Análise dos poemas Time and Eternity e Beleza e Verdade

September 25, 2017 | Autor: Mateus Viana | Categoria: Translation Studies, Poetry, Translation, Tradução, Poesia
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Análise dos poemas Time and Eternity e Beleza e Verdade Mateus Viana Time and Eternity (1924) Emily Dickinson (Estados Unidos – 1830-1836) I died for beauty, but was scarce Adjusted in the tomb, When one who died for truth was lain In an adjoining room.

Beleza e Verdade (Tradução de Manuel Bandeira) Morri pela beleza, mas apenas estava Acomodada em meu túmulo. Alguém que morrera pela verdade Era depositado no carneiro contíguo.

He questioned softly why I failed? “For beauty,” I replied. “And I for truth,-the two are one; We brethren are,” he said.

Perguntou-me baixinho o que me matara: -A beleza, respondi. -A mim, a verdade – é a mesma coisa, Somos irmãos.

And so, as kinsmen met a night, We talked between the rooms, Until the moss had reached our lips, And covered up our names.

E assim, como parentes que uma noite se encontram, Conversamos de jazigo a jazigo, Até que o musgo alcançou os nosso lábios E cobriu os nosso nomes.

A leitura dos poemas permite notar as interessantes escolhas de Manuel Bandeira, a começar pelo título. A tradução eminentemente literal sugere “Tempo e Eternidade”, mas o tradutor optou por intitular o poema de “Beleza e Verdade”. Essa escolha é coerente com o sentido do poema, com a poesia que traz; e vemos isso claramente na segunda estrofe, quando em um “diálogo”, os personagens conversam sobre o que os matara – um, diz que foi a beleza; o outro, responde que foi a verdade (e depois diz ser ambas a mesma coisa). Pode-se interpretar, assim, que Bandeira tratou beleza e verdade como irmãs, analogamente à quase sinonímia que tem time e eternity, no título do texto de partida. É também possível a interpretação de que quem são irmãos são os indivíduos

que

morrem.

A

palavra

“brethren”

pode

ser

considerada

ultrapassada na língua de hoje – e mesmo na época de Manuel Bandeira, creio eu – mas a escolha por parentes ou outra qualquer perderia talvez o sentido

que o autor e o tradutor quiseram empregar, o de que aquelas pessoas eram irmãs, já que morreram pela mesma coisa – a beleza/razão. Interessante também que, ao ler os poemas, lembrei do que Octavio Paz (1971) defende, de que não é possível traçar a linha que separa o leitor do tradutor. Ora, quando interpretamos, estamos impregnando no texto a nossa compreensão, e pela nossa perspectiva e história de vida ele pode adquirir diferentes significados. Foi o que eu senti, e isso pode ser considerado uma tradução feita por mim como leitor. Outras escolhas

de Bandeira

que me chamaram a atenção :

interessantes : was scarce...adjusted in the tomb – ou seja, a beleza era/estava rara, de forma escassa, ajustada na tumba (pode-se interpretar que sua beleza já se fora, que fora morto por causa de sua beleza ou de outrem, por um crime passional, há muitas possibilidades). Percebe-se que, no português, não soaria natural essa frase, então o tradutor falou que (a beleza) “apenas estava acomodada em meu túmulo”, o que muda um pouco o sentido de como eu li o texto de partida. O apenas estava pode levar a crer que é uma mulher que estava ajustada ao túmulo, e que acabara de morrer, no sentido de mal, há pouco tempo; ou que ela estava somente ajustada. Para mim altera um pouco, o que não quer dizer que um ou outro poema seja mais ou menos rico ou bonito.



Configuração espacial O primeiro poema tem três estrofes de quatro versos cada uma. O segundo mantém a mesma estrutura. O tradutor, pois, optou por manter a configuração espacial básica do poema, a qual é bem parecida: são poemas curtos; na segunda estrofe há dois versos menores intercalados com outros mais extensos, o que acontece também, mas de forma menos evidente, na terceira estrofe. Nesse aspecto, textos de partida e de chegada não diferem substancialmente.



Esquema de versificação – rima, métrica, formação de estrofes. Não observei rimas em “Beleza e Verdade”. Em “Time and Eternity”, apenas na primeira estrofe, vi tomb e room, que têm sons muito parecidos, mas

nem são o mesmo fonema. Neste aspecto, talvez o brasileiro não tenha nem se preocupado com escolher palavras que rimassem, já que o texto de partida não continha rimas. Até porque uma tradução fonêmica não seria adequada, pois pode-se preterir a sonoridade ao sentido. Não se trata, pois, de uma tradução rimada. Tampouco é uma tradução métrica, que reproduz o metro da poema original. Contei, por exemplo, na primeira estrofe do poema original: primeiro e terceiro versos com oito sílabas; segundo e quarto com 5 sílabas. Vi um metro totalmente diferente no poema traduzido: versos com cinco, sete, 11 e até 13 sílabas, o que leva a crer que reproduzir a configuração métrica do texto de partida não foi intenção do tradutor. As estrofes, por sua vez, são formadas de forma semelhante. Ambos os poemas apresentam três estrofes de quatro versos cada. Podemos supor que o tradutor optou por manter tal estrofação.



Escolha de registro de língua Creio não haver muita diferença no registro de língua entre um poema e outro. A ordem das sentenças foi em geral mantida, não há muitos artifícios retóricos. Não parece ter havido “floreio” por parte do tradutor. Levando

em

conta

que

todo

processo

de

tradução

envolve

transformações expressivas à medida que o tradutor se esforça para adequar sua leitura e interpretação com a língua e o sistema cultural de chegada, percebi uma leve diferença vocabular, talvez pela época (o poema em inglês é mais antigo). Por exemplo, as palavras brethren e kinsman são qualificadas pelo Cambridge Dictionary como “old-fashioned”, ou seja, antiquadas ou fora de moda. Já suas traduções, irmãos ou parentes, não são assim consideradas em português. Pode-se conjeturar que Emily Dickinson poderia ter escolhido “brother” e “relative”, respectivamente; da mesma forma que Manoel Bandeira poderia ter escolhido palavras mais “elaboradas”.



Transformações expressivas de Popovic – resguardo do núcleo invariante com manutenção do tom, tema e função.

Popovic disse que o tradutor tem o direito de ser independente.

Popovic – O que a tradução deve resguardar em suas transformações ( por exemplo, no caso de diferentes traduções de um mesmo texto): O núcleo invariante - compreende o tema e o tom, já que a forma e a abordagem podem variar, ser atualizadas para o leitor contemporâneo. “ O fato de o processo de tradução poder envolver transformações nas propriedades semânticas do texto não significa que o tradutor pretenda subvalorizar a força semântica do original: significa, antes, que o tradutor se empenha em veicular a substância semântica do original”



Coesão textual – repetição expressiva

Repetição expressiva é um recurso que serve para dar relevo a uma ideia e/ou para produzir um determinado efeito sonoro. Pela minha leitura, o texto é coeso e a única repetição mais evidente é a da palavra beleza, que aparece em ambos os títulos e duas vezes em cada poema. Não percebi a repetição proposital de nenhum som específico.



Teoria de Venuti e Toury – invisibilidade do tradutor, estratégias de domesticação/aceitabilidade e estrangeirização/adequação.

Segundo Venuti, o texto traduzido tem de parecer o texto original, de forma que o leitor não deve perceber que o texto é traduzido, ou seja, o tradutor deve ser invisível. Saber se minha leitura seria diferente se não soubesse que “Beleza e Verdade” é uma tradução é um exercício difícil. Porém, creio que não perceberia que é uma tradução, pois o poema não é truncado, não apresenta estrangeirismos nem um vocabulário muito diferente do que usamos no Brasil. A temática também me parece universal – morte, beleza, verdade são assuntos comuns à vida humana em qualquer lugar.

Domesticação consiste no ajuste linguístico e cultural à língua do texto alvo, o que está de acordo com a teoria da invisibilidade de Venuti, e também da teoria da aceitabilidade de Toury. Na estrangeirização, conservam-se aspectos estrangeiros da língua fonte, deixando a presença do tradutor evidente para o leitor. Não vi, no texto, tendência à estrangeirização. Assim, Bandeira usou as estratégias da domesticação/aceitabilidade e da invisibilidade, apesar de que isso me parece um tanto intuitivo. Talvez muitos tradutores façam uso desse ajuste linguístico à língua (e ao público) alvo, mesmo sem conhecer tais teóricos.



Pode incluir outra teoria já vista no decorrer do curso. Podemos concluir que a tradução de Manoel Bandeira foi muito bem feita. O processo foi criativo, então a teoria da transposição criativa interlinguística de Jakobson foi aplicada, apesar de não ter havido muita mudança de sentido. Para o teórico, a leitura/tradução deve levar em conta a estrutura global da obra e sua relação com o tempo e o lugar em que foi produzida. A tradução interlinguística reflete a interpretação criativa que o tradutor faz do texto de partida. Como interpretei diferentemente alguns aspectos dos poemas, penso que são textos diferentes (ainda que parecidos) que provocam visões, análises, sentimentos diferentes. Se isso se passou comigo, mesmo sabendo que era uma tradução, outros leitores de quaisquer dos textos podem ter interpretações diversas das minhas. As ideias de Rifaterre também se aplicam, já que, para ele, as camadas de sentido só emergem após várias leituras, num processo de contínuo recomeço e de indefinição, a cada nova significação revelada. Isso aconteceu comigo, pode ter acontecido com o tradutor e pode seguir acontecendo indefinidamente, a depender da época, lugar e cultura do leitor/tradutor. Isso, de fato, torna um poema continuamente legível e fascinante.

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