Andabilidade

August 11, 2017 | Autor: Washington Fajardo | Categoria: Urban Design, Arquitetura e Urbanismo, Rio de Janeiro, Walkability
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O Globo Seção Opinião - http://oglobo.globo.com/opiniao/andabilidade-15138730 24 de janeiro de 2015

‘Andabilidade’ A palavra “andabilidade” é uma tradução que não alcança plenamente os conceitos envolvidos no termo inglês walkability mas é um bom modo de começarmos a falar sobre um princípio fundamental das boas cidades, presente nas estruturas urbanas tradicionais, que é a qualidade do caminhar, da acessibilidade à cidade para qualquer tipo de pessoa, de qualquer idade, com qualquer tipo de dificuldade motora. É um conceito também sobre a facilidade de ter acesso a bens e serviços através do espaço público, sobre proximidade e interação entre pessoas, sobre sentir-se seguro e livre. É um conceito simples e amplo. Assim como é o ato de mover-se. A calçada, esta infraestrutra tão menosprezada, é a via fundamental da andabilidade. Mas não é só ela. Todo o espaço público pertence ao pedestre preferencialmente. O piso da calçada deve ser seguro, resistente, de fácil manutenção, organizado, de fácil leitura e entendimento, deve ser franco para as pessoas e colocar severas restrições ao carro. A beleza, importante, virá do estabelecimento destes critérios prioritários, e não em oposição a estes. Mas não se trata apenas do plano bidimensional onde nos movemos. Andabilidade é a experiência espacial holística: as sombras, o mobiliário urbano, os lugares de se sentar, ver e conversar com outras pessoas. Também as fachadas, as vitrines, o comércio. A generosidade dos edifícios com o espaço público. Biologicamente, sentimo-nos seguros próximos aos edifícios. Nos afeiçoamos a eles. Gostamos dos toldos. E gostamos das mesas e cadeiras nas calçadas. Mas amamos mais ainda a ordem, este valor relativizado, e o respeito ao espaço público. Viagens feitas a pé são um dos modais de transporte mais importantes do Rio de Janeiro, com cerca de 33%. A Lei Nacional de Mobilidade Urbana, nº 12.587, aprovada em 2012, dá especial atenção a este modal, tendo como princípio a acessibilidade universal, e exige que os municípios elaborem planos de mobilidade. Devemos fazê-lo. A criação de novas

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leis urbanas são importantes, mas a jurisprudência é mais importante ainda. Precisamos transformar todas estas leis urbanas em realidade, mas também precisamos saber fazer corretamente mais do que saber legislar corretamente. Observação, sistematização, medição, indicadores, apoiar o que dá certo, repetição, desenho, design, banir o erro e criar novos hábitos são o modo tradicional como a humanidade fez cidades durante mais de cinco mil anos. O que amamos nas cidades históricas foi deixado de lado pelo planejador urbano modernista, convicto de suas ideias sobre como as pessoas deveriam circular, sobre como o desejo deveria se comportar no espaço público. Influenciou gerações e gerações de engenheiros de trânsito. Por isso, fazemos “contagem de veículos” nos estudos viários e nunca fazemos “contagem de pedestres”. Por isso, adotamos no Rio há muito tempo como norma técnica faixas de pedestres recuadas em relação ao fluxo do caminhar nas calçadas. Em cada esquina precisamos adentrar na outra rua quando o natural era simplesmente seguir em frente. A criação de área de pedestres em Times Square, em Nova York, aumentou em 20% a receita do comércio local. Pessoas circulando são boas para os negócios. A mudança da tipologia dos edifícios no tempo, no Rio, criando recuos em relação à rua, depois com a adoção ostensiva de grades, eliminou a possibilidade de caminhar e cumprimentar alguém, aumentando a sensação de insegurança. Andabilidade está, ou deveria estar, em todos os lugares. Um dos motivos do sucesso das intervenções Rio Cidade no Leblon e Ipanema foi respeitar a linha do desejo do caminhar dos pedestres ao longo das calçadas. Um dos programas mais importantes da prefeitura é o Bairro Maravilha, pouco conhecido, que trata de melhorar calçadas, criando qualidade, acessibilidade e dignidade, para o fluxo de pessoas de inúmeros bairros das zonas Norte e Oeste. Ambas soluções, uma projetada site specific, outra genérica mas de grande extensão, evidenciam uma necessidade urgente: a padronagem de desenho e execução de calçadas para o Rio de Janeiro que coloque o desejo dos pedestres como prioridade máxima. Um manual de calçadas ajudaria a organizar este chão, e também ajudaria a criar uma cultura de conservação e de manutenção do espaço público por parte dos proprietários lindeiros. O Rio de Janeiro é a cidade que inventou o espaço público brasileiro. Precisamos cuidar deste patrimônio.

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Não sabemos qual será a tecnologia de mobilidade revolucionária do futuro, mas ainda caminharemos por alguns milhares de anos. Andabilidade é cultura, é riqueza, é saúde e é bom para pensar. Washington Fajardo é Arquiteto e Urbanista http://oglobo.globo.com/opiniao/andabilidade-15138730

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