Análise conceitual das dificuldades na determinação de modelos de formação de preços através de análise de regressão

May 29, 2017 | Autor: Marco González | Categoria: Regression Analysis, Real estate market, Spatial Correlation, Hedonic price
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Análise conceitual das dificuldades na determinação de modelos de formação de preços através de análise de regressão

Marco Aurélio Stumpf González 1 † Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, Av. Unisinos, 950 - 93022-000 - São Leopoldo, Brasil.

Carlos Torres Formoso 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Núcleo Orientado para a Inovação da Edificação (NORIE), Av. Osvaldo Aranha, 88 - 90000-000 - Porto Alegre, Brasil.

RESUMO A determinação de modelos de formação de preços imobiliários através das técnicas convencionais apresenta problemas que dificultam a análise, prejudicando a qualidade das estimativas do valor de mercado. Em parte estas deficiências estão ligadas às limitações da análise de regressão múltipla em lidar com a complexidade do mercado imobiliário, especialmente correlação espacial e desconhecimento da forma funcional, como se expõe neste artigo. ABSTRACT The hedonic price models are commonly obtained by regression analysis, but there are some statistical problems, which difficult the modeling and reduces the general quality of process. In part, this problems are connected to real estate market complexity, but, like explained in this paper, the major problems are spatial correlation and unknowing of actual form of hedonic equations. 1. INTRODUÇÃO O mercado imobiliário representa um importante segmento da economia nacional, por causa do volume de recursos nas transações e de sua significação social. Este mercado, contudo, tem um comportamento distinto dos mercados de outros bens economicamente significativos. As características singulares dos imóveis fazem com que a análise dos valores 1 †

Professor Mestre. Autor que receberá a correspondência ([email protected]). 2 Professor Doutor.

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dos bens seja uma tarefa complexa. A falta de informação dos agentes e o conhecimento deficiente dos mecanismos de funcionamento do mercado colaboram para dificultar a análise do mercado imobiliário. A análise de regressão múltipla (ARM) é amplamente utilizada na montagem de modelos de formação de preços, utilizados para a avaliação de imóveis, sendo bastante desenvolvida no Brasil, como atestam recentes publicações nacionais na área (Dantas, 1999; González, 1997; IBAPE, 1995, 1997 e 1999; Zancan, 1996). Entretanto, o uso da ARM é dificultado por vários problemas estatísticos que afetam a validade dos modelos gerados. Estas dificuldades são parcialmente decorrentes das características peculiares do mercado, implicando em restrições quanto à precisão das estimativas de valor. Este trabalho trata de dois dos principais problemas: a correlação espacial e a determinação da forma funcional. O artigo inicia com uma exposição das principais características do mercado imobiliário, com uma descrição básica da análise de regressão, segue abordando em detalhe os problemas citados e conclui com a indicação de métodos alternativos. 2. CARACTERÍSTICAS DO MERCADO IMOBILIÁRIO Os imóveis possuem um comportamento diferenciado economicamente de outros bens, por causa dos efeitos de seus atributos especiais, especialmente o custo elevado, a heterogeneidade, a imobilidade e a durabilidade. Por outro lado, o mercado é atomizado, contando com a participação simultânea de muitos agentes, não coordenados. A combinação destes elementos permite explicar grande parcela das variações de preços. São bens heterogêneos por natureza, pois cada imóvel possui quantidades diferentes de cada um dos atributos valorizados pelo mercado. Por isso, são chamados de “bens compostos”, e a comparação entre eles exige a ponderação dos vários atributos de interesse (Balchin e Kieve, 1986; Robinson, 1979). De todos os atributos, o mais importante é a localização, relacionada com a fixação espacial do produto (imobilidade). O valor de localização está relacionado com a acessibilidade (oferta e qualidade de vias e meios de transporte) e com as características da vizinhança, ou seja, do uso do solo no entorno próximo do imóvel. A medição destes efeitos é difícil, pois não são quantificáveis diretamente, sendo medidos através de variáveis proxy, tais como a renda média da população ou a distância ao centro comercial-histórico da área urbana. Efetivamente, os modelos mais comuns de análise das áreas urbanas consideram apenas um pólo de atração (chamado de Central Business District) visando simplificar a análise. Porém, raramente as cidades têm uma estrutura monocêntrica simples e os centros de atração localizados longe do CBD configuram complexos gradientes de preços. Por isso, muitos dos estudos empíricos que usam a distância ao CBD como medida de acessibilidade encontram pouca significância estatística para a variável (Ball, 1973; Bartik e Smith, 1987; Dubin e Sung, 1987; Smith et al., 1988). Como lembra Straszheim (1987, p.740), o modelo monocêntrico convencional, relacionado basicamente com demanda por solo e gradientes unidimensionais de distância, ignora a influência na decisão de localização de características de vizinhança, tais como composição socioeconômica, densidade populacional, qualidade do ar e oferta de serviços públicos. Os efeitos de vizinhança e acessibilidade relativa fazem com que imóveis próximos, de mesmas características construtivas, tenham valores semelhantes. Esta semelhança tende a diminuir com o aumento da distância que os separa. Aparentemente, as variações são contínuas, isto é, os valores não surgem de forma aleatória. Portanto, é razoável supor que o 66

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nível dos preços seja influenciado pelos imóveis circundantes (Dubin, 1992; Li e Brown, 1980; Schroeder e Sjoquist, 1976). Segundo Can (1998), espera-se que os preços dos imóveis variem sistematicamente ao longo da área urbana, como resultado de variações especiais nas quantidades físicas do estoque e de externalidades espaciais associadas com a vizinhança. No mesmo sentido, Anselin (1998) afirma que é inquestionável a importância dos aspectos espaciais no mercado imobiliário. Além disto, a dinâmica imobiliária, associada com o processo de estruturação intraurbana, modifica continuamente a forma da cidade, alterando os usos do solo em tipo e densidade. A realização de obras como escolas, parques, avenidas, shopping centers ou indústrias, introduz modificações não só no entorno próximo, mas em uma área de abrangência (Balchin e Kieve, 1986; Campos,1988; Maraschin, 1993). Finalmente, não pode ser esquecido que o poder público tem influência decisiva nestas alterações de uso e ocupação do solo, através de intervenções diretas (tais como abertura ou alargamento de vias urbanas) ou pelo controle e incentivo à atuação da iniciativa privada (através de planos diretores de desenvolvimento), alterando o comportamento do mercado imobiliário e os preços dos imóveis (Rovatti,1990). 3. MÉTODOS E OBJETIVOS DA ANÁLISE DE VALORES DE IMÓVEIS Simplificadamente, “avaliar” é buscar o valor, e o valor de um bem é essencialmente determinado pelo segmento de mercado onde ele pode ser transacionado. Embora existam muitas interpretações, o valor de mercado de um imóvel pode ser definido como o valor mais provável que um dado imóvel pode atingir, numa transação normal, em determinadas condições econômicas. Em última análise, o valor de mercado trata de um equilíbrio microeconômico momentâneo, decorrente das condições de oferta e demanda específicas e gerais para um dado imóvel e mercado. O valor de mercado representa este “equilíbrio potencial” (González, 1997). Não havendo informações sobre transações (de razoável semelhança e em quantidade mínima para a análise), o analista pode utilizar alguns métodos que permitem a obtenção do valor indiretamente. São exemplos destes os chamados métodos da renda e do custo de reprodução (Moreira, 1994). No primeiro, o valor de venda é entendido como a capitalização presente dos fluxos de renda futuros, a serem obtidos até o fim da vida útil econômica do imóvel. No outro, o valor é estimado através do custo de construção de uma unidade semelhante, descontando-se a depreciação e acrescentando-se uma parcela pela possibilidade de utilização imediata (denominada “vantagem da coisa feita”) além do valor do ponto (“fundo de comércio”), quando for o caso. Entretanto, estes métodos permitem apenas obter estimativas rudimentares do valor de mercado e dependem excessivamente da intervenção subjetiva do analista. Mesmo com a presença de eventuais transações não representativas,3 a melhor forma de conhecer o valor é através de informações sobre imóveis semelhantes, transacionados na mesma época e local. Neste caso, o método mais apropriado é o método da comparação de dados de mercado (antigamente conhecido como “método das vendas”) que, dentre as técnicas conhecidas é a mais empregada. Existem diferenças entre os procedimentos para avaliação singular ou coletiva de imóveis, devido aos objetivos e nível de precisão desejado em cada caso, mas o procedimento básico é similar. Para realizar esta tarefa, é preciso empregar alguma forma de ponderação dos

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Decorrentes da imperfeição das relações entre comprador e vendedor, por exemplo.

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atributos formadores dos valores imobiliários, tal como a inferência estatística.4 Neste caso, as variáveis julgadas importantes são reunidas em um modelo de regressão múltipla, e os testes estatísticos permitem verificar se devem ou não participar do modelo, e em que formato. 4. MODELOS CONVENCIONAIS PARA AVALIAÇÃO DE IMÓVEIS Em economia urbana, a sustentação teórica para os modelos de avaliação de imóveis vem dos chamados “modelos hedônicos”. A representação do funcionamento do mercado imobiliário pode ser feita com modelos econométricos, que incluem medidas representando os atributos considerados importantes, seguindo a teoria descrita por Griliches (1971) e Rosen (1974) e amplamente difundida na economia urbana, que refere-se a um “vetor de atributos” (Robinson, 1979) ou a um conjunto de “serviços de habitação” (Lucena, 1985). Nesta linha, a formação do preço de venda pode ser entendida como a soma de parcelas devidas aos diversos elementos importantes, que não podem ser individualizados diretamente, visto que não são transacionados separadamente, mas apenas em conjunto e em quantidades fixas (em “pacotes”). Em certo sentido, os valores dos imóveis podem ser compreendidos como médias ponderadas dos atributos que os compõem, sendo que os pesos (os coeficientes das equações) podem ser interpretados como preços implícitos destes atributos. Assim, é necessário inicialmente encontrar estes pesos para que se possa realizar a ponderação dos atributos dos imóveis em estudo e finalmente obter estimativas para o valor de mercado destes imóveis, chamados no meio técnico de “avaliandos” (Griliches, 1971; Lucena, 1985; Muth,1975; Rosen, 1974; Straszheim, 1987). O analista deve estipular modelos com as hipóteses de relacionamento entre as variáveis, que devem ser testadas pelos critérios estatísticos, verificando-se a validade destas hipóteses, ou seja, se os modelos são capazes de representar o segmento de mercado em questão. Para tanto, devem ser coletados dados de transações (evidências do mercado), analisando-se o ajuste dos modelos considerados a estes dados, dentro de um determinado grau de precisão. Os testes estatísticos permitem avaliar o próprio modelo e a importância individual das variáveis incluídas, indicando a qualidade geral do modelo formulado. Um modelo convencional assume um formato tal, como (equação 1): Y= α0 +α1X1 +α2X2+...+αkXk + εα = Yh + εα

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Este formato é chamado de “modelo linear clássico”, no qual Y é a variável dependente (geralmente o preço), X1,...,Xk são as variáveis independentes (as características dos imóveis e da região), α0 é o intercepto (ou constante da equação), α1,...,αk são os coeficientes parciais da regressão (preços hedônicos implícitos), o termo de erro (desvio da estimativa) é εα e Yh é a estimativa para a variável dependente, calculada em função das variáveis explicativas incluídas (Judge et al., 1985; Neter et al., 1990, Ramanathan, 1998). O processo de análise de regressão exige o respeito aos chamados “pressupostos básicos”, e ainda a outras condições relacionadas, que precisam ser atendidos para que a análise seja válida, e possam ser realizadas inferências (previsões) com a equação determinada (González, 1997; Maddala, 1988, Ramanathan, 1998). Para que os modelos sejam considerados aptos, deve-se garantir que: 1) Há homocedasticidade dos resíduos (a variância é constante); 2) Existe independência serial dos resíduos (não há autocorrelação); 4

A norma brasileira de avaliação de imóveis urbanos, NBR 5676, exige o emprego de inferência estatística, para determinar os coeficientes do modelo (pesos dos atributos considerados), nos trabalhos classificados como “rigorosos”, segundo o nível de rigor da avaliação (ABNT, 1989).

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3) Os resíduos seguem a distribuição Normal; 4) A relação entre as variáveis independentes e a variável dependente é linear; 5) Não há colinearidade perfeita entre quaisquer variáveis independentes; Além destes, o modelo deve ainda atender a outros requisitos, em parte decorrentes dos próprios pressupostos básicos: 6) As variáveis importantes foram incluídas (o modelo especificado é similar ao real); 7) Não existem observações espúrias (elementos claramente não adaptados ao modelo, chamados de outliers); 8) As variáveis independentes não são aleatórias (somente a variável dependente pode ser estocástica); 9) Os resíduos têm média nula; 10) O número de observações (tamanho da amostra) é maior que o de coeficientes a ser estimado; No mercado imobiliário, diante de suas características peculiares e da dificuldade de obtenção de dados, há risco de ruptura de várias destas condições. É comum a ocorrência de multicolinearidade, outliers e não-linearidade dos dados, entre outros (De Cesare, 1998; Dubin, 1988; Worzala et al., 1995). Quase todas estas condições podem ser garantidas, ou mesmo bem controladas, existindo técnicas estatísticas para corrigir eventuais problemas. Por exemplo, para o caso de surgimento de outliers, há tratamentos bem documentados e a solução é razoavelmente fácil (Belsley et al., 1980; Daniel e Wood, 1980). A multicolinearidade, causada por interrelações das variáveis explicativas, pode ser eliminada pelo emprego de técnicas que transformam os dados, como a análise fatorial, e não é um empecilho sério (González, 1993; Harmann, 1976; Maddala, 1988). Também a heterocedasticidade pode ser contornada, com o emprego de mínimos quadrados generalizados, desde que sejam obtidas boas estimativas para a matriz de ponderação (Judge et al., 1985; Neter et al., 1990) e assim por diante. Entretanto, para a autocorrelação e para a definição da forma funcional permanecem as dificuldades, como descrito a seguir. 5. AUTOCORRELAÇÃO ESPACIAL Devido às características espaciais do mercado, os modelos de regressão podem sofrer importantes restrições, surgindo um tipo de autocorrelação denominado geralmente de “autocorrelação espacial”, principalmente em amostragens do tipo cross sections (Cliff e Ord, 1973; Cuthbertson et al., 1992; Judge et al., 1985; Wyatt, 1996). Nos modelos econômicos, que lidam principalmente com a análise de séries de tempo, é muito comum o aparecimento de relações seriais entre as medidas dos desvios das estimativas para os valores reais (erros), provocando dificuldades de análise. Se ocorre autocorrelação, os estimadores obtidos por Mínimos Quadrados são não-viesados, mas são ineficientes, e os modelos não são plenamente válidos, havendo restrições para serem empregados na inferência de valores (Cuthbertson et al., 1992). A correlação serial (ou autocorrelação) implica na existência de uma relação do tipo (equação 2): εt = φ0 +φ1εt–1 +φ2εt–2 +φ3εt–3 +...+φpεt–p + υt

(2)

Ou seja, o erro εt pode ser determinado em função dos erros anteriores, quando deveria ser aleatório (geralmente espera-se que siga a curva Normal), com média nula e desvio-padrão constante, para atender aos pressupostos básicos da ARM (Dubin, 1988; Maddala, 1988). Se Número 8, 2000

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for detectada correlação serial, uma solução possível seria corrigir o modelo teórico e recomeçar a estimação. Neste caso, a autocorrelação não poderia ser encarada como um problema dos dados, a ser removido por transformação das séries ou dos resíduos, mas por especificação correta do modelo (há omissão de uma variável importante ou foram incluídas variáveis em formato inadequado, por exemplo). É importante verificar que, nas séries temporais, as variáveis consistem em medidas repetidas sobre o mesmo objeto, ocorrendo variação em apenas uma direção e sentido de análise (variação cronológica). A análise de time series é fundamental no âmbito da Economia e, por isso, há intensa pesquisa sobre este tipo de situação. No caso de correlação serial, os testes e métodos de estimação estão bastante desenvolvidos e a análise pode ser realizada por diversos processos, com boa probabilidade de sucesso. Por exemplo, existindo cointegração (relação de longo prazo) entre as variáveis, podem ser aplicados métodos complexos, mas eficientes, como o Procedimento de Johansen ou o Mecanismo de Correção de Erros. Outras alternativas para o caso de autocorrelação são a estimação por processos baseados em máxima verossimilhança, mínimos quadrados generalizados, modelos ARIMA ou o emprego de técnicas iterativas, como o Filtro de Kahlman (Cuthbertson et al., 1992; Engle e Granger, 1987; Hendry e Mizon, 1978; Pereira, 1991). Entretanto, no mercado imobiliário os objetos de análise são distintos entre si, não existindo propriamente uma “série”. Enquanto a correlação serial lida com a relação dos termos de erros entre si, a autocorrelação espacial é mais geral e está ligada a características peculiares dos dados, de terem maior relação com a vizinhança próxima do que com a distância. Por exemplo, os imóveis de um mesmo bairro tendem a apresentar condições semelhantes de localização e acessibilidade. A correlação espacial surge por falta de explicação correta, no modelo de regressão, das variações de preços no espaço. Conforme Camargo et al. (1999), “alguns processos espaciais, principalmente aqueles observados em aplicações ambientais, apresentam indexação no espaço e trazem como característica comum a continuidade, observando que seus valores variam de forma gradual numa determinada vizinhança”. É o caso também do mercado imobiliário. Se a variável tem distribuição espacial, as variações nos dados ocorrem em todas as direções, o que dificulta a análise. Anselin (1988, apud Macedo, 1998) afirma que, com dados distribuídos no espaço, podem ocorrer “efeitos espaciais”, basicamente de dois tipos: “dependência espacial” e “heterogeneidade espacial”. Assim, deve-se adaptar os tradicionais modelos econométricos, considerando estes efeitos e empregando modelos econométricos “espaciais”, que levam em conta explicitamente estes efeitos. Por outro lado, Kelejian e Robinson (1992) relatam que muitos testes tem sido desenvolvidos para investigar a correlação espacial. São testes sofisticados, mas todos com restrições teóricas. Na verdade, os testes de avaliação da dependência espacial dos resíduos não são poderosos (no sentido da confiabilidade da conclusão) e não estão implementados em muitos dos softwares disponíveis. Segundo Bennett e Hordijk (1986), em econometria espacial as técnicas de mínimos quadrados ordinários geralmente não funcionam bem, porque há violações nas condições básicas necessárias para validade da técnica, surgindo problemas como multicolinearidade, heterocedasticidade e autocorrelação espacial, simultaneamente, em função da consideração deficiente da distribuição espacial dos dados. A heterocedasticidade poderá aparecer justamente por causa de variações espaciais não explicadas corretamente no modelo, surgindo simultaneamente com a correlação espacial. Neste caso, o controle da correlação espacial é suficiente (Cuthbertson et al., 1992; Judge et al., 1985).

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As análises que empregam os modelos hedônicos apresentam dificuldades na consideração das características espaciais. Por serem de difícil determinação empírica, a qualidade de vizinhança e a localização são elementos quase intangíveis, na prática. Geralmente, busca-se identificar regiões “homogêneas”, atribuindo-se valores para as características de interesse através da participação de especialistas. Além dos problemas de julgamentos viesados, e do custo e tempo dispendidos, ainda deve-se considerar que é muito difícil definir regiões realmente homogêneas, por causa de heterogeneidades internas (o espaço é multivariado, heterogêneo) e da definição arbitrária das próprias fronteiras (Dubin, 1992; Gallimore et al., 1995; Moscovitsch, 1997; Wyatt, 1996). Para Anselin (1998), até há pouco, o tratamento espacial explícito não era comum, por questões metodológicas e operacionais. A questão metodológica envolve a dificuldade de reconhecer a natureza bi-dimensional da interação espacial (correlação espacial) e suas implicações na análise estatística. Já foi demonstrado que ignorar este aspecto pode levar a estimativas tendenciosas ou ineficientes dos coeficientes ou inferências incorretas. Por outro lado, do ponto de vista operacional, a deficiência era devida à falta de softwares adequados, o que já não é mais problema, segundo o autor, devido à oferta de vários pacotes estatísticos com ferramentas espaciais e, principalmente, ao desenvolvimento dos sistemas de informações geográficas (SIG). Desta forma, pode-se concluir que a correlação espacial é um dos principais problemas estatísticos nas análises econométricas realizadas sobre o mercado imobiliário, que ainda não foi solucionado, e a busca de soluções a serem aplicadas em modelos hedônicos ou de outros métodos que permitam diminuir a dificuldade de estimação é importante para o aperfeiçoamento da avaliação de imóveis. 6. DESCONHECIMENTO DA FORMA FUNCIONAL Outro problema é o da formatação do modelo, que afeta os pressupostos de linearidade da equação e de que as variáveis importantes tenham sido incluídas. Quais variáveis incluir e em que formato é um problema estatístico não-trivial e as revisões da literatura indicam estas dificuldades através da falta de uniformidade nos textos sobre economia urbana (Ball, 1973; Smith et al., 1988). Para White (1992), freqüentemente a suposição de que o formato real do modelo sob análise seja conhecido não é correta e, neste caso, as estimativas dos parâmetros são inconsistentes, provocando suspeita sobre as inferências realizadas com a equação. Os coeficientes da equação de regressão geralmente são estimados através do Método dos Mínimos Quadrados, que minimiza a soma dos quadrados dos resíduos. Para tanto, uma das condições é que a forma escolhida para a equação seja adequada. Se a forma da equação não é conhecida, os modelos ajustados não podem ser utilizados para inferência. A inadequada especificação do modelo pode provocar autocorrelação ou heterocedasticidade, como indicado acima (Daniel e Wood, 1980; Neter et al., 1990; Weisberg, 1985). Um dos problemas mais comuns é a possível não-linearidade dos dados. Os relacionamentos entre as variáveis são complexos, nem sempre os dados ajustam-se linearmente ao modelo e a escolha da transformação matemática a ser aplicada não é tarefa fácil, exigindo forte intervenção do especialista no processo de modelagem (De Cesare, 1998; Worzala et al., 1995). Não havendo indicações teóricas da forma de relacionamento das variáveis, a análise de uma função linear de regressão para verificar se ela é apropriada para os dados ou não geralmente é realizada por tentativas, através de gráficos de resíduos contra as variáveis dependentes ou independentes do modelo. Se houver uma forma definida nos erros, com tendências de crescimento ou curvaturas, pode ser que o modelo testado não seja o mais adequado, e deve-se tentar o ajuste de funções não lineares ou linearizar a função, por Número 8, 2000

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transformações nas variáveis, tais como logaritmos, inversas ou potências. Muitas vezes, contudo, não há indicações claras do caminho a seguir, e as transformações a serem aplicadas, se mal escolhidas, podem até prejudicar o modelo (Kmenta, 1978; Maddala, 1988). 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos de análise atuais não são satisfatórios, principalmente em função do desconhecimento da forma funcional e da deficiente consideração dos efeitos espaciais (localização e acessibilidade) que são fundamentais na formação dos valores imobiliários. A análise de regressão múltipla (ARM) é uma técnica de uso geral e está embasada em sólida teoria estatística, sendo empregada há vários anos na avaliação de imóveis. Mesmo assim, a comunidade científica da área de economia urbana não tem oferecido soluções adequadas para os problemas apontados, que persistem. Evans et al. (1995), por exemplo, afirmam que, embora os cálculos envolvidos sejam complexos, a análise de regressão tem atingido resultados com limitado grau de sucesso. Algumas alternativas, para a correção dos problemas apontados, podem ser obtidas através da utilização de outras técnicas, entre as quais podem ser apontadas as redes neurais artificiais (RNA), o raciocínio baseado em casos (RBC) e os sistemas de informações geográficas (SIG). Trabalhos recentes indicam possibilidades neste sentido, tais como os de Evans et al. (1995), Kauko (1997), Rossini (1997), Tay e Ho (1994) e Worzala et al. (1995), utilizando RNA; de González e Laureano-Ortiz (1992), McSherry (1998) e Ribeiro (1999), empregando RBC; e os de Bible e Hsieh (1996), Galimore et al. (1996) e Wyatt (1996, 1996a), que apresentaram aplicações de SIG às avaliações de imóveis. Como a determinação do valor é empregada em um grande número de situações, inclusive para tributação, os eventuais erros cometidos podem afetar expressiva parcela da população. Assim, justifica-se a necessidade de pesquisar técnicas alternativas, tais como as citadas, de forma a aprimorar o processo de análise. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Avaliações de imóveis urbanos (NBR 5676). Rio de Janeiro: ABNT, 1989. ANSELIN, Luc. Spatial econometrics: Methods and models. Dordrecht: Kluwer Academic, 1988. ________. Gis research infraestructure for spatial analysis of real estate markets. Journal of Housing Research, v.9, n.1, p.113-134, 1998. BALARINE, Oscar Fernando Osório. Determinação do impacto de fatores sócio-econômicos na formação do estoque habitacional em Porto Alegre. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. BALCHIN, Paul N. e KIEVE, J.L. Urban land economics, 3ed. London: McMillan, 1986. BALL, Michael J. Recent empirical work on the determinants of relative house prices. Urban Studies, v.10, p.213-233, 1973. BARTIK, Timothy J. e SMITH, V. Kerry. Urban amenities and public policy. In: E.S. MILLS (ed). Handbook of regional and urban economics, v.2 (urban economics). Amsterdam, Elsevier, c.31, p.1207-1254, 1987. BELSLEY, David A.; KUH, Edwin; WELSCH, Roy E. Regression diagnostics: Identifying influential data and sources of collinearity. New York: John Wiley, 1980.

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