas quais propriedades sonoras distantes das abordas tradicionalmente passam a ter papel mais relevante. Na pesquisa aqui em andamento, os agregados sonoros estarão relacionados com aspectos rítmicos, disposição das alturas, além de processos texturais como justaposição, aglomeração, erosão e interpolação, que serão obtidos pela interação entre dois ou mais agregados sonoros. Todos esses mecanismos serão estabelecidos a partir de valores paramétricos os quais determinarão o comportamento temporal dos vários elementos da estrutura musical que poderão ser visualizados ou não por figuras geométricas tridimensionais ou projetada no plano, como já mencionado acima.

2. Modelo Computacional

Depois de categorizar os elementos da estrutura musical textural para criar funções e relações, realizaremos e disporemos o material sonoro aplicando, como meio, simulações de modelos computacionais que se utilizam de vários processos para a escolha dos materiais relacionados à construção de agregados sonoros e sua disposição espaço-temporal. Também daremos enfoque ao que chamaremos de transientes de decaimento e de ataques de agregados ou cortes de agregados visando, também, ao uso desses modelos para sua manipulação. Com relação aos elementos sonoros que poderemos obter durante as simulações computacionais e o conceito de multidimensão, Roads (2001) afirma que há várias dimensões, tais como timbre, ataque, transientes e tempo real que não são exatamente especificados pelo compositor, mas são

98

controlados pelo músico executante. Também observa que ruídos ou sons com longas durações tendem a desaparecer da consciência do ouvinte e percebidos novamente

quando

são

modificados,

transformados

ou

alocados

em

terminações no discurso musical. Reside aí a justificativa da necessidade do uso dessas simulações computacionais também para propiciar a elaboração dos cortes ou transições dos agregados com o objetivo de proporcionar uma escuta reiterada ao refinar-se a elaboração do material textural. Assim, o que estamos desenvolvendo é a categorização dos elementos da estrutura musical textural para criar funções e relações. Em seguida, realizamos

e

dispomos

o

material

sonoro

através

de

simulações

computacionais que se utilizam de processos estocásticos2 para a escolha e construção desses agregados sonoros, como também, sua disposição no espaço-tempo.

2.1 Implementação do Modelo Computacional.

Após elaborarmos algumas ferramentas em ambiente interativo de programação (e.g. Pure Data) cuja concepção está baseada nos princípios anteriormente descritos, desenvolvemos inicialmente material computacional para gerar o que chamamos de célula textural já anteriormente descrita. Para isso criamos um patch onde serão geradas aleatoriamente de 1 a 16 camadas, cada uma composta de células texturais que contêm de 1 a 9 componentes, representadas por figuras rítmicas fixas, em um primeiro estágio, e com alguns de seus elementos, em termo de dinâmica, acentuados.

                                                                                                                        2

  Processos estocásticos são aqueles que têm origem em eventos não determinísticos, com origem em eventos aleatórios.  

99

Figura 1: patch responsável pela criação das células texturais.

Na tabela abaixo, temos dois disparos3 selecionados de um total de seis, um com 9 camadas, o primeiro “A” composta de 3, 8, 4, 6, 8, 2 e 7 elementos, e o outro com 4 camadas, “B’ com 6, 6, 5 3 7 elementos. O número“1” aqui representa uma semicolcheia e o “0” uma semicolcheia acentuada. Esse material será a base que gerará o agregado sonoro a ser criado.

A 010 10001011 1110 101000 00010100 11 1110100 000 0

B 011101 000110 10110 1110001

Tabela 1: disparos realizados pelo patch demonstrado na Figura 1.

O próximo passo é converter os números em estruturas musicais, elemento básico para a construção de um agregado sonoro. Tendo como base                                                                                                                         3

Termo usado no Pd (Pure Data) para descrever o processo de iniciação de um patch.

100

os parâmetros estabelecidos e transpondo o que foi gerado em A e B para a partitura teremos:

Figura 2: Material musical depois de convertido de número para elemento musical A.

Figura 3: Material musical depois de convertido de número para elemento musical B.

Podemos observar em uma primeira instância que o material gerado pelo patch anteriormente descrito produz elementos consistentes que apontam para a geração de agregados sonoros. Os parâmetros aplicados são os que seguem: Elementos

Estrutura Rítmica

1

semínima

2

duas colcheias

3

uma tercina de colcheias

4

quatro semicolcheias

5

uma quintina de semicolcheias

101

6

uma sextina de semicolcheias

7

uma septina de semicolcheias

8

oito semicolcheias

Tabela 2: relação entre os elementos gerados pelo patch e estruturas rítmicas.

Depois de gerado esse material, o próximo passo é usar processos iterativos aplicados ao material gerado pelo patch com objetivo de transformar essas células texturais em um agregado rítmico. Assim, cada uma dessas células será iterada e reiterada por processos estocásticos formando uma camada composta de componentes que serão selecionados pelo compositor.

Figura 4: ferramenta responsável pela geração das camadas que irá compor o agregado rítmico.

Aqui vemos na figura 4, no topo à esquerda, o número de elementos que comportará a camada e no topo à direita onde temos a primeira célula composta de “0 1 0” (tercina de colcheias), ou seja, semicolcheia acentuada, semicolcheia não acentuada e outra semicolcheia. É importante salientar que a determinação do número de elementos de cada camada e quais irão compor o agregado deve ser estabelecido pelo compositor e não pela máquina.

Abaixo, o patch responsável pela iteração dos dados.

102

Figura 5: patch rand-list processará as células texturais estocásticamente.

Depois do agregado rítmico elaborado em Pure Data, implementaremos mais patches que irão estabelecer as relações intervalares, orquestração, disposição temporal, posição das alturas onde cada uma das células se iniciará e que será transformada em um agregado sonoro. É importante observar que usando o Pd em todas as nossas aplicações corremos o risco de produzir uma estrutura musical extremamente complexa e inviável de ser tocada. O passo seguinte após a elaboração do agregado sonoro será o corte da estrutura.

3. Resultados e Discussão

Os passos que se seguiram a esse processo nos possibilitou a criação da peça intitulada Multiverso. Essa peça foi disposta para cordas e percussão com a seguinte formação: 4 violinos, 2 violas, 2 violoncelos, 1 contrabaixo e três percussões. Os desdobramentos da pesquisa apontam para a elaboração de uma obra orquestral com um controle de mais materiais musicais usando o Pure Data dentro da perspectiva do espaço multidimensional. Também observamos que essa interação, homem e máquina, nos disponibilizou formas diferenciadas de tratar o material musical abrindo um leque maior de possibilidades onde foi possível o compositor se ater mais a escolha do material que a sua elaboração.

Conclusão:

103

O processo aqui aplicado e os princípios aqui dispostos se mostram viáveis e eficientes no intuito de se criar uma composição de música textural assistida por computador. A utilização do ambiente computacional Pure Data, através da criação de seus patchs, também se mostra uma ferramenta eficiente e aberta a novas implementações que, num estágio futuro, pode se aplicar a interação máquina-homem em tempo real. Assim podemos concluir que as definições vinculadas ao referencial teórico aqui criado foram materiais sólidos e pontuais para a construção de um modelo composicional que se utiliza de computação assistida para a elaboração de música textural. As projeções futuras dessa pesquisa preveem a elaboração de todo planejamento micro e macro estrutural, o enfoque em que pontos o compositor deve ou não interferir nesse processo e quais os espaços para uma interação homem e máquina no intuito de gerar, desenvolver ou selecionar material composicional.

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Liberdade Criativa: Fonética Gestual e Livre Improvisação Christina Marie Bogiages

UFRN – [email protected]

Cleber da Silveira Campos UFRN – [email protected] Resumo: O objetivo desse estudo é analisar e categorizar os gestos não verbais utilizados pelos músicos durante uma performance de improvisação livre coletiva. Para tanto, buscamos parametrizar níveis de “liberdade criativa” a serem utilizados durante o momento da performance. A metodologia basea-se na formação de grupos de improvisação, onde as performances serão gravados no formato de áudio e vídeo para posterior análise. Entrevistas semiestruturadas ainda serão feitas com os músicos e comparadas com as gravações. A categorização dos gestos não verbais utilizados na performance foram baseados nas definições de Davidson e Salgado Correia (2002), sendo: Regulatório, Emblemático/Ilustrativo, Adaptativo e Demonstrativo.

Palavras-chave: Improvisação livre. Gestos não-verbais. Liberdade criativa. Improvisação dirigida. Criatividade coletiva.

Creative Freedom: Phonetic Gesture and Free Improvisation

Abstract: The goal of this study is to analyze and categorize the non-verbal gestures used by musicians during a performance of free collective improvisation. For this, we will attempt to parameterize levels of “creative freedom” to be used during the moment of the performance. The methodology is based on the formation of improvisation groups, where the performances will be recorded in audio and video format for later analysis. Semi-structured interviews will be held with the musicians and analyzed together with the recordings. The categorization of the non-verbal gestures used in performance is based on the definitions from Davidson and Salgado Correia (2002): Regulatory, Emblematic/Illustrative, Adaptive, and Demonstrative. Keywords: Free Improvisation. Non-verbal gestures. Creative freedom. Guided improvisation. Collective creativity.

1. Introdução O termo “improvisação livre” tem sido utilizado para descrever um estilo de improvisação onde uma das principais características está relacionada com a ausência de regras pré-estabelecidas vinculado ao fazer musical. Ao improvisar “livremente”, o músico busca trazer a tona toda sua “bagagem musical”, estando livre

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para usá-la ou não numa sessão de improvisação. O performer ainda pode buscar novos sons, gestos musicais e técnicas que estão fora da sua zona de conforto musical (BORGO, 2002). Esta improvisação, classificada como idiomática ou livre, é geralmente relacionada a uma prática musical de criação espontânea. Na improvisação livre, o processo sinérgico realizado entre os músicos no momento da performance vinculado a ausência de parâmetros pré-estabelecidos gera analogamente a obra como sendo o “resultado” musical durante todo o período em que o processo esteja acontecendo (BAILEY, 1992; BORGO, 2002; MENEZES, 2010). Logo, a obra musical torna-se “sinônimo” do processo e não o contrário. Intérpretes com vários e diferentes backgrounds musicais podem se juntar e realizar uma improvisação livre, pois não existe a necessidade de conhecerem um idioma em comum como uma partitura “tradicional”, por exemplo. (BAILEY, 1992) A improvisação livre pode ser dirigida de várias maneiras. Os parâmetros aqui são pensados em mensagens ou estímulos para delimitar os níveis de “controle” do processo, vindo de fontes externas ou internas. Por esse tipo de “controle”, relacionam-se diversos e diferentes estímulos para os intérpretes no momento da improvisação. Nesta pesquisa, os controles são divididos da seguinte forma: a) controle estimulo externo (CEE): imagens, símbolos, gestos vindo dos próprios músicos ou mesmo de uma pessoa que não esteja tocando; b) controle estímulo interno (CEI): formas pré-estabelecidas e/ou regras especificas dizendo o que pode ou não pode ser feito.

Muitos desses exemplos podem ser encontrados em

métodos de

improvisação livre que foram criados para encorajar a inclusão da improvisação dentro do currículo de educação musical, tais como: Bergstrom-Nielsen (2009); Hall (2009); Higgins e Campbell (2010). A partir da utilização desses controles, poderíamos questionar se realmente existe ou pode existir uma improvisação musical completamente livre? Esse estudo não pretende encontrar esta resposta mas sim delimitar o uso da palavra “livre” a um determinado “estilo” musical.

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Da mesma forma que a música e a linguagem têm sido comparadas pelos linguísticos e musicólogos, como Chomsky e Schenker (SLOBODA, 1985), a improvisação tem sido comparada com o diálogo e a conversação (BERLINER, 1994; MONSON, 1996). Recentemente, alguns autores mencionam que os “gestos frequentemente têm um propósito especial e que esses estão entendidos e usados normalmente dentro de um contexto especifico social e cultural” ARGYLE (1988); ELLIS & BEATTIE (1986) apud DAVIDSON e SALGADO CORREIA (2002). Nesse estudo, pretendemos relacionar algumas possibilidades da aplicação de gestos nãoverbais (não-sonoros) vinculados ao contexto da improvisação “livre”. Assim, a questão principal que permeia esta pesquisa é: a interação nãoverbal entre músicos improvisando livremente e coletivamente dentro de um grupo poderia ser afetada pela permissão ou limitação da liberdade criativa musical?”

2. Materiais e Métodos Durante um período de seis mêses, serão formados grupo de improvisação livre onde as performances serão gravados em formato de áudio e vídeo para posterior análise. Alguns situações de performance serão parametrizadas da seguinte forma:

a) tocando para uma plateia de músicos num espaço livre; b) tocando para a mesma plateia porém num espaço fechado; c) tocando sem plateia nos mesmos espaços mencionados; d) tocando para uma plateia espontânea num espaço aberto, e) tocando para uma plateia espontânea num espaço fechado.

Os grupos serão compostos por alunos e professores universitários. O tamanho do grupo, instrumentação, bagagem musical deverão variar. As ideias para estabelecer os parâmetros gestuais e do controle de liberdade (externa e interna) entre os músicos serão extraídos dos métodos para improvisação livre mencionados anteriormente em junção com algumas idéias dos autores.

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Baseado nas definições de Davidson e Salgado Correia (2002, pag. 244), classificamos quatro categorias de gestos não-verbais a serem utilizados no momento da improvisação, sendo:



GR – Gesto Regulatório: um intérprete pré-definido interagindo com os demais porém buscando estabelecer um certo nível de unificação durante a improvisação;



GE – Gesto Ilustrativo ou Emblemático: tem a finalidade de estabelecer a coesão musical ou ainda uma narrativa através de elementos expressivos enquanto a obra esta sendo executada;



GA – Gesto Adaptativo: baseado em mimesis, deve ser utilizado pelos intérpretes para remeter a certas experiências e/ou comportamentos individuais durante a performance;



GD - Gesto Demonstrativo: estabelecer algum tipo de conexão diretamente com a platéia.

Esse parâmetros deverão ser utilizados pelos músicos durante as sessões de improvisação livre. Posteriormente, realizaremos a análise dos áudios e vídeos das performances. Os dados levantados serão ainda relacionados a aplicação de um questionário semiestruturado aos músicos participantes com o intuito de entender suas perspectivas sobre as interpretações dos gestos predefinidos e executados.

3. Resultados e Discussões Os resultados preliminares (baseados em alguns ensaios) apontam para uma relação direta entre os níveis de controle e os gestos musicais utilizados, influenciando diretamente a performance com improvisação livre. Percebemos que:

a) quando os níveis de controle externo são aumentados (como gestos e simbolos vindo de uma fonte externa), os gestos regulatórios (GR) e os gestos demonstrativos (GD) diminuíram;

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b) quando os níveis de controle interno são aumentados (como o estabelecimento de uma forma/estrutura musical ou um motivo ritmico), os gestos regulatórios (GR) aumentaram e os gestos demonstrativos (GD) também aumentaram; c) quando ambos os níveis diminuíram (controle externo e interno), os gestos regulatórios (GR) diminuíram, porém os gestos ilustrativos (GI) e os gestos adaptativos (GA) aumentaram.

4. Conclusões

Enquanto a liberdade musical foi aumentada, também foram aumentados os movimentos sinérgicos entre intérpretes, refletindo nas sonoridades resultantes. De certa forma, os gestos narrativos e interpretativos viraram os principais aspectos de estruturação (enquanto forma) da performance. Os gestos regulatórios foram pouco ou quase nada identificados, talvez porque na improvisação livre, o músico esteja ouvindo e reagindo, respondendo e criando, buscando constantemente novas ideais e “argumentos” musicais. Talvez esses resultados preliminares mostram que na improvisação livre, gestos não-sonoros não encaixam tão facilmente nas quatro categorias de gestos apresentados por Davidson e Salgado Correia (2002), porque os gestos não-verbais na improvisação livre frequentemente se sobrepõe e/ou misturam-se uns aos outros. Os próximos passos desta pesquisa apontam para o estabelecimento de um novo conjunto de categorias para gestos não-sonoros a serem utilizados especificamente no contexto da improvisação livre. Referências: BAILEY, D. Improvisation: Its Nature and Practice in Music. United Kingdom: The British Library National Sound Archive, 1992. 146p. BERGSTROM-NIELSEN,C. Intuitive http://vbn.aau.dk/da/publications/intuitive000ea68e967b%29.html.2009. 33p.

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Cognição e Formalismo: algumas ferramentas conceituais para poética composicional COMPOSIÇÃO Eduardo Fabricio Frigatti Universidade Federal do Paraná – [email protected]

Resumo: O serialismo integral transformou todos os parâmetros da composição e da escuta com uma ampla gama de novas possibilidades sonoras. Por outro lado, sofreu duras críticas por usar sistemas herméticos para criar, que, muitas vezes, resultavam em uma música de difícil escuta com uma discrepância entre a lógica sensível do som e a lógica estrutural. Este artigo discute como estas possibilidades sonoras podem ser usadas levando em conta as capacidades cognitivas envolvidas na escuta. A observação do funcionamento do processo de escuta pode permitir ao compositor lidar com estes sons complexos sem criar uma forma musical caótica. Palavras-chave: formalismo – cognição – composição Abstract: Integral serialism movement has transformed all the parameters of composing and listening with a wide range of new possibilities of sounds. On other hand, it has suffered severe critics for using hermetic systems for the creativity process that many times results a hard listening style of music with a huge discrepancy between the real sound of the piece and its logical structure. The article discuss how these possibilities of sounds can be used taking account the cognitive capacities of the listening. The observation of how works these capacities can allow composers handle these complex sounds without creating a chaotic musical form. Keywords: formalism – cognition –composition

Segundo Brindle (1984, p. 21-22) a gênese da concepção estética do serialismo integral pode estar relacionada à tendência para uma racionalização dos processos de criação artística e o desejo de começar novamente, cujo principal obstáculo eram as memórias musicais, a tradição. Observação corroborada posteriormente por Boulez (1992, p. 71), que, para apagar de seu vocabulário todo vestígio do tradicional, confiou a inúmeras organizações as responsabilidades do trabalho criativo, concedendo-lhes uma autonomia total, sobre a qual ele apenas precisava exercer influência de uma maneira descompromissada. Começar novamente exigiu neutralizar a memória do compositor durante a criação, pois há no ato criativo muito do que as memórias sugerem, trazendo resquícios da tradição (Brindle, 1984. p. 22-23).

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Porém, ao pautar-se na dubiedade do número, a música do serialismo integral não só anulou a memória enquanto tradição histórica do processo de criação, eliminando a participação da memória pessoal do compositor no ato criativo; mas desconsiderou a memória enquanto faculdade humana que participa ativamente da experiência de escuta (Frigatti, 2013), resultando em uma música de difícil apreensibilidade (Lerdahl, 1992; Dottori, 2005. p. 256-257) e arbitrária (Perle, 1990. p. 183-185; Boulez, 1992. p. 67-68). Esta cisão entre lógica estrutural e material sensível na música do serialismo integral é um exemplo extremo do tecnicismo do modernismo tardio, que tendeu a igualar o conteúdo às inovações nos procedimentos composicionais, colocando em segundo plano o material sensível resultante (Buckinx, 1998, p. 57-59). Embora o serialismo tenha contribuído com novas possibilidades sonoras, é importante não confundir a necessidade de inovar com a anulação de princípios sem os quais não é possível música alguma (Brelet, 1957. p. 31). Rompimento que pode levar a um esforço do ouvido (necessário para dar forma à música) inútil, pois a forma possível é a do caos (Dottori, 2005, 256-257). A admoestação válida, sobretudo, se há por parte do compositor o desejo de aproximação com o ouvinte (por evitar o caos) sem abandonar os materiais sonoros e as inovações técnicas propostas pelos modernistas. Quando, no classicismo, a música instrumental ganhou igualdade de importância com a música vocal, a idéia de ‘audibilidade’ formal foi fundamental para a organização do discurso (Rosen, 1990, p. 93-94). Isto porque, conforme observa Brelet (1957, p. 41-42), a sensação sonora é dependente da forma e saber criá-la é essencial para conceber uma obra inteligível, que confira sentido à escuta. Então, pode-se supor que as investigações sobre forma musical podem auxiliar na resolução deste impasse. E, como, atualmente, as questões que estavam na base do formalismo musical se tornaram tópicos centrais da pesquisa musical em ciência cognitiva contemporânea, com especial atenção aos processos mnemônicos (Nogueira, 2010), a intersecção entre memória e forma em música poderia oferecer reflexões mais precisas, auxiliando o compositor que se propõe este desafio. De acordo Vernon Gregg (1976, p. 15-17), a palavra memória referese a uma vasta gama de sistemas e processos cognitivos fundamentais para

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nossa interação com o mundo. Envolve desde a capacidade de reter informações por milésimos de segundos, a fim de serem categorizadas no limiar do processo de conscientização dos estímulos, à imensa cadeia de esquemas que nos permite executar ações complexas. Por esta razão, a memória está intimamente relacionada a outras faculdades cognitivas, como: percepção, atenção e consciência (Rose, 2006, p. 285). Privilegiando os aspectos mnemônicos que permitem discutir a forma musical e seu processamento cognitivo, pode-se segregar duas categorias de ferramentas conceituais: as relacionas à percepção dos eventos sonoros; e as que elucidam o funcionamento da memória. Segundo Snyder (2000, p. 21), os agrupamentos dos sons podem ser divididos em: pitch event, agrupamento de um evento sonoro (por exemplo, uma nota); e um agrupamento de eventos sonoros (por exemplo, uma sequência de sons). Como demonstra Bregman (1990, p. 24-36), estes processos de agrupamentos permitem que o indivíduo perceba se diferentes sons provêm de uma mesma fonte sonora ou não. A distinção entre fontes sonoras

de

distintos

agrupamentos

formam

streams,

representações

perceptuais que fornecem centros de descrição que conectam características sensoriais, de modo que certas combinações possam servir para reconhecer eventos ambientais (1990, 44). Em música, o stream é responsável, por exemplo, pela percepção da polifonia oculta. De acordo com Tenney (1988, 29-44) e Snyder (2000, 43), os agrupamentos tendem a formar-se devido a fatores de coerência. Os autores distinguem fatores não-aprendidos (proximidade, similaridade, continuidade, intensificação, paralelismo) e aprendidos (‘objective set’, agrupamentos estabelecidos em e unicamente para uma peça; ‘subjective set’, agrupamentos que são parte de um estilo). Todos estes fatores agem (em maior ou menor grau) na determinação do nível de fechamento dos agrupamentos, denominada closure — qualidade que permite ao agrupamento parecer relativamente autossuficiente e separado de outro agrupamento (Meyer, 1956, p. 128-130; Snyder, 2000, p. 32-33). Entre as várias possibilidades de distinção das memórias (Pasher; Carrier, 1996, p. 8-13), há a memória de curto prazo, que dura poucos segundos se a informação não é reiterada, e está relacionada à vivência do

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presente (informações sensoriais e outras memórias ativadas no momento corrente); e a memória de longo prazo, maior temporalmente que a MCP e que pode ser evocada em diferentes momentos. Dependo do nível de fechamento dos agrupamentos, o compositor poderá enfatizar a vivência do ouvinte no presente se, por exemplo, inviabiliza a formação de chunks – pequenos agrupamentos, frequentemente ligados um ao outro e capazes de forma unidades maiores (Cowann, 2009, p. 337); ou na relação passado-presentefuturo,

se,

por

exemplo,

criam-se

agrupamentos

mnemonicamente

‘pregnantes’, facilmente identificáveis não importando sua localização temporal. Também é possível obter ênfases temporais distintas pela manipulação do fenômeno de pattern recognition, processo de correspondência entre a experiência perceptiva e o conteúdo da MLP (Snyder, 2000. p. 23); e a habituação, tendência a ignorar estímulos redundantes (Walker, 1987. 39-40). Snyder (2000, p. 234) propõe que estes tratamentos da experiência do tempo são dois polos possíveis, que podem ou não estar presentes em uma mesma obra, e que se diferenciam por tentar explorar a MLP através da construção hierárquica e associativa de representações mentais em grandes estruturas temporais; ou por tentar sabotar o reconhecimento e a expectativa, pela frustação da recordação e antecipação, intensificando assim o presente. Embora existam outros conceitos que possam auxiliar as decisões durante o processo de composição, os citados nos parágrafos precedentes já oferecem sugestões para o controle das materialidades sonoras oriundas do serialismo integral — usando ou não os procedimentos técnicos desta escola composicional. Por exemplo, caso o compositor empregue técnicas de serialização, pode tentar-se controlar streams de altura originando contornos perceptivelmente relacionados. Ou criar um acompanhamento que sature as possibilidades de reconhecer agrupamentos recorrentes, e, quando ocorrer a habituação desses agrupamentos, evidenciar um agrupamento que se desenvolverá linearmente sobre o fundo familiarizado. Assim, a pesquisa em cognição pode oferecer ferramentas conceituais que auxiliem o compositor a realizar suas escolhas durante o ato criativo, tornando possível a proposição de uma poética que se aproxime do ouvinte a partir da reflexão sobre os processos cognitivos envolvidos no ato da

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escuta, pois tais conceitos podem auxiliar no controle de materialidades sonoras complexas e na criação de formas que procuram evitar o caos. Referências Boulez, Pierre. A música hoje 2. trad. Geraldo Gerson de Souza. São Paulo Perspectiva: 1992. Bregman, Albert S. Auditory scene analysis: the perception organization of the sound. Cambridge: The MIT Press, 1990. Brelet, Gisèle. Estetica e Criación Musical. trad Leopoldo Hurtado. Buenos Aires: Hachette S.A., 1957. _____. The new music: the avant-garde since 1945. Bristol: Oxford University Press, 1984. Bucknix, Boudewijn. O pequeno pomo. trad. Álvaro Guimarães. Cotia: Ateliê Editorial, 1998. Cowan, Nelson. “Sensory and Immediate Memory”, In Encyclopedia of Consciousness. Vol.2. ed. W. P. Banks. Oxford: Elsevier, 2009. p. 327-339. Dottori, Maurício. “De gêneros, de macacos, e do ensino da composição musical”. In Anais do 1º Simpósio de Cognição e Artes Musicais. Curitiba: UFPR, 2005. p. 246-59. Frigatti, Eduardo F. “Por uma poética possível”. In Anais do XXIII congresso da associação nacional de pesquisa e pós-graduação e música. Disponível em http://anppom.com.br/congressos/index.php/ANPPOM2013/Escritos2013/paper /view/2284 acessado aos sete de outubro de 2013. Gregg, Vernon. Memória humana. Trad.: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. Lerdahl, Fred. “Cognitive Constraints on Compositional Systems”. In Contemporary music review, vol. 6. Reino Unido: Harwood academic publishers, 1992. p 97-121. Meyer, Leonard. Emotion and meaning in music. Chicago: The University of Chicago Press, 1956. Nogueira, Marcos. “Condições de um formalismo musical contemporâneo”. In Música em perspectiva, vol 3, n. 2. Curitiba: UFPR, 2010. p. 111-37. Pashler, Harold; Carrier, Mark. “Structures, processes, and flow of information”. In Memory, eds. Elizabeth Ligon Bjork and Robert A Bjork. San Diego: Academic Press, 1996. p. 4-32.

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A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais (1890-1920) MODALIDADE: MUSICOLOGIA Mónica Vermes UFES / IA-Unesp / CNPq – [email protected] Resumo: A intensa vida cultural do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX tinha os teatros como um de seus espaços principais. A tradição da historiografia musical brasileira, que trata música erudita e música popular como entidades isoladas, tem registrado as atividades musicais desenvolvidas nos teatros cariocas desse período de forma parcial. O projeto aqui apresentado propõe um levantamento do repertório musical praticado nos principais teatros da cidade do Rio de Janeiro entre 1890 e 1920. Palavras-chave: Rio de Janeiro – música, Rio de Janeiro – teatros, gêneros do teatro musical, práticas culturais. Music in the Theaters of Rio de Janeiro: repertoires, reception and cultural practices (18901920) Abstract: Theaters were one of the main venues of the intense cultural life of Rio de Janeiro at the turn of the twentieth century. The traditional Brazilian musical historiography, dividing the activities as either related to classical music or to popular music as isolated entities, has recorded musical activities on Rio theaters’ of this period partially. The present project proposes a survey of the musical repertoire performed in major theaters in the city of Rio de Janeiro between 1890 and 1920. Keywords: Rio de Janeiro – music, Rio de Janeiro – theaters, musical theater genres, cultural practices.

Esta comunicação se constitui na apresentação de um projeto de pesquisa em andamento, intitulado A Música nos Teatros Cariocas: repertórios, recepção e práticas culturais (1890-1920). O projeto está sendo desenvolvido na UFES – Universidade Federal do Espírito Santo; no Instituto de Artes da Unesp, como estágio de pós-doutorado; e conta com um financiamento do CNPq, no Edital Universal de 2012. Além disso, o trabalho se beneficia dos intercâmbios proporcionados pela participação em alguns grupos de pesquisa: o NEM – Núcleo de Estudos Musicológicos, que lidero e que está sediado na UFES; o NOMADH, Núcleo de Musicologia e Desenvolvimento Humano, liderado por Paulo Castagna, no IA-Unesp; o Grupo História e Música, liderado por Tânia Garcia e José Adriano Fenerick, vinculado ao programa de pós-graduação em História da Unesp-Franca; e o MusiMid, Centro de Estudos de Música e Mídia, liderado por Heloísa Araújo Valente.

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O propósito inicial que deu origem ao projeto foi traçar um mapa da cena musical carioca do corte cronológico estabelecido, que permanece como pano de fundo que orienta a reflexão deste trabalho. Daí, que o assunto mais geral deste projeto sejam as atividades musicais realizadas na cidade do Rio de Janeiro entre 1890 e 1920. Capital da recém-proclamada República, o Rio era palco de uma atividade musical fervilhante e variada. Tais atividades tinham lugar em vários espaços: teatros, clubes, residências, salões, cinemas e na rua. O repertório musical incluía óperas italianas, modinhas, lundus, música de câmara, maxixes, sambas, música sinfônica pautada nos moldes centro-europeus dos séculos XVIII e XIX, vários gêneros de teatro musical. As personagens envolvidas nessas atividades incluíam músicos profissionais e amadores, empresários, afinadores de piano, professores de música, proprietários de estabelecimentos comerciais musicais, editores de música, críticos, público. A movimentação das pessoas pela cidade e o trânsito dos repertórios para além de seus espaços de origem ou destinos preferenciais tornam essa rede musical complexa e interessante. A apreensão dessa totalidade, das relações entre essas várias personagens, repertórios, práticas e instituições, sujeitas ainda aos estímulos e choques com forças políticas, econômicas e culturais mais gerais, exige uma abordagem que leve em consideração essa polifonia e exige também recortes precisos que a tornem abordável. Mas, como fazer esse recorte preciso de forma a não perder de vista a dinâmica de trânsitos e trocas do conjunto? Com o propósito de superar as típicas dicotomias popular/erudito e profissional/amador, constantemente atravessadas e deformadas nas práticas musicais cariocas do período em questão, escolhi como ponto fixo os teatros para, estabelecendo como eixo as atividades ali realizadas, explorar outros espaços. Tipicamente o tratamento dado às práticas musicais é submetido a uma clivagem em duas grandes categorias: música erudita (associada a uma educação musical formal e à prática dos gêneros musicais do repertório europeu dos séculos XVIII e XIX) e música popular (abarcando grosseiramente todas as outras práticas musicais urbanas). Essa organização preliminar em duas grandes categorias tende a sugerir uma distribuição da vida musical em círculos mais ou menos estáveis e

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independentes constituídos em torno de camada social, gênero musical e espaço (por exemplo, elites – ópera – teatro). Trabalhos recentes realizados principalmente na área de História Cultural têm evidenciado quanto essa ideia de uniformidade e independência é ilusória. Fernando Antonio Mencarelli, em A Voz e a Partitura: teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908), ao analisar a composição dos repertórios das companhias teatrais de fins de século XIX no Rio, aponta para a adoção de um repertório eclético, visando a atingir um espectro mais amplo de público: Mesmo as companhias que se especializaram em operetas, mágicas e revistas vez ou outra encenavam dramas e comédias. Quando não o faziam com seu próprio elenco, abriam as portas dos teatros que ocupavam para outras companhias e atrações, imprimindo às casas de espetáculo o perfil eclético que ampliava sua penetração junto à população de espectadores. (MENCARELLI, 2003, p. 39)

Essa variedade de repertório dirigia-se a um público também variado. Andrea Marzano analisa a frequência aos teatros tendo como fonte a forma como estes eram retratados nos romances da segunda metade do século XIX e, identificando o retrato sofisticado que se fazia de algumas dessas casas, conclui: Não podemos ignorar que os romancistas da segunda metade do século XIX estiveram engajados no debate e nos projetos de civilização do Império, que se refletiram na defesa de um teatro elegante e europeizado. O mais provável é que tal engajamento tenha influenciado suas descrições dos espetáculos e plateias, contribuindo para a construção de uma memória glamourosa a respeito sobretudo dos teatros Lírico e São Pedro. (MARZANO, 2010, p. 112)

E prossegue evidenciando as possibilidades de acesso, mesmo aos teatros considerados mais exclusivos da elite, por um público que não tinha condições de pagar seus próprios ingressos, como era o caso dos cativos, ou que tinha uma renda limitada. Além disso, sugere que “os frequentadores dos teatros considerados mais elegantes, como o São Pedro, também lotassem as plateias dos circos e similares, cujos espectadores tinham origens sociais muito diversificadas” (p. 113, 115, 118-21). Esse ecletismo de repertório e de público (em termos de origem social e poder aquisitivo) e o trânsito de um mesmo público entre teatros e espetáculos de gêneros muito distintos sugere, entendemos, uma complexidade e pluralidade compatíveis com aquelas encontradas por Martha Abreu (1999) nas festas do Divino

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Espírito Santo ao longo do século XIX. Esta obra, O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900, serve-nos também como referência metodológica, pelo tipo de fontes empregadas (literatura de ficção, jornais, relatos de memorialistas, cronistas e folcloristas, documentos oficiais) e pelos pressupostos, expressos nesta passagem: Cabe ao historiador evidenciar o envolvimento dessas manifestações [festivas das classes populares] com as lutas sociais mais amplas e com a dinâmica entre o sentido por vezes comunitário das festas e as diferentes versões, significados e apropriações dos seus variados participantes, seus modos e tempos. Os modelos simplistas e dualistas de oposição entre cultura popular e erudita ou entre cultura dos dominados e dominantes devem ser revistos. (ABREU, 1999, p. 29)

Neste caso, escolhi os teatros da cidade do Rio de Janeiro como eixo para o levantamento e análise de repertórios e práticas. Privilegiando um recorte por espaço, ao invés de selecionar determinado gênero musical ou trajetória de um indivíduo ou grupo, pretendemos observar a variedade de manifestações que tinha lugar nesses espaços. Os principais teatros em funcionamento no Rio de Janeiro no período de nosso recorte e que são contemplados neste projeto são:1 Teatro São Pedro de Alcântara, Teatro Lírico, Teatro Fênix Dramática, Teatro Sant’Anna, Teatro Polytheama Fluminense, Teatro Lucinda, Teatro Recreio, Teatro Eden Lavradio, Cassino Nacional, Parque Fluminense, Teatro Maison Moderne, Teatro da Exposição de Aparelhos a Álcool, Cinematógrapho Pathé e Teatro Apollo.2 Alguns deles aparecem frequentemente na literatura identificados com repertórios específicos. Tal é o caso, por exemplo, do Teatro Fênix Dramática, associado por Luiz Heitor Corrêa de Azevedo a “cenas de operetas e peças musicais ligeiras” (AZEVEDO, 1956, p. 70), associação reprisada mais adiante na mesma obra e à qual se somam outros teatros, “música de peças ligeiras que eram representadas nos teatros Sant’Ana, Lucinda, Fênix, Apolo, Variedades e outros do gênero” (p. 205). No entanto, Cernicchiaro identifica o Teatro Fênix como palco de um recital do pianista virtuose Tommy Thomson (Cernicchiaro, 1926, p. 450). Outros casos como esse, nos quais verificamos a identificação prioritária de certos teatros com um repertório específico em aparente contradição com o registro de eventos com gêneros musicais “incompatíveis” nos mesmos teatros, nos leva a considerar – para

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além da possibilidade de erros nas fontes – um uso menos rigorosamente homogêneo desses espaços. Um dado que reforça essa hipótese é o fato de os recitais ou concertos de música erudita ocorrerem de forma mais irregular e esporádica que outros tipos de espetáculo musical, não contando ainda com um circuito próprio, fazendo com que se “encaixassem” nos espaços existentes. Essa irregularidade pode ser também observada nas queixas relativas à formação das orquestras no Rio em três momentos diferentes. Roberto Kinsman Benjamin (1853-1927), fundador do Clube Beethoven, queixa-se em artigo publicado a 15 de outubro de 1886 na Gazeta de Notícias: [...] não possuímos número suficiente de professores capazes de formar uma boa orquestra. A vida de um professor de orquestra no Rio é dura e para alguns mesmo cruel; quase todos com famílias que sustentar, manietados pelos contratos com os teatros, obrigados a executarem durante todo o ano música de um gênero trivial, forçados a assistir durante o dia a constantes ensaios de música de toda a espécie, menos de caráter elevado; se desejosos de tomar parte em algum concerto, tendo de caçar quem os substitua nos teatros – admira pouco que tenham escasso tempo e ainda menos inclinação para estudar, nem ocasião de alargar o conhecimento que têm das produções dos grandes mestres. Daí provém uma indiferença pelos intuitos mais elevados da arte musical, o mero interesse na música como meio de vida, e com isso aparece incontestavelmente uma negligência tanto de estilo como de forma, a qual, uma vez contraída, é difícil senão impossível desarraigar [...] (BENJAMIN apud PEREIRA, 2007, p. 47-48)

Também o crítico Oscar Guanabarino (1851-1937) apresenta seus comentários sobre as práticas dos músicos de orquestra, ao fazer sua avaliação das condições de apresentação das óperas italianas no Rio, em artigo de 26 de outubro de 1895: Não é nem podia ser numerosa a sua orquestra; não só por motivos de ordem econômica como pela necessidade de manter certo equilíbrio com as forças de cena; assim como não foi fácil arregimentar todos os elementos orquestrais para o desempenho de grandes óperas, sabido, como é, que os nossos professores passam muitos meses sem se reunirem para a execução sinfônica e que vivem desanimados pelos teatros tocando enfadonhas partituras de mágicas e revistas.

Vincenzo Cernicchiaro (1858-1928) registra também sua queixa sobre o destino profissional de jovens virtuoses: Provando-o, que valha a história destes últimos tempos. Virtuoses eméritos de piano, de violino, etc., depois de um triunfo juvenil regular, são condenados ao exercício da música inferior, executada, sem convenções, em lugares públicos, para suprir as necessidades naturais da vida. 3 (CERNICCHIARO, 1926, p. 612)

Os objetivos do projeto compreendem: a) um levantamento sistemático das obras apresentadas nos teatros cariocas; b) a análise da recepção dessas

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obras; c) a análise das práticas relacionadas à vida teatral/musical e d) a reflexão sobre o(s) significado(s) atribuído(s) a esses repertórios, atentando para as sobreposições, choques e atritos entre grupos sociais, gêneros musicais e projetos estéticos (culturais e políticos) que não se resolvem, constituindo uma rede dinâmica e tensa. Pretendo, assim, contribuir para o conhecimento de vários aspectos da vida musical no Rio de Janeiro, incluindo a formação de um cânone/programas, os hábitos de frequência a atividades musicais, a formação de público, a educação musical, as fronteiras culturais sociais e étnicas, a ideia de uma identidade carioca/brasileira e, em termos mais gerais a reflexão sobre uma maneira muito própria de fazer música, resultado dessa rede dinâmica e que precisa de categorias próprias para ser entendida. Referências: ABREU, Martha. O Império do Divino: festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999. AZEVEDO, Luiz Heitor Corrêa de. 150 Anos de Música no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956. CERNICCHIARO, Vincenzo. Storia della Musica nel Brasile: dai tempi coloniali sino ai nostri giorni. Milano: Fratelli Riccioni, 1926. MARCONDES, Marcos Antônio (Ed.) Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica. 2 ed. revisada e atualizada. São Paulo: Art Editora; Publifolha, 1998. MARZANO, Andrea. “A magia dos palcos: o teatro no Rio de Janeiro no século XIX” In MARZANO, Andrea & MELO, Victor Andrade de (Orgs.). Vida Divertida: histórias do lazer no Rio de Janeiro (1830-1930). Rio de Janeiro: Apicuri, 2010. MENCARELLI, Fernando Antonio. A Voz e a Partitura: teatro musical, indústria e diversidade cultural no Rio de Janeiro (1868-1908). 2003. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Instituto Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. Notas 1

A partir de um levantamento inicial que tomou como referência os teatros listados no Anexo “Teatros do Brasil” na Enciclopédia da Música Brasileira (Marcondes, 1998, p. 863), complementado a partir das informações tomadas dos trabalhos de Andrea Marzano, particularmente o artigo “A magia dos palcos: o teatro no Rio de Janeiro no século XIX” (2010), e do site “Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro” http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/bibliografia.asp?acao=A&, chegamos a esta versão final após consulta ao recém-publicado Teatros do Rio de José Dias (2012).

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Muitos destes teatros mudaram de nome (em alguns casos várias vezes) ao longo de sua existência. Registramos aqui os nomes com que apareceram pela primeira vez dentro do período compreendido pelo projeto (1890-1905).

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Esta e as demais traduções são nossas.

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Aspectos culturais e artísticos de Curitiba na última década do século XIX: a1) Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) Modalidade: Musicologia

Álvaro Luiz Ribeiro da Silva Carlini Universidade Federal do Paraná - [email protected] Resumo: Apresenta-se neste artigo os resultados preliminares de pesquisa relacionada ao Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902), no que se refere às fontes primárias de investigação, constituídas principalmente por hemeroteca: publicações periódicas editadas por órgãos de imprensa diária então existentes em Curitiba, PR, como o jornal A República ou o Diário do Commercio. Além desses, considerou-se de maneira privilegiada o conteúdo de álbum de recortes contendo matérias jornalísticas e programas de eventos diversos pertencente ao maestro Alberto Monteiro (1855-c.1930). A pesquisa possibilitou a elaboração de listagem cronológica das atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes em Curitiba, iniciando série de artigos relacionados a esta entidade civil musical do Paraná. Palavras-chave: História sócio-cultural. Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG). Curitiba (PR). maestro Alberto Monteiro. Entidades civis musicais do Paraná. Cultural and artistic aspects of Curitiba in the last decade of the nineteenth century: 1 a ) Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) Abstract: This paper presents preliminary results of research related to the Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) as regards primary sources of research, formed mainly by newspaper library: periodicals edited by daily press organs then existing in Curitiba, PR, as the newspaper A República or the Jornal do Commercio. Besides these, it was considered privileged way the contents of scrapbook containing newspaper articles and various events programmes belonging to the maestro Alberto Monteiro (1855-c. 1930). The research makes possible the drafting timeline, Grêmio's Musical Carlos Gomes activities in Curitiba, starting series of articles related to this music-related civilian agency in Paraná. Keywords: Socio-cultural History. Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG). Curitiba (PR). Alberto Monteiro. Civil entities musicals of Paraná.

1. Fontes primárias da pesquisa sobre o Grêmio Musical Carlos Gomes O presente artigo constitui-se no primeiro de uma série que é dedicada à temática exposta no título e está relacionado especificamente à pesquisa sobre o acervo documental remanescente do Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG), entidade civil musical atuante na capital do Paraná entre 1893-1902. O acervo está constituído principalmente pelo material escrito e publicado na imprensa diária da capital paranaense, disponibilizado pela Biblioteca Nacional Brasileira, seção Hemeroteca Digital, sediada no Rio de Janeiro, RJ, através de sítio na internet. Além disso, considerou-se de maneira

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privilegiada álbum de recortes de jornais, sem identificação complementar alguma, localizado na Casa da Memória, da Fundação Cultural de Curitiba. O conteúdo deste álbum de recortes foi registrado em fotografia digital e assim foi possível proceder a transcrição dos textos de imprensa ali anexados: 72 reportagens (somente textos, sem imagens e sem identificação precisa - de local, de data ou de denominação de periódico) e 28 programas de eventos artísticos (somente textos, sem imagens e também sem identificação precisa - de local, de data ou de artistas participantes). Tal documentação indicava particularmente a realização de eventos musicais (de recitais e de concertos), de eventos cênico-musicais (como operetas e revistas) ou de eventos solenes ou comemorativos (como exéquias, homenagens e benefícios). No processo de transcrição destes materiais foi possível deduzir que o álbum de recortes pertenceu à personalidade do mundo musical curitibano de então: ao maestro português Alberto Monteiro (1855-c.1930), sobre quem não foram localizadas informações precisas. O álbum de recortes do maestro Alberto Monteiro possui características específicas: os textos da imprensa foram recortados e depois fixados nas folhas de papel-cartão do álbum com algum tipo de colai, e a maioria absoluta, como constatado, sem apresentar nenhuma especificação. Tais características se apresentam também com a maioria absoluta dos programas dos eventos, o que pode ser observado nas figuras 1 e 2.

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Figura 1: Página de álbum do maestro Alberto Monteiro com recortes de jornais sem identificação.

Figura 2: Página de álbum do maestro Alberto Monteiro com programa de concerto sem identificação.

Com os objetivos de identificar origens e datas dos recortes de jornais e dos programas dos eventos artísticos e musicais que contaram com a participação do GMCG ou que foram promovidos por ele, e também de ampliar e de contextualizar historicamente as atividades culturais na capital paranaense nos anos de atuação do grupo, foram consultados, em acervo digital pertencente à Biblioteca Nacional, seção Hemeroteca, localizada no Rio de Janeiro, cinco jornais diários de Curitiba, do período compreendido entre 1890-1900: a) A República, período 1888-1900; b) Jornal do Commercio, período 1891-1894; c) A Tribuna, período 1895-1896; d) O Município, período 1897-1898; e) Almanach do Paraná, nos anos 1896, 1899, 1900-1902. Foi particularmente importante na pesquisa o jornal A República, que se encontra digitalizado de maneira regular e sem lacunas de tempo. Já o Jornal do Commercio, que embora digitalizado somente nos anos supramencionados, se destacou pela posição política assumida, a de republicanos federalistas, favorável aos movimentos do exército libertador do general Gumercindo Saraiva, líder dos chamados maragatos, e será objeto

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de estudos posteriores. O álbum de recortes pertencente ao maestro Alberto Monteiro foi classificado por três assuntos distintos: a) atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes; b) atividades do Grêmio Musical Orpheon Paranaense (fundado em 1906); e c) atividades profissionais diversas desempenhadas pelo maestro, em especial, aquelas desenvolvidas ainda no século XIX, entre 1891 a 1900. Tanto o item b quanto o item c serão abordados em outras oportunidades. Do acervo digital, seção Hemeroteca, da Biblioteca Nacional, além do jornal A República e do Jornal do Commercio, foram consultados outros órgãos da imprensa de Curitiba referentes aos últimos anos do século XIX, como o A Tribuna, o O Município, e o Almanach do Paraná, entre outros. Nenhum desses periódicos se encontra digitalizado de maneira regular e, portanto, foram consultados esporadicamente e quando houve a necessidade de maiores esclarecimentos. 2. O Grêmio Musical Carlos Gomes (1893-1902) O Grêmio Musical Carlos Gomes (GMCG) foi fundado em 09 de maio de 1893, em Curitiba, Paraná, constituindo-se como entidade civil musical sem fins lucrativos e assim participando ativamente da vida cultural e artística de sua época. Inicialmente, o GMCG foi formado por 12 músicos liderados pelo maestro português Alberto d'Oliveira Monteiro (1855-c.1920): Gabriel Monteiro, Antenor Monteiro (ambos irmãos mais novos do maestro), Gabriel Ribeiro, Álvaro Barbosa, Augusto Stresser, Alberto Leschaud, Athanasio Leal, Júlio Bellini, Bellarmino Vieira, Frederico Lange e Annibal Requião ii. Em 1895, o GMCG foi ampliado e passou a ser composto também por grupo cênico, habilitando-o a realizar, além de números exclusivamente instrumentais, também operetas e revistas em suas apresentações.

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Figura 3: Fundadores do GMCG: (de cima para baixo, esquerda para direita) maestro Alberto Monteiro, Álvaro Barbosa, Gabriel Monteiro, Antenor Monteiro, Alberto Leschaud, Frederico Lange, Athanásio Leal, Augusto Stresser, Júlio Bellini, Belarmino Vieira, Annibal Requião, Gabriel Ribeiro.

Alguns dos eventos patrocinados pelo Grêmio Musical Carlos Gomes, como o concerto dramático e baile para os feridos do conflito da Lapa, em 1893, no mesmo ano de sua fundação, ou as exéquias realizadas por ocasião do falecimento do compositor Carlos Gomes, em 1896, ou ainda a revista cômica e burlesca Lord Bung, também 1896, angariaram elogios e, por vezes, críticas da imprensa local curitibana, conforme pode ser observado nos periódicos da época: Realizou-se anteontem com extraordinária concorrência de sócios e convidados o sarau musical do acreditado grêmio que perpetua o nome glorioso de Carlos Gomes. A muitas parecia que se achava adormecida para sempre essa agremiação, que tantos louros já têm colhido em nosso meio social e que teve a felicidade de agrupar uma plêiade distinta de consumados amadores da divina Euterpe. Felizmente para a nossa bela e adolescente Capital, ressurgiu ontem a laureada associação festejando o quarto aniversário de sua fundação. A orquestra, regida pelo distinto sr. Alberto Monteiro, executou o programa com o seu habitual esmero sendo muito aplaudida e, principalmente quando tocou o Preludio, composição do talentoso paranaense, sr. Augusto Stresser, que foi coroada por uma retumbante salva de palmas. O sr. Alberto Monteiro recebeu das mãos de duas belas meninas um lindo bouquet que lhe foi oferecido em nome do Clube dos Puritanos. O teatro Hauer achava-se ornamentado de folhagens, dísticos, bandeiras de diversas nacionalidades e estandartes de algumas associações. O belo sexo fez-se representar brilhantemente. Após o concerto seguiu-se animado baile, que prolongou-se até alta madrugada, tendo os sócios do Grêmio posto em prática a mais fidalga gentileza para com os convidados.

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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013 Enviando as nossas felicitações à nova diretoria do Grêmio Musical Carlos Gomes desejamos que continue a proporcionar à sociedade curitibana os esplêndidos saraus, que como os de ontem, constituem uma das melhores notas dos nossos meios social e artístico. (IN álbum de recortes de Alberto Monteiro: CG013-5 periódico sem identificação; 1897: quarto aniversário GMCG)

O Grêmio Musical Carlos Gomes finalizou-se em 1902, quando a associação foi encerrada de maneira abrupta e algo lacônica. Foram nove anos de realizações artísticomusicais na capital paranaense, obtendo reconhecimento e apoio da população local. O estudo e devida análise deste processo de encerramento das suas atividades serão objeto de pesquisas posteriores. A listagem cronológica das atividades do GMCG apresentada a seguir tem o propósito principal de oferecer aos interessados os primeiros resultados desta pesquisa, e será referência para as futuras abordagens relacionadas a esta pioneira entidade civil musical do Estado do Paraná.

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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013 Cronologia das atividades do Grêmio Musical Carlos Gomes entre 1893-1899 estabelecida em pesquisa nos jornais A REPÚBLICA (em negrito), DIARIO DO COMMERCIO (em itálico) constantes na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional e somadas aos PROGRAMAS DE CONCERTOS (em rubrica sublinhada e indicada por números ordinais) e por REPORTAGENS SEM IDENTIFICAÇÃO (em rubrica sublinhada e indicadas por CGXX-X) ambas constantes no álbum de recortes pertencente ao maestro Alberto d'Oliveira Monteiro (período 1893-1899) 1893 09mai - fundação do GMCarlosGomes (artigo de Sebastião Paraná de 1923 com histórico GMCG) 07dez - 2 - Convite 07dez1893 - concerto GMCarlosGomes 10dez1893) 09dez - 1 - Convite 09dez1893 - concerto GMCarlosGomes 10dez1893 10dez - GMCarlosGomes - 1º concerto na Sociedade Saengerbund (artigo S.Paraná 1923 histórico GMCG) 10dez - 3 - Programa do concerto GMCarlosGomes 10dez1893 na Sociedade Saengerbund 1894 10fev - 4 - 20fev1894 (Reportagem concerto GMCarlosGomes) para vítimas da Revolução Federalista 22fev - GMCarlosGomes - Programa para os feridos da Lapa 25fev - 5 - Programa GMCarlosGomes 25fev1894 - para vítimas da Revolução Federalista 03mar - GMCarlosGomes - sarau dançante - Beneficio do maestro Adolpho Corradi 10mar - GMCarlosGomes - Oficio de donativos aos feridos da Lapa 01mai - 6 - Programa 01mai1894 (sem indicação local) 19ago - GMCarlosGomes - sarau musical íntimo [estréia de discípulos musicais] 20ago - 7 - Programa 20ago1894 - Sarau íntimo estréia discípulos musicais 21nov - 8 - Programa 21nov1894 (sem indicação local) [21nov] CG015-1 - GMCarlosGomes - sarau (vide programa 8 Concerto Santa Cecilia] 22nov - GMCarlosGomes - Cathedral de Curitiba - 1º concerto de Santa Cecilia 28nov - Escola de Artes e Indústrias do PR estabeleceu acordo com GMCarlosGomes 10dez - 9 - Programa 10dez1894 (sem indicação local) 1895 20jan - GMCarlosGomes - Sarau musical e dramático 02fev - 10 - Programa 02fev1895 (sem indicação local) [02fev] CG015-2 - artigo em alemão – “Einakter”: Um quarto duas camas 05fev - GMCarlosGomes - sarau musical dançante [05fev] CG005-1 CGCarlosGomes - sarau musical 24abr - GMCarlosGomes - 2º aniversário do GMCG 26abr - GMCarlosGomes - Eleição nova diretoria 09mai - 11 - 09mai1895 - Concerto de 2º ano instalação do GMCG [11mai] CG0011-3 - GMCarlosGomes [Segundo aniversário do GMCG] 11mai - GMCarlosGomes - 2º aniversário do GMCG [11mai] CG007-3 - GMCarlosGomes [Segundo aniversário do GMCG] 26jun - GMCarlosGomes - Nova diretoria - três irmãos Monteiro (Alberto, Antenor, Gabriel) 11jul - 13 - Programa 11jul1895 (sem indicação local) 18jul - 14 - Programa 18jul1895 (sem indicação local) Concerto para Alberto Monteiro 25jul - GMCarlosGomes - Soirèe para Alberto Monteiro 10ago - GMCarlosGomes - Programa para Alberto Monteiro 12ago - GMCarlosGomes - concerto-baile 12ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes 18ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes 20ago - Conservatório de Bellas Artes dedicou 7º concerto para GMCarlosGomes 07set - GMCarlosGomes realizou festa íntima Antonino Correia 18set - 15 - Programa 18set1895 (sem indicação local) 24set - GMCarlosGomes - sarau 26set CG005-5 - coluna Painéis, de Cecy – [Jornal] A Tribuna [26set] CG005-6 - Artigo escrito em alemão 27set - GMCarlosGomes - Sarau dançante

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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013 13out - GMCarlosGomes - Festa de caridade para cego Antônio Ferreira 17out - GMCarlosGomes - comentário beneficio para cego Antônio Ferreira 20nov - 16 - Programa 20nov1895 (sem indicação local) [20nov] CG015-3 - GMCarlosGomes - Missa Santa Cecilia e Sarau [vide Programa 16) 24nov - GMCarlosGomes – Missa Santa Cecilia 26nov - Anteontem - GMCarlosGomes (Missa Santa Cecilia) - Praça de Touros 03dez - GMCarlosGomes - Serenata Passeio Público 05dez - GMCarlosGomes - Serenata Passeio Público (comentários) 1896 07jan - Agradecimento Ex-cego Antonio Ferreira para GMCarlosGomes 08jan - convocação GMCarlosGomes para Lord Bung [08jan] CG021-3 - Lord Bung 06mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - 2º apresentação [06mar] CG021-1 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [A República ms] [06mar] CG021-4 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [Diário da Tarde ms] [06mar] CG021-4 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [Gazeta do Povo ms] 07mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - revista Curitybana 07mar - GMCarlosGomes – Lord Bung - benefício para a Biblioteca Pública 08mar - GMCarlosGomes - comentário sobre Lord Bung - revista Curitybana 10mar - GMCarlosGomes - comentário sobre Lord Bung [06mar] CG021-2 - GMCarlosGomes - Lord Bung - [A República] 12mar - GMCarlosGomes - Alberto Monteiro recebeu batuta [12mar] CG017-6 - GMCarlosGomes sarau [Operário Livre: batuta p/ Alberto Monteiro por Nestor Castro] 19mar - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo) 08abr - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo) 09abr - GMCarlosGomes - sobre Lord Bung (comentário Azevedo Macedo) 26abr - GMCarlosGomes - assembléias 28abr - GMCarlosGomes - comunicado: ingressos extras para sócios somente membros familiares 09mai - 17 - Programa 09mai1896 (sem indicação local) 3º. aniversario fundação 12mai - GMCarlosGomes – ‘Quadro negro’ sobre Lord Bung (protesto de Brazílio de Carvalho) 12mai - GMCarlosGomes - Concerto 17mai - GMCarlosGomes - Nova Diretoria [18ago] CG017-4 GMCarlosGomes 19ago - 18 - Programa 19ago1896 (sem indicação local) 21ago - GMCarlosGomes - sarau dramático musical 25ago - GMCarlosGomes - “Clube mais popular Curityba” 16set - GMCarlosGomes - para Claudino dos Santos 19set - 19 - Programa 19set1896 (sem indicação local) 19set - GMCarlosGomes - Carlos Gomes - Homenagens póstumas [22set] CG09-1 e CG09-2 Homenagens Carlos Gomes [por Nestor de Castro] [22set] CG011-1 e CG011-2 Homenagens Carlos Gomes [por Nestor de Castro] 22set - GMCarlosGomes - exéquias de Carlos Gomes 26set - GMCarlosGomes - para Claudino dos Santos 15out - GMCarlosGomes - Club Curitybano - exéquias de Carlos Gomes 22out - GMCarlosGomes - festa para Major Arthur Lopes 11nov – compositor Carlos Gomes - programação das exéquias 03dez – Programa conjunto de GMCarlosGomes e da Sociedade São Vicente Paula 08dez - 20 - Programa 08dez1896 (sem indicação local) [08dez] CG007-1 GMCarlosGomes (vide programa do dia 08 de dezembro de 1896) [08dez] CG007-2 GMCarlosGomes (vide programa do dia 08 de dezembro de 1896) 10dez - GMCarlosGomes - Concerto 11dez - GMCarlosGomes - Quadro GMCG para Leôncio Correia 27dez - GMCarlosGomes – revista Fui a Curityba, de Claudino Santos 1897

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SIMPEMUS 6 | Simpósio de Pesquisa em Música da UFPR | 2013 04mai - 21 - Programa 04mai1897 (sem indicação local) para Gabriel Ribeiro 10mai - GMCarlosGomes - 4º aniversário – coluna Rosal de Saul [10maio] CG13-1 GMCarlosGomes - 4º aniversário – coluna Rosal de Saul [10maio] CG13-2 GMCarlosGomes - 4º aniversário - Prelúdio de Augusto Stresser [10maio] CG13-3 GMCarlosGomes - 4º aniversário - Prelúdio de Augusto Stresser 02out - GMCarlosGomes e Bento Menezes - Beneficio pistonista Benedicto N. Santos 09out - 22 - Programa 09out1897 (sem indicação Local) [nov] CG13-6 GMCarlosGomes - sarau 09out - GMCarlosGomes - Salão Saengerbund - Sarau programa [nov] CG13-4 GMCarlosGomes - Ensaio para concerto Santa Cecilia 28nov - 23 - Programa 28nov1897 (concerto Santa Cecilia) (na Catedral) 1898 12fev - 24 - Programa 12fev1898 09mar - GMCarlosGomes - ameaça dissolução 09mai - 25 - Programa 09mai1898 (sem indicação local) 09mai CG017-2 GMCarlosGomes - 5º aniversário – Alberto Monteiro apresentou a abertura 9 de maio 11mai - GMCarlosGomes - 5º aniversario – Alberto Monteiro apresentou a abertura 9 de maio [11mai] CG005-4 GMCarlosGomes - 5º aniversário 29mai - GMCarlosGomes - retrato Sant’Anna Gomes 01nov - 26 - Programa 01nov1898 (sem indicação local) 18dez - 27 - Programa 18dez1898 (sem indicação local) 1899 13jul - GMCarlosGomes - Sarau [16jul] CG017-3 GMCarlosGomes - sarau 16jul - 28 - Programa 16jul1899 (sem indicação local) 08set - 29 - Programa 08set1899 (sem indicação local) [08set] CG019-4 - [Vide Programa 29] - [Jornal] Diário da Tarde [17set] CG019-3 - [Vide Programa 29] - [Jornal] O Sapo 26nov - 30 - Programa 26nov1899 (sem inicação local) [26nov] CG019-1 - [Vide Programa 30] reg. Joaquina Ferreira - [Jornal] O Município [26nov] CG019-2 - [Vide Programa 30] reg. Joaquina Ferreira - [Jornal] Tribuna do Paraná 26nov - GMCarlosGomes - Festa Santa Cecilia programa

i

Um tipo de goma arábica que, de maneira surpreendente, não deteriorou o material com o passar dos anos e também não possibilitou a presença de insetos como traças.

ii

Augusto Stresser, Annibal Requião e Frederico Lange talvez sejam os únicos integrantes do GMCG sobre os quais foram localizadas referências de pesquisa, em forma de artigos científicos e dissertações. Sobre todos os demais integrantes, inclusive, sobre o maestro Alberto Monteiro, não há informação, até o momento, de nenhum estudo realizado e publicado.

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Entre documentos e depoimentos: análise musical e o “falar de si” na investigação acadêmica da música popular MODALIDADE: Resumo expandido (apresentação oral) Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas

Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) – [email protected] Palavras-chave: Análise e crítica da música popular. História oral. Metodologia de pesquisa em música popular.

Com a crescente expansão dos estudos críticos e analíticos acerca da música popular em âmbito acadêmico em nosso país, algumas questões conhecidas no universo das humanidades (cf. ANGROSINO, 2009; BOURDIEU, 1996; BRANDÃO, 2004; FAULKNER e BECKER, 2011; PRINS, 1992) estão se tornando notórias também em nossas rotinas de investigação musicológica. Questões afins que, de modo genérico, podem ser resumidamente reapresentadas assim: Como lidar com depoimentos dos músicos a respeito de sua própria obra, de seus projetos, processos e intenções? Como e em que medida seria possível contrapor metodologias de história oral aos dados obtidos via rotinas de análise musical? As operações analíticas sancionadas pela musicologia estariam suficiente e legitimamente autorizadas a sustentar contra-argumentações ou mesmo objeções aos relatos pessoais destes músicos? O artista criador será sempre o mais confiável informante acerca de sua própria obra? Seria viável conciliar dados obtidos via declarações auto-referenciadas com dados observados via outros mecanismos de crítica visando a elaboração de uma interpretação densa e de ampla abrangência? Seria possível medir a isenção de um investigador frente ao depoimento de um informante de indiscutível autoridade musical, cultural e mercadológica? Seria factível consociar a validade e a confiabilidade da investigação científica com a pronta agregação de um admirável capital simbólico acumulado em outro campo e já plenamente assegurado? Delegar ao músico poeta, ao cancionista ou ao compositor a tarefa de analisar tecnicamente a sua própria produção seria, ou não, uma espécie de transferência de tarefas, de responsabilidades ou mesmo de competências que cabem ao crítico, ao professor e ao analista musical? Para estimular uma reflexão provisória, em parte ética e em parte metodológica, acerca de questões assim, o presente estudo propõe um exercício comparativo de dois casos que podem ser considerados ilustrativos. Em cada caso confronta-se o depoimento de um músico a um documento em partitura, todos já públicos. O primeiro caso retoma trechos da entrevista do violonista, arranjador, cantor e compositor Dori Caymmi (1943-) concedida à Smarçaro (2006, p. 181) em outubro de 2005. Nesses trechos, Dori Caymmi rememora a criação de um

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segmento musical que, por fim, se tornou o refrão da canção “Amazon River” que ganhou versos do poeta Paulo César Pinheiro (1949-) e foi lançada no álbum “Brasilian Serenata” de 1991. Recortando o relato de Dori Caymmi encontramos declarações como: “é inexplicável”, “sei lá. É um momento em que, de repente tem um click, bate, que de repente você tem uma música”, “eu pedi ao [contrabaixista estadunidense] Jimmy Johnson pra fazer um solo e ele não sabia, e eu dei uma cagada que eu fiz o... (canta melodia do refrão de “Amazon River”)... e descobri um triângulo que eu não sabia que existia em música, porque eu não tenho técnica nenhuma”. “E aí descobri essa triangulação da mesma melodia que sai de Láb menor, Dó menor, pra Mib menor e Láb menor outra vez... espontânea”. “E foi pura sorte, eu fiz na cagada... não foi nada pensado”. Contudo, estudando “Amazon River” a partir das gravações comerciais já lançadas pelo artista e do documento em partitura disponibilizado em seu sítio na internet (CAYMMI, 1991), é possível sustentar conclusões analíticas que oferecem um nítido contraste complementar aos informes e apreciações fornecidas pelo próprio compositor nesta entrevista. Assim, considerando referências do campo da teoria de escola – tais como Bribitzer-Stull (2006), Cinnamon (1986, p. 6-12), Gauldin (2009, p. 534-542 e 631-645), Kinderman e Krebs (1996, p. 17-33), Kopp (2002, p. 230-234), Lerdahl (2001, p. 89-104), Salzer e Shachter (1999, p. 182-188 e 190-191) e Taruskin (1996, p. 265-267 e 280-283) – bem como do campo da jazz theory – tais como Boling e Coker (1993, p. 16-17), Delamont (1965, p. 269-275), Herrera (1995, p. 117-121), Mangueira (2006, p. 72-73) e Nettles e Graf (1997, p. 162-165) –, a audição e leitura deste documento musical evidencia escolhas, razões e raciocínios harmônicos, melódicos e fraseológicos como: o emprego do ciclo de teças maiores coligando as áreas tonais de Si maior, Mib maior e Sol maior e o emprego de um nítido encadeamento melódico apoiado nas terças e sétimas de acordes que se sucedem por progressões de quintas diatônicas. Constatações desta ordem permitem então observar o refrão de “Amazon River” como uma espécie de paráfrase, ou recriação, que seleciona e combina soluções musicais salientes em dois Standards jazzísticos de grande prestígio – a saber: “All the things you are”, a exitosa canção de Jerome Kern (1885‐1945) e Oscar Hammerstein II (1895‐1960) já chamada de a “apoteose do ciclo de quintas” (FORTE, 1995, p. 75) e de “a canção perfeita” (SCHWARTZ apud FORTE, 1995, p. 73) e “Giant Steps”, a influente composição do saxofonista e compositor estadunidense John Coltrane (1926‐1967) gravada em 1959. O segundo caso faz uma espécie de caminho inverso. Partindo de uma análise da lead sheet publicada por Chediak (1992, p. 148-149), podemos destacar alguns traços da canção “Refazenda” lançada em 1975 pelo violonista, cantor e compositor Gilberto Gil (1942-). Digamos, esquematicamente: trata-se de uma

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canção dividida em dois segmentos de 8 compassos. O primeiro está na tonalidade de Ré maior e intercala duas harmonias que, a cada compasso, se repetem: o acorde de Ré maior e o acorde de Lá maior com sétima, nona e quarta suspensa harmonizam uma melodia apoiada quase que exclusivamente nas notas ré, lá e fá#. O segundo segmento está na área tonal de Ré menor, e também intercala duas harmonias a cada compasso: o acorde de Ré menor e o acorde de Lá menor com sétima harmonizam uma melodia apoiada quase que exclusivamente nas notas ré, lá e fá natural. Verificações assim, de ordem objetiva ou mensuráveis nesta versão em pauta, poderão afiançar algum argumento crítico valorativo. Contudo, estudando o depoimento técnico e instrumental gravado pelo próprio Gilberto Gil na seção de extras do “DVD Bandadois” lançado em 2009, constata-se que este documento em partitura, embora tenha sido publicado com a chancela do compositor, pode ou necessita ser reescrito. E que, com isso, as considerações e avaliações analíticas poderão se modificar substancialmente. Em conclusão, argumenta-se que casos deste tipo podem ilustrar particularidades para as quais também a investigação acadêmica da música popular deve estar atenta: nosso objeto de estudo requer “descrição densa” (GEERTZ, 1989), estimula consultas diversas e a confrontação criteriosa de dados obtidos em diferentes fontes, posto que, por vezes, pode existir uma grande discrepância entre aquilo que um músico diz acerca de sua obra e aquilo que a própria obra informa sobre si mesma. Referências: ANGROSINO, Michael. Etnografia e observação participante. Bookman, 2009. BOLING, Mark e COKER, Jerry. The jazz theory workbook. Rottenburg: Advance Music, 1993. BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta Moraes (Org.) Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio Vargas, 1996. p. 183-191. BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas: Ed. da Unicamp, 2004. BRIBITZER-STULL, Matthew. The Ab–C–E complex: the origin and function of chromatic major third collections in nineteenth-century music. Music Theory Spectrum, v. 28, p. 167–190, 2006. CAYMMI, Dori. Rio Amazonas [Amazon River], partitura manuscrita, 1991. Disponível em . Acesso em: 03 abr. 2012.

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Apresentações Musicais nas Escolas: Interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical MODALIDADE: Cognição musical Katarina Grubisic

Universidade Federal de Santa Catarina – [email protected]

Cristiana Tramonte Universidade Federal de Santa Catarina – [email protected] Resumo: Este artigo analisa as interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical ocorridas em apresentações musicais em escolas municipais de Florianópolis, Santa Catarina, promovidas pelo projeto social “Orquestra Escola”. Verificou-se, entre outros resultados, que a interação entre Orquestra Escola e alunos das escolas públicas pode incentivar e promover a aprendizagem musical. Palavras-chave: Educação musical. Projetos sociais. Apresentações musicais.

Musical performances at schools: social interactions on learning in music appreciation Abstract: This paper seeks to analyze the social interactions on learning in music appreciation that occurred in musical performances at public schools in Florianópolis, Santa Catarina, that was promoted by the social project “School Orchestra." It was found, among other results, that the interaction between School Orchestra and students of public schools can encourage and promote musical learning. Keywords: Musical education. Social project. Musical performances.

1. Introdução Este artigo analisa as interações sociais na aprendizagem pela apreciação musical ocorridas em apresentações musicais em escolas municipais de Florianópolis, Santa Catarina, promovidas pelo projeto social “Orquestra Escola”. Este projeto consiste em oferecer gratuitamente aulas e promover ensaios para crianças e jovens de comunidades periféricas a fim de que constituam uma orquestra e realizem apresentações públicas. A Orquestra Escola foi objeto de pesquisa de mestrado de Grubisic (2010) na qual verificou-se, entre outros resultados, que a interação entre Orquestra Escola e alunos das escolas públicas pode incentivar e promover a aprendizagem musical. A pesquisa objetivou analisar aspectos cognitivos da aprendizagem musical realizada a partir das apresentações e da interação entre os estudantes das escolas públicas e o grupo musical da Orquestra Escola. Essas apresentações musicais aconteceram no espaço escolar da rede municipal de Florianópolis no segundo semestre do ano de 2011 em cinco escolas. O grupo musical possuía de dez a vinte integrantes e se apresentava para três turmas de alunos acompanhadas do professor de música das escolas. Essas turmas

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das escolas já possuíam aulas de música como parte do currículo e objetivou-se relacionar as apresentações didáticas da Orquestra Escola com os conteúdos que os professores estavam trabalhando com as classes. Com a sanção da Lei nº. 11.769, em agosto de 2008, que promove a obrigatoriedade do ensino de música na educação básica “os educadores musicais vêm discutindo sobre a presença da música na escola para que o Estado garanta a todos o acesso a um ensino sistemático de qualidade” (PENNA, 2008, p. 10). A apreciação e contato com grupos musicais formais tais como a Orquestra Escola dentro do espaço escolar pode ser uma atividade que contribui para a educação musical. O objetivo dessa pesquisa foi analisar aspectos da aprendizagem musical ocorrida nas apresentações musicais da Orquestra Escola nas escolas públicas e a produção de novos conhecimentos provindos dessa articulação entre escolas públicas e a Orquestra, de forma a verificar como as apresentações da Orquestra influíram na aprendizagem dos conteúdos ensinados nas escolas e, especificamente, nos sujeitos envolvidos na experiência - membros da Orquestra e alunos das escolas. A este processo transformador dos sujeitos envolvidos poderíamos chamar, como define PORCHER (1982) de um processo de reeducação, que se materializa por meio da atividade musical, e não simplesmente pela audição. Diz PORCHER (p.71): "mais do que formar o ouvido trata-se de permitir à criança a integração de seu esquema corporal, domínio do gesto, noção de movimento, intercomunicação... apropriação de si mesma " (grifo nosso). A metodologia da pesquisa foi uma abordagem qualitativa exploratória através de observações participativas, entrevistas e reuniões com alunos e professores. 2. Os projetos sociais e a inserção social através da música Os projetos sociais musicais fazem parte de um movimento de educação musical no Brasil e no mundo, que vê na música uma ferramenta de inserção social e ao mesmo tempo um meio de desenvolvimento pessoal. Segundo Cruvinel (2005), o ensino coletivo e gratuito de música em projetos sociais promove a transformação na vida dos indivíduos do ponto de vista singular e também social. O fazer musical em grupo promove a atuação dos integrantes como sujeitos em um processo educacional e artístico. Bastide (1974) vai ainda mais longe: segundo ele, a arte não se caracteriza como um jogo sem consequência mas age sobre a vida coletiva e pode transformar o destino das sociedades, ao mesmo tempo em que é, também um produto da vida coletiva.

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De acordo com Vigotski (2010), o desenvolvimento cultural se constitui pelas interações dos sujeitos com o seu contexto histórico e cultural. O intercâmbio social entre o educando e o que o meio lhe oferece, pode criar situações de aprendizagem gerando mais conhecimento. Nesse sentido o meio social atua na formação musical e educacional do estudante. 3. O Projeto Orquestra Escola O Projeto Orquestra Escola constituiu-se em um projeto social que ensinava crianças e jovens a tocar em uma orquestra de cordas e sopros cujo objetivo principal era o desenvolvimento musical e integral destes. O Projeto oferecia gratuitamente aulas, ensaios semanais e apresentações para cerca de cem crianças e jovens da grande Florianópolis. A concepção de ensino/aprendizagem musical desse projeto não contemplava a idéia de “talento inato”, mas de educação para o exercício do fazer artístico a partir do interesse do educando. Nos ensaios o repertório era diverso, apresentando músicas eruditas, populares, folclóricas e da mídia. Havia uma constante interação entre estudantes mais experientes e iniciantes em um processo de estreita colaboração em torno do objetivo comum. A Orquestra Escola realizou apresentações públicas em teatros, praças e escolas. Porcher (1982) afirma o caráter de socialização e ao mesmo tempo de individualização da pessoa por intermédio da música: "utilizar a comunicação musical para expressar-se, para dar a auto-expressão um valor de comunicação, quer dizer, uma espécie de universalidade sensível através do diálogo musical, da improvisação feita por várias crianças - a criação coletiva - que implica o surgimento de um código mais explícito e estruturante" (1982: p.76). Ao lado dos valores de auto-expressão e de criação de uma "universalidade sensível" como aponta PORCHER, a música possibilita ainda uma ação de resistência não-violenta nos processos de exclusão e marginalização de grande parcela da população. Pode-se afirmar que a atividade musical soma-se a outras nem uma estratégia de "educação para a paz" como descrevem Bayada e Boubalt ( 2004). Os autores examinam uma experiência de educação para a paz em uma escola de um subúrbio de Paris, Belleville, cujo contexto de violência era alarmante. Eles analisam a transformação dos alunos, de origem árabe, no processo e após a constituição de um grupo de "comédia musical". Alguns jovens manifestamse a respeito de sua transformação através do teatro e da música e as consequências positivas sobre a escola, as famílias e o bairro como um todo. Segundo Fleuri e Souza (2003), "à medida em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma

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multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente". (p.56). Daí a importância da existência de “alguns locus congregadores e articuladores das diversas identidades, principalmente quanto se trata de jovens” (TRAMONTE, GRUBISIC, 2012, p. 293). Estes locus podem representar espaços de congregação identitária e, portanto, contribuírem para uma educação para a paz e para a nãoviolência. 4. As apresentações musicais nas escolas As apresentações musicais nas escolas foram precedidas por um contato com as escolas selecionadas. Entre os critérios adotados para a seleção estava a localização mais distante do centro da cidade e, portanto o acesso escasso dos estudantes a concertos públicos e gratuitos. Segundo Benedetti e Kerr (2009) a prática musical coletiva proporciona situações de aprendizagem ao “oferecer práticas musicais dos diferentes grupos instrumentais, das orquestras infanto-juvenis (...) podem ser oportunidades efetivas para o desenvolvimento de novas escutas, de novas vivências musicais” (p.92). Após as apresentações havia tempo para os alunos das escolas interagirem e fazerem perguntas. A Orquestra tocava uma música e o maestro fazia algum comentário sobre a peça tocada ou sobre os instrumentos e seu papel no grupo. Em algumas apresentações, as crianças e adolescentes que assistiam puderam ter um contato maior com os instrumentos tocando neles. Observou-se que a tendência dos estudantes que assistiam foi de observar e tentar imitar os músicos. Esse processo de ver e ouvir o outro para tentar fazer da mesma maneira estimula o que os neurocientistas chamam de “neurônios-espelho que são ativados quando alguém observa uma ação de outra pessoa.” (LAMEIRA; GAWRYSZEWSKI; PEREIRA JUNIOR, 2006, p.129). 5. A apreciação e o fazer musical Em uma das escolas a professora de ensino regular propôs um trabalho aos estudantes durante a aula de música curricular após a apresentação musical da Orquestra. A professora pediu que os alunos manifestassem suas impressões sobre o concerto em 3 níveis de expressão: comentário, texto e após, desenho. Uma aluna destacou os instrumentos que mais lhe interessaram como a “viola de arco”, a flauta doce e o violoncelo enfatizando a diversidade física dos participantes e a unidade do grupo na questão rítmica: “vi muitas pessoas num ritmo só”. O resultado sonoro

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da atividade em grupo foi descrito por "um som muito bom” Sobre o trabalho em grupo declara: “aprendi que em um grupo nós conseguimos fazer muita coisa”. Este caso confirma que conforme (KLEBER, 2005) as práticas musicais são resultantes de experiências socioculturais de “caráter coletivo e interativo dos sujeitos, ou seja, cada um traz ao grupo suas próprias experiências e dentro das vivências musicais vão se formando novas noções de valores pessoais e sociais”.

Figura 1. Trabalho realizado numa escola após um concerto didático. (fonte: Arquivo Pessoal da Professora Bárbara Hass/ 2011).

Como encerramento da série de Apresentações nas Escolas foi programado um concerto num teatro no centro de Florianópolis com a participação dos alunos das escolas. Cada professor com os estudantes organizou em sua escola uma obra musical para ser apresentada. Nesse momento os estudantes que antes apenas assistiam agora também formariam um grupo musical. Algumas turmas tocaram instrumentos como flauta doce e violão e outras cantaram. O concerto foi encerrado com o grupo do Projeto Orquestra Escola. A apreciação e contato com grupos musicais dentro do espaço escolar foi uma significativa atividade com crianças e adolescentes do ensino fundamental para incentivar o ensino musical. Dessa forma, a música passa a ser uma atividade social “contribuindo para que a educação musical não seja privilégio de uns poucos, mas oportunidade para muitos, se não para todos” (FIGUEIREDO; SCHMIDT, 2008, p. 6). A aprendizagem faz o estudante buscar de seu cotidiano referências que através da ação pedagógica ele pode relacionar com os novos conhecimentos. A apreciação musical (ouvir) bem como a produção musical (tocar) são formas de promover o desenvolvimento dos estudantes. Para Souza (2008), a educação musical não deve ficar na “mera transmissão de conhecimentos, mas a produção de uma consciência verdadeira que exigiria a participação de pessoas emancipadas” (SOUZA, 2008, p. 179). O contato com o grupo musical de orquestra foi um meio

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que possibilitou essas interações e desenvolvimento na direção de uma consciência grupal e integradora.

6. Considerações finais A interação entre Orquestra e alunos das escolas públicas pôde criar situações que promoveram a aprendizagem musical e, para além desta, a consciência cidadã de construção de uma sociedade mais dialógica. Verificou-se que para os alunos das escolas públicas, a observação de uma orquestra em sua estrutura despertou interesses pelos instrumentos musicais, diferentes sonoridades em diferentes tipos de músicas e também a projeção para fora de sua individualidade para a possibilidade de construção de novas coletividades. A postura dos músicos da Orquestra e suas interações foram observadas pelos alunos das escolas públicas, possibilitando a vivência da atividade musical como uma ação não somente artística, mas também social. Quanto à constituição dos integrantes da Orquestra o contato com o público, alunos das escolas públicas, gerou um sentido maior de responsabilidade artística e social reforçando-lhe o sentido de cidadania através do fazer musical. No contraponto dos alunos das escolas publicas a vivencia pedagógica com o grupo da Orquestra despertou interesses diversos que puderam ser apropriados pelos professores da escola em suas aulas de música Portanto, os pares, - Orquestra e alunos e professores das escolas públicas - puderam, a partir do encontro, verem refletidos e promovidos seus interesses artísticos, sociais e de valores de cidadania, ultrapassando a arte como jogo individual, de que fala Batide (1974) e promovendo-a a promotora de vida coletiva passível de influir no destino das sociedades.

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Elaboração e validação de uma escala de autoeficácia para alunos de percepção musical MODALIDADE: Cognição Lílian Sobreira Gonçalves

UFPR – [email protected]

Rosane Cardoso de Araújo UFPR – [email protected] Resumo: O objetivo neste trabalho foi a criação de uma escala para avaliação das crenças de autoeficácia de alunos de percepção musical, matriculados em cursos de graduação em música de uma IES de Curitiba. Nesta pesquisa procurou-se seguir as orientações apontadas por Bandura (2006) para construção do instrumento de medida (escala de autoeficácia). Os resultados mais significativos desta pesquisa mostram uma relação direta entre o tempo de estudo de música e as crenças de autoeficácia em relação à disciplina de Percepção Musical. Palavras-chave: Motivação. Autoeficácia. Percepção Musical. Treinamento auditivo. Elaboration and appraisal of an auto-efficacy scale addressed to musical perception students Abstract: The present work aims at creating a scale to assess the auto-efficacy beliefs of the Curitiba IES musical perception students. Our research follows the Bandura (2006) guiding addressed to build a measurement tool (auto-efficacy scale). The research most significant results show a direct relation between the time periods students spent studying music and their auto-efficacy beliefs concerning Musical Perception. Keywords: Motivation. Self-efficacy. Musical Perception. Ear training.

1. Introdução O objetivo neste trabalho foi a criação de uma escala para avaliação das crenças de autoeficácia de alunos de percepção musical, matriculados em cursos de graduação em música de uma IES de Curitiba. Uma vez que a autoeficácia é um constructo que não pode ser observado de forma direta, só podendo ser revelada pelo próprio participante da pesquisa, faz-se necessária a aplicação de um instrumento particular de medida que possa revelar esta variável interna (MACEDO, 2009). As crenças de autoeficácia, segundo Azzi & Polidoro (2006, p. 16) são crenças referentes “às convicções do indivíduo sobre suas habilidades de mobilizar suas faculdades cognitivas, motivacionais e de comportamento necessárias para a execução de uma tarefa específica em determinado momento e dado contexto”. Bzuneck (2001), por sua vez, explica que a crença de autoeficácia é uma percepção pessoal (ou avaliação) que o indivíduo tem sobre suas habilidades, seus conhecimentos, enfim, suas capacidades. Cavalcanti (2009) explica que as crenças de autoeficácia devem ser medidas como capacidades de enfrentar tarefas que representem uma dificuldade, um desafio ou um obstáculo a ser transposto para que esta tarefa venha a ser realizada com êxito.

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Nesta pesquisa procurou-se seguir as orientações apontadas por Bandura (2006) para construção do instrumento de medida (escala de autoeficácia), a fim de que houvesse a maior aproximação possível dos conceitos desenvolvidos por ele. Algumas pesquisas em música e educação apresentam processos semelhantes para a elaboração desta escala, como a tese de doutorado de Cereser (2011), as dissertações de mestrado de Macedo (2009), Cavalcanti (2009) e Silva (2012). De acordo com as orientações de Bandura, a construção da escala seguiu três etapas distintas: (a) na primeira etapa foram levantadas as dificuldades e desafios de alunos de graduação quanto à disciplina de percepção musical; (b) na segunda etapa, foi construído um questionário piloto a partir dos dados obtidos na etapa anterior. Este questionário foi testado e validado pelo coeficiente Alfa de Cronbach; (c) finalmente na última etapa foi aplicado o questionário definitivo, composto por 22 itens em escala Likert. 2. Primeira etapa Segundo Bandura, o procedimento inicial da construção da escala trata de investigar os desafios/dificuldades (ou obstáculos) que os alunos enfrentam na execução da atividade em questão. Desta forma, na primeira fase foram coletados dados para a elaboração do questionário para a avaliação das crenças de autoeficácia dos alunos. Um grupo de 10 alunos (N=10) de diversos cursos de graduação em música, matriculados no 1º e 2º ano da graduação, responderam por escrito a questões que indagavam sobre os desafios e dificuldades que eles encontravam na disciplina de percepção musical. Todos estavam cursando regularmente a disciplina de percepção musical e eram provenientes dos seguintes cursos de graduação: 1) Licenciatura em Música, 2) Superior de Instrumento, 3) Superior de Canto e 4) Superior de Composição e Regência. 3. Segunda etapa Os dados obtidos nesta primeira etapa da investigação forneceram os elementos para a construção de uma escala, baseada no levantamento de desafios e dificuldades apontados nas respostas deste primeiro grupo de alunos. Para fins de análise, estes dados foram organizados em seis subescalas tratando de aspectos específicos dentro da disciplina. As subescalas geradas pela organização destes dados foram: a) Subescala 1 – Percepção melódica; b) Subescala 2 – Percepção harmônica;

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c) Subescala 3 – Percepção Rítmica; d) Subescala 4 – Organização do estudo; e) Subescala 5 – Outros conteúdos. Na segunda etapa do processo, o questionário resultante dos dados obtidos na fase anterior foi aplicado em um grupo de onze alunos (N=11), estudantes de graduação em música dos cursos Superior de Canto e Licenciatura em Música. Todos os participantes estavam regularmente matriculados na disciplina de Percepção Musical. O objetivo da aplicação do estudo piloto foi identificar e corrigir eventuais falhas na construção do inventário. Neste estudo piloto, a consistência interna dos itens da escala foi testada e avaliada estatisticamente. De acordo com as orientações de Bandura (2006) foi utilizado o “alpha de cronbach” para verificação da consistência interna dos itens. Segundo Cavalcanti (2009), o alfa de Cronbach (α) é um importante indicador estatístico e por vezes é denominado de coeficiente de fidedignidade de uma escala. Quanto maior a correlação entre os itens de um instrumento, maior será o valor do alfa. Pesquisadores em geral consideram satisfatório um questionário que obtenha um alfa > 0,70 (FREITAS & RODRIGUES, 2005; CAVALCANTI, 2009). Na presente pesquisa a média do coeficiente alfa de Cronbach para todo o questionário foi de α = 0,90. Este valor de alfa indica uma alta consistência interna entre os itens do questionário, ou seja, os itens do questionário guardam homogeneidade entre si e o mesmo apresenta-se como um instrumento de medida de alta confiabilidade.

Subescalas

Questões

Percepção melódica

A – Perceber intervalos melódicos C – Transcrever ditados melódicos D – Solfejar B – Perceber intervalos harmônicos H – Perceber e transcrever acordes ou cadências E – Ler ou transcrever ditados rítmicos (binários ou quaternários) F – Ler ou transcrever ditados rítmicos (ternários) G – Ler ou escrever ditados compostos K – Manter uma prática constante de exercícios L – Desenvolver a percepção auditiva

Percepção harmônica Percepção rítmica

Organização de estudo

Alfa de Média por Cronbach subescalas 0,89 0,90 0,90 0,90 0,89 0,90

0,90

0,91 0,91 0,91 0,88 0,89

0,91

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Outros Conteúdos

N – Elaborar um método de estudo I – Perceber intervalos, acordes ou melodias em instrumentos diferentes do piano J – Escrever partituras M – Compreender melhor a música como um todo e não apenas em partes O – Utilizar conhecimentos prévios de teoria musical

0,89

0,89

0,89 0,89 0,89 0,89

Média do coeficiente alfa de Cronbach em todo o questionário

0,89 0,90

TABELA 1 – VALORES DO ALFA DE CRONBACH PARA TODAS AS QUESTÕES E SUBESCALAS

Fonte: Dados da pesquisa

4. Terceira etapa Na terceira e última fase desta pesquisa, o questionário (revisado e validado após o estudo piloto) foi aplicado para uma população de trinta e oito estudantes do 2º ano de diferentes cursos de graduação em música de uma IES de Curitiba – Superior de Canto, Superior de Instrumento, Composição e Regência e Licenciatura em Música - regularmente matriculados na disciplina de Percepção Musical. O instrumento de coleta de dados possibilitou a verificação de que as crenças de autoeficácia dos alunos estão vinculadas a conteúdos específicos da disciplina de Percepção Musical e não a disciplina de modo geral. Os resultados mais significativos desta pesquisa são os que relacionam as crenças de autoeficácia com o tempo de estudo de música: em 89% da amostra total há uma relação direta entre o tempo de estudo e as crenças de autoeficácia em relação à disciplina de Percepção Musical. Também foi verificado que os alunos dos Cursos Superiores de Canto e Licenciatura em Música possuem significativamente menores crenças de autoeficácia do que alunos dos cursos Superiores de Instrumento e Composição e Regência. Algumas pesquisas em música e educação apresentam processos semelhantes para a elaboração de escala de autoeficácia, como a tese de doutorado de Cereser (2011), as dissertações de mestrado de Macedo (2009), Cavalcanti (2009) e Silva (2012). Considerando que a pesquisa foi realizada em uma única IES de Curitiba, sugere-se a aplicação desta pesquisa futuramente em outros contextos para que sejam ampliados os estudos relacionando crenças de autoeficácia e Percepção Musical.

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Uma história da Bossa Nova na capital pernambucana ETNOMUSICOLOGIA/MUSICOLOGIA Fernando Torres

UDESC – [email protected]

Resumo: Este trabalho é consequência de projeto de pesquisa que se transformará em dissertação de mestrado apresentada ao programa de pós-graduação em música da UDESC (Universidade do Estado de Santa Catarina). O objetivo da pesquisa é reunir e analisar documentação que permita compreender o lugar do gênero Bossa Nova no contexto musical do Recife (1950/1960) e a ação dos envolvidos neste contexto. Busca compreender os nexos locais do horizonte simbólico relacionado à Bossa Nova, e como este horizonte incidiu sobre o Recife, quem foram os personagens, autores e atores, os lugares e sua forma de ação nos anos 1950 e 1960. Existem evidências de uma documentação não consolidada e tampouco analisada sobre a história da Bossa Nova fora do eixo Rio/São Paulo. Nossa intenção é enquadrar nossa linha de pesquisa através de perspectivas mais descentralizadas e relacionais da conformação dos gêneros musicais. Palavras-chave: Bossa Nova. Recife. Anos 1950 - 1960. A history of Bossa Nova in Recife Abstract: This work is the result of a research project that turns into dissertation presented to the graduate in music UDESC (State University of Santa Catarina) program. The purpose of the survey is to gather and analyze documentation allowing an understanding of the place of gender in the Bossa Nova musical context of Recife (1950/1960) and the action of those involved in this context. Seeks to understand the local nexus of symbolic horizon related to Bossa Nova, and how it focused on the horizon Recife, who were the characters, authors and actors, places, and its mode of action in the 1950s and 1960s. There is evidence of an unconsolidated nor analyzed on the history of Bossa Nova axis outside Rio / Sao Paulo documentation. Our intention is to frame our research line through more decentralized and relational perspectives conformation of musical genres. Keywords: Bossa Nova. Recife. Years 1950 - 1960.

1. A Bossa Nova Dentre os vários movimentos da música popular brasileira, a Bossa Nova se destacou, e se destaca, por sua abrangência internacional. Embora outros gêneros como a Modinha e o Lundu também tenham ido além de nossas fronteiras (MENEZES BASTOS, 1997), a Bossa Nova abriu veios para uma nova estética e inicia uma linha evolutiva no discurso literomusical brasileiro (COSTA; MENDES, 2014). Há apenas pouquíssimos anos comemoramos o cinquentenário do movimento e algumas de suas músicas estão ainda entre as mais executadas ao redor do mundo (O GLOBO, 2012). Existe um consenso entre vários autores, tais como José Ramos Tinhorão, Joaquim Aguiar e Ruy Castro, de que o movimento surgiu no Rio de Janeiro. Existe apenas uma discrepância de onde exatamente naquela cidade e que personagens foram os pioneiros. Alguns sugerem que o instrumentista Johnny Alf já trazia a levada e as harmonias da Bossa Nova em suas composições e

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instrumentações (CASTRO, 1990). Já outros defendem o pioneirismo de João Gilberto em conseguir sintetizar samba, jazz, valsa e outros estilos, de uma forma peculiar e genial (GARCIA, 1999). Mesmo sabendo que o movimento se solidificou enquanto gênero musical carioca é fato que o movimento se propagou pelo Brasil e pelo mundo, e que Recife, a capital pernambucana, sendo um centro de cultura bastante ativo no país, foi atingido pelo impacto “Bossa Nova”. Existe uma documentação, ainda não analisada, que apresenta evidências de que o movimento “bossanovista” também tenha feito parte da vida dos artistas atuantes nas décadas de 1950 e 1960 naquela cidade. Estas evidências existem, mesmo que quase toda a literatura se atenha a falar dos acontecimentos na capital carioca e em São Paulo. Como assinala o documento da secretaria de cultura do Recife sobre a história da cidade entre 1945-1964, citando o livro “O Recife, histórias de uma cidade”, de Antonio Paulo Resende: A criação da SUDENE contribuiu para aprofundar os debates, depois do relatório do Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) sugerir saídas para resolver questões econômicas, antes vistas só na perspectiva climática, que condenava a região ao subdesenvolvimento. Havia esperança no ar, muita movimentação cultural, projetos, cinema novo, bossa nova (grifos nossos) delírios nacionalistas, a televisão anunciando novos tempos, futebol campeão do mundo em 1958 (REZENDE, 2002: p. 126).

Em 1960 foram inauguradas duas emissoras de TV em Pernambuco (A TV Rádio Clube e a TV Jornal do Commercio). Esta foi uma ação pioneira em todo norte-nordeste. A TV Jornal possuía equipamentos importados da Inglaterra e superava em estrutura os canais de televisão em funcionamento no resto do país. Com uma programação repleta de atrações de auditório, possuía programas veiculados em todo o estado de Pernambuco, além dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas e parte do Estado de Sergipe (CASTELÃO: p: 119-126). Sobre esse ponto Othon Jambeiro destaca: Mas o carro chefe das produções da TV Jornal do Commercio na década de 60, sem dúvida, eram os programas de auditório. Dentre eles, destacamos os programas Você faz o show, Bossa 2 (grifos nossos), e Noite de Black Tie. Esses programas eram transmitidos ao vivo, direto dos estúdios da televisão e eram líderes de audiência em seus horários de exibição (JAMBEIRO, 2001: p. 206).

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A Bossa Nova, do ponto de vista histórico, durou bem pouco. Com apenas quatro anos de atuação decisiva, os seus expoentes, Tom Jobim e João Gilberto, logo foram procurar em outras terras novos mercados para suas canções (CASTRO, 1990). Porém as músicas do movimento continuam sendo executadas, por músicos profissionais e estudantes da música, em várias formações instrumentais ou vocais, até os dias de hoje. Segundo Almir Chediak, devido a uma aceleração no processo de conscientização das harmonias. Já não era mais possível anotar os acordes das músicas da Bossa com as posições tradicionais, tanto músicos quanto professores tiveram que estudar mais. A única maneira era através das cifras, hoje um sistema predominante na música popular (CHEDIAK, 1986). A Bossa Nova acontece como um clímax de um movimento que para alguns começa desde os anos 30, com uma busca pela modernização. Ary Barroso, Custódio Mesquita e Noel Rosa, já semeavam harmonizações e letras inusitadas para sua época. E é no sentido da harmonia que a Bossa Nova irá se destacar (AGUIAR, 1993). A complexidade das harmonias nas composições da Bossa Nova é sua grande identidade, acompanhada da sua batida de violão característica. Tanto que muitas vezes a letra é preterida. Sobre a importância da harmonia na Bossa Nova, Chediak cita: A Bossa Nova foi o mais importante movimento da nossa música e teve fundamental função: acelerar o processo de conscientização, principalmente na harmonia. Tanto músicos como professores tiveram que estudar mais, descobrir novos acordes e novos caminhos harmônicos. Já não era mais possível anotar os acordes, por exemplo, de Samba de uma nota só e Desafinado apenas com as tradicionais posições... A partir daí, a única maneira de notação seria através da cifra, hoje sistema predominante na música popular para qualquer instrumento (CHEDIAK, 1986, p. 03).

Segundo Menescal (2005), é por causa disso que surge no Rio de Janeiro um número considerável de academias de violão, que é o principal instrumento da Bossa Nova. Carlos Lyra e Roberto Menescal (que estão entre os músicoscompositores principais e fundadores da Bossa Nova) figuram entre os professores de violão dessas academias, e passam a transmitir seus conhecimentos para aqueles que desejam aprender as harmonias inusitadas daquele movimento. Ainda segundo Menescal, dentre seus alunos estão músicos que iriam influenciar não só a Bossa Nova como toda a música brasileira. São alguns exemplos: Edu Lobo, Nara Leão e Marcos Valle. Em contrapartida, Távola (1999) e Tinhorão (1974), entendem que a Bossa Nova não revolucionou em nada, apenas modernizou aspectos do jazz e do movimento impressionista, juntando um ritmo que fica entre o samba e o próprio jazz. Além de Tom Jobim, que é talvez o compositor mais importante do movimento, com sua formação acadêmica em piano, que trouxe consigo as harmonias

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assimiladas nas composições eruditas. “Na verdade, os fundadores do movimento denominado Bossa Nova haviam chegado à música popular através do jazz, ou, como foi o caso de Antônio Carlos Jobim, pela frustração das ambições no campo da música erudita.” (TINHORÃO, 1978, p.223). Já Artur da Távola, comenta: A bossa nova possui influências do jazz branco na harmonia impressionista, contudo, a concepção rítmica é peculiar ao Brasil, baseia-se no sambacanção com a síncope alterada. Tal tensão interna transforma-se em objeto de eterna polêmica e discussão. Conforme a ótica de quem analisa. Quarenta anos após sua eclosão, a polêmica lhe não retira qualidade, legitimidade e aceitação universal como produto brasileiro, talvez até mais de exportação que de consumo interno (TÁVOLA, 1999, p.07 - 08).

Como objeto de pesquisa, a Música Popular Urbana é neófita nos meios acadêmicos. Resultado de um academicismo voltado quase que exclusivamente à música ocidental considerada “erudita”. Com o surgimento da Etnomusicologia aos poucos ela se torna tema de abordagem científica, mas ainda de forma tímida e incipiente. A Bossa Nova deixou, além de muitos legados, uma espécie de efeito colateral, abrindo veios que deram um ponto de partida para uma nova música popular brasileira (COSTA; MENDES, 2014). Nos últimos tempos temos visto o desenvolvimento de uma Musicologia muito menos separada (e por que não dizer e mais próxima) da Etnomusicologia. Mesmo que ainda existam (no meio acadêmico) defensores dessa separação, existe uma tendência nas novas pesquisas de se utilizar as ferramentas de conhecimento de todas as áreas da ciência que possam auxiliar no esclarecimento das questões. Essa aproximação, fruto da interdisciplinaridade, utiliza métodos empregados em outras ciências (principalmente as humanas) que tem se mostrado eficientes na construção de um saber científico. No fim do século XX a música popular urbana receberá atenção de pesquisadores tais como Middleton (1990), Sheperd (1991) e Monson (2007). Uma discussão crescente surge então sobre a necessidade ou não dessa separação e sobre a qual Piedade destaca: “Após as revoluções epistemológicas do chamado pós-modernismo, no final do século XX, temos que admitir que atualmente não há consenso sobre se há ou não profundas diferenças entre etnomusicologia e musicologia” (PIEDADE,2010: p. 63). O crescimento das pesquisas relacionadas ao campo da música popular urbana é proporcional à diminuição do preconceito em relação à mesma. Como afirma José Jorge de Carvalho:

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Neste sentido, não só as classes suburbanas que consomem diariamente os produtos inferiores das rádios e das TVs do país poderiam estar alienadas do todo em que vivem; também aquela parte (considerável, atualmente) da classe média e da intelectualidade, que vive presa quase exclusivamente de um tipo único de padrão cultural e que se vê cada dia menos disposta a abrir-se para a cultura tradicional brasileira, se encontra pobre de referências coletivas, ou alienada da complexidade simbólica da nação em que vive (CARVALHO,1991).

2. A Bossa Nova em Pernambuco A literatura sobre a Bossa Nova em Pernambuco não é extensa. Como o movimento surgiu no Rio de Janeiro quase todas as pesquisas e livros se focam naquela região. Mas isso não quer dizer que ela foi inexistente ou que não houve pernambucanos no processo de criação e divulgação do movimento. Em seu livro Chega de Saudade, (1990) Ruy Castro cita o recifense Normando Santos várias vezes sem, no entanto, esclarecer de quem se trata. O escritor e jornalista Nelson Motta, em seu livro Noites Tropicais, referindo-se à famosa noite do show na Faculdade de Arquitetura do Rio de Janeiro diz: Cantou até Normando Santos, um pernambucano muito alto e muito magro, com uma voz grave e sotaque carregado e um estilo meio antigo de cantar. Cheio de sorrisos e simpatia, ele abriu o vozeirão em ‘Jura de Pombo’, primeira parceria de Roberto Menescal com Ronaldo Bôscoli (MOTTA, 2000: p.15).

Normando foi colega de classe de Roberto Menescal no colégio, no Rio. Mais tarde, estaria nas lendárias reuniões no apartamento dos pais de Nara Leão, na Avenida Atlântica em Copacabana, ou na Boate Plaza onde tocava com Johnny Alf. João Gilberto frequentava seu apartamento. Foi parceiro de Vinícius de Moraes e Ronaldo Bôscoli. Por fim, mas não menos importante, participou da célebre noite da bossa nova no Carnegie Hall em 1962 (CASTRO, 1990) (MOTTA, 2000), (MELO, 2008). Outro pernambucano que se destacou na Bossa Nova foi Walter Wanderley. Walter é praticamente um desconhecido no Brasil, mas gravou mais de 25 LPs nos Estados Unidos, além de ter participado ativamente do início do movimento gravando discos com as estrelas da Bossa Nova como Menescal, Tom

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Jobim e até Elis Regina. Em seu livro, Eis aqui os Bossa – Nova, Zuza Homem de Mello reproduz o depoimento de Marcos Valle: “Em agosto de 1966, ‘Samba de Verão’ foi gravado pelo Walter Wanderley nos Estados Unidos, chegando a segundo lugar nas paradas de sucesso (MELLO,2008: p.213). Já Ruy Castro assinala: ““(...) desde a explosão de ‘Summer Samba’ que vendera um milhão de cópias na gravação de Walter Wanderley e já fora editada pela Duchess Music” (CASTRO, 1990: p.390). Na capital pernambucana existia uma gravadora, a ROZENBLIT, que possuía alguns selos, dentre eles o Mocambo (mais direcionado à música local) e o AU (artistas unidos), esse considerado por alguns como um dos esteios da Bossa Nova. Em sua dissertação de mestrado Leonardo Saldanha entrevista o maestro DUDA, que faz o seguinte relato sobre o disco: VELHOS SUCESSOS EM BOSSA NOVA, gravado no Recife pela Rozenblit: Quando começou aquele 'zunzunzum' de João Gilberto no sul do país, aqui a Rozenblit representava diversas fábricas e gravadoras norte americanas. E os americanos quando souberam da história pediram ao Sr. José [José Rozenblit o dono da gravadora] para mandar alguma coisa de bossa nova para lá. Foi quando então nos chamou e disse: “Duda, Clóvis, inventem aí um negócio aí, grava esse negócio de bossa nova”, então gravamos músicas neste LP, que foi lançado nos EUA e que aqui, ninguém nem tomou conhecimento. Gravamos (canta: “aos pés da Santa Cruz”.. .) tanta música antiga, porque o repertório da bossa nova ainda estava muito curto. “Garota de Ipanema” ainda não existia, gravamos músicas que não eram bossa nova, sambas velhos para completar o disco". SALDANHA (2001).

3. Considerações Estas e outras evidências denotam a necessidade de uma pesquisa mais apurada e criteriosa da relação do movimento da Bossa Nova com a capital pernambucana (nos anos 1950 – 1960, momento em que a Bossa Nova surgiu e se disseminou pelo Brasil e pelo mundo). Contudo é preciso levar em consideração o processo de recepção do público pernambucano, possuidor de uma rica cultura, muitas vezes exportando suas manifestações tradicionais (como o Frevo) ou de movimentos recentes (como o Manguebeat). A pesquisa ajudará a esclarecer como essas relações se deram e de que forma a Bossa Nova e os pernambucanos, mais especificamente os recifenses, interagiram.

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Referências: AGUIAR, Joaquim. A poesia da canção. São Paulo: Scipione, 1993. BASTOS, Rafael José de Menezes. Músicas latino - americanas, hoje: Musicalidade e Novas fronteiras. Trabalho apresentado no II Congresso Latino-americano da Associação internacional para o estudo da Música Popular (IASPM). Santiago-Chile, 1997. CARVALHO, José Jorge de. As duas faces da tradição. O clássico e o popular na modernidade latino americana. 1987. Notas Para uma Revisión Conceptual de los Estudios de la Cultura Popular Tradicional. Trabalho apresentado na II Reunión Interamericana sobre Cultura Popular y Tradicional. Caracas. CASTRO, Ruy. Chega de Saudade. São Paulo: Companhia das Letras. 1990. CASTELÃO, Fernando. Todos contam a sua história. Recife: Bagaço, 1999. CHEDIAK, Almir. Harmonia e Improvisação. Rio de Janeiro: Lumiar. 1986. COSTA, Nelson Barros da. MENDES, Maria das Dores Nogueira. A Bossa Nova e a música cearense dos anos 70. Per Musi. Belo Horizonte, n.29, 2014, p. 176-184. GARCIA, Walter. Bim Bom. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. JAMBEIRO, Othon. A TV no Brasil do século XX. Salvador. Edufba, 2001. MIDDLETON, Richard. Studying Popular Music. Philadelphia: Open University Press, 1990. MOTTA, Nelson. Noites Tropicais: Solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva. 2000. MONSON, Ingrid. Freedom Sounds. New York: Oxford University Press, 2007. O GLOBO. Disponível em: acesso em 27 mai 2013. PIEDADE, Acácio Tadeu de Camargo. Algumas questões da pesquisa em etnomusicologia. FREIRE, Vanda Bellard (Org.). Horizontes da pesquisa em música. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010, p. 63. RESENDE, Antonio Paulo. O Recife Histórias de uma cidade. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2002. SALDANHA, Leonardo Vilaça. Elementos estilísticos tipicamente brasileiros na “suíte pernambucana de bolso” de José Ursicino da Silva (Maestro Duda). Dissertação de mestrado [s.n] Campinas, UNICAMP, 2001. SHEPHERD, John. Music as Social Text. Cambridge: Polity Press, 1991. TÁVOLA, Artur da. Nara Leão: O canto da resistência. Brasília: SENADO FEDERAL, 1999.27 p. Discurso. THIAGO, Paulo. Coisa mais linda. Direção: Paulo Thiago. Produção: Pedro Antônio Paes. Artistas: Oscar Castro Neves, Johnny Alf, Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal, João Donato, Wanda Sá, Joyce. Fotografia: Guy Gonçalves. Sony Pictures Entertainment. 2005. 1 DVD (128 min.), letterbox 4x3, 5.1 sound, color, legendas em português. TINHORÃO, José Ramos. Do gramofone ao rádio e TV. São Paulo: Ática. 1978. .

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“UM BRASILEIRO QUE FAZ MÚSICA”: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO MUSICAL DE HERMETO PASCOAL MODALIDADE: Comunicação Daniel Zanella dos Santos

Universidade do Estado de Santa Catarina – [email protected]

Resumo: Neste artigo é realizada uma revisão de literatura sobre o pensamento musical de Hermeto Pascoal, principalmente do conceito de música universal utilizado pelo compositor. São identificados e discutidos quatro temas principais recorrentes tanto em entrevistas de Hermeto quanto na literatura acadêmica sobre ele. Conclui-se que que a música universal e o pensamento que a rege estão subordinados à prática musical do compositor. Palavras-chave: Hermeto Pascoal. Música universal. Revisão de literatura. Música popular. “A BRAZILIAN THAT MAKES MUSIC”: CONSIDERATIONS ON THE MUSICAL THOUGHT OF HERMETO PASCOAL Abstract: This paper reviews a literature about the musical thought of Hermeto Pascoal, specially about the concept of universal music used by the composer. We identify and discuss four main recurring themes both in Hermeto’s interviews and in the scholar literature about him. We conclude that the universal music and the thought that governs it are subordinate to the composer’s musical practice. Keywords: Hermeto Pascoal. Universal music. Review of literature. Popular music.

Hermeto é reconhecido com frequência, principalmente no exterior, como um músico jazzista. Certamente isto se deve às afinidades de sua música com o estilo estadunidense que se espalhou pelo globo, como por exemplo, o espaço dedicado à improvisação e o experimentalismo. Este último na música popular é geralmente associado ao free-jazz. No Brasil, sua obra é identificada mais comumente como música instrumental brasileira, mas ainda pode aparecer descrita como música popular brasileira ou jazz brasileiro. No entanto, o compositor sempre foi avesso a estes rótulos e a qualquer outra tentativa de encaixar sua obra em algum estilo musical. Como tentativa de fugir destas classificações ele criou o termo “música universal”, o único que ele aceita para definir a sua música (COSTA-LIMA NETO, 2009: 181). Mais do que isso, pode ser percebido em suas declarações que a música universal abarca toda uma visão de mundo, e hoje é encarada por Hermeto, e também por músicos influenciados por ele, até mesmo como uma espécie de filosofia musical. As ideias que formam a música universal acompanham Hermeto há um longo tempo; o compositor considera inclusive que seu trabalho é realizado desde a infância (PASCOAL, 1973). O período de desenvolvimento destes ideais não é um assunto recorrente na bibliografia sobre o compositor, o que torna as declarações de Hermeto especialmente importantes para sua compreensão. Contudo, ao se deparar com a fala de Hermeto, o pesquisador encontra uma elaboração de pensamento à primeira vista confusa, descontínua e com inúmeros paradoxos, coerente inclusive

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com o resultado sonoro de suas músicas. Isto se deve em parte pela maneira intuitiva e improvisada em que ocorre o desenvolvimento e a exposição de seu pensamento, a exemplo de como acontece o processo de criação em sua música (COSTA-LIMA NETO, 2009: 173). É possível perceber em suas declarações que a década de 70 foi o período em que Hermeto amadureceu as ideias que ele afirma carregar desde criança. Em uma entrevista de 1973, Hermeto demonstra a preocupação em não vincular sua música a nenhum local específico: [...] Eu acho que um músico nem deve se preocupar em fazer música brasileira, ou americana, ou isto, ou aquilo. Deve é se preocupar em fazer a sua própria música. [...] Agora, eu não me preocupo se a música é brasileira, ou argentina, ou alemã, ou o que é, porque eu acho que a música supera qualquer fronteira, a música não vive arraigada num chão. Ela vem por cima, ultrapassa tudo o que tem por baixo. Cai na cabeça de cada um, de quem captar (PASCOAL, 1973).

No mesmo ano desta citação pode ser encontrada a primeira referência a uma ideia de universalidade em títulos na sua obra: o nome do seu primeiro disco autoral gravado no Brasil, A música livre de Hermeto Pascoal (1973). O termo “música livre” provavelmente é um dos primeiros que o compositor elaborou para tentar definir sua música. Ele reflete a tentativa de se desvincular de qualquer rótulo comercial e também de qualquer ligação regional, e demonstra que Hermeto ainda não chamava sua música de música universal. A tentativa de desterritorializar sua música está ligada ao fato de ele acreditar na tendência de as músicas dos mais distintos lugares se juntarem para criar algo novo. Neste ponto, suas idas e vindas aos Estados Unidos parecem ter contribuído para o desenvolvimento deste pensamento. Parece ter sido naquele país que o compositor confirmou seus ideais de que a música não tem fronteiras. Nesta declaração de 1975 ele já fala da universalidade da música: [...] Lá [nos Estados Unidos] eu acho que a música está cada vez se unindo mais. Não só a brasileira, mas de outros países que também têm muitos ritmos. [...] E isto está caminhando para um negócio universal. A música está cada vez mais universal (PASCOAL, 1975, grifo meu).

Ao afirmar que a música está cada vez mais universal, Hermeto parece se referir à maneira como ele vê a tendência geral da música na época, e não somente de sua obra. Em outro trecho da mesma entrevista ele se inclui neste zeitgeist: A música é uma só, e não quero nunca que digam que sou um músico de jazz, que eu sou um músico de não sei o que, disso ou daquilo. Quero apenas continuar, quero ser um músico, um cara universal (PASCOAL, 1975).

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que nos Estados Unidos ele confirma sua visão de que as músicas estão se juntando, ele acredita que é no Brasil que o campo estaria mais fecundo para este tipo de pensamento: “Nos EUA eles estão apavorados. Estão procurando uma maneira diferente de fazer as coisas. Eles

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estão só no jazz e no rock. Não saem disso.” (PASCOAL, 1973). Em uma entrevista de 1975 ele complementa: Aqui [no Brasil] estão sendo feitas as coisas mais novas e mais importantes, enquanto lá fora todos estão esgotados. [...] Mas isso não quer dizer que eu vou sair brandindo as raízes ou fazendo afirmação de nacionalismo musical. Folclore? O que é isso? Pra mim só existe música. Ela é universal e está acima de rótulos ou marcas. Eu nunca digo que sou um “músico brasileiro”, mas um brasileiro que faz música. Porque, como músico, sou universal (Hermeto apud COSTA-LIMA NETO, 2010: 46).

A próxima referência encontrada em títulos de obras à sua ideia de universalidade da música aparece no nome disco Brasil Universo em 1986, com um lapso de treze anos entre este e o disco de 1973 citado anteriormente. O título reflete parte do pensamento de Hermeto com relação à diversidade cultural brasileira, uma das fontes para o surgimento do termo música universal em sua carreira. Para ele o Brasil é um universo, “o país mais colonizado do mundo”, onde “não poderia ter outra coisa que não música universal” (Hermeto apud ARRAIS, 2006: 7). A diversidade cultural aparece constantemente como um dos assuntos que fazem parte do pensamento musical de Hermeto. Suas declarações frequentemente trazem à tona itens que remetem a diversidade de estilos, de fontes, de materiais: “Compus esta música pensando nas bandinhas de música das cidades do interior de todas as partes do mundo. Porque elas são grandes fontes cristalinas de música.” (PASCOAL, 2004: 280, grifo meu). O compositor realiza este pensamento em forma de música misturando elementos de diversas influências, que para ele podem abarcar todas as músicas e sons do mundo. Hermeto considera que grande parte do saber fazer artístico consiste em saber misturar (ARRAIS, 2006: 7): As pessoas pensam que evoluir é fazer uma harmonia cada vez mais pesada. Para mim evolução é saber mexer com misturas. O mais difícil nessa música que eu chamo de universal é justamente saber misturar... Evolução é saber misturar (Hermeto apud ARRAIS, 2006: 7).

Nesta mistura da música universal de Hermeto estão inclusos tanto elementos de tradições musicais, principalmente populares, assim como sons que são considerados habitualmente como “não musicais”: sons de animais (como porcos, cigarra, papagaio, pássaro); vozes humanas faladas (que podem ser empregadas tanto em gravações que são manipuladas em estúdio, quanto tratadas como um tipo de melodia que é arranjada e trabalhada pelo compositor, no caso da “música da aura”); a utilização de variados objetos como recursos sonoros, dentre outros. Costa-Lima Neto (2008) atribui esta atitude de Hermeto a uma práxis que ele realiza desde sua infância. Os ruídos da natureza são parte fundamental do pensamento musical de Hermeto, aparecendo como um dos elementos que contribuem para que sua música receba o status de experimental. Dentre estes ruídos, é proeminente o uso de sons de animais como pássaros, cigarra, porcos, entre outros, que aparecem de variadas

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formas. Outro aspecto da música de Hermeto que contribui para o seu status experimental é o uso da voz falada, que tem papel importante na obra do compositor apesar de sua música ser considerada instrumental. A mais característica manifestação do uso da voz em sua música acontece no que ele denomina de “música da aura”, onde o compositor reproduz em algum instrumento musical o contorno melódico de uma fala pré-gravada, criando posteriormente uma harmonia e um arranjo. Além da música da aura, a voz é utilizada de diversas outras maneiras na música do compositor: em melodias sem letra dobrando temas e solos e ainda: [Hermeto] também canta (O Galho da roseira, Quebrando Tudo! Nem um talvez, Mestre Mará) e utiliza a sua voz e a de outros intérpretes de maneira não convencional (Velório, Missa dos Escravos, Cannon, Igrejinha). As palavras são muitas vezes desmembradas em sílabas e letras sem conteúdo semântico, com valor apenas sonoro (COSTA-LIMA NETO, 2010: 56).

Além dos sons (de animais e da voz falada) que não são tradicionalmente considerados musicais, Hermeto também inclui em sua música diversos objetos, que são tratados como instrumentos musicais. Somente no disco Mundo Verde Esperança (2002) a lista já é grande: panela com água (batendo no fundo), frigideira, tamancos, pilões, bonecos, serrote, bacia com mola, rói-rói, calota com água, pele solta, apito e balas mastigadas dentro do copo. Em geral estes objetos fazem parte da seção percussiva, enriquecendo a paleta de timbres sem altura definida disponíveis em seu grupo. Com menos frequência, alguns outros objetos são usados como instrumentos melódicos ajudando a ampliar a gama de timbres nas melodias, como a chaleira com bocal de trompete que ele usa repetidamente em suas apresentações. Partindo para os sons tradicionalmente musicais que Hermeto inclui na música universal, as principais fontes sonoras são os mais diversos gêneros1 de música popular. O esforço dele para não ter sua obra encaixada dentro de nenhum rótulo convencional, parece denotar não a negação dos gêneros musicais, mas justamente a inclusão deles como possibilidades dentro da sua música. Referências podem ser encontradas até mesmo nos títulos das músicas, como alguns ritmos nordestinos em Forró Brasil e Forró em Santo André, Arrastapé alagoano e Frevo em Maceió. Outras referências a gêneros podem ser encontradas nas músicas Chorinho Pra Ele e Aquela Valsa, Suíte Paulistana e Suíte Norte, Sul, Leste, Oeste, Suíte Mundo Grande e Chorinho MEC. No entanto, Hermeto não se considera um músico de um estilo musical específico, apesar de estar frequentemente no repertório de grupos tradicionais de choro ou de jazz, como por exemplo, a música Bebê, “que originalmente, é um baião, mas é tocada em rodas e por grupos de choro.” (CAMPOS, 2006: 54). Esta citação ilustra a maneira como Hermeto pensa a inclusão de ritmos tradicionais em sua obra:

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[...] A gente faz muita misturada; você não escuta um ritmo predominando o tempo todo. Sempre muda, muda, muda. Rápido. A harmonia nem se fala. Então isso é o que eu chamo de música universal (Hermeto apud ARRAIS, 2006: 7).

Esta mudança rápida de ritmos da qual Hermeto fala pode ocorrer dentro de uma mesma música – variando de um segmento para outro – assim como de uma música para outra. Com a numerosa produção do compositor, mesmo que em uma música um ritmo predomine, num curto espaço de tempo ele irá compor outra, provavelmente com inúmeros outros elementos. Desta maneira, para ele a mistura de estilos não está apenas dentro de cada composição, mas também na sua obra como um todo. Ao longo de sua carreira pode ser percebida uma predileção por gêneros musicais de tradições que estão fora do eixo do mass media. Os critérios de qualidade musical de Hermeto não parecem estar vinculados somente a aspectos estritamente formais, mas principalmente aos valores culturais que certas manifestações carregam. A música difundida nos grandes meios de comunicação, com todos os seus processos mercadológicos, está em profundo desacordo com os ideais de Hermeto, que sempre rejeitou qualquer possibilidade de intervenção da indústria cultural em sua obra. Sendo assim, a participação das músicas ditas “comerciais” parece estar restringida dentro da música universal. Na música de Hermeto a mistura tem como um de seus objetivos proporcionar novidade. Hermeto sobrepõe e justapõe elementos muitas vezes contrastantes, que resultam geralmente em uma música descontínua, cheia de transformações. Na música de Hermeto Pascoal, a mistura deve favorecer fortes contrastes: variações acentuadas de andamentos, timbres contrastantes, densidades distintas, fortes mudanças entre as partes de suas composições. Todos seus fortes contrastes, bem como as transformações e incessantes mudanças que sofrem suas músicas, são motivadas por sua amizade pelo novo. Contrastes e mudanças devem surpreender pela novidade e pelo impacto (ARRAIS, 2006: 9).

É possível observar nas declarações do compositor, que ligado a esse anseio pelo novo, há uma busca por evolução. Este conceito de evolução não está ligado necessariamente a um anseio por uma música melhor e mais válida, mas apenas que as músicas devem ser feitas sempre de uma maneira inusitada, diferente. Em vários momentos Hermeto comenta sua busca por evolução, procurando realizá-la principalmente através das misturas. Todas estas ideias estão subordinadas ao modus operandi intuitivo e improvisado que caracteriza o processo de criação de Hermeto. Parte deste processo é descrito por Costa-Lima Neto (1999), que estudou a metodologia de trabalho de Hermeto e Grupo entre 1981 e 1993. De acordo com Costa-Lima Neto, o que distingue improvisação de composição para Hermeto parece ser mesmo a escrita; depois que a música era

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anotada “o devir improvisatório passava a ser composição” (COSTA-LIMA NETO, 1999: 74). Neste ponto aparece o papel que a escrita, e também a teoria musical, possui na concepção de Hermeto. Para ele a criação é tratada como algo quase divinizado, que se materializa através de sua intuição ao obedecer ao que sua mente pede, sem nenhum tipo de premeditação. Sendo assim, a escrita adquire um papel secundário, ficando subordinada, e posterior, ao processo intuitivo de criação. Esta maneira intuitiva de criar, presente tanto em sua música quanto na exposição de seus ideais, está relacionada a uma visão religiosa que aparece constantemente em sua fala. As temáticas religiosas estão presentes das mais variadas formas em sua música: em títulos de composições e discos, nas suas declarações e também em forma de som nas suas gravações. O prefácio do Calendário do Som demonstra um pouco de seu lado religioso: [...] perto de completar meus 60 anos de idade, comecei a receber mensagens intuitivas que diziam assim: - Hermeto, você tem que compor uma música por dia, durante um ano sem parar! Eu respondi no ato que já fazia uma música por dia, e às vezes até mais! Recebi então outra mensagem de volta dizendo: - Hermeto, você tem que compor no papel porque não é obrigação, e sim devoção (PASCOAL, 2004: 17).

É através da música que ele parece sintetizar e expor seus pensamentos religiosos, os quais se manifestam através da criação intuitiva, como que recebendo a inspiração de um plano superior, e também transparecendo musicalmente como elementos rituais em suas gravações. A visão religiosa aparece em sua obra de maneira sincrética, misturando rituais de diversas manifestações como “catolicismo, espiritismo, umbanda, meditação e ritos indígenas” (BORÉM; GARCIA, 2010: 64). Contudo Hermeto não se considera religioso: Quem vê eu falar assim diz “esse cara é um religioso”. Não, eu sou um músico, que através da música eu tenho todas essas percepções. Porque receber as intuições, que [...] é o que eu respeito demais é a minha intuição, em primeiro lugar a minha intuição (PASCOAL, 2012c).

Este sincretismo religioso transparece como mais um elemento – a exemplo dos gêneros musicais tradicionais e dos ruídos da natureza – a ser incluído nas misturas de sua música, ficando integrado de tal maneira em seu pensamento que música e religiosidade já não são mais tratadas de maneira distinta por Hermeto. De fato, assim como a religiosidade, todos os aspectos do pensamento de Hermeto comentados até agora parecem estar subordinados à música. Eles aparecem como resultado de um trabalho prático, fundado na oralidade e no empirismo, através de experiências musicais concretas. Sua postura integradora abre margem, em sua obra, para a inclusão dos variados objetos, dos sons de animais, dos elementos de variadas tradições musicais, etc., o que para Hermeto não passa de uma coisa natural, considerando sua visão de que tudo é música. A partir da inclusão sonora, o compositor lança mão de seu pensamento, regido pela mesma práxis oral e empírica de sua música.

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Referências: ARRAIS, Marcos Augusto Galvão. A música de Hermeto Pascoal: uma abordagem semiótica. 2006. 176 p. (Dissertação de Mestrado em Música) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. BORÉM, Fausto; GRACIA, Maurício Freire. Cannon de Hermeto Pascoal: aspectos musicais e religiosos em uma obra-prima para flauta. Per Musi, Belo Horizonte, n.22, p. 63-79, 2010. CAMPOS, Lúcia Pompeu de Freitas. Tudo isso junto de uma vez só: o choro, o forró e as bandas de pífanos na música de Hermeto Pascoal. 2006. 143 p. (Dissertação de Mestrado em Música) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. COSTA-LIMA NETO, Luiz. A música experimental de Hermeto Pascoal e grupo (1981- 1993): concepção e linguagem. 1999. 222 p. (Dissertação de Mestrado em Música) – Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. ______. Da Casa de Tia Ciata à Casa da Família Hermeto Pascoal no Bairro do Jabour: Tradição e Pós-Modernidade na Vida e na Música de um Compositor Popular Experimental no Brasil. Música e Cultura, No. 3, 2008. Disponível em: < http://www.musicaecultura.ufba.br/artigo_costa-lima_01.htm> Acesso em: 05 jun. 2012. ______. O Calendário do Som e a estética sociomusical inclusiva de Hermeto Pascoal: emboladas, polifonias e fusões paradoxais. Revista USP, São Paulo, n.82, p. 164-188, jun./ago. 2009. ______. O cantor Hermeto Pascoal: os instrumentos da voz. Per Musi, Belo Horizonte, n.22, p.44-62, 2010. PASCOAL, Hermeto. Calendário do Som. 2. Ed. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004. 414 p. ______. Entrevista com Hermeto Pascoal. Disponível em Acesso em: 30 mai. 2012c. ______. Hermeto Paschoal: não gravo mais no Brasil. Entrevista a Valdir Zwetsch. Revista Pop, out. 1975. In: VELHIDADE. Website. Disponível em: < http://velhidade.blogspot.com.br/search/label/Hermeto%20Pascoal> Acesso em: 10 jun. 2012. ______. Hermeto Pascoal. Revista Super Pop, jun. 1973. Entrevista. In: VELHIDADE. Website. Disponível em: < http://velhidade.blogspot.com.br/ search/label/Hermeto%20Pascoal> Acesso em: 10 jun. 2012.

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Notas 1

Neste trabalho, as palavras gênero, estilo e ritmo terão um uso fluído, significando aquilo que se percebe de imediato na música, como o que a faz ser uma valsa, ou ter um ritmo de maracatu, etc. Assim como acontece na fala de Hermeto, não se tenta aqui estabelecer uma definição estanque para cada um destes termos.

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A segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950: o caso do TRIO SURDINA MODALIDADE: Etnomusicologia Rodrigo Aparecido Vicente

Instituto de Artes da UNICAMP – [email protected]

Resumo: A partir de um estudo da produção fonográfica do Trio Surdina, discute-se em que medida a obra do conjunto aponta para o processo de segmentação do campo da música popular brasileira na década de 1950, época em que emergem novas tecnologias, sonoridades, modos de escuta e espaços de atuação para os músicos populares. Acompanhando o fenômeno da urbanização e a reestruturação da sociedade de classes, o cenário sociocultural que envolve a trajetória do Trio Surdina é marcado pela reconfiguração da hierarquia de legitimidades e gostos que pauta o campo da música popular. Palavras-chave: Música Popular Brasileira. Década de 1950. Trio Surdina. Segmentação. The segmentation of the field of brazilian popular music in the 1950s: the case of Trio Surdina Abstract: From a study of the phonography of Trio Surdina, we discuss to what extent the work of the group indicates the segmentation process of the field of brazilian popular music in the 1950s, a time when new technologies, sonorities, modes of listening and fields of activity for popular musicians to emerge. Integrating the phenomenon of urbanization and the restructuring of class society, the socio-cultural scenario that involving the trajectory of Trio Surdina is characterized by the reconfiguration of the hierarchy of legitimacy and tastes, which guides the field of popular music. Keywords: Brazilian Popular Music. 1950’s. Trio Surdina. Segmentation.

1. Música Popular Brasileira em Surdina O argumento central deste trabalho é o de que uma fase do processo que resultou na segmentação do campo da música popular brasileira pode ser investigada a partir da produção do Trio Surdina, conjunto formado por volta de 1951 pelos músicos Garoto (violão), Fafá Lemos (violino) e Chiquinho do Acordeon. Esses instrumentistas se reuniram a partir de um programa da Rádio Nacional (Rio de Janeiro) intitulado Música em Surdina, idealizado e produzido à época por Paulo Tapajós. Conforme sugere o nome do programa, a intenção era reproduzir no rádio uma música mais “suave” e “intimista”, tal qual se ouvia nas pequenas boates que estavam em voga na zona sul do Rio de Janeiro (SAROLDI & MOREIRA, 1984: 75). Prova disso era a faixa de horário em que a atração era veiculada: nos “finais de noite” do rádio. Nesse sentido, a música e o ambiente que esses agentes buscavam representar iam ao encontro das preferências de grupos de classe média, haja vista os preços altos que muitas boates cobravam pelos seus serviços, restringindo o

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acesso a uma camada mais ampla da população. Vale lembrar, bairros como Ipanema e Copacabana, entre outros, já haviam se constituído enquanto espaços turísticos relativamente elitizados (MATOS, 1997; SARAIVA, 2007). Nessa fase, parece se configurar de modo mais evidente uma cisão entre uma produção denominada como “comercial” ou “massiva”, voltada para o grande público, e outra mais “intelectualizada” ou “sofisticada”, que atendia às expectativas de frações da classe média. Esta tendência se caracterizava pelos programas de música de concerto e música instrumental. Já a primeira era representada pelos programas de auditório e radionovelas, atrações que alcançavam índices de audiência mais expressivos. Aliás, como os auditórios permitiam a participação ostensiva do público, e sendo este composto predominantemente pela população de baixa renda, ocorreu, de acordo com José Ramos Tinhorão (1981), uma espécie de “reação elitista” por parte dos segmentos médios. Eram frequentes, por exemplo, a veiculação na imprensa de críticas de caráter preconceituoso, como no caso em que chegaram a definir o público feminino e afrodescendente com a expressão “macacas de auditório”.1 Como “resposta” ao fenômeno dos auditórios, surge entre os anos 1940 e 1950 programas que buscavam dar um tratamento mais “digno” e “elegante” (esses termos são correntes na imprensa daquela época) à música popular como, por exemplo, Quando os maestros se encontram, que contava com os arranjos de maestros como Radamés Gnattali, Léo Peracchi, Alceu Bocchino, Alberto Lazolli etc.; ou ainda, o programa Ritmos do Copacabana, transmitido diretamente do hotel Copacabana Palace.2 Em síntese, esses dados indicam a relativa segmentação da programação radiofônica e da própria música popular, posto que os produtores buscavam atender faixas específicas do público consumidor de acordo com seus modos de vida, hábitos, ideias, gostos etc. Aliás, a tendência dos pequenos conjuntos coincidiu com a emergência de uma nova geração da classe média no segundo pós-guerra, que fez das pequenas boates da zona sul o seu espaço de entretenimento. Conforme aponta Gilberto Velho, entre as décadas de 1930 e 1960 o bairro de Copacabana, por exemplo, cresceu num ritmo maior que o da cidade do Rio de Janeiro, resultado da migração intensa de habitantes oriundos de bairros como Botafogo, Tijuca, entre

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outros (VELHO, 1975: 21-24). Esse processo se intensificou entre 1940 e 1950 e, de acordo com o autor, sob a alegação de que estavam à procura de um lugar “moderno”, com “divertimentos” e “facilidades”, a maioria das pessoas se deslocava para Copacabana em função do “prestígio social” e “status” que essa mudança implicava. Em outras palavras, no imaginário de certas frações da classe média, a simples mudança para o bairro significava uma forma de ascensão social, “mesmo não havendo alterações na ocupação ou na renda das pessoas” (Ibidem: 89). Ao inserir esse processo particular numa conjuntura mais ampla, observase que não apenas o Rio de Janeiro, mas o país todo atravessava uma fase de transformações sociais e econômicas significativa a partir dos anos 1940. A indústria nacional se modernizava e se expandia num ritmo acelerado. A este fenômeno se somam o crescimento vertiginoso das cidades e a consequente reestruturação da sociedade de classes, uma vez que o movimento migratório para os centros urbanos se acentua num espaço de tempo relativamente curto, intensificando o processo de estratificação social. Vale lembrar, a maior parte da população que se dirigia às grandes cidades pertencia às classes menos favorecidas economicamente, deslocando-se do meio rural e de regiões de extrema pobreza. Em função da falta de planejamento urbano, entre outros fatores, tem-se a marginalização de parte significativa desses contingentes nas metrópoles em formação, haja vista sua baixa escolaridade, não especialização (profissional), taxa de natalidade elevada etc. (MELLO & NOVAIS, 1998: 560-586). Assim, o acesso ao mercado de trabalho e ao consumo se dava de forma parcial entre as classes subalternas. Nesse momento, o campo de produção cultural, a indústria e o comércio se articulam de maneira cada vez mais orgânica, atuando no sentido de transformar a nova “massa” em “consumidores” - o papel do rádio foi decisivo nesse aspecto -, bem como criar e atender suas expectativas nos planos material e simbólico, por mais ilusórias e mistificadoras que sejam as relações que começam a se instituir (MICELI, 2005: 125-156). Em suma, pode-se dizer que a reconfiguração do campo da música popular e o fenômeno das pequenas boates da zona sul do Rio de Janeiro não se dissociam do processo de estratificação social que se acentua entre as décadas de 1940 e 1950.

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No entanto, é preciso estar atento às contradições e ambivalências inerentes a esse contexto. Isso porque o Trio Surdina apresenta um repertório bastante variado, que inclui o samba, samba-canção, choro, bolero, beguine, foxtrot, baião e música folclórica. Daí a hipótese de que a produção do conjunto se situa num momento em que o processo de segmentação do campo musical popular se encontrava num estágio ainda incipiente. Há diversas tendências musicais em voga no campo do entretenimento e, ao mesmo tempo, emergem disputas simbólicas significativas visando legitimar ou depreciar muitas dessas tendências,3 apontando para a configuração de uma hierarquia de legitimidades e gostos no interior do campo. A música do Trio Surdina, caracterizada pelo intimismo e contenção (em termos de dinâmica); recorrência de passagens virtuosísticas, especialmente em introduções e interlúdios; organização e variação das funções de cada instrumento nas exposições dos temas (solo, acompanhamento, contracantos etc.); emprego de progressões harmônicas conduzidas por meio de movimentos mínimos entre as vozes; variações ou improvisações sobre os temas, enfim, é uma música que exige atenção especial quanto ao estilo interpretativo do conjunto, independentemente da variedade do repertório que pauta seus discos. Dito de outro modo, a construção de sentidos e valores em torno da sua produção pode estar relacionada menos aos diversos gêneros musicais presentes em seu repertório que ao estilo interpretativo que caracteriza a sua sonoridade. É possível ainda que, num sentido mais amplo, a valorização ou depreciação de determinados conjuntos e artistas - prática então muito comum entre os críticos musicais -, fosse orientada em grande parte por esse aspecto, ou seja, pelo o que alguns chamavam de “roupagem”, “vestimenta”, “tratamento orquestral”, “qualidade artística” - em contraposição à “qualidade técnica”, relativa à qualidade sonora da gravação - ou simplesmente “arranjo”.4 Além disso, a produção do Trio Surdina se insere numa época em que novas escutas e tecnologias estão emergindo no campo do entretenimento. Acredita-se

que

o

seu

estilo

interpretativo

estabelece

uma

relação

de

interdependência com os novos meios de registro sonoro que caracterizaram a era da “Alta Fidelidade” ou do Hi-Fi;5 com o ambiente e os modos de escuta característicos das pequenas boates do Rio de Janeiro, apontando para uma

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tendência à “contenção” e ao “intimismo”, apropriada a uma recepção mais individualizada, em contraposição à “estridência” e à recepção “coletiva” que então caracterizavam os programas de auditório.6

Considerações finais

Em resumo, o contexto no qual a produção do Trio Surdina se insere é marcado pela emergência de novas escutas, mediadas pelas novas tecnologias, bem como pelos sentidos de “progresso”, “modernidade” e “distinção” que estas adquiriram; escutas que se constituem numa época em que o campo da música popular se encontrava em vias de segmentação, processo este que responde, de certa forma, pela tendência a polarizações estético-ideológicas - “nacional x internacional”, “tradição x modernidade”, “autêntico x comercial” - que passam a orientar a geração de sentidos e valores em torno de gêneros e estilos musicais diversos, apontando para uma “estratificação do gosto”; escutas que se relacionam, em suma, com as mudanças sociais em curso no Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1950, período em que a estratificação da sociedade de classes se acentua.

Bibliografia BARBOSA, Valdinha & DEVOS, Anne Marie. Radamés Gnattali: o eterno experimentador. Rio de Janeiro, Funarte, 1984. BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento de gosto. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008. Coleção Revista da Música Popular (1954-1956). Rio de Janeiro: FUNARTE: BemTe-Vi Produções Literárias, 2006. MAMMÍ, Lorenzo. “João Gilberto e o projeto utópico da bossa nova”. In: Novos Estudos CEBRAP, nº34, 1992. MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

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MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando A. “Capitalismo tardio e Sociabilidade moderna”. In: História da vida privada do Brasil: contrastes da intimidade contemporânea - Lilia Moritz Schwarcz (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MELLO, Jorge. Gente Humilde: Vida e Música de Garoto. São Paulo: Edições SESCSP, 2012. MICELI, Sérgio. A noite da madrinha e outros ensaios sobre o éter nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. SARAIVA, Joana Martins. A invenção do sambajazz: discursos sobre a cena musical de Copacabana no final dos anos de 1950 e início dos anos 1960. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado, PUC, 2007. SAROLDI, Luiz Carlos & MOREIRA, Sônia Virginia. Rádio Nacional, O Brasil em Sintonia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1984. TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: do gramofone ao rádio e TV. São Paulo: Ática, 1981. VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2ª ed., 1975. Fontes documentais Revista Carioca. Rio de Janeiro, dezembro de 1952 a dezembro de 1953. Acervo de Periódicos microfilmados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Revista do Disco. Rio de Janeiro, março de 1953 a setembro de 1953. Acervo de Periódicos impressos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Revista Flan. Rio de Janeiro, janeiro de 1953 a janeiro de 1954. Acervo de Periódicos microfilmados da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Notas 1

O termo “macacas de auditório” foi cunhado pelo jornalista Nestor de Hollanda. Ver: “Auditórios viciados”. Revista Rádio Visão, nº 2, 15 de maio de 1947 (apud TINHORÃO, 1981: 75-84). 2 Acervo Rádio Nacional, MIS-RJ. 3 Uma das principais fontes para se conhecer uma parcela dos debates estético-ideológicos aflorados em meados dos anos 1950, é a Revista da Música Popular (1954-1956), editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes. A defesa da música nacional, “autêntica” e tradicional é a tônica dos discursos que pautam o periódico, os quais se opunham aos chamados “estrangeirismos” e “comercialismos” que haviam supostamente “invadido” o Brasil naqueles anos - como o jazz, o bolero, a rumba etc. 4 Esses parâmetros eram compartilhados por críticos musicais contemporâneos (1951-1955) como Claribalte Passos (Revista Carioca), Vinicius de Moraes (Revista Flan), Lúcio Rangel (Revista da Música Popular, Mundo Ilustrado e Lady), Silvio Túlio Cardoso (O Globo, Revista da Música Popular), Paulo Medeiros (Última Hora) e Jaime Negreiros (O Jornal), por exemplo. Com exceção da Revista da Música Popular, reeditada recentemente

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pela FUNARTE (2006), os demais periódicos podem ser encontrados nos acervos da Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. 5 Toda a produção fonográfica do Trio Surdina fora registrada pela gravadora Musidisc, uma das primeiras especializadas em long-playing a atuar no país. Além desta, destacavam-se a Sinter, uma subsidiária da norteamericana Capitol, e a Radio, pertencente a Ovídio Grottera. 6 Tomamos de empréstimo aqui as reflexões de Lorenzo Mammì acerca da Bossa Nova e dos novos modos de escuta instituídos no campo da música popular brasileira com o advento deste “movimento” (1958), representado inicialmente pelo estilo interpretativo de João Gilberto, pelas composições de Tom Jobim e letras de Vinicius de Moraes. A “contenção de excessos”, o “intimismo” e a “escuta interessada” são algumas das características centrais da música bossa-novista (MAMMI, 1992).

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Trajetória de Moacir Santos do rádio para o cinema: um caminho comum MODALIDADE: Resumo expandido/comunicação oral Lucas Zangirolami Bonetti

Universidade Estadual de Campinas – [email protected] Claudiney Rodrigues Carrasco Universidade Estadual de Campinas – [email protected]

Resumo: O presente trabalho é um resultado parcial de uma pesquisa em andamento intitulada “A trilha musical como gênese do processo criativo na obra de Moacir Santos”, onde pretende-se delinear a linguagem de Moacir Santos (1926-2006) como compositor para audiovisual, no recorte temporal de 1963 a 1966, em suas produções ainda no Brasil, e mostrar as relações com sua obra composicional posterior, lançada em seus discos a partir de 1965. Durante a pesquisa sócio histórica sobre a vida de Santos foi constatado que sua trajetória tem pontos de similaridade com outras figuras de peso do cenário musical entre as décadas de 1940 e 1970, dentre as quais podemos citar os principais nomes como Radamés Gnattali, Guerra-Peixe, Leo Peracchi e Remo Usai. Palavras-chave: Moacir Santos. Trilha musical. Maestros de rádio Trajectory of Moacir Santos form radio to cinema: a common path Abstract: This work is a partial result of an ongoing research named “The film scoring as genesis of the creative process in the work of Moacir Santos”, which aims to delineate a language of Moacir Santos (1926-2006) as an audiovisual composer, between 1963 and 1966, in his Brazilian productions, and show the relations with his posterior compositional work, recorded after 65. During the socio-historic research about the life of Santos it was known that his trajectory has points of similarity with other important musicians of the 40’s 70’s musical scenario. Among them, the top names are Radamés Gnattali, Guerra-Peixe, Leo Peracchi e Remo Usai. Keywords: Moacir Santos. Film music. Radio composers/arrangers/conductors

Pudemos constatar até o presente momento que Moacir Santos faz parte de uma segunda geração de maestros-arranjadores que trabalharam nas principais rádios e que acabaram se deparando com a composição para cinema e televisão. É possível enquadrar em uma primeira geração os compositores que atuaram durante as décadas de 1940 e 1950 nas duas principais companhias cinematográficas brasileiras do período, a Atlântida e a Vera Cruz. Na Atlântida, os seguintes músicos trabalharam em trilhas musicais1: Lírio Panicalli (1906-1984), Alexandre Gnatalli (1918-), Léo Peracchi, Lindolpho Gaya (1921-1987), Radamés Gnatalli, GuerraPeixe, Guio de Moraes (1916-) e Waldir Calmon (1919-1982) (FERREIRA, 2010: 58), já na Vera Cruz a lista de compositores é formada por: Radamés Gnattali, Francisco Mignone (1897-1986), Gabriel Migliori (1909-1975), Guerra-Peixe e Enrico Simonetti (1924-1978) (ONOFRE, 2005: 16). Pesquisas já demonstraram que esse grupo de

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compositores tinha larga experiência com o rádio e naturalmente passaram a contribuir com a música de cinema a medida que as mídias se renovavam. Por terem essa trajetória anterior, suas trilhas musicais carregavam intrinsecamente toda a influência da sonoridade radiofônica da época. Ou seja, entre os anos 1940 e 1950 a música de rádio foi marcada por uma sonoridade orquestral, em que os maestros e arranjadores traduziam, cada qual com suas próprias diretrizes estéticas, um estilo de orquestração advindo tanto de cânones da música europeia como da tradição radiofônica norte americana e obviamente isso se refletiu na contribuição dada posteriormente ao cinema (ONOFRE In: FREIRE, 2009: 43-44). Pelo fato de Moacir Santos ser mais jovem, nascido em 1926, ele seguiu esses passos com uma década de defasagem, atuando na Rádio Nacional somente a partir do fim dos anos 1940, como instrumentista. Tendo se tornado maestro, compositor e arranjador da mesma instituição apenas na década seguinte, período que trabalhou também na TV Record. Sendo que sua incursão como compositor de trilhas musicais para cinema se deu somente a partir da década de 1960. A produção de Santos como “trilhista” abrange duas fases, uma ainda no Brasil, quando compôs a música dos filmes: Seara Vermelha (1964), de Alberto d'Aversa (1920-1969); O Santo Módico (1964), de Sacha Gordine (1910-1968) e Robert Mazoyer (1929-1999); Ganga Zumba (1964), de Carlos Diegues (1940-); Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra (1931-); O Beijo (1964) e de Flávio Tambellini (1925-1976); além de ter sido produtor musical de A Grande Cidade (1966), também de Carlos Diegues. E uma segunda fase quando o compositor se muda para os EUA em 1967 e trabalha como ghostwriter na equipe de Henry Mancini (1924-1994) e Lalo Schifrin (1932-), especialmente no seriado Mission: Impossible (1966-1973), além de ter sido compositor nos filmes: Love in the Pacific (1970) e Jungle Erotic: Happening in Africa (1970) de Zygmunt Sulistrowski (1922-) e Final Justice (1985), de Greydon Clark (1943-). Outro compositor importante que iniciou sua atuação aproximadamente no início dos anos 1960 é Remo Usai. Como vimos, todos os outros músicos vieram da rádio e se adaptaram ao audiovisual, já Usai pode ser considerado como o primeiro compositor brasileiro especializado em música de cinema e isso se deve a sua ida aos EUA em 1958 para se especializar em um curso na University of Southern California, escola que formou diversos nomes importantes que atuaram em Hollywood e, quando retornou, assumiu a produção de diversos filmes. Contudo, antes de rumar para a América do Norte, Usai estudou composição, orquestração e arranjo com Claudio Santoro (1919-1989) e Leo Peracchi, ambos importantes compositores de rádio e cinema entre os anos 1940 e 1950 (EIKMEIER, 2010).

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Tendo em vista a exposição feita até aqui, é necessário saber que a transposição de profissionais do rádio para o cinema não foi um caso exclusivo dos compositores, mas de toda uma gama de técnicos e artistas que se encontraram em uma posição de mercado em transição. Conforme a tradição radiofônica deixava de ser a principal atividade de lazer da população e a televisão ganhava mais e mais adeptos, assim como o cinema se popularizava entre as diferentes classes sociais, toda a lógica de produção da indústria da comunicação precisou ser revista, inclusive em relação à infraestrutura, como aparato técnico e maquinário. Muitos estúdios cinematográficos não tinham nem ao menos uma locação para suas produções, no que tange à gravação das trilhas, FERREIRA comenta que “como os músicos, contratados para compor e organizar a trilha, tinham vínculo com as rádios, (...), muitas das canções dos filmes da Atlântida tiveram seus playbacks gravados em estúdios de rádio” (2010: 53). Ainda segundo a autora, somente no final da década de 1940 que a Atlântida conseguiu atingir autossuficiência de produção nesse sentido. Contudo, o fluxo de profissionais não pode ser pensado apenas unilateralmente, durante boa parte da década de 1940 a rádio e o cinema se retroalimentavam de artistas e técnicos, pois eles transitavam entre as duas mídias, não sendo incomum grandes nomes do cinema alcançarem sucesso de audiência nos programas de dramaturgia das rádios (ADAMI, 2003: 131). Já no que concerne à televisão brasileira, instaurada apenas na década de 1950, as concessões de produção foram assumidas pelas emissoras de rádio, sendo que todo o modelo de produção foi adaptado para o novo veículo nos primeiros anos, como se a TV fosse uma espécie de “rádio com imagens”. Alguns pesquisadores chegam a afirmar que “nossa TV nasceu do rádio” (ADAMI, 2003: 132). Sendo assim, a televisão brasileira em seus primórdios também se utilizou dos compositores, arranjadores e orquestradores para refinarem sua programação. Para os produtos teledramatúrgicos, o que se viu foi uma adaptação do modo de utilização da música proveniente do rádio, porém se enveredando mais para uma lógica de mercado, que culmina na venda de discos-coletâneas e com menor espaço para inserções musicais compostas especialmente para determinadas sequências. Prevalece inclusive o uso de canções, em suas versões cantadas e adaptações

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instrumentais, além do uso, apesar de reduzido, de música instrumental orquestral, proveniente de bancos de repertório dentro das emissoras. Atualmente, se tem a composição de temas instrumentais originais para algumas obras, que inclusive são comercializados em coletâneas prensadas ou disponibilizadas online2. Porém não há a figura do maestro-arranjador específico e não se tem a possibilidade de compor para cada cena, cabendo as decisões de uso da música ao sonoplasta de cada obra. Naturalmente, a partir do fim dos anos 1960, a figura dos maestrosarranjadores passou a ser cada vez menos presente na produção audiovisual brasileira, muitas vezes por questões financeiras, não sendo possível estabelecer, por exemplo, outras gerações de músicos advindos da “era de ouro das rádios”. Isso se deve principalmente ao declínio das grandes companhias cinematográficas no fim dos anos 1950, quando o cinema precisou se reinventar com orçamentos mínimos. O Cinema Novo, por exemplo, reflete essa mudança, que foi incorporada à linguagem audiovisual dos autores, esses, cada vez mais determinantes no direcionamento estético de suas produções, que tendiam a paralelizar o momento social e político turbulento em que viviam. E foi nessa condição que Moacir Santos trabalhou em suas primeiras trilhas, apesar de que nem todos os filmes que participou

como

compositor

se

enquadravam

explicitamente

na

estética

cinemanovista. Já na década de 1960 se tornou muito comum utilizar gravações préexistentes de música erudita e música pop contemporânea às produções cinematográficas. Logo, a partir dessa ruptura com a linguagem da década anterior cada vez mais só podemos encontrar casos isolados de músicos com esse perfil na música de cinema e TV, fazendo de Moacir Santos um dos últimos compositores de audiovisual advindos do rádio.

Referências:

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ADAMI, Antonio. “O cinema em casa”: uma era do rádio. In: Antonio Adami et al (Orgs.). Mídia, cultura e comunicação 2. São Paulo: Arte & Ciência, 2003, p. 125 136. ANTONIETTI, Andre Checchia. A música da minissérie brasileira no exemplo de Anos Rebeldes. Dissertação de Mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2012. EIKMEIER, Martin. A música de Remo Usai no cinema brasileiro. Tese de Doutorado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2010. FERREIRA, Sandra Cristina Novais Ciocci. Assim era a música da Atlântida: a trilha musical do cinema popular brasileiro no exemplo da Companhia Atlântida Cinematográfica. Dissertação de mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2010. ONOFRE, Cintia Campolina de. A trilha musical da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. In: Rafael de Luna Freire. (Org.). Nas trilhas do cinema brasileiro. 1 ed. Rio de Janeiro: Tela Brasilis, 2009, p. 35-48. __________. O zoom nas trilhas da Vera Cruz. Dissertação de mestrado. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2005.

Notas

1

Aqui, levamos em consideração apenas as composições instrumentais das trilhas musicais, excluindo-se do escopo do trabalho as diversas canções contemporâneas às produções que eram inseridas nas trilhas, na forma de números musicais ou não. 2

A existência da música instrumental original foi solidificado no produto teledramatúrgico, principalmente na telenovela, no início da década de 1970. Uma figura importante para a determinação e definição dos modos de utilização de músicas instrumentais e canção é o maestro Júlio Medaglia. Para saber mais, veja o trabalho de ANTONIETTI (2012).

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Jequibau: algumas considerações ETNOMUSICOLOGIA: Daniel Vilela UFPR - [email protected] Resumo: Através de uma abordagem interdisciplinar, levanto algumas hipóteses acerca do gênero musical paulistano denominado ‘Jequibau’, que ficou conhecido também como “Samba em Cinco” e “Bossa em Cinco”. Assim, são associados aspectos extras e intramusicais, a fim de elucidar alguns pontos referentes à criação, difusão, recepção e consolidação do gênero. Para tanto, conto com aporte bibliográfico, além de entrevistas que realizei ao longo de minha pesquisa. Palavras-chave: Jequibau; “Samba em cinco”; “Bossa em cinco”. Jequibau: a few considerations Abstract: Through an interdisciplinary approach, I develop a few hypotheses about the musical genre originated in São Paulo called "Jequibau", also known as "Samba in Five" and "Bossa in Five". Thus, additional and musical points are associated in order to elucidate a few aspects regarding the origin, diffusion, reception and consolidation of this genre. In order to make this possible, I make use of bibliographic support in addition to interviews I'll conduct throughout my research. Keywords: Jequibau; “Samba in Five”; “Bossa in Five”.

Introdução A etnomusicologia surgiu através da necessidade de se estudar as manifestações musicais não calcadas na tradição ocidental e eurocêntrica. Ensejou também a aproximação de pesquisadores de outras áreas, que vislumbraram na música um novo campo a ser estudado. Sociólogos, historiadores e antropólogos contribuíram com ferramentas advindas das mais diversas áreas na constituição dessa disciplina, antes denominada como musicologia comparada. Dessa forma, esta vertente de estudiosos derramou luz sobre aspectos que por muitas vezes foram negligenciados. Os dados contextuais tomaram novos valores e passaram a contar com relevantes reflexões sobre temas como aculturação, transculturação, interculturalidade e hibridismo. Assim, a principal crítica apontada sobre a linha musicológica factual foi justamente a ausência deste tipo de conteúdo extramusical. Por outro lado, a chegada de pesquisadores não habituados à linguagem teórica específica fez com que o discurso musical fosse relegado,

185

em diversos trabalhos, ao segundo plano.

Atentos a esta questão,

musicólogos indagaram a validade e a carência do teor intramusical nestes estudos, argumentando que este conteúdo é indispensável a pesquisas sobre música. O fato é que ambas as vertentes trazem a tona diferentes vieses e que, ao serem unidos, podem produzir resultados mais substanciais. A época marcada pelo positivismo científico foi responsável pelo surgimento de um acervo acadêmico que, embora criticado, pode ser visto de maneira otimista por fornecer aos estudiosos rica fonte de consulta. O problema é que mesmo os trabalhos factuais e de coleta e edições de documentos musicais são escassos no Brasil. Paulo Castagna (2008) argumenta que na década de noventa: (...) surgia um dos maiores dilemas na musicologia brasileira dessa época: sem uma produção resultante da concepção positivista que orientou a musicologia europeia na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX, não haveria suficiente material para abordagens mais reflexivas ou interpretativas. (CASTAGNA, 2008: 48)

Percebe-se que a musicologia teve, desde então, que primar por estudos mais reflexivos, mas que, por outro lado, se viu na necessidade de reassumir os trabalhos técnicos através de metodologias mais conscientes (CASTAGNA, 2008). Essa nova guinada deve ser acompanhada também por etnomusicólogos, a fim de colaborar para a formação de trabalhos musicológicos, evitando os resultados meramente musicográficos (IKEDA, 1998). É através dessa abordagem que elaborarei algumas hipóteses acerca do gênero musical paulistano denominado Jequibau. Ou seja, considerando aspectos endo e exo-semânticos da música (MUKUNA, 2008), discorrerei, no espaço limitado a este trabalho, sobre algumas características deste gênero que serão tratadas mais minuciosamente no decorrer de meu mestrado. 1. No Balanço do Jequibaui O Jequibau surgiu na cidade de São Paulo em meados da década de sessenta, mais precisamente no dia 13 de Agosto de 1965, data de sua

186

primeira gravação. É consequência da idealização em parceria de Mário Albanese e Cyro Pereira, que o criaram e o fundamentaram em um compasso quinário peculiar e inovador. Isso porque sua fórmula não pode ser subdivida e não é resultante de quaisquer alternâncias de compassos. Além disso, somase ao resultado sonoro o swing tipicamente brasileiro. O período no qual se insere o Jequibau foi marcado pela experimentação

no

que

tange

também

as

fórmulas

de

compasso.

Compositores como Herbie Hancock (1940) e Wayne Shorter (1933), influenciados pela música africana, lançaram músicas como Footprints (1966), em 6/4, e Succotash (1963), em 12/8. As músicas Take Five (1959) e Missão Impossível (1966), de Paul Desmond (1924-1977) e Lalo Schifrin (1932) respectivamente, foram compostas em 5/4 e, ambas, são resultado da alternância de um compasso ternário e outro binário. Este contexto propiciou a idealização do Jequibau, que é decorrente de um processo de mistura em que acontece o que Acácio T. Piedade (2013) chama de “fricções de musicalidades”. Ou seja, coexistem dentro de seu resultado sonoro características advindas da música norte-americana e afrobrasileira, que promovem o diálogo entre questões como globalização, identidade e regionalismo. A interculturalidade está presente nas práticas culturais brasileiras e, com o Jequibau não é diferente, haja vista que diversos estilos musicais nacionais e estrangeiros alicerçaram a sua formação. No entanto, o Jequibau mostra sua identidade através de uma linha rítmica padrão que é grafada da seguinte maneira:

Figura 1 - Linha rítmica do Jequibau desenvolvida pelo contrabaixo.

187

Embora esta linha padrão esteja sujeita a modificações ao longo de sua interpretação, configurando o que Tiago de Oliveira Pinto (2001) denomina como “micro-rítmicas”, ela serve como orientação aos executantes, ou seja, como uma linha a qual os músicos devem recorrer ao longo do processo interpretativo. Para facilitar a assimilação desta linha rítmica padrão, Mário Albanese elaborou uma maneira de vocalizá-la, se aproximando do que é definido como onomatopeia. Esta foi a forma encontrada para transmitir o gênero a pessoas não habituadas com a teoria musical tradicional. Vejamos o trecho retirado da entrevista a mim cedida pelo maestro: Para que você interiorize os cinco tempos, incorporando-os definitivamente, mentalize a linha do baixo fora do seu instrumento:(1 2e 3 4e 5e 1 2e 3 4e 5e) Um, dois e trêsquatro e cinco e Um dois e três quatro e cinco e (...)Você sabe dar valor às notas e não terá dificuldade de repetir esse desenho sempre em qualquer lugar. O Macumbinha tinha quinze anos e não lia música. O jeito foi invetar uma palavra que sonorizasse esse desenho do baixo e, o que me veio à cabeça, foi: Kon para o som e Tiss para o silêncio. KONTISSKOKONTISSKONKO KON etc. [ALBANESE, entrevista 13/04/2010]

Sem a exposição desta linha padrão, a música tocada não caracteriza um Jequibau. Dessa forma, os epítetos “Samba em Cinco” ou “Bossa em Cinco”, apesar de lisonjeiros por associarem o gênero a respeitadas manifestações musicais, se esgotam na medida em que um Samba ou uma Bossa Nova articulados sobre um compasso quinário que não apresente a linha rítmica específica do Jequibau, não possam ser classificados como tal. Nestes casos, a utilização das alcunhas parece ser mais adequada. Ainda há muito para ser investigado acerca do conteúdo musical deste gênero, que hoje é considerado parte do folclore paulista. Além disso, no espaço limitado deste trabalho, tratei do assunto de maneira superficial. Mas, análises mais minuciosas podem ajudar no entendimento acerca do “Balanço do Jequibau”. 2. Contexto e Contribuições

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Pensemos agora no momento político vivido nos idos da década de sessenta. O cenário era delicado e podemos dividi-lo em duas grandes vertentes. Uma de esquerda, que representava a oposição e estava estreitamente ligada a movimentos socialistas. E outra de extrema direita, que decretou a censura através da implantação da ditadura militar no que ficou conhecido como o golpe de 1964. Dentro do campo artístico, mais precisamente do musical, os envolvidos se posicionavam contra o governo ou de forma alheia. No primeiro caso, temos os representantes da chamada Canção de Protesto (constituída pela frente considerada mais engajada) e no segundo, a Jovem Guarda (acusada de arremedar o Rock americano). Com este cenário montado, surge um dilema vivido pelos músicos e que de certa forma é ainda atual. Vejamos as palavras de Marcos Napolitano (2001): Tem-se, por tanto, dois vetores opostos: por um lado, a tendência da MPB de tornar-se uma instituição sociocultural, ensejando uma autonomização relativa deste campo de expressão artística; por outro, uma nova forma de articulação da indústria cultural com as artes, tornando-a relativamente heterônoma, pois dependente de uma dinâmica mercantil que escapa ao criador e ao público fruidor (...). (NAPOLITANO, 2001: 14)

O Jequibau não surgiu a partir de engajamento político e não tinha o apelo comercial desejado pela indústria fonográfica da época, que assistiu e projetou nos anos sessenta o aumento do consumo da música internacional, e que teve na MPB o principal representante da música nacional. (VICENTE, 2008). Esses fatores dificultaram a difusão do gênero, muito embora o caráter inovador inerente a ele tenha alcançado o respeito de muitos músicos da época (nacionais e estrangeiros) que com ele tiveram contato. Leonard Feather (autor da enciclopédia do Jazz) opinou da seguinte forma: “Jequibau, novo e excitante ritmo do Brasil, é um 5/4 que revela com incrível simplicidade e charme um novo entendimento métrico desse compasso”.ii Contudo, o gênero criado por Mário Albanese e Cyro Pereira passou um período limitado a poucas gravações e a matérias de jornais e revistas que o apontavam como o estilo reverenciado em outros continentes, mas que ainda

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procurava se firmar em seu próprio país. Vejamos o trecho retirado do Jornal Shopping News de São Paulo (1971): O Jequibau surgiu logo depois da Bossa Nova, mas, enquanto vai conquistando cada vez mais admiradores no Exterior; é pouco divulgado em nosso país. Mário Albanese e Wilson Curia têm planos para conquistar os brasileiros também. (SANTOS, 1971: p. 12)

Mesmo com todos os obstáculos, este gênero de compasso quinário foi gravado por artistas brasileiros renomados como Hermeto Pascoal, Olmir Stocker (Alemão), Os Três Morais, Sílvio Santisteban, Altemar Dutra, Agnaldo Rayol, Moacir Franco, Zimbo Trio, Predrinho Mattar, Jair Rodrigues, entre outros. Já em âmbito internacional, esteve presente em discos de interpretes como Vic Damone, Percy Faith, Charlie Byrd, Al Caiola, Sadao Watanabe (Japão), Rita Reys e Sarah Cheretien (Holanda), Susana Colonna (México) e muitos outros, tendo atingido mais de 20 países. Além disso, o Jequibau foi abordado em métodos como os de Christiano Rocha (2001) e Wilson Curia (1971). Este último, após uma pequena descrição, apresenta a transcrição da música Gamboa, também presente no álbum Brazilian Octopus, de 1969. O gênero também marcou presença no disco intitulado “Paulicéia”

iii

(2010) através da gravação da composição “Duo n. 14” do maestro Eduardo Escalante, com interpretação do trompetista Paulo Ronqui e do violonista Clóvis Barbosa. Além disso, fez parte do repertório composicional de Paulo Bellinati com a música Carlo`s Dance (2006), gravada no álbum do grupo Quaternaglia que leva o título de Jequibau (2012). Considerações Finais As evidências nos dão uma nova perspectiva acerca do período que foi o pano de fundo no qual surgiu e se desenvolveu o Jequibau. Pois, apontam para o fato da existência de outra manifestação musical além das já conhecidas e estudadas. Também nos mostram um gênero que perdurou, mesmo com pouca divulgação, de maneira significativa até os tempos atuais.

190

Nota-se que, da participação ativa do Jequibau dentro de seu ambiente cultural surgiu uma produção valorosa e digna de pesquisa acurada. No que tange o caráter colaborativo do gênero, é perceptível que ele traz em sua essência

reflexões

sobre

temas

como

identidade,

interculturalidade,

hibridação, folclore e acerca do conceito de compasso misto. Atualmente, existe um processo de retomada do Jequibau e de outras manifestações musicais e que deve ser examinado de forma minuciosa e reflexiva, uma vez que pode significar uma preocupação de músicos estudiosos com a manutenção de tradições num período em que a globalização aproxima diversas culturas e acelera o processo que Stuart Hall (2011) denomina como “pluralização de identidades”. Através

deste

trabalho

procurei

mostrar

que

a

abordagem

interdisciplinar pode clarear diversas questões acerca da música brasileira, mais precisamente sobre o Jequibau, que ainda necessita de estudos etnomusocológicos exploratórios e de divulgação mais substancial para se consolidar no vasto repertório musical nacional, bem como para ser compreendido de forma mais satisfatória. Dessa forma, expus alguns pontos da pesquisa que venho empreendendo desde 2010 e que ainda explorarei mais afundo no decorrer de meus estudos no mestrado.

Referências

ALBANESE, Mário. Mário Albanese: depoimentos [abr.; jul. 2010]. Entrevistador: Daniel Vilela. São Paulo, 2010. Entrevista realizada via e-mail. CASTAGNA, Paulo. Avanços e Perspectivas na Musicologia Histórica Brasileira. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas, 2001, n. 1, p. 32 – 57. CURIA, Wilson. Moderno Método para Piano Bossa Nova. 1 ed. São Paulo: Edições Sidomar, 1971. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. 11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.

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IKEDA, Alberto. Musicologia ou Musicografia? Algumas reflexões sobre a pesquisa em música. In.: ANAIS DO I SIMPÓSIO LATINO-AMERICANO DE MUSICOLOGIA. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1998, p. 63 – 68. MUKUNA, Kazadi wa. Sobre a busca da verdade na etnomusicologia: um ponto de vista. Revista USP, São Paulo, n. 77, p. 12 – 23, março/maio 2008. NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a Canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-1969). 1. Ed. São Paulo: Editora ANNABLUME, 2001, 370p. PERPÉTUO, Irineu Franco. Cyro Pereira, Maestro. 1. ed. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2005, 118 p. PIEDADE, Acácio. A teoria das tópicas e a musicalidade brasileira: reflexões sobre a retoricidade na música. El Oído Pensante, Buenos Aires, v.1, n.1, p.1 – 23, 2013. PINTO, Tiago de Oliveira. As Cores do Som: estruturas e concepção estética na música afro-brasileira. África: Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, S. Paulo, 22-23: 87-109, 1999/2000/2001. ROCHA, Christiano. Bateria Brasileira. São Paulo: Edições do Autor, 2007. SANTOS, Waldemar. Jequibau é Sucesso no Exterior. Shopping News, São Paulo, n. 1.001, Ano XX, p. 12, 1971. VICENTE, Eduardo. Segmentação e Consumo: a produção fonográfica brasileira – 1965/1999. Revista ArtCultura, Uberlândia, v.10, n. 16, p. 103-121, jan.-jun. 2008.

Notas

                                                                                                                        i

 ‘No Balanço do Jequibau’ é o título do Jequibau mais gravado.  

ii

 Disponível em . Acessado em 11/12/2013.  

iii

 

Paulicéia – Obras para trompete solo. Gravadora: Tratore. Selo: Fábrica Discos. 2010.

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Embocadura na flauta transversal: análise de descrições teóricas MODALIDADE: Performance Marina Monroy da Costa Penna Universidade Federal da Bahia – UFBA – [email protected] Resumo: Essa pesquisa pretende identificar diferentes abordagens à modelos de embocadura na flauta transversal, tal como apresentados e/ou sugeridos por diversos autores de métodos pedagógicos de flauta de variadas épocas, visando traçar, a partir disso, uma alternativa de definição do conceito de embocadura, assim como identificar os diferentes perfis técnicos mais recorrentes, e a sua relação com a prática flautística. Esta pesquisa parte de uma revisão bibliográfica de variadas obras flautísticas influentes nos dias atuais para o ensino de flauta transversal (livros-textos e métodos publicados desde o século XVIII, de autores como Taffanel & Gaubert, Altès, Wye, Debost, Moyse, Quantz, Hotteterre, Scheck e Mather). Palavras-chave: Flauta transversal. Embocadura. Escolas. Técnica. Performance

Embouchure on the flute: analysis of theoretical descriptions Astract: This research intents to identify approaches of the models presented embouchure and / or suggested by the authors, in order to draw from this, an alternative definition of what it is really embouchure and technical profiles most frequent used, initiating a process of definition and distinction between technical models in flute practice. It consists of a literature review of various flute works influential nowadays to teaching flute (textbooks and methods published since the eighteenth century, from authors like Taffanel & Gaubert, Altes, Wye, Debost, Moyse, Quantz, Hotteterre, Scheck and Mather). Keywords: Flute. Embouchure. Schools. Technique. Performance

1. Introdução

Compreender e descrever o funcionamento da embocadura na flauta transversal constitui-se como tentativa constante e desafiadora para os flautistas e autores de métodos ao logo dos séculos. A transmissão de orientações escritas lança-se desde muito tempo atrás como alternativa complementar (ferramenta de ensino) para flautistas profissionais e amadores. As descrições de como se dá o funcionamento anatômico facial e de como obter controle da emissão de ar tornamse também uma forma de registrar a existência de diferentes estratégias (perfis técnicos). Este registro é importante, pois historicamente diferentes estratégias são adotadas por grupos diferentes de indivíduos, e mesmo dentro de cada grupo, ocorrem desenvolvimentos e mudanças nestas estratégias. Com isto, pode-se falar

 

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de “correntes” ou “escolas” de embocadura na flauta, “correntes” estas que convivem temporalmente, mas também se influenciam mutuamente e modificam. Apesar da homogeneização cada vez mais intensa, a flauta ainda continua a ser um dos instrumentos que mais permitem e encorajam a diversidade. Além disso, apesar da adição do mecanismo para as chaves [na evolução do instrumento], o som é sempre resultado direto da interação entre a boca e o bocal, sem palhetas ou qualquer acessório “intermediário”. Isto constitui ao mesmo tempo um charme e um problema. Com a variedade infinita de possibilidades de combinação, se torna difícil estabelecer regras para uma embocadura perfeita. Este é, portanto, um dos grandes desafios de qualquer método de flauta. RÓNAI, 2008, p. 44

Tendo em vista a dificuldade e imprecisão geralmente encontrada nos flautistas para descrever os mecanismos usados por eles para tocar e até mesmo para delimitar quais os processos que constituem a embocadura, surge o questionamento primordial de qual é realmente a definição que marca o que é especificamente a “embocadura na flauta transversal”. ¹ Justamente por ser complexo descrever e definir embocadura, bem como delimitar as ações componentes desse processo, ressalta-se a necessidade de estudos que possibilitem tornar esse aspecto da técnica como algo mais claro. Assim sendo, cria-se uma alternativa viável de estudo que torna o entendimento técnico como algo objetivo e acessível, além de evitar dúvidas – que podem ser danosas para a prática – e principalmente, abrir espaço para o surgimento de novos estudos no assunto, em campo tecnológico, educacional ou de performance.

2. Embocadura

É importante definir os limites do que realmente é embocadura, justamente para que seja possível estudar e descrevê-la satisfatoriamente, porém, não existe descrição teórica precisa que contemple a magnitude do tema. Segundo o Dicionário Groove de Música: “Aparelho oral para se tocar um instrumento de sopro consistindo de lábios, músculos faciais inferiores, e da estrutura formada por mandíbulas e dentes.”. Vê-se, todavia, que essa definição anatômica não traz total consistência ao processo descritivo do tocar flauta, pois há uma lacuna grande no que realmente é feito para a produção sonora. É preciso conhecer as partes envolvidas na ação, mas igualmente importante compreender a forma como agem.  

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A ação da embocadura não se restringe à capacidade de produzir e manter um único som através de determinado posicionamento de lábios, mas influencia toda a produção do som: a emissão, a articulação e as alterações durante sua manutenção. FUCHS, 200, p.31

Conforme Fuchs, a embocadura constitui-se como um conjunto de ações relacionadas interdependentemente culminando no resultado sonoro que se deseja obter. Isso se deve ao fato de que não se pode deixar de salientar que para cada fluxo de ar que se expele (entrando como variáveis, velocidade e intensidade da vazão) necessita-se de uma forma diferente de lábios para saída, de modo a manter a proporcionalidade nas variáveis que geram o resultado matemático condizente com as condições acústicas de um som desejado (LA QUADRA, 2006). Assim sendo, complementar ao afirmado por Fuchs, a embocadura é a ação não apenas restrita a essa capacidade de produção e sustentação sonora de um posicionamento muscular facial (pois nesse processo são usados feixes musculares além de exclusivamente do lábio), mas influencia toda a produção de som entre emissão, articulação e alterações durante sua manutenção. A embocadura é resultado de um processo que envolve uma complexa relação entre lábios, postura e posicionamento da flauta – todas as variáveis que resultam na sonoridade – elas constantemente mutáveis por serem diretamente relacionadas com variações do fluxo de ar (tanto em velocidade como vazão), preliminar para emissão de som e condições internas como posicionamento da língua e abertura de palato e glote.

3. Discurso técnico

Desde o século XVIII, a literatura flautística buscou de maneiras diferentes descrever no que consistia o processo da embocadura. Contudo, essa busca pela embocadura esbarra com a necessidade da ter conhecimento de qual o ideal sonoro que se almeja. Frequentemente encontram-se descrições desse ideal de qualidade sonora de forma totalmente subjetivas, com uso de diversos adjetivos imprecisos tais como: redondo, cheio, viril, doce, dentre outros. Em geral, o som mais agradável na flauta se parece mais com a voz de uma contralto do que de uma soprano, e imita os sons da voz humana

 

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provenientes do peito, o que se pode chamar tons de peito. Tem que ser feito todo o possível para imitar o som dos flautistas que sabem produzir com seu instrumento um som claro, penetrante, sonoro, redondo, masculino e ainda, agradável. QUANTZ, 1752, p. 53 ²

O que pode ser para uns considerado como um som “cheio e belo” pode para outros ser “ruidoso e áspero”. Isso porque, o som que se considera bonito é uma questão de gosto estético individual ou de corrente estética coletiva, podendo haver grandiosas diferenças de tendências de um flautista para outro. Não há o certo ou errado, porém a busca da embocadura se volta para que tipo de tendência se almeja seguir. Justamente essa subjetividade do ideal sonoro, agregada com a dificuldade de visualização do funcionamento físico e anatômico da embocadura, permite lacunas nos discursos de descrição teórica da técnica. Essas lacunas facilmente provocam questionamentos e polêmicas seculares. A escassez de traduções de textos e métodos de flauta para o português, aliada a essa subjetividade, ampliam a dimensão das abordagens diversas, por vezes contraditórias em alguns pontos já existentes no cenário flautístico e realça a necessidade da construção de um discurso teórico coerente e engajado com a física e anatomia humana. A subjetividade em descrições pedagógicas, juntamente com a escassez e dificuldade de acesso a materiais de referência pode influenciar diretamente na velocidade e qualidade de assimilação do aluno. A dificultosa visualização da ação da embocadura amplia as dúvidas decorrentes da subjetividade nas descrições, por se tratar de movimentos faciais pequenos que ocasionam grande variação sonora, isso sem falar da coluna ar, condição primordial, que não tem como ser visualizada, assim como abertura do palato e da garganta. O aluno, com isso, tem dificuldade em descrever o que faz para obter uma boa sonoridade. Futuramente, no papel de professor, esse antigo aluno permanece com as mesmas dúvidas, possivelmente gerando na geração seguinte de flautistas o mesmo quadro da sua geração. Para mudar essa situação, algumas ações no campo de pesquisa devem ser feitas, como traduções das obras mais comumente usadas ao português, com isso as descrições teóricas dos autores se tornam mais acessíveis, e definição de

 

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limites entre os diferentes discursos técnicos apresentados pelos autores mais recorrentemente usados, de modo a evitar que discursos por ventura antagônicos não sejam misturados gerando comandos contraditórios no tocar. O acesso a um discurso claro, juntamente com disponibilidade de material de referência, onde haja consciência precisa das diferentes estratégias de embocadura (o que podemos chamar de escolas de embocadura) e noção básica da anatomia como alternativa para a difícil visualização, possibilita ao flautista maior consciência das ações que realiza na embocadura. Com isso, é possível descrever melhor o processo e, com maior segurança, transmitir as futuras gerações de flautistas um discurso claro, onde é maior a chance de esclarecimento de dúvidas possivelmente otimizando o tempo empregado em estudo para obtenção da sonoridade desejada.

3.1 . Contradições

De modo geral, encontram-se divergências entre os diferentes discursos sobre embocadura em diversos aspectos, estes refletidos no resultado global da embocadura e sonoridade de forma direta ou até mesmo indireta.

Os

posicionamentos encontrados em escritos tradicionais sobre esse tema apresentam discrepâncias tanto no que se diz respeito à veemência do discurso (alguns são taxativos com indicações inflexíveis e outros bastante permissivos) como também em aspectos notadamente subjetivos e de medidas de grandezas ínfimas ou em combinações diferentes e improváveis de comandos. Seguindo exemplos de casos citados por Scheck (1981) e Mather (1980) em suas obras, seguem-se alguns dos tópicos mais recorrentes nessas contradições e comumente presentes nas discussões entre flautistas que refletem no resultado da embocadura e consequentemente construção do som: Inclinação do instrumento no eixo horizontal dos ombros; posicionamento da abertura propriamente dita da embocadura nos lábios (centralização ou não); alinhamento das partes componentes do instrumento no ato da montagem (ou não); posicionamento do instrumento no queixo no eixo vertical ou na pele rosada dos lábios; uso ou repúdio dos ruídos sibilantes no período transiente da nota, e; rotação

 

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consciente da flauta para fora ou para dentro no ato de tocar e cobertura do orifício do bocal com os lábios. Reunidos esses diversos pontos divergentes (pois são diversas estratégias diferentes para obtenção do resultado final) na prática e propagação da técnica da flauta transversal, averigua-se a total validade de um estudo que catalogue e defina fronteiras entre modelos diferentes. Desse modo evitando a perpetuação destas aparentes contradições que podem resultar em modelos desconexos e ineficientes de produção sonora.

3.2. Abordagens de embocadura

Essa revisão bibliográfica permitiu agrupamento em quatro abordagens sobre embocadura mais comuns na literatura de flauta, agrupamento esse baseado principalmente nas descrições indicadas por Mather (1980) e Scheck (1981) em suas obras, esses quatro nomeados de maneira didática no processo de pesquisa como: embocadura dos lábios franzidos ou protuberantes (Puckering Embouchure); embocadura sorriso ou larga (Smiling Embouchure); embocadura pinçada (Chench Lips), e; embocadura solta (Die Moderne Ansatztechnik). a) O modelo que adota lábios franzidos baseia-se no ato de pressionar os lábios um contra o outro, buscando afastar os lábios dos dentes, consequentemente com simultâneo puxar das bochechas para dentro, sem permitir o aumento do escape de ar (aumento do fluxo de ar) Utiliza-se do afastamento dos lábios para obter notas de registro agudo através de encurtamento da distância percorrida pela coluna de ar da boca até a quina do orifício do bocal. b) A forma de embocadura baseada no sorriso, por sua vez, é uma imitação do ato expressivo do sorrir, um repuxar dos lábios para trás e para cima, movimento oposto ao da embocadura franzida. Existe variável em que o repuxar é para baixo, em ambos os casos os lábios aproximam-se dos dentes. Aqui pressão que a flauta exerce contra o queixo é alta quando comparada com as outras abordagens. A mudança dos registros é obtida com a variação da tensão dos lábios

 

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(estreitamento através do ato de estirá-los para os lados) em conjunto com variação da coluna de ar. c) O pinçar (pressionar, clipar...) dos lábios nos cantos para formar o orifício da embocadura constitui uma abordagem onde se busca tocar com aumento gradual da área pinçada dos lábios de forma a reduzir o orifício de escape do ar para obtenção de notas de diferentes alturas, seguindo a lógica de que quanto mais pinçado o lábio mais agudas as notas obtidas. Essa variação de registros pode ser feita com auxílio do maxilar, em movimento conjunto, para frente (há divergências quanto ao uso de acordo com cada autor). d) Por fim, a embocadura solta, baseia-se no relaxamento muscular facial e mudança de registro baseada no direcionamento (variação da angulação) do jato de ar através de movimentos dos lábios para frente com pouca tensão, longe dos dentes. Utiliza tensão sutil no lábio superior para baixo (mas busca relaxamento especial na região central), que acompanha a movimentação do lábio inferior e participa no molde da coluna de ar. A escola preza pela livre mobilidade dos lábios, com pouca pressão da flauta no queixo. Ainda sim, esses movimentos devem ser pequenos, discretos e podem contar com auxílio do maxilar, evitando ao máximo qualquer compressão dos lábios nas notas agudas.

4. Conclusão

A partir disso, o agrupamento e diferenciação de abordagens proposto pela pesquisa surge como possibilidade de esclarecimento das contradições mais recorrentes no ensino da flauta transversal. Objetiva apresentar um aparato teórico (bibliográfico) que permita o início de um trabalho aprofundado e com comprovações práticas por meio de modelos físicos, estudo físico de fluxo de ar, escrita de literatura embasada da área, desenvolvimento de novas técnicas de ensino, melhoria da qualidade sonora emitida pelos profissionais intérpretes, otimização do tempo de

 

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estudo de instrumentistas, dentre outras aplicações, todas essas que permitam um acesso facilitado de informações cientificamente comprovadas aos flautistas. A busca pela embocadura é um processo longo e complexo para jovens instrumentistas, que geralmente não conhecem diferentes técnicas, conhecem apenas a linha utilizada por seu professor, que não necessariamente é a mais adequada para si. Ter conhecimento das diferentes abordagens permite uma maior possibilidade de escolha ao flautista, bem como evita problemas decorrentes da mistura entre técnicas diferentes, por vezes incompatíveis entre si. Também se pode atestar que grande parte do processo da construção da embocadura depende exclusivamente da formação anatômica de cada indivíduo e de seu gosto estético de sonoridade. Assim, as abordagens apontam apenas formatos gerais que possibilitam esse desenvolvimento técnico, mas regras específicas engessadas não podem ser formuladas, uma vez que as variáveis presentes no cálculo físico da dinâmica do fluido (ar) variam em cada flautista e em alterações enormes para pequenos movimentos. Porém, o conhecimento das diferentes abordagens apresenta possibilidades modeladas de caminhos para seguir na construção sonora do flautista evitando que a mesma se baseie em tentativa e erro, mostrando-se como orientação inovadora que forneça em que dimensão de movimentos posturais e intensidade da coluna de ar que a busca pela sonoridade pode variar para o ideal funcionamento da flauta transversal.

Referências: FUCHS, Bernhard. A Produção Sonora na Flauta Transversal. 2000. Dissertação (Mestrado em Música) – Faculdade de Música Carlos Gomes, São Paulo. LA QUADRA, Patricio de. The Sound Oscillating Air Jets: physics, modeling and simulation in fluete-likes instruments. 2006. 165 f. Dissertação (Doctor of Philosophy) – Department of Music and the Committee on Graduate Studies of Stanford University. MATHER, Roger. The Art of Playing The Flute. Iowa City: Romney, 1980. V.2 QUANTZ, Johann Joachim. Versuch einer Anweisung die Flöte transversière zu spielen. Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752. (tradução para o espanhol por Rodolfo Murillo) Ann Arbor: UMI, 1997.

 

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RÓNAI, Laura. Em Busca de um mundo perdido: métodos de flauta do Barroco ao século XX. Rio de Janeiro: Topbooks, 2008. SADIE, Stanley. Dicionário Groove de Música. Ed. Concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, 1048p. SCHECK, Gustav. Die Flöteund Threr Musik. Mainz: Schott, 1981. Tradução Lucas Robatto. Notas ______________________________ ¹ Diferentemente dos outros instrumentos de sopro, a flauta não possui nenhuma parte que adentre ou cubra os lábios do instrumentista, tornando mais difícil explicar em que se baseia o processo de produção sonora, tanto visualmente como acusticamente. ² Em general, el sonido más agradable de la flauta se parece más a la voz de una contralto que a la de una soprano, imita lós sonidos de la voz humana que provienen del pecho, a los que les puede llamar tonos de pecho. Hay que hacer todo lo possible por imitar el sonido de los flautistas que sabem producir con su instrumento un sonido claro, penetrante, sonoro, redondo, masculino y sin embargo agradable.

 

201

Entre a fonte e o som: Um estudo sobre as técnicas estendidas para pianoi Levy Oliveira Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – [email protected] Ana Cláudia Assis Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – [email protected]

Resumo: Este trabalho apresenta resultados parciais da pesquisa de Iniciação Cientifica intitulada “Entre a fonte e o som”. Dentre nossos objetivos busca-se investigar a forma como as técnicas estendidas vêm sendo empregadas no repertório pianístico dos séculos XX e XXI e como os instrumentistas respondem às questões impostas por estas novas técnicas, visando a composição de um conjunto de peças para nível iniciante e intermediário utilizando algumas técnicas catalogadas. Palavras-chave: Performance, Composição Musical, Didática do Piano. Between source and sound: A research on piano extended techniques Abstract: This paper presents partial results of a scientific initiation research named “Between source and sound”. Our main objective is investigate how extended techniques have been employed in piano repertoire of the XX and XXI centuries and how the performers react to the difficulties imposed by those new techniques, through the composition of a set of easy and intermediate pieces using some catalogued techniques. Keywords: Performance, Musical Composition, Piano pedagogy.

1. Introdução Técnicas estendidas, ou técnicas expandidas, é toda forma não tradicional de se utilizar o instrumento respeitando suas possibilidades físicoacústicas (Pontes, 2010). Ao longo do século XX devido ao interesse crescente pelo timbre no campo da criação musical as técnicas estendidas tem se revelado preciosos agentes sonoros. É interessante observar que algumas técnicas outrora consideradas não usuais - como é o caso do pizzicato - foram sendo incorporadas de tal forma ao idiomatismo dos instrumentos de corda que hoje em dia são consideradas como parte da tradição do instrumento. No artigo intitulado Proto-história, evolução e situação atual das técnicas estendidas na criação musical e na performance, Padovani e Ferraz (2011) traçam, sob uma perspectiva historiográfica, o processo de surgimento e consolidação de diferentes técnicas. Segundo os autores, a primeira aparição do pizzicato coincide com a primeira aparição de legno battuto que ocorre em

202

uma peça para Viola da Gamba intitulada Harke, harke do compositor escocês Tobias Hume (aproximadamente 1569 – 1645). Já o tremolo de cordas é indicado pela primeira vez na ópera Il Combattimento di Tancredi e Clorinda (1624) de Monteverdi (1567-1643). Outra técnica rara para esta época e também encontrada nesta obra de Monteverdi é o Strappare que, devido às indicações do compositor na partitura e ao contexto de batalha em que foi utilizado, obtém um caráter expressivo semelhante ao que é conhecido hoje como pizzicato Bartok. Além do tremolo, esta mesma peça (Il Combattimento di Tancredi e Clorinda) traz a indicação para que ’se deixe o arco e puxam-se as cordas com dois dedos’ (parte do alto secondo, p. 15), de modo a especificar o que viria a se estabelecer tradicionalmente como pizzicato. Levando em conta, porém, que a indicação ocorre no momento do duelo entre Tancredi e Clorinda, que ela requer utilização de dois dedos para puxar a corda e que o verbo utilizado pelo compositor é strappare– que aqui traduzimos por ‘puxar’ mas que também pode significar ‘rasgar’ ou ‘arrancar’ – pode-se dizer que a técnica indicada é muito próxima daquela que hoje se conhece por pizzicato Bartók. (PADOVANI e FERRAZ, 2011: Pág. 12-13)

Além disso, é destacado no mesmo artigo o aparecimento de diferentes tipos de pedais do piano no período pós-revolução industrial, dentre eles o una corda - que foi incorporado ao uso comum do instrumento - e outros que não se consolidaram, como o pedal fagote que adicionava ruídos ao timbre do instrumento. Tom Beghin (2006) propõe uma interpretação do allegretto Alla Turca – terceiro movimento da Sonata K.331 em Lá Maior de Mozart utilizando um papel sobre as cordas graves para gerar ruído, ou seja, um efeito parecido com o do pedal citado acima. Esta proposta interpretativa de Beghin nos mostra que, além do pizzicato bartok, outra técnica que se tornou comum no século XX com John Cage, o piano preparado, pode ter sido previamente utilizada no século XVII com Mozart. No decorrer do tempo, todos os instrumentos sofreram avanços no campo técnico-tímbrico. Para as madeiras surgiram os multifônicos, para os metais surgiram válvulas, para cordas – além das já citadas – tipos diferentes de harmônicos etc. No caso particular do piano, foco desta pesquisa, algumas das possibilidades existentes são: clusters, pressionamento silencioso de

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algumas teclas para que as cordas vibrem por simpatia, execução direta nas cordas do piano utilizando a mão, dedos ou outros objetos, realização de harmônicos pressionando os pontos nodais das cordas, abafamento, utilização de sons produzidos no corpo do instrumento, interação com eletrônica (prégravada ou Live electronic) e utilização da voz.

2. Técnicas estendidas na disciplina Piano Complementar A atual pesquisa de Iniciação Científica iniciou quando, em 2012, no âmbito da disciplina Piano Complementarii, cinco alunos de composição que cursavam esta disciplina foram orientados a compor uma peça para piano. A única condição imposta é que deveriam ser os próprios alunos a interpretarem suas peças, ou seja, o limite de dificuldade foi definido pelo maior ou menor grau de capacidade técnica para realizar de forma satisfatória as peças. Foram compostas seis peças ao decorrer do semestre e três delas, Nada Mais!, Tupã e Talvez, Amarelo, fizeram o uso de técnicas estendidas. O contato direto com as técnicas estendidas que, por muitas vezes, se apresenta difícil para o aluno iniciante - como é apontado por Akbulut (2010) – podem ser vistas também como um jogo lúdico e dinâmico. A título de exemplificação, a peça Nada Mais! foi idealizada após a audição integral das Sonatas e Interlúdios para Piano preparado de John Cage e para sua preparação foi utilizado borracha (elásticos), arruela, plástico e parafuso. Os materiais escolhidos são de fácil aquisição e não apresentam grandes problemas no momento da preparação (até porque é uma peça voltada para iniciantes). O inicio da peça é uma contraposição de notas com o timbre alterado devido à preparação (quatro primeiras semicolcheias) e um rápido ataque que possui uma nota preparada e outra não (sexta semicolcheia). Esta ideia é repetida e desenvolvida, como pode se ver no segundo compasso (Exemplo 1).

204

Exemplo 1: Levy Oliveira, Nada Mais! (comp.1-2)

Já em Tupã, a segunda das três peças, sua concepção é resultado de improvisos onde um percussionista, posicionado na cauda do piano, utilizava baquetas e parafusos para percutir as cordas do instrumento enquanto um pianista fazia uso do piano de forma tradicional. No desenvolvimento da peça, foram utilizados glissandos e frases melódicas nas cordas, clusters feitos na parte interna do piano e bowed-piano iii. Compositor

Título

Característcas

Nathália Fragoso

Talvez amarelo

Levy Oliveira

Nada Mais!

Levy Oliveira e

Tupã (para dois executantes)

Piano preparado em duas regiões; clusters; notação proporcional; uso de claves adicionais. Dur. 3’ Alternâncias de andamento. Com e sem preparação do piano. Dur. 1’40’’ Piano preparado em diversas regiões; clusters, tremolos, glissandos nas cordas; predomínio de gestos escalares; notação proporcional; exploração das ressonâncias. Dur. 3’

Alex Fraga

Exemplo 2: Características das peças. Visando subsidiar a segunda fase desta pesquisa, que é a criação de um conjunto de peças didáticas com objetivo de introduzir os alunos de Piano

Complementar

no

universo

das

técnicas

estendidas,

estamos

trabalhando na catalogação do maior número possível de técnicas estendidas que vem sendo empregadas por compositores brasileiros e estrangeiros. Nossa proposta vai ao encontro do trabalho de Daldegan e Dottori (2011), o qual apresenta proposta similar a nossa ao propor a criação de peças para

205

flauta com técnicas estendidas voltadas a crianças ainda em processo de musicalização. Acredita-se que o trabalho com técnicas estendidas – técnicas nãotradicionais, a partir das quais são produzidas novas sonoridades no instrumento – possa contribuir para ampliar o universo estético dos instrumentistas. O aprendizado de técnicas estendidas, juntamente com a exposição ao repertório contemporâneo e, especialmente, a execução de peças que explorem este material sonoro pode vir a quebrar um ciclo vicioso com relação à música contemporânea “não conheço, não gosto e não toco” que afeta e prejudica inclusive músicos profissionais, que muitas vezes são também professores de instrumentos. (DALDEGAN e DOTTORI, 2011: Pág.114)

A presente pesquisa pretende, portanto, fomentar um repertório didático para alunos de piano propiciando-lhes um contato ao mesmo tempo lúdico e rico em descobertas tímbricas, bem como com técnicas instrumentais não usuais tradicionalmente. Aliado a isso, recursos rítmico-harmônicos comuns em obras representativas do século XX e XXI serão privilegiados – tais como a Pitch-Class Theory - para que o conjunto de peças a ser criado possa ser ainda uma oportunidade para que estes alunos iniciantes tenham contato com técnicas composicionais muitas vezes privilegiadas num contexto musical de grande complexidade.

Referências AKBULUT, S. The use of extended piano techniques at conservatories in Turkey. Procedia social and behaviors sciences 2. Bursa, v. 2, n. 2, p. 30803087, 2010. ASSIS, A. C. O Timbre em Ilhas e Savanas de Almeida Prado. Rio de Janeiro, 1997. 177 p. Tese de Mestrado. UNI-RIO. ____________ Transformações sonoras na interpretação da música brasileira contemporânea. Anais do PERFORMA 2007. Aveiro, 2007. Disponível em www.performa.pt. Acesso em 13/09/2013. ____________; FRAGA, A.; FRAGOSO, N.; FRICHE, L.; OLIVEIRA, L.; SACRAMENTO, L.; SILVA, M. Composição e performance na prática do piano complementar. Anais do PERFORMA 2013. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Disponível em http://abrapem.org/performa/. CAGE, J. Sonatas and Interludes. Nº 6755. New York: Edition Peters, 1960.

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CASTELO BRANCO, C. O Piano preparado e expandido no Brasil. In: Anais do décimo sexto congresso da ANPPOM, 2006, Brasília. P. 770-774. CARDASSI, L. O Piano do Desassossego: Técnicas Estendidas na Música de Felipe Almeida Ribeiro. Música Hodie, v. 11, n. 2, 2012. P. 59-78. DALDEGAN, V.; DOTTORI, M. Técnicas estendidas e música contemporânea no ensino do instrumento para crianças iniciantes. Música Hodie, v. 11, n. 2, 2012. P. 113-127. DIETEL, G. 'Spectrum 3', 25 contemporary works for solo piano from around the world. Metronome-MET-CD-1053 (Myers). 2001. GRELA, D. Piano Contemporáneo: estudios progressivos. 1ª Ed. Santa Fe: Universidad Nacional Del Litoral, 2007. ISHII, R. The Development of Extended Piano Techniques in Twentieth-Century American Music. Tallahassee, 2005. 114 p. Tese de doutorado. Florida State University. PADOVANI, J. H.; FERRAZ, S. Proto-história, Evolução e Situação Atual das Técnicas Estendidas na Criação Musical e na Performance. Música Hodie, v. 11, n. 2, 2012. P. 11-13. PONTES, V. E. Técnicas expandidas – Um estudo de relação entre comportamento postural e desempenho pianístico sob o ponto de vista da ergonomia. Florianópolis, 2010. 134 p. Tese de mestrado. Universidade do Estado de Santa Catarina. TOFFOLO, R. B. G. Considerações sobre a técnica estendida na performance e composição musical. In: Anais do vigésimo congresso da ANPPOM, 2010, Santa Catarina. P. 1280-1285.

i

Este trabalho tem o apoio do CNPq/Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG. A disciplina consiste em aulas individuais de piano com carga horária de 15 aulas semestrais. Dentre seus objetivos está o aprendizado e/ou aprimoramento da técnica básica aliada às “habilidades funcionais do piano” (Corvisier 2008) bem como o desenvolvimento de potencialidades ligadas à expressividade que permitam ao aluno realizar de forma satisfatória um determinado repertório. (Assis 2013) iii Técnica onde cordas de pesca são utilizadas para simular um arco de violino acionando as cordas do piano. ii

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A HARMONIA EM TROVAS OP. 29 No 1 DE ALBERTO NEPOMUCENO: EM BUSCA DE ELEMENTOS DA POÉTICA HARMÔNICA

RESUMO EXPANDIDO:

Francisco Koetz Wildt Faculdade de Artes do Paraná – [email protected]

Heitor Bonifácio Faculdade de Artes do Paraná – email?

Resumo: O presente texto realiza uma breve análise harmônica da canção Trovas de Alberto Nepomuceno (1864-1920), com o objetivo principal de estabelecer fundamentos para a solução da seguinte problemática de pesquisa: quais elementos harmônicos podem ser destacados de modo a contribuir para uma compreensão da construção da linguagem harmônica da peça? A metodologia empregada foi a identificação de três elementos, com base na sua definição por tratados práticos de harmonia: cadências, emprego de inversões e acordes cromáticos. Conclui-se que a identificação de elementos de linguagem harmônica, bem como um exame de como tais elementos são empregados, pode contribuir para uma leitura não só técnica, mas também expressiva da obra.

Palavras-chave: Música brasileira. Alberto Nepomuceno. Harmonia tonal.

o

Abstract: This article presents a brief harmonic analysis of Trovas n 1, by composer Alberto Nepomuceno (1864 – 1930), aiming at the solution of the following question: what harmonic elements should be identified in order to better comprehend the harmonic language of a piece? Methodology was focused in the identification of three different aspects of harmony: cadences, chord inversions and chromatic chords. Conclusions point to the fact that the identification of such elements, as well as an analysis of how they are used, can contribute to an understanding of the musical work not only from a technical point of view, but also expressive.

Keywords: Brazilian music. Alberto Nepomuceno. Tonal harmony.

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1. Introdução

Alberto Nepomuceno compôs canções ao longo de toda a sua carreira, de modo que elas têm importância cabal em sua obra e para música brasileira em geral, como atesta Vasco Mariz: “Embora não tenha sido o primeiro a fazer cantar em português... Alberto Nepomuceno implantou definitivamente o gosto pelo o que é nosso, imprimiu à canção brasileira, afinal, alguns traços da nacionalidade” (MARIZ, 1983: p. 99). E Bruno Kiefer afirma: “Nepomuceno foi um compositor de grande talento e de sólida formação artesanal. Esteticamente um lírico. Daí o fato, sobretudo no terreno da canção artística uma das partes mais preciosas de seu legado” (KIEFER, 1977). Dante Pignatari, em sua tese sobre as canções de Nepomuceno, diz: Nepomuceno compôs canções com acompanhamento de piano ao longo de toda a vida, totalizando cerca de 70 peças. A primeira, Ave Maria, é de 1887, e encontrase entre primeiras obras que publicou; a ultima, Jangada, foi escrita no leito de morte em 1920 (PIGNATARI, 2009: p. 16).

Para Pignatari, as canções de Nepomuceno têm como objetivo a criação de uma música brasileira. Entretanto, o nacionalismo musical de Nepomuceno seria de ordem diversa daquele defendido pelos modernistas, uma vez que para ele a música brasileira seria criada não pela apropriação do folclore nacional, mas através da língua portuguesa. Já Souza, no prefácio da edição de Pignatari das canções de Nepomuceno, apresenta outro detalhamento dessa questão, afirmando que a polêmica lançada por Nepomuceno teria se dado em trono não apenas do uso do português na música, o que já havia sido feito, mas da inserção da questão da língua no contexto da discussão acerca da forma da canção. Segundo Souza, “O que estaria em jogo naquele conflito seria sobretudo um novo projeto de canção brasileira, inspirado no modelo do lied alemão e da mélodie francesa, em que a importância do poema se equipara à da música, em contraste com o estilo operístico italiano e a estética do bel-canto” (SOUZA in PIGNATARI, 2004: p. 16). O presente estudo tem como objetivo realizar uma análise harmônica da canção Trovas, com base em três tópicos da harmonia: cadências, inversões e acordes cromáticos

2. Cadências Walter Piston define a cadência como “...a mais importante fórmula usada para

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finais de frase. Ela marca os pontos de respiração, estabelece a tonalidade e dá coerência a estrutura formal” (PISTON, 1930: p. 125). Cadências são fórmulas usadas nas terminações de frases, ou finais de secções e que estabelecem a tonalidade e os limites formais de uma peça. Segundo Koentopp, “Um dos objetivos de se afirmar uma cadência é realmente proporcionar ao ouvinte uma segurança de que a música pertence a tonalidade a qual se faz propósito” (KOENTOPP, 2010: p. 108). Piston enfatiza novamente a importância da cadência na música tonal, ao afirmar que as principais fórmulas cadenciais permaneceram praticamente inalteradas ao longo de toda a prática comum do tonalismo. Em Trovas, as cadências demarcam mudanças de textura do acompanhamento para piano, sendo que as três primeiras estrofes do texto são delimitadas por cadências. A primeira cadência finaliza a introdução, na qual o piano executa acordes arpejados em estilo violonístico. A mudança radical na textura do acompanhamento e da fórmula de compasso marcam a entrada do canto. A cadência autêntica conclui a introdução do piano (cc. 1 a 5 e sua repetição nos cc 25 a 29) e cada seção, sendo que na primeira vez – c. 25 – o acorde da tônica só aparece no início da frase seguinte (início da repetição da introdução), tendo sido por isso classificada aqui como semicadência. No final da peça, a resolução se dá apenas com a nota da tônica na melodia. A semicadência é recorrente na canção. É usada no final das duas frases que compõem primeiro período (cc. 8 e 12),

no final da segunda estrofe (c. 24) e nos

compassos 33 e 37, após uma reapresentação do material da introdução. A primeira frase do canto (c. 5 – 8) chega numa tríade da dominante com a terça no baixo:

210

Exemplo 1: início do canto.

E na segunda frase desse período, a frase conclui no VII invertido, como substituto da dominante. Essa semicadência marca uma mudança de textura junto com o verso “O amor pertubou-me tanto”:

211

Exemplo 2: análise da segunda frase do canto.

No compasso 24, a melodia conclui a frase com uma apojatura sobre o V7 (fá# sol), que vem precedido do ii6/5. Aqui, devido ao desenho da melodia, a semicadência não soa tanto como uma chegada no V, mas como uma cadência autêntica que teve sua conclusão expressivamente omitida.

Exemplo 3: nova ocorrência da semicadência.

O trecho dos compassos 29 a 37 é uma repetição do primeiro período, apenas com a modificação da figuração do acompanhamento. Até o c. 33, há o acréscimo de um ostinato sincopado numa voz interna (oitavada) e nos compassos 34 a 37, o

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acompanhamento se torna um arpejo ascendente. Na passagem do compasso 21 para o compasso 22 (a mesma cadência dos compassos 46 – 47) é empregada uma cadência de engano. No compasso 22, a pausa no canto produz uma ambiguidade no entendimento da cadência como semicadência ou cadência de engano, mas a mão direita do piano dá continuidade à frase que, conduzindo ao acorde do VI e à continuação da frase no canto, parece confirmar o uso da cadência de engano. A mesma cadência é usada para o final da última estrofe e seu efeito expressivo é acentuado pela textura a qual explora a amplitude do registro pianístico:

Exemplo 4: cadência de engano que antecede o final da primeira seção.

3. Inversões

Apesar de ser um recurso usual para quebrar a monotonia, e conceder ao baixo um caminho mais melódico, Schoenberg atesta que as inversões devem ser usadas com cuidado, uma vez que não representam o acorde na sua sonoridade mais estável: “... toda disposição do acorde com a fundamental no baixo imita, da forma mais perfeita, a relação de um som fundamental com seus harmônicos.” (SCHOENBERG, 1940: p. 101). Por isso, sua análise nos mostra algumas das intenções de um compositor quanto ao tratamento harmônico dado a uma peça. Piston, sobre a tríade na primeira inversão, nos diz: “Harmonicamente considerando a sonoridade vertical, a tríade em sua primeira inversão é mais brilhante e menos poderosa, menos conclusiva, do que a tríade em seu estado

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natural.” (PISTON, 1930: p. 88). Sobre o acorde de segunda inversão, o autor afirma: “Uma vez que a quarta é um intervalo dissonante e o de sexta uma consonancia imperfeita, o acorde seis quatro é um acorde instável.” (PISTON, 1930: p. 117). Koentopp comenta sobre a segunda inversão:

“... o uso do acorde da segunda inversão será

limitado a três opções: acorde de passagem, no momento de uma cadência, e como bordadura.” (KOENTOPP, pg.42, 2010). Além das três situações mencionadas, o acorde de sexta e quarta pode ser empregado pelo seu caráter de tensão e ambiguidade à medida que isso for um efeito desejado pelo compositor.

No início da canção, quando

é apresentado o canto, a segunda frase (compassos 9 – 12) é harmonizada com uma progressão usando acordes na seguna inversão, o que gera um movimento descendente por graus conjuntos na linha do baixo:

Exemplo 5: progressão usando acordes na segunda inversão.

E em seguida, na passagem dos compassos 13-14, é explorada a sonoridade de um acorde maior com a quinta no baixo. Nessa passagem, a sonoridade do acorde na segunda inversão dá um sentido de incerteza tonal, de abertura, o qual, além de expressivo por si só, favorece a introdução de um acorde cromático (analisado aqui como primeira inversão de uma dominante com décima terceira) que toniciza o iv grau:

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4. Acordes cromáticos O princípio da dominante secundária pode ser apresentado da seguinte forma: “Todo os acordes de uma escala menor ou maior podem ter a sua própria dominante chamada de dominante secundária, exceto pelos acordes formados por tríades diminutas como VIIº grau da escala maior e o IIº e o VIIº graus da escala menor. As tríades diminutas não servem como Tônicas porque elas podem ser encaradas como um acorde de dominante incompleto”. (KOENTOPP, 2010: p. 141)

Cabe acrescentar ainda que as harmonias dominantes de função secundária os acordes de dominantes secundárias são compreendidas aqui como acordes que ocorrem no interior de uma frase, sem que estabeleçam uma modulação ou novo centro tonal duradouro. Na análise da peça foi constatado o uso de dois desses acordes: uma dominante do quarto grau (V do iv) nos compassos 15 e 16 e um V7 do V no compasso 20. Ambas as passagens são reiteradas na segunda seção da canção. Abaixo, pode-se ver a primeira passagem citada:

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Exemplo 6: passagem com a resolução do V do iv.

O acorde de sexta napolitana é um acorde formado sobre o segundo grau da escala maior onde a fundamental é “abaixada” em um semitom e tem função de subdominante na cadência. A denominação sexta napolitana deve-se à aparição desse acorde se dar originalmente na primeira inversão, mas o acorde pode aparecer também em estado fundamental ou na segunda inversão, casos em que alguns teóricos o chamam simplesmente de acorde napolitano. Na peça trovas, o acorde aparece com a quinta no baixo, em meio a uma progressão que atinge o acorde do sétimo grau diminuto (ver exemplo 5).

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5. Conclusão

É impossível separar as conclusões da análise harmonia desta canção sem nos determos por um instante ao texto, como afirma Dante Pignatari em sua tese. Sobre a poesia, Alvez afirma:

O texto poético é de autoria do poeta brasileiro Joaquim Osório Duque-estrada (1870-1930) e traz versos de sete silabas que são chamados de heptassilabos ou rededondilho maior. (2007, p. 28)

E ainda: O poema está na primeira pessoa do singular, Nas duas primeiras quadras, o poeta idealiza o sofrimento amoroso, se sentenciando à solidão ou mesmo à morte como podemos dizer a partir dos dois últimos versos “... minha alma não sendo tua, não será de mais ninguém”. O poema se estrutura basicamente em torno de antíteses( morto, vivo ; canto, choro; de dia sonhando, de noite acordado) e através delas o poeta dá expressão formal às contradições causadas pelo sentimento amoroso em sua alma atormentada. (2007, p. 28)

Este sentimento de sofrimento amoroso é transmitido pela harmonia, que se utiliza de acordes invertidos, cadências de engano e acordes cromáticos, elementos os quais, pelo grau de ambiguidade que introduzem, podem contribuir para o sentido expressivo da música. Conclui-se que a análise harmônica constitui um possível caminho para se compreender melhor a estrutura de uma obra musical, não só em seus aspectos técnicos, mas também expressivos. Por isso, pode contribuir também como auxílio para a sua performance. Referências: ALVEZ, Poliana de Jesus, Cinco canções sinfônicas de Alberto Nepomuceno: um olhar interpretativo. Campinas, 2007. 129f. Dissertação de mestrado. UNICAMP. PISTON, Walter. Harmony. Londres: Norton and Company, 1987. PIGNATARI, Dante. Canto da língua: Alberto Nepomuceno e a invenção da canção brasileira. São Paulo, 2009. 151f. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.

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MARIZ, Vasco. História da musica no Brasil. 2a edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao inicio do séc. XX. Porto Alegre: Editora Movimento, 1977. KOENTOPP, Marco Aurélio. Métodos de Ensino de Harmonia nos Cursos de Graduação Musical. Curitiba, 2010.180f. Dissertação de mestrado. UFPR.

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Semelhanças entre as propostas educacionais de Hans Joaquim Koellreutter e Raymond Murray Schafer

MODALIDADE: Cognição André Luiz Greboge

UFPR – [email protected] Resumo: Este trabalho diz respeito a uma pesquisa teórica em andamento referente a duas propostas educacionais de música surgidas no séc. XX, sendo elas as propostas de Raymond Murray Schafer e a de Hans Joaquim Koellreutter. Tendo em vista a necessidade de sugestões de propostas pedagógicas frente às necessidades da educação musical no Brasil, a pesquisa final visa criar um panorama de utilização das ideias dos autores, partindo dos pontos de vista semelhantes até então apreendidos, que serão expostos neste texto. Palavras-chave: Educação musical. Murray Schafer. Hans Joaquim Koellreutter. Métodos ativos. Séc. XX. Similarities between the educational proposals of Hans Joachim Koellreutter and Raymond Murray Schafer

Abstract: This paper concerns a theoretical research in progress regarding two proposals for musical education emerged in the twentieth century, these being proposed by Raymond Murray Schafer and by Hans Joachim Koellreutter. Considering the need of suggestions for pedagogical proposals that meet the needs of musical education in Brazil, this research aims to create a panorama of utility and range of the principal ideas of the authors, based on the similar views so far seized, that will be exposed in this text. Keywords: Musical education. Murray Schafer. Hans Joaquim Koellreutter. Active methods. th 20 Century.

1. Introdução Este trabalho é parte de uma pesquisa teórica em andamento que visa reunir ideias, atividades e sugestões pedagógicas provenientes dos métodos ativos em relação ao ensino musical brasileiro. Mesmo com a aprovação da lei 11.769/08, que obriga o ensino do conteúdo de música nas aulas de artes, falta mão de obra qualificada (profissionais licenciados em música), a estrutura necessária para o ensino (aparelhagem de reprodução de áudio e instrumentos, por exemplo) e uma rede de pesquisa pedagógica que adapte e crie metodologias e propostas funcionais ao Brasil e seus múltiplos contextos. Do ponto de vista pedagógico, a adaptação e utilização de métodos ativos aparece como uma solução para parte desses problemas. Deve-se ter claro que, boa parte dos métodos ativos precisa de uma reestruturação frente à diferença de contexto e época de criação, sendo que, a partir

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de modificações e reflexões de âmbito teórico e prático, essas ideias se justificam no panorama de ensino musical brasileiro. Este presente trabalho visa, portanto, relacionar duas propostas de ensino, a de Hans Joaquim Koellreutter (1915 - 2005) e a de Raymond Murray Schafer (1933). O objetivo aqui é apontar pontos concordantes que foram levantados até o momento, de modo que se extraiam sugestões de trabalho que estejam baseadas em ambas as propostas, uma vez que se perceberam semelhanças nas ideais dos dois autores. 2. Os autores O trabalho educacional do compositor canadense Raymond Murray Schafer começou no momento em que na década de 60, o compositor foi convidado para atuar em duas escolas do Canadá. As suas experiências na educação, mesmo que sem formação como educador, o fizeram refletir o ensino da música tradicional, tanto nas escolas como nos conservatórios e sugerir novas abordagens para o ensino da música. Deve-se ter mente que o ensino de música no Canadá faz parte da formação dos alunos, porém, mesmo que no Brasil não seja o mesmo, parte de suas experiências relatadas podem ser adaptadas (FONTERRADA, 2010, p. 291 292). Do mesmo modo que o trabalho educacional de Schafer, as propostas do também compositor Hans Joaquim Koellreutter foram formuladas partir de suas críticas ao ensino tradicional de música. Koellreutter nasceu na Alemanha, mas fugiu para o Brasil em 1937, sendo que aqui atuou como compositor, musicólogo, educador e crítico musical. Além de ter saído do Brasil por mais um período, Koellreutter retornou em 1975, quando ficou no país definitivamente. Para citar algumas de suas atuações no Brasil consta que foi professor de Edino Krieger, Tom Zé, Camargo Guarnieri e Cláudio Santoro, por exemplo, que ajudou a criar a Orquestra Sinfônica Brasileira e a Escola de Música da Universidade Federal da Bahia em 1954. Mesmo que haja diferenças estéticas entre as obras composicionais dos autores, ambos afirmam que suas ideias, tanto educacionais como composicionais são reflexos do séc. XX e das constantes quebras de paradigmas e do surgimento

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cada vez mais rápido de novos movimentos artísticos pelo mundo (FONTERRADA, 2008, p. 178 - 179). Portanto, a primeira semelhança é a crítica dos autores em relação aos métodos de ensino tradicionais, tendo em vista que, com o mundo cada vez mais dominado pela indústria fonográfica e marcado pela ramificação cada vez maior das artes e seus estilos, havia a necessidade de novas propostas de ensino, tão abrangentes quanto flexíveis o possível, para atualizar os modos de ensino e poder assim, contemplar as novas artes. 3. Crítica aos métodos e flexibilidade de conteúdos Como fruto da ideia de flexibilidade e abrangência, os autores criticam a ideia de método, a qual é entendida como um modo de ensino que prevê conteúdos fixos ensinados e avaliados de modo inflexível, independentemente do contexto em que se inserem. Segundo eles, os métodos são pouco criativos, fechados em questões de repertório e muitas vezes, acabam por não atender as necessidades musicais reais dos alunos (BRITO, 2001, p. 32). Deve-se saber que, mesmo implicitamente, qualquer modo ou método de ensino carrega em si uma resposta frente a uma necessidade educacional, e segundo Schafer e Koellreutter, a necessidade educacional mudou radicalmente no séc. XX. De acordo com os autores, suas ideias devem ser agrupadas como propostas, uma vez que tendem a ser flexíveis em relação aos contextos, aos conteúdos e aos modos de avaliação. Isto é algo que pode ser aproveitado no Brasil frente a grande heterogeneidade de situações em que o docente pode se envolver. Em relação aos conteúdos, existe uma semelhança entre os autores que é a ideia de flexionar a ordem em que são trabalhados e apresentar conteúdos à medida que os alunos necessitem deles. Para tanto, as propostas sugerem que o docente precisa avaliar e fazer os alunos pensarem no que estão aprendendo, de modo que, o professor sugira ideias, faça questionamentos e note quais são as necessidades imediatas dos alunos, o que interliga os conteúdos musicais. Por exemplo, se um grupo de alunos compôs uma melodia, e ao avaliar e discutir a melodia, os alunos notaram que, por exemplo, faltou um trabalho composicional levando em conta o âmbito das dinâmicas, o professor é levado a trabalhar conteúdos relacionados à dinâmica, para suprir a necessidade dos alunos. Ou seja,

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o docente deve ser capaz levantar dúvidas e questionar os alunos para que estes lhe demonstrem o que precisam aprender. A ideia da flexibilidade da ordem de conteúdos se enquadra no panorama brasileiro uma vez que o ensino musical voltou a ser obrigatório muito recentemente e em muitos casos não está sendo adequado por falta de mão de obra qualificada. As atividades de discussão e reflexão frente a ideias musicais podem ser consideradas uteis principalmente em turmas mais avançadas no ensino musical. Mas para que ambas as propostas de conteúdo funcionem, é necessário que o professor esteja aberto para aprender com seus alunos. Os autores classificam o professor como uma pessoa com conhecimentos maiores e mais profundos, mas que nem por isso, tem todos os conhecimentos musicais. Para as propostas, o professor ideal é o que é capaz de indagar e guiar a criação das respostas.

4. A audição como ponto de partida do ensino

Ambos os autores sugerem também que o primeiro contato com um novo conteúdo deve se dar a partir da audição, mesmo porque toda música composta e executada tem como objetivo final a audição. Retomando o exemplo anterior, para o professor apresentar o conteúdo das dinâmicas, por exemplo, é necessário que este mostre uma música que lhe seja útil para exemplificá-las e que ele discuta o conteúdo, recorrendo à audição sempre que necessário. Ambos os autores se diferenciam das abordagens tradicionais de ensino musical por sugerirem o uso de repertório o mais variado o possível, o que faz jus a função de levantar novas questões que o professor tem. Entre outros objetivos, os autores buscam criar indivíduos que levem em conta que qualquer som tem uma identidade própria justamente por carregar em si uma série de características que o delimita (SCHAFER, 1991, p. 299). A partir da audição, em que o docente apresenta novos conteúdos, as propostas sugerem que os alunos devem ser levados a produzir com o que aprenderam, ou seja, compor, executar e refletir. Os autores levam em conta que o docente deve sugerir limites e materiais composicionais, para que o aluno tenha um plano de ação delimitado e que permita a avaliação. Uma característica comum às

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propostas é justamente o uso massivo de atividades de composição e execução, para que o aluno trabalhe ativamente o conteúdo recém-apresentado.

5. Considerações finais Deste modo, a partir do que foi possível averiguar da bibliografia até então consultada, notaram-se semelhanças entre as propostas em aspectos de conteúdo, do papel do docente, de avaliação, de repertório, de audição, de execução e composição, de ensino e da prática musical. Portanto, conclui-se que com as adaptações necessárias nos diversos contextos educacionais de música, nos quais o professor pode ter de atuar, as semelhanças até agora levantadas podem servir como ponto de partida para o ensino musical que vise formar indivíduos críticos e musicalmente independentes, com um conhecimento derivado da escuta e exercitado através de práticas composicionais e interpretativas.

Referências: Livros: BRITO, Teca. Alencar. Koellreutter educador: o humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Peirópolis, 2001. FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora UNESP, 2008. KATER, C. Música viva e H. J. Koellreutter: Movimentos em direção à modernidade. São Paulo: Musa Edições, 2001. SCHAFER, M. O ouvido pensante. 1. Ed. São Paulo: Unesp, 1991 ____________. A afinação do mundo. 1. Ed. São Paulo: Unesp, 2001. Capítulo de Livro: FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. Raymond Murray Schafer: O educador musical em um mundo em mudança. In: MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz (Org.). Pedagogias em educação musical. Curitiba: Ibpex, 2010. P. 276 – 303. Legislação: BRASIL. Decreto 11.769, de 18 de agosto de 2008. Dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de música na educação básica. Diário oficial da união da República

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Federativa do Brasil. Disponível em: . Acessado em 21/10/2013.

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Um estudo sobre motivação de alunos estagiários, do curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência: MODALIDADE: Gabriel Silveira Pfarrius

Universidade Federal do Paraná – [email protected] Resumo: Esta pesquisa de iniciação científica, em andamento, traz como objetivo geral verificar níveis de crenças de autoeficácia de alunos em fase de estágio, do curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência. Nesse sentido procuramos verificar a motivação conforme os níveis de crenças de autoeficácia (Bandura, 1986) dos sujeitos a serem pesquisados, professores em formação no curso de licenciatura em música da UFPR, na fase de estágio. Palavras-chave: motivação. crenças de autoeficácia. professores estagiários. A study about motivation of student trainees, of the graduation in musical education on confrontation with teaching activities Abstract: This scientifics iniciation research, which is in process, has the general objective of verify levels of self-efficacy judgements of student trainees graduating in musical education on confrontation with teaching activities. This way we’re searching for verify the motivation according as levels of self-efficacy judgements (Bandura, 1986) of the population about to be researched, forming teachers in graduation on musical education of UFPR, in the trainees phases. Keywords: motivation. self-efficacy judgements. Trainees teachers.

1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa de iniciação científica1, em andamento, traz como objetivo geral verificar níveis de crenças de autoeficácia de alunos em fase de estágio, do curso de licenciatura em música, no confronto com atividades de docência. Começadas as atividades com leituras de publicações sobre motivação e música, para reconhecimento do “estado da arte” deste foco de pesquisas na literatura nacional e internacional, já tem sido possível verificar o valor que as contribuições do construto central da Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura (1977) traz para esta pesquisa: as crenças de autoeficácia. As crenças de autoeficácia se referem a uma avaliação que o sujeito faz sobre suas capacidades para enfrentar diferentes ações. Nesse sentido procuramos verificar a motivação conforme os níveis de crenças de autoeficácia dos sujeitos a serem pesquisados, professores em formação no curso de licenciatura em música da UFPR, na fase de estágio. Para tal também se apresenta como objetivo específico a própria compreensão do referencial teórico com que estamos a abordar essa questão da motivação, e as práticas de ensino e aprendizagem musicais desenvolvidas pelos participantes da pesquisa.

2. REFERENCIAL TEÓRICO:

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A ideia de motivação, como sendo um elemento gerador de uma ação, que move as realizações das pessoas, segundo Bzuneck (2001), remete à raiz mesma do vocábulo, verbo original do latim, movere, de que também deriva o substantivo motivum, “motivo”, em português, ou “tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de certa forma. Um motivo gera uma ação (origem da palavra); esse impulso é gerado por um fator externo (provindo do ambiente) e do raciocínio do indivíduo. Está relacionado com a cognição (conhecimento) das pessoas e seus paradigmas formados durante a vivência.” (PIMENTA; SANTINELLO, 2008, p. 3). Nesta pesquisa, sobre motivação, buscamos abordar a Teoria Social Cognitiva desenvolvida por Albert Bandura (2008), valendo-nos de sua ideia central, a das “crenças de autoeficácia”, que representa uma possiblidade de análise com enfoque cognitivista. Por volta dos anos 80 é que Albert Bandura elabora a Teoria Social Cognitiva, de acordo com Azevedo (1993): Bandura (1969) começou por defender teorias de modificação do comportamento muito próximas do comportamentalismo e mais próxima das teorias cognitivas, que designou por teoria da aprendizagem social (Bandura, 1977) e revelou ainda maior aceitação do paradigma cognitivo quando designou a sua teoria como teoria cognitiva social (Bandura, 1986). (AZEVEDO, 1993, p.1). As “crenças de autoeficácia” estudadas por Bandura na base dessa teoria são fatores que condicionariam o funcionamento humano, definidas pelo próprio autor (1986), como: “julgamento das próprias capacidades de executar cursos de ação exigidos para se atingir certo grau de performance.” (BANDURA apud BZUNECK, 2001, p.116). 3. METODOLOGIA: Esta pesquisa, que ainda está em andamento, tem sido desenvolvida em duas fases distintas. A primeira (fase atual) é o estudo do referencial teórico – Teoria social cognitiva de Albert Bandura – e o estudo sobre motivação e práticas musicais em geral. A segunda fase compreende o estudo de campo, cuja metodologia, descrevemos abaixo. 3.1 Método: Será utilizado o estudo de levantamento (ou survey) como método para esta pesquisa. De acordo com Gil (2008) e Babbie (1999), o estudo de levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta.

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3.2 População: Estudantes dos cursos de licenciatura em música que estejam cursando estágio (último período) e que concordem em participar desta pesquisa, respondendo um questionário de forma anônima, uma vez que a identidade dos participantes será preservada. Será elaborado termo explicativo e de livre consentimento para os participantes. 3.3 Instrumento de coleta de dados: Será adaptada para este estudo a escala de avaliação das crenças de autoeficácia de professores de música, desenvolvida por Cereser (2011). A partir deste instrumento, originalmente elaborado para professores já atuantes na educação básica, serão feitas adaptações necessárias para população desta pesquisa – alunos em período de estágio, dos últimos anos da licenciatura em música. A escala será testada, inicialmente, em um estudo piloto para análise da confiabilidade e coerência interna das questões. Após o estudo piloto, a escala será aplicada para a população definitiva. 3.4 Análise dos dados: os dados serão analisados estatisticamente e servirão para caracterizar o grupo e para verificar os níveis de crenças de autoeficácia dos participantes no confronto com as atividades de docência vivenciadas durante o estágio (do curso de licenciatura em música). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Esta pesquisa traz implicações para os estudos sobre motivação e música especialmente para os estudos que tratam da formação de professores de música e para os estudos sobre processos motivacionais e prática musical. Uma abordagem sobre o tema das crenças de autoeficácia do aluno licenciando estagiário favorece a compreensão de fatores psicológicos envolvidos na prática deste aluno e pode auxiliar na reflexão sobre formação docente nas instituições que trabalham com cursos de licenciatura em música. Referências: AZEVEDO, M. Percepção de autoeficácia: a motivação na teoria cognitiva social. Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, 1993. BANDURA, Albert. A evolução da teoria social cognitiva. In: A. Bandura, R.G. Azzi & S. Polydoro (Orgs.). Teoria social cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 43-67. BABBIE, Earl. Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. BZUNECK, José A. A motivação do aluno: aspectos introdutórios. In: Boruchovitch, E.; Bzuneck J. A. (Orgs.). A motivação do aluno: Contribuições da Psicologia Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 09-36.

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GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. - São Paulo: Atlas, 2008. PIMENTA, S. M.; SANTINELLO, J. Relacionamento humano e motivação no trabalho docente. Revista eletrônica lato senso - UNICENTRO, Chopinzinho, Vol. 6, 2008. CERESER, Cristina, M.I. As crenças de auto-eficácia de professores de música. Tese de doutorado. Proto Alegre: UFRGS, 2011, 179p. 1

Este texto tem vínculo com o grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq/UFPR

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Jogo de malha: por uma poética composicional em ‘paisagem sonora mista’ MODALIDADE: INICIAÇÃO CIENTÍFICA Julio Cesar Damaceno UEL – [email protected] Fátima Carneiro dos Santos UEL – [email protected] Resumo: Esta comunicação é fruto de uma pesquisa realizada em nível de iniciação científica, que teve como objetivo o exercício de uma poética composicional em paisagem sonora, aqui denominada de ‘paisagem sonora mista’, dada a partir da inter-relação entre a composição musical acústica e a soundscape composition. As questões éticas e estéticas implícitas nesta poética composicional são o que lhe garante uma marca de contemporaneidade neste início de século, e acreditamos que e vivenciar outras possibilidades composicionais em paisagem sonora pode contribuir para a ampliação da própria ideia de soundscape composition. Palavras-chave: escuta, paisagem sonora, paisagem sonora mista.

Jogo de malha: a compositional poetic in ‘soundscape mixed’ Abstract: This paper is the result of a survey conducted at the level of scientific research, which aimed to experience a compositional poetics in soundscape , called by us 'mixed soundscape', given from the inter-relationship between the musical acoustic composition and the soundscape composition , a compositional poetics that emerged in the 1970s in Canada, and that keeps expanding nowadays. The ethical and aesthetic issues that are implicit on this compositional poetics are what guarantee a brand of contemporary in the beginning of this century, that has been discussed, with some emphasis, the relationship between the individual and the soundscape around him. Furthermore, thinking in other ways of compositions in soundscape can contribute to expand the own idea of soundscape composition. Keywords: listening, soundscape, mixed soundscape .

1. Introdução Nos anos 70 surgia, no Canadá, um movimento intitulado World Soundscape Project, que reunia pesquisadores de diversas áreas entorno de um novo campo de estudos: o ambiente sonoro. No âmbito de tal movimento, que tinha como objetivo principal a investigação e mesmo a re-configuração do continuum sonoro que permeia nosso cotidiano, constituiu-se a ideia de

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paisagem sonora, que pode ser definida, sinteticamente, como “qualquer porção de um ambiente sônico visto como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p. 366). Devido à própria natureza de seu objeto de estudo, uma das principais atividades do WSP consistiu no registro (gravação) de sons ambientais em diferentes contextos. A partir desses materiais, alguns pesquisadores e compositores engajados no projeto desenvolveram uma poética composicional, denominada por Barry Truax como soundscape composition (TRUAX, 1996, p. 54). O que parece caracterizar a composição de paisagem sonora “é a presença de sons ambientais em contextos reconhecíveis”, cujo propósito é “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à paisagem” (TRUAX, 1996, p. 54-55). Além disso, outra intenção do compositor de paisagem sonora seria a promoção da conscientização do ouvinte em relação ao som ambiental. Neste sentido, Truax (1996) aponta para o fato de que enquanto o uso de fontes concretas, por parte do compositor, faz com que o ambiente permaneça o mesmo (pois o compositor simplesmente capta seus elementos do ambiente), a composição de paisagem sonora bem-sucedida tem o propósito de mudar a consciência do relacionamento entre o ouvinte e o ambiente. Ainda de acordo com os princípios estéticos e composicionais da soundscape composition, o compositor não “usa” os sons a seu bel-prazer, pois, como observa Truax, em tal composição, o som “usa” tanto o compositor quanto o ouvinte, “naquilo que ele (o som) evoca em cada um deles: a riqueza ou a dificuldade em verbalizar imagens e associações e tudo aquilo que guia a composição e sua recepção”. Nessa poética composicional é o som que faz a mediação do relacionamento entre compositor/ouvinte e o contexto ambiental e social, “refletindo-o, comentando-o, imaginando sua forma ideal, investigando seus significados internos”; o som é o foco, ele “guia a composição”: é como se alguém estivesse “compondo e sendo composto através do som” (TRUAX, 1996, p. 60).

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Assim, tendo como foco os princípios estético/composicionais propostos pelos compositores ligados ao WSP, mas com o intuito de ampliar tais princípios, a poética composicional desenvolvida durante nossa pesquisa referese a um modo de composição em paisagem sonora, baseado na inter-relação entre sons captados do ambiente (paisagem sonora ambiental) e estruturas/ sonoridades acústicas características da música ocidental (paisagem sonora acústica), ao qual denominamos ‘paisagem sonora mista’. 2. Materiais e métodos

Nosso estudo teve o campo da criação como norteador das reflexões teórico-conceituais. Ao mesmo tempo em que realizamos um “mergulho”, através da escuta e da composição, tanto no que se refere às sonoridades ambientais, quanto às sonoridades de instrumentos acústicos, refletimos e repensamos tanto ideias de música, quanto ideias de composição de paisagem sonora. O ato de “mergulhar” nas paisagens sonoras implicou em um contato direto com o campo a ser investigado, possibilitando o exercício de criação sonora e o exercício reflexivo/conceitual. O desenvolvimento das atividades ocorreu em duas etapas. A primeira consistiu em um estudo teórico, dado através da leitura de textos referentes à escuta, composição de paisagem sonora e composição musical, além da escuta de repertório musical específico. Na segunda etapa, desenvolvemos um estudo prático, através da escuta e captação de ambientes sonoros do campus da Universidade Estadual de Londrina, utilizando gravador digital, microfone estéreo e fone de ouvido. A edição das paisagens sonoras ambientais foram realizadas a partir da utilização do editor Audacity. A criação, execução e registro das paisagens sonoras acústicas, compostas para instrumentos acústicos, foram gravados digitalmente e a composição final (‘paisagem sonora mista’) foi realizada através da inter-relação dos materiais sonoros ambientais e acústicos, utilizando o referido editor de som.

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3. Resultados e Discussão

Partindo do princípio de que a principal característica da soundscape composition é a utilização de sons ambientais em contextos reconhecíveis, cujo propósito é “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à paisagem” (TRUAX, 1996, p.60), optamos por adotar como “guia” composicional a ideia de Westerkamp (1999), segundo a qual na composição de paisagem sonora o compositor age como um pintor, um fotógrafo, ou um caricaturista, ou seja, aquele que delineia contornos sonoros e evidencia sons que poderiam passar despercebidos na paisagem. Seguindo tal ideia, e levando sempre em consideração a questão da referencialidade sonora, a poética que desenvolvemos procura apresentar o som ambiental sem qualquer tipo de manipulação. Além disso, os materiais musicais compostos pelo compositor, a partir de sua escuta das paisagens sonoras captadas do ambiente, agem sobre esta, com o objetivo de realçar sonoridades e evidenciar significados simbólicos que os sons destas paisagens possam conter. Ou seja, através da escuta, o compositor busca possíveis relações entre os sons e/ou materiais sonoros das paisagens sonoras (ambientais e acústicas), como, por exemplo, uma possível semelhança timbrística entre o som emitido por um objeto ou uma voz qualquer, dada por uma determinada fonte sonora e a sonoridade de um determinado instrumento musical. Além disso, o significado simbólico que um som possa trazer em si, no contexto da paisagem sonora ambiental, pode sugerir uma textura, uma “cor” harmônica ou mesmo um perfil melódico revelado pela paisagem sonora acústica que, de alguma forma, se relacione com o possível simbolismo do som em questão. O processo criativo vivenciado durante o projeto culminou na composição intitulada Jogo de Malha, criada a partir de registros sonoros realizados durante a prática de um jogo de malha, realizado regularmente por servidores no campus da UEL. Nesta composição, as sonoridades reveladas pelo processo de escuta das paisagens sonoras ambientais, em especial o som

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dos discos metálicos lançados ao chão pelos jogadores e as vozes dos participantes, guiaram nossas escolhas na criação das paisagens sonoras acústicas. A primeira possibilidade de relação que observamos entre as sonoridades do ambiente e as possíveis sonoridades acústicas foi uma semelhança timbrística entre os sons dos discos metálicos e a sonoridade do glockenspiel, instrumento musical da família dos idiofones. Tal percepção nos levou a optar por essa instrumentação na composição das paisagens sonoras acústicas. Em um segundo momento, o que chamou-nos a atenção nas paisagens sonoras ambientais, foi a presença de um sotaque caracteristicamente nordestino nas falas dos jogadores, o que nos levou a realçar este aspecto sonoro na composição das paisagens sonoras acústicas, através da utilização de estruturas musicais (melódicas e rítmicas) que fizessem referência à cultura do nordeste.

4. Considerações finais

Na composição Jogo de Malha, acreditamos nos aproximar da concretização da ideia de um processo composicional que integra a composição de paisagem sonora e a composição musical acústica, culminando no que denominamos de ‘paisagem sonora mista’. Pode-se observar que na poética composicional proposta as paisagens sonoras acústicas tendem a se revelar a partir das próprias paisagens sonoras ambientais, através de uma escuta atenta e de relações feitas pelo compositor; ou seja, as paisagens sonoras compostas com instrumentos acústicos são reveladas pelas próprias paisagens captadas do ambiente, e pretende, como função essencial, comentar e re-significar os próprios sons ambientais, procurando não tomar a frente em relação a estes, mas, pelo contrário, buscando, dentro do possível, integrar-se aos mesmos, comentando-os. Assim, o que temos denominado de ‘paisagem sonora mista’ é um tipo de composição que se aproxima da ideia de composição de paisagem sonora, tal qual definida por Truax (1996, p. 54), incorporando, porém, a

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possibilidade de um diálogo com sonoridades instrumentais e/ou vocais, características da música acústica ocidental. Pretende-se, sob tal perspectiva, que a ideia de soundscape composition se veja ampliada, uma vez que a composição de ‘paisagem sonora mista’ integra em seu corpus sonorus outros sons para além daqueles presentes nas paisagens sonoras ambientais que a compõem, mas sem deixar a referencialidade de lado, ou, como diria Truax (1996), sem deixar de “invocar associações, memórias e a imaginação do ouvinte relacionadas à paisagem”.

Referências: SCHAFER, Murray. A afinação do mundo. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. TRUAX, Barry. Soundscape, acoustic communication and environmental sound composition. Contemporary Music Review, London, v. 15, n. 1, p. 49-65, 1996. London, v. 15, n. 1, p. 49-65, 1996. WESTERKAMP, Hildegard. Soundscape composition: linking inner and outer worlds. 1999. Disponível em www.sfu.ca/~westerka/writings.html. Acesso em: 25 jul. 2012.

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COMPOSIÇÃO MODULAR PARA OBRAS AUDIOVISUAIS INTERATIVAS

MODALIDADE: INICIAÇÃO CIENTÍFICA Alexandre Campos UFPR - [email protected] Débora Opolski UFPR - [email protected] Lucas Diaz UFPR - [email protected] Resumo: Este trabalho tem o intuito de discutir questões sobre a trilha sonora em narrativas audiovisuais não lineares, relatando um dos experimentos da pesquisa de iniciação científica Produção sonora para audiovisual interativo. Com o intuito de resolver a questão da continuidade e interação entre os fragmentos de vídeos não lineares, o trabalho apresenta uma estratégia de composição baseada nas idéias da música aleatória e em exemplos de interatividade em jogos eletrônicos. Palavras-chave: Trilha Sonora. Narrativas Audiovisuais Interativas. Composição modular.

Modular Composition in interactive audiovisual works Abstract: This paper aims to discuss issues about the soundtrack in non-linear audiovisual narratives, reporting one of the experiments of the the research Sound production for interactive audiovisuals. In order to solve the question of continuity and interaction between fragments of non-linear videos, the work presents a compositional strategy based on the ideas of aleatory music and examples of interactivity in video games. Keywords: Soundtrack. Audiovisual Interactive Narratives. Modular composition.

1. Introdução Ao longo da história do cinema, o desenvolvimento musical e sonoro acompanhou aquele da imagem, ao passo em que as estruturas cinematográficas foram sendo consolidadas. A concepção de trilha sonora evoluiu com as narrativas lineares, semelhantes ao sentido tradicional do processo composicional, trabalhando com motivos, andamentos e cortes precisamente definidos pela narrativa apresentada.

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Com a evolução dos mecanismos de criação e reprodução, tornou-se possível investir em obras interativas, em que o fluxo não é mais definido pelo artista, mas sim pelo espectador. A primeira obra audiovisual concebida dentro da idéia de narrativa interativa veio com Raduz Cincera em seu filme Kinoautomat de 1967. Na projeção da obra, o filme parava em momentos chave para um narrador perguntar à platéia qual decisão deveria ser tomada. Ainda que a obra tenha sido pioneira em seu campo, foi com a expansão do mercado de jogos eletrônicos que o gênero de obras interativas ganhou espaço. Títulos como Dragonʼs Lair (1983) e Heavy Rain (2010) caminharam no limiar entre obras cinematográficas e jogos virtuais, apresentando experiências de jogo com características da narrativa audiovisual. Nos filmes, obras como Late Fragment (2007) e Last Call (2010) trazem a interatividade para o cinema, enquanto nos tablets, computadores e smartphones, artistas como Joe Penna trazem conteúdo visual interativo na forma de vídeos e aplicativos. Esta mudança de paradigma permite ao espectador maior interação e participação com a obra e, ao mesmo tempo, ao artista explorar uma maior variedade de aspectos da própria obra, que antes poderiam ficar ocultos ou em segundo plano pela estrutura do modelo linear. Entretanto, pouco se fala sobre as implicações técnicas destas produções sob o ponto-de-vista artístico e musical. É preciso saber como submeter as artes às novas possibilidades reveladas pelas tecnologias, de modo a integrar os aspectos internos da obra, assim como produzir novas formas de interação artística, ainda pouco exploradas, como é o caso da manipulação do conteúdo pelo espectador.

2. A Narrativa na obra audiovisual O discurso musical deve ter uma coesão condizente com o desenvolvimento da obra através dos elementos: motivos, seções e outras divisões, que delimitam uma argumentação sonora e permitem, independente da corrente estética em questão, uma configuração apropriada, que diferencia trilhas sonoras de  obras musicais.

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No cinema, a retórica musical está diretamente relacionada ao ritmo e à narrativa do filme. Carrasco (2003) afirma que questões específicas do audiovisual, como a coloração da imagem, o ritmo dos cortes, os diálogos etc, são os propulsores dramáticos da composição, que não apenas sugerem direções para a música, mas também, implicam diretamente na organização estrutural da trilha sonora. Na narrativa tradicional, o andamento e corte de cada cena mostram ao compositor sinais de transição, que facilitam as mudanças, guiando o processo com relação à macro-estrutura do filme. No entanto, nas obras interativas, deve-se assumir que, assim como o cineasta, o compositor não está no controle da direcionalidade da obra. Sabe-se das cenas que existem, mas nem sempre se pode prever o fluxo da narrativa, assim como o momento de corte de cada cena. Surge a necessidade de pensar em um modelo composicional adequado às questões da imprevisibilidade e aleatoriedade dos vídeos interativos.

3. Aleatoriedade A música aleatória surgiu na metade do século passado, em meio a crises estéticas, correntes divergentes e antagônicas. A música serial, por exemplo, buscava em certo sentido uma organização mais ou menos rígida na composição musical (GRIFFITHS, 1978: p.159). Já o trabalho de John Cage, na década de 50, mostrava uma abordagem oposta. Music of Changes e Imaginary Landscape n. 4 foram composições importantes dentro do movimento da música aleatória. Entre as diversas tendências do modernismo, a musica aleatória surgiu como uma possibilidade de incluir o acaso como elemento de composição. A aleatoriedade como ferramenta composicional pode ser aplicada em diversos parâmetros. Os experimentos com música aleatória começaram com o uso do acaso no próprio material musical. As obras de Morton Feldman e Earle Brown apresentam partitura gráfica com indicações de materiais sonoros vagos. O manuscrito da Projetion I de Feldman consiste em uma folha quadriculada, com eventos musicais mais ou menos determinados escritos em uma ordem temporal específica (harmônicos

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de violino no registro superior, ou um acorde pizzicato de duas notas no registro médio). Depois destes primeiros experimentos, a indeterminação começa a surgir em outros parâmetros. No nível da forma, Twenty-Five Pages de Brown propõe uma obra com eventos não-lineares. A peça é executada com suas páginas ordenadas por um ou mais intérpretes, abrindo a possibilidade de sobreposição dos eventos musicais. O ponto convergente entre a música aleatória e a criação musical para vídeo interativo segue a proposta da Terceira Sonata de Boulez: o uso de materiais fixos, porém com ordem livre. A partitura desta peça apresenta setas com diferentes ordenações dos fragmentos (que são integralmente anotados em partitura convencional). Desta forma, as opções do intérprete geram muitas combinações de narrativas. # 4. Processo composicional do experimento I Afim de atender as peculiaridades da narrativa sonora dentro da poética audiovisual, foi necessária a definição de uma linguagem musical específica, que abrangesse as estratégias de criação para o vídeo interativo. Por linguagem musical compreende-se qualquer conjunto de regras musicais ou método para obter unidade, ou ainda as ferramentas para o controle da concepção e percepção das idéias (SIGAL, 2009: p.15). Baseado nesta idéia, uma abordagem coerente da linguagem musical ira, portanto, ajudar a criar um “caminho musical” que guiará o ouvinte na escuta da peça, determinando possibilidades de foco e níveis de complexidade em determinados momentos. Keane comenta a respeito desta coesão e controle no contexto da música eletroacústica:

“Quando alguém se vê sozinho em meio à uma imensa floresta, sem nenhuma idéia do caminho para sair, este alguém dificilmente achara as flores bonitas ou o canto dos pássaros fascinante. Entretanto, com a adição de apenas uma trilha ou uma sinalização, será possível caminhar com uma sensação completamente diferente. Os recursos eletroacústicos oferecem o potencial de criar exóticas florestas de sons, e por este motivo há uma necessidade

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obrigatória de referências. É importante entender que um ponto de referência não precisa necessariamente timbres familiares ou ritmos, mas um processo que é compreendido pelo ouvinte. Uma pessoa na floresta encontra segurança na utilidade das trilhas e da sinalização, não nas trilhas e sinalizações em si.” (KEANE, 1986: p.110).1

Segundo Sigal, o planejamento de uma linguagem é conduzido pelas necessidades específicas do compositor, e que este planejamento começa com a escolha do material musical e a análise de seu potencial. Para esse experimento, decidiu-se usar os sons originais do video como material musical primário. A partir deles, a trilha sonora se desenvolveria por processamentos eletrônicos, gerando novos materiais. Foram usados quatro sons primários: sons de ficha, falas, background e ruído da câmera de video. Com a ausência de parâmetros musicais mais reconhecíveis, como a harmonia ou melodia tradicionais, foi necessário trabalhar o discurso da peça por outros parâmetros. Neste aspecto, o trabalho de composição do experimento I se aproxima muito da composição eletroacústica. A escolha dos materiais primários e a exploração de suas possibilidades se configura como uma das etapas de maior importância. Para este fim, uma primeira divisão dos materiais musicais foi pensada, visando as suas características intrínsecas e futuras utilizações. Sigal propõem três maneiras de considerar as características de um objeto sonoro: Espectral (o interesse tímbrico que existe no objeto sonoro, bem como sua tessitura), morfológico (movimentação do som em determinado espaço de tempo, o seu formato) e gestual (evento musical pontuado, com uma característica intervalar, dinâmica ou rítmica especifica). Pensados estes três parâmetros, o planejamento de um discurso musical foi melhor organizado. A partir destes materiais originais e processados, foi criada uma sintaxe musical para dialogar com as cenas. Por exemplo, os elementos gestuais (fichas,

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Tradução do autor: “Discovering oneself in the midst of a large forest with no idea of the way out, one is hardly likely to find the flowers beautiful or the bird calls fascinating. However with the introduction of only a marginal trail or signpost, one can move around with a completely different sensation. Because electroacoustic resources offer the potential to create particularly exotic forest of sound there is a compelling need for references. Itʼs important to understand that a point of reference need not be familiar timbres rhythms, but a process that is comprehended by the listener. A person in the forest finds security in the function of the paths and signposts, not in the paths or posts themselves”.

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recortes de falas) foram agrupados formando estruturas rítmicas, elementos texturais (vozes, respirações) foram processados afim de formar estruturas harmonias   e as cadencias entre os módulos foi possível pelo uso de um material musical recorrente, um recorte de uma respiração especifica. Como estratégia para a resolução da continuidade e interação entre os fragmentos, utilizou-se uma organização musical modular aleatória: blocos sonoros intercambiáveis que se alternam conforme o andamento da obra. Porém, isso não foi suficiente para tratar dos esvaziamentos das tensões sonoras causadas pelo silêncio, resultante do término de um módulo e do início de outro. Na narrativa linear, o som é um elemento importante para a continuidade da obra audiovisual, pois existem backgrounds que ultrapassam os cortes da imagem (PURCELL, 2007: p.34). Trabalhou-se então com 3 categorias de módulos sobrepostos, alguns aleatórios e outros fixos: módulos de encadeamento visual; textura continua unificadora e elementos de transição. Por módulos de encadeamento visual, definiu-se fragmentos composicionais que tivessem sincronia com a imagem do vídeo. Neste sentindo, optou-se por utilizar materiais gestuais e texturais relacionados diretamente à cena. O módulo da textura unificadora entra como um background para facilitar a ligação dos módulos de encadeamento visual. No audiovisual, a utilização de trechos de silêncio, pode indicar mudanças de tensão na cena, assim como a continuidade ou expansão de idéias musicais pode aumentar a dramaticidade através do ritmo sonoro relacionado ao ritmo da imagem, portanto, para evitar esta quebra, optou-se por manter uma textura que interligasse a narrativa. Os módulos de transição possuem o objetivo de manter a continuidade da narrativa, encobrindo eventuais cortes na trilha e, ao mesmo tempo, reforçar para o espectador a mudança da narrativa. Assim garante-se ao novo trecho uma determinada autonomia sonora, evitando que soe como uma continuação ou corte de câmera da cena anterior. Neste sentido, sem nenhum corte, pode-se acrescentar uma nova camada ao arranjo, que estabeleça relações dinâmicas com a composição. Assim sendo, por mais que uma cena seja modificada bruscamente, esta transição deverá

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soar natural para o ouvinte e a trilha acompanhar a imagem sem precisar de recortes e sem perder a sincronia. Abaixo, uma sistematização estrutural sobre a pesquisa relatada, aplicada ao experimento I:

Exemplo 1: Sistematização estrutural do experimento I

O próximo passo da pesquisa consiste em aplicar essa estruturação modular na composição da trilha sonora de outros vídeos, para verificar se ela pode ser descrita como uma possibilidade funcional para o gênero audiovisual interativo. No momento, parece plausível e funcional. Entende-se a estruturação apenas como uma forma de lidar com as questões da aleatoriedade do vídeo interativo. Porém, serão as opções estéticas do compositor que definirão a funcionalidade da trilha sonora com relação ao filme. A proposta é estabelecer uma linguagem para aplicação de trilha sonora interativa, que possa ser utilizada independente da opção estética escolhida pelo compositor.  

REFERÊNCIAS: CARRASCO, Ney. Sygkhronos: A formação da poética musical do cinema. São Paulo: Via lettera, 2003. GRIFFITHS, Paul. A música moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

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PURCELL, John. Dialogue Editing for motion pictures. Focal Press publications, 2007. SIGAL, Rodrigo. Compositional strategies in electroacoustic music. Saarbrücken: VDM, 2009. CINCEROVA, Alena. Disponível em: Acesso em: 5 de out. 2013

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Pesquisa de Parâmetros Sonoros e Criação Artística MODALIDADE: Teoria e Composição Musical Rodrigo Leite Souza Enoque

UFPR – [email protected]

Resumo: O século XX viu florescer uma grande quantidade de gêneros e formas artísticas. Em muitos casos, como na arte sonora, essas formas trouxeram uma transformação dos modos convencionais de criação. Por se tratar de uma nova forma de uso do som em criações artísticas e por estabelecer relações com outras áreas de criação, além de uma nova forma de trabalho com o material sonoro, essa pesquisa pretende abordar essa vertente artística, a arte sonora, através do conceito de dialogismo do linguista e filósofo russo Mikhail Bakhtin, tendo em vista que essa perspectiva considera um tipo de relação dialógica entre várias disciplinas, no campo artístico e conceitual. Essa perspectiva fundamenta a criação de uma obra original envolvendo vídeo-arte e música eletroacústica. Palavras-chave: Arte Sonora. Dialogismo. Música Eletroacústica. Composição Musical. Search of Sound Parameters and Artistic Creation Abstract: The twentieth century saw the flowering of genres and art forms and in many cases, as for example in the sound art, they searched for transforming the conventional ways of creating. Having in mind that it is a new way of using sound in artistic creations and of establishing relationships with other areas of creation, this research aims to address this artistic movement – sound art – through the concept of dialogism of the Russian linguist and philosopher Mikhail Bakhtin, considering that this view considers a kind of dialogic relationship between the various disciplines, in the conceptual and artistic fields. This perspective grounds the creation of an original work involving video art and electroacoustic music. Keywords: Sound Art. Dialogism. Electroacoustic Music. Musical Composition.

1. Arte Sonora: uma reunião de manifestações artísticas sob uma perspectiva dialógica O presente trabalho consiste em uma pesquisa em andamento aceita para uma bolsa de Iniciação Científica. O objetivo deste trabalho é investigar na prática composicional formas que permitam a criação de um projeto de arte sonora para música e vídeo. Do ponto de vista teórico, este trabalho se fundamenta no conceito de dialogismo proposto pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895 – 1975). A importância desse conceito é que ele ajuda a compreensão das possíveis formas de interação entre as áreas artísticas no âmbito composicional em questão. Também serão realizadas pesquisas e análises de obras do gênero, além de uma pesquisa prática em plataformas de criação e processamento sonoro digital. Segundo Bakhtin todo discurso – compreendido como um enunciado – é produzido através de uma relação dialógica com outros discursos. Disso resulta a ideia de que nenhum discurso, para o autor, ocorre concretamente de maneira isolada. Em uma situação sócio-comunicativa, por exemplo, há um dialogismo presente que se estabelece por meio de um enunciado e das respostas direcionadas a esse enunciado. Nesse contexto, o ouvinte é sempre um participante ativo que

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responde ao seu interlocutor. Em um contexto histórico, mais global, Bakhtin considera que todo enunciado já se encontra envolvido em uma cadeia de outros enunciados, para os quais ele é uma resposta. O próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores – emanantes dele mesmo ou outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (fundamenta-se neles, polemiza com eles), pura e simplesmente ele já os supõe conhecidos do ouvinte. Cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados (Bakhtin, 2000: 291).

Para Bakhtin, as relações entre os enunciados, em contextos sóciocomunicativos, geram uma camada de significados que está na base de todo discurso. De maneira semelhante, a criação de um trabalho artístico pressupõe uma relação dialógica deste com outras obras e, conjuntamente com outros trabalhos que estão inseridos em um contexto específico de criação (SCHROEDER e SCHROEDER, 2011: p.133 - 134). Desse modo, naquela perspectiva mais global, dialógica bakhtiniana, uma obra se insere em um contexto histórico a partir dos sentidos que ela projeta em relação a uma tradição sociocultural. Ou seja, ela abre caminhos para novas relações e criações futuras. Bakthin se refere ao conceito de polifonia para definir o processo dialógico que ocorre entre camadas de “vozes” ou de enunciados. Assim, de maneira semelhante, a ideia de polifonia, em um âmbito artístico, serve para ampliar a compreensão daquela inserção dialógica, do ponto de vista histórico, de uma obra artística em seu tempo. Para o propósito deste trabalho, essa visão comunicativa, dialógica, entre enunciados serve para definir, em parte, formas de interação e correspondência entre as artes, visão esta que está implícita na investigação prática, composicional, deste projeto. Durante o século XX, importantes artistas que buscaram refletir sobre seus processos de trabalho, processos esses que direcionaram as suas práticas, buscaram em parte novas formas de expressão artística que tinham por base certa correspondência entre áreas artísticas distintas. Alguns desses artistas, por exemplo, produziram ambiências sonoras que ultrapassaram as formas tradicionais de relação entre meios distintos, desse modo gerando trabalhos em que aquela correspondência afetava de maneira global a percepção da obra. As animações sonoras do artista escocês Norman McLaren (1914 – 1987), por exemplo, se apoiavam em imagens desenhadas na própria película do filme. Esse processo contribuiu para a criação de uma forma de composição musical derivada de outro meio, nesse caso, o filme. Já o artista mexicano Manuel Rocha Iturbide (1963) tem feito uso de diversos materiais, como vídeo, poesia, fotografia, objetos do cotidiano, para trabalhar o som com a imagem. Por meio de suas pesquisas, Iturbide gera

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formas mais ou menos complexas no que diz respeito ao uso dos materiais e modos de relação entre esses materiais no contexto de uma obra artística.1 Nesses casos, o dialogismo presente nas relações dinâmicas entre materiais, nos valores que marcam as fronteiras significativas de cada meio, e nos padrões de uso de cada meio, em particular – consiste em um jogo de interferências mútuas que afetam a percepção desses trabalhos, no tempo e no espaço, em complemento, gerando uma expansão das formas tradicionais de trabalho artístico sem anular as características individuais de cada meio, ou seja, obras que mantém uma unidade em sua composição gerada a partir de conceitos diversos da criação artística. A partir de uma perspectiva dialógica, então, é que entendemos o conceito de arte sonora. Conforme Lílian Campesato e o compositor Fernando Iazzetta (CAMPESATO e IAZZETTA, 2006: p. 776), o termo se refere a uma reunião de gêneros artísticos em que o som é o material de referência para uma forma expandida de composição, uma forma em que tanto os sons como o espaço e o tempo se misturam para efetuar uma nova forma de expressão. Devido a essa característica “multidisciplinar”, a arte sonora, segundo Campesato e Iazzetta, estaria situada na “borda” entre a música e as outras artes. Desse modo, o processo composicional que dá sentido a essa pesquisa teórica tem por princípio que o conceito de arte sonora apresenta uma dimensão dialógica que implica certa autonomia e definição dos limites de uma obra, enquanto se distingue como tal presença. Os trabalhos de arte sonora em geral enfatizam o uso de materiais e aspectos composicionais que não se empregam regularmente na música tradicional, como a espacialidade, a performance e a plasticidade do som. Justamente por ser fruto de uma relação dialógica entre meios e formas artísticas distintas, a trama de fatores estruturais que geram caracteristicamente uma estética própria não se conforma com procedimentos composicionais que em geral estão associados às formas artísticas convencionais. Em “arte sonora” se observa uma dimensão nova relativa à temporalidade e espacialidade dos materiais, além de processos de criação mediados pelas novas tecnologias de áudio, pelo tratamento do som como objeto de escultura ou pela ideia de uma experiência multissensorial do trabalho composicional, como um todo. Por arte sonora entendemos a reunião de manifestações artísticas que estão na fronteira entre a música e outras artes, nas quais o som é material de referência dentro de um conceito expandido de composição, gerando um processo de hibridização entre som, imagem, espaço e tempo. Entre outras questões, a concepção estética desse repertório vai ao encontro da reflexão e inclusão de elementos não usados regularmente na criação musical tradicional, tais como a espacialidade, a visualidade, a performance e a plasticidade. (CAMPESATO, 2007, p.57)

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Portanto, esta pesquisa teórica tem o propósito de fundamentar o processo de criação de um trabalho artístico que pretende criar formas de integração e correspondências entre a imagem em vídeo e a música eletroacústica. Nesse sentido, a perspectiva dialógica de Bakhtin implica, para a pesquisa em questão, uma nova qualidade de abordagem criativa para esse gênero. Mesmo não sendo objetivo deste trabalho propor uma definição para as formas de criação em arte sonora, a perspectiva dialógica bakhtiniana permite ampliar a compreensão de seu repertório e então, somete a partir daí, apontar para um enriquecimento dessa experiência estética.

2. Processo de criação: aplicação dos conceitos na produção de uma obra original de arte sonora. Conforme essas ideias, o projeto de criação de um trabalho para música e vídeo se apoiará no conceito de dialogismo proposto por Bakhtin, tendo em vista aquela dimensão contextual e histórica do termo, que permite situar e definir em parte o trabalho composicional em sua autonomia estética e em sua natureza composta, concreta. Esta natureza é responsável em parte pelos limites que ajudam a constituir certa representação de sua realidade própria. A cadeia dialógica que situa esta obra no tempo contribui então para gerar sentido e justificar a sua inserção em um contexto global, que funciona nesse sentido tal como uma “polifonia”. Assim, as possíveis relações da música com outras artes, durante o processo de criação, serão exploradas a partir de uma estratégia global que abarca certas formas de correspondências e divergências entre os materiais artísticos e suas formas no tempo-espaço. Essas formas de relação entre esses materiais são importantes para articular os elementos compositivos, gerando sentido, e para definir perceptivamente a autonomia de cada meio enquanto é parte interativa de uma composição artística. Esse dialogismo que fundamenta este trabalho – e que apresenta, por sua vez, uma perspectiva de contextualização histórica – é que poderá gerar então, do ponto de vista estético, um sentido de “abertura” para o ouvinte deste trabalho conforme explica a compositora Roseane Yampolschi, ao se referir ao termo “a-obra-que-se-abre” (2002, p. 44-52). Para a concepção e elaboração de um trabalho de arte sonora para música e vídeo, será necessário, então (1) um planejamento de materiais básicos e de sua inserção em um contexto estético; (2) um levantamento de estratégias estruturais para a espacialização sonora; (3) a realização de pesquisa e a seleção, em bancos de sons, de possíveis materiais sonoros, para edição e processamento; (4) uma pesquisa e gravação de sons “concretos”, tendo em vista aquele contexto estético e as estratégias já elaboradas; (5) a manipulação dos materiais sonoros selecionados

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e a sua exploração por meio de síntese sonora. Nesta última etapa do projeto de criação, serão usados softwares de produção sonora digital, necessários principalmente para a produção e processamento dos materiais, sendo dada preferência a programas de uso irrestrito encontrados em diversas comunidades na internet, como softwares de síntese sonora (ex: Pure data, VSTs etc.) e programas de produção multipista (ex: Reaper, Ardour etc.). Outro fator importante a ser abordado neste projeto, como um todo, é a questão da espacialização sonora através de aparelhos difusores de som. Nesse sentido, parte da pesquisa nesse campo de trabalho será destinada à busca, tanto em referências bibliográficas, quanto em outras experiências profissionais, de modelos de alto falantes, e à utilização do espaço físico como parte do objeto artístico. E finalmente, para finalizar o trabalho serão realizadas as tarefas de edição, mixagem e masterização dos materiais sonoros. As pesquisas e processos de trabalhos em arte sonora têm se ampliado e se aprofundado à medida que instituições artísticas e de pesquisa abrem espaço para essas novas produções. Assim, o Encontro Internacional de Música e Arte Sonora – EIMAS2, o Centro de Arte Contemporânea Inhotim3, ambos no Brasil, ou o Encontro Visiones Sonoras4, realizado no México, por exemplo, se dedicam ao estudo, exposição e produção de obras do gênero. Ao buscar outros conceitos não muito abordados pela música, como o espaço ou a plasticidade, e relacionar o uso do som à imagem, as obras de arte sonora constituíram um campo bastante criativo para a pesquisa e produção artística. Assim pode-se relacionar diretamente o conceito de dialogismo apresentado anteriormente com essa perspectiva de criação. O objetivo desse projeto de Iniciação Científica, nesses termos, é criar uma obra de arte sonora em música e vídeo que esteja embasada conceitualmente em uma perspectiva dialógica entre a música eletroacústica e as artes visuais. Referências: Livros: BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Dissertações:

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CAMPESATO, Lílian. Arte Sonora: Uma Metamorfose das Musas. São Paulo, 2007. [173p.]. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade de São Paulo. Artigos em Anais de Periódicos: SCHROEDER, Sílvia C. N. e SCHROEDER, Jorge L. Música como discurso: uma perspectiva a partir da filosofia do círculo de Bakhtin. Música em Perspectiva, Curitiba, vol. 4, nº 2, p. 127 – 153, 2011. YAMPOLSCHI, Roseane. A forma-que-se-abre: um modelo interpretativo para a composição interdisciplinar. Revista Modus, jun. p. 44-52, 2002. Trabalhos em Anais de Eventos: CAMPESATO, Lílian e IAZZETTA, Fernando. Som, espaço e tempo na arte sonora. In: Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPON), XVI, 2006, Brasília. Música em Contexto. Brasília: UNB, 2006. p. 775 – 780. YAMPOLSCHI, Roseane. Uma compreensão dialógica da atitude transdisciplinar fundamentada no conceito de interdisciplinaridade artística. Vitória: II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, 2005.

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http://www.artesonoro.net/ManuelRochaIturbide.html (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013). http://www.ufjf.br/eimas/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013). 3 http://www.inhotim.org.br/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013). 4 http://www.visionessonoras.org/ (Acessado pela última vez no dia 13/10/2013). 2

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Um estudo sobre experiências vicárias de músicos mediadas pela internet e sua relação com a construção das crenças de autoeficácia* MODALIDADE: Cognição musical Marina Calçado Abrahão

Universidade Federal do Paraná – [email protected]

Resumo: Este trabalho se trata de uma pesquisa de Iniciação Científica que se encontra em andamento. Tem como base a Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, com foco principal nos aspectos de motivação e das crenças de autoeficácia (BANDURA et al., 2008), que estão presentes ao longo do aprendizado de estudantes de música. O objetivo deste estudo é verificar a construção das crenças de autoeficácia de estudantes de música por meio de experiências vicárias vivenciadas no processo de aprendizagem musical mediado pela internet. Palavras-chave: Teoria Social Cognitiva. Motivação. Crenças de autoeficácia. Estudantes de música. Aprendizado através da Internet. A study on vicarious experiences of musicians Internet-mediated and its relation to the construction of self-efficacy beliefs Abstract: This paper is about an in progress scientific initiation study. Is based on Albert Bandura's Social Cognitive Theory, focusing primarily on the motivation aspects and selfefficacy beliefs (BANDURA et al., 2008), which are present throughout the music students learning. The objective of this study is to investigate the construction of self-efficacy beliefs in musics students through vicarious experiences in the music learning process mediated by the internet. Keywords: Social Cognitive Theory. Motivation. Self-efficacy beliefs. Music students. Learning through the Internet.

1. Teoria Social Cognitiva A Teoria Social Cognitiva foi desenvolvida por Albert Bandura, em meados de 1980 e ainda segue em processo contínuo de construção. Estuda o comportamento humano, entendendo o homem como um ser que desempenha ações de acordo com sua auto percepção da realidade, proativo, por meio da relação entre os seus fatores pessoais (cognição e afetos/pensamento e sentimento), o contexto social (ambiente) em que está inserido, e o seu comportamento em si. Esses três fatores têm influencias sobre as pessoas, dependendo de cada um, em maior ou menor escala (Cavalcanti, 2009). Desta forma, os interesses e objetivos na realização de tarefas, dependem das experiências do indivíduo em paralelo com seu meio e sua auto reflexão, regulando assim as suas motivações, que auxiliam diretamente no seu desempenho (Cavalcanti, 2009). 2. Motivação

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“Motivação, ou ato de motivar, é a existência de motivos que provocam a ação de se mover em busca de algo” (Silva, 2012, p. 19). Segundo Bandura (2008), a motivação determina o grau de interesse e a intensidade do esforço desempenhado em determinada ação, que varia de pessoa a pessoa, de acordo com a relação entre o indivíduo com ele mesmo e o ambiente em que está envolvido. Por isso, o comportamento motivacional acontece por fatores intrínsecos e extrínsecos. Os primeiros se referem à autonomia, interesses pessoais (cognitivos e afetivos). Já os extrínsecos buscam recompensas do meio externo para apoiar suas ações. Deste modo, a motivação para realizar atividades pode tanto ser fortalecida como desestimulada, na relação direta entre os fatores internos e externos e a influência deste resultado na formação das crenças de autoeficácia do sujeito.

3. Crenças de autoeficácia

A partir do momento em que, diante de uma situação, o indivíduo se pergunta “eu consigo fazer isso?” é que se dá o início de uma crença de auto eficácia. Não depende exatamente da pessoa ter mesmo capacidade ou não para executar uma ação, mas sim do quanto ela se acredita apta para tal (Bzunek, 2002). Pajares e Orlaz (2008) explicam que as crenças de autoeficácia são construídas por meio de diferentes fontes (ou fatores), como as experiências pessoais de êxito, as experiências vicárias, as persuasões verbais, e reações afetivas. Nesta pesquisa o foco para a construção das crenças de autoeficácia, portanto, são as experiências vicárias, isto é, a observação que o indivíduo faz sobre o desempenho de outras pessoas e que lhe motiva a agir, espelhando-se no outro. Como em todo aprendizado, na área da música também se encontra relevante o estudo desta teoria, pois antes do estudante de música começar a tocar qualquer instrumento, ele tem o desejo de estudar música. Neste momento ele já inicia a construção das suas crenças de autoeficácia, que, por sua vez, fará parte de todo o seu processo de aprendizado musical.

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4. Metodologia

Será utilizado o estudo de levantamento (ou survey) como método para esta pesquisa. De acordo com Gil (2000) e Babbie (1999), o estudo de levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta. A população participante do estudo será composta por estudantes dos cursos de bacharelado em música e licenciatura em música que se utilizem de práticas de aprendizagem musical mediadas pela internet e que concordem em participar desta pesquisa, respondendo um questionário de forma anônima, uma vez que a identidade dos participantes será preservada. Será elaborado termo explicativo e de livre consentimento para os participantes. Será elaborado, como instrumento de coleta de dados, um questionário composto em duas partes: a primeira, para exploração de dados que caracterizem o grupo participante da pesquisa por meio de questões abertas, fechadas e de múltipla escolha. Na segunda etapa, irá conter uma escala tipo Likert, de 5 ou 7 pontos, para verificação dos

dados

sobre as

relações

entre experiências

vicárias

de

aprendizagem musical mediadas pela internet e a aquisição das crenças de autoeficácia dos participantes. O questionário será testado, inicialmente, em um estudo piloto para análise da confiabilidade e coerência interna das questões. Após o estudo piloto, o questionário definitivo será aplicado com os participantes. Posteriormente, os dados serão analisados estatisticamente e servirão para caracterizar o grupo e para verificar as relações entre as crenças de autoeficácia e as experiências viárias vivenciadas pelos participantes nos processos de aprendizagem musical dos estudantes por meio da internet.

4. Considerações finais

Os estudos sobre motivação tratam de questões cognitivas, afetivas e sociais dos indivíduos. Segundo Bandura, “a autoeficácia possui uma função reguladora que atua como mediadora da cognição, emoção e motivação” (Cavalcanti, 2009, p. 25). Todas essas questões fazem parte do desenvolvimento da

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aprendizagem musical e do desenvolvimento das habilidades musicais. Neste sentido, considera-se a importância do meio como um fator que influencia o comportamento social cognitivo do estudante de música e, consequentemente, as suas ações.

Referências: BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisa de Survey. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001. BANDURA, Albert; AZZI, Roberta; POLYDORO, Soely. Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. São Paulo: Artmed, 2008. BZUNECK, J. A. As crencas de auto-eficacia e seu papel na motivacao do aluno. Petropolis: Vozes, 2002. CAVALCANTI, C. R. P. Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre crenças de autoeficácia de músicos instrumentistas. Curitiba, 2009. 159f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal do Paraná. GIL, Antônio C. Métodos e técnicas de Pesquisa Social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999. PAJARES, F.; ORLAZ, F. Teoria Social Cognitiva e auto-eficácia: uma visão geral. In: BANDURA, A.; AZZI, R.; POLYDORO, S.. Teoria Social Cognitiva: conceitos básicos. São Paulo: Artmed, 2008. SILVA, R. R. Consciência de autoeficácia: uma perspectiva sociocognitiva para o estudo da motivação de professores de piano. Curitiba, 2012. 146f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade Federal do Paraná.

1 Notas *Este texto tem vínculo com o Grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq.

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Um estudo sobre elementos da teoria do fluxo presentes na prática musical coletiva de músicos de grupos de música popular e bandas de rock. PESQUISA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

Marcos Aloisius Perufo Damke

Universidade Federal do Paraná – [email protected] Resumo: Esta pesquisa pretende investigar por estudo de levantamento ou survey, os elementos do fluxo presentes em músicos de grupos de música popular ou rock, sejam eles de música autoral (compositores) ou de bandas “cover” (intérprete). Palavras-chave: Fluxo, pesquisa, música, rock.

Freqüentemente observamos que músicos de grupos independentes não se consideram como profissionais da música, mas categorizam essa atividade como “hobbie”. Mas o que os motiva para no final de um dia duro de trabalho ainda terem forças para carregar os seus instrumentos e amplificadores, a fim de fazer uma atividade informal como tocar em uma banda independente e ter pouca ou muitas vezes nenhuma remuneração econômica? Ou a comprar instrumentos caros afim de simplesmente ter uma atividade prazerosa? Os próprios músicos muitas vezes não sabem responder a estas perguntas. Através do estudo da teoria do fluxo (Csikszentmihalyi, 1999) é possível ter as respostas a esse tipo de pergunta. O presente texto traz, portanto, dados de uma pesquisa de iniciação científica que se encontra em andamento, cujo principal objetivo é verificar elementos descritos por Csikszentmihalyi (1999) como componentes da experiência do “fluxo” em grupos de música popular e bandas de rock de Curitiba, nas situações de ensaio e desempenho. Para este fim, são consideradas as seguintes categorias de análise: emoção, metas, desafios, operações cognitivas (concentração), motivação, na relação com o repertório (seja ele de músicas autorais ou não) e personalidade autotélica. Segundo Csikszentmihalyi (1999) o nosso tempo é dividido em três tipos de atividades, as que são produtivas (quando estamos trabalhando, estudando), as atividades de manutenção (cuidar da casa, tomar banho, etc.) e atividades de lazer (televisão, hobbies, esportes, etc.). Esses três tipos de atividades absorvem nossa energia psíquica. Muitos músicos amadores acabam deixando o “hobbie” tomar conta das suas vidas dedicando mais tempo livre e mais energia psíquica a estudar um instrumento e se dedicar a uma banda. 1. A experiência do Fluxo

O trabalho de Mihaly Csikszentmihalyi em A descoberta do Fluxo destinou-se a descobrir os elementos-chave que levam o ser humano a encontrar

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prazer nas suas atividades cotidianas e não simplesmente em vivê-las. Para realizar este estudo o autor se apoiou em pesquisas feitas com várias pessoas de todo o mundo. É o envolvimento pleno do fluxo, em vez da felicidade, que gera a excelência na vida. Quando estamos no fluxo, não estamos felizes, porque para experimentar a felicidade precisamos focalizar nossos estados interiores, e isso retiraria nossa atenção da tarefa que estamos realizando. Só depois de completada a tarefa é que temos tempo para olhar para trás e ver o que aconteceu, e então somos inundados com a gratidão pela excelência da experiência – desse modo, retrospectivamente, somos felizes. (CSIKSZENTMIHALYI, 1999, p 39).

A citação acima explica que não somos felizes enquanto estamos praticando tal atividade, porém, quando terminamos a atividade e temos tempo de olhar pra trás e sentir quão bom foi o desempenho e nos sentirmos satisfeitos. Existem atividades de lazer que não são consideradas atividades de fluxo, um exemplo é ver televisão, pois é considerada uma atividade passiva, não é necessário concentrar energia psíquica para realizar tal atividade. Normalmente o fluxo acontece quando a pessoa está realizando uma de suas atividades favoritas como tocar algum instrumento ou praticar algum esporte, mas mesmo praticando atividades assim, existe a possibilidade de não se concentrar totalmente, quando repetidamente fazemos algo que já conseguimos realizar antes. Deste modo sua atenção não fica completamente na atividade realizada e assim o fluxo não é atingido. O fluxo é descrito pelos esportistas como o momento em que se atinge o auge, o limite do corpo e segundo Csikszentmihalyi (1999) o fluxo tende a ocorrer quando as habilidades de uma pessoa estão totalmente envolvidas em superar um desafio que está no limiar de sua capacidade de controle. Um exemplo bem claro e que será usado para estudo neste trabalho é de quando o músico estuda incessantes horas do dia para atingir a perfeição do que está tentando executar. 2. Metodologia Para desenvolver este estudo a metodologia escolhida foi o estudo de levantamento (ou survey). De acordo com Gil (1999) e Babbie (2001), o estudo de levantamento é um delineamento exploratório que permite verificar dados sobre comportamento de determinado grupo, por meio da interrogação direta. A população participante é composta de músicos que atuam na cena musical curitibana. O instrumento para coleta de dados é um questionário composto de duas partes. A primeira para exploração de dados que caracterizem o grupo participante da pesquisa por meio de questões abertas, fechadas e de múltipla escolha. A

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segunda etapa conterá uma escala tipo Likert, de 5 ou 7 pontos, para verificação das categorias dos elementos da experiência do fluxo presentes na prática musical dos entrevistados. O questionário testado inicialmente em um estudo piloto, será analisado sobre a confiabilidade e coerência interna das questões. Após esta análise será aplicado com a população definitiva. A análise dos dados, por sua vez, será feita por meio de tratamento estatístico e trazendo elementos para caracterização do grupo e para a verificação da incidência dos elementos do fluxo presentes (ou não) na prática dos músicos participantes. 3. Considerações Finais Por meio do presente estudo busca-se a contribuir para os estudos sobre música e motivação em contexto brasileiro. Muito já se tem pesquisado sobre a teoria do fluxo e as práticas musicais, como é possível observar nos estudos de Araujo e Pickler (2008); Araujo & Andrade (2011); Stocchero (2012). No entanto a abordagem sobre práticas musicais em contextos não formais no país, como neste estudo sobre músicos de bandas no confronto com a teoria do fluxo, ainda demanda muitas investigações. 4. Referências Livro CSIKSZENTMIHALYI, M. A descoberta do fluxo. Psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

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Memorização e timbre: reflexões a partir da aplicação dos guias de execução nas Variações Abegg, Op. 1, de Schumann MODALIDADE: COGNIÇÃO Bibiana Bragagnolo UFPB - [email protected]

Luciana Noda UFPB - [email protected] Resumo: O presente artigo apresenta a aplicação e teste do modelo de memorização através de guias de execução (CHAFFIN et al, 2002) nas Variações Abegg de Robert Schumann, tendo o timbre como parâmetro de seleção dos guias utilizados na performance de memória da peça. Os resultados parciais aqui apresentados evidenciaram a potencialidade do timbre como parâmetro de seleção de guias de execução, no restauro de informações da memória e também na otimização da interpretação. Palavras-chave: Memorização. Guias de execução. Timbre. Variações Abegg. Memorization and timbre: reflections about the application of the performance cue’s memorization model in the Abegg Variations, Op. 1, from Schumann Abstract: This paper presents the application and test of the performance cue’s memorization model (CHAFFIN et al. 2002) in Robert Schumann´s Abegg Variations. The timbre was the parameter chosen for the selection of the performance cues used to memorize the piece for performance. The partial results of this research reveal the potentiality of the timbre as criteria to select performance cues for rescue of information from memory and also in the optimization of the interpretation. Keywords: Memorization. Performance cues. Timbre. Abegg Variations.

1. Introdução

A manipulação do timbre é um dos principais aspectos com os quais intérpretes lidam ao fazer música e está diretamente envolvida com a expressividade e personalidade musical. De acordo com Neuhaus, o trabalho com a sonoridade deveria ser a preocupação maior de qualquer intérprete, uma vez que música é som (NEUHAUS, 1985, p. 63). Sobre timbre e expressividade, Holmes acrescenta que “a variedade de timbres é um dos principais meios pelos quais performers comunicam a estrutura musical, ideias, emoções e personalidade musical” (HOLMES, 2012, p. 301). Além disso, o piano como instrumento, aliado à habilidade do intérprete, oferece a possibilidade da criação de diversos timbres, sendo que inúmeros intérpretes e

256

compositores se referem ao piano como capaz de recriar tantos timbres quanto uma orquestra (BERNAYS, 2012, p. 13). Também relevante é a questão de que o timbre, apesar de ser um dos componentes essenciais da música, é pouco abordado na música para piano anterior ao século XX (BERNAYS, 2012, p. 8), o que justifica a realização desta pesquisa na medida em que ela acrescenta conhecimento na subárea das práticas interpretativas. O objetivo principal desta pesquisa é aplicar um modelo de memorização (através de guias de execução) nas Variações Abegg, Op. 1, de Robert Schumann, tendo o timbre como parâmetro para a seleção dos guias de execução utilizados na performance de memória da peçai. Como referencial teórico principal sobre memorização em música selecionamos o livro “Practicing Perfection: Memory and Piano Performance” de Chaffin, Crawford e Imereh

(2002).

Neste

trabalho,

Chaffin

sistematizou

o

processo

de

memorização por guias de execução através da observação da prática de estudo e memorização de uma pianista de alta performance (a também autora Gabriela Imreh). O modelo desenvolvido propõe ao intérprete elencar pontos chave da peça para criar uma espécie de mapa mental da mesma, que estará disponível em sua memória de longo prazo para quando for preciso (CHAFFIN; CRAWFORD; IMREH, 2002). Segundo Chaffin, para os músicos a memória envolve a recuperação de pontos cruciais através do emprego de guias instituídos no momento do estudo, ou seja, aspectos da peça nos quais o intérprete focaliza deliberadamente sua atenção sem perturbar a sequência automática dos movimentos (CHAFFIN; IMREH; CRAWFORD, 2002 apud AQUINO, 2011, p. 26). Chaffin propõe a classificação dos guias de execução em quatro tipos: (1) guias básicos, que dizem respeito à questões técnicas da peça, podendo envolver dedilhados, movimentos do braço necessários para realizar determinada passagem, etc; (2) guias interpretativos, que se aplicam à mudanças dinâmicas, de som e de andamento; (3) guias expressivos, que se referem ao caráter da peça, como sentimentos, atmosferas, etc; e (4) guias estruturais, que delimitam as sessões e subsessões da peça e incluem também os pontos estruturais chamados “switches” ou “pontos de troca”, que são

257

aqueles nos quais o intérprete deve focar sua atenção, pois com eventual falha podem levar à outra sessão da obra. (CHAFFIN, CRAWFORD, IMREH, 2002, p. 170). Nos guias expressivos reside a possibilidade da inclusão do timbre como parâmetro para seleção dos guias de execução. A premissa é que ao aliar o timbre, que é um aspecto ligado à expressividade e individualidade, à memorização, esta se torne mais eficaz e, possivelmente, mais expressiva. O conceito de timbre aqui adotado combinará os conceitos de McAdams e Seashore apresentados por Holmes (2012). De maneira mais genérica, o timbre é definido por McAdams como “o atributo da sensação auditiva que distingue dois sons que são iguais em afinação, duração e intensidade” (McADAMS apud HOLMES, 2012, p. 303). Esta definição é perfeitamente aceitável do ponto de vista físico, porém não representa as propriedades artísticas e potencial expressivo do timbre. Seashore, por sua vez, utiliza o termo “sonância” (sonance) e o define como “as sucessivas mudanças e fusões que tomam lugar em um som de momento para momento” e recomenda esta definição como o entendimento do termo em um contexto musical (SEASHORE apud HOLMES, 2012, p. 303). Neste trabalho o entendimento de timbre levará em conta as perspectivas destes dois autores, abrangendo tanto o aspecto físico quanto o expressivo de tal parâmetro musical. A metodologia para a realização desta pesquisa contou com duas etapas principais: (1) seleção dos guias de execução para a performance de memória da peça, com base no timbre, juntamente com a descrição e justificativa de decisões interpretativas que envolvem manipulação do timbre nos guias selecionados; (2) teste dos guias selecionados em três performances públicas onde a peça foi executada de memória. A metodologia desta pesquisa envolveu a utilização de um diário de estudo, onde foram anotadas questões sobre as sessões de estudo (o que foi estudado, como foi estudado, falhas de memória ocorridas e suas respectivas localizações na partitura) e também impressões subjetivas sobre o processo de aplicação do modelo de memorização através de guias de execução nas Variações Abegg de Schumann. Além disso, as sessões de estudo e os três recitais realizados

258

foram registrados em áudio e vídeo. Todos estes suportes metodológicos foram utilizados com a finalidade de auxiliar na análise posterior do processo de aplicação dos guias e de seu resultado nos recitais.

2. Seleção de guias de execução expressivos vinculados ao timbre nas Variações Abegg de R. Schumann

Os guias expressivos selecionados vinculados à manipulação do timbre fazem referência a pontos importantes na interpretação da peça e foram selecionados de acordo com as decisões interpretativas tomadas ao longo do processo de aprendizado, justificadas através da análise musical. A análise realizada se inclui na categoria de análises para performance, caracterizada por sua natureza prescritiva, “possivelmente servindo de base para uma performance em particular” (RINK, 2007, p. 27). Esta modalidade de análise preconiza que “os intérpretes estão constantemente engajados em algum processo de análise” e que esta “não é um procedimento independente aplicado à interpretação, mas parte integral do processo da performance” (RINK, 2007, p. 27). Os guias expressivos foram pensados como focos de atenção durante a performance em tempo real. Entretanto, muitos guias básicos, estruturais e interpretativos continuaram a ser contemplados nas sessões de estudo, para que estivessem sempre disponíveis em caso de falhas de memória. Ao fim da seleção foram contabilizados um total de 8 guias de execução expressivos vinculados ao timbre nas Variações Abegg de Schumann. Neste artigo serão apresentados dois exemplos destes guias de execução, um deles referente à uma citação do tema e o outro relativo à um momento de mudança de caráter/textura na peça.

259

Exemplo 1 - Mudança de caráter/textura na Variação I (c. 45 - 48) utilizada como guia de execução expressivo vinculado ao timbre

O primeiro guia exemplificado se situa na Variação I e está no compasso 45 (exemplo 1), momento que marca de forma decisiva o fim da citação do tema e o retorno ao caráter energico inicial da Variação I. Este é um importante momento de transição, que solicita mudança de atitude por parte do intérprete devido à mudança de toque pianístico, caráter e, consequentemente, da sonoridade, em relação ao trecho que o precede. Por estas razões, a decisão na performance foi a de realizar uma grande diferença sonora no compasso 45, tanto no que diz respeito à dinâmica, quanto à articulação utilizada, gerando um timbre mais brilhante e articulado. O segundo guia de execução a ser apresentado se encontra no Cantabile (terceiro tempo do compasso 108, exemplo 2) e é um dos momentos na peça onde ocorre uma citação do tema. O tema aqui aparece na tonalidade de Mi bemol maior e com uma leve variação em sua construção melódica (o primeiro intervalo da melodia é uma segunda descendente e não ascendente como no tema original). Nesta ocasião o tema é apresentado em um contexto bastante polifônico: a mão esquerda realiza um baixo em semibreve e um acompanhamento em acordes enquanto a mão direita executa na voz inferior um trinado e na voz superior o tema. Por opção expressiva, a atmosfera musical ligada ao tema inicial foi evocada, mas criando uma sonoridade distinta, com a finalidade de evocá-lo como um evento passado, situado na memória de maneira quase apagada. A sonoridade vinculada a ele traz consigo a ideia de que, na maioria dos casos, quando um evento passado agradável é lembrado, o fazemos de maneira com que pareça ainda melhor na memória do

260

que fora na realidade. Assim, a sensação é que nesta rememoração do tema ele aparece com uma sonoridade ainda mais bela e expressiva do que originalmente.

Exemplo 2 - Citação do tema na voz aguda da mão direita no Cantabile (c. 108.3 – 112) como guia de execução expressivo vinculado ao timbre

3.

Teste

dos

guias

de

execução

selecionados

em

apresentações públicas

Os guias de execução expressivos de timbre selecionados foram testados em três apresentações públicas, que ocorreram no mês de março de 2013, nos quais as Variações Abegg de Schumann foram executadas de memória. A primeira delas se passou no dia 11 no Auditório Onofre Lopes na Escola de Música da UFRN, a segunda no dia 14 de março no Auditório da Unidade Acadêmica de Arte e Mídia na UFCG e por fim, o Recital de Mestrado, ocorrido no dia 27 na Sala de Concertos Radegundis Feitosa, no Departamento de Música da UFPB. O repertório executado nestas três apresentações contou com a Dança das Bonecas de Dmitri Shostakovich, Sonata KV 570 de Wolfgang Amadeus Mozart, Variações Abegg de Robert Schumann, Dança Brasileira de Camargo Guarnieri, Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton Escobar e as peças Mazurka, Ballade e Danse de Claude Debussy. Deste repertório apenas a peça de Shostakovich não foi tocada de memória. Estes três recitais foram integralmente gravados em áudio e vídeo. O total de falhas de memória nas Variações Abegg contabilizadas nestes três recitais foi de uma falha de memória, ocorrida no recital do dia 27 de março. A referida falha de memória ocorreu na Variação I da peça, nas

261

oitavas da mão esquerda (compassos 49-50). O número de falhas de memória quase inexistente evidencia a eficácia do modelo de memorização nas Variações Abegg de Schumann, bem como dos guias de execução selecionadosii. O resultado expressivo e interpretativo das três apresentações públicas foi bastante satisfatório. A utilização dos guias de execução expressivos selecionados como pontos de atenção na performance em tempo real contribuíram para evidenciar estes pontos da peça, vinculados às decisões interpretativas relacionadas à manipulação expressiva do timbre, contribuindo de maneira efetiva para a realização sonora destes intentos. Tais conclusões sobre a influência dos guias de execução utilizados na performance das Variações Abegg se deram através da escuta posterior das gravações de áudio e vídeo realizadas e também levando em consideração as percepções subjetivas da intérprete sobre a sua própria performance. 4. Considerações Finais

Os resultados obtidos com esta pesquisa revelaram o parâmetro timbre como um critério possível para escolha dos guias de execução expressivos nas Variações Abegg de Schumann. O número de falhas de memórias praticamente nulo (uma falha de memória em um recital e nenhuma nos outros dois) comprova a eficácia da utilização de guias relacionados ao timbre na recuperação de informações da memória. A memorização focada neste parâmetro permitiu uma perfomance mais efetiva no sentido de comunicabilidade expressiva, sob o ponto de vista pessoal da intérprete. A utilização de guias expressivos vinculados ao timbre também potencializou a interpretação de maneira significativa, de modo que as decisões interpretativas relacionadas à manipulação do timbre nos guias selecionados se salientaram, evidenciando aspectos expressivos importantes da peça. A seleção de guias de execução aliada ao parâmetro timbre trouxe consigo contribuições que foram além da memorização em si, já que os guias de execução selecionados atuaram não só no restauro de informações da memória, mas também na condução da interpretação, trazendo à tona

262

momentos expressivos da peça. Em pesquisa anterior, o timbre já havia se mostrado como um parâmetro possível na seleção de guias de execução em uma peça do séc. XX (BRAGAGNOLO, 2012, p. 242). Esta pesquisa vem somar resultados, mostrando que o timbre foi também um parâmetro válido quando aplicado à memorização de uma peça do repertório tradicional. Estes resultados parciais abrem espaço para a verificação de outros parâmetros vinculados à expressividade como possíveis guias de execução para serem utilizados na performance de memória e também para uma maior investigação da potencialidade do timbre em peças anteriores ao século XX.

Referências: AQUINO, Selva Viviana Martinez. Guias de execução na memorização do segundo movimento da Sonata N. 2 de Dmitri Shostakovich. 2011. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre 2011. BRAGAGNOLO, Bibiana. Memorização para performance da “Máquina de Escrever” da Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton Escobar: uma abordagem a partir do timbre. DaPesquisa, n. 9, p. 234 – 245, 2012. BRAGAGNOLO, Bibiana; NODA, Luciana. Memorização através de guias de execução do Tema e da Variação I das Variações Abegg de R. Schumann: uma abordagem com base na manipulação temporal. In: Performa 2013, Porto Alegre. Anais. Porto Alegre: Instituto de Artes da UFRGS, p. 96 – 103, 2013. BERNAYS, Michel. Expression et production du timbre au piano selon les traités: conception du timbre instrumental exprimée par les pianistes et professeurs dans les ouvrages à vocation technique et pédagogique. Recherche en Éducation Musicale, v. 20, 2012, p. 7 – 27. CHAFFIN, Roger; IMREH, Gabriela; CRAWFORD, Mary. Practicing perfection: memory and piano performance. Mahwah: Erlbaum, 2002. GERBER, Daniela Tsi. A memorização musical através dos guias de execução: um estudo de estratégias deliberadas. 2012. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. NEUHAUS, Heinrich. El arte del piano: consideraciones de um professor. Madrid: Real Musical, 1985.

263

RINK, John. Análise e (ou?) performance. Cognição e Artes Musicais. Vol. 2, N.1, 2007. p. 25-43. WILLIAMON, Aaron. Memorizing Music. In: RINK, John. (Ed.). Musical Performance: A Guide to Understanding. Cambridge: Cambridge University Press, 2006, p. 113 - 126. HOLMES, Patricia A. An exploration of musical communication through expressive use of timbre: The performer’s perspective. Psychology of Music, v. 40, n. 3, 2012, p. 301-323.                                                                                                                          

i

Os resultados parciais apresentados neste trabalho fazem parte de uma pesquisa de mestrado, onde a manipulação do tempo também foi escolhida como critério para seleção dos guias de execução utilizados na performance de memória das Variações Abegg de Schumann. ii  Em pesquisa anterior o timbre foi utilizado como parâmetro de seleção de guias de execução expressivos em uma peça do século XX, a Mini Suíte das Três Máquinas de Aylton Escobar (BRAGAGNOLO, 2012). Em outro trabalho, guias de execução expressivos foram escolhidos a partir de outro parâmetro, a manipulação do tempo, e serviram de suporte na performance de memória do Tema e Variação I das Variações Abegg de Schumann (BRAGAGNOLO; NODA, 2013).    

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A noção de auditório para a música contemporânea MODALIDADE: Cognição William Teixeira da Silva

UNICAMP/FAPESP – [email protected]

Silvio Ferraz UNICAMP – [email protected] Resumo: O trabalho promove uma reflexão sobre a entidade receptora do discurso musical, através da acepção de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tytec no Tratado da Argumentação: a Nova Retórica. Esse referencial permitirá a discussão sobre o papel do auditório e sua influencia no fluxo discursivo. Para que a discussão seja devidamente transposta ao campo musical, foram elencados como objetos de análise a Sequenza XIV, de Luciano Berio e Maknongan, de Giacinto Scelsi. Palavras-chave: Retórica musical. Recepção. Discurso musical. Música contemporânea. The concept of audience for contemporary music Abstract: This paper hosts a reflection about the receiver entity of the musical discourse through the concept written by Chaïm Perelman and Lucie Olbrechts-Tyteza in The New Rhetoric: a Treatise on Argumentation. This reference allow discussing on the role of the audience and its influence in the discursive stream. To transfer this issue for music, they are chosen as objects of analisys, both Luciano Berio’a Sequenza XIV and Giacinto Scelsi’s Maknongan. Keywords: Musical rhetoric. Reception. Musical discourse. Contemporary music.

1. Introdução “Well I prefer that, I must say I prefer that, that what, oh you know, who you, oh I suppose the audience, well well, so there’s an audience...” (BECKETT, The Unnamable, p. 381 apud. BERIO, Sinfonia, III mov.)

A questão da recepção dentro do estudo musicológico tem sido estudada pelos mais distintos vieses. Da cognição à sociologia, cada interface efetuada tem trazido importantes contribuições para a compreensão dos fenômenos acarretados pela escuta da música quando executada. No presente estudo, prosseguiremos com essa reflexão a partir de um dispositivo, hoje, pouco utilizado para tal finalidade: a retórica. Apesar de trazer já em seu escopo inicial o conhecimento do público para o qual determinado discurso é proferido, da retórica pouco se é lembrada essa propriedade que sempre lhe foi essencial. Mesmo seus aspectos mais recordados dentro da aplicação em música, como a forma e as figurações, foram concebidos a partir da proposta de aproximação entre orador e audiência. O auditório, enquanto construção do orador é, desde Aristóteles o primeiro fator a ser pensado ao se produzir um discurso. Naquele contexto, os gêneros deliberativos, judiciário ou epdítico eram selecionados a partir das intenções identificadas no auditório, fossem elas deliberar, julgar, ou apenas o prazer frente ao proferir1. Na Renascença, a própria entrada da música dentro do trivium, através da retórica, foi acarretada por contingências sociais e tal evento modificou a linguagem musical drasticamente, sobretudo na Seconda Pratica e na tratadização alemã. Desde então, mudanças sociais interagiram com mudanças na música, chegando à realidade que vivemos hoje, onde o estudo da retórica é bastante reduzido e sua importância foi praticamente esquecida fora dos círculos da musicologia histórica. Entretanto, a música ainda hoje demanda uma compreensão, seja em que nível for, das interações entre compositor/intérprete, discurso musical e ouvinte.

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2. Metodologia Para a aplicação coerente de tal reflexão à música contemporânea, nomearemos como objetos de análise a Sequenza XIV, de Luciano Berio (19252003) e Maknongan, de Giacinto Scelsi (1905-1988), para que tenhamos uma abrangência maior nas abordagens feitas. As peças foram selecionadas tendo em vista a disparidade da escuta demandada, que Solomos (2013, p. 236) divide, em linhas gerais, como escuta discursiva e escuta de imersão. Além disso, textos dos próprios compositores sobre o assunto serão também discutidos. Estando o conceito de retórica distante da compreensão geral, não nos bastaria para tal esforço utilizarmos apenas a Retórica, de Aristóteles, e nem mesmo suas atualizações latinas, por isso, adotaremos a obra crucial para a retomada desse pensamento no século XX, o Tratado da Argumentação: a Nova Retórica, escrito por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca em 1958, reforçando dessa maneira o referencial teórico que estruturará o estudo. 3. Os auditórios de Perelman A legitimação do discurso cientifico próprio do século XX, acabou por provocar a desligitimação dos demais discursos e seu arcabouço teórico, porém, já em meados desse século, começaram a serem evidenciados os primeiros indícios da superação do positivismo puro e simples, o que resultou em algumas lacunas por serem preenchidas, entre elas, a questão do auditório, antes totalmente coagido pelo fato cientifico. Ao se deparar com tal questão, Chaïm Perelman retoma como próprio a qualquer discurso as contingências que o levam a existir. As relações resultantes de seu estudo foram bastante precisas, identificando a ação retórica utilizada na deliberação com outros, a dialética no diálogo com apenas um outro e a lógica, ferramenta de estruturação do pensamento do homem consigo mesmo. Assumindo que “a argumentação efetiva tem de conceber o auditório presumido tão próximo quanto o possível da realidade” (PERELMAN; OLBRECTHSTYTECA, 1996, p. 22), o Trratado classifica a entidade receptora de acordo com a quantidade de interlocutores do discurso, resultando em três categorias: a argumentação consigo mesmo, a argumentação perante um único ouvinte e o auditório universal, essa última, sem dúvida, a mais polêmica e mais fértil concepção da qual podem derivar inúmeras visões, no presente caso, considerando a aplicação do conceito na realidade do objeto musical. O auditório universal se estrutura a partir do fato de que um discurso dirigido a um auditório particular tende a se adaptar de maneira efetiva apenas a esse estrato receptor, resultando em uma provável ineficácia diante dos demais. Desse modo, tomando-se primeiramente o discurso filosófico como exemplo, conclui-se que devem ser estabelecidos parâmetros mínimos de interação, axiomas unificadores. Dentro dessa concepção, ainda, não há a expectativa de se obter o consentimento efetivo de todos os homens, mas a adesão de todos aqueles que compreenderem as razões do emissor, o que resulta no postulado de que “O acordo de um auditório universal não é uma questão de fato, mas de direito” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996 [1958], p. 35). Essa definição, é claro, habita apenas a realidade discursiva e parte do fato de que acontece quando a recepção é de alguma forma presumida. Ele se diferencia, então, do auditório particular, por não depender de especificidades até mesmo ideológicas, que em última instancia poderiam levar o discurso a conter proposições que nem mesmo o orador seria favorável, mas que seriam usadas pelo efeito persuasivo local, como era, e por vezes ainda é, o caso da sofística. Por outro lado, pode ocorrer como quando um auditório particular é legitimado como encarnação do auditório universal, por exemplo, o auditório de elite, quando nele é reconhecido o papel de vanguarda e de modelo2, embora ele tenha seu alcance

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sempre limitado, já que seu mero papel particular permanecerá assim avaliado por um remanescente. A heterogeneidade do auditório não difere, se levada às últimas conseqüências, da heterogeneidade existente em cada ser, que é passível de mudanças, dialeticamente falando, e contém um grande número de pressupostos e paradoxos interiores. Desse modo, o estabelecimento de um estatuto do auditório favorece o processo de construção do discurso, pois traça um plano definido de negociação de seus significados, diferente do racionalismo, que conferiu toda a autoridade para o espírito abstrato desse auditório. Em uma realidade do saber que lida com colapsos da visão racionalista de mundo, a retórica volta a ser relevante como ferramenta (organon [ὄργανον]) que opera além das relações lógicas, que é o estado em que ainda jaz muito da discussão sobre significação musical. Nesse estado prévio, tal discussão teria resultados generalizantes ilegítimos, que apenas tautologizariam uma intuição particular3. Sendo assim, não se pretende estabelecer a ideia de um discurso totalizante, que se dirija ao “espírito divino”, mas a compreensão da imagem que cada orador (compositor, intérprete) faz de seu auditório universal, baseado em seu conhecimento prévio, e resultando no fechamento da tríade orador – discurso – auditório. O discurso tem seu sentido em função de seu auditório e mesmo o auditório, assume essa condição em função das presunções do orador, sendo essa cadeia contínua e dinâmica.

Exemplo 1: O triângulo retórico

A retro-alimentação dos papéis ocorre quando, por exemplo, um orador se dissocia radicalmente de uma ordem estabelecida, formando, ao seu ver, toda a velha ordem um único auditório, mesmo que dentro de uma realidade multi-facetada, aspecto característico ao discurso revolucionário. A relação do orador com o auditório pode explicar certas propriedades da música quando vista sob esse foco, pois para Perelman: “O grande orador, aquele que tem ascendência sobre outrem, parece animado pelo próprio espírito de seu auditório. Esse não é o caso do homem apaixonado que só se preocupa com o ele mesmo sente [ou pensa]. Se bem que este último possa exercer certa influência sobre as pessoas sugestionáveis (...) O que parece explicar esse ponto de vista é que o homem apaixonado, enquanto argumenta, o faz sem levar suficientemente em conta o auditório a que se dirige: empolgado por seu entusiasmo, imagina o auditório sensível aos mesmos argumentos que persuadiram a ele próprio (...)” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 27)

A impossibilidade de se conhecer o real não impede a busca pelo significado mais imediato, aquele que é dado a partir da projeção feita pelo orador. Nesse caso a adesão a esse discurso com maior intensidade só comprovaria a importância do bom conhecimento do auditório. No contexto atual, essa relação possui uma linha muito tênue com o mercadológico e pode facilmente ser lida como uma concessão que poucos estariam dispostos a fazer. Todavia, o elemento básico do discurso, que é a intenção de se alterar algo no auditório, traz consigo a necessidade do conflito, esclarecendo o

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porquê da retórica ser companheira da democracia e não da demagogia, como é a sofistica ou, pelo contrário, a erística. 4. O auditório para Berio Ao se transpor essa discussão de modo mais cercado ao objeto musical, devem ser pontuados alguns fatores que poderiam ser colocados como obstáculos para que tal discussão se desenvolvesse. Quando se fala em música como discurso, não é necessário adotar o pressuposto de que esse discurso estabeleça a mesma relação de significâncias que o discurso verbal o faria. Essa é uma questão que sequer existira na retórica clássica, pois antes mesmo de sua sistematização por Aristóteles, ela era amplamente empregada na arte grega, dentro de padrões de ornamentação e figuração, questão essa que se une a outras evidencias de sua origem multidisciplinar, não circunscrita ao discurso verbal4. Mesmo a retórica musical é muito mais que um sistema de representação figurativa, como ela é conhecida hoje por alguns que só esse aspecto dela aprenderam na música renascentista e barroca, sendo ela de fato um sistema que abrange desde a concepção até a emissão da música. Desse modo, fica claro que a discussão sobre a audiência da música não objetiva descrever o modo o qual necessariamente o discurso musical será recebido, mas auxiliará no conhecimento da entidade receptora, possibilitando a compreensão do que possivelmente será efetuado pelo meio expressivo. Essa visão auxilia na compreensão do que Luciano Berio efetivamente nos diz quando define que seu trabalho na dimensão morfológica do som manipula a imagem que ele próprio tem de determinada fonte sonora5. O orador parte de seu conhecimento acerca de seus próprios pressupostos quando necessita encarar um auditório não especificado para seu discurso. Sendo assim, o universal ao qual a obra se dirige necessita que sejam conhecidas primeiramente as premissas receptoras, antes mesmo das criadoras, daquele que a produz. Ainda em uma música que não prima pelo auditório, o processo retórico permanece mais ou menos eficaz, pois mesmo a deliberação consigo próprio demanda uma espécie particular de argumentação. Mas esse não é o caso aqui. Luciano Berio é bem específico quanto a algumas proposições acerca da audiência. Inicialmente, esse aspecto fica claro quando identificado seu papel na concepção do material musical. Apesar de sua formação e produção serial, ele não se atém ao procedimento e busca interferir, modificar o próprio ato da escuta à sua música, nesse caso, a saber, de suas Sequenze, cujo propósito é “desenvolver melodicamente um discurso essencialmente harmônico e sugerir, especialmente (...) uma audição do tipo polifônico.” (BERIO, 1988, p. 84, grifo nosso). É o caso do trecho a seguir, na Sequenza XIV, onde uma linha melódica aparentemente monódica e modal, na verdade contém através de elaborações nos planos dinâmicos e morfológicos uma potencialidade de escuta polifônica.

Exemplo 2: BERIO, 2002, p. 2, linha 1.

O valor da tradição para Berio é inestimável, pois ele parte dela, não como entidade histórica, mas como elemento de comunhão com o auditório. Como foi dito, ele parte dela, não se limitando, mas superando-a e muito, adquirindo, contudo, um vínculo comunicativo dentro do discurso, realizando a tarefa de transformar objetos simbólicos e conceituais em objetos passíveis de serem sentidos. A música, então, não comunica por si só, mas cria a possibilidade de se comunicar no espaço criado. Como fora afirmado em outro trabalho “música é um

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espaço de escuta virtual esperando para ser atualizado, mesmo quando ninguém não quer ouvi-la” (FERRAZ, 2001, p. 6) Assim, a obra de Berio é condicionada para ser aberta ao público permitindo “que o ouvinte ‘escolha’ e eleja ‘seus’ elementos formais” (BERIO, 1983, p. 19), proporcionando uma escuta ativa ao auditório, incluindo-o no processo discursivo, como é definido no esquema retórico. Ele faz uso de figurações que consigam alterar a expectativa do público, trazendo figuras rítmicas de danças do Sri Lanka e construindo um gesto no violoncelo que não corresponde a nada antes escrito no repertório do instrumento, ao mesmo tempo em que, no exemplo anterior, constrói uma linha bastante próxima à linguagem tradicional.

Exemplo 3: BERIO, 2002, p. 1, linha 1.

Berio afirma sua posição frente ao que foi acima exposto, sobre a tensão entre o refletir sobre a audiência e se render incondicionalmente a ela: “Hoje, o ouvinte tem uma tendência a fazer uso de toda a música passada como se ela fosse um bem de consumo. Isso faz sentido, porque, para o ouvinte, o passado é a mais disponível fonte de conhecimento musical, embora essa tendência freqüentemente carregue sinais de uma frustração ideológica inconsciente, pois está enraizada não em um código de valores musicais plausíveis, mas na forma como nós somos condicionados pelo mercado.” (BERIO, 2006, p. 61)

5. O auditório para Scelsi Indo para o outro extremo da discussão, é possível explorar agora os pensamentos do também italiano Giacinto Scelsi e verificar de que modo as mudanças de concepção sobre o assunto se revertem no material musical, já que “poder-se-ia (...) caracterizar cada orador pela imagem que ele próprio forma do auditório universal” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p 37). Primeiramente, é preciso notar o modo assertivo com que Scelsi intenta fazer uma música que não dependa da meta-linguagem. Para tal feito, ele parte de seus conhecimentos em psicologia e trabalha o som a partir dos quatro elementos fundamentais que o homem seria capaz de perceber no som: o ritmo, a melodia, a construção e a arquitetura e harmonia, elementos que dialogariam com as capacidades humanas, respectivamente, da ritmicidade, da afetividade, da intelectualidade e do psíquico. A partir do tríptico retórico, fica claro que, por mais ensimesmado que seja o trabalho discursivo, como no caso de Scelsi, de quem a música nasce do “centro do som”, tem-se como plano de fundo certos pressupostos a respeito da receptividade desses materiais e suas combinações. As definições dos elementos acima mencionados são bem específicas, provando que Scelsi tinha uma clara imagem da audiência e de fato espera que o detalhamento de ataques, articulações e timbres tenham impacto público, como no caso a seguir:

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Exemplo 4: SCELSI, 1986, p. 1, linha 1.

A expectativa de um discurso compreendido universalmente, no sentido global do termo é, além de totalitária, injusta, pois delega os esforços significadores a uma propriedade possivelmente unívoca do discurso. Mesmo para Scelsi, a busca pelo Oriente lhe agregou profundamente, mas ele reconhece que sua produção só poderia se dar em uma perspectiva européia. Ainda que por razões religiosas, o ímpeto de Scelsi ao criar é a crença de que sua música pode alterar algo no ouvinte6. 6. Considerações finais Tanto a Sequenza quanto Maknongan possuem temáticas conectadas ao oriente, evidenciando a busca por elementos estranhos a seu público. Entretanto fica claro que o nível de percepção e compreensão esperado por cada um deles influi na distinção do resultado sonoro entre ambas. Assim, entender o conceito de auditório que o compositor possui é uma informação fundamental para o estudo do texto musical. A ênfase no Auditório, contribuição de Perelman para o estudo da retórica, permite a aplicação dessa leitura na interpretação de todo e qualquer discurso, o que, na verdade, acaba esclarecendo a qual regime de signos determinada obra pertence, como defendido por Deleuze e Guattari (1997). A correspondência entre a imagem que compositor tem do auditório e a realidade, através dos recursos cognitivos, sociais, ou outros, influirá no nível de adesão latente ao discurso e poderá denotar sua efetividade quando emitido ou, no nosso caso, executado, fenômeno esse que será discutido em trabalho posterior. A adoção de tal concepção de auditório se torna, assim, possível no estudo da música, sem que haja dano ao entendimento do que é o discurso musical contemporâneo. Referências: ALVES, Marco Antônio Sousa. Balanço crítico da noção de auditório universal de Chaïm Perelman. Revista Páginas de Filosofia, v. 1, p. 61 – 78, 2009. ARISTÓTELES. Retórica. 2a ed. Revista. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. 318p. BERIO, Luciano. Remembering the future. Cambridge: Harvard University Press: 2006. _____________. Entrevista sobre a música contemporânea. Entrevista realizada por Rossana Dalmonte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1988. _____________. Contrechamps. Vol. 10. Paris: L’Age D’Homme, 1983 _____________. Sequenza XIV: per violoncello. Viena: Universal Edition, 2002.

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DELEUZE, Gilles, GUATTARI, Felix. Mil platôs. Tradução de Suely Rolnik. Volumes 1-4. São Paulo: Ed. 34, 1997. FERRAZ, Silvio. Music and communication: does music want to communicate at all? In. MikroPolyphonie. Australia, v. 7, p. 1, 2001. KOSSOVITCH, Léon. Estética: figurações ocidentais e orientais. São Paulo: FFLCH/USP, 17 de maio de 2013. Anotações de aula. MOSCA, Lineide Salvador. Velhas e novas retóricas: convergências e desdobramentos. In: Retórica de ontem e hoje. São Paulo: Editora Humanitás, 2001. PERELMAN, Chaïm, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PERELMAN, Chaïm. Retóricas. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. SCELSI, Giacinto. Les anges sont ailleurs.... Edição de Sharon Kanach. Paris: Actes Sud, 2006. ______________. Maknongan : pour un instrument grave ou voix de basse. Paris : Éditions Salabert, 1986. SOLOMOS, Makis. De la musique au son: L'émergence du son dans la musique des XIXe-XXIe siècles. Paris: PU Rennes, 2013.

1

ARISTÓTELES, 2005, p. 104. PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 38. 3 PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 37. 4 KOSSOVITCH, 2013. 5 BERIO, 1988, p. 86. 6 SCELSI, 2006, p. 151. 2

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A canção pop/rock na sala de aula Um estudo de caso: problemáticas e propostas MODALIDADE: Teoria e Análise Musical Jorge A. Falcón

PUCPR – [email protected] Jetson de Souza PUCPR - [email protected]

Resumo: Este paper descreve o processo utilizado para o reconhecimento de estruturas rítmicas, melódicas, tímbrísticas e acentuais como ferramenta para desenvolver critérios para o reconhecimento e transcrição de peças musicais. O recorte do repertório escolhido foi feito a partir da ementa da matéria que indicava o trabalho de estruturas musicais a partir dos modos maior e menor (o maior foi usado neste caso). A partir disso sugerem-se formas de inter-relação entre diferentes dimensões sonoras para a compreensão do fenômeno musical como um todo Palavras-chave: percepção musical, canção pop/rock, análise musical. The pop/rock song in the classroom. A case: problems and proposals Abstract: This paper describes the process used for the recognition of rhythmic, melodic, timbral and accentual structures as a tool for developing criterias for the recognition and transcription of musical pieces. The framework was selected by the menu of the discipline, indicating the work of musical structures in major and minor modes (major scale was used in this case). From this we suggest ways of inter-relationship between different sound dimensions for understanding the musical phenomenon as a whole. Keywords: musical perception, pop/rock song, musical analysis.

Introdução e problemática : Às vezes os desafios na educação musical aparecem nos lugares menos esperados. Nesta caso, um de nos (Falcón) deparou-se, como professor, com a tarefa de dar sentido á ideia de percepção musical dentro da disciplina Treinamento Perceptivo, na grade curricular do PPC da PUCPR. Havendo os alunos trabalhado anteriormente com um outro professor, à minha função cabia integrar as práticas das habilidades paramétricas que haviam sido desenvolvidas na turma, objetivando uma compreensão multidirecional e multifuncional da música. Ao fazer uma avaliação do estado do treinamento auditivo da turma foi observado que: •

Alguns exercícios atendiam necessidades específicas, como leitura e ditados rítmicos não estavam relacionados a estruturas musicais ou a contextos musicais reais, sendo apenas exercícios abstratos e distantes da realidade musical dos alunos



A literatura é desatualizada, ou quase “ginástica”. A literatura disponível na nossa língua é exígua e antiga, enquanto boa parte da literatura que analisamos da área de outras línguas (basicamente inglês) é pouco integralizadora parecendo exercícios técnicos ginásticos e unidimensionais.



Falta da compreensão da música desde um ponto de vista amplo ou integrador.

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Falta de prática de escrita, ou do conceito de como escrever em função do

objeto de estudo. Justificativa do recorte e da metodologia: Para este trabalho foi necessário fazer um recorte que estava imposto pela ementa da disciplina: trabalhar com o sistema tonal, devido á altura do processo de formação dos alunos (correspondente ao segundo ano da carreira). Para poder ter uma organização que inclua a percepção musical desde o modo mais prático possível, decidimos nos orientar por Levitin (2007) que sugere que há parâmetros ou dimensões que podem ser percebidos com mais facilidade que outros, alguns deles, como contornos, alturas e ritmos são estudados aqui. A Dissertação de Mestrado de um de nos (Falcón, 2011) desenvolve uma leitura da superfície musical a partir do autor antes citado para tentar tirar proveito de regularidades, homo/heterogeneidade de materiais, além do reconhecimento de padrões e estudo dos diferentes planos sonoros de uma obra musical, com o objetivo de criar, desenvolver e aplicar novos critérios ou ferramentas para manipular informações que podem fazer parte de peças/obras musicais que modelos analíticos convencionais não conseguem abordar. As práticas desenvolvidas neste trabalho foram: Reconhecimento de timbres, planos sonoros ou correntes 1 auditivas . O reconhecimento dos planos sonoros dentro de um trecho musical e suas relações nos faz compreender a textura, e a maneira de como ela se comporta no tempo pode nos dar chaves para a compreensão da forma musical. Reconhecimento de ritmos. Dentro da dimensão do ritmos analisaram-se: •

Percepção de estruturas métricas subjacentes (compasso).



Estudo e análise de frases rítmicas (propositalmente excluídas da

grade métrica e posteriormente inserida nela) Reconhecimento de alturas. O reconhecimento de alturas está composto de que há uma série de processos para alcançar os objetivos: •

Estudo do perfil melódico e do arco de frase,



Reconhecimento das relaciones funcionais tonais – graus da escala, melodicamente falando (próprias do recorte do sistema tonal obrigatório imposto pela ementa da disciplina)



Reconhecimento de acordes (tríades e tétrades), individualmente e dentro do

contexto tonal em que são apresentados (campos harmônicos e funções tonais), Por último, se fez um processo de junção dos processos, mais o: Reconhecimento acentual: a partir do trabalho de Lerdahl e Jackendoff (1983) faz-se uma análise acentual que relaciona vários parâmetros ou critérios.

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Finalmente relacionou-se todos os parâmetros estudados e se situou o objeto estudado dentro de uma grade geral contendo todos os instrumentos. Desta maneira passou-se a fazer o reconhecimento de parâmetros, com a intenção de estabelecer os vínculos materiais-funcionais, isolando algumas dimensões para poder trabalhar nelas com mais precisão. Segundo Miller e Anderson (em Falcón, 2011), há limites para o processamento de quantidade de informação e de processamento simultâneo de eventos, o que nos obriga a isolar parâmetros para poder integrá-los posteriormente, fazendo da reconstrução o objeto de nossa compreensão integral do fenômeno sonoro. De que maneira interagem (ou não) planos sonoros próximos entre sim como bumbo e baixo, quais as relações melódico - harmônicas? Qual a relação da rítmica dos instrumentos? Qual a importância dos acentos no total do discurso? Como podemos trabalhar o controle (ou o não controle) sobre os materiais em função da necessidade composicional, de arranjos, mixagem ou qualquer das situações do fazer musical. O trabalho foi realizado sobre a música Who’ll stop the rain do grupo Creedence Clearwater Revival, básicamente na primeira frase da primeira estrofe, que para este caso mostrou-se adequada por atender todas as características necessárias do trabalho. Porém, este trabalho é apenas uma forma de gerar metodologias que atendam outros gêneros e estilos, sempre que tenhamos capacidade de dominar os elementos estruturais, gramaticais e simbólicos do objeto de estudo escolhido.

O processo Níveis rítmicos – grade métrica O primeiro passo foi o reconhecimento de infraestruturas, ou neste caso específico algum tipo de grade métrica que organize a distribuição dos eventos sonoros no tempo, para todos os instrumentos. Em um trabalho anterior de um de nos (Falcón e Nicknich, 2013) estudaram-se os níveis rítmicos a partir de matrizes binárias e ternárias. Desta maneira, uma matriz binária (absoluta, por ser totalmente binária) representa-se assim:

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Exemplo 1 Matriz binária absoluta

Nesta configuração métrica todos os níveis (de Ni-2 – semicolcheias a Ni2 semibreve) cada unidade é subdividida em dois. O nível 0 (Ni-2) correspondendo ao pulso, podemos então subir ou descer níveis, tendo assim, um nível acima, um outro pulso que corresponde ao dobro da “distância temporal” do pulso Ni0, e um nível acima ainda, um pulso Ni2 correspondendo a quatro vezes o valor do pulso regular Ni0. A mesma lógica de deslocamento do pulso pode ser feita a níveis inferiores, como mostra a figura 1. Toma-se como nível 0 (Ni0, o nível do pulso) como referência porque o pulso rege nossa dança, serve para contabilizar “distâncias temporais”, unifica ou separa movimentos entre executantes e é a base do sistema de aprendizado musical de base ocidental. É a unidade temporal musical mais fácil de “gerenciar”. Tendo reconhecido o compasso da música como um 4/4 regular, homogêneo e contínuo, com velocidade média/alta e bastante estável, observamos que entre 01:16 e 01:24 minutos encontramos uma configuração rítmica que é um Cross-rhythm2 do tipo 3-3-2, que é o único momento em que pode-se alterar a percepção estável do 4/4. Ritmos A percepção do ritmo está diretamente relacionada com a percepção temporal de eventos. Uma definição mais específica sobre ritmo (em singular) poderia ser, agrupações ou padrões de eventos sonoros que podem relacionados por algum sistema de mensuração ou medida, ou por algum tipo de relação perceptiva-

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sensível. No nosso sistema musical podemos observar que os ritmos estão basicamente estruturados a partir de som – pausa, e no caso do som em curtos e longos. som

pausa

curto

longo

Para identificar o momento em que percebemos um novo ataque (e é a relação entre os ataques que produzirá a sensação de ritmo) utilizar-se-á o tipo de escrita que parte da Unidade Mínima de Divisão da Rítmica (UMDR). No casso da primeira frase cantada da música sendo, cada quadradinho uma colcheia (Ni-1) seria: . Long

.

.

as I

.

.

re mem

. ber

Exemplo 2 Representação rítmica a partir do UMDR

O próximo passo será colocar os valores rítmicos de cada nota de maneira absoluta (Ex. 3, sem grade métrica) e na grade correspondente à música (Ex. 4, em 4/4):

Exemplo 3 Representação rítmica tradicional absoluta (sem grade rítmica)

Exemplo 4 Representação rítmica tradicional adaptado ao compasso de 4/4

Alturas: Para o trabalho de reconhecimento e posterior escrita das alturas, os alunos já tinham habilidades para o reconhecimento dos graus da escala maior (1 a 7) e a construção de acordes dentro dos modelos da harmonia funcional tradicional. Para evitar a complexidade desnecessária (devido aos limites do cérebro segundo observado acima), procedemos a simplificar os primeiros passos e ir acrescentando

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informações progressivamente. O primeiro passo foi o reconhecimento dos contornos melódicos da primeira frase da voz.

Exemplo 5 Representação do contorno melódico da primeira frase cantada

O próximo passo é reconhecer os graus da escala da melodia, sem atentar aos ritmos, mas reconhecendo as estruturas fraseológicas, marcadas com uma ligadura.

Si









Si

Exemplo 6 reconhecimento das notas (como graus da escala –em números- de Sol, neste caso)

O terceiro passo foi juntar o resultado da parte rítmica com a parte das alturas.

Exemplo 7 A melodia, com ritmo já na grade e contornos melódicos

Por último analisamos os acordes que “sustentam e fazem de base ou sustento harmônico, como o fundo faz numa pintura do período realista, dando marco mas interagindo com a figura principal.

Exemplo 8 A melodia e sua relação com os acordes usados

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Acorde base (baixo e guitarra): Sol Maior, ou sol-si-ré. Percebe-se a correspondência entre as notas da melodia e os acordes (em realidade, nem sempre é tão claro...) Acentos Como última parte do processo vamos a considerar um fenômeno relativamente descuidado no processo de percepção tradicional que é a percepção acentual. Os acentos são de vital importância na música, toda vez que nosso sistema é hierárquico em muitos aspectos. Nem todos os eventos dentro de um contexto musical tem igual hierarquia ou importância perceptiva. Segundo Lerdahl e Jackendoff (1987, p.17) há três tipos de acentos: (1) métrico: depende dos acentos próprios da grade métrica, (2) estrutural: depende das funções e graus da escala, por exemplo a tônica tem tendência a se acentuada por ser o eixo “atrativo” dos outros graus ou funções, e (3) fenomenológico, no qual algum fator como intensidade, duração, mudança de timbre ou articulação, entre outros, permitem reconhecer auditivamente um som como mais intensos ou acentuados. Aplicado a um trecho musica como a primeira frase cantada da primeira estrofe, teríamos uma leitura acentual assim ac. fenomenológico

(por duração neste caso)

ac. estrutural ac. métrico

resultado:

Tempo mais acentuado

Exemplo 9 aplicação dos modelos de acentuação segundo Lerdahl e Jacendoff

Assim, conseguimos fazer um mapa de acentos, que nos permitirá inserir nosso objeto analisado dentro da grade final. Sendo o primeiro evento acentuado por dois motivos, o acento métrico e o fenomenológico (notas longas são mais acentuadas que notas curtas) nos permite entender qual a relação da frase com a estrutura métrica de 4/4, completando o ciclo de interpretação de fenômenos.3 Conclusão

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È possível resumir a modo de conclusão o processo realizado: descobrimos os ritmos, reconhecemos as alturas e os acentos e consideramos a interelação dos resultados. A compreensão de cada parâmetro individual não fornece elementos para a compreensão do total da obra, porém, o cruzamento das informações faz mais fácil tanto a compreensão, quanto a transcrição. A base rítmica da bateria se funde facilmente com os ritmos de baixo e violão (as semelhanças são enormes), baixo e violão se alinham pelo uso das mesmas harmonias. A notas da melodia se alinham com os acordes. O ritmo e os acentos de cada plano sonoro se encaixam dentro da grade métrica que serve como infraestrutura. Múltiplas interrelaçãoes podem se construir a partir desta visão integradora para a prática da percepção musical. A parte mais significativa ainda vem quando ao avançar no processo começamos a trabalhar com estruturas maiores na procura de relações que possam ajudar a estabelecer uma forma, que, dito seja de passo, nesta música é muito simples. O seguinte gráfico de fluxo mostra o resumo do processo com todas suas possíveis conexões

Exemplo 10 Gráfico de fluxo que representa as inter-relações entre os parâmetros estudados

Este trabalho, curto e relativamente reduzido e simplificado, não pretende

mostrar como deve ser feito o trabalho de análise e percepção musical, apenas pretende delinear um caminho possível frente a uma problemática específica, propondo

alguns

olhares

particulares,

e

que

por

sua

vez

possa

gerar

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desdobramentos ou melhoramentos que nos permitam a cada dia aprender, entender e fazer melhor música. Referências: BREGMAN, Albert. Auditory scene analysis. London: The MIT Press, 1999. FALCÓN, Jorge A. “Aplicação das leis da Gestalt para a detecção de padrões rítmico-melódicos na música Kashmir de Led Zeppelin e seu uso como ferramenta analítica”, 2010. Revista eletrônica de musicologia, Volume XIII. Janeiro. Disponível em http://www.rem.ufpr.br/_REM/REMv13/04/gestalt_led_zeppelin.htm. Acesso em: 10 de outubro de 2013. FALCÓN, Jorge A. Quatro Critérios Para a Análise Musical Baseada na Percepção Auditiva. 2011. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 177 p. Disponível em http://www.academia.edu/599464/QUATRO_CRITERIOS_PARA_A_ANALISE_MUSI CAL_BASEADA_NA_PERCEPCAO_AUDITIVA Acesso em: 10 de outubro de 2013. FALCÓN, Jorge A. e NICKNICH, Fernando. “O DNA do rock: um estudo sobre cross rhytmhs Dissonâncias métricas no rock”. Anais do 1ro. Congresso Internacional de estudos sobre rock . Disponível em http://www.academia.edu/4611679/O_DNA_do_rock_um_estudo_sobre_cross_rhytm hs_Dissonancias_metricas_no_rock. LADZEKPO C. K.. Rhythmic principles. Disponível em https://home.comcast.net/~dzinyaladzekpo/Foundation.html. Acesso: 18 de Agosto de 2013 LERDAHL Fred, e JACKENDOFF Ray. A generative theory of tonal music. Cambridge: The MIT Press, 1983. MONFORT, Mattew. Ancient traditions – future possibilities.Rhytmic training trougth the traditions of Africa, Bali and India. California, Panoramic Press, 1985. PEREZ FERNANDEZ, Raul A. La binarización de los ritmos ternarios africanos en América latina. La Habana, Ediciones Casa de las Américas, 1987.

Discografia: FOGERTY, John. in Creedence Clearwater Revival, Cosmo’s Factory, Who’ll stop the rain. Columbia, 1970 1

Para mais informações ver Bregman, 1999, e Falcón, 2011 Para uma definição prática de cross-rhythm, poderíamos dizer que é a sobreposição de eventos sonoros que representam algum tipo de estrutura acentual contrastante, durante um período determinado de tempo. Ver (Falcón e Nicknich, 2013) para mais informações sobre Cross-rhythms, Monfort (1985) para uma compreensão técnica do fenômeno, Lazkdepo (sem data), para uma

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compreensão emic do fenômeno, e Pérez Fernández (1987) para uma compreensão do sincretismo rítmico em América Latina. 3 Embora não seja o escopo deste e trabalho, é bom salientar que os acentos próprios da língua do texto “Long as I remember...” ajudam também como quarto elemento acentual, porém, é impossível aplicar uma regra, toda vez que a liberdade criativa do compositor pode propositalmente desvirtuar a relação acentos musicais – acentos linguísticos.

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O Estado da Arte na pesquisa sobre a obra para violoncelo da compositora Kaija Saariaho: resultados iniciais MODALIDADE: Teoria e Análise Musical Camila Durães Zerbinatti

UDESC – [email protected]

Guilherme Antônio Sauerbronn de Barros UDESC – [email protected] Resumo: Este artigo apresenta os resultados iniciais da investigação sobre o Estado da Arte na Pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho e integra pesquisa de mestrado em curso sobre a obra Sept Papillons, para violoncelo, de Saariaho. Os referenciais teóricometodológicos são FERREIRA (2002), KERR & CARVALHO (2005) e ARROYO & JANZEN (2007). Verificou-se a predominância de abordagens que dialogam com, ou, partem de: técnicas espectrais, processos da música eletroacústica e a área de música e tecnologia. Palavras-chave: Kaija Saariaho. Violoncelo. Estado da Arte. Música e Tecnologia. The State of Art in the research on Kaija Saariaho´s cello compositions: initial results Abstract: This paper presents the initial results of the research on the State of Art in the research on Kaija Saariaho´s cello compositions and integrates an ongoing masters research on Saariaho´s cello piece Sept Papillons. The theoretical and methodological frameworks used are FERREIRA (2002), KERR & CARVALHO (2005) and ARROYO & JANZEN (2007). We verified the predominance of approaches that dialogue with, or depart from: spectral techniques, processes of electroacoustic music and the music technology area. Keywords: Kaija Saariaho. Cello. State of the Art. Music and Technology.

1. Introdução A obra da compositora Kaija Saariaho para violoncelo é relevante para o repertório do instrumento, pelas inovações técnicas e expressivas exploradas, e, pela quantidade de peças escritas até o momento (23 obras no total, sendo 6 para violoncelo solo, 4 peças concertantes e 13 obras camerísticas). (MOISALA: 2009) Apesar disso, há raros exemplos de produção acadêmica que ofereçam críticas e contribuições a respeito da obra violoncelística de Saariaho, e, há falta de estudos que listem e analisem essa produção de conhecimento. Para o musicólogo Tim Howell “Qualquer ideia de ‘Estudos sobre Saariaho’ está apenas em sua infância dada à falta de experts bem estabelecidos nesta área (...).” 1 (HOWELL, 2011) O presente artigo apresenta os resultados iniciais da investigação sobre o Estado da Arte na pesquisa sobre a obra para violoncelo de Kaija Saariaho e integra a pesquisa de mestrado em música Sept Papillons, de Kaija Saariaho: Proposta de análise musical e contribuições para a compreensão e interpretação, em andamento. A pesquisa pretende analisar a peça Sept Papillons (2000), para violoncelo solo, da compositora finlandesa Kaija Saariaho (1952), bem como levantar

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materiais, procedimentos composicionais, técnicas expandidas utilizados na obra e elementos de contextualização histórica, social e filosófica da obra. A pesquisa de estado da arte se justifica por “indicar os temas mais abordados (...) conhecer as diferentes perspectivas, abordagens e metodologias empregadas. Em suma, visam à elaboração de uma revisão crítica da produção de uma determinada área.” (KERR & CARVALHO, 2005) Oferecem neste caso subsídios, contribuições e aspectos norteadores à pesquisa de mestrado supracitada, e, esclarecimentos sobre o panorama de pesquisa sobre a compositora Kaija Saariaho. Consideramos os resultados encontrados até aqui ‘resultados inicias’, sem caráter conclusivo, pois a presente revisão de literatura se estenderá até fevereiro de 2015. 2. Referenciais Teórico-Metodológicos Os referenciais teórico-metodológicos desta pesquisa foram Ferreira (2002), Kerr & Carvalho (2005) e Arroyo & Janzen (2007). Catálogos produzidos na academia (resumos, títulos e palavras-chave) foram tomados “como fontes básicas de referência para realizar o levantamento de dados e suas análises (...)”, pois “permitem o rastreamento do já construído, orientam o leitor na pesquisa bibliográfica de produção de uma certa área [de conhecimento].” (FERREIRA, 2002) A metodologia compreendeu dois momentos que, de acordo com Ferreira, o pesquisador do “estado da arte” enfrenta ao lidar com os catálogos bibliográficos. O primeiro momento empreendeu busca, coleta, e listagem descritiva de textos acadêmicos a respeito da obra de Saariaho, com ênfase no repertório violoncelístico. Para a localização de material consultamos o portal da Capes (Bancos de Teses e Dissertações, busca por assunto, busca por periódicos, busca por livro). A procura se restringiu à produção de conhecimento em línguas portuguesa, inglesa e francesa. As palavras-chave utilizadas na busca foram Kaija Saariaho, violoncelo, violoncelle e cello. O objeto desta investigação foi delimitado à produção acadêmica sobre a obra de Kaija Saariaho compreendida por artigos científicos, periódicos e livros, dissertações e teses. O período no qual a produção acadêmica aparece nos levantamentos realizados configurou o recorte temporal – 1983 a 2013. O segundo momento da pesquisa buscou oferecer contribuições através de reflexões críticas e interpretativas sobre os aspectos e dimensões valorizados na produção de conhecimento descrita, analisando “tendências, ênfases, escolhas metodológicas e teóricas, aproximando ou diferenciando trabalhos entre si” (FERREIRA, 2002). Baseamos-nos no modelo de mapeamento oferecido por Arroyo & Janzen, 2007.

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3. Resultados Iniciais Entre abril e novembro de 2013 foram localizados 49 trabalhos relacionados à temática “Kaija Saariaho”, entre artigos científicos e resenhas sobre livros acadêmicos. Destes trabalhos, 24 apenas citam a compositora, suas obras ou algum de seus próprios artigos, por no máximo 2 vezes, sem apresentar as palavras descritoras no título, resumo ou entre as palavras-chave. Outros 05 textos são resenhas sobre um dos livros acadêmicos escritos sobre Saariaho. Entre os 05 trabalhos que apresentam apenas uma palavra descritora nos catálogos (02 teses de doutorado citam o nome de Saariaho no resumo, 03 examinam processos de música eletroacústica e com eletrônicos, citando algumas obras de Saariaho, nenhuma delas escrita para violoncelo - Io, Lichtbogen e Maa). Estes 34 textos não serão considerados no mapeamento por se relacionarem sem a profundidade e especificidade necessárias à pesquisa em andamento. Do montante total, 15 textos apresentaram as palavras Kaija Saariaho no título, resumo ou palavras-chave, e focalizam a obra musical e a trajetória da compositora, sendo que apenas 2 artigos abordam peças para violoncelo. Entre os 15 textos, escritos em língua francesa ou inglesa, 11 são artigos científicos publicados em periódicos, congressos ou simpósios, 01 é um volume de um periódico inteiramente dedicado à Saariaho e 03 são livros acadêmicos produzidos a partir de pesquisas acadêmicas e financiados por fundos de apoio à pesquisa ou por editoras que se dedicam à publicação de pesquisa acadêmica em música, nos Estados Unidos, Finlândia, França e Inglaterra. Ainda não tivemos acesso a 02 publicações* que, apesar de serem incluídas na etapa de listagens e análises, não puderam ser analisadas nos mapeamentos. O Quadro 1 apresenta os textos divididos entre artigos, periódicos e livros, em ordem cronológica. Ano 1983 1985 1987 1993 2000 2000 2003 2003 2004 2005

Artigos SAARIAHO, Kaija. Using the computer in a search for new aspects of timbre organization and composition. Proceedings of the Rochester 1983 International Computer Music Conference. Eastman School of Music. International Computer Music Association, 1983, p.269-73. San Francisco. SAARIAHO, Kaija. Shaping a Compositional Network with Computer. Proceedings of the 1984 International Computer Music Conference. IRCAM, Paris. International Computer Music Association, 1984, p.163-5. San Francisco. SAARIAHO, Kaija. Timbre and Harmony: Interpolations of timbral structures. Contemporary Music Review, Vol. 2, Part 1, p. 93-133. Harwood Academic Publishers, Switzerland. CHABOT, Xavier; SAARIAHO, Kaija; BARRIÈRE, Jean-Baptiste. On the Realization of NoaNoa and Près, Two Pieces for Solo Instruments and Ircam Signal Processing Workstation. Proceedings of the 1993 International Computer Music Association. Waseda University, Japan. University of Michigan Library, p. 210-213. Michigan. POUSSET, Damien. The Works of Kaija Saariaho, Philippe Hurel and Marc-André Dalbavie – Stile Concertato, Stile Concitato, Stile Rapresentativo. Translated by Joshua Fineberg and Roman Hyancinthe. Contemporary Music Review, Vol. 19, Part 3, p. 67-110. Harwood Academic Publishers, Switzerland. KANKAANPÄÄ, Vesa. Displaced time: transcontextual references to time in Kaija Saariaho´s Stilleben. Organised Sound, Vol. 1, Issue 2, p.87-92. Cambridge University Press. United Kingdom. SIVUOJA-GUNARATNAM, Anne. Desire and distance in Kaija Saariaho´s Lohn. Organised Sound, Vol. 8, Issue 1, p.71-84. Cambridge University Press. United Kingdom. RIIKONEN, Taina. Shaken or stirred – virtual reverberation spaces and transformative gender identities in Kaija Saariaho´s NoaNoa (1992) for flute and electronics. Organised Sound, Vol. 8, Issue 1, p. 109-115. Cambridge University Press. United Kingdom. LORIEUX, Grégoire. Une analyse d´Amers de Kaija Saariaho. Revue DÉMéter, revue électronique du Centre d'Etude des Arts Contemporains de l'Université Lille 3, Novembre 2004, p. 1-34. Villeneuve-d'Ascq, France. RIIKONEN, Taina. Shared sounds in detached movements: flautist identities inside the ´local-field´spaces. Organised Sound, Vol. 9, Issue 3, p.223-242. Cambridge University Press. United Kingdom.

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*2013 2009 2011 *2013

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O´CALLAGHAN, James. EIGENFELDT, Arne. Gesture transformation through electronics in the music of Kaija Saariaho. Proceedings of the Seventh Electroacoustic Music Studies Network Conference, Shangai, 21-24 June 2010, p. 1-24. Shangai. Periódicos MAO-TAKACS, Clement. Kaija Saariaho: l’ombre du songe. Tempus Perfectum - Revue de Musique, Nr. 11, abril 2 2013. Symétrie, Paris. Livros MOISALA, Pirkko. Kaija Saariaho. Women Composers Collection. University of Illinois Press, Urbana and Chicago. HOWELL, Tim; HARGREAVES, Jon; ROFE, Michael; Ed. Kaija Saariaho: Visions, Narratives, Dialogues. Ashgate Publishing Limited. Farnham, United Kingdom. 3 SAARIAHO, Kaija; ROTH, Stéphane. Le passage des frontières. Écrits sur la musique. Musica Falsa, Paris.

Quadro 1: Textos Acadêmicos que focalizam a temática da obra de Kaija Saariaho.

A produção de conhecimento especificamente relacionada à obra de Saariaho foi intensificada a partir de 2000, correspondendo a 73,32% do total: Período Década de 1980 Década de 1990 Década de 2000 Década de 2010

Número de Trabalhos 03 01 07 04

Porcentagem 20% 6,66% 46,66% 26,66%

Quadro 2: Distribuição quantitativa de produção de conhecimento entre as 4 últimas décadas.

Levando em consideração os locais de atuação dos autores chegamos à distribuição geográfica da produção de conhecimento sobre a obra musical de Kaija Saariaho. Observamos a expressiva produção de conhecimento acadêmico sobre a compositora na França, local de atuação de 07 dos 16 pesquisadores: País Canadá Finlândia

França*

Reino Unido

Arne Eigenfeldt James O´Callaghan Anne Sivuoja-Gunaratnam Pirkko Moisala Taina Riikonen Vesa Kankaapää Clement Mao-Takacs Damien Pousset Grégoire Lorieux Jean-Baptiste Barrière 4 Kaija Saariaho Stéphane Roth Xavier Chabot Jon Hargreaves Michael Rofe Tim Howell

Número de Pesquisadores 02

Porcentagem 12,5%

04

25%

07

43,75%

03

18,75%

Quadro 3: Distribuição Geográfica dos pesquisadores da produção de conhecimento listada.

No que se refere à publicação de artigos, que totalizam 11 dos trabalhos listados, observamos a quantidade proporcionalmente significativa de textos sobre a obra de Kaija Saariaho publicada por associações e periódicos específicos da área de estudos em Música e Tecnologia e Música Eletroacústica: 72% do total (em itálico no Quadro 4). Este é um importante dado para a pesquisa em andamento, por revelar tendências, direções e abordagens frequentes na pesquisa sobre obras de Saariaho. Publicação Contemporary Music Review Electroacoustic Music Studies Network International Computer Music Association 5 Organised Sound Revue DEMéter

Número de Trabalhos 02 01

Porcentagem 18,18% 09,09%

03

27,27%

04 01

36,36% 09,09%

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Quadro 4: Distribuição Quantitativa de Artigos nas Publicações Listadas

De acordo com o foco da pesquisa de mestrado em andamento, os textos selecionados para mapeamento foram aqueles localizados na sub temática “obra para violoncelo da compositora Kaija Saariaho”. Para o mapeamento, nos baseamos no modelo oferecido por ARROYO (2007), adaptado ao presente contexto. 4. Mapeamento Os únicos artigos que abordam obras de Kaija Saariaho para violoncelo são os textos de Xavier Chabot, Kaija Saariaho e Jean-Baptiste Barrière (1993), que aborda a peça Près (1992), para violoncelo e eletrônicos, e, de Grégoire Lourieux (2004), que analisa a peça Amers (1992), para violoncelo solista, ensemble e eletrônicos. Nenhum dos dois textos apresenta palavras-chave. A fim de que seja possível acompanhar o mapeamento, transcrevemos abaixo os títulos e resumos: “Sobre a realização de NoaNoa e Près, duas peças para instrumentos solistas e a Estação de Processamento Sonoro do Ircam, por X. Chabot, K. Saariaho e J-B. Barrière. Resumo: NoaNoa e Près são duas peças solo, uma para flauta, outra para violoncelo, compostas durante 1992 por6 Kaija Saariaho com a Estação de processamento sonoro do Ircam (EPSI , baseada no computador Next), e com Xavier Chabot, do Departamento de Pedagogia do Ircam, sob a perspectiva pedagógica de explorar as potencialidades do Max na EPSI, e especialmente, sua ligação com softwares usados para preparar os dados e os arquivos. Nas duas peças, a parte para electrônicos amplifica e desenvolve a estrutura sonora do instrumento solo, exemplifica a estreita relação entre os materiais sonoros e a estrutura musical, e explora estratégias em tempo real para o controle sobre várias sínteses [sonoras] e 7 os algoritmos de processamento de sonoro.” (CHABOT et al, 1993) “Uma análise de Amers de Kaija Saariaho, por Grégoire Lorieux. Resumo: Amers (1992) >>
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