Análise das crônicas Verissimo

October 7, 2017 | Autor: Ma Ri | Categoria: Brazilian Contemporary Literature
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Análise das crônicas de Luis Fernando Veríssimo
A crônica é um gênero de difícil definição. Alguns autores, como José Castelho, definem-na como um "gênero anfíbio", que "ocupa um espaço fronteiriço, entre a grandeza da história e a leveza atribuída à vida cotidiana" (Castello, 2007), ou seja, a crônica está na fronteira com o gênero jornalístico, mundo da verdade, e o gênero literário, mundo da imaginação. É por isso que na crônica misturam-se características próprias dos dois ambitos, o jornalístico e o literário.
Conhecido por suas crônicas e textos de humor, Luis Fernando Veríssimo faz uso tanto do tom irônico, algo característico do autor, como de verdades relatadas para desenvolver suas obras.
Nas crônicas a serem analisadas, "O enganado" e "Exigências da vida moderna", podem-se identificar os principais traços característicos do gênero crônica.
Segundo Antônio Cândido de Mello e Souza, uma característica do gênero crônica é que a linguagem está perto da oralidade e é simples. Assim pode-se notar na crônica "Exigências da vida moderna" o uso de linguagem coloquial para descrever o dia-a-dia do narrador: "Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo." (Veríssimo, 2012). Em "O enganado", esta característica observa-se ao longo do diálogo entre Carlos e Mário, o enganado:
-Ela me prometeu que lhe contaria tudo. Assim fica mais difícil... [...]
-Quem sabe você mesmo me conta tudo, Carlos?
-Bom, não há muito para contar. Nos conhecemos...
-Onde? [...] (Veríssimo, 2012, p.16)
Neste caso, o uso do "bom", a colocação do pronome pessoal ao começo da frase e assim como o uso das reticências após "Assim fica mais difícil" e "Nos conhecemos" constituem marcas da oralidade características do gênero crônica.
Outra característica do gênero é sua brevidade. A crônica surge no jornal, destinado a leitores com pressa, "que leem nos pequenos intervalos da luta diária, no transporte no raro momento de trégua que a televisão lhes permite" (Sá, 1997, p.10). "Exigências da vida moderna" desenvolve-se em apenas uma folha, enquanto O enganado é um texto de três folhas.
Outro traço característico da crônica é a presença do humor para narrar fatos do cotidiano e fazer o leitor refletir. Cândido afirma que "aprende-se muito quando se diverte" e que "divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das coisas" (Cândido, 1992):
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes. Chame os amigos junto com os seus pais. Beba o vinho, coma a maçã e a banana junto com a sua mulher... na sua cama. (Veríssimo, 2012)
Veríssimo se vale de diversas figuras retóricas, como a ironia, a repetição ou o exagero, para lograr o efeito desejado no destinatário.
Destaca-se o uso da hipérbole, figura que engrandece ou diminui em demasia a verdade das coisas, no trecho de "Exigências da vida moderna": "Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia." (Veríssimo, 2012). Assim como o uso da ironia, a utilização de um termo com sentido oposto ao original: "Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você vai passar ali várias horas por dia." (Veríssimo, 2012)
Outros recursos que enriquecem as crônicas são: anáfora, ou repetição, como é visível a reiteração da frase "todos os dias" ao começo de várias orações em "Exigências da vida moderna" com o objetivo de reforçar o sentido e contribuindo para a enfatizarão da ideia do que deve ser feito a diário: "Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. [...] Todos os dias deve-se tomar um Yakult [...] Todos os dias deve-se comer fibra [...]"; a antítese, ou seja, o uso de termos ou frases opostas, como se pode observar em "O enganado": "O mundo todo em crise e ele ali, sem um problema. Ou com um problema só: a ausência de problemas."; a comparação para estabelecer semelhanças entre duas entidades: "E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente [...]"; o retrato, para caracterizar uma personagem, como acontece em "O enganado": "Era um homem bonito, mais moço do que ele."; a enumeração: "É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maça, tenho que ir ao banheiro:" (Veríssimo, 2012)

Comentário final
Nas duas crônicas, o autor aborda temáticas relacionadas ao conceito de tempo. Em "Exigências da vida moderna", Veríssimo relata a vida submergida em uma rotina avassalante, com quantidades exageradas de tarefas a fazer só em vinte e quatro horas: "Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação. Na minha conta são 29 horas por dia." (Veríssimo, 2012).
Em "O enganado", contrariamente à vida caracterizada na crônica anterior, os dias do protagonista acontecem sem nenhum sobressalto, tornando a existência do homem monótona e intolerável, a tal extremo que o Mário celebra com uísque e lágrimas o fato de quase ter sido enganado por sua mulher:
Carlos deu fora. Ele chamou o barman e pediu outro uísque. Duplo. Era a primeira vez que repetia o uísque desde que começara a frequentar o bar. O barman estranhou:
- Problema, seu Mário?
Ele não se conteve. Quase soluçando, com os olhos cheios de lágrimas, respondeu:
- Acabei de saber uma coisa terrível. Finalmente! (Veríssimo, 2012, p. 17)
Aparentemente, o objetivo da interação do autor é fazer o leitor refletir sobre o transcorrer dos dias e o ritmo de vida diário que todos levamos e, assim, conseguir estabelecer um ponto médio entre os extremos de monotonia e agitação.



Referencias bibliográficas
CÂNDIDO de Mello e Souza, Antônio. "A vida ao rés-do-chão", in: CÂNDIDO, Antônio et AL. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.
CASTELLO, José. "Crônica, um gênero brasileiro", in: Suplemento literário Rascunho. 2007
SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática,1997.
VERÍSSIMO, Luis Fernando. "Exigências da vida moderna", in Diálogos Impossíveis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012
VERÍSSIMO, Luis Fernando. "O Enganado", in Diálogos Impossíveis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012


M. Laura Figueroa

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