ANÁLISE ECONÔMICA DA PERFORMANCE BOND NOS CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS

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ANÁLISE ECONÔMICA DA PERFORMANCE BOND NOS CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS1

Frederico Yokota Choucair Gomes*

RESUMO A performance bond é seguro-garantia que afiança que uma construção será executada satisfatoriamente em conformidade com os padrões estabelecidos em contrato. Quando se trata de obras públicas, este instrumento é praticamente inexistente no Brasil, enquanto nos EUA é largamente utilizado. Considerando a notória ineficiência das contratações públicas brasileiras, propõe-se responder duas perguntas: quando é favorável ao Estado exigir uma performance bond como garantia de um contrato de obras; quais as consequências da inclusão da performance bond na lógica econômico-contratual. Na primeira parte do trabalho, apresenta-se a definição de performance bond e um histórico de sua utilização no Brasil e nos EUA. Na segunda parte, analisa-se a questão sob a vertente dos estudos de Direito & Economia, especificamente a Teoria Econômica Neoinstitucional, a Economia dos Custos de Transação, a Teoria dos Contratos Incompletos e o modelo de custos de garantias desenvolvido por Avery Wiener Katz (1999). A conclusão geral é que a contratação da performance bond será eficiente caso a seguradora possua custos de monitoramento significativamente mais baratos que aqueles do Estado; e que esta modalidade de seguro-garantia altera o sistema de incentivos do contrato, viabiliza a alternativa de performance específica e promove externalidades positivas a terceiros envolvidos na construção. Palavras-chave: Performance bond. Seguro-garantia. Contrato de obras públicas. Análise econômica dos contratos. Teoria dos contratos incompletos. Custos de Transação. ABSTRACT A performance bond is a surety bond that guarantees the performance of a construction accordingly to a contract’s terms and conditions. When it comes to public construction this surety bond is practically inexistent in Brazil, while in the USA it is commonly used. Since Brazilian public contracts are notoriously inefficient, we propose two questions: when is it more efficient for the Government to demand a performance bond; what are the consequences and effects of a performance bond in the economic dynamics of the public contract. In the first part of the paper, we present a definition for the performance bond and a historical retrospective of its use in Brazil and in the USA. In the second part, we analyze the matter under the principles of Law and Economics, specifically the NeoInstitutional theory, Transaction Costs theory, Incomplete Contracts theory and the guaranty costs model developed by Avery Wiener Katz (1999). We reach the general conclusion that contracting a performance bond is efficient when the surety’s costs of monitoring is lower than the Government’s; and that this kind of surety modifies the incentive system within the contract, allows the Government to pursue specific performance and promotes positive externalities to those involved in the construction. Keywords: Performance bond. Surety bond. Public construction contract. Economic analysis of contracts. Incomplete contracts theory. Transaction costs.

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Este artigo foi originalmente apresentado como TCC ao curso de Relações Internacionais do IBMEC-MG. O trabalho foi elaborado em 2016. * Bacharel em Direito pela UFMG, LL.M em Direito Empresarial pela FGV e Mestrando na Universidade FUMEC. Contato: [email protected].

SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................7

2.

O QUE É PERFORMANCE BOND ..............................................................................................9

3.

O SEGURO-GARANTIA DE OBRAS PÚBLICAS NO BRASIL E SUA EVOLUÇÃO ......12

4.

A PERFORMANCE BOND NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA .................................17

5. UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA PERFORMANCE BOND NOS CONTRATOS DE OBRAS PÚBLICAS .............................................................................................................................19 5.1 Custos de transação e divisão do risco a partir da exigência da performance bond. Ou: quando a contratação da performance bond é eficiente? ...................................................................................20 5.1.1 A equação de custo sem a performance bond .......................................................................21 5.1.2 A equação de custo com a performance bond .......................................................................23 5.2

A tendência de melhor monitoramento feito pela seguradora .........................................25

5.3

Externalidades da performance bond..................................................................................27

5.4

O sistema de incentivos gerado pela performance bond ....................................................28

5.5

A possibilidade da performance específica ........................................................................29

5.6 A elaboração de um histórico de confiabilidade e as vantagens dadas às empresas confiáveis ...........................................................................................................................................31 5.7 6

A performance bond frente a outras alternativas de garantia ..........................................31

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................33

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................................34

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1.

INTRODUÇÃO

A busca pela eficiência na aplicação de recursos públicos é tema sempre em pauta nas discussões jurídicas e econômicas, especialmente no Brasil, país que ainda busca traçar seu caminho de desenvolvimento econômico e social. A despeito das peculiaridades de nosso sistema legal, o estudo de mecanismos utilizados em outros países que alcançaram essa maior eficiência é não somente recomendável, mas necessário. Quando tratamos de obras públicas, a performance bond insere-se dentre os instrumentos jurídicos que merecem uma análise séria e aprofundada, por ser utilizada largamente em países desenvolvidos como os EUA, Canadá e Japão. No Brasil, ela é praticamente inexistente devido aos limites muito baixos de cobertura impostos pela legislação, de 5 a 10%, enquanto nos EUA, país em que tal instrumento surgiu, sua cobertura frequentemente ultrapassa os 100% do valor do contrato. Atualmente, a inadimplência parece ser a regra nas contratações públicas de obras em nosso país. Estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) (2014), em análise de apenas seis grandes obras de infraestrutura, revelou que o prejuízo do atraso das obras, em 2013, montava a R$ 28 bilhões. Muitas são as recomendações listadas pela CNI para que esta situação mude, mas dentre elas estão alterações nos sistemas de incentivos, melhora nas fiscalizações e na certificação de empresas aptas a executar a obra, e contratação de seguros. Estes pontos são diretamente afetados pela contratação da performance bond, que vagamente pode ser definida como uma espécie de segurogarantia que garante o adimplemento de um contrato de construção. O debate público sobre uma mudança na legislação brasileira para que a performance bond passe a ser efetivamente utilizada nas obras públicas vem ocorrendo com frequência2, de modo que é relevante estudarmos, sob o ponto de vista econômico-jurídico, quais as consequências da utilização deste instrumento. Este trabalho busca responder duas questões fundamentais: (i) quando é favorável ao Estado exigir uma performance bond como garantia de um contrato de obras?; (ii) quais as consequências da inclusão da performance bond na lógica econômico-contratual? Inicialmente apresentamos algumas considerações sobre a performance bond, no que exatamente ela consiste e qual a sua natureza jurídica. Nos tópicos 3 e 4 discorremos sobre as legislações brasileira e americana, respectivamente, isto é, de que forma a performance bond é tratada nos dois países, desde sua origem histórica, o que nos permitirá traçar um quadro comparativo das diferenças de cada ordenamento jurídico, o que afeta o funcionamento das instituições e da gestão e governança na Administração. No tópico 5 apresentamos uma análise econômica da performance bond, tendo como base a Teoria Econômica Neoinstitucional, a Economia dos Custos de Transação, a Teoria dos Contratos Incompletos e o modelo de custos de garantias desenvolvido por Avery Wiener Katz (1999). Neste

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Nesse sentido: Aldo Dórea Mattos (2006); CNSEG (2012); CNI (2014).

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tópico, concluímos que a contratação da performance bond será eficiente caso a seguradora possua custos de monitoramento significativamente mais baratos que aqueles do Estado; e que esta modalidade de seguro-garantia altera o sistema de incentivos do contrato, viabiliza a alternativa de performance específica e promove externalidades positivas a terceiros envolvidos na construção.

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2.

O QUE É PERFORMANCE BOND

A performance bond, ou seguro-garantia de obras, é uma espécie de seguro-garantia surgido nos EUA na segunda metade do século XIX. Constitui um tipo específico e atípico de seguro que garante que um contrato de construção será executado satisfatoriamente em conformidade com os padrões de quantidade, qualidade e prazo ali estabelecidos. A performance bond garante que o projeto construtivo será executado ainda que surjam circunstâncias desfavoráveis no curso da execução contratual. Neste caso, a seguradora se responsabilizará pelo pagamento indenizatório dos danos advindos de qualquer inadimplemento ou, simplesmente, pelo término do serviço, seja pela contratação de uma construtora, seja pela execução direta da obra. A performance bond, portanto, é instrumento contratual que estabelece uma garantia a partir de uma relação tripartite, da qual é parte o contratante, ou segurado (principal); a seguradora (surety); e o contratado, ou tomador do serviço (obligee). No caso de obras públicas, a seguradora garante ao Estado (segurado) que a empreiteira licitante (tomadora) honrará com as cláusulas de sua proposta. O beneficiário da apólice do seguro é o Estado, mas quem assume a obrigação sobre o serviço segurado é a empreiteira contratada. A responsabilidade da seguradora é secundária3, ou seja, surge somente caso o tomador do serviço incorra em ato que signifique sua inadimplência (LANGLEY e HOUSTON, 2009, p. 5). Segundo Lynn Schubert (2003, p. 48), a relação tripartite do seguro-garantia implica em responsabilidades mútuas entre as partes. Dessa forma, o contratado, ou tomador do serviço, tem o dever de performance nos termos do contrato. O contratante, ou segurado, tem o dever de adimplir o contrato até o seu final, incluindo o pagamento de acordo com os termos contratuais, seja para o contratado, seja para a seguradora, caso esta assuma a obra. A seguradora tem o dever, junto ao segurado, de agir de acordo com os termos do seguro-garantia em caso de inadimplemento do contratado. Por fim, a seguradora tem o dever de determinar se o contratado está inadimplente, de cumprir com os termos do seguro-garantia e de eventual obrigação de indenizar, ao passo que o contratado deve cooperar com qualquer investigação de alegação de inadimplência e reembolsar a seguradora por perdas incorridas em razão de sua não-performance. Os descritos acima são deveres e responsabilidades gerais. Os termos específicos do contrato principal e da apólice definirão os deveres e responsabilidade característicos, assim como a

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É secundária, mas não subsidiária. A subsidiariedade implica que o devedor subsidiário deve responder pela obrigação caso o principal não o faça, mas é condição sine qua non que o devedor primeiramente acione o principal. Portanto, o devedor subsidiário só responde depois de acionado o devedor principal (FIUZA, 2010, p. 337). Não se pode falar que a responsabilidade da seguradora seja subsidiária no caso da performance bond, porquanto sua obrigação surge a partir do inadimplemento do tomador, independente seja ele acionado pelo credor ou não. Em outras palavras, não há que falar em benefício de ordem. Esta é apenas uma das diferenças entre a performance bond e a fiança.

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Lei trará normas cogentes a respeito4. Para o presente trabalho consideraremos as obrigações genéricas essenciais à performance bond. A relação tripartite estabelecida pela performance bond pode ser assim ilustrada:

Segurado/Contratante

Tomador/Contratado

Contrato de contragarantia*

Seguradora

Figura 1 - Adaptado de Eliane Poveda (2012, p. 93). * O contrato de contragarantia é previsto na legislação brasileira (art. 21 da Circular nº 477/2013 da SUSEP), e rege, por meio de livre acordo, as relações entre a seguradora e o tomador. É fácil perceber que, em termos econômicos, o seguro-garantia de performance nada mais é que um mecanismo de transferência de riscos à seguradora, desenhado a prevenir uma possível perda financeira do segurado (MYERS, 2009, p. 9). Nesse sentido, a performance bond constitui-se basicamente de um serviço de pré-qualificação do tomador da obra, baseado em sua saúde financeira e expertise técnica, acrescido dos custos de monitoramento ao longo do contrato. Por esse motivo, ela é concedida quando há uma expectativa mínima de perda, e o prêmio é eminentemente uma taxa para o serviço de pré-qualificação (SCHUBERT, 2003, p. 48). Como tipo específico, a performance bond apresenta características particulares que a diferenciam de um seguro ordinário. Algumas das peculiaridades do seguro-garantia foram expostas por Francisco Galiza (2015, p. 17), dentre as quais: (i) a existência da relação tripartite, que envolve além do segurado e da seguradora, o tomador do serviço que está sendo garantido; (ii) a inexistência da expectativa de sinistros por parte da seguradora, na exata medida em que, se a seguradora verifica riscos relevantes na operação, não emitirá o seguro; (iii) o prêmio da seguradora não se destina, via de regra, ao pagamento de sinistros, mas sim para cobertura de taxas administrativas de investigação, certificação e fiscalização do segurado e do serviço prestado; (iv) a exigência, em alguns casos, de 4

Nos EUA, por exemplo, Keith A. Langley e Marchelle M. Houston (2009, p. 7) informam a distinção entre common law bonds e statutory bonds. As primeiras seriam aquelas cuja interpretação rege-se primariamente pelo direito contratual, enquanto as últimas seriam aquelas interpretadas segundo o corpo legal estabelecido, ou seja, pelo Miller Act, no caso do governo federal, e pelos Little Miller Acts (legislações estaduais semelhantes), nos casos de cada Estado. No tópico 4 veremos como funciona a legislação nos EUA.

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garantias financeiras para a emissão do certificado de seguro, o que não é usual para outros tipos de seguro. Outra importante diferença da performance bond para os seguros tradicionais é que, nesse último caso, a ocorrência do sinistro implica que a seguradora assuma o custo referente à cobertura da apólice, sem que possa, depois, perseguir ressarcimento. Em outras palavras, não há direito de regresso contra quem quer que seja, a menos que o sinistro tenha sido causado por ato ilícito de terceiro, estranho à relação contratual originária. No caso da performance bond, o segurado é o contratante, e não o tomador do serviço. Por esse motivo, na inadimplência deste último, a seguradora será responsável pelos custos para término da obra, mas poderá executar a tomadora em busca de ressarcimento5. Em termos gerais, podemos também diferenciar a performance bond de uma espécie de fiança bancária, porque: (i) abarca, além de critério econômicos e financeiros, também critérios técnicos; (ii) há a possibilidade de resseguro ou cosseguro, fazendo com que o risco não caia totalmente sobre a seguradora; (iii) é uma forma de contratação mais simples e barata; (iv) e, mais relevante, existe a possibilidade de cumprimento da obra ou indenização em dinheiro, enquanto na fiança bancária só há esta última opção (GALIZA, 2015, p. 18-19)6. Por último, é relevante destacar que o gênero seguro-garantia de construção pode ser dividido em três espécies: o bid bond, a performance bond e o payment bond (SCHUBERT, 2003, p. 50). A bid bond assegura que a empreiteira assinará o contrato nos termos de sua oferta e providenciará os seguros adicionais que forem necessários. Essa apólice cobre a necessidade de se realizar nova licitação por recusa da assinatura. A performance bond assegura que o empreiteiro irá executar o contrato de acordo com o projeto, incluindo pagamento de subcontratados e fornecedores, e a payment bond é uma garantia aos subcontratados e fornecedores de que, em caso de inadimplência da empreiteira, poderão exigir seu crédito frente à seguradora. De acordo com Francisco Galiza (2015, p. 28), nos EUA os bid bonds, performance bonds e payment bonds são também identificados, de forma genérica, como performance bonds. Assim, podemos falar da performance bond lato sensu, significando o seguro-garantia de construção, e da performance bond stricto sensu, significando especificamente o seguro-garantia de performance e cumprimento da obra. No presente trabalho, referimo-nos sempre à performance bond como sinônimo de seguro-garantia de construção, que afiança, de forma ampla, as obrigações assumidas pela empreiteira junto ao Estado e terceiros, como fornecedores e mão-de-obra.

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Keith A. Langley e Marchelle M. Houston (2009, p. 5-6): “[…] here the surety can use the common law theory of indemnity and contractual indemnity agreements to pursue the principal for claims paid, an insurer cannot pursue its insured to recover the amount paid for a valid and covered claim. These distinctions are even more important, but often times blurred when surety bonds are issued by insurance companies”. 6 Ver tópico 5.7.

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3.

O SEGURO-GARANTIA DE OBRAS PÚBLICAS NO BRASIL E SUA EVOLUÇÃO

No Brasil, o seguro-garantia enfrentou duas grandes dificuldades de expansão: a falta de regulação adequada e a concorrência com o instrumento da fiança bancária (GALIZA, 2015, p. 16). A seguir traçamos o histórico da evolução da legislação brasileira, o que poderá nos dar uma ideia do quadro-geral da utilização do seguro-garantia para construções de obras públicas no Brasil. A primeira legislação a respeito surgiu em 1966, com o Decreto-Lei nº 73, de 21 de Novembro daquele ano. Esta norma estabelece a obrigatoriedade do seguro-garantia para o cumprimento de obrigações do construtor e incorporador de imóveis7. No ano seguinte, o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, instituiu como facultativo à Administração Pública exigisse dos licitantes a prestação de garantia, listando ali o seguro-garantia, além da fiança bancária e da caução8. Este é, portanto, o marco inicial de uma legislação aplicável a obras públicas. Em 1986, o Decreto-lei 200/1967 seria revogado pelo Decreto-Lei nº 2.300. A nova legislação manteve o seguro-garantia como exigência facultativa à Administração, mas o limitou a 5% do valor do contrato9. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 2.348, de 24 de julho de 1987, alterou essa limitação especificamente no que toca ao seguro-garantia, mantendo-a para a caução e a fiança10. Ou seja, o Decreto-Lei nº 2.348/1987 retirava a limitação de cobertura do seguro-garantia, permitindo que fosse exigido em até 100% do valor do contrato. Desde aí se percebe que o legislador tomava consciência da natureza específica da performance bond frente a outros tipos de garantia, dando-lhe um tratamento extraordinário. No entanto, a Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993, revogando o Decreto-Lei 2.300/1986, inicialmente estabeleceu como garantias possíveis a serem exigidas pela Administração Pública somente a caução e a fiança-bancária11. O seguro-garantia fora vetado pela Presidência da República, junto com a exigência de que fosse obrigatoriamente adotado em obras de grande vulto, como

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Art. 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de: [...] e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e construtor de imóveis; 8 Art. 135. Será facultativa, a critério da autoridade competente, a exigência de prestação de garantia por parte dos licitantes segundo as seguintes modalidades: I - Caução em dinheiro, em títulos da dívida pública ou fideijussória. II - Fiança bancária. III - Seguro-garantia. 9 Art. 46. A critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades: 1. caução em dinheiro, em títulos da dívida pública da União ou fidejussória; 2. fiança bancária; 3. segurogarantia. § 2º Quando exigida, a garantia não excederá de 5% do valor do contrato. 10 Art. 46 [...] § 2º As garantias a que se referem os números 1 e 2 do parágrafo anterior, quando exigidas, não excederão de 5% do valor do contrato. 11 Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1º São modalidades de garantia: I - caução em dinheiro, em títulos de dívida pública ou fidejussória; II - (VETADO). III - fiança bancária.

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originariamente estava previsto no texto aprovado pelo Congresso Nacional12. As Razões do veto revelam que o Ministério da Justiça e o Ministério dos Transportes se manifestaram desfavoravelmente à exigência do seguro-garantia, por “comprometer a democratização e a lisura das licitações”. Dentre os motivos expostos, estão: (i) a ausência de critério objetivo de fixação do valor de cobertura, dando exagerada liberdade ao administrador; (ii) conhecimento prévio de quais empresas poderiam conseguir determinado valor de seguro-garantia, baseado em cadastro do Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, que estabelecia um limite máximo de concessão de seguro-garantia por empresa; e (iii) favorecimento de grandes empreiteiras, pois o limite de cobertura do seguro-garantia seria baseado no valor do patrimônio líquido da empresa13. A Lei nº 8.883, de 08 de junho de 1994, porém, reincluiria o seguro-garantia como modalidade a ser escolhida. Ainda assim, ele deveria obedecer ao limite de 5% do valor do contrato ou, em caso de obras de grande complexidade, de10%. Além disso, agora a escolha da modalidade da garantia a ser prestada caberia ao contratado e não à Administração, que seria livre somente para escolher se exigiria ou não uma garantia14. Observa-se nesta disposição a tentativa de contornar as razões de veto expostas anteriormente, na medida em que estabeleceu critério de limitação da exigência do seguro-garantia e deixou a cargo do contratado a escolha da garantia a ser ofertada. É esta a legislação federal atualmente vigente, que rege as licitações e contratos públicos e que se aplica a qualquer entidade pública, seja ela federal, estadual ou municipal, que queira licitar e contratar obras.

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O §3º, vetado, assim versava: “§ 3º O seguro-garantia será exigido na contratação de obras e serviços de grande vulto, podendo ainda ser exigido na contratação de obra e serviço de médio e pequeno vulto, desde que a sua necessidade seja justificada em prévio parecer técnico constante do processo e, principalmente, não contemple o custo ou valor de cobertura que impeça ou restrinja a participação de qualquer interessado e que atenda aos demais requisitos do instrumento convocatório.” 13 As razões de veto não se justificam por vários motivos, mas talvez o ponto principal seja que a licitação de obras no Brasil ocorre, via de regra, pela modalidade concorrencial, que pressupõe uma fase de habilitação preliminar na qual os licitantes devem qualificar-se previamente para executar a obra (art. 22 da Lei nº 8.666/93). Dentre as exigências, incluem-se aquelas de ordem financeira, inclusive capital mínimo ou patrimônio líquido da empresa (art. 27 e seguintes da Lei nº 8.666/93). Assim, não se poderia argumentar que o seguro-garantia constitua ele mesmo óbice à concorrência, na medida em que a fase de habilitação procura atingir justamente esse fim. Ao contrário, a exigência do seguro-garantia poderia alterar e simplificar a modalidade licitatória escolhida, melhorando-a no sentido de minimizar o moral hazard e a seleção adversa, além de ampliar a concorrência, instaurando uma licitação aberta (open competitive bidding, em oposição à pre-qualified bidding). A esse respeito, v. Patrick Bajari, Robert McMillan e Steven Tadelis (2008, p. 378). 14 Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; II - seguro-garantia; III - fiança bancária. § 2o A garantia a que se refere o caput deste artigo não excederá a cinco por cento do valor do contrato e terá seu valor atualizado nas mesmas condições daquele, ressalvado o previsto no parágrafo 3o deste artigo. § 3o Para obras, serviços e fornecimentos de grande vulto envolvendo alta complexidade técnica e riscos financeiros consideráveis, demonstrados através de parecer tecnicamente aprovado pela autoridade competente, o limite de garantia previsto no parágrafo anterior poderá ser elevado para até dez por cento do valor do contrato.

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Atualmente, além da legislação federal, a Circular nº 477, de 30 de setembro de 2013, da Superintendência de Seguros-Privados (SUSEP) rege a matéria. Ela divide o seguro-garantia em privado e público, sendo o público assim descrito:

Art. 4º Define-se Seguro Garantia: Segurado – Setor Público o seguro que objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado em razão de participação em licitação, em contrato principal pertinente a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, concessões ou permissões no âmbito dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ou ainda as obrigações assumidas em função de: I – processos administrativos; II – processos judiciais, inclusive execuções fiscais; III – parcelamentos administrativos de créditos fiscais, inscritos ou não em dívida ativa; IV – regulamentos administrativos. Parágrafo único. Encontram-se também garantidos por este seguro os valores devidos ao segurado, tais como multas e indenizações, oriundos do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador, previstos em legislação específica, para cada caso.

Destaque para o parágrafo único do art. 4º, que inclui no seguro-garantia de obras públicas a cobertura das obrigações do tomador referente a multas e indenizações em razão do inadimplemento de suas obrigações. Outros dispositivos contidos nessa norma e que devem ser ressaltados são: (i) alterações no contrato principal (aquele celebrado entre segurado e tomador) devem ser endossadas pela seguradora, de modo que o valor da garantia acompanhe tais modificações15; (ii) o prazo de vigência da apólice é aquele do contrato principal16; (iii) alterações de prazo do contrato principal devem ser também endossadas pela seguradora17; (iv) o tomador é responsável pelo pagamento do prêmio à seguradora18; (v) a seguradora deve indenizar o segurado mediante acordo entre as partes, por meio de

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Art. 7º O valor da garantia é o valor máximo nominal garantido pela apólice. §1º Quando efetuadas alterações previamente estabelecidas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, o valor da garantia deverá acompanhar tais modificações, devendo a seguradora emitir o respectivo endosso. §2º Para alterações posteriores efetuadas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, em virtude das quais se faça necessária a modificação do valor contratual, o valor da garantia poderá acompanhar tais modificações, desde que solicitado e haja o respectivo aceite pela seguradora, por meio da emissão de endosso. 16 Art. 8º O prazo de vigência da apólice será: I – igual ao prazo estabelecido no contrato principal, para as modalidades nas quais haja vinculação da apólice a um contrato principal; 17 Art. 8º [...] §1º Quando efetuadas alterações de prazo previamente estabelecidas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, a vigência da apólice deverá acompanhar tais modificações, devendo a seguradora emitir o respectivo endosso. §2º Para alterações posteriores efetuadas no contrato principal ou no documento que serviu de base para a aceitação do risco pela seguradora, em virtude das quais se faça necessária a modificação da vigência da apólice, esta poderá acompanhar tais modificações, desde que solicitado e haja o respectivo aceite pela seguradora, por meio da emissão de endosso. 18 Art. 11 O tomador é responsável pelo pagamento do prêmio à seguradora por todo o prazo de vigência da apólice.

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pagamento em dinheiro ou assumindo a obra à sua responsabilidade19; (vi) a seguradora responde de forma proporcional ao risco que assume20. Indo além da análise legislativa, Eliane Poveda (2012, p. 89-91) ressalta que no período do chamado “milagre econômico”, ou seja, no final da década de 1960 e início de 1970, o Brasil tinha um cenário favorável ao estabelecimento do seguro-garantia, pois era um desafio a realização de obras de grande complexidade. Nesse contexto, os órgãos de controle e representação do mercado segurador, como o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e Federação Nacional de Seguradoras e Capitalização (FENASEG), tentaram implantar um sistema similar ao do Surety Bond, adotado nos EUA. No entanto, não se verifica que o seguro-garantia tenha se firmado no país àquela época, ainda que sua previsão para obras públicas tenha iniciado com o Decreto-Lei 200/1967. Com efeito, a utilização de tal instrumento seguiu incipiente no país, tanto que somente em 1993 surgiu a primeira seguradora especializada nesse tipo de seguro (POSSIEDE, 2001 apud POVEDA, 2012, p. 90). Já em 1994, o ingresso do Brasil no Acordo de Basileia por meio da Resolução nº 2099/1994 do Conselho Monetário Nacional implicou a restrição de emissões de cartas de fianças bancárias, por tomar limite operacional do banco21, o que motivou a ampliação do setor de segurogarantia no país (CARVALHO, 2004 apud POVEDA, 2012, p. 91). Mesmo assim, o mercado continuou incipiente, como demonstram os dados do setor. De acordo com Francisco Galiza (2015, p. 22), o mercado de seguro-garantia para obras públicas no Brasil faturou R$ 960 milhões em 2014, e R$ 780 milhões em 2013, uma fração pequena se comparado ao faturamento do setor nos EUA, como será visto adiante. Além da concorrência com outros tipos de garantias, que ficam a cargo de escolha do contratado, é importante notar que a limitação do valor segurado (5% ou 10% do contrato) é muito baixa, o que leva à conclusão de que “aparentemente, não existe a figura do seguro de performance nas licitações públicas brasileiras” (FIUZA, 2009, p. 264). Em outras palavras, o engessamento da porcentagem da performance bond em valores muito baixos torna-a quase insignificante quanto aos efeitos esperados de uma garantia desse tipo22 23. 19

Art. 13 A seguradora indenizará o segurado, mediante acordo entre as partes, segundo uma das formas abaixo: I – realizando, por meio de terceiros, o objeto do contrato principal, de forma a lhe dar continuidade, sob a sua integral responsabilidade; e/ou II – indenizando, mediante pagamento em dinheiro, os prejuízos e/ou multas causados pela inadimplência do tomador, cobertos pela apólice. 20 Art. 14 No caso de existirem duas ou mais formas de garantia distintas, cobrindo cada uma delas o objeto do seguro, em benefício do mesmo segurado ou beneficiário, a seguradora responderá, de forma proporcional ao risco assumido, com os demais participantes, relativamente ao prejuízo comum. 21 Eliane Poveda (2012, p. 90) aduz que “segundo esse Acordo, a emissão de uma carta de fiança se constitui numa operação ativa de crédito e, como tal, toma limite operacional do Banco. O prazo de vigência independe do prazo do contrato e sua liquidez é concentrada, pois o risco é exclusivo do Banco emitente. Como consequência seu custo é mais elevado que outros instrumentos de caução”. 22 O que contrasta com a situação americana, na qual, ao menos para o caso de obras do Governo Federal, o seguro-garantia frequentemente é superior a 100% do valor da obra. Isto por sua vez, pode significar uma exigência excessiva de garantia, ultrapassando o que seria um ponto ótimo para a performance bond. A esse respeito, v. Aleix Galveras, Juan-Jose Ganuza e Esther Hauk (2004, p. 62).

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Ademais, a legislação brasileira faculta ao contratado que escolha a modalidade de garantia que irá apresentar. Como ressaltam Engel et al. (2006 apud FIUZA, 2009, p. 269) essa sistemática não gera incentivos para que os contratados escolham a alternativa mais eficiente para o contratante, pois eles não internalizam as externalidades infligidas a este último. Como veremos à frente, o seguro-garantia é mais eficaz no sentido de sinalizar a solvência do contratado ao invés de cauções em dinheiro ou fianças bancárias. Uma empresa menos solvente tenderá a pagar um custo maior do seguro-garantia, o que nos faz concluir que empresas menos solventes ou com histórico de inadimplência tendem a apresentar outros tipos de garantias. Ao inverso, fosse exigido o segurogarantia, isso significaria que as empresas com maior risco de inadimplência tenderiam a apresentar um preço maior e sofreriam dificuldades na concorrência, na exata medida em que lhe seria exigido um prêmio mais caro24.

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Esta limitação baseia-se na lógica de que o seguro-garantia é calculado com base nos custos estimados do projeto, o que não seria o correto, segundo Aleix Calveras, Juan-Jose Ganuza e Esther Hauk (2004). Segundo os autores, o seguro-garantia deve ser proporcional ao risco do projeto. A depender da complexidade obra, um projeto pode ser mais barato, mas muito arriscado, enquanto outro pode ser mais caro, mas sem riscos. 24 Uma peculiaridade no Brasil é que, conforme assinalado por Marçal Justen Filho (2005 apud Altounian, 2011, p. 210), o custo do seguro-garantia pode ser incorporado ao preço cobrado da Administração, porquanto se incorpora ao custo econômico do tomador e é passível de reembolso por meio da inclusão na sigla de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) no orçamento da obra. Assim, apresentar-se-ia também como vantajoso para o tomador. Ocorre que o autor não considera em seu argumento a perda de competitividade na licitação pela inclusão do prêmio do seguro como despesa econômica, além do prêmio maior a ser pago por empresas menos confiáveis.

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4.

A PERFORMANCE BOND NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

O seguro-garantia surgiu nos EUA quando, em 1893, aprovou-se naquele país o Heard Act, que estabelecia a obrigatoriedade das cauções de garantia em todos os contratos governamentais federais. O objetivo era transferir para a iniciativa privada o risco de inadimplência, bem como os serviços de análise técnica e financeira das empresas, de modo a gerar mais segurança na aplicação de recursos públicos (GALIZA, 2015, p. 15). Àquela época, qualquer pessoa poderia se qualificar como um construtor, pois os custos para iniciar um negócio desse tipo eram muito baixos e não havia exigência de qualificação. Dessa forma, o mercado construtivo era grande e havia diversas empresas insolventes. A taxa de inadimplência era muito elevada, sendo que a maioria das firmas já estava próxima à falência antes mesmo de iniciar a obra pública (CALVERAS; GANUZA; HAUK, 2004, p. 49). O Heard Act exigia que o pagamento das obrigações contraídas por empreiteiras contratadas pelo governo federal fossem asseguradas por seguro-garantia contratados de “good and sufficient sureties” (MYERS, 2009, p. 14). Anterior ao advento dessa legislação, mão-de-obra, fornecedores e subcontratados das empreiteiras que conduziam obras federais quedavam desprotegidos, na medida em que não conseguiam executar seus débitos pela falta de previsão legal de que a construção pública pudesse lhes servir de garantia, ou de que o governo pudesse reter pagamentos da contratada para adimplir ele mesmo tais débitos25. O Heard Act garantia ao governo dos EUA o direito de ação contra a empreiteira e sua seguradora em função de débitos trabalhistas e de fornecedores. A primeira seguradora especializada em seguro-garantia surgiria logo em 1895, no Estado da Filadélfia (GALIZA, 2015, p. 15) O Heard Act recebeu alterações sucessivas26 até a entrada em vigor do Miller Act, em 24 de agosto de 1935, que incorporou ainda mais proteção ao Governo dos EUA ao exigir uma dupla garantia, constituída na performance bond e na payment bond (CUSHMAN, 1956, p. 243). Dessa forma, o Miller Act representou o acúmulo de exigência de seguro-garantia para se contratar obras federais, em uma tentativa de contornar as perdas decorrentes da grave crise econômica de 1929, que estagnara o setor de construção. Nesse sentido, a performance bond foi um dos instrumentos utilizados no New Deal, plano que visava a retomada do crescimento econômico dos EUA (CNSEG, 2012, p. 2). Em 1966, a norma foi emendada pelo Congresso para exigir que o seguro-garantia trouxesse a cobertura pelo pagamento de impostos (MYERS, 2009, p. 15). Atualmente, conforme expõe Lorena 25

A situação é descrita por Edward H. Cushman (1956, p. 241): “Customarily, in a construction contract between private parties, laborers and materialmen have a lien on the building to secure payment of their claims; hence, if a contractor fails to pay laborers and materialmen, the owner of a private building has the right to use any money owing to the contractor to discharge his obligation to the laborers and materialmen. However, a building erected for the United States is not subject to a mechanic’s lien. The Government is under no legal liability to pay laborers and materialmen but it is under and equitable obligation to do so.” 26 Sobre os problemas decorrentes do Heard Act e a reforma conduzida em 1905, v. Edward H. Cushman (1956).

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Myers (2009, p. 17), a tendência dos congressistas americanos é de revisão das situações e projetos nos quais as performance bonds devem ser exigidas. Um panorama geral da legislação americana foi feito por Lynn Schubert (2003, p. 51):

O Miller Act de 1935 (originalmente promulgado em 1893 como Heard Act) estabelece a necessidade de performance e payment bonds para todos os contratos federais de obras que superem os US$ 100.000,00, e proteção de pagamento, com payment bonds como instrumento preferencial para contratos acima de US$ 25.000,00. Além disso, quase todos os 50 Estados, o Distrito de Columbia, Porto Rico e a maioria das jurisdições locais promulgaram legislação similar, exigindo seguro-garantia em obras públicas a partir de determinado valor. Estas leis são geralmente conhecidas como Little Miller Acts. Muitas construtoras requerem que seus subcontratados obtenham seguro-garantia similar para protegê-los contra uma insolvência da construtora. Embora a maioria dos Estados não exija seguro-garantia em obras privadas, muitos proprietários o requerem para proteção de seus projetos e bens. (tradução nossa).27

Observamos, então, que as obras do Governo Federal Americano são regidas pelo Miller Act, mas a lógica de contratação de performance bonds é também seguida nos Estados Americanos, cada qual com sua legislação específica. De acordo com dados fornecidos pela National Association of Credit Management, dos EUA (GALIZA, 2015, p. 31-34), a legislação específica para cada Estado da Federação Americana varia, mas, de uma forma geral, alguns Estados exigem a cobertura integral (100%), enquanto na maioria deles exige-se uma cobertura mínima de 50% das obras públicas por meio das surety bonds; além disso, em regra, exige-se também a cobertura da mão de obra e do material usado na obra. Segundo Francisco Galiza (2015, p. 16), o mercado de seguro-garantia (surety bonds) nos EUA faturam aproximadamente US$ 3,5 bilhões por ano, o que contrasta com o tamanho desse mercado no Brasil, que até 2014 não atingia R$ 1 bilhão.

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No original: “The Miller Act of 1935 (originally enacted in 1893 as the Heard Act) mandates performance and payment bonds for all federal public works contracts in excess of $100,000 and payment protection, with payment bonds the preferred method for contracts in excess of $25,000. Also, almost all 50 states, the District of Columbia, Puerto Rico and most local jurisdictions have enacted similar legislation requiring surety bonds on public works over certain dollar amounts. These generally are referred to as “Little Miller Acts.” Many general contractors then require their subcontractors to obtain similar bonds to protect them from contractor default. While most states do not require bonds on private construction projects, many owners do require them to protect their project and assets.”

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5.

UMA ANÁLISE ECONÔMICA DA PERFORMANCE BOND NOS CONTRATOS DE

OBRAS PÚBLICAS

O objetivo deste tópico é apresentar uma análise, sob a perspectiva econômica, dos efeitos do seguro-garantia nos contratos de obras públicas, isto é, como a utilização da performance bond afeta a lógica econômica desse tipo de contrato administrativo. Nossa análise será feita utilizando os pressupostos da área de Direito & Economia (ou Análise Econômica do Direito), que significa, segundo Ivo Teixeira Gico Jr. (2010, p. 18):

[...] a aplicação do instrumental analítico e empírico da econômica, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica para tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito.

Estabelecemos como foco a Análise Econômica do Direito em sua dimensão positiva, ou seja, centrando-se na repercussão do Direito e das normas sobre a concretude dos fatos28. Para tanto, utilizaremos como marco a Teoria Econômica Neoinstitucional29, que encontra suporte na Teoria dos Custos de Transação30 e na Teoria dos Contratos Incompletos. Esta vertente da Análise Econômica do Direito surge essencialmente com os estudos desenvolvidos por Ronald Harry Coase. Duas premissas básicas decorrentes dos estudos de Coase são a existência dos custos de transação e sua possível modificação ou alteração a partir de diferentes formas de organização contratual acordadas entre as partes. Os custos de transação definem a atuação dos agentes e as instituições auxiliam em sua superação (URYN, 2016, p. 19). O seguro-garantia insere-se na lógica da Teoria dos Contratos Incompletos, que assume que os agentes possuem racionalidade limitada e um comportamento oportunista, sendo esta a causa dos custos de transação que, por sua vez, podem ser minimizados por meio da cooperação das partes no momento da execução do contrato. Na medida em que não se é possível antecipar todas as possibilidades e contingências futuras, os contratos são incompletos31 (CATEB e GALLO, 2009, p. 3). 28

A dimensão normativa trata da comunicação entre noções de justiça e os conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e do bem-estar (SALAMA, 2008, p. 9). Este trabalho não trata a questão sob este viés. 29 Descreve Bruno Meyerhof Salam (2008, p. 15), que da Teoria Neoinstitucional surgem ao menos três ideias importantes, quais sejam: (a) a Economia depende dos contextos culturais, políticos, sociais, jurídicos, etc.; (b) compreensão do Direito a partir de uma análise evolucionista com foco na complexidade dos processos de mudança e ajuste, abrindo-se para o proveito da Teoria dos Jogos e da Escolha Racional; (c) estudo das praticamente efetivamente observadas, daí sua ênfase à racionalidade limitada, a incerteza e os custos de transação. 30 Custos originados dos problemas de relacionamento e coordenação entre agentes (REPOLÊS, 2015, p. 12). 31 Uma definição muito simples, mas esclarecedora, é apresentada por Steven Shavell (2003). Diz o autor que contratos são uma especificação de atos atribuídos a cada uma das partes, e os atos são uma função de determinadas condições. Assim, um contrato completo seria aquele em que a lista de condições na qual os atos são baseados é explicitamente exaustiva, enquanto um contrato incompleto é aquele em que não há previsão exaustiva, ainda que contenha instruções completas das quais se possam deduzir os atos. O contrato completo é

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O seguro-garantia pode ser visto como uma tentativa de realocação de riscos e alteração no sistema de incentivos gerados pelo contrato, de modo a minimizar os custos de transação envolvidos naquela dinâmica relacional específica, gerando, portanto, maior eficiência. Portanto, as perguntas a serem respondidas em nossa análise são: em quais condições é favorável ao Estado exigir uma performance bond como garantia do contrato de obras, ou seja, quando isso significará uma contratação mais eficiente, minimizadora dos custos de transação e dos riscos envolvidos na operação; e, em seguida, quais as consequências da inclusão da performance bond na lógica econômico-contratual em obras públicas. Para isso, tomaremos os princípios básicos de lógica econômica que estão subentendidos em relações que envolvem contratos de garantia e o modelo de custos de crédito de garantias, desenvolvido por Avery Wiener Katz (1999), adaptados ao caso específico de performance bonds nos contratos de obras públicas. Serão analisadas as alterações que a performance bond pode acarretar nos custos de transação, sistema de incentivos, custos de monitoramento, problemas de agência e externalidades. O foco é o possível ganho de eficiência na relação contratual, pois esta interessa ao planejamento dos atores envolvidos nas transações, especialmente quando está se falando de contratos públicos. A eficiência da Administração Pública é o maior desafio da atualidade no Brasil, e “aumentar a eficiência da máquina estatal significa fazer que os recursos dos impostos e contribuições arrecadados da sociedade sejam revertidos para (...) prover bens e serviços públicos à população ao menor custo possível” (FIUZA, 2009, p. 239). Desde já nos adiantamos ao afirmar que a resposta à primeira pergunta desenvolvida acima é que o Estado deverá exigir ou preferir a performance bond desde que a seguradora possua custos de monitoramento significativamente mais baratos que aqueles do Estado (KATZ, 1999, p. 51). A resposta à segunda é que a performance bond altera o sistema de incentivos promovido pelo contrato, viabiliza a alternativa de performance específica do contrato como alternativa à indenização e promove externalidades positivas para mão-de-obra e fornecedores envolvidos na construção. Veremos detalhadamente cada uma dessas afirmativas.

5.1 Custos de transação e divisão do risco a partir da exigência da performance bond. Ou: quando a contratação da performance bond é eficiente?

Conforme expõe Avery Wiener Katz (1999, p. 59), o seguro-garantia, e especificamente a performance bond, é uma tentativa de solução ao problema do moral hazard e da

uma suposição, na medida em que a realidade contém infinitas possibilidades inabarcáveis pela capacidade de previsão humana.

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seleção adversa32. Nesse sentido, ajudam a proteger o credor contra riscos envolvendo a insolvência ou a inadimplência do contratado, transferindo-os à seguradora. A transferência dos riscos implica que a seguradora empreenda esforços em reduzi-los ou geri-los de forma mais eficiente. Mais que a transferência de riscos, porém, a performance bond é também uma alienação de parte dos direitos de controle (monitoramento) que o Estado tem sobre a performance do contratado. Estes direitos de controle são parte dos custos de transação envolvidos no contrato de obras públicas33, daí que sua alienação deva ocorrer quando gere maior eficiência. A partir da análise do modelo de custos em um contrato de obras públicas sem a performance bond, podemos entender melhor as diferenças que este instrumento traz ao contrato. Assim, podemos dividir a questão em duas configurações de custo alternativas, isto é, uma (a) que implica na contratação da obra sem a garantia da performance bond, e outra (b) que implica na contratação da obra com a garantia da performance bond.

5.1.1 A equação de custo sem a performance bond

Começamos por analisar os custos do Estado (E). O primeiro custo consiste naquele que ele deve incorrer para obter fundos líquidos para pagar a execução da obra. Podemos chama-lo de custo marginal de liquidez (KATZ, 1979, p. 65)34, pois trata da taxa de juros paga sobre o valor 32

Moral hazard (risco moral) e seleção adversa são consequências da informação assimétrica e da má-alocação (ou alocação ineficiente) do risco. Resumidamente podemos falar que o primeiro ocorre quando uma parte pode tomar uma decisão que implica riscos que recaiam sobre outra parte (daí que haja o risco moral que a parte tome uma decisão oportunista que a beneficie, mas que seja ineficiente); o segundo, quando a parte não consegue selecionar de forma ótima ou adequada um bem ou serviço, o que gera ineficiência na definição de preços do mercado. 33 Sanford J. Grossman e Oliver D. Hart (1986, p. 717-718), partindo da diferenciação entre direitos contratuais e residuais (decorrentes da incompletude do contrato, ou seja, que surgem de forma diferida ao longo de sua execução) defendem que, devido à incompletude do contrato, a distribuição dos direitos de propriedade tem consequências à eficiência contratual. É interessante citarmos um dos exemplos fornecidos pelos autores: “[...] residual rights may matter if the ex post distribution of the surplus is important for other reasons, for example, because of the risk aversion of the parties. An example is where manager 1 has an investment project but does not wish to finance it entirely himself since he would then bear all the risk. One possibility is to raise the funds externally from the market, which is risk neutral, say. The outside investors, who we suppose are led by manager 2, should then receive as their return a sizable fraction of the project’s benefits. If manager 1 retains control of the project, however, he may be able to divert these benefits ex post from their investors to himself through his choice of noncontractibles, and knowing this, the investors may withhold some of their funds. In order to encourage outside investment, therefore, manager 1 may have to hand over some control to manager 2, for example, by giving him ownership rights over some of the assets”. Assim, como destacado por Andre Uryn (2016, p. 28), as partes podem repartir os riscos decorrentes do contrato incompleto, retirando-os daquele que normalmente os assumiria e alocando-os àquele que com mais eficiência possa preveni-lo, ou arcar com suas consequências. Nesse sentido, os direitos residuais são um ativo objeto do direito de propriedade, passíveis de alienação. Trazendo esta visão ao nosso trabalho, é possível caracterizar o risco transferido à seguradora, o direito de monitoramento e fiscalização, e o valor do prêmio, ou seja, tudo que envolve a performance bond como alienação de direitos residuais de um contrato incompleto. 34 Avery Wiener Katz (1979, p. 96) aponta que o custo de liquidez do governo equivale ao de entes privados: “As a theoretical matter, if the government always acted with perfect information and rationality, its expected cost of borrowing would have to be lower than that of the private sector. The reason is that the government`s option to

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empenhado na realização da obra, seja por meio de financiamento de terceiros (por meio de um empréstimo internacional, por exemplo), seja pela utilização de recursos próprios (nesse caso, há uma taxa de juros implícita). Nesse sentido, devemos considerar em seu cálculo o custo de oportunidade surgido do trade-off representado pela escolha do investimento. Com efeito, o investimento em uma obra implica necessariamente uma escolha (sacrifício), limitando os recursos para outras oportunidades e consumindo o caixa do Estado. Identificamos essa variável como CME. O segundo custo que recai sobre o contratante é o custo de transação em lidar com a contratada (KATZ, 1999, p. 66), identificado como CTE. Como se está a analisar o caso de contratos público, os custos de transação incorridos pelo Estado são aqueles associados tanto ao procedimento licitatório quanto ao curso mesmo da execução contratual. Eduardo P. S. Fiuza (2009, p. 241) identifica que os custos de transação relacionados à licitação incluem:

[...] os custos econômicos (incluindo custos de oportunidade) diretos e indiretos de recursos materiais (papel, computadores, meios de comunicação, serviços gráficos) e de alocação de pessoas-horas envolvidas nos trâmites burocráticos (recepção, fiscalização etc.), incorridos pela própria Administração, que devem ser somados ao preço de aquisição, taxas, seguros e fretes da aquisição direta dos bens e serviços transacionados.

No Brasil, o custo com a burocracia envolvida no procedimento licitatório é relevante, podendo chegar a valores que representam ¾ do valor da compra35. Os custos que incidem no curso da execução contratual são os de monitoramento da obra, medições, fiscalizações e auditorias, inclusive de órgãos de controle interno e externo, tal como os Tribunais de Contas, e despesas legais decorrentes de eventuais litígios. Como tratamos do Estado de uma forma ampla, podemos considerar que o custo de manutenção do aparato burocrático recai sobre ele, ou seja, a proporção da estrutura do Judiciário comprometida à regulação e enforcement em contratos de obras públicas deve ser considerada. O terceiro custo é aquele que decorre do risco de insolvência ou inadimplência, o que depende do cálculo destes fatores, ou seja, qual a probabilidade e o custo de um atraso na obra, o quanto pode ser recuperado do prejuízo a partir de execução de outras formas de garantia e de cláusulas penais, risco com ações judiciais e medidas sancionatórias. Isto tudo depende da capacidade do Estado de avaliar as condições da contratada e de outros fatores muito complexos, como riscos

raise funds via taxes or the printing press – like all options – has a positive expected value. If the option turns out to be less expensive than other sources of liquidity, it can be exercised, while if it turns out to be more expensive, it can be freely ignored. But of course, the government does not always act perfectly when making fiscal or monetary policy. Because of imperfect information, agency problem, the absence of any property rights in the surpluses that could be created by efficient policies, and other costs of administration, the option of taxbased or money-based finance does not necessarily translate into reduced borrowing costs. […] As a first approximation, therefore, it is reasonable to treat the government`s cost of liquidity, all thing considered, as roughly the same as that of private lenders […]”. 35 A esse respeito, v. Eduardo P. S. Fiuza (2009, p. 241-242).

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associados ao projeto construtivo ou à ocorrência de situações imprevisíveis e incontroláveis 36. Identificamos esse fator como RE. Assim, para o Estado, a equação de custo de um contrato de obras públicas sem garantia pode ser calculado como resultado de:

CME + CTE + RE No que é relevante para a nossa análise, sob a perspectiva da contratada, ou tomadora na transação (T), sua estrutura de custos pode ser inversamente resumida nos custos de transação em lidar com o Estado (CTT), tais como aqueles que decorrem da participação na licitação, administração e pleitos contratuais, cumprimento de determinações de fiscalizações, etc.; e com os riscos daí decorrentes (RT), como aqueles originados em projetos imperfeitamente licitados37, na negativa de alterações quantitativas ou qualitativas no contrato, no atraso de medições e pagamentos, ou mesmo a suspensão total da obra. O custo marginal de liquidez da tomadora não impacta a presente análise e por isso não o consideraremos.

5.1.2 A equação de custo com a performance bond

A adição da performance bond implica em um outro sujeito na relação. Segundo KATZ (1999, p. 68), nesse cenário inevitavelmente diminuem-se os custos do Estado, pois há uma redução nos custos de monitoramento, ou seja, nos custos de transação. Há, ainda, um incentivo à melhor performance da contratada, porquanto ela tomará mais preocupações contra uma situação de insolvência ou inadimplência, o que por sua vez impactará no risco suportado pelo Estado. Ademais, há diminuição do risco (RE) do Estado calcada na transferência parcial desse risco à seguradora.

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Andre Uryn (2016, p. 51) detalha que os riscos em projetos de infraestrutura são diversos, sendo que o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão nº 2.622/13 – Plenário, dividiu-os em cinco categorias, assim resumidamente descritas: (i) riscos de construção, que são aqueles intrinsicamente associados à atividade do contratado (acidentes, problemas de gestão, produtividade, desperdício de materiais), sendo remunerados ex ante; (ii) riscos normais de projetos, que permanecem com a obra concluída e referem-se às suas características, como, por exemplo, a qualidade dos materiais empregados, aos quais aplica-se os arts. 69 e 73 da Lei nº 8.666/93; (iii) erros de projeto, decorrentes de falhas ou imprecisões nos orçamentos, especificações técnicas, cronogramas, imprevisão de interferências construtivas como cabos e dutos subterrâneos, dentre outros; (iv) riscos decorrentes de fatos da Administração, como não desapropriação, atraso em licenças ambientais, etc.; (v) casos fortuitos ou de força maior. 37 A complexidade dos serviços de engenharia e construção civil é notória, havendo grande dificuldade na elaboração de projetos que deem efetiva segurança ao contratado. Em um levantamento realizado por Eduardo Fiuza (2009, p. 243), contratos de obras civis, manutenção e reforma dos entes públicos celebrados entre 2002 e 2007 revelaram que 33,6% dos contratos sofreram aditamentos; além disso, dos contratos que não sofreram aditamentos, 61,2% não foram finalizados.

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Portanto, com a performance bond, a equação de custo do Estado altera-se. O custo marginal de liquidez permanece aproximadamente o mesmo38, mas seus custos de transação e risco são menores. Tomando o indicador E|S como referência do custo do Estado quando presente a performance bond, a equação abaixo é verdadeira na medida em que o custo de monitoramento e o risco de inadimplência, quando combinados, são menores com a performance bond do que quando ela é ausente, exatamente por serem transferidos parcialmente à seguradora39.

CTE|S + RE|S < CTE + RE Dessa forma, o Estado deveria sempre preferir a performance bond, não houvesse custos associados a ela. Ocorre que tais custos existem, afinal, parte dos custos de monitoramento e risco é meramente transferido para a Seguradora (S). Conseguintemente, é preciso considerar os custos incorridos pela seguradora, que seguirá a seguinte lógica (KATZ, 1999, p. 69-70): (i) custos gerais de monitoramento da empreiteira (CTS); (ii) risco de inadimplência da empreiteira (RS); (iii) envolvimento do governo na transação, o que pode afetar os custos de duas maneiras: (iii.1) diminuindo os fatores de inadimplência da empreiteira, e, por consequência, diminuindo os custos de monitoramento (CTS) e risco de inadimplência para a seguradora (RS); ou (iii.2) comportamento oportunista do governo40, aumentando os custos de transação da seguradora que, deverá incorrer em custos para monitoramento duplo, do Estado e do contratado; (iv) em caso de inadimplência, a seguradora deve cumprir com o segurogarantia, seja pela performance específica (cumprimento do contrato por meio da execução da obra), seja pelo pagamento da indenização correspondente. Isso, porém, deve-se incluir no cálculo do risco envolvido na operação (RS)41. Assim, o custo total da seguradora será como abaixo, envolvendo todas as variáveis acima descritas.

CTS + RS 38

Ainda que haja acréscimo no custo inicial de contratação, em razão do repasse do valor do seguro-garantia ao lance apresentado pelos licitantes, o custo marginal de liquidez do Estado permanece proximamente o mesmo. A uma, pois o aumento percentual no preço é baixo; a duas, pois podemos considerar que o Estado mantém um custo de liquidez pouco variável pelas suas possibilidades de financiamento variadas (remanejamento orçamentário, aumento de impostos, impressão de moeda, etc.). 39 Notamos que um dos fatores a diminuir o risco do governo em E|S decorre não de um melhor monitoramento, mas também pela ampliação das possibilidades de execução em caso de inadimplência, na medida em que o Estado pode cobrar não somente da empreiteira, mas também da seguradora. É evidente que a seguradora possui ela mesma um risco de inadimplência, mas este é mais baixo e, de toda forma, a possibilidade adicional de que seu patrimônio possa ser alcançado pelo Estado representa objetivamente uma diminuição no risco. 40 Como comportamento oportunista do Estado pode-se incluir a sonegação de informações, má-execução de fiscalizações, exigências burocráticas exageradas, e até mesmo atos de corrupção de seus agentes, dentre outros. 41 Não falamos aqui de um cálculo estatístico da seguradora com base na ocorrência de sinistros proporcional a determinado número de seguros-garantia. O risco é aquele do projeto construtivo específico que está sendo segurado, das condições contratadas e das possibilidades técnicas de performance do tomador.

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A perspectiva da contratada, ou tomadora (T) na transação pode ser resumida no custo adicional que terá de incorrer para encaixar, em sua proposta, a cobertura do seguro-garantia, que inclui não somente o pagamento do prêmio42, mas a adequação de sua estrutura de compliance e governança para os padrões exigidos pela seguradora. Os custos de transação envolvidos no relacionamento desenvolvido com a seguradora e com o Estado na relação tripartite (CTT|ES) devem ser considerados, porquanto agora a tomadora deve lidar não somente com a contratante, mas também com a seguradora. Ou seja:

CTT|ES > CTT A partir das equações de custos desenroladas acima, podemos concluir que a contratação de uma obra com seguro-garantia será vantajosa se os ganhos de eficiência gerados pela transferência parcial dos custos de monitoramento e riscos do Estado para a seguradora superar os custos de transação que surgem em manter uma relação trilateral, ao invés de uma relação bilateral. Portanto, a performance bond será vantajosa quando a seguradora possuir uma vantagem comparativa suficientemente superior ao governo, no que toca à capacidade de monitoramento e execução ou indenização em caso de inadimplência da contratada, que justifique a relação trilateral. A seguradora deve ser mais eficiente no monitoramento da empreiteira, minimizando consideravelmente os custos de monitoramento e os riscos envolvidos na operação. Ou, de forma simples: CTS + RS < [(CTE + RE) – (CTE|S + RE|S)] + (CTT|ES - CTT) Constatada a condição lógica para que o contrato de obras públicas seja mais eficiente com a garantia da performance bond, passamos a analisar aspectos específicos da utilização desse instrumento.

5.2 A tendência de melhor monitoramento feito pela seguradora

Como visto, a performance bond é vantajosa enquanto haja uma diferença considerável nos custos de monitoramento exercido pelo Estado e pela seguradora, bem como sua capacidade de diminuir o risco.

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Notamos que os custos de transação incorridos pela contratada são repassados aos preços que pratica (FIUZA, 2009, p. 241), na medida em que sua proposta se encontra vinculada a tais custos sob a perspectiva de obtenção de lucro. Nos custos de transação incluem-se ainda aqueles decorrentes de todos os documentos e serviços necessários para que a contratada consiga obter êxito na licitação.

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No contexto brasileiro, parece razoável assumirmos que a performance bond seja vantajosa na maioria dos casos. Afinal, a própria ineficiência atual do governo em fiscalizar as obras públicas é evidência de sua grande incapacidade em monitorar empreiteiras e forçar uma performance adequada. O monitoramento privado poderá ser mais eficiente por sua especialização, maior experiência, tecnologia e incentivos naturalmente promovidos por um mercado competitivo que busca o lucro (KATZ, 1999, p. 97). Com efeito, Aleix Calveras, Juan-Jose Ganuza e Esther Hauk (2004, p. 50) destacam que as seguradoras possuem fortes incentivos na decisão se o tomador tem a habilidade e os recursos para adimplir o contrato. Nos EUA, o processo de avaliação do tomador é denominado underwriting process (em tradução livre, o processo para a subscrição, ou seja, para a concessão da garantia). Durante esse procedimento, a seguradora exige que o tomador apresente documentos que atestem sua capacidade financeira e técnica, e o preço do prêmio é definido de acordo com a avaliação feita nessas informações. A avaliação não é feita meramente com base em número, porquanto a seguradora avalia a própria estrutura organizacional da empresa, isto é, seus funcionários, planos de negócios, crescimento, objetivos de lucro, trabalhos feitos anteriormente, cartas de recomendação. Por conseguinte, em geral as seguradoras são boas em avaliar essas informações em razão de sua especialização e experiência. Não se pode deixar de notar que, no Brasil, o comportamento oportunista de contratadas pelo setor público é frequente, até mesmo pelas falhas proporcionadas pelo procedimento licitatório e pela contratação em obras públicas, além do fator de corrupção. Como ressalta Eduardo Fiuza (2009, p. 247-248), o conhecimento especializado da empreiteira é utilizado antes mesmo que a construção comece por meio da detecção de falhas de projeto, o que a permite realizar o denominado jogo de planilha, caracterizado por lances baixos em itens com quantitativo exagerado, e lances altos em itens com quantitativo baixo (subsídio cruzado). Esses quantitativos são posteriormente revistos por meio da proposição de aditivos para sanar as falhas do projeto. É razoável assumir que falhas no projeto e propensão a atos de corrupção são fatores a serem observados pelas seguradoras, na medida em que ampliam seus riscos, consubstanciado no aumento do grau de incerteza de uma obra. Embora a fiscalização da seguradora não elimine essas incertezas, certamente concorrem para sua diminuição. Portanto, considerando a grande quantia de dinheiro envolvida em uma obra, pode-se concluir que um dos benefícios da performance bond é o incentivo dado às seguradoras para que fiscalizem os recursos ali utilizado, servindo como aliado no combate à corrupção (CNSEG, 2012, p. 8)43.

43

Em sentido contrário, Cesar van der Laan (2016) argumenta que as seguradoras não definem preços, e que seu faturamento decorre de percentual do contrato, o que geraria incentivos para que as seguradoras favoreçam contratos mais vultosos (possivelmente superfaturados). Portanto, a performance bond não teria qualquer efeito na inibição da corrupção. O autor também assume que as seguradoras não têm incentivos para melhor fiscalizar as tomadoras, na medida em que seu lucro, obtido através dos prêmios, já seria calculado como função do risco.

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Evidente que o governo possui uma posição favorável frente a qualquer ente privado no que toca à sua capacidade de execução judicial e os meios legais que estão a seu dispor. No entanto, é também preciso compreender que tais meios não são gratuitos, e implicam um custo de manutenção de todo o aparato burocrático, como advogados públicos, juízes, tribunais de contas, auditores, dentre outros. Destaca Andre Uryn (2016, p. 57):

A legislação brasileira prevê uma série de órgãos de controle, inclusive com certa sobreposição, que, por sua vez, a par da sua inegável importância, igualmente ensejam custos com a manutenção física das suas instalações e dos profissionais. Por isso, incentivos contratuais são importantes até mesmo diante da possibilidade de redução desses custos, especialmente no bojo do processo de celebração de aditivos.

5.3 Externalidades da performance bond

Fornecedores, subcontratados e a mão-de-obra envolvida na construção pública não participam da decisão a respeito da contratação da performance bond e, por isso, aquilo que os afete pode ser considerado uma externalidade. Assim, uma externalidade positiva decorrente da performance bond é a maior segurança que traz aos fornecedores, subcontratados e à mão de obra. Como ressalta Lynn Schubert (2003, p. 50):

Cada um desses seguros-garantia trazem benefícios aos subcontratados. Se um subcontratado apresenta uma proposta a uma construtora a ser incluída em uma licitação, o subcontratado quer certeza de que a construtora executará o contrato de vencer a licitação. A bid bond encoraja as construtoras a fazê-lo para evitar ter de repassar perdas à seguradora, advindas de sua falha em assinar o contrato. A performance bond assegura que se a construtora inadimplir o projeto alguém estará lá, com recursos suficientes, para garantir que as obrigações da construtora sejam cumpridas. Subcontratados valorizam a continuidade da performance com alguém que possa manter seus contratos sem que se tenha que passar por uma nova licitação. A payment bond é a que mais obviamente possui valor para os subcontratados. Se uma construtora não conseguir pagar pelos serviços desempenhados pelos subcontratados, estes podem pleitear o pagamento diretamente à seguradora. O subcontratado não precisa obter seu pagamento do contratante principal, mas sim lidar diretamente com a seguradora. Este direito é especialmente valioso em uma obra pública em que o subcontratado não consegue ter como garantia de seu pagamento a construção em que executou o serviço. (tradução nossa). 44 Além disso, as tomadoras já possuiriam incentivos suficientes para maximização de sua produtividade e eficiência, pelo que o monitoramento das seguradoras seria despiciendo. 44 No original: “Each of these bonds has legal benefits to subcontractors. If a subcontractor submits a proposal to a contractor to be included in a bid, the subcontractor wants to be sure that the contractor will enter into the contract if awarded. The bid bond encourages contractors to do just that in order to avoid having to repay losses to the surety from their failure to do so. The performance bond ensures that if the contractor defaults on the project someone else will be there with sufficient funds to see that the contractor’s obligation to perform is completed. Subcontractors value having the performance continue with someone able to reaffirm the subcontracts without having to rebid the work under public bidding laws. The payment bond has the most obvious legal value to subcontractors. If a contractor fails to pay for work properly performed by

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Além disso, Avery Wiener Katz (1999, p. 73) destaca que o seguro-garantia de obra poupa um esforço de monitoramento duplicado, pois concentra essa atividade na seguradora, poupando subcontratadas e fornecedores da empreiteira de se engajar nessa atividade, o que lhes traria mais custos. Podemos dizer, portanto, que há diminuição de custos de monitoramento para esses outros agentes.

5.4

O sistema de incentivos gerado pela performance bond Como afirmado por Bruno Meyerhof Salama (2008, p. 22), “nos mercados, os

indivíduos procuram maximizar seus benefício realizando escolhas que minimizem seus custos e maximizem seus benefícios”. Assim, é de suma relevância investigarmos os efeitos da performance bond nos incentivos gerados pela relação contratual. Segundo Avery Wiener Katz (1999, p. 80) o seguro-garantia estabelece um sistema de incentivos entre as partes que permite que elas ajam de modo a tirar melhor proveito de suas vantagens comparativas. Com efeito, em um contrato garantido por uma performance bond, tanto a seguradora quanto o Estado possuem incentivos para realizar um bom monitoramento. A seguradora, obviamente, é incentivada a monitorar a empreiteira e fiscalizar a obra por ser diretamente responsável por qualquer inexecução ou inadimplência. Podemos notar, por exemplo, que o incentivo da seguradora a que a obra transcorra no prazo estabelecido é grande, porquanto, com o andamento da obra, o valor de um possível sinistro vai diminuindo (CNSEG, 2012, p. 9). O incentivo do Estado, porém, surge do fato de que caso incorra em alguma falha contratual (por exemplo, um atraso nos pagamentos), concederá à seguradora um argumento de defesa que poderá livrará da obrigação de garantir a performance da empreiteira. É dizer, portanto, que o seguro-garantia institui um mecanismo de incentivos que não se resume ao melhor monitoramento da empreiteira pela seguradora, mas também das obrigações contratuais devidas pelo próprio Estado. Com efeito, destaca Gladimir Adriani Poletto (2003, p. 57 apud POVEDA, 2012, p. 124) que:

A concepção dessa relação jurídica é a ajuda recíproca, pois, o que as partes pretendem, é, de forma objetiva, a finalização do projeto iniciado. A inadimplência de qualquer dos envolvidos paralisa e prolonga os efeitos do projeto concluído. (...) por isso, é fato comum a seguradora se fazer presente em determinados casos, como figura de mediador-cooperador, em busca do objetivo fim, qual seja, a conclusão do subcontractors, those subs have a direct claim against the surety for sums justly due. The sub does not have to obtain its money from the general, but can work directly with the surety. This direct right of claim is especially valuable on a public project where a sub cannot file a lien against the work.”

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projeto, sem que ocorra ônus extraordinário para qualquer das partes. Qualquer forma de inadimplência, seja do tomador ou do segurado, acaba por comprometer o todo, não só no que tange aos aspectos econômicos do projeto, como também, no que se refere aos prejuízos sociais decorrentes do efeito da inadimplência.

É importante notar que a falha do Estado no cumprimento de seus deveres é algo comum no Brasil. Com efeito, Eduardo P. S. Fiuza (2009, p. 261) afirma que o Estado é colocado em posição acima do contratado na tradição do Direito Público brasileiro, sendo inexistente mecanismo que garanta ao licitante vencedor uma defesa frente a contingenciamentos e cancelamentos que podem ser arbitrariamente impostos pelo Estado. A Administração Pública tem direitos de alteração unilateral do contrato, suspensão de pagamentos, não-contratação mesmo após o procedimento licitatório, dentre outros. São as chamadas cláusulas exorbitantes, que conferem “à Administração Pública prerrogativas que lhe colocam em patamar diferenciado, de superioridade em face do particular que com ela contrata” (FURTADO, 2012, p. 292). Esse cenário cria um incentivo à judicialização e embute um custo nos preços propostos nas licitações, como compensação pela inadimplência ou mora no pagamento pelo Estado, além do risco mesmo de alterações unilaterais, rescisões, cancelamentos ou não assinatura do contrato. Em outras palavras, o Estado paga caro por sua má governança contratual, seja pelo aumento nos preços cobrados pelos serviços que contrata, seja no aumento das suas despesas legais.

5.5

A possibilidade da performance específica

A performance bond oferece à seguradora a possibilidade de pagar quantia referente à performance do contrato, de acordo com seu valor, ou especificamente executar o contrato diretamente, ou seja, adimpli-lo em conformidade com os termos acordados. Considerando esta última possibilidade, o segurado, ou contratante, conseguiria exatamente aquilo que contratou inicialmente, ainda que o contratado não tenha adimplido o contrato, na medida em que a seguradora poderá fazê-lo. A esse tipo de situação podemos chamar de possibilidade de performance específica do objeto contratual. Segundo Alan Schwartz (1979, p. 274), a performance específica é o método mais adequado para compensação no contrato, pois dá ao contratante exatamente o objeto que ele comprou (no caso, a execução de uma obra). Isso porque, uma indenização via ação judicial não cobriria os custos legais do atraso, além do que a própria inflação representaria um barateamento dos custos incorridos pelo inadimplente. Mais que isso, porém, é que a performance específica não implicará atrasos nas obras públicas, porquanto ela significa justamente a entrega da obra dentro do prazo, de acordo com as especificações de projeto. Uma indenização pelo inadimplemento pode significar uma compensação

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insuficiente frente a fatores que são difíceis de serem calculados, pois envolvem dos custos de oportunidade referentes ao tempo gasto em uma nova contratação (SCHWARTZ, 1979, P. 276), além do comprometimento, ao interesse público, do atraso na obra, o que parece ser uma prejuízo incalculável45. A prorrogação do prazo de uma obra, aliás, significa ela mesma uma espécie de superfaturamento do seu custo. Como ressalta Andre Uryn (2016, p. 56-57), o descumprimento do cronograma previsto em projeto leva ao pagamento de reajustes indevidos. Assim, Alan Schwartz (1979, p. 291-292) sintetiza que a possibilidade de performance específica produz ganhos de eficiência relacionados à minimização de ineficiências geradas por indenizações subcompensatórias; redução da necessidade de cláusulas líquidas de danos; minimização de comportamento estratégico e poupança de gasto com litígios envolvendo danos complexos. Com efeito, Andre Uryn (2016, p. 25-26) ressalta que o Poder Judiciário não está preparado para lidar com contratos complexos, como em geral o são aqueles de infraestrutura, o que ocasiona aumento ainda maior dos custos de transação. Além disso, a previsão de coerção não se mostra suficiente ou eficiente, porquanto é difícil calcular ex ante as penas a serem aplicadas em relação aos ganhos econômicos de um agente oportunista, ao passo que o processo mesmo de aplicação da sanção e monitoramento do agente geram custos elevados. Além disso, a seguradora, por possuir experiência na área, deverá ser mais eficiente em finalizar a construção caso a construtora incorra em inadimplência – o que poupa custos de uma execução direta pela Administração, ou de contratação de uma nova empreiteira, o que significaria demora e despesas adicionais com uma nova licitação. Assim, é esperado que o seguro-garantia diminua os custos totais de execução de um projeto construtivo. Nesse sentido, Steven Shavell (2003, p. 16) afirma que a performance específica gera fortes incentivos para as partes adimplirem os contratos. Por fim, tratando-se de uma contratação pública, interessa notar os efeitos morais do incentivo ao cumprimento específico do contrato, em contraste ao pagamento de uma indenização, independente do aumento de custos de transação ou da opção mais eficiente46. Parece-nos que no Brasil criou-se uma cultura na qual se espera que as obras públicas custem mais que o previsto e que sejam entregues fora do prazo. Isto poderia ser parcialmente dirimido a partir da criação de um ambiente moral incentivador do cumprimento dos contratos em seus exatos termos, o que incluiria a performance específica. 45

Steven Shavell (2003, p. 15), a despeito de argumentar que a performance específica não seria, em geral, desejável para contratos incompletos (pelo risco de gerar ônus excessivo a uma das partes), coloca que, nos casos em que os danos são de difícil apuração, a performance específica poderia ser a solução mais eficiente. 46 Alan Schwartz (1979, p. 271) afirma: “On the other hand, if the compensation goal rests on a moral notion that promises should be kept, that contract remedies should effectuate the state of affairs – performance – that the promisor has a duty to bring about and that the promisee has a right to have brought about, then specific performance is a preferable remedy to damages even though it might generate higher costs”.

31

5.6

A elaboração de um histórico de confiabilidade e as vantagens dadas às empresas

confiáveis

As seguradoras, como especializadas na gestão do risco e no monitoramento das condições da tomadora em realizar a obra de acordo com as especificações, classificam estas considerando sua performance pregressa. Eduardo P. S. Fiuza (2009, p. 263) comenta que a negligência de uma construtora com seu trabalho poderá gerar dificuldades na contratação do seguro em contratos futuros. Sendo assim, o próprio prêmio de risco pago por uma empreiteira à seguradora é indicador do seu desempenho passado. As empresas que possuem um histórico de maior confiabilidade podem, então, oferecer preços mais competitivos ao Estado, porquanto paguem um prêmio menor para obtenção do seguro-garantia. Com efeito, Aleix Calveras, Juan-Jose Ganuza e Esther Hauk (2004, p. 50) destacam que o prêmio usualmente é calculado como uma porcentagem do valor da apólice emitida, porém, a porcentagem em si mesma é decidida em conformidade com as condições específicas da construtora. Assim argumentam Patrick Bajari, Robert McMillan e Steven Tadelis (2008, p. 388):

A seguradora não possui incentivos para vender um seguro-garantia barato a uma construtora que não tenha provado que representa um baixo risco. Portanto, os incentivos das seguradoras para o monitoramento da competência técnica da construtora é um possível remédio para a seleção adversa, e o comprometimento dos bens de uma construtora e de sua futura reputação mitigam o risco moral. (tradução nossa).47

5.7

A performance bond frente a outras alternativas de garantia

Como vimos anteriormente, além da performance bond a lei brasileira dá como opção de escolha à contratada a escolha de outros dois tipos de garantias a serem oferecidas ao Estado, quais sejam, a caução em dinheiro e a carta de fiança bancária. Apesar de várias das características contrastantes da performance bond já terem sido mencionadas aqui, é interessante revisitarmos brevemente alguns desses aspectos para ressaltar suas especificidades. A começar pela caução em dinheiro, é possível afirmarmos que ela compromete, de certa forma, os recursos da contratada, porquanto reduza seus capital disponível. Pode, assim, ela mesma elevar os riscos de falência ou dificuldade financeira da contratada e, por consequência, os riscos de inadimplência do contrato. A carta de fiança-bancária, a seu passo, não implica que a instituição financeira que a emita se envolva diretamente com as obrigações da contratada, na medida

47

No original: “The surety has no incentive to provide a low-priced bond to a contractor who has not proven that he poses little risk. Thus, the incentives of bonding firms to screen for competence is a possible remedy for adverse selection, and the hostages of a contractors assets and future reputation will mitigate moral hazard.”

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em que é atividade sem risco ao banco, que é depositário de montante dos ativos da firma (FIUZA, 2009, p. 269). Analisando mais a fundo esse ponto, Aleix Calveras, Juan-Jose Ganuza e Esther Hauk (2004, p. 60) assinalam que a carta de fiança-bancária (letter of credit) difere fundamentalmente do seguro-garantia em sua natureza e nos incentivos que estabelece. Para que se emita uma fiançabancária, a instituição financeira exige que a empreiteira comprometa alguns de seus bens, e tais bens serão utilizados para o pagamento do banco caso a fiança seja executada. Por conseguinte, conclui-se que os bancos não tomam risco e por isso não possuem incentivos para monitorar as empreiteiras, que têm a sua liquidez reduzida por ter comprometido bens em garantia à fiança. O seguro-garantia, ao seu passo, transfere risco à seguradora, o que é incentivo para que ela monitore de perto e com precisão a situação da empreiteira. Sendo assim, uma carta de fiança-bancária não serve ao mesmo propósito de um seguro-garantia e não pode ser visto como tal. Ambas as alternativas de garantia não oferecem um sistema de incentivos vantajoso ao Estado, significando ao contratante segurança quanto à quantia que obterá de indenização em caso de inadimplência da contratada. Como no Brasil o limite de exigência é muito baixo, sequer esta garantia pode ser considerada eficiente. Em outras palavras, a performance bond induz o comportamento ativo da seguradora no sentido de apurar efetivamente os riscos envolvidos na contratação da empreiteira e na execução da obra pública, o que não ocorre com as outras hipóteses de garantia.

33

6

CONCLUSÃO

A performance bond é um instrumento de realocação dos riscos de um contrato de construção, mas também pode implicar em maior eficiência na execução dos serviços. Ela surgiu nos EUA no final do século XIX, sendo utilizada até hoje como forma de gerar mais segurança às contratações federais e estaduais daquele país. No Brasil, este instrumento possui utilização restrita para o caso de obras públicas, porquanto a legislação licitatória restrinja sua contratação a um limite de apólice de 5% a 10% do contrato, enquanto nos EUA é frequentemente exigida sua cobertura para valores que superam os 100% do contrato. Neste trabalho, procuramos investigar, por meio da abordagem da Análise Econômica do Direito, a eficiência econômica da contratação da performance bond e seus efeitos na lógica econômica contratual. A partir da elaboração da equação de custos dos atores envolvidos em dois cenários, com e sem a performance bond, concluímos que a contratação desse seguro-garantia será vantajosa e mais eficiente ao Estado na hipótese em que os custos de monitoramento da seguradora sejam suficientemente menores que aqueles do ente público, e sua eficiência para redução dos riscos da operação seja maior, de modo a justificar o acréscimo de custos, para o Estado e o contratado, de manutenção de uma relação trilateral. Identificamos ainda que a contratação da performance bond (i) gera externalidade positivas afetas à mão-de-obra, fornecedores e subcontratados da construção, (ii) altera o sistema de incentivos do contrato, (iii) acrescenta possibilidades de execução ao Estado, (iv) gera vantagens a empresas mais competitivas e com histórico de competência, e (v) diferencia-se em essência de outros tipos de garantia, tal qual a fiança bancária e a caução em dinheiro. Nossa análise aborda a perspectiva atual da performance bond no cenário de contratação de obras públicas, sendo, por isso, limitada a um recorte da realidade, com conclusões temporárias e muito específicas. Diversas são as questões envolvendo o mesmo tema que merecem ser tratadas por estudos especializados na área de Direito & Economia, tal qual a alocação de riscos em projetos de engenharia, grau de detalhamento e completude de projetos e contratos, as possíveis alterações nas modalidades de contratação, enfim, toda uma rede de aspectos essenciais à governança contratual e à gestão pública. Acreditamos que somente com uma análise econômica e jurídica aprofundada e ampla é possível fazer constatações a respeito dos mecanismos que envolvem esse tipo de contrato. Para isso, é também interessante observar as práticas adotadas em outros países.

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