Análise da tradução de José J. Veiga do conto A Very Short Story de Ernest Hemingway

September 25, 2017 | Autor: Mateus Viana | Categoria: Translation Studies, Translation, Literary translation, Tradução
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Análise da tradução de José J. Veiga do conto A Very Short Story de Ernest Hemingway Mateus Viana Este trabalho objetiva analisar a tradução feita por José J. Veiga do conto A Very Short Story de Ernest Hemingway, sob vários aspectos, entre os quais as estratégias de tradução segundo Chesterman.



Preservação das características do conto Identifiquei na construção do conto traduzido para o português a preservação das

características desse gênero literário. Ambos os textos gravitam em torno de uma história: o relacionamento entre “ele” e Luz. O conto permanece objetivo, com descrição ligeira e linguagem direta, concisa. Existem poucos personagens, pouco desenvolvidos, e a história é narrada em terceira pessoa. Todas essas características são preservadas em História Curtíssima.



Transformações expressivas de Popovic - Resguardo do núcleo invariante com manutenção do tom, tema e função. Popovic disse que o tradutor tem o direito de ser independente. O que a tradução

deve resguardar em suas transformações – por exemplo, como notei nas traduções de José J. Veiga e de A. Veiga Fialho, ambas de A Very Short Story – é o núcleo invariante, o qual compreende o tema e o tom. Percebe-se que, ainda que algumas passagens, alguns detalhes de forma e abordagem sejam diferentes nestes três textos, até pela adaptação para a língua alvo, o núcleo invariante do conto de Hemingway é mantido. Observei que a tradução de José Veiga está em consonância com o que afirma Popovic, no sentido de que o fato de o processo de tradução poder envolver transformações nas propriedades semânticas do texto não significa que o tradutor pretenda subvalorizar a força semântica do original. Significa, antes, que o tradutor se empenha em veicular a substância semântica do original. Percebi esse empenho no trabalho do citado tradutor.



Teorias

de

Venuti

e

Toury:

domesticação/aceitabilidade

e

estrangeirização/adequação; Segundo Venuti, o texto traduzido tem de parecer o texto original, de forma que o leitor não deve perceber que o texto é traduzido, ou seja, o tradutor deve ser invisível. Essa invisibilidade do tradutor, a meu ver, foi alcançada por Veiga. Apesar de ser uma conjectura difícil definir se minha leitura seria diferente se não soubesse que História Curtíssima é um texto traduzido, creio que não perceberia que o fosse. Isso porque conto traduzido não é truncado, não apresenta estrangeirismos nem um vocabulário muito diferente do que usamos no Brasil. A única palavra que não é do português (front) já era por mim conhecida, além de estar dicionarizada no Brasil1. A temática também me parece universal – guerra, o relacionamento de um casal, o amor a distância e o fim dele – são assuntos comuns à vida humana em qualquer lugar, ou pelo menos compreensíveis em qualquer lugar. Então, acredito que o texto se parece com o original. Eu traduziria algumas passagens de forma diferente, mas tenho de levar em conta, também, o vocabulário utilizado na localidade e na época do tradutor, além de sua bagagem cultural, que certamente são diferentes dos meus. A domesticação consiste no ajuste linguístico e cultural à língua do texto alvo, o que está de acordo com a teoria da invisibilidade de Venuti, e também da teoria da aceitabilidade de Toury. Na estrangeirização, conservam-se aspectos estrangeiros da língua fonte, deixando a presença do tradutor evidente para o leitor. Não vi, no texto, tendência à estrangeirização (mesmo no caso de front). Assim, entendo

que

Veiga

usou

predominantemente

as

estratégias

da

domesticação/aceitabilidade e da invisibilidade, apesar de que isso me parece um tanto intuitivo. Acredito que muitos tradutores façam uso desse ajuste linguístico à língua (e ao público) alvo, mesmo sem conhecer tais teóricos. 

Equivalência referencial e conotativa de Eco; Umberto Eco (2003) toma a definição de Zingarelli, no sentido de que traduzir é

dar o equivalente de um texto, de uma locução, de uma palavra. Existe, porém, o problema de definir o que significa dar o equivalente.

1

No Dicionário de Português Online Michaelis, front (frónt) (ingl) sm Mil V frente, acepção 7. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/.

Ainda não há nas teorias de tradução uma definição de ‘equivalência de significado’. Vista pelo ângulo da semântica, seria “o que permanece imutável (ou equivalente) no processo de tradução”. Isso não me parece tão relevante para avaliar uma tradução como adequada ou não, a não ser que não seja transmitido o sentido do texto fonte. Creio que nunca se conseguirá uma tradução “perfeita” no sentido de completa equivalência de significado, nem que isso seja determinante para julgar um texto traduzido como “bom” ou “ruim”. Dessa forma, opino que História Curtíssima é uma tradução adequada de A Very Short Story, ainda que os períodos, locuções e palavras daquele conto não sejam exatamente “equivalentes” aos deste. 

Tipos de tradução com ênfase na LP (fidelidade) e na LC (liberdade) propostos por Newmark; Newmark propôs uma divisão entre tipos de tradução com ênfase na LP –

tradução palavra por palavra; tradução literal; tradução fiel; e tradução semântica – e tipos com ênfase na LC, casos da adaptação, da tradução livre, da tradução idiomática e da tradução comunicativa. Voltando à discussão de equivalência, Newmark entende (e eu concordo com isso) que não deve ser entendida como busca de identidade entre textos, pois essa identidade não existe nem entre duas traduções do mesmo texto na LC, quanto mais entre a tradução da LP para a LC. Em se tratando de equivalência, o tradutor deve determinar a função do sistema da LP e procurar um sistema na LC que cumpra essa mesma função. Analisando História Curtíssima em relação ao pensamento de Newmark, entendo que o tradutor conseguiu com sucesso encontrar um sistema na LC que cumpriu a função de expressar as ideias e mensagens presentes no texto da LP. 

Abordagem funcionalista de Nord; Christiane Nord prescreve que toda tradução, antes de ser executada, deve ser

tratada como um projeto a ser elaborado a partir do texto-fonte. Cada texto pode ser traduzido por uma razão diferente, a depender do público a que se destina, o contexto em que é feita, além dos meios de comunicação por que se efetua. Por isso, o tradutor deve ter em mente, antes de iniciar o processo tradutório, os seguintes princípios básicos que o levarão a uma tradução direcionada, ou seja,

funcionalista: deve saber a função do texto-alvo; a quem a tradução é dirigida; o tempo e o lugar de recepção do texto; o meio em que ele será transmitido; e os motivos de sua produção e de sua recepção. Traduzir é uma constante tomada de decisão, logo as escolhas feitas pelo tradutor devem ser conscientemente tomadas a partir do momento em que ele esteja suficientemente informado a respeito do contexto que proporcionou a futura tradução. Nord prioriza, portanto, a tradução como recriação e não como cópia ou transposição linguística do texto de origem. Acredito que o tradutor do conto em análise fez seu trabalho de acordo com as ideias de Nord, pois valorizou, em sua produção textual, o contexto, os leitores e a função primordial da tradução de comunicar ideias e transmitir conhecimentos. Na minha visão como leitor, as ideias do texto de partida foram comunicadas, e os conhecimentos, transmitidos. 

Identificação de unidades de tradução proposta por Alves; Fábio Alves expõe que a tradução de um texto se faz por partes. Itens lexicais

desconhecidos, estruturas sintáticas incompreensíveis, ambiguidades semânticas constituem partes não solucionadas. Essas partes não solucionadas constituem as Unidades de Tradução – UT. A delimitação de uma UT depende de como o tradutor se coloca em relação à dicotomia ‘Fidelidade x Liberdade’. Algumas definições de UT são dadas por Vinay & Darbelnet (1957) – “o menor segmento do enunciado cuja coesão de sinais seja tal que esses não possam ser traduzidos separadamente”; por Vermeer (1984) – “o texto passa a ser visto como a única UT possível”; pela Teoria da Funcionalidade, segundo a qual o tradutor abandona a literalidade lexical e sintática em prol de uma contextualização mais adequada na língua e cultura da LC; entre outras teorias. Penso de maneira semelhante a Newmark (1988), de acordo com quem nenhuma dessas posições radicais atende plenamente ao tradutor. A respeito da dicotomia ‘fiel x livre’, creio que o tradutor deve encontrar um equilíbrio entre fidelidade e liberdade, sempre adequando seu trabalho ao contexto e às circunstâncias em que é produzido. Além disso, a bagagem de conhecimento de cada tradutor é diferente, logo sempre haverá traduções diferenciadas, nem por isso uma é “melhor” que a outra, apesar de um texto poder ser mais adequado a determinado contexto que outro.



Estratégias sintáticas, semânticas e pragmáticas de tradução segundo Chesterman. De acordo com Chesterman, “a forma como as ideias se espalham e mudam

conforme são traduzidas é como uma evolução biológica que envolve mutações”. Nesse sentido, a tarefa do tradutor não é exatamente a conservação, mas a propagação, divulgação e desenvolvimento de algo. Para ele, tradutores são agentes de mudança. Consoante seu pensamento, a tradução tem uma visão funcional, descritiva, que vai além da estrutura e significado do texto original. A tradução se caracteriza como um ato de produção, e os significados em contexto de tradução são mutáveis, sempre relativos. Eu não usaria o termo sempre, pois me parece que determinados significados dificilmente são relativos, como alguns nomes próprios – Nova York ou Brasília, por exemplo – termos que podem até sofrer alterações de ortografia e pronúncia, mas que devem ser traduzidos para qualquer língua como as cidades a que se referem. Concordo, porém, que geralmente se pode pensar em casos em que há essa relatividade, inclusive com nomes próprios2. Acredito que minha discordância seja mais com o uso da palavra ‘sempre’ do que com a ideia de Chesterman. Tratando-se de estratégias de tradução, Chesterman define estratégia como o processo que oferece uma solução para um problema de tradução por meio de manipulação textual explícita. Há, para o estudioso, duas classes de estratégias:  Estratégias de redução – mudam ou reduzem a mensagem a ser traduzida.  Estratégias de realização – preservam a mensagem, mas mudam o meio, com o uso de paráfrase, reestruturação, etc. O tradutor produz com maior liberdade para chegar a um texto-alvo que comunique satisfatoriamente a mensagem do texto-fonte. A paráfrase3, por exemplo, é uma estratégia de realização. Além dessa divisão, Chesterman apresenta uma série de estratégias, reunidas em: gramaticais (como tradução literal, empréstimo e transposição); semânticas (como sinonímia, conversão e paráfrase); e pragmáticas (a exemplo do filtro cultural e da reedição). As estratégias semântica e pragmática representam mudanças na área de 2

No exemplo das cidades citadas, traduções como “A Grande Maçã” e “a capital do Brasil”, respectivamente, podem ser adequadas. Porém, o referencial há de ser aquelas cidades. 3 Expressão do teor de um texto em palavras diferentes das que nele foram empregadas. Constitui versão mais “livre” de um texto. Não há mudança de sentido do texto original. Exemplo: O sinal estava verde; o veículo estava autorizado a prosseguir.

cultura; já a sintática representa mudanças estilísticas do texto de partida para o de chegada. Utilizar as estratégias de Chesterman permite ao tradutor ajustar o texto de partida, por meio de adaptações e recriações nas áreas sintática, semântica e pragmática. Além disso, viabiliza a combinação de estratégias dos três diferentes níveis. A seguir, breves comentários sobre algumas das estratégias de Chesterman que identifiquei na tradução em foco: 

Estratégias Sintáticas: o Linha 1 – “One hot evening in Padua” foi traduzido como “Numa noite quente de Pádua”. Percebe-se a adição da proposição “em” no começo do período, pois, sem ela, a passagem não é natural no português. Trata-se da estratégia mudança estrutural de frase4; o Linha 3 – identifiquei a estratégia de mudança de coesão em “the others ... took the bottles with them.”. O tradutor omitiu a expressão “with them”, mudando um pouco a coesão da passagem. Considero adequada a escolha de Veiga, mas eu traduziria “... e levaram as garrafas com eles”.



Estratégias Semânticas: o Linha 2 – “searchlights” foi traduzido pelo sinônimo “holofote”. O tradutor utilizou, assim, a estratégia da sinonímia5; o Linha 13 – identifiquei aqui a estratégia da paráfrase, pois houve uma mudança de “birth certificate” para “certidão de idade”, ou seja, o tradutor expressou o mesmo significado, mas com palavras diferentes. Porém, eu utilizaria uma estratégia mais literal, escolhendo “certidão de nascimento”, até porque essa é a denominação corriqueira desse documento no português atual; o Linha 33 – também paráfrase, na tradução do vocábulo “time” por “estação”. Nesse caso, minha escolha seria igual à de José Veiga.

4

Aqui, eu traduziria “numa noite quente em Pádua”, mas o uso da preposição de também é adequado. Creio se tratar apenas de uma escolha pessoal de cada tradutor, sem aplicação de juízos de valor. 5 Eu não traduziria assim, pois holofote, apesar de ser sinônimo de searchlight, não me parece a tradução mais adequada. Luzes, simplesmente, ou luzes de procura, talvez fossem minhas escolhas para esse vocábulo.



Estratégias Pragmáticas o Por fim, identifiquei a estratégia do filtro cultural na tradução de “the major ... made love to Luz”, para “o major ... conquistou Luz”. Ora, “make love” não é o mesmo que “conquistar”. Eu escolheria “fez amor”, pois acredito que essa expressão está mais adequada ao sentido que entendi no texto de partida. Porém, observa-se uma filtragem cultural, ainda que eu ache esse artifício desnecessário. Quiçá o tradutor entenda que o termo traduzido se adéqua melhor à sociedade brasileira. Eu, respeitosamente, discordo.



Observação das questões linguísticas, literárias, socioculturais na tradução: importância da função comunicativa e sociolinguística na tradução de pares linguísticos. Em conclusão, avalio a tradução de José J Veiga, História Curtíssima, como

adequada ao contexto em que foi produzida – uma coletânea de contos de Ernest Hemingway. Ainda que algumas escolhas minhas como tradutor tenham sido diferentes, isso não significa que as minhas ou as de Veiga são “melhores” ou “piores”, mas apenas diferentes entre si, pelo simples fato de nós sermos tradutores diferentes. Na minha visão, o leitor que consome um livro de contos de Hemingway quer, em geral, conhecer a obra deste autor, e não uma tradução muito criativa, no sentido de textos muito diferentes dos de partida. Entendo, assim, que o tradutor deu preferência à fidelidade que à liberdade. Apesar de minhas escolhas para alguns termos terem sido diferentes, acredito que adotaria a mesma linha geral. Certamente, isso é apenas um exercício hipotético, pois eu não estaria preparado, agora, para executar um trabalho como esse, pois não conheço suficientemente a obra de Hemingway. Veiga, por sua vez, deve conhecer bastante a obra do contista americano, a fim de traduzi-lo com competência. Ressalto, ainda, que os aspectos linguísticos, literários e socioculturais da tradução foram bem trabalhados pelo tradutor de História Curtíssima. Ele levou em conta a importância da função comunicativa e sociolinguística na tradução de pares linguísticos, já que a leitura de seu texto é fluida e expressa satisfatoriamente a mensagem do texto de partida.

Avalio, pois, que a tradução é adequada e que o trabalho do tradutor foi bem feito. Os contos são textos diferentes (ainda que parecidos), mas entendi a mensagem que passam como muito semelhantes. Provavelmente, para outros leitores, a comparação dos dois textos resultará em visões, análises e sentimentos diferentes. Aí está a beleza da tradução, que pode ser considerada até em relação a cada leitura e interpretação feita de determinado texto.

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