Análise de várias Animações Disney/Pixar: As Emoções na Personagem Animada

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AS EMOÇÕES NA PERSONAGEM ANIMADA: FACE, CORPO E SILHUETA* António Manuel Rodrigues Ferreira Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Portugal

Abstract The combination of body and facial animation achieves significant results. While the main actions focuses on body movement and silhouette, the facial animation explores intention and emotion, though there are also emotions related to specific body gestures. If this combination is correctly explored, face and body gestures allows the viewer to exactly understand what’s happening and why. The human being is exceptionally good at reading body language of other people (or characters) and even better reading facial expressions. The main reason is that, since its birth, the human being observes others’ faces and bodies to understand what is happening around them and trying to determine someone’s thought. In this context, animators have been studying different techniques and styles to create much more expressive movements and emotion acting. This article delves into analyzes of facial and body animation, correlating emotion, human and character behavior.

Keywords: Emoções, Personagem, Animação, Face, Corpo.

Introdução A emoção é a raiz da comunicação humana. Motivado por uma sensação interior, o ser humano tem a necessidade inata de exteriorizar o que sente. Charles Darwin, já no séc. XIX, estudava a referida exteriorização, via humana e animal e, apesar de alguns pontos comuns, existem características humanas específicas, essencialmente como resultado da sua estrutura física e capacidade cognitiva adicional. Um qualquer movimento corporal ou facial é considerado um gesto (movimento com valor de mensagem) apenas aquando na presença de um receptor, seja um movimento voluntário ou involuntário; pois para existir comunicação é inevitável, no mínimo, a existência de um emissor e de um receptor (Morris 2002, 21). Nesse sentido, e para uma correcta comunicação não-verbal, no universo do cinema de animação, a personagem animada deverá ser um comunicador nato, onde não deve existir margem para dúvidas respeitantes ao significado do seu desempenho expressivo facial e corporal, ou seja, dos seus gestos.

Situando a comunicação não-verbal no estudo científico, da corrente teórica estruturalista fazem parte os estudos da cinésica, proxémica e paralinguística. A corrente teórica funcionalista centra-se na origem, codificação e uso dos signos não-verbais (Dias cit. in Ferreira, Teixeira e Tavares 2013, 2-3). Para o presente artigo será atentada a estrutura cinésica, assim como a função da codificação e uso dos respectivos gestos. Certo é que a animação, enquanto parte integrante do cinema, segundo Damásio (cit. in Zagalo 2009, 19), o “médium com maior poder gerador de ‘classes de indutores de emoção’”, dispõe de uma variedade de ferramentas e técnicas para estímulo emocional dos receptores. Pedro Mota Teixeira (2013, 304), nesse sentido, propõe sete camadas dimensionais com valor comunicativo, na área da animação: expressões faciais, expressões corporais, interpretação, ambiente exterior, cinematografia, princípios da animação e o design da personagem. O presente artigo pretende ser um contributo para o estudo das duas camadas já mencionadas (expressão corporal e facial) e analisar combinações em vários contextos, entre ambas; ou seja, constatar as combinações de gestos que vão, eventualmente, além do reconhecimento a nível local (signos) e resultam a nível universal (símbolos). Num qualquer estudo a respeito de expressões faciais e/ou corporais com significados específicos, a quantidade de variáveis a analisar é imensa, pois uma correcta interpretação dos gestos depende de inúmeros factores, nomeadamente a cultura, o contexto, os vários tipos de gestos faciais e corporais, as combinações entre os mesmos, a anatomia, limitações físicas, etc. Por essa mesma razão, a organização do presente artigo rege-se por um factor comum universal (entre face e corpo), nomeadamente as sete expressões universais de emoção (surpresa, medo, raiva, nojo, desprezo, alegria e tristeza) (Ekman cit. in Ferreira 2013, 4; Matsumoto e Hwang cit. in Ferreira 2013, 4). O método escolhido, para a investigação proposta, consta na recolha e análise de gestos faciais e corporais, de várias longas-metragens, registar o contexto no qual ocorrem e atentar a forma resultante da silhueta e da expressão facial da personagem.

*Este documento contém sugestões/alterações relativamente à versão publicada oficialmente, no manual da conferência AVANCA | CINEMA 2015, nomeadamente o título, do próprio artigo, e a classificação dos tipos de estímulos causadores das emoções em estudo, debatidos nas secções identificadas por “Contexto”.

Considerações Gerais Todas as imagens correspondem a um exemplar de macroexpressão (Ferreira, Teixeira e Tavares 2013, 2) e estão divididas em 3 subgrupos, os quais identificam longas-metragens distintas, nomeadamente A (Peter Pan 1953 ou Lilo & Stitch 2002 ou Pinocchio 1940), B (The Incredibles 2004 ou Jack Jack Atack 2004) e C (UP! 2009). Para cada exemplar, foi criada uma versão em silhueta da personagem escolhida para analisar uma possível universalidade da expressão corporal e ainda para obter mais informação relativamente ao princípio de animação intitulado Staging, o qual defende especial atenção a uma perceptível representação e interpretação da personagem. As imagens analisadas foram limitadas a uma combinação universal específica de cada emoção, considerando a organização e nomenclatura do estudo de António Ferreira (2013).

Surpresa

Por fim, a figura 1C revela a personagem principal de UP! (2009) a qual encontra-se perdida num deserto rochoso e, como resultado do avistamento de alguém ao longe, fica surpreso e acena com a mão. Conclui-se que a emoção de surpresa, nos casos analisados, foi motivada, respectivamente, por uma sensação auditiva e abstracta (Fig. 1A - entoação e conteúdo da pergunta; Fig. 1B – entoação e conteúdo da constatação) e, na Fig. 1C, por uma sensação visual e abstracta (avistamento de alguém ao longe; significado de possível ajuda), o que coincide com o tipo de causas motivadoras de surpresa enumeradas por Ekman e Friesen (cit. in Ferreira 2013, 10).

Expressão de Emoções Face As sobrancelhas estão curvadas, subidas e os olhos bastante abertos mas relaxados. Há duas diferenças, já previstas nos vários estudos científicos, que se destacam devido à diferença de idades das personagens, nomeadamente a pele sob o sobrolho que assume uma maior elasticidade nas personagens jovens e as rugas na testa que apenas se manifestam na personagem idosa (Ferreira, 2013). Outra diferença, mas neste caso absolutamente aleatória, refere-se ao formato da boca, a qual surge aberta e relaxada na figura 1A e 1B, mas em formato de O no idoso, ocorrência que Faigin (1999, 263) entende como perfeitamente possível na emoção de surpresa.

Corpo

Figura 1 – Surpresa

Contexto Na figura 1A o contexto remete a uma pergunta efectuada pelo irmão mais velho, do pequeno menino representado, a respeito de uma peça indumentária pertencente ao seu pai. Surpreso, pela pergunta efectuada, o rapaz responde que não sabe do paradeiro da mesma. A figura 1B demonstra uma jovem ama que se encontra num local secreto para lhe apagarem a memória, sem o seu conhecimento. A surpresa surge quando a personagem, que se encontra do outro lado da mesa, identifica-se com todas as nomenclaturas associadas a um qualquer serviço policial ou de investigação norte-americano. Dois segundos antes, o plano é todo escuro e este último interlocutor acende um foco que está direccionado à jovem rapariga.

A figura 1A assume claramente o estilo de interpretação dos cartoons da Golden Age (Cavalier 2011, 95). Tal como registado pelos autores de referência, da animação tradicional, são evidentes as linhas de acção, assim como as linhas de flutuação assimétricas, características de um contexto de curiosidade, pergunta ou surpresa; destaca-se o estereótipo anatómico da personagem de um bebé e ainda o total respeito pelo princípio da animação Staging, anteriormente referido (Blair 1994, 32; 178179; Càmara 2005, 68-71). Na figura 1B, a personagem sentada assume uma silhueta de difícil interpretação emocional, mas com uma riqueza expressiva exemplar e já com uma sólida base científica. O corpo revela uma subtil retracção. Pease (1981, 54-56) e Morris (2002, 197-200) debatem e analisam as barreiras criadas pelos braços e mãos, com ou sem objectos, no âmbito de uma interacção social e, aplicando a este caso, detecta-se efectivamente uma reacção de surpresa na face mas uma pequena barreira defensiva com a posição das mãos, utilizando a mesa como escudo. Ekman (cit. in Ferreira 2013, 13) refere que o susto é uma reacção física e que após o mesmo surgem as emoções, logo

assume-se que neste caso o corpo demora mais tempo a relaxar do que a face, sugerindo até a hipótese da ama ter sentido, temporariamente, uma mistura de surpresa com medo, daí uma exteriorização mista. A figura 1C revela ambiguidade enquanto silhueta pois esta postura específica não implica a emoção de surpresa. Poderá corresponder apenas a um cumprimento, um pedido para, eventualmente, alguém parar ou esperar, seja peão ou condutor, etc. A cabeça levantada, a torção abdominal para a frente (menos evidente na figura 1C), o braço erguido e o distanciamento evidente entre as pernas (apenas na figura 1A) coincidem com as características corporais de surpresa, recolhidas de vários autores por Ferreira, Gomes e Teixeira (2015).

Medo

Na figura 2C consta, uma vez mais, a personagem principal da animação UP! (2009), desta feita, ainda em criança. A cena representa o momento em que se conhecem as personagens principais. A rapariga apanha o rapaz, de surpresa, a inspeccionar a sua “nave” exploratória e pergunta-lhe, num elevado tom de voz, se ele acha que tem o que é necessário para ser um explorador. Ele retrai-se e reage da forma exposta. No primeiro caso, o medo é motivado por uma sensação auditiva e abstracta (figura 2A), já que é pela associação do significante Peter Pan ao significado, que o pai criou dele, que surge a reacção irónica, ou seja, ilusão, fantasia, brincadeira de crianças. Na figura 2B, o medo surge de uma sensação auditiva e abstracta, ou seja, da associação entre o significante míssil (imagem auditiva – vide Ferreira, Teixeira e Tavares 2013, 1) e a ideia de perder a sua família. Por fim, na figura 2C, o medo exterioriza-se devido a uma sensação visual (aproximação instantânea da rapariga), auditiva (tom de voz elevado por parte da mesma) e abstracta (ideia sobre uma eventual possibilidade de dano). Este último factor é identificado como a principal fonte de motivação de medo, por Ekman e Friesen (cit. in Ferreira 2013).

Expressão de Emoções Face

Figura 2 – Medo com Queixo Descido

Contexto A figura 2A remete a uma cena inicial da longametragem de Peter Pan (1953) onde a personagem representa o pai da família principal. A sua esposa notifica-o que seria, eventualmente, perigoso deixar as crianças sozinhas em casa, à noite, sem a sua cadela de guarda por perto e tendo em conta que Wendy, a filha mais velha, havia referido algo a respeito de uma sombra que guardava no seu quarto. Continuando, a mãe menciona que a sombra pertence a Peter Pan, o pai tem esta reacção e complementa, em tom irónico, que seria melhor chamar a brigada de polícia. Em 2B está representado Mister Incredible, o pai de família da longa-metragem The Incredibles (2004). Preso, numa espécie de cruxifixo futurista, o mesmo pede ao vilão, desesperadamente, que desactive os misseis que acabara de lançar em direcção ao avião onde segue a sua mulher e os seus filhos.

Decidiu-se explorar a combinação universal de medo com queixo descido. As personagens possuem as sobrancelhas subidas, rectilíneas e contraídas ao centro da testa, onde surgem rugas (excepto na figura 2C) concentradas igualmente ao centro. Os olhos estão abertos e tensos e na figura 2A a pálpebra inferior sobrepõe um pouco a iris. A boca abre, está tensa e os cantos da mesma estão ligeiramente esticados para trás e para baixo, expondo até os dentes do maxilar inferior na figura 2C. O seu formato assemelha-se ao caractere D com 90º de rotação (Ferreira 2013, 14-18).

Corpo Tal como o exemplar de surpresa, a figura 2A demonstra todo o excesso teatral na interpretação das personagens na Golden Age. O homem recebe a informação e reage com susto e posterior emoção de medo e raiva, respectivamente. Embora num tom irónico, toda a sua expressão corporal é notória, pois os braços erguem, o peito é projectado para a frente, neste caso, as pernas esticam, a cabeça roda para a frente, num conjunto de gestos repentinos característicos de um susto e posterior medo. Em silhueta, a capa prejudica a leitura, mas sem a mesma, eventualmente, poder-se-ia associar a alguma emoção tal como surpresa, medo ou raiva devido à tensão global do corpo. Na figura 2B será impossível

determinar a emoção observando apenas a silhueta, pois mesmo que a pose de cruxificado surgisse inteiramente no plano, a forma não é associável a um qualquer tipo de emoção. Em termos religiosos cristãos está associado a sofrimento, sacrifício, mas um humano assumindo a posição referida não implica uma emoção específica. A figura 2C revela, novamente, um exemplo de barreira social utilizando os braços e as mãos, tal como em 1B. Constata-se uma ligeira inclinação do tronco para trás, uma rotação da cabeça para cima, e um “encolher” e subida de ombros. Em silhueta não é possível identificar o tipo de emoção, pois resulta numa mancha pouco evidente. As expressões corporais que mais se destacam, na figura 2A e 2C, coincidem com a recolha de gestos enunciados por vários autores, no artigo de Ferreira, Gomes e Teixeira (2015).

Raiva

A ocorrência de raiva, na figura 3A, resulta de uma sensação visual e abstracta, ou seja, devido ao facto de a sua família dirigir-se à cadela possivelmente magoada e pela consequente troca de prioridades da sua família, ou até mesmo violação dos seus princípios éticos. Nas figuras 3B e 3C a raiva foi motivada por sensações auditivas e abstractas. Em 3B devido ao contacto do seu refém com o exterior e pela ideia de todos os seus planos ficarem sem efeito como consequência da confidencialidade recentemente comprometida e em 3C devido à notícia que acabara de ouvir, relativamente à fuga dos seus reféns e pela incompetência dos seus servos, já que todos viajavam num aeróstato e tardava a descoberta e captura dos mesmos.

Expressão de Emoções Face Na emoção de raiva, são várias as combinações faciais universalmente reconhecidas. Neste caso optou-se por analisar uma das combinações mais expressivas, nomeadamente raiva com boca aberta e pálpebras superiores subidas. Constatam-se sobrancelhas descidas e contraídas ao centro o que provoca linhas verticais entre as mesmas. Ambas as pálpebras estão tensas, a superior sobe, e os olhos focam intensamente. A boca está aberta, onde o lábio superior sobe e existe uma depressão do lábio inferior criando um formato “quadrado” na boca. Os queixos das três personagens deslocam-se ligeiramente para a frente (Ekman cit. in Ferreira 2013, 31; Ekman e Friesen cit. in Ferreira 2013, 30-31; Faigin cit. in Ferreira 2013, 30-31; Wiggers cit. in Ferreira 2013, 30-31).

Corpo

Figura 3 – Raiva: Boca Aberta e Pálpebras Superiores Subidas

Contexto A figura 3A remete a uma cena onde a personagem representada e a cadela de estimação desequilibramse e a sua família, em vez de o acudir, corre em direcção à cadela, o que o deixa irritadíssimo. Na figura 3B, o vilão da história de The Incredibles (2004) pergunta, já no limiar da sua paciência, quem Mister Incredible havia contactado, já que se encontravam numa base secreta e toda a confidencialidade da mesma e dos seus planos teriam sido postos em causa. Em 3C, o idoso maquiavélico pergunta ao seu exército de cães onde se encontram os reféns, uma vez que tinham escapado da sua alçada.

No contexto específico da figura 3A, poucas indicações podem ser recolhidas relativamente à emoção via linguagem corporal. A situação remete a uma queda, onde o corpo encontra-se no chão, e neste plano específico apenas o pescoço inclinado para a frente é uma indicação de raiva; no entanto, em silhueta, não sobressai qualquer mensagem emocional. Na figura 3B e 3C as posições dos braços são afectados, respectivamente, pelas mãos na cintura e mãos elevadas. Em 3B o corpo está erecto, mas em 3C está projectado para a frente. Todos estes gestos coincidem com as sugestões, de vários autores, recolhidas por Ferreira, Gomes e Teixeira (2015). A silhueta da figura 3B é imperceptível, mas a silhueta de 3C poderá induzir raiva devido à inclinação do tronco para a frente e à posição da mão, com os dedos tensos e contraídos. Adicionalmente trata-se de uma pose típica teatral de raiva, logo poderá ajudar na leitura da emoção.

Nojo

descida das pálpebras superiores. Ocorre a projecção da língua para fora da boca na figura 4A, situação característica em casos de nojo extremo (Ferreira 2013, 20-23).

Corpo Na figura 4A é notória a atitude de rejeição. O corpo assume uma intencionalidade de afastar o que a pequena rapariga entende como repugnante, o que coincide com a definição de Ekman & Friesen (2013, 66): O nojo é um sentimento de aversão (…) [que] envolve a intensão de ‘livrar-se de’ ou ‘fugir de’. O objectivo é remover o objecto em questão ou afastar-se dele para evitar o contágio.

Figura 4 – Nojo com Boca Aberta e Sobrancelhas Descidas

Contexto Em Lilo & Stitch (2002), na figura 4A, a personagem representa uma pequena rapariga, num conjunto de dançarinas, do qual faz parte a personagem principal (Lilo). Esta última irrita-se, após uma das colegas a ter insultado e, durante a luta que demorou alguns segundos, Lilo morde-a. Quando se apercebe, a agredida constata esta última ocorrência às outras dançarinas e reagem com nojo ao braço mordido. Em 4B a pequena mulher, uma fabricante de fatos para super-heróis, livra-se de um fato antigo que Mister Incredible havia trazido para reparação e reage com nojo, enquanto o deita no caixote do lixo. Na figura 4C, a emoção de nojo surge após um pássaro gigante ter tentado engolir a sua bengala, regurgitando-a logo de seguida. Nas ocorrências das figuras 4A e 4C o grande causador de nojo foi saliva alheia, logo, motivado por sensações visuais e abstractas. Na figura 4B a ideia de que o fato já era velho suscitou nojo. Ao longo desta sequência a personagem manifesta-se várias vezes com raiva, desprezo, tristeza e nojo, misturando-os por vezes, mas a mensagem é uniforme, ou seja, manter a maior distância possível do fato velho que já é lixo e cujo design está fora de moda. As causas referidas coincidem com a opinião dos vários autores analisados por António Ferreira (2013), onde se pode constatar que produtos corporais, objectos ou ideias podem causar nojo.

Em silhueta funciona igualmente bem mas, no entanto, poderia ser aplicada num contexto de esforço enquanto empurra algum objecto pesado, ou numa mistura de raiva com alegria empurrando alguém ou algo de propósito. A personagem, na figura 4B, assume uma pose de senhora rica e intocável, muito semelhante a gestos típicos e comicamente exagerados aquando na representação de homens homossexuais. Este comportamento surge na sequência do facto de se livrar do fato, o que coincide, uma vez mais, com a citação de Ekman e Friesen relativamente à emoção de nojo. Em silhueta os gestos são evidentes, mas não implica necessariamente nojo, pois funcionaria igualmente com a expressão facial de desprezo ou alegria, numa qualquer conversa entre senhoras aristocratas. O idoso, na figura 4C, não revela grandes indicações corporais da emoção em causa, com excepção da ligeira rotação do pescoço para a frente. Em silhueta é imperceptível qualquer alusão a uma emoção específica.

Desprezo

Expressão de Emoções Face Na expressão facial o lábio superior é ligeiramente subido, o lábio inferior é descido e algo contraído, o nariz enrugado, as bochechas subidas, surgem rugas sob a pálpebra inferior, a qual está subida mas não tensa, as sobrancelhas descidas, forçando um pouco a

Figura 5 – Desprezo c/ Boca Unilateral Contraída e Sobr. Subida

Contexto O fotograma da figura 5A corresponde a um dos vilões de Pinocchio (1940). O contexto remete ao momento onde o mesmo escuta um rapaz a conversar com Pinóquio a respeito do local para onde se dirigem, onde não existem pais chatos, professores, não há escola, podem beber álcool, fumar, etc. A expressão de desprezo surge pelo simples facto de o vilão ter omitido as consequências a curto prazo desses mesmos actos. A figura 5B exemplifica, uma vez mais, a ama do filme The Incredibles (2004) que, desta feita, e depois de uma noite complicada com o bebé da família, é interrompida pelo vilão que vai calma e educadamente àquela casa. O desprezo surge após olhar para o fato do vilão e perguntar o que significava a gigante letra S que trazia estampada. O idoso de UP! (2009) (figura 5C) aguarda algum tempo que o seu companheiro de viagem, um rapaz gordo e escuteiro, suba por uma corda que o mesmo segura. Como não ouve resposta durante algum tempo manifesta uma expressão de desprezo. Na figura 5A o desprezo surge direccionado a uma pessoa, especificamente ao rapaz, pois não está minimamente preocupado com o que lhe vai acontecer. Em 5B manifesta-se devido a uma sensação abstracta, nomeadamente ao facto da personagem não saber o significado do caractere S. Por fim, o idoso, pensando no tempo que o rapaz demorará a subir, devido à obesidade e à falta de resposta durante algum tempo, conclui-se que é motivado por sensações abstractas, ou seja, descrédito ou descredibilização. O desprezo, no geral é motivado por pessoas e acções que afectam princípios éticos (Ekman e Friesen cit. in Ferreira 2013; Fisher cit. in Ferreira 2013). No entanto, como constatado na figura 5B e 5C, existe a expressão de desprezo mas não se constata qualquer violação ética. Este tipo de expressão surge várias vezes em contextos de admiração e espanto, no entanto a emoção associada a estas circunstâncias é a surpresa, o que abre uma discussão interessante. Se em termos expressivos faciais constam combinações de desprezo, porque são aplicadas em várias situações de surpresa? Poder-seá considerar uma máscara emocional, no sentido em que a personagem sente surpresa mas exterioriza desprezo, eventualmente para ocultar o seu desconhecimento do assunto em questão? Será que a combinação da sobrancelha subida e canto contraído da boca funciona como gesto emblemático associado a surpresa? Na figura 5A, o desprezo manifesta-se por consequência de sensações auditivas e abstractas, neste caso, por ignorância alheia no que respeita à verdade de um determinado assunto. Presume-se que em 5B o desprezo manifesta-se devido ao desconhecimento ou relativização do assunto em

questão, mas, no entanto, como esta personagem é altamente espontânea e distraída, não esconde deliberadamente a sua ignorância relativamente ao assunto, ou seja, fica assim de mãos dadas com aspectos humorísticos e a característica quebra de barreiras sociais associada aos mesmos. A emoção foi motivada, então, por uma sensação visual e abstracta, ou seja, pelo desconhecimento do significado daquela imagem visual. Na figura 5C o desprezo direcciona-se à eventual incapacidade, do rapaz escuteiro, para cumprir a referida tarefa, logo, foi motivado por uma sensação abstracta, nomeadamente descredibilização ou descrédito pelo sucesso dessa mesma tarefa. Ferreira, Gomes e Teixeira (2013) reuniram informação de vários autores a respeito de possíveis causas, movimentos característicos corporais e alguma tipologia no âmbito da emoção de desprezo.

Expressão de Emoções Facial Segundo o estudo de António Ferreira (2013, 25) existem várias combinações universalmente reconhecidas como desprezo. Neste caso foram analisados exemplares com um dos cantos da boca contraído e ligeiramente subido, assim como o consequente vinco da ruga labionasal e ligeira subida da bochecha, uma única sobrancelha subida, alguns pés-de-galinha no olho que semicerra e com algumas rugas na pálpebra inferior do mesmo.

Corporal Nestes três exemplares, o comportamento corporal está altamente associado à interacção com outros objectos, ou seja, poucas referências emergem relativamente à emoção do momento. Há apenas uma pequena excepção, nomeadamente a figura 5B que demonstra uma ligeira inclinação da cabeça para o lado, característica de alguns tipos de desprezo (Ferreira, Gomes e Teixeira, 2015). Relativamente à silhueta, apenas é perceptível a da figura 5B mas não implica, necessariamente, a emoção de desprezo, pois seria perfeitamente aplicável numa ocorrência de um acidente onde a pessoa pega no bebé inanimado ou no acto de oferecer um boneco a outra pessoa, isto é, variando igualmente na emoção.

Alegria Contexto A figura 6A expõe Wendy, uma das personagens principais de Peter Pan (1953). Wendy, filha de pais com muias possibilidades financeiras, é uma personagem doce mas inocente. São várias as vezes que ao longo do filme animado ela ri, de algo que é

direccionado a ela, e apenas uns segundos depois se apercebe disso. Nesta figura demonstra uma dessas situações, onde Peter Pan refere que as raparigas falam de mais, Wendy dá uma gargalhada mas pouco depois fica algo envergonhada, quando se apercebe que é dela que ele fala. Em 6B o filho mais novo do casal dos Incríveis, depois de um acidente altamente aparatoso, onde o veículo no qual circulam capotou uma série de vezes, este ri e pergunta se podem repetir. O fotograma da figura 6C faz parte de uma sequência onde o factor tempo é acelerado, isto é, passam pequenos trechos da vida do casal que vai ficando cada vez mais idoso. Esta imagem específica corresponde a um desses trechos onde o casal, muito divertido, passeia de carro. Assim sendo, a figura 6A corresponde a alegria motivada por uma sensação auditiva e abstracta, ou seja, relativamente ao que Peter Pan menciona e o entendimento que Wendy faz, na figura 6B é motivada por uma sensação abstracta, nomeadamente pela ideia de poder repetir uma experiência divertida do passado e na figura 6C, embora este trecho seja bastante rápido e composto apenas por animação e música de fundo, sem áudio relativo a diálogo e efeitos, é notório que a gargalhada é motivada por algo que a outra personagem diz, logo, por uma sensação auditiva e possivelmente abstracta, à semelhança de 6A. Prazeres sensoriais, no geral, são as principais causas de alegria (Ekman cit. in Ferreira 2013; Ekman e Friesen cit. in Ferreira 2013).

a boca aberta com dentes expostos, surgem rugas labionasais, mas pouco evidentes nos três exemplares, as bochechas estão subidas, as pálpebras inferiores acumulam rugas sob as mesmas e estão ligeiramente subidas mas não tensas, surgem pés-de-galinha nas extremidades exteriores dos olhos, os quais estão totalmente fechados, as sobrancelhas neutras ou ligeiramente descidas como na figura 6B (Ferreira 2013, 32-35).

Corpo Em termos expressivos, a alegria é a das emoções mais evidentes, facial e corporalmente. Na sua versão extrema, com gargalhada, os comportamentos são ainda mais notórios. A inclinação do tronco e da cabeça para a frente (figura 6A) ou a ligeira inclinação do peito e da cabeça para trás (figura 6B e 6C) são gestos evidentes de alegria com gargalhada e coincidem, uma vez mais, com a recolha de gestos corporais de Ferreira, Gomes e Teixeira (2015). Em silhueta, todas as imagens funcionam como alegria mas poderiam ser aplicadas em contextos onde alguém procura ou observa alguma coisa, no chão (figura 6A) ou no ar (figura 6B e 6C).

Tristeza

Figura 7 – Tristeza Agonizada com Boca Aberta

Contexto Figura 6 – Alegria com Gargalhada

Expressão de Emoções Face Nestes exemplos de alegria, com gargalhada, os cantos dos lábios estão esticados para trás e subidos,

Smith (figura 7A) é o braço direito de Captain Hook, o pirata vilão de Peter Pan (1953). No fotograma seleccionado falavam dos desamores de Sininho, fada mágica de Peter Pan, como estratagema para alcançar o mesmo e Smith, embriagado, começa a chorar pelo facto de Peter Pan dar mais atenção a Wendy perante o ciúme e tristeza de Sininho. A figura 7B corresponde ao mesmo trecho de 4B e, como já

referido, está inserida numa sequência de imensas expressões faciais que excluem a reutilização do fato velho. Como mencionado no contexto de 4C, existe um pássaro gigante, na animação UP! (2009), cuja espécie é rara e imensamente procurada pelo vilão da história. Depois de um início menos amistoso, a ave tornou-se amiga do idoso e do seu colega escuteiro e na sequência da história onde estes últimos estavam reféns do vilão, ouve-se o pio da ave gigante no exterior do aeróstato e o idoso Mr. Fredrikshon reage com imensa tristeza, pois já adivinha a caça que se avizinha à sua amiga ave. Em 7A e 7C a emoção é, então, motivada por sensações auditivas e abstractas e em 7B por sensações tácteis, visuais e abstractas. A perda é o principal causador de tristeza (Ekman e Friesen cit. in Ferreira 2013).

Expressão de Emoções Face Nos exemplos analisados de tristeza em agonia constatam-se as sobrancelhas descidas com os cantos internos contraídos ao centro, rugas na testa, olhos fechados e tensos, o canto interno da pálpebra superior subido (evidente na figura 7C) cantos da boca descidos com lábios separados e exposição dos dentes. Ocorre o derramamento de lágrimas no exemplar da figura 7A (Ferreira 2013, 35-39).

Corpo A postura cabisbaixa da figura 7A, juntamente com a mão na cabeça, coincide com os comportamentos corporais de tristeza (Ferreira, Gomes e Teixeira 2015). Na figura 7B e 7C constatam-se dois comportamentos interessantes, pois a cabeça surge inclinada para cima. Presume-se que a tristeza em agonia poderá eventualmente assumir esta direcção do olhar como que bradando aos céus, ou dirigindo-se a alguém que se posiciona acima dessa mesma pessoa, especificamente se esta última se encontrar de joelhos sobre o chão. Em silhueta, apenas a figura 7A evidencia alguma associação à emoção de tristeza.

Conclusão Nos exemplos analisados é evidente a diferença entre expressão corporal de animação 2D e 3D, pois nos casos referentes à primeira, sobressaem os estereótipos da Golden Age da animação, que incluíam regras anatómicas, estruturais e de manifestação emocional minuciosamente respeitadas, para os tipos de personalidade mais utilizados na animação. Relativamente à face, o aspecto das expressões universais é idêntico, entre 2D e 3D, mas

nesta última a tendência é adicionar microexpressões, expressões subtis e ainda os vários tipos de gestos, estudados no âmbito da cinésica, o que enriquece os mais variados tipos de manifestações expressivas, incluindo a emocional, e revela um claro interesse, por parte das produtoras, em todo o conhecimento alcançado no estudo científico da comunicação nãoverbal. Ainda relativamente às expressões faciais, especificamente à emoção de desprezo, apesar do debate científico contínuo sobre a sua universalidade, revela-se uma expressão amplamente utilizada. Já em 1940 surge em Pinocchio, da Walt Disney Studios. Eventualmente, devido à diversidade de contextos onde pode ser aplicada (vide Ferreira, Gomes e Teixeira, 2015) e depois de imensos anos de estudos científicos (Matsumoto e Hwang 2011, 1), existe uma clara aposta dos produtores na utilização desta expressão, sem receios de uma possível ambiguidade na sua percepção. No entanto, será lançada pela Disney e Pixar uma nova longa-metragem intitulada Inside Out, onde cinco das expressões universais de emoção são, em si, personagens e, nos trailers apresentados, a personagem identificada como Disgust (nojo) manifesta-se maioritariamente com expressões de desprezo; o que, por sua vez, revela um recuo de cerca de 30 anos de estudos científicos, quando o desprezo era considerado uma variação da emoção primária de nojo. Levanta-se, assim, uma problemática pertinente que convida ao estudo da personagem ao longo de todo o filme animado ou até a uma breve entrevista, a algum responsável, para esclarecimentos sobre o mesmo sucedido. Tal como referido por vários autores (vide Ferreira, Gomes e Teixeira, 2015), constatou-se a elevada dependência contextual e a dificuldade em encontrar uma codificação específica, no que respeita à percepção do significado de uma expressão de emoção unicamente corporal. Ferreira, Gomes e Teixeira (2015) concluem que a emoção transmitida via corporal acaba por ser, eventualmente, não uma combinação única de movimentos, mas um conjunto de vários tipos de gestos, cuja soma de significados permite percepcionar a ocorrência de uma determinada emoção. Por exemplo: um ou mais gestos emblemáticos, e estes sim, universais, podem contribuir para a percepção de uma determinada emoção ou serem altamente associados à mesma. Por outro lado, analisaram-se casos onde, sem recurso à expressão facial e observando unicamente o corpo, seria impossível identificar a emoção, uma vez mais, devido ao contexto e, eventualmente, ao facto da representação de personagens animadas ser suportada por um conhecimento científico cada vez mais sólido, ou seja, evitando um comportamento exageradamente teatral em todo e qualquer contexto. Este facto é suportado pelos dados obtidos,

nomeadamente num total de vinte e uma expressões analisadas, apenas duas silhuetas são consideradas universais (1A e 3C), cinco imperceptíveis, devido à mancha confusa resultante (2C, 3A, 3B, 5A e 5C) e todas as restantes têm um significado ambíguo. Um dos objectivos do presente artigo passou por registar, precisamente, o contexto no qual ocorrem os exemplos analisados, ou seja, em alguns casos, poucas referências foram extraídas do comportamento corporal devido aos planos de câmara ou do próprio contexto em si. No entanto, se o objectivo for explorar o comportamento corporal, no seu todo, analisando com detalhe a silhueta do mesmo, os contextos escolhidos terão de ser limitados a situações onde a personagem não interage fisicamente com qualquer outro objecto ou outra personagem, e ainda limitar a planos de corpo inteiro (preferencialmente; para uma maior exactidão).

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