Análises do Poema do Beco e Boi Morto de Manuel Bandeira

June 1, 2017 | Autor: Glória Ruz | Categoria: Literatura brasileira, Literatura, Poesia, Manuel Bandeira, Teoria Literaria, Análise poética
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Glória de Andrade, graduanda em Letras

Análises do Poema do Beco e Boi Morto de Manuel Bandeira

"Numa obra de arte verdadeiramente bela o conteúdo nada deve fazer, a forma tudo; é somente pela forma que se age sobre o homem como todo, ao passo que o conteúdo visa apenas as forças particulares. O conteúdo por sublime e amplo que seja, age sobre o espírito sempre como limitação, e somente da forma pode-se esperar verdadeira liberdade estética." (Friedrich Schiller)

O Poema do beco trata-se de um dístico em versos livres que já a partir de seu título expõe seu caráter dissonante, pois como afirma Friedrich (1966) "tende mais a inquietude que à serenidade", ou seja, logo em seu título há uma tensão pela proximidade entre os termos de naturezas hermeneuticamente opostas, um gênero apoteótico e uma 'paisagem' prosaica.
E assim, segue o poema elencando contraposições entre significados distintos; no primeiro verso, o eu lírico insere imagens – paisagem, baía, linha do horizonte - entre a palavra 'Glória' que tanto pode evocar a noção de grandiosidade poética às tais imagens, devido ás temáticas tradicionais da poesia, quanto representar uma imagem, pois, tal termo apresenta a letra inicial de forma maiúscula o que nos possibilita a conclusão de que a Glória possa ser uma mulher ou mais uma paisagem/local.
Essas imagens adicionadas no primeiro verso corroboram para o efeito de antítese com o 'beco' no verso seguinte que retém toda a poeticidade do poema, é nele que acontece a quebra de expectativa quanto a progressão visual criada pelo Eu lírico, que contrapõe mais uma vez a grandiosidade à vulgaridade do cotidiano, e, também, a partir da verossimilhança proposta por Achcar (1994), pode-se questionar realmente a importância de majestosas paisagens já que o Eu lírico só vislumbra o beco. Com a quebra da expectativa e com o sentido literal que apresentam as palavras, o 'beco' adquire uma relevância dentro do poema, que é justificada por sua presença no título.
Em sua estrutura não há resquícios da formalidade rítmica nem métrica, o que resulta em seus versos livres. Segundo Candido (2009) "com a modernidade houve a dessonorização da poesia, o que a aproxima duma sonoridade prosaica, normal". Mas toda poesia tem sua essência sonora e, particularmente, o substrato fônico no Poema do beco está nos sons abertos do primeiro verso (a) e sua ruptura com os sons fechados (ô, ê) do segundo verso, ocasionando uma efeito de alargamento e estreitamento visual que se constitui pela aproximação dos termos contraditórios, como uma tensão dialética a partir da disposição única das palavras pelo poeta que elucidam seu caráter mimético, no qual tais palavras ultrapassam seu significado comum.
Há ainda uma particularidade em tal poema, publicado em Estrela da Manhã em 1936 junto a outros poemas que concretizam a modernidade na obra de Manuel Bandeira e compõem seu lirismo social, no qual a forma segue o conteúdo, que é a intertextualidade com os poemas Segunda Canção do Beco e Última Canção do Beco (1942), é este último que logo em seus versos iniciais elucida o caráter vivo e emocional do beco vislumbrado pelo poeta - por nove anos - "Beco que cantei num dístico cheio de elipses mentais" tal intertextualidade possibilita novas interpretações quanto ao caráter do poema aqui analisado. No entanto, tal aspecto só foi aqui elucidado para fomentar informações e não determinar interpretações, já que nosso objetivo neste trabalho é apenas as análises dos poemas.
Ainda sobre palavras e significação, Octavio Paz (1981) afirma que:
El poema no tiene objeto o referencia exterior; la referencia de uma palabra es outra palabra. Así, el problema de la significación de la poesia se esclarece apenas se repara em que el sentido no está fuera sino dentro del poema: no em ló que dicen las palabras, sino em aquello que se dicen entre ellas.

Então, conclui-se que a significação não precisa ser resgatada por um caráter sócio-histórico ou filosófico, mesmo que tais aspectos sejam influentes na produção de uma obra, mas a forma já explana em si, em seus pontos dissonantes, aspectos de natureza significativa. E é desta forma que nos ateremos na análise do poema 'Boi Morto', publicado no penúltimo livro de Manuel Bandeira Opus 10 (1951), e alvo de muita crítica devido a sua característica hermética.
Assim como o Poema do Beco, 'Boi Morto' extrai sua poeticidade do prosaico, sendo assim, partiremos do beco à grandiosidade putrefata da imagem de um boi morto. Uma carcaça de boi que é arrastada pelas águas das enchentes ao longo dos versos.
Boi Morto
Como em turvas águas de enchente Me sinto a meio submergido Entre destroços do presente Dividido, subdividido, Onde rola, enorme, o boi morto,
Boi morto, boi morto, boi morto.
Árvores da paisagem calma, Convosco – altas tão marginais! Fica a alma, a atônita alma, Atônita para jamais. Que o corpo, esse vai com o boi morto,
Boi morto, boi morto, boi morto.
Boi morto, boi descomedido, Boi espantosamente, boi Morto sem forma ou sentido Ou significado. O que foi Ninguém sabe. Agora é boi morto,
Boi morto, boi morto, boi morto.

Numa abordagem técnica, vê-se um poema estruturado em octassílabos (co-mo em- TUR-vas- Á- guas- de en- CHEN- (te)), que apresentam o esquema rítmico (3-5-8), concernente a uma formalidade tradicional, em três estrofes de quintilha que seguem uma rima cruzada (ENTE, IDO, ENTE, IDO, TO), (MA, AIS, MA, AIS, TO), (IDO, OI, IDO, OI, TO) quebrada por seus últimos versos que embasam a composição do estribilho (Boi morto, boi morto, boi morto).
No primeiro quinteto o Eu lírico já se apresenta 'entre destroços do presente' e se compara às 'turvas águas de enchente' que engolem e avassalam o boi, no terceiro verso a homofonia da oclusiva /t/ causa um aspecto de momentaneidade na qual se encontra o Eu lírico de forma análoga a imagem insólita do boi, que também fragmentado com seus restos 'rola, enorme, o boi morto'. Este quinto verso destoante da rima funciona como deflagrador de todo o movimento que terá o boi ao longo do poema, pois o ritmo lançado continua no estribilho que segue 'Boi morto, boi morto, boi morto.' O estribilho é marcado pela sonoridade da rima toante das sílabas tônicas representada pela vogal média-alta fechada (ô), tal rima, por sua vez, alude ao movimento do boi levado pelo fluxo do rio Capibaribe¹.
No quinteto seguinte, as rimas cruzadas e as assonâncias ('a' aberto: árvores, calma, alma, atônita; 'o' fechado: morto, corpo.) representam o aspecto colérico presente em todo o poema e a inércia 'Fica alma' enquanto 'O corpo, esse vai com o boi morto' compõe o reconhecimento, por parte do Eu lírico, da impossibilidade sobre a morte e a ambivalência morto/corpo, signos distintos e próximos, que configuram a construção principal de sentido porque o corpo jaz morto, assim como o boi.
E no terceiro e último quinteto, há um enjambement explicitado não só pelas marcações gráficas que permitem o "tecer" entre os versos desta estrofe, mas também pela quebra rítmica do segundo para o terceiro verso deste terceiro quinteto, no qual 'Boi espantosamente, boi' a última sílaba que é a palavra boi não é contada neste verso para fulgurar seu aspecto de completude e autonomia. Tal quebra é explicada pelo poeta que a justificou como a "busca dentro das métricas convencionais, outras possibilidades rítmicas, outras musicalidades para deleite, não propriamente do ouvido, mas do pensamento que é, ao cabo, o criador e soberano senhor do ritmo" (Bandeira, 2009), ou seja, o segundo verso que é heptassilábico somente o é para que o enjambement se prontifique; que o boi tanto seja símbolo significativo a este verso quanto ao posterior.

¹ Preferiu-se, neste trabalho, nomear o rio pois, provavelmente, as águas de enchente às quais Manuel Bandeira se refere são as do Rio Capibaribe, que será abordado mais a frente. Elemento muito presente na sua obra já que o poeta passou a infância na cidade de Recife e é corriqueiro o resgate do passado em sua criação literária.
Ainda nessa última estrofe o



























REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACHCAR, Francisco. Lírica e Lugar-Comum: alguns temas de Horácio e sua presença em português. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da Lírica Moderna (da metade do século XIX a meados do século XX). Trad. do texto: Marise M. Curioni. Trad. das poesias: Dora F. da Silva. 2ª Ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1991.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. 10ª Ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.
GOYANNA, Flávia J. F. O Lirismo Anti-Romântico em Manuel Bandeira. Recife: Companhia e Editora de Pernambuco, 1994.
MERQUIOR, José Guilherme. A Astúcia da Mímese (ensaios sobre lírica). 2ª Ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
PAZ, Octavio. Corriente Alterna. 13ª Ed. México: Siglo Veintiuno editores, 1981.
__________. O Arco e A Lira: O poema. A revelação poética. Poesia e história. Trad. Ari Roitman e Paulina Wacht. São Paulo: Cosac Naify, 2012.




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