ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DA MULHER NA MÍDIA.

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA – FACULDADE DE LETRAS Bruno Lisita Rezende

ANÁLISE DA REPRESENTAÇÃO DE MULHERES NA MÍDIA. Baseado no estudo de caso do catálogo da marca fashion Victoria Secrets.

Coimbra 2014 1

INTRODUÇÃO O discurso da moda se vale de inúmeras estratégias argumentativas na tentativa de seduzir a cliente/expectadora e criar uma ligação entre esta mulher, a moda e os objetos apresentados para venda. Lembre-se que nenhum indivíduo, atualmente, se encontra livre da influência da moda. Destarte, todos se vestem de uma forma ou de outra com roupas produzidas por esta indústria desde a alta costura até as confecções regionais. Visando obter uma análise do modo sobre o qual a mulher é representada nas publicações que envolvem underwear, este trabalho teve como alicerce os discursos empregados pelas indústrias fashion e impressas, bem como os estereótipos expostos, culminando com o estudo e apreciação do catálogo de inverno da marca Victoria Secrets. No desígnio de alcançar a adesão da leitora e consumidora, o enunciador do discurso (catálogo) revela imagens sedutoras para incorporar pressupostos acerca da mulher moderna propugnando o fascínio do público. Note-se que o discurso da moda quer conceber a mulher de tal forma que atraia este público objetivando acarretar a compra de produtos ou, pelo menos, uma predisposição para tal fato. Nesse ínterim, as campanhas publicitárias aplicam recursos extraordinários nos mass mídia conscientes do poder de convencimento dessas ferramentas, estimulando o consumo de produtos os quais não precisaríamos adquirir. A comunicação converte-se em uma força evidente. A Victoria Secrets, não dessemelhante de infinitas marcas, vale-se da mídia, ademais, como um reflexo da sociedade em que estamos inseridos, disseminando atitudes e condutas que, na verdade, estão enraizadas em nossa cultura. Não obstante, sob alguns aspectos, a mídia possa transcender a função de ‘espelho’ em alguns segmentos do mercado publicitário. Mas a regra prevalece. A análise da representação da mulher na mídia, e no caso específico da Victoria Secrets, coaduna também a revelação dos valores sociais, não se discutindo a moralidade da mulher que percebe seu cachê para aquele papel, contudo, o tipo de beleza, corpo, nudez que foi construída para protótipo. Sob os holofotes da mídia ela se transveste em uma deusa, às avessas, capaz de estimular a capacidade criadora e imaginativa não somente do sexo feminino, porém do masculino, permanecendo a reprodução do que está latente na sociedade. Ser magra, jovem, bonita, nos catálogos, instiga o imaginário que desvirtua a leitora ou consumidora desses produtos fashion, underwear, a se metamorfosear em seduzidas e fiéis compradoras não apenas dos produtos, mas de todo o marketing ali inserido. Já asseverava Winston Churchill: “A imaginação consola os homens do que não podem ser (...)”. 2

CAPÍTULO I Do Discurso Midiático. Registre-se que foi na década de 60 que surgiu a Análise de Discurso como uma teoria de leitura, irrompendo com tradicionais práticas que, até então, eram volvidas para a interpretação, tais como a Hermenêutica e a Análise de Conteúdo. “Pela primeira vez na história a totalidade dos enunciados de uma sociedade, apreendida na multiplicidade de seus gêneros, é convocada a se tornar um objeto de estudo”, expõe Charaudeau (2004:46).1 Afirme-se que o discurso, como objeto de Análise do Discurso, não se trata da língua, nem do texto, ou da fala, contudo, necessita de elementos linguísticos para ter uma existência material. O que equivale a ressaltar que o discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística. Referimo-nos a aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas (Fernandes, 2005, p.20).2 Hodiernamente, percebe-se que os jornais, rádio, revistas, cinema e televisão constituem marcos histórico e social de suma importância na história das mídias. Desde seu principio, em que havia uma ideia de que o público receptor das mensagens era homogêneo, ocorreu uma configuração do que, posteriormente, seria denominada comunicação de massa, até as novas tecnologias na sociedade contemporânea, os processos comunicativos das mídias gerando códigos (Briggs; Burke: 2004).3 Note-se que tais códigos são específicos e determinam efeitos de percepção e alteração dos comportamentos sociais. A mídia demuda os processos de comunicação e suscita novas interações comunicativas entre os atores sociais. Diante disso, o estudo em tela busca identificar de que forma os catálogos fashion se constituem como ator social da representação feminina no discurso midiático. Nesse sentido, a mídia funda-se como uma indústria que produz e veicula símbolos e significados que têm implícito um conjunto de elementos, os quais interferem na estruturação, organização e reorganização do que se apreende na realidade em que o receptor está inserido. A discussão da moda mediante este processo de espetacularização, seus significados e símbolos quanto às possibilidades de intervenção em educação, devem suscitar questionamentos que abarquem a diferenciação entre passividade e atividade, alcançando o consumo inconsciente como

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Charaudeau, Patrick; Maingueneau, Dominique.( 2004). Dicionário de Análise do Discurso. (Tradução Fabiana Komesu et al.) São Paulo: Contexto.

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Fernandes, Cleudemar. (2005). Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas.

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Briggs, A.; Burke, P. (2004). Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. (Tradução Maria Carmelita Pádua Dias). Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

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um fator alienante do potencial criador e da imaginação (Kellner: 2006). 4 No esboço dessa problemática tornou-se plausível a percepção de que há um acentuado acréscimo dos processos de globalização e as constantes transformações vivenciadas em nosso mundo, de forma que o conceito cultural é continuamente modificado através do tempo e do espaço. Seria como reciclar a concepção que temos de mundo – a cosmovisão. A mídia cria os significantes para a cultura de massa e a linguagem é transformada à medida que o discurso midiático toma novas formas. O discurso é um significante produto colocado à frente do consumidor exposto nas mais variadas mídias. A produção e veiculação de discursos da mídia sobre este campo do espetáculo sugerem a presença dessas representações igualmente na narrativa investigada (Catálogo) e, ainda, em distintas formas de narrativa, tais como comerciais para TV e anúncios na Web. O crescimento das narrativas transmidiáticas é mais um suporte para instigar o consumidor a aspirar se tornar componente integrante do catálogo, seja por meio do uso das peças, seja pelo consumo de bens de beleza para se assemelhar as top models que vestem as peças. O discurso midiático, portanto, nos circunda, de forma que não somos atingidos tão somente pelos meios de comunicação de massa, sejam estes eletrônicos ou impressos. Ele se perpetra presente em cabais lugares e momentos na vida dos indivíduos. Tanto nos diálogos quanto nas interpelações entre pais e filhos, amigos e professores, a mídia é absorvida inconscientemente pelas pessoas, formando uma cultura positiva ou negativa acerca de um determinado assunto. Nesse instante, o fato é que o discurso vai muito além do corpo que é capaz de assimilar e transmitir ou comunicar mensagens, como novamente é a roupa que o veste. A aparência do sujeito é fator relevante na concepção da identidade pessoal e/ou tribal e/ou social. A argúcia que se tem do outro ou de si mesmo passa pela linguagem corporal. Na sociedade pós-moderna a procura pela identidade é assunto multidisciplinar, que cabe não apenas à psicologia e à sociologia, como ainda à comunicação, artes, design, marketing e inúmeras áreas de estudo. Toma-se como pressuposto que encararmos a roupa como uma segunda pele abrange que o seu papel ultrapassa o agasalho e a proteção da primeira, sendo presumível recriá-la por meio da moda, auxiliando o sujeito a exteriorizar sua identidade, permitindo-se ser reconhecido por terceiros tal como pretende. Dessa feita, a Victoria Secrets se concentra nesses subterfúgios para seduzir a clientela. Ressalte-se que a marca tem como mote: desfiles de Natal feitos em plena cidade de Nova 4

Kellner, D. (2006). A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo (Tradução: Rosemary Duarte). (Líbero, ano VI, Vol. 6, n. 11).

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York, com a estonteante Gisele Bündchen esvoaçando seus cabelos entre as suas asas de anjos e voluptuosas lingeries. Para tanta ousadia, somente a Victoria Secrets alcançaria tanto mérito. A marca não reinventou a lingerie. Apenas as tornou mais sensuais e chiques. Capaz de vestir anjos e humanos. O que antes pertencia exclusivamente à esfera íntima de uma mulher, como o seu mistério e a sua sedução, volve-se para uma visão desnudada, em que todos podem compartilhar deste destemido olhar. E o mais envolvente: qualquer um tem a capacidade de comprar não unicamente lingeries, entretanto, a fantasia e a sexualidade. Tudo isso endossado com as famosas iniciais VS. (https://www.victoriassecret.com) Note-se, todavia, a intenção do discurso no sentido de vender, ademais das peças de lingerie, os valores agregados para suas consumidoras. Essa alocução impregnada pela Victoria Secrets contém uma mensagem pública, imbuída de ideia subjetiva que deve ser decodificada nas entrelinhas das imagens e o que estas anseiam ou esperam discursar. Nesta perspectiva, o corpo fala, e adjacente a ele as roupas e acessórios aproveitados cooperam na comunicação visual. O ato de se vestir suplanta uma escolha inconsciente de peças. Nele há sentido que exprime de maneira objetiva a concepção de corpo, posição socioeconômica e bagagem cultural, que podem ser percebidos como valores simbólicos. Essa problemática enseja uma análise filosófica acerca do contrassenso do quão ou modo de se falar daquilo que, presumivelmente, não se poderia falar. Tal paradoxo que atinge uma imagem dimana a provocar a ausência de toda a fala. Assim sendo, as questões em torno do real da língua, da história e do inconsciente, sugerem uma novel maneira e estilo de trabalhar as questões das materialidades discursivas que se deparam no espaço de reconfiguração. Afinal, um catálogo sobrevive de imagens, e do que essas imagens discursam subjetivamente para o receptor da mensagem.

CAPÍTULO II 5

Análise do mercado fashion e a criação de estereótipos O estudo da história da moda e da indumentária proporciona impressões que são basilares, para ilustrar as vestimentas das épocas e insinuarem o comportamento de sociedades ao longo dos tempos. Avultam-se, ainda, estudos na área abalizados nas pesquisas das silhuetas em diferentes épocas e como estas foram capazes de evidenciar, baseadas nas alterações ocorridas ao corpo natural, a exemplo do ‟aumento dos quadris por anquinhas ou o uso de sapatos de salto por homens”, as relações sociais do período. Deste modo, intui-se que o corpo, para Katz (1977) 5, ou forma, para Maffesoli (1996),6 enseja a possibilidade de se analisar a sociedade ao largo de ocasiões históricas por meio das impressões visuais que se tem dos cidadãos. Nessa conjectura, compreende-se a moda como parte do (re)design da forma original dos corpos pela comunicação humana, dotando esses de significação e, consequentemente, de linguagens que são potencializadas por meio de interferências, assim como pela sobreposição de materiais, que consentem a construção de inovadas formas e volumes que alteram sua acepção ou sentido, com outras semânticas ou, em outras palavras, abonando originais valores a ele. Os trajes cunham volumes, camuflam saliências e estabelecem ilusões óticas que, ao olhar de um terceiro, modificam o corpo. A cada época, dependendo do corpo idealizado, a moda alterarse também em razão de contribuir com essa edificação de uma nova forma. O (re)design do formato do corpo ou a ressemantização deste, que ensaia em um transformar de um objeto ou outro item qualquer em outra coisa ou significado que não é o seu original, a partir de escolhas diárias de peças de vestuário, são estratégias, individuais ou grupais, de comunicação não-verbal para a exteriorização de identidades ou tentativa de criar sentimento de pertença a um determinado grupo. Para a tendência existe uma contra tendência que, com o passar do tempo, aufere espaços revolvendo novas tendências. Este ciclo é básico e pode ser visto com clareza durante o século passado, como as formas retas dos anos de 1920 que foram substituídas pelo new look da década de 1950, quando, em 1960, se ajustou e retificou algumas imperfeições, voltando, posteriormente, ao espaço das formas vastas dos hippies dos idos 1970 e dos balonês de 1980. Revele-se que o mercado fashion abrange centenas de modelos desfilando e posando para catálogos em seus perfis quase anoréxicos constituindo um padrão que é assimilado pelas mulheres que consomem aqueles produtos, e que ambicionam vestir aquelas roupagens. Alerte-se para o fato de que nas passarelas as mulheres em suas indumentárias são elegantes, magras, tendo as roupas sido confeccionadas em tamanhos menores que vislumbram melhor caimento, sobretudo para 5

Katz, E. (1977). O estudo da comunicação e a imagem da sociedade. (In: Cohn, Gabriel Org.. Comunicação e indústria cultural). São Paulo: Nacional.

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Maffesoli, M. (1996). No fundo das aparências. Rio de Janeiro: Vozes.

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aquelas. Destarte, essas modelos são cultuadas como arquétipos da beleza ideal, instituindo um padrão quase impraticável de atingir. Sem computar, ainda, que a própria ideia de um padrão esquadrinha que todos devem ser iguais e ter corpos iguais. Recorde-se Marilyn Monroe. A musa nunca foi magérrima. Na verdade, em certos momentos de sua vida chegou a ficar um pouco acima do peso, e ser considerada plus-size. Mesmo assim, ela é tida, até o momento presente, como uma das mulheres mais lindas do mundo. Tal fato se deve a Marilyn Monroe ser única, ser especial. Essa unanimidade é o maior perigo dos estereótipos que a moda e a mídia impõem para as mulheres. Cite-se a obra de Barthes (1979) 7 que mesmo após quase 35 anos jaz atual, por causa de sua análise ao discurso da moda. Atine-se à necessidade de se incentivar o consumo com uma criação de valores para fazê-lo bem o relacionando com a relevância da imagem. Outro ponto mencionado pelo autor é o elemento estereótipo, de valor vital, enquanto artefato formador do grupo. Ratifica-se que a imagem na fotografia de moda não necessita, pois, de mensagem verbal ou textual para emitir seu pretenso discurso. Vislumbra-se que a retorica da moda e as suas representações acerca da mulher prontamente são estereotipadas por natureza. Para Barthes (1979) 8 “é o estereótipo que fundamenta a retórica da moda e lhe permite apresentar informações perfeitamente tranquilizantes e apesar disso, tocadas de uma vaga aparência de jamais visto, de forma que este estereótipo funciona como uma lembrança mal reconhecida.” Nesta configuração, a mulher é simulada como descontraída, sexy, feminina, jovem ou maliciosa. Depende do que se quer vender. O seu vestuário tem como função amenizar a futilidade e se impor como algo natural ou padrão a ser professado. Podemos comparar o tempo de hoje com a década de 60 na qual o movimento feminista ganhou eficácia, e as mulheres mais radicais queimavam soutiens em praça pública, como sinal do fenecimento da simbologia mulher-objeto. Atualmente, a roupa interior feminina está impregnada de erotização. Para autores como Gilles Lipovetsky (2004)

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este fato tem uma elucidação bem

simples: com a ascensão das mulheres e a diminuição do abismo sexista existente, houve o imperativo de se cunhar objetos e categorias para um universo essencialmente feminino. Traduzindo-se, sobrevém uma tentativa de reafirmar a identidade por meio de símbolos superficiais, porém evidentes. Nota-se, portanto, a formação de um estereótipo feminino, incluído no discurso de marcas fashion, no intuito de vender muito mais do que roupas, ou seja, objetos de status e representatividade dentro da sociedade. Em um evidente ensaio de que a consumidora, ao utilizar tais produtos, encerrará a sensação de ser como as mulheres realçadas nos catálogos. A criação dos estereótipos femininos pela moda é uma tentativa de fazer com que a 7

Barthes, R. (1979a). Sistema da Moda (Tradução Lineide L.S. Mosca). São Paulo. Ed. Nacional. Barthes, R.(1979b). Sistema da Moda (Tradução Lineide L.S. Mosca). São Paulo: Ed. Nacional. 9 Lipovetsky, Gilles e Charles, Sébastien.(2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla. 8

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leitora/consumidora se identifique com o personagem exibido, quer dizer, de uma mulher jovem, corajosa, sexy, dinâmica e inteligente. Eles revelam-se como representações modernas da mulher no ocidente. São imagens que se perpetuam em nossa memória de modo que mesmo com expressivas alterações do papel da mulher na sociedade, o que se guarda na mente comum são esses estereótipos alienados pela indústria do consumo. Embora, muitas vezes, tais estereótipos sejam tudo aquilo o que as mulheres lutaram contra e resistiram durante décadas, o discurso empregado é de simples reconhecimento pela leitora, sendo que a mesma acaba por possuir uma identificação com as imagens expostas e uma vontade subjetiva de se sentir de tal maneira conforme disseminado naquela mensagem. Diga-se que o uso dos estereótipos da mulher moderna é uma persuasão da utilização de discursos com os quais o público esta familiarizado. Há uma identificação da leitora com a mensagem e por consequência com o produto oferecido.

Mesmo mostrando uma imagem redutora

da mulher como objeto, esse discurso é assimilado positivamente por retratar um grupo ao qual a leitora quer concernir: o da mulher linda, sedutora e segura de si. Persuadir, portanto, seria desviar ou incentivar, em sintonia com Peruzzolo (2010) “alguém a ser, crer, fazer, pensar, sentir e/ou aceitar algum valor proposto, pelo reconhecimento pessoal subjetivo daquele valor por parte do destinatário da mensagem. É conveniente sublinhar esse caráter pessoal-individual, em última instância, do ato de persuasão, o de reconhecer como legítimo o domínio social no qual o persuadido põe o valor em questão”. 10 Na mesma direção Campbell (1990)11, entende que a persuasão se afirma como algo que ludibria o receptor a compreender a mensagem como um fenômeno natural, sem desvirtuações, incluído de tal forma que se torna imperceptível captar o subliminar que atua de forma indireta no subconsciente das pessoas de modo a abranger o objetivo almejado, nas consciências delas. Para Amossy (1991)12, essa formação do estereótipo depende do leitor, ou seja, que este construa uma relação intersubjetiva. Sendo que estes não existem, caso não sejam desenvolvidos na cabeça do leitor. Emana a necessidade de serem interpretados para conterem vida, e esta interpretação calha porque a memória coletiva reconhece os símbolos e os discursos proporcionados, abonando vida aos estereótipos e clichês.

CAPÍTULO III Análise do Catálogo Victoria Secrets e seu discurso. 10

Peruzzolo, Adair C. (2010) Persuasão, Erotismo e Sedução comunicação, mídia e consumo, (Vol. 7 n. 20 pp. 317/334). São Paulo. 11 Campbell, J.(1990) O poder do mito (p.3) São Paulo: Athena. 12 Amossy, R. (1991a). Les Idées Reçues. Semiologie du stereotype. Paris: Nathan.

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Observe-se que a imagem feminina, nos diversos tipos de gêneros midiáticos, nunca expressou tantos estereótipos nos quais a mulher é sujeita às exigências da juventude e da sedução. As imagens provocantes de mulheres nuas ou seminuas são frequentes nos anúncios e nos comerciais de variados produtos. A publicidade explora o corpo feminal, de diferentes maneiras, para despertar a atenção do público consumidor. A noção de corpo é um construto sociocultural. O corpo feminino é aceito como manifestações discursivas, que apelam para o dito e o subentendido na propaganda. O estereótipo clássico, globalizado, da mulher fascinante, difundido pela mídia, é o do corpo escultural, sem excesso de peso. Preconceitos rígidos que defendem o estereótipo da mulher magra e jovial. De suma importância para essa análise está Lipovetsky (2000)

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fomentando respostas nos

seguintes questionamentos: 1. Qual é o olhar que está sobre estas mulheres? 2. Quem são essas mulheres? 3. O que representam? 4. A quem se dirigem estes corpos? A propósito, estabeleceram-se critérios para observação das imagens, tomando em cômputo: 1. Idade 2. Aspecto físico das modelos (etnia, forma) 3. Pose (ou atividade aparente) 4. A que se dirige o olhar 5. Cenário 6. Relação com os demais elementos do espaço e personagens na imagem. A marca avaliada se destina a oferecer produtos de rituais românticos, a serem exibidos visando tornar quem os veste ainda mais cobiçável. Sob tal olhar, foca em mulheres que exaltem seus próprios corpos, no ambiente diário e intimo, ou em férias. (fig. 1 e 2)

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Lipovetsky, Gilles. (2000). A Terceira Mulher (Colecção Epistemologia e Sociedade do Instituto Piaget). Lisboa.

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A maioria das publicidades ostenta as identidades das mulheres fotografadas e apresentamnas como modelos a serem abraçados. A exibição de biótipos que se encaixam nos padrões estéticos tradicionalmente consolidados e de cenários que não pronunciam sobre o que fazem aquelas mulheres, associados a uma exacerbada exposição do corpo e de poses e olhares sensualizados, não traz às mulheres concebidas o indício dessa autonomia afirmada pelo que Lipovetsky denomina de a “Terceira Mulher”. Contudo, impõe certo poder a partir da sedução, da mulher observada como objeto. (fig. 3 e 4)

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Esse cenário arquitetado pela mídia nos leva à seguinte reflexão: se, de acordo com Lipovetsky, atualmente a mulher tem autonomia sobre sua representação e socialmente é uma autocriação, não se espera que a publicidade de peças de lingerie – protagonizada por mulheres e direcionada a elas – apresente como referencial o olhar masculinizado. Como, então, a figura feminina poderia ser sujeita de si, se permanece subordinada a esse referencial? Com base em nossas análises, não se pode constatar que a representação da mulher se desvencilhou dessa hegemonia. Entretanto, o que se nota é que a maioria do público feminino é alcançada por anúncios de marcas como Victoria Secrets. A mulher imaginada majoritariamente pela mídia não é a “terceira mulher” de Lipovetsky – ela não é sujeita de si, e atende, ainda, aos padrões de um olhar que não é resultado de sua própria construção, mesmo que ele seja vendido como forma de aumento de poder. 11

Retorna-se à questão abordada por Amossy (1991)

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em que o estereótipo só existe por que

há uma interpretação deste sentido por parte das leitoras. Não obstante todos os avanços obtidos pela mulher, na última metade do século XX e primórdios do XXI, o estereótipo é renegado a partir do momento em que esse público feminino tem a capacidade de estar conexo à mentalidade de reconhecer e interpretar os símbolos expostos. Quando se aborda a imagem da mulher, verifica-se que desde os tempos mais ancestrais ela carrega o mito do Éden (a Eva, do pecado original) e pode ser vista como detentora de saberes e poderes ligados à sedução. Assim, o vestuário pode ser analisado como uma arma de atração preferida pelo espectador feminino, no qual tem desempenho preponderante a lingerie. Aquilo que se cognomina lingerie (roupas de baixo) é composto de várias peças e acessórios consumidos pelas mulheres: calcinhas, sutiãs, cintas-ligas, espartilhos e demais itens. Com o decorrer dos anos, a lingerie passou a ser fundamental e seu uso converteu-se em sinônimo de conforto, elegância e sedução. Na imagem número 5 sobressaem-se as características de uma jovem loira, magra, em uma pose relativamente descuidada em um ambiente doméstico. No entanto, o discurso subjetivo exposto é de uma mulher linda e produzida no ambiente caseiro à espera de um homem que surge para admirá-la pelo fato de estar somente vestida com lingerie.

Na foto 6, a modelo é Candice Swanepoel, que comprova uma atitude postural extremamente erotizada, cujo sorriso é provocante, malicioso, mas que quer se revelar ingênuo, 14

Amossy, R. (1991b). Les Idées Reçues. Semiologie du stereotype. Paris: Nathan.

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novamente nessa mulher jovem, loira, de olhos claros e com corpo escultural. O padrão de beleza ditado pela mídia revela as teorias científicas de que seriam essas especialidades as que atrairiam o sexo oposto para acasalamento e perpetuação da espécie. Teorias à parte, essa beleza é um fator de controle da sexualidade da mulher. A sexualidade feminina é distorcida e entendida como ornamental, observável, ao reverso das qualidades que emanam de um contexto da vida da mulher e como ela se relaciona consigo mesma, com outras pessoas, com o mundo. Este apelo consumista, incluso, atinge o público masculino que se envolve e acredita no produto comprando a lingerie anunciada para a namorada ou esposa, mirando viver essa fantasia. O corpo feminino é endeusado. A ele se concentram técnicas e estratégias que o revolvem mais próximo do ideal do corpo a ser consumido e consumível. Destarte, a propaganda abrange a persuasão ideológica ao criar, na mente do consumidor, o conceito da marca, com mensagens subliminares, incutindo em nossas mentes a ânsia em adquirir os produtos. Tal fato ocorre porque o argumento da indústria publicitária investe no poder de convencimento penetrando no inconsciente que decodifica e assimila a mensagem como legítima da realidade social ou as premissas ali inseridas, transcendendo o raciocínio, argui Maturana (2002). 15

Ressalte-se que, no modelo de comportamento feminino e masculino, a mulher é considerada um objeto, submissa ao homem que, por sua vez, é idealizado como dominador; 15

MATURANA, H.(2002) Ontologia da realidade (p.315). Belo Horizonte: Editora da UFMG.

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enquanto ela é percebida como frágil e dependente da presença e da aprovação dele. O corpo feminino é visto preferencialmente desnudo. As propagandas simulam as mulheres de modo estereotipado e distorcido, por meio de imagens sexistas, carecendo ser preferencialmente belas, com corpos perfeitos, de acordo com os padrões instituídos socialmente. Enfatiza-se que o erotismo é banalizado na publicidade e para vender o que é anunciado usa a sedução do corpo da mulher. Nos anúncios de lingerie, essa se transforma em objeto de desejo masculino, em mercadoria de consumo. No Brasil, prepondera a existência de uma cultura em que o corpo e a moda são elementos essenciais ao estilo de vida, uma cultura narcísica (Goldenberg, 2002) 16, aproximando-se do que Malysse (2002) 17 nomeia, em um contexto carioca, de “corpolatria”. As pessoas são motivadas por recompensas intrínsecas e extrínsecas ao adornar o corpo com maquiagem ou roupas, o que pode ser aceito como uma atividade de lazer. Os produtos vinculados ao adorno podem ser ponderados de alto envolvimento para algumas mulheres, acreditando ser essa atividade agradável e recompensadora. Fator esse presente não exclusivamente no Brasil, mas comum a toda a sociedade ocidental, em maior ou menor grau. O discurso utilizado nas publicações desponta-se acessível e se vale de terminologias como: sexy, hotness, ready for everything, e mais uma infinidade de adjetivos e chavões, na tentativa de supervalorizar a leitora a adotar os conselhos da revista. O ponto crucial neste discurso refere-se ao modo como ela deve proceder, fazendo de tudo para auferir status, a padronização com o belo, o poder máximo. O discurso emanado é de que o céu é o limite. E está ao alcance da leitora.

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Goldenberg, M. (2002). Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record. Malysse, S. (2002). Em busca de (H)alteres-ego: olhares franceses nos bastidores da corpolatria carioca. (In M. Goldenberg Org. Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca, pp. 79-137). Rio de Janeiro: Record.

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CONCLUSÃO As mulheres apresentadas nas publicações analisadas nessa pesquisa se inserem em um padrão de beleza perfeito, em que escassas mulheres se enquadram, mas que todas têm como ideal. Percebe-se que o imaginário coletivo sistematicamente inferiorizado durante toda a história consentiu marcas profundas na identidade feminina. Os reflexos desse processo são vistos na sociedade e no poder da mídia sempre que insiste considerar a mulher como objeto sexual. Os anúncios se utilizam cada vez mais da midia para conseguir que os produtos femininos mudem incessantemente o enfoque para conquistar esse mercado. Os discursos recentes valorizam seu público-alvo: a mulher realizadora e ativa, que busca prazer, felicidade, conforto, praticidade e, mormente, a liberdade. Não obstante, esses discursos denunciam que a mulher anseia por ser olhada como algo além do que um simples objeto de prazer. As revistas que se valem desse artifício e arriscam misturar este discurso sobre o gênero feminino com outras questões a exemplo de tópicos sobre atualidades, política, lifestyle, na azáfama incansável para suprir a deficiência de consistência no que se refere a esse discurso e a representação da mulher atual. Não falta criatividade nas asas da imaginação. Entretanto, é preciso repensar o papel da mulher na mídia, de forma mais ampla. No que tange ao Catálogo da Victoria Secrets a beleza ditada pelo marketing da moda torna-se padrão socialmente aceito, formando opiniões ou, quiçá, espargindo comportamentos a serem assimilados, anuindo à falta de compromisso com a imparcialidade da informação ou do produto vendido. De acordo com a UNESCO, nas recomendações debeladas na Declaração e Plataforma de Ação da Conferência Mundial sobre a Mulher, aprovada em 1995, no encontro organizado pela ONU em Pequim, o item "J", que trata da mulher e os meios de difusão foi o mais registrou acanhados avanços nos últimos 18 anos. A propósito, o Fórum Global sobre Gênero e Mídia, do órgão, reunido em dezembro de 2013, em Bangkok, concluiu que “a desigualdade de gênero e a discriminação em imagens de mulheres na mídia mostra-se um fato visível e crescente”, sem registros de avanços nas legislações visando erradicar os preconceitos contra a mulher e os estereótipos instituídos. Neste sentido, urge uma maior conscientização e revisão dos discursos midiáticos pertinentes à mulher renovando as concepções e os elementos utilizados: erotismo, persuasão e a sedução, fatores que parecem inerentes das relações humanas. Se o marketing consegue elaborar um Catálogo, a exemplo da Victoria Secrets, comercializando sua ideia, vestindo anjos e mulheres, pode propor, também, um novo formato de discurso, com uma mulher tal qual ela é, ou o que pode ser realisticamente. Cantava em versos Adélia Prado: “Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada”. 15

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Amossy, R. (1991). Les Idées Reçues. Semiologie du stereotype. Paris: Nathan Barthes, R. (1979). Sistema da Moda (Tradução Lineide L.S. Mosca). São Paulo. Ed. Nacional. Briggs, A.; Burke, P. (2004). Uma história social da mídia: de Gutenberg à internet. (Tradução Maria Carmelita Pádua Dias). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Campbell, J. (1990), O poder do mito. São Paulo: Athena. Charaudeau, Patrick; Maingueneau, Dominique.( 2004). (Tradução Fabiana Komesu et al.) São Paulo: Contexto.

Dicionário de Análise do Discurso.

Fernandes, Cleudemar. (2005). Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas. Goldenberg, M. (2002). Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record. Katz, E. (1977). O estudo da comunicação e a imagem da sociedade. (In: Cohn, Gabriel Org. Comunicação e indústria cultural). São Paulo: Nacional. Kellner, D. (2006). A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo (Tradução: Rosemary Duarte). (Líbero: ano VI, Vol. 6, n. 11). Lipovetsky, Gilles e Charles, Sébastien.(2004). Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla. Lipovetsky, Gilles. (2000). A Terceira Mulher (Colecção Epistemologia e Sociedade do Instituto Piaget). Lisboa Maffesoli, M. (1996). No fundo das aparências. Rio de Janeiro: Vozes Malysse, S. (2002). Em busca de (H)alteres-ego: olhares franceses nos bastidores da corpolatria carioca. (In M. Goldenberg Org. Nu e vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca, pp. 79-137). Rio de Janeiro: Record. Maturana, H.(2002) Ontologia da realidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG. Peruzzolo, Adair C.(2010) Persuasão, Erotismo e Sedução. In Comunicação, mídia e consumo (Vol.7, n. 20, pp.317/334). São Paulo.

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