ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES: UMA VISÃO HUMANISTA NA FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO ANALYSIS OF THE CURRICULAR GUIDES: A HUMANIST VISION IN NURSE\'S EDUCATION

July 17, 2017 | Autor: Denize Munari | Categoria: Health Care, Nursing Education, Human behavior
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Ribeiro JP, Tavares M, Esperidião E, Munari DB

ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES: UMA VISÃO HUMANISTA NA FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO ANALYSIS OF THE CURRICULAR GUIDES: A HUMANIST VISION IN NURSE’S EDUCATION Jorge Ponciano Ribeiro* Marcelo Tavares** Elizabeth Esperidião*** Denize Bouttelet Munari****

RESUMO: Estudo teórico-reflexivo acerca da formação do enfermeiro, cujo objetivo foi refletir e analisar as Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem, instituídas pela Resolução CNE/CES de 2001, sob o enfoque ético-humanístico nela contida. Destacamos nos incisos os aspectos que se referem a essa abordagem, os quais nos parecem articulados no contexto geral do documento. Vimos que a reforma curricular dos Cursos de Graduação em Enfermagem, que está ocorrendo em todo o Brasil, sob as orientações do referido documento, deixa clara a preocupação com a solidariedade e cidadania, com o saber conviver, com o aprender a ser e o aprender a viver juntos, elementos que constituem a essência do humanismo e da ética como mola mestra do comportamento humano e das ações profissionais. Palavras-chave: Educação em enfermagem; diretriz curricular nacional; currículo de enfermagem; humanismo. ABSTRACT ABSTRACT:: This theoretical and reflexive study concerning Nursing education aimed to discuss and to analyze the National Curricular Guides for the Nursing Graduation Course, instituted by the 2001 Resolution of the National Education Council (CNE/CES-2001) under the ethical-humanistic approach contained on it. We have detached from the resolution some interpolated propositions that contain elements related to that approach, which seem articulated in the document’s general context. We understand that the curricular reform of the Nursing Graduation Courses, now occurring all over Brazil, under the guidelines of that document, makes clear the concern with solidarity and citizenship, with the knowing to coexist and with the learning to be and to live together; all those elements constitute the essence of humanism and ethics as the mainspring of human behavior and professional attitudes. Keywords: Nursing education; national curricular guide; nursing curriculum; humanism in health care.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

C

onsiderando o atual momento de reformulação curricular nos cursos de graduação da área de saúde, parece-nos pertinente refletir acerca das proposições presentes na Resolução CNE/CES 1 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Conforme Houaiss2, o termo resolução pode ser compreendido como texto pelo qual uma assembléia define a solução proposta para uma questão que lhe é submetida, trazendo, assim, um sen-

tido de transformação, conversão, mudança. Uma resolução é fruto de reflexões e do amadurecimento de idéias que, no seu conjunto, criam um modelo de agir através do qual se operacionaliza um aspecto da vida em favor de um grupo. A força de uma resolução não está no poder de quem a formulou, mas na lógica de seus argumentos, na possibilidade de respostas concretas para as necessidades daqueles que a utilizarão, na sua capacidade de criar e modificar comportamentos inadequados. R Enferm UERJ 2005; 13:403-9.

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Diretrizes curriculares na formação do enfermeiro

Uma resolução é um instrumento de transformação de uma realidade arcaica, envelhecida, desatualizada para algo que respira vida. É um instrumento de conversão, porque tem o poder de mexer com o interior das pessoas, fazendo com que elas se percebam como um ser no mundo. É ainda um instrumento de mudança pelo poder que tem de fazer as pessoas saírem de posições cômodas ou egoístas para posições abertas, sem medo diante do mundo. As diretrizes curriculares instituídas por uma resolução sinalizam caminhos, trazendo embutida na sua essência um sentido da intencionalidade, ou seja, uma posição filosófica a ser empreendida pelos formadores de recursos humanos para os quais ela é dirigida. A partir desse raciocínio, este estudo teve como objetivo refletir e analisar as novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem, instituída pela Resolução CNE/CES1, sob o olhar da visão humanista, nela contida.

REFLEXÕES SOBRE PROFISSIONAL

A

FORMAÇÃO

Observando a assistência em saúde, atra-

vés dos tempos, identificamos alguns modelos que influenciam o exercício profissional e, inevitavelmente, a orientação dos cursos de formação desta área. No modelo cartesiano, centrado numa linha positivista, biológica, linear, de causa e efeito, onde tudo é medido, pesado e contado, não existe o profissional, nem o doente, existe uma ciência, pretensamente exata, à qual todos se submetem. Ela não cria uma relação entre o enfermeiro e o cliente, mas entre a ciência e o doente. O modelo médico, por sua vez, situa o paciente como posse do médico, ficando o enfermeiro em posição de submissão das suas ações profissionais. Entretanto, a enfermagem se espelhou no modelo médico para se estabelecer, assim como outras profissões, conseguindo alguns avanços, prestígio e poder, embora nem todas as suas dúvidas fossem esclarecidas. Frente à supervalorização do aspecto tecnológico e administrativo em detrimento do paciente, a assistência ao ser humano fica empobrecida, na medida em que desconsidera a criatividade do enfermeiro, dificultando o acesso a uma responsabilidade pessoal, negando contato pessoal e efetivo. p.404 •

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O modelo humanista parte do princípio de que, essencialmente, a pessoa é um ser de relação e que se realiza plenamente no contato e no encontro do outro.Nessa perspectiva, parece que a enfermagem resgata o ser humano a quem dirige seus cuidados. Esse modelo afirma a diferença entre o enfermeiro, o médico e o cliente, mas define os três como seres de relação e em relação, um só fazendo sentido por causa do outro. Numa visão mais holística que vem sendo incorporada na formação profissional e no campo da assistência, encontra-se o modelo inter, intra e transdisciplinar. A dimensão inter contempla o ser de relação que todos somos, enquanto a intra afirma a inclusão existencial que cliente e enfermeiro vivem na procura comum da cura e a dimensão trans compreende sair do corpo formal da ciência para o campo subjetivo da vivência científica, vivendo valores comuns. Dessa maneira, a pessoa é tratada como um todo, e não apenas o seu sintoma, e o curador é mais do que a equipe, pois privilegia o amor que a une e dá sentido ao cliente como pessoa inteira e não apenas suas partes afetadas. Tal compreensão ratifica a idéia de que a forma em que entramos em relação é altamente significativa e fornece pistas do nosso jeito de serno-mundo e, neste sentido, concordamos com a afirmação de que não há como separar o nosso lado profissional do nosso lado pessoal 3-6. Nós, profissionais da saúde, estamos sempre além do pessoal. É um ledo engano acreditar que curamos alguém: somos apenas instrumentos de cura. A cura é facilitada quando formos mais que executores de alguns procedimentos profissionais, mas na medida em que dermos amor e presença ao nosso cliente, contemplando os pressupostos da relação dialógica. Assim, entendemos que curar é mais que eliminar sintomas, é restituir a alguém sua integridade corporal primitiva e isto somente o cliente pode fazer, ainda quando não tenha tido de volta seu corpo formal no sentido material da palavra. Embora a titulação e a prática profissional muito ajudem na recuperação do outro, se à nossa prática e recursos adicionarmos amor teremos atingido o mais alto nível de profissionalismo7-9. A universidade deixa muitas vezes de ensinar esses valores e parece superdimensionar o aspecto técnico-científico, racional. Nesse sentido, a mudança de currículo deve significar mudança de atitude, passando de uma

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postura de instrução e instrumentação que visa o aprimoramento intelectual para uma postura educativa para o aprimoramento da pessoa como um todo10,11. Por isso, uma resolução amparada em diretrizes curriculares se constitui num instrumento que transporta a idéia, feita energia, para um grupo que pretende, junto, provocar uma mudança educativa. Uma resolução constrói a imagem encarnada de um grupo de pessoas que, unidas pelo mesmo ideal, pretendem transformar a saúde em um processo vital de ajustamento criativo. Assim é que uma resolução se transforma num instrumento eficaz de trabalho e de mudança social e política, quando o grupo, ao qual ela se destina, vive ou tenta viver nas dimensões de uma comunidade, fruto do engajamento consciente com os problemas que estão envolvidos. Dessa maneira, a reflexão e discussão de uma resolução criam a possibilidade de formar um grupo com pessoas vivas se relacionando vivamente, isto é, dando sentido à sua vida, através de sua profissão. No nosso entendimento, quatro momentos são importantes para que as discussões num grupo funcionem, sob o mesmo ideal, como fermento de massa: motivação – relaciona-se com as necessidades das pessoas; quanto mais uma pessoa está necessitada de algo, tanto mais estará motivada para conseguir seu objetivo e, nesse sentido, um grupo motivado encurta caminho, cria a partir de condições mínimas, acreditando na sua capacidade transformadora; segurança - oferece a sensação de que se está em casa, que os vínculos não precisam ser defendidos, que a verdade é o alimento que movimenta as pessoas e que se pode dormir e nosso companheiro tomará conta de nosso sono; permissão para falar – uma vez estabelecidos os momentos anteriores, a permissão para falar segue naturalmente; é como se falasse para si mesmo, como se não tivesse medo dos próprios segredos e a fala fosse sempre bem vinda; coesão grupal - significando a força do grupo e sua finalidade, é o futuro acontecendo agora diante de todos, é a sensação de que todos estão do mesmo lado, vibrando pelos mesmos ideais e interesses. É através dessa perspectiva que acreditamos que as resoluções que orientam a formação de cada Curso de Graduação em Enfermagem possam ser criadas para serem instrumentos vivos de transformação da prática docente e da atuação dos profissionais por ela formados.

D IRETRIZES C URRICULARES NA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM: UM OLHAR REFLEXIVO

A análise da Resolução CNE/CES , que trata 1

das Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem, nos dá a nítida sensação de que ela é um convite a conviver com esses quatro momentos. Sua operacionalização oportuniza e dá suporte para o crescimento e amadurecimento do grupo ao qual ela se destina. Temos a impressão que esta Resolução foi pensada com amor. Certamente esse documento não foi feito por acaso. Foi pensado, planificado com uma ideologia precisa, embora seus autores possivelmente não quisessem impor uma ideologia. Chama-nos atenção como, ao longo do seu texto, a idéia de humanismo está presente, fundado na existência prática da profissão. Sua análise reflexiva deixa clara a idéia não só da humanização da profissão, mas também das pessoas às quais ela se destina, os clientes. As diretrizes curriculares nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem trazem, entre outros, três grandes artigos referentes às competências e habilidades gerais, específicas e conteúdos essenciais para a formação do enfermeiro (4º, 5º e 6º, respectivamente) onde se percebe um delineamento centrado no humanismoexistencialista. Ao referir-se ao perfil do enfermeiro com formação generalista, humanista, crítica, reflexiva, o Artigo 3º deixa-nos a impressão de aludir a uma pessoa aberta, com uma objetividade reflexiva voltada para o sentido humano, uma pessoa para o mundo. Em relação às competências e habilidades gerais requeridas para o exercício profissional, o Artigo 4º faz referência, embora que de forma implícita, nos quatro primeiros incisos, ao aprendizado que valorize questões ético-humanistas: atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação e liderança. As competências de ordem técnica e que demandam a apreensão das anteriores são abordadas mais especificamente nos incisos V e VI, relacionados respectivamente à administração e gerenciamento e educação permanente dos profissionais. A seguir, faremos a reflexão dos artigos e incisos do documento em análise1 que nos remetem à formação do enfermeiro de caráter ético humanista, largamente evidenciado no corpo do seu texto. R Enferm UERJ 2005; 13:403-9.

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Diretrizes curriculares na formação do enfermeiro

No Art. 4º, no item I - atenção à saúde, destaca a prevenção, promoção, proteção e a reabilitação, que a nosso ver funcionam como base que dá sentido e orientação à saúde, vista como sendo fundo de uma relação pessoa-mundo. Trata-se de um conceito de saúde aqui e agora pautado na dimensão humana e ética da assistência à saúde. O item II do Art 4º, concernente à tomada de decisões, contempla o uso apropriado de recursos, com vistas à eficácia nos procedimentos e práticas, competindo ao profissional avaliar, sistematizar e decidir por condutas adequadas. Entendemos que a decisão deva ser centrada na realidade, no sentido da existência, voltando-se na relação benefício pessoa-mundo. Mais uma vez, as competências trazem um apelo a questões éticas ao abordar a comunicação, no inciso III do Art 4º, que enfoca a exigência do profissional quanto à acessibilidade, confidencialidade e habilidades nos aspectos interacionais, deixando implícito tratar-se de uma relação de respeito, centrado no servir, na igualdade. Nossa compreensão é que o servir não se encerre na dimensão teórica, mas seja vivenciado pela relação corpo-a-corpo, real, visível, cuidadosa. A liderança, enfocada no inciso V do Art 4º, supõe um trabalho multiprofissional calcado no compromisso, na responsabilidade, empatia, habilidade, gerenciamento e na comunicação. Uma liderança viva, a serviço do outro com empatia, sentindo o outro a partir de si mesmo. A proposta é, portanto, assistir de pessoa a pessoa e não apenas de profissional para cliente6, 12. Os aspectos mais técnicos da formação profissional são apontados, conforme afirmamos anteriormente, no inciso V do Art 4º, referente à administração e gerenciamento, cuja sugestão é de o profissional estar apto a tomar iniciativas, saber gerenciar, saber empregar e servir através de uma liderança em equipe. Essa é uma concepção holística do poder e do trabalho, pela consciência de que nenhum gesto é vazio, mas que todo gesto transforma e, em sendo para melhor, traz um sentido de responsabilidade compartilhada. Ainda com relação às competências técnicas a serem desenvolvidas pelo profissional de enfermagem, o inciso VI do Art 4º trata da educação permanente, valorizando o seu aprendizado contínuo e convidando explicitamente os profissionais de saúde a aprender a aprender, a estimular a mobilidade acadêmico/profissional e a forp.406 •

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mação por meio de cooperação de redes nacionais e internacionais, conforme pressupõe Delors13. Portanto, a análise e reflexão das competências e habilidades gerais previstas no art. 4º da Resolução CNE/CES1 deixa claro o sentido humanista e a força que deposita na capacidade humana de se estruturar de uma maneira fluida e criativa. Os seis incisos que a ele pertencem mostram de maneira vigorosa o compromisso da profissão com um sentido de existência engajada na realidade como proposta de solução de problemas. É interessante observar como o documento a que estamos nos referindo, de uma forma aparentemente displicente, vai intercalando, aqui e ali, estes incisos que são jóias raras de uma visão de mundo. Caminha de uma visão clara de subjetividade para uma visão social, holística de intersubjetividade, deixando clara a intencionalidade através da qual o documento dá um sentido preciso à profissão. No Artigo 5º, que faz menção às competências e habilidades especificas na formação do enfermeiro, também aparecem explicitadas em seus incisos I, XIII, XIV e XXVII as recomendações de caráter ético-humanistas que salientam as dimensões ética, humanista e social que orientam a formação do enfermeiro para atender as necessidades sociais da saúde, com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS) com vistas a assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento. A análise reflexiva desses destaques tornou possível observar que os incisos I, XIII e XIV do Art 5º seguem um pensamento crescente: o I enfoca a questão subjetiva da humanidade pessoal através de um continuum evolutivo, enquanto que o XIII convida o enfermeiro a sair de sua individualidade e entrar no mundo do outro através do trabalho multiprofissional, e o item XIV sai do subjetivo, passa pelo intersubjetivo através da atuação multiprofissional e termina no mundo, como agentes de transformação social. Entendemos que, de fato, o indivíduo não pode ser pensado sem o outro, muito menos o individuo e o outro podem ser pensados sem o mundo. Assim, toda profissão só pode ser pensada no e para o mundo, aspecto que reforça o sentido de humanidade nas relações que estabelecemos quer em nível profissional, quer pessoal. O inciso XXVII do Art 5º, por sua vez, resume os três já citados e, como uma explosão fenomenológica, convida a ver a profissão como algo que acontece

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no campo do sagrado, na medida em que a interrelação harmoniosa entre legais e éticos só pode resultar numa celebração do humano, onde o sagrado acontece. Ao discutirmos os aspectos contemplados no Artigo 5º, percebemos que estamos diante de outros paradigmas educacionais que norteiam a formação do enfermeiro e que, certamente, têm exercido influência nos modelos de assistência voltados para a população. Especificamente nos aspectos voltados para a capacitação dos trabalhadores da saúde, temos verificado a crescente preocupação das instâncias formadoras em preparar os profissionais sustentados por princípios humanistas. Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Enfermagem, contidos no Art. 6º, apontam, de igual forma, uma linha humanista de pensamento, convidando-nos à reflexão das implicações que representariam a assistência considerando determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis individual e coletivo, do processo saúde-doença (Inciso II). Significa viver de fato essa ideologia e tratar o cliente como cidadão! A realidade acontece em campos e nós vivemos neles, de tal modo que é impossível se pensar alguém fora desse espaço. O campo e o individuo formam seu espaço vital, no qual as variáveis psicológicas (emoções, sentimentos) e as variáveis não-psicológicas (tamanho, espaço, tempo) se encontram e fazem a realidade acontecer 12. No contexto hospitalar não se pode pensar numa enfermaria que não esteja no mundo e estar no mundo implica estar em relação. Numa enfermaria encontramos enfermeiros, médicos, vários profissionais de saúde, clientes e todos inter, intra e transrelacionalmente conectados. Nada é sozinho, independente no universo, embora seja único e inconfundível. Ainda o inciso II do Art 6º, que faz menção às Ciências Humanas e Sociais, sugere conteúdos referentes às diversas dimensões de relação individuo/sociedade, de forma a favorecer ao enfermeiro uma visão holística integrada da sua relação com o universo, dentro do qual ele e seu cliente se encontram. Assim, o campo geo-biológico está contemplado pelas ciências ecológicas, o campo psico-emocional pelas ciências psicológicas e comportamentais,

as ciências culturais e sociais contemplam o campo sócio-ambiental e o campo sacrotranscendental, do qual emanam os valores que comovem e movem as pessoas, está considerado pelas ciências éticas e legais12. Destacamos o Art. 9º ao incorporar na sua essência a formação integral do aluno. É um primor lembrar que o projeto pedagógico do curso deve ser fruto da procura, interesse e visão de uma proposta de celebração da cidadania construída a muitas mãos, a muitas mentes, a muitos corações entre professor e aluno. Somente assim se consegue uma formação integral e adequada, solidificada, alicerçada na pesquisa, extensão e assistência. Um programa curricular não pode ser feito para corrigir falhas passadas, ou para corresponder exigências da atualidade (pois assim já nasceria velho), mas deve pensar à frente, porque, de fato e concretamente, estamos no presente, mas, na realidade, nós já vivemos virtualmente um mundo muito a nossa frente. O artigo 14º também mereceu nosso destaque, na medida em que traz, especificamente nos incisos III, VI e VIII, a visão de educar para a cidadania, num resgate à identidade da pessoa, a participação plena na sociedade, evocando de certa forma a dignidade das pessoas, a articulação do saber, saber fazer e do saber conviver, nos remetendo também à relação professor-aluno, tão importante na construção da relação com o paciente, embora nem sempre valorizada pelos educadores14, e ainda valoriza as dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno e no enfermeiro atitudes e valores orientados para a cidadania e para a solidariedade. Como, em um mundo dominado pela lógica, pela linearidade, pelo resultado, conduzir o trabalho da formação do enfermeiro, de tal modo que, sem perder a cientificidade que a profissão demanda, provoque no estudante um encantamento pela pessoa que se esconde no cliente, não importa o problema que ela apresenta? Uma abordagem como esta exige uma mudança radical de atitude, que manifesta uma reverência pelo que é: fomos seduzidos por nossa própria determinação. O egocentrismo precisa ser substituído, ou pelo menos equilibrado pela humildade e reverência. A determinação pode, no máximo, trazer-nos uma satisfação passageira 6: 87.

Nesse sentido, a Resolução CNE/CES1 é fruto de uma ideologia que convida, o tempo todo, à

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abertura, a olhar fenomenologicamente a realidade, seu horizonte para além da visão restrita e, às vezes, unilateral que domina o meio acadêmico muito preocupado com informar, mais do que como formar. É, pois, uma resolução saudável, isto é, que tem saúde, que vende saúde. Parece-nos que seus frutos não poderão ser outros senão a formação de pessoas que estarão fascinadas pela beleza da vida e que, quando em contato com a doença, se deixarão possuir por sentimentos de humildade e reverência, sentindo-se responsáveis por retomar no outro o dom da vida que, por alguma razão, se encontra interrompida. Acreditamos que a palavra transporta o ser, uma resolução transporta um curso, que por sua vez transporta o sentido da vida que muitos procuram como forma de expressar sua cidadania vivendo na relação com o outro. Essa caminhada é pessoal, mas o curso é a estrada que levará a pessoa a se encontrar com o sentido da própria vida e da do outro. Uma resolução, a nosso ver, está longe de ser algo final e instituído, mas é o início de uma caminhada para um lugar que nunca estará pronto: a pessoa humana!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de tais colocações podemos afirmar

que as diretrizes curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem, instituídas pela Resolução CNE/CES1 têm, de fato, como cerne uma visão humanista da realidade, ou seja, ela sugere uma postura de pessoa para pessoa na condução dos campos saúde-doença. É interessante observar como os incisos nela contidos, especialmente os que fazem referência aos princípios ético-humanistas, destacados neste estudo, não parecem soltos no contexto do documento. Parecem ser fruto da sensibilidade de pessoas que, ao pensarem a profissão, saíram dela e foram para o cliente/paciente através de uma preocupação amorosa que tornasse a profissão uma vocação mais voltada para a saúde que para a doença. A reforma curricular dos Cursos de Graduação em Enfermagem, que está ocorrendo em todo Brasil, sob as orientações das diretrizes curriculares deixa clara a preocupação com a solidariedade e cidadania, com o saber conviver,

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com o aprender a ser e o aprender a viver juntos, elementos que constituem a essência do humanismo e da ética como mola mestra do comportamento humano. Resta-nos acompanhar, com a mesma seriedade na qual foi elaborada, como será compreendida e implementada pelas instituições que formam os enfermeiros, de forma a chegar nos alunos uma formação humanística de fato, para que a assistência à saúde seja humanizada, como muito se tem enfatizado neste atual momento do Sistema Único de Saúde.

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ANÁLISIS DE LAS DIRECTRICES CURRICULARES: UNA VISIÓN HUMANISTA EN LA FORMACIÓN DEL ENFERMERO

RESUMEN: Estudio teórico-reflexivo sobre la formación del enfermero, cuyo objetivo fue el de reflexionar y analizar las Directrices Curriculares para el Curso de Graduación en Enfermería, instituidas por la Resolución CNE/CES-2001, bajo el enfoque ético-humanístico en ella contenida. Destacamos algunos incisos que contienen elementos que se refieren al tema abordado, los cuales nos parecen articulados en el contexto general del documento. Vimos que la reforma curricular de los Cursos de Graduación en Enfermería, que está ocurriendo en todo el Brasil, bajo las orientaciones del referido documento, deja clara la preocupación con la solidaridad y ciudadanía, con el saber convivir, con el aprender a ser y con el aprender a vivir juntos, elementos que constituyen la esencia del humanismo y la ética como eje maestro del comportamiento humano y de las acciones profesionales. Palabras Clave: Educación en enfermería; directriz curricular nacional; currículo de enfermería; humanismo.

Recebido em: 24.01.2005 Aprovado em: 16.05.2005

Notas Psicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia. Professor Titular Aposentado e Pesquisador Associado Senior da Univerdade de Brasília (UnB). SHIN QI 9 Conjunto 9 Casa 12 CEP 71.515-290 Distrito Federal ** Psicólogo. Professor Doutor do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia UnB. *** Enfermeira e Psicóloga Gestalt-terapeuta. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG). **** Enfermeira.Doutora em Enfermagem. Professora Titular Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás (FEN/UFG). *

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