ANTÍTESES DO SOBRENATURAL: A série Crepúsculo e o Vampiro Anjo – semiótica, semântica e simbologia

June 3, 2017 | Autor: Junior Teodoro | Categoria: Semiotics, Angels, Vampire Studies, Twilight Saga, Simbology
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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL: A série Crepúsculo e o Vampiro Anjo – semiótica, semântica e simbologia

Mário Sérgio Teodoro da Silva Junior

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL: A série Crepúsculo e o Vampiro Anjo – semiótica, semântica e simbologia

Título original: Antíteses do sobrenatural: a série Crepúsculo e o Vampiro Anjo --semiótica, semântica e simbologia. © 2016, Mário Sérgio Teodoro da Silva Junior. Todos os direitos reservados ao autor. 1ª edição/ Março de 2016. ISBN: 978-85-448-0343-1 BOOKESS EDITORA Impresso por Bookess www.bookess.com Brasil.

Paradoxos, portanto, de todo lado, mostrando o conflito entre a idéia convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo os padrões oficiais) e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas, trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver. — Antonio Candido A literatura e a formação do homem

Sumário Introdução ............................................................................................ 7 O Imaginário Popular ......................................................................... 11 A Estrutura da Personagem ................................................................. 21 O Anjo: tudo que voa pode cair .......................................................... 25 O Vampiro: do céu ao inferno ............................................................ 35 As relações semânticas entre vampiros e anjos ...................................... 49 O valor do Vampiro Anjo na cultura................................................... 57 A Simbologia da série Crepúsculo ......................................................... 61 Crepúsculo ........................................................................................... 69 Lua Nova ............................................................................................ 75 Eclipse ................................................................................................. 79 Amanhecer .......................................................................................... 85 A Proposta de Meyer .......................................................................... 91 História fria: o fantástico no espaço de Crepúsculo ............................... 93 Notas do autor.................................................................................. 101 Referências Bibliográficas .................................................................. 103 Agradecimentos ................................................................................ 105

Introdução A presença da figura do vampiro na ficção é incontestavelmente forte. O gosto por falar desses seres pode ser compreendido pela incorporação, no mito, dos vários temas relacionados à nossa própria condição humana (MELTON, 1995: XXXII): (i) a morte, suas implicações e, por consequência, a busca pela imortalidade; (ii) a sexualidade e seu jogo de poder inerente; (iii) e, também, o ambiente de mistério que, geralmente, dá um tom particular para tais histórias. Da literatura ao cinema, das criações autorais ao imaginário, o vampiro vem sendo modificado ao longo do tempo e das sociedades em que ele toma lugar. Mais recentemente, a mídia televisiva e cinematográfica norte-americana apresentou uma grande explosão no uso da figura do vampiro em suas obras. Desse período, o que há de mais notável e popular são os vampiros da série de romances e filmes Twilight e os das séries The Vampire Diaries e True Blood. Trata-se de vampiros pouco canônicos em relação a seus antecessores, pois apresentam características novas. Acreditamos haver um padrão, uma lógica norteadora, nas transformações sofridas por essa criatura ficcional ao longo dos anos. De modo geral, se atentarmos ao fato de que, através das obras, o vampiro vem demonstrando ter cada vez mais ética, respeitando mais a vida humana, lutando contra sua natureza sanguinária, podemos deduzir que ele está ficando bom. Bom no sentido de ter consciência de certo e errado e optar pelo caminho que cause menos dano às outras personagens que o acompanham em suas histórias. Se atentarmos mais um pouco, pensando que uma das forças que mais impulsiona essa transformação do vampiro é a cultura cristã, ao passo em que reflexões sobre a natureza do divino acompanham os vampiros, poderemos obter resultados interessantes. Por exemplo, consideremos que o vampiro carrega em si uma associação com a figura do dragão, à medida que o Conde Drácula (drac, do latim draconis –

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dragão) (Cf. MELTON, 1995, p.400) cristaliza-se no imaginário desde a época em que o romance de Bram Stoker foi lançado (1897). Assim, Gilbert Durand, antropólogo francês estudioso do imaginário, diz que o dragão é a síntese dos valores negativos encontrados nos símbolos associados à ferocidade animal e à dramaticidade aquática, que, em outras palavras, representa a própria morte: Parece que o Dragão existe, psicologicamente falando, sustentado pelos esquemas e arquétipos do animal, da noite e da água combinados. Nó onde convergem e se cruzam a animalidade vermicular e fervilhante, a voracidade feroz, o barulho das águas e do trovão, tal como o aspecto viscoso, escamoso e tenebroso da “água espessa”. […] O arquétipo vem resumir e clarificar os semantismos fragmentários de todos os símbolos secundários (DURAND, 2013, p.98)

Ainda será preciso lembrar que: Os dragões representam, também, as legiões de Lúcifer em oposição aos exércitos dos anjos de Deus […]. São Jorge ou São Miguel em combate com o dragão, representados por tantos artistas, ilustram a luta perpétua do bem contra o mal. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.352)

Logo, notamos as valorizações negativas do dragão e, principalmente, sua valorização negativa dentro do imaginário cristão, não sendo difícil pensar que, uma vez associado ao dragão, o vampiro está associado ao próprio diabo. Desse modo, chamaremos a transformação do vampiro mau em vampiro bom de sacralização do vampiro, já que é como se o diabo se sacralizasse e voltasse a sua condição angelical, que o faz respeitar firmemente toda a vida da Criação. Condição angelical, pois o diabo, Lúcifer, é anjo antes de dragão, fato que sustenta mais ainda a ideia de anjo e dragão/vampiro opondo-se em uma linha coerente de queda e ascensão. Podemos também chamar tal vampiro de Vampiro Anjo, que não é nem totalmente vampiro/diabo, nem totalmente anjo, já que carrega simultaneamente as características físicas vampirescas e a vontade de se elevar da condição sanguinária de sua espécie, pensando simbologicamente o sentido de “elevar-se”, que implica, segundo Durand, a imagem da asa e do próprio anjo (DURAND, 2012, p.130-131). Ainda podemos pensar além do esquema de elevação do vampiro, observando também o movimento de ir contra suas condições naturais. Assim, o Vampiro Anjo é semelhante ao anjo caído. Ambos negam a 8

INTRODUÇÃO

condição de sua espécie e estão em um limbo entre santidade e profanidade. Essa reflexão expande significativamente nosso campo de estudo, porque nos permite olhar tanto para o vampiro, quanto para a figura do anjo na ficção. Por fim, frente a tantas possibilidades e caminhos para a compreensão da dimensão simbológica e semântica do vampiro, pudemos analisar, na primeira parte deste estudo, tal constituição com base em um processo dialógico entre o vampiro e o anjo, tanto em suas representações autorais quanto nas de ordem mítica, do imaginário. Na segunda parte de nossa pesquisa, apresentamos uma leitura mais detalhada de uma das obras mais polêmicas do córpus selecionado: Crepúsculo. Em 2005, Twilight, um romance de Stephenie Meyer, o primeiro de uma série de quatro volumes, era lançado nos Estados Unidos. No Brasil, Twilight foi lançado pela editora Intrínseca em 2008 com o título Crepúsculo, seguido de suas respectivas sequências: Lua Nova, Eclipse e Amanhecer, traduções dos originais New Moon, Eclipse e Breaking Dawn. A série conta história de sua narradora autodiegética, Isabella Swan, no tocando a sua relação amorosa com o vampiro Edward Cullen. As adaptações da série para o cinema, começadas em 2008, deram ainda mais visibilidade e popularidade para a obra de Meyer, consolidando, então, um fenômeno mundial, conhecido pelo título do primeiro romance Twilight, ou Crepúsculo. Assim, quando referirmo-nos a Crepúsculo, estaremos falando da série e não do primeiro romance. E a série estrutura-se como um verdadeiro crepúsculo, como o fim de uma fase e início de outra. Inovador e tradicional seriam palavras plausíveis para descrever os romances: tratam de um amor romântico e descabelado, quase trágico, mas inserido em um universo contemporâneo, urbano, ao mesmo tempo sofisticado e campestre, de uma mulher que busca sua independência e de personagens que lutam por seus ideais. Sobre a série, são tecidas críticas positivas e negativas, quase sempre extremistas. Por mais que tenham sido conquistados montantes de fãs, mobilizadas multidões, ainda se dirá que o sucesso se deve ao mau gosto 9

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do público, que a prosa é pobre e rasa; outros dirão que é de bom gosto apreciar os romances, pois sua substância é pura e amorosa. Enfim, Crepúsculo constitui um crepúsculo em que convivem luz e sombra de modo que uma não anula a outra. Os contrários perseguem a série, não só na crítica, mas, como veremos, em sua constituição como obra literária, em sua textualização. De qualquer forma, é preciso tomar a postura de cientista, tomar distanciamento da obra e lê-la como objeto de estudo, despir-se de preconceitos e encontrar, na bagunça do apelo comercial e da crítica negativa e infundada que cerca a série, o fio da análise literária. Para tanto, foi necessária a leitura minuciosa, da qual depreendemos um elemento latente nos romances: uma estética de antíteses, de dicotomias que se estabelecem nas imagens, na sintaxe narrativa, etc. E tais dicotomias são sempre conciliadas, num processo dialético, indo de imagens antitéticas a imagens sintéticas. Novamente, buscamos nossas respostas na simbologia de Gilbert Durand.

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O Imaginário Popular A nossa civilização racionalista e o seu culto pela desmistificação objetiva vêem-se submersos de fato pela ressaca da subjetividade maltratada e do irracional. [...] a potência fantástica dá a volta à exclusão objetivista por uma dialética vingadora. — Gilbert Durand As estruturas antropológicas do imaginário

FIGURAS DO IMAGINÁRIO POPULAR OU PERSONAGENS DE FICÇÃO? O problema inicial que se tem com o assunto é entender em até que ponto o vampiro pertence ao imaginário popular e em até que ponto ele é posse do autor que sobre ele escreve. É claro que o processo de construção da figura mítica passa pelo processo de criação autoral, que por sua vez, também empresta seu vampiro em maior ou menor grau do próprio imaginário. Da mesma sorte, é certo que o imaginário sofre algumas alterações sempre que um autor lança uma obra de alta popularidade sobre o assunto. Apesar de termos uma visão ampla, que busca a diacronia vampiresca, o objetivo final é um tratado sobre a sincronia do século XXI, das manifestações mais recentes. Dessa forma, precisamos ter em mente como vive o imaginário popular hoje. Podemos afirmar que a tradição oral do vampiro não existe no grande público, tampouco a crença nessas criaturas ou uma religião sobre elas. O que existe são obras ficcionais que constituem uma rede dialógica a partir da qual podemos ter mais ou menos noção do que vem a ser a criatura “vampiro” em traços gerais. Em outras palavras, o mito do vampiro é constituído, hoje, por meio de obras autorais e qualquer obra nova estabelece um diálogo não mais com uma mitologia religiosa ou tradicional que tem caráter de verdade, mas sim com um conjunto de obras e autores. Quando, por exemplo, Stephenie Meyer deu ao mundo seus vampiros que brilhavam sob a luz do sol e tinham pele de pedra, na série Twilight, ela não desconstruiu um mito de uma civilização, não desconstruiu uma crença popular, ela desconstruiu um padrão estético proposto por escritores e cineastas que conseguiram plantar seus 11

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vampiros no gosto do povo. O diálogo é, na atualidade, entre obras e obras, não entre autor e imaginário. Essa reflexão basta-nos para problematizar em mais um ponto o estudo do vampiro. Se não há uma figura propriamente mítica e ancestral dos sugadores de sangue com mais popularidade que figuras autorais, estudá-lo implica não mergulhar a fundo na psique humana, e sim apenas analisar com rigor personagens de ficção mais notáveis que construíram um arquétipo de vampiro. Nesse sentido, o arquétipo mais disseminado do vampiro é o de Bram Stoker com seu Drácula, e é ao redor das características da personagem Drácula que se compõem novas obras que ou perpetuam o arquétipo, ou o transformam. Dá-se a entender uma guerra argumentativa entre autores populares atuais e dos últimos dois séculos, cada um propondo uma figura de vampiro. Quando nos propomos a traçar a linha evolutiva do vampiro, suas transformações, não queremos apreender o trabalho autoral dos escritores, queremos entender a razão que levou os escritores a escreverem de tal ou tal modo. E essa razão, acreditamos, está em tensões que as sociedades manifestavam. Se o vampiro de Stoker pode trazer em si tensões da sociedade do fim do século XIX, o que o vampiro de Meyer diz sobre a sociedade do século XXI? Por outro lado, se afirmamos não haver imaginário popular ou mitologia sobre vampiros nos dias atuais, nada além das representações autorais, caímos agora na tentativa de associar as representações autorais a tensões sociais e, consequentemente, humanas, que se veem sempre prestigiadas no imaginário e no universo simbológico. De alguma forma, o modo como o homem contemporâneo imagina a realidade e cria suas próprias mitologias, que vêm explicar as coisas do mundo, passa totalmente por filtros autorais, da literatura e do cinema. Ou seja, o mito do vampiro, com explicações psicológicas para as tensões humanas, não é mais público, mas autoral, e tem o nome de personagem, de modo que há o mito do “Drácula” e o mito do “Edward”, do “Blade” e qualquer nome de personagens vampiros importantes. 12

O IMAGINÁRIO POPULAR

Isso ocorre porque a personagem ficcional tem o dom de exercer a mesma função do mito, mesmo que seja ela pensada por um autor único de uma sociedade e momento histórico únicos: (i) refletir a condição do homem no mundo; (ii) explicar a realidade; (iii) e propor atitudes e valores exemplares, em um sentido pedagógico, moral. Esses são, afinal, apelos de toda sorte de representação artística. Rosenfeld diz: Se reunirmos os vários momentos expostos, verificaremos que a grande obra de arte literária (ficcional) é o lugar em que nos defrontamos com seres humanos de contornos definidos e definitivos, em ampla medida transparentes, vivendo situações exemplares de um modo exemplar (exemplar também no sentido negativo). Como seres humanos encontram-se integrados num denso tecido de valores de ordem cognoscitiva, religiosa, moral, político-social e tomam determinadas atitudes em face desses valores. Muitas vezes debatem-se com a necessidade de decidir-se em face da colisão de valores, passam por terríveis conflitos e enfrentam situações-limite em que se revelam aspectos essenciais da vida humana: aspectos trágicos, sublimes, demoníacos, grotescos ou luminosos. (ROSENFELD, 2011, p.45, grifos nossos)

LITERATURA E CINEMA É óbvia a influência crescente e totalitária das obras autorais na formação de um imaginário coletivo e na construção de figuras como a do vampiro. Da mesma forma, é possível afirmar que quanto mais popular a obra maior sua participação na construção de personagens míticas. Logo, devemos afirmar, também, que a principal fonte construtora do vampiro é o cinema e a televisão estadunidenses, as mídias mais populares da atualidade. É certo que os empréstimos que Hollywood faz da literatura mundial são em amplíssima escala. Sendo assim, nada mais pertinente para se estudar o vampiro (e o anjo) em sua popularidade que traçar análises intertextuais entre o cinema hollywoodiano, a literatura mundial e obras originais do próprio cinema. Portanto, definimos nosso córpus da seguinte maneira. Quanto ao vampiro, pensamos nos títulos mais populares que, justamente por serem mais populares, influenciam mais diretamente o imaginário. De modo geral, teremos a orientação desde o tradicional Bram Stoker (Drácula, 1897) até autores mais recentes como Stephenie Meyer e seus vampiros 13

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puritanos (Twilight, 2005-2008; filmes: 2008-2012). No cinema, temos em mente os filmes do vampiro Blade (Blade, 1998; Blade II, 2002; Blade Trinity, 2004), a série Buffy – the vampire slayer (1997-2003), os vampiros sanguinários como o do filme (2011) e HQ (1998-2007) Priest e da série Supernatural (2005--), e também vampiros mais sexualizados e afetivos como os da série The vampire dairies (2009--) e True Blood (2008--). Já em relação à figura do anjo caído, ela está em séries de romances como Hush Hush (2009-2012), na série supracitada Supernatural, em filmes como Legion (2007) e Dogma (1999), entre outros. Tenha-se em vista, inclusive, a música popular, por exemplo, o álbum Symphony Soldier (2011), de The Cab, a música do grupo The Fallout Boys, Just one yesterday, do álbum Save Rock and Roll (2013), e a música Angels would fall, da cantora americana Melissa Etherridge, do álbum Breakdown (1999). Nessas obras, o modo como ele nos é apresentado é homólogo à maneira de ser do vampiro-anjo, seu ethos, uma criatura nãohumana, sobrenatural, que tenta viver entre humanos, que se apaixona por eles, e luta contra sua configuração de espécie diferente. Observa-se que se tratam, majoritariamente, de obras extremamente populares, feitas com fins comerciais, ou seja, com base nas exigências do público e, por isso, rapidamente internalizadas pelo público, nutrindo o imaginário popular (e autoral), nutrindo a rede dialógica de obras autorais, que cristalizam estéticas vampirescas e angelicais e, sobretudo, personagens. Personagens, como dito, são nosso principal objeto de análise. Em torno dessas características, podem-se depreender obras estratégicas das quais propriamente fizemos a análise e abstraímos as relações semânticas, já que, devido à vastidão do córpus, o recorte é extremo, mantendo-se nos tais pontos estratégicos, deixando margem a novas pesquisas.

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O IMAGINÁRIO POPULAR

AS ESTRUTURAS ANTROPOLÓGICAS DO IMAGINÁRIO A descrição semântica sistemática das unidades de sentido é bem vantajosa, como veremos adiante, por contar com um arsenal dos estudos linguísticos, área com grande desenvolvimento desde o último século, e pelo fato básico da intrínseca relação entre a natureza da linguagem e a natureza humana; o homem é linguagem e, apenas por meio dela, ele constrói os bens simbológicos de uma sociedade. Entretanto, existe um aspecto que, mesmo estando no patamar da linguagem e do sentido, alcança estruturas mais amplas quando filiado aos estudos de psicologia e antropologia. Trata-se do aspecto simbológico das unidades de sentido. O revestimento semântico das coisas do mundo passa, necessariamente, por um processo de saturação ao longo da História humana, gerando a polissemia das palavras, dos conceitos, dos símbolos, etc. O revestimento especificamente simbológico, presente na abstração feita em relação ao referente real, reflete as valorizações mais antigas e remotas que o homem atribuiu à coisa em questão. É o simbolismo que transforma a palavra em símbolo cristalizado, dando-a aspectos míticos. O anjo e o vampiro, mesmo personagens, não escapam desse revestimento, justamente por serem eles mitos que remontam a um tempo passado igualmente mítico, em que anjos desciam do céu e vampiros dominavam noites. Sendo assim, além de uma teoria da personagem e uma teoria do sentido, precisamos de uma teoria simbológica. Para tanto, recorremos àquelas do antropólogo Gilbert Durand, As estruturas antropológicas do imaginário (DURAND, 2012), originalmente publicada em 1960. Com um alto teor estruturalista e seguindo ideias preliminares de Gaston Bachelard, Gilbert Durand sistematiza as imagens simbólicas do imaginário segundo sua estrutura isomórfica, apontando os significados mais abstratos que criam conjuntos, postulando uma Semântica do Imaginário. Trata-se de um longo ensaio em que Durand propõe, para os símbolos, uma organização temática, uma estrutura que agrupe não necessariamente sentidos semelhantes, mas movimentos simbológicos. 15

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Essa é grande peculiaridade da teoria, os símbolos não são puramente imagens estáticas, mas sentidos colocados em movimento, eles vêm de algum lugar e chegam a outro, relacionam-se entre si; afinal, o conceito de estrutura está na relação entre os elementos de um sistema. Para tanto, o antropólogo propõe uma motivação geral para o imaginário. O motivo que regeria os símbolos seria o medo e a angústia do homem face ao tempo efêmero e seu fim inelutável, a morte. As imagens, então, materializariam esse medo, ora representando o tempo e a morte, ora representando os símbolos opostos (antitéticos) que dão conta de anular os efeitos negativos do tempo. A disposição dos símbolos é feita em duas polaridades, dois regimes, como chama o autor: o regime Diurno da imagem e o regime Noturno da imagem. O regime Diurno agrupa imagens de valor negativo que personificam o tempo e a morte. São símbolos organizados por Durand como: (i) símbolos teriomórficos, na forma de animais, em que a fugacidade, a rapidez, o barulho e a agressividade remetem às experiências negativas que ferem o homem ou ao passar ligeiro do tempo; (ii) símbolos nictomórficos, na forma da noite e da intimidade feminina, que representam a ciclicidade do tempo, a finitude; (iii) símbolos catamórficos, na forma da queda, que é novamente um fim, um último estágio da vida. Por outro lado, o regime Diurno apresenta símbolos de mesmo peso, mas opostos, antitéticos, que vencem a negatividade: (i) Para a queda, existem os símbolos ascensionais, que elevam o homem da sua condição frágil meio ao tempo, são símbolos da asa, do anjo, da flecha que sobe, etc.; (ii) para o símbolos da noite, há os símbolos espetaculares, da luz do dia, da luz da razão; (iii) e, por fim, para os animais ferozes e fervilhantes, encontramos os símbolos diairéticos, do heroísmo 16

O IMAGINÁRIO POPULAR

separatista, da lâmina cortante, da vitória diurna e racional. Assim, notamos que o modo como o imaginário vence a negatividade no primeiro regime é por meio da antítese, da separação, da distinção e da agressão. É o regime chamado por Durand de “regime heroico da antítese”, de estrutura esquizomórfica. Entretanto, a imaginação ainda quer anular os sentidos negativos dos símbolos teriomórficos, nictomórficos e catamórficos na sua intimidade, na sua integralidade. E, no regime Noturno, é exatamente o que ocorre. No regime Noturno, os valores negativos da noite e do elemento feminino, dos ciclos menstruais, da maternidade, etc., vão se tornar neutros, e passarão a representar o aconchego e a calmaria. Encontramos, então, uma inversão de valores, ora pela neutralização, pelo eufemismo, ora pela relativização, ou seja, o que era ruim e negativo, perto de um elemento novo, pode ser positivo. A queda tornar-se-á descida, o sangue de morte tornar-se-á sangue de vida, a noite feroz tornar-se-á um manto protetor, etc. Aqui, encontra-se a estrutura mística do Regime Noturno da Imagem, “regime pleno do eufemismo”. Existe, ainda, uma última estrutura no regime Noturno que não inverte ou neutraliza, mas coloca as polaridades positiva e negativa em ciclos perpétuos, melhor exemplificados no ciclo das estações do ano, no calendário, que, mesmo sintetizando o tempo e seu temível passar, promete um amanhã. É o momento, no imaginário, em que a Noite anuncia o amanhecer. Os ciclos também podem ser progressivos, em que os valores negativos são amenizados a cada repetição. Trata-se da estrutura sintética desse regime. Há ainda outra sorte de aprofundamentos que Durand procede para cada regime, que se seguem representadas na tabela extraída da obra original.

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Classificação isotópica das imagens. Extraído de Durand (2012, p.443).

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O IMAGINÁRIO POPULAR

Pensando na obra de Meyer, entendemos claramente que a dialética das imagens se faz presente quando a antíteses são conciliadas. Os próprios títulos das obras – do Crepúsculo ao Amanhecer – já idealizam uma jornada noturna, em que reinam o eufemismo e a neutralização. Logo, os símbolos de Crepúsculo transitam entre os dois regimes de Durand, mas concretizam-se, de fato, na noite, na intimidade e no libidinoso, encontrando, aí, a solução, inclusive, para a problemática motivacional do imaginário: vencer a morte. É por meio da vampiridade que a protagonista Bella deixará seus problemas com o tempo, com a velhice e com a morte para trás. Ou seja, o elemento vampiro neutraliza as antíteses físicas, /humano/ vs. /vampiro/. Entretanto, há antíteses de ordem abstrata, que não desparecem com a mesma simplicidade da transformação de Bella em uma criatura sobrenatural. E é a neutralização/eufemização das antíteses psicológicas do sobrenatural que mais nos interessarão nas próximas páginas. Lembremo-nos do exemplo de Durand citado na introdução, de que o dragão é a síntese desses símbolos noturnos do primeiro regime. Adicionamos a esse fato o simétrico positivo do dragão: O instrumento ascensional por excelência é, de fato, a asa […] desejo do angelismo. […] a asa é já um meio simbológico de purificação racional. (DURAND, 2012, p.130-131)

Já se vê aqui uma relação antitética entre o vampiro, que afirmamos ser dragão, e o anjo, que é por si mesmo a síntese da positividade heroica. De forma geral, Durand tem uma teoria que funciona como uma paleta ampla para interpretação. Podemos recorrer a um ou outro regime, ou mesmo conciliar os dois em um movimento conciso da queda à descida ou vice-versa.

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A Estrutura da Personagem Por isso, quando toma um modelo de realidade, o autor sempre acrescenta a ele, no plano psicológico, a sua incógnita pessoal, graças à qual procura revelar a incógnita da pessoa copiada. Noutras palavras, o autor é obrigado a construir uma explicação que não corresponde ao mistério da pessoa viva, mas que é uma interpretação desse mistério. — Antonio Candido A personagem do Romance

Retomando o problema da personagem de ficção, precisamos adotar uma postura de leitura, e não qualquer leitura, mas uma leitura especificamente semântica. O que é, afinal, a dimensão semântica de uma personagem? No mesmo ensaio que citamos acima, em que Anatol Rosenfeld discute a posição da personagem na constituição da obra ficcional, o autor fala de valores estéticos e valores não-estéticos recorrentes nas obras literárias: É importante observar que não poderá apreender esteticamente a totalidade e plenitude de uma obra de arte ficcional, quem não for não capaz de sentir vivamente todas as nuances dos valores não-estéticos – religiosos, morais, políticosociais, vitais, hedonísticos etc. – que sempre estão em jogo onde se defrontam seres humanos. [...] O valor estético aparece “nas costas” (expressão usada por Marx Scheler e Nicolai Hartmann) destes outros valores, mas o nível qualitativo dêste valor não é condicionado pela elevação dos valores morais ou religiosos em choque, nem pela interpretação específica do mundo e da vida. O valor estético suspende o peso real dos outros valores (embora os faça “aparecer” em toda a sua seriedade e força); integra-os no reino lúdico da ficção, transforma-os em parte da organização estética, assimila-os e lhes dá certo papel no todo. (ROSENFELD, 2011, p.46-47)

Ou seja, os valores não-estéticos são os valores sociais. Na vida real, apreendemos uma pessoa por meio destes valores, julgamos toda a realidade com base neles, que nos definem como homens dentro de uma sociedade. Na obra ficcional, a personagem diferencia-se da pessoa real por reger os valores sociais, não-estéticos, por meio dos valores estéticos que a prendem à obra. Isto é, o valores propriamente estéticos são os que caracterizam os não-estéticos como ficção, são os elementos ficcionais

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característicos do gênero: o enredo, a ação, a duração, a coerência interna, a literariedade, a teatralidade, etc. Assim, valores estéticos reforçam, suspendem e modificam valores não-estéticos em um processo de ressignificação do real, de forma que são estas as duas faces da personagem: os valores estéticos instaurados pela economia narrativa e os valores não-estéticos aos quais esse “instaurar” relaciona-se. Trata-se de uma face formal que dá significado a uma face semântica, um significante e um significado. Na definição de Rosenfeld, o significante, o valor estético, tem primazia sobre o significado, o nãoestético, afrouxando a relação deste último com o referente real na sociedade, seus valores sociais reais. Em outras palavras, a forma estética da arte afrouxa a relação do seu sentido social e a sociedade real, de modo que não levamos uma denúncia social em uma obra de arte como uma denúncia formal dentro das instituições sociais. E essa hierarquia é que dá autonomia ontológica à ficção em relação à realidade, conforme aponta Rastier. Na tradição dos estudos linguísticos, a questão do significado daquilo que se diz constituiu uma interrogação permanente dos estudos da linguagem desde seus primórdios. Essa reflexão pode ser vista historicamente sob a forma de oscilações entre os três vértices de um triângulo assim constituído (RASTIER apud PIETROFORTE; LOPES, 2012, p.114)1:

Associando o modelo aos termos de Rosenfeld, o valor estético seria a palavra (ou o significante de Saussure), o valor não-estético seria o 1 Rastier, F. (1990). “La tríade sémiotique, le trivium et la sémantique linguistique”. Nouveaux Actes Sémiotiques, 9.

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A ESTRUTURA DA PERSONAGEM

conceito (ou o significado) e o mundo real que dá base aos valores nãoestéticos utilizados é a coisa (ou o referente real). O ponto central é que, independente da posição teórica adotada nos estudos semânticos, tem-se essa distinção entre o significado e o referente muito nítida. A personagem de ficção, nesse sentido, não é um caso à parte do problema do signo linguístico e da significação, de modo que ela pode ser lida como um signo que, apesar de suas especificidades, é regido por um conjunto de leis comuns as do léxico das línguas, comuns à questão da própria linguagem. E é justamente um método de análise da semântica do léxico que pretendemos aplicar à análise das personagens vampiros e anjos que encontraremos nas obras selecionadas. Trata-se da análise componencial ou sêmica, da qual mobilizaremos alguns conceitos, conforme nossas necessidades, encontrados no capítulo de Antônio Vicente Seraphim Pietroforte e Ivã Carlos Lopes, “A semântica lexical” (PIETROFORTE; LOPES, 2012, p.111-135). A proposta da análise sêmica é aplicar o que é feito com as unidades do plano da expressão, os fones e fonemas, às unidades do plano do conteúdo, os semas. Encontra-se um conjunto de traços distintivos componentes da unidade. A unidade da semântica lexical é o lexema, cada traço distintivo é chamado de sema e o conjunto de semas é chamado de semema. Um exemplo dado pelos autores é a análise do lexema “boné”, em que os semas são “para cobrir a cabeça”, “com copa”, “com abas”, etc., em que a cada sema é atribuído o valor de presença (+) ou ausência (-). Entretanto, não apenas de distinções binárias (+\-) é feita a análise, pois elementos graduais (“com copa”>”com copa alta”; “com abas”>”com abas largas”; “de matéria flexível”) contribuem com o estudo. A análise em termos de “presença (+)/ ausência (-)” dos traços distintivos é na verdade um expediente útil para introduzirmos categorizações em grandes linhas, mas deve ser refinadas com ajuda de ferramentas descritivas aptas ao processamento do contínuo (PIETROFORTE; LOPES, 2012, p.119).

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Outro ponto de importante menção são dois fenômenos ou processos enumerados pelos autores como específicos da mobilização do lexema em uma situação discursiva, que pode alterar o modo de apresentação do semema: (i) uma mobilização desigual dos semas contidos em seu semema, pois a atualização em discurso corresponde a uma seleção dos semas que ganharão destaque no texto em pauta; (ii) um núcleo sêmico – o conjunto daqueles semas já reconhecidos nas definições dos dicionários – é acrescido de semas contextuais Somados, esses dois fenômenos produzirão um efeito de relevo ou de perspectiva, projetando semantismos de “primeiro plano” e semantismos de “planos secundários”, num dispositivo comparado aos processos perceptivos de que se ocupa a psicologia de Gestald (forma-fundo.) (PIETROFORTE; LOPES, 2012, p.121). A incorporação de traços semânticos provenientes do contexto é processo observável a cada novo uso discursivo, alterando parcialmente a identidade das acepções das unidades de que se trata. Não significa que a passagem ao discurso implique um abandono completo das acepções dicionarizadas: significa sua transformação parcial, no interior de limites aceitos intersubjetivamente pelos falantes da língua focalizada. (PIETROFORTE; LOPES, 2012, p.125)

Aplicada a uma personagem, essa teoria implica, formulando nossos postulados adaptados: (i) considerar a personagem constituída por um conjunto de sentido (semema) expresso pelos valores estéticos do plano da expressão da narrativa. (ii) os componentes do conjunto (semas) apresentam-se ora em relação de presença e ausência, ora em relação de gradação. Por exemplo, um vampiro pode ser composto por /+dentes salientes/ ou /-dentes salientes/, em que, uma vez salientes, os dentes podem ser mais ou menos salientes. (iii) os semas, por sua vez, serão também mobilizados em um discurso, ou seja, na obra ficcional, que poderá adicionar semas novos à figura cristalizada por outros autores ou apagar semas tradicionais, no jogo de forma-fundo, de núcleo sêmico e semas contextuais.

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O Anjo: tudo que voa pode cair Angels never came down There's no one here they want to hang around But if they knew – if they knew you at all Then one by one the angels, angels would fall — Melissa Etheridge Angel would fall

Devemos mencionar, antes de prosseguir, que, devido a esse reforço e apagamento de tais ou tais semas, não faremos a identificação de todas as categorias semânticas possíveis para cada personagem, detendo-nos somente àquele que ocupam a posição de semantismo primários e que são mais importantes para a compressão da linha evolutiva do vampiro e da relação dialógica vampiro-anjo. Indo à imagem do anjo do imaginário cristão, notamos como ela está muito presente em diversas obras de arte hoje em dia, sobretudo no que se chama, comumente, de arte de massa, pop, comercial, etc. Romances como os das séries Hush Hush (Becca Fitzpatrick, 2009-2012), Fallen (Lauren Kate, 2009-2012), Kissed by an angel (Elizabeth Chandler, 19952010), The mortal instruments (Cassandra Clare, 2007--), Clockwork Angel (Cassandra Clare, 2010-2013), séries televisivas como Supernatural (Erik Kripke, 2005--), e inúmeros filmes populares trazem várias representações dessa criatura celeste. São, obviamente, representações que, devido a sua popularidade e frequência, nos dizem muito sobre os caminhos que a arte vem tomando nos últimos anos. Não apenas o anjo é uma criatura sobrenatural, que se encaixa nos gêneros do maravilhoso (cuja popularidade e frequência devem ser estudadas com exclusividade), como também é uma criatura que pertence ao conjunto das representações do imaginário cristão, religioso, criando um parentesco com demônios, deus, o diabo e, por motivos a serem explicados, vampiros. 25

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

As representações artísticas desse assunto religioso implicam um posicionamento do artista e/ou da sociedade sobre o papel da religião e da crença na vida cotidiana. Ou seja, as obras que trazem o anjo em sua composição tecem críticas sobre a religião, a Igreja, Deus e o lugar do ser-humano em meio a essas instituições sociais. Assim, deve-se ter em vista esse tipo contribuição com estudos de antropologia que os estudos de arte sobre o anjo e o imaginário cristão podem ter, decorrente do nítido filtro axiológico que vinculam. Como dito anteriormente, para o estudo artístico estruturalista das representações do anjo, uma premissa a ser considerada é que, antes de ser tema de ficção, o anjo é um personagem de ficção, e, como todo personagem, ele tem uma relação funcional com a diegese da obra. A análise, assim, deve levar em consideração a totalidade da obra e não o anjo isolado. Antônio Candido nos chama a atenção para essa preocupação com o estudo dialógico das categorias narrativas: É uma impressão praticamente indissolúvel: quando pensamos no enredo, pensamos simultâneamente nas personagens; quando pensamos nestas, pensamos simultaneamente na vida que vivem, nos problemas em que se enredam, na linha do seu destino – traçada conforme uma certa duração temporal, referida a determinadas condições de ambiente O enredo existe através das personagens; as personagens vivem no enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. (CANDIDO, 2011, p.53-54)

Candido diz, percebemos, que personagem e enredo (valores estéticos) estão associados ontologicamente, e seus valores não-estéticos são expressos por uma “duração temporal”, “condições de ambiente” (valores estéticos). E a manifestação em conjunto dessas categorias é a integralidade da obra de arte que pode exprimir a visão de vida – novamente um valor não-estético, que está ligado a um valor real (referente real). Ou seja, o anjo exprime uma realidade ficcional como personagem, cuja apreensão implica a compreensão do enredo e, consequentemente, das mais diversas categorias narrativas. O conjunto da obra, por sua vez, relaciona-se a uma posição axiológica a respeito dos fatos da vida real, da

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O ANJO: TUDO QUE VOA PODE CAIR

religião e da sociedade – e reforçamos esse fato, pois, adiante, ele nos servirá para conclusão da tese. Também como já dito, é necessário um recorte do córpus, tendo vista sua numerosidade. Dividimos as obras em torno de três aspectos mais vistos nas representações do anjo, três traços, características, modalizadores de sua figura, que são, afinal, três semas de alta recorrência, constituintes do núcleo sêmico angelical. Para cada sema desses, selecionamos também uma obra que melhor o representa.

DOGMA: UMA QUESTÃO DE SERVIDÃO A primeira obra da qual depreendemos o primeiro sema é um filme de comédia de 1999, dirigido e escrito por Kevin Smith, Dogma. A história é sobre a missão que a personagem Bethany Sloane (Linda Fiorentino) deve cumprir: impedir que dois anjos, Loki (Matt Damon) e Bartleby (Ben Affleck), passem pelas portas de uma igreja católica em Red Blank, New Jersey. Esses anjos foram expulsos do céu por Deus (Alanis Morissette) e exilados em Wisconsin. A igreja de Red Blank instaurou um novo dogma, uma nova crença, decretando que quem passasse por suas portas em dado dia teria a absolvição de seus pecados e sua entrada garantida no céu, uma forma de indulgência. O dogma, sendo decretado em nome de Deus, tem pode real no filme e poderia perdoar os dois anjos. Ocorre que, uma premissa do universo de Dogma é que Deus é infalível, o que ele decretou não pode ser desfeito, e o dogma da igreja, ao desfazer o decreto de Deus, perdoando os anjos, anularia a base de toda a existência e tudo que há se desfaria. Bethany conta com a ajuda de outro anjo, Metatron (Alan Rickman), o porta-voz de Deus, e a missão lhe é imposta porque Deus se encontrava aprisionado em um plano ardiloso de outro personagem importante de mencionar, o mentor do plano de “salvação” de Loki e Bartleby, o demônio Azrael (Jason Lee).

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

Azrael pretende que o universo se desfaça porque ele não quer mais viver no inferno, para onde foi mandado depois que se recusou a lutar na antiga guerra entre Deus e Lúficer. Sobre Loki e Bartleby, também é preciso dizer que, como é relatado, Loki era o anjo da morte e levava a ira de Deus às nações. Um dia, Loki, influenciado por Bartleby, refletiu sobre seu papel e se recusou a matar novamente em nome de Deus. Essa decisão rendeu a expulsão para ambos. Não é preciso entrar em mais detalhes para percebermos a característica mais latente dos anjos em toda a obra. De um lado, em Dogma, temos anjos que se rebelaram contra as leis, contra os decretos, de Deus: Loki, Bartleby – e o próprio Azrael, apesar de não ser anjo, é um rebelde. De outro, temos um anjo que se mantém nos planos divinos, Metatron. Essa oposição fundamental vai ao encontro da questão moral proposta à protagonista Bethany: ela, a princípio, não acreditava mais em Deus e se viu frente a todo esse universo que ela julgava inexistente; desse modo, ela teve que escolher entre servir com seu papel e salvar a Criação ou não servir. Depreende-se, assim, uma oposição entre /+servidão/ e /-servidão/, a ausência ou presença do sema /servidão/. É clara a presença desse traço nas representações mais diversas dos anjos: eles estão ora do lado do Céu, ora contra o Céu. O próprio Lúcifer bíblico mostra-se como o primeiro rebelde. Na verdade, tanto é que o anjo representa o posicionamento do homem em relação aos assuntos de fé e religião, que nos textos bíblicos toda a questão do pecado pode ser compreendida, perfeitamente, como a não servidão, /-servidão/, em relação a Deus.

BEDAZZLED: O DIABO BENEVOLENTE Entretanto, /servidão/ é apenas um traço e não dá conta de toda a diversidade de anjos que encontramos. Existem variações de anjos servos e anjos rebeldes. Então, para demonstrar o segundo sema, selecionamos um filme que não mostra anjos realmente, mas o próprio diabo, que não deixa de ser um anjo um dia rebelde. 28

O ANJO: TUDO QUE VOA PODE CAIR

O filme é a comédia de 2000 Bedazzled, traduzido por Endiabrado no Brasil, da direção de Harold Ramis, escrito por Harold Ramis, Larry Gelbart e Peter Tolan. O filme, uma adaptação do original de 1967, conta a história de Elliot (Brendan Frase), que leva uma vida sem muitas perspectivas ou felicidades, fazendo dele um homem solitário e triste. Certa vez, ele é encontrado pelo Diabo (Elizabeth Hurley), que oferece sete desejos em troca de sua alma. Elliot aceita, e a narrativa prossegue com a realização dos desejos, que sempre acabam por dar errado e sair diferente do esperado. O filme é bem simples em questão de ações, muito centrado, praticamente gira em torno de Elliot e o Diabo, sem dar espaço para a construção de outros personagens. E uma característica que cerca a figura do Diabo, e também a de Elliot, é como eles reagem moralmente a diversas situações, mas essa característica não é necessariamente o traço de /moralidade/, é um pouco menos específica. Vemos cenas que colocam em evidência os temas de roubo, tráfico de drogas, vandalismo, trapaça, perversão sexual e, por fim, como se o fim de uma escala gradativa, o tema de respeito à vida, ao outro e a si mesmo. Por meio delas, filme demonstra como, algumas vezes, o Diabo se porta de forma malévola e de forma benévola, e como Elliot aprende sua lição moral: não importa como seja a vida dele, não vale a pena trocá-la por outra, o importante é aceitar a si mesmo e ao outro com respeito, construindo sua felicidade sem destruir a alheia, agindo com piedade. O traço de sentido geral, então, vai além do moral e imoral, justamente por esses termos implicarem a adoção de uma ideologia sobre o certo e o errado, e o próprio diabo dizer, em uma passagem da obra, que a questão do certo e errado não existe, e o que importa são as ações do dia-a-dia. O traço que queremos reside na questão da benevolência do Diabo e do protagonista. Assim, pensando nos anjos rebeldes que destacamos, notaremos, de obra em obra, que ora eles demonstram /+benevolência/, ora /benevolência/.

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

CITY OF ANGELS: HUMANIDADE E SEXUALIDADE O terceiro título eleito é o conhecido romance cinematográfico de 1998 City of angels, traduzido por Cidade dos anjos, da direção de Brad Silberling e autoria de Wim Wenders, Peter Handke e Richard Reitinger, adaptado do original alemão de 1987, Der Himmel über Berlin. A história é sobre a paixão do anjo Seth (Nicolas Cage) pela médica Maggie Rice (Meg Ryan). Seth a observava de sua posição celeste desenvolve uma amizade com a cirurgiã quando, por amor, decide cair e tornar-se humano, a fim de que eles possam viver essa paixão. O ponto que nos interessa é o modo como Seth aprende a sentir, a dominar emoções, aprende a ser humano. Isso revela uma característica central de /humanidade/, que apela mais especificamente para a emotividade, indo além do traço semântico /benevolência/, pois cobra do personagem anjo um grau elevado de seus sentimentos. /Humanidade/ está para o Phatos como /benevolência/ está para o Logos. Segundo Pietroforte e Lopes, esse seria um caso de gradação dos semas, de um contínuo que começa com a /benevolência/ /+benevolência/ /+humanidade/.

ARQUÉTIPOS DO ANJO A partir desses três semas gerais, podemos definir arquétipos de anjo. Na verdade, apenas com os dois primeiros, podemos obter matrizes gerais do comportamento do anjo personagem na ficção. Antes, entretanto, de apresentar os arquétipos, podemos aprofundar os traços, definindo, sobretudo, sua relação com a imagem tradicional do anjo, a bíblica, que é a que funda o imaginário acerca dessa criatura. O primeiro sema, /servidão/, reflete a filiação e compromisso do anjo com o Céu, com o Paraíso, e, consequentemente, com os planos do deus, com os princípios divinos. A oposição fundamental /+servidão/ e /servidão/, reflete, em instâncias discursivas, a oposição entre o Céu e o Inferno. Ou seja, histórias que contam com esse sema salientado, como um semantismo primário, geralmente relatam confrontos entre as forças 30

O ANJO: TUDO QUE VOA PODE CAIR

do bem e as do mal. Nesse cenário, o anjo /+servidão/ mantém-se fiel aos planos divinos e o anjo /-servidão/ rebela-se contra Deus. O segundo sema, /benevolência/, reflete a postura do anjo em relação à vida, e pode manifestar-se em figuras discursivas como a “vida” e a “morte”. O anjo /+benevolência/ tem mais respeito pela humanidade, não deseja matar os homens e acredita que eles, assim como toda a Criação, devem ser preservados. Já o anjo /-benevolência/ ou deseja a aniquilação da humanidade, geralmente sob a alegação de os anjos serem as criaturas mais dignas de existir de toda a Criação, ou não demonstra qualquer tipo de amor e piedade, mesmo que não busque a destruição da vida. Por fim, o terceiro traço não irá definir arquétipos, mas sua discussão é talvez mais importante que a dos outros dois, sobretudo quando chegarmos à análise dos vampiros. Em primeiro lugar, devemos dizer que não há /humanidade/ sem /benevolência/, caso isso não tenha ficado claro pela afirmação da relação de gradação entre eles. É impossível um anjo desejar sensações humanas sem conseguir sentir piedade do próprio ser-humano. O segundo ponto desse traço /humanidade/ é o fato de ele suscitar um traço subjacente, proveniente da /humanidade/, que diz respeito ao amor sexual, de um casal, a /sexualidade/. No caso do filme City of Angels, Seth apresenta /+humanidade/ e /+sexualidade/, por se apaixonar por Maggie, e a razão para não fundirmos os dois traços é que, mesmo depois da morte da amada, ele continua apresenta características humanas que o fazem querer ficar no plano terrestre mesmo sem desejo carnal. Da mesma forma, em outras obras, encontraremos anjos /-sexualidade/, mas /+humanidade/. /Sexualidade/, enfim, é a gradação mais intensa da /humanidade/. Além, é preciso atentar para a implicação do amor para um anjo. Biblicamente, eles apresentam /benevolência/, são alegres e adoradores de Deus, mas têm /-humanidade/, ou seja, não desejam o lugar do homem, não desejam seu livre-arbítrio, inclusive. Logo, eles são /-sexualidade/. Esse conjunto de semas, o semema do anjo bíblico, cria o arquétipo bíblico de anjo, que a ficção adota como o anjo ideal, ou como modelo base a ser contestado. 31

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

O anjo personagem que alterar qualquer um dos semas do arquétipo bíblico (/+servidão/, /+benevolência/, /-humanidade/) será considerado um anjo caído, exilado de seu lugar no Céu. Apesar disso, não encontramos, na ficção, /+sexualidade/ e /+humanidade/ como características disfóricas, e sim justamente o contrário, o amor é positivo em todas as suas formas para o anjo personagem, mesmo que o faça cair de sua condição. Nesses casos, o arquétipo bíblico passa a ser disfórico em relação ao anjo caído, e veremos o porque desse jogo de inversão de valores mais tarde. A seguir, a tabela dos arquétipos de anjos que pudemos traçar. Servidão

Benevolência

Humanidade

Sexualidade

Anjos Bíblico

+

+

-

-

Anjos Rebelde

-

+

+

+/-

Anjo Anarquista

-

-

-

-

Anjo Político

+

-

-

-

Anjo Bastardo

+

+

+

+/-

1: {/+servidão/, /+benevolência/, /-humanidade/, /-sexualidade/} É o anjo bíblico, fiel aos planos de Deus, respeitador da vida e da humanidade e assexuado. É o que menos se vê na ficção. Tal fato aponta para tendências da ficção de desmistificar o imaginário cristão, por mais que dele tire matrizes de sentido em larga escala. 2: {/-servidão/, /+benevolência/, /+ humanidade/, /+ousexualidade/} Como dito, a /sexualidade/ não é um fator determinante dos arquétipos e, na ficção, é usada conforme a histórica abarca ou não uma trama amorosa ou emocional. Por isso, esses traços podem ou não estar presentes. O que realmente o caracteriza esse arquétipo de anjo rebelde é a desobediência aos planos divinos. Rebelde em relação aos céus, pois seu senso de /benevolência/ continua presente e permite que ele se relacione amigavelmente com a Criação. 32

O ANJO: TUDO QUE VOA PODE CAIR

3: {/-servidão/, /-benevolência/, /-humanidade/, /-sexualidade/} Esse é o arquétipo do anjo anarquista, de Lúcifer. Ele não respeita nem a Criação nem os planos de Deus, é servo apenas de sua própria vontade. Isso o condiciona, também, a ter /-humanidade/, apesar de seu apelo emotivo, do Phatos, ser intenso, tendo em vista que é um ser que odeia. O registro do traço ausente se dá, entretanto, por exigências da própria ficção, ao tratar como disfórico o ódio e não associá-lo às emoções eufóricas. 4: {/+servidão/, /-benevolência/, /-humanidade/, /-sexualidade/} Nesse arquétipo do anjo político, o traço ausente crucial é a /benevolência/. Esses anjos seguem as ordens do Céu a qualquer custo, matando vidas se necessário for. Nesse caso, as ordens do Céu, majoritariamente, pouco tem a ver com os planos de Deus do anjo bíblico, são apenas ordens para a preservação do Paraíso e a para a manutenção da luta contra o Inferno. Entretanto, mesmo sendo ordens egoístas sob o rótulo de vontade divina, que visam ao bem estar dos anjos e não de toda a Criação, ainda são ordens que configuram uma hierarquia e cobra dos anjos submissão, obediência e servidão, e por isso a ficção entende como /+servidão/. 5: {/+servidão/, /+benevolência/, /+humanidade/, /+ousexualidade/} Esse anjo é o Seth de City of Angels. Ele seria a variação humanizada do anjo tradicional: servo, benevolente, mas de sentimentos salientados. O motivo pelo qual esse anjo também é caído é o simples fato de distorcer o arquétipo bíblico. Assim, o chamaremos de anjo bastardo, recém-expulso dos Céus por causa de sua paixão, mas que não discorda das leis divinas. Pensando nesse funcionamento maquinal dos anjos, vemos como as criaturas tiradas do imaginário cristão manifestam uma tensão constante: ao mesmo tempo em que o homem, por meio da arte, quer se valer dos preceitos bíblicos, ele quer distorcê-los, modificá-los, criar uma mitologia nova e própria. É como se esses anjos personagens mostrassem, a todo momento, o desejo do homem de se equiparar a Deus (o imaginário cristão) – e, para se equiparar, existe um sentimento de adimiração e 33

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

idealização – e o desejo simultâneo de se distanciar de Deus e negar todas as leis (/servidão/) e morais (/benevolência/), seja em nome do amor (/humanidade/ e/ sexualidade/) ou não. Os vampiros, sendo criaturas demoníacas, do mesmo campo semântico dos anjos (o cristão, o do divino), apresentam um funcionamento análogo. Podemos encontrar nas criaturas da noite as mesmas tensões de leis e moral, e o amor e as emoções, estão também presentes nos chupadores de sangue.

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O Vampiro: do céu ao inferno Baby girl, I'm not quite human, And I'm not quite a machine. So I guess that leaves you staring at something That's somewhere in between. — The Cab Animal Yeah I'm no angel, I'm just me But I will love you endlessly Wings aren't what you need – you need me. — The Cab Endlessly

Retomando o que Pietroforte e Lopes afirmaram sobre a mobilização discursiva dos semas, devemos dizer que, após análise, é notável como os semas que constituem o semantismo primário dos anjos, isto é, /servidão/, /benevolência/ e /humanidade/ não são necessariamente o semantismo primário dos vampiros, assumindo, assim, o plano secundário, o fundo. Deles, o único que mais vigora é a /benevolência/, se o vampiro a tem ou não. De toda forma, a figura do vampiro mostra-se de maneira muito mais complexa, mobilizando mais semas que os anjos, devido a sua popularidade maior, maior número de obras em que eles figuram e maior número de personagens vampiros em uma mesma obra, em um mesmo discurso. Assim, faremos a análise de quatro obras, três filmes e um romance. Notar-se-á, nessa parte do trabalho, a ausência da referência direta ao Drácula de Soker e outros clássicos vampirescos. A questão, como já explicada, é que buscamos a sincronia do século XXI, mantendo-se em obras dos anos 1990 e dos anos 2000, aproximadamente. De forma alguma excluímos de nossa visão as manifestações mais antigas e difundidas, enraizadas. 35

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

Entretanto, iniciamos nosso estudo sobre vampiros-personagens com uma obra que sintetiza, de forma contemporaneíssima, a figura do Conde Drácula e faremos os paralelos entre eles sempre que nos for conveniente. Afinal, é impossível sermos exaustivos na seleção de um córpus, ficando a deixa para outros trabalhos seguirem a linha e adicionarem análises que comprovem ou neguem nossa proposta.

FRIGHT NIGHT: A PERVERSÃO NOTURNA O filme Fright Night, no Brasil traduzido para A hora do espanto, é uma adaptação feita pelo diretor Craig Gillespie em 2011 da versão de Tom Holland de 1985. O filme original conta a história de um jovem que se depara com um novo vizinho que é, na verdade, um vampiro, com todas as características draculianas: presas, unhas, sede se sangue, postura galanteadora e altiva, etc., ou seja, um clássico filme de vampiros do século XX. O filme do século XXI faz uma releitura equilibrada, o vampiro-vizinho ainda é um homem de meia idade charmoso e, quando transformado, tem uma aparência animalesca. A história começa quando esse vampiro, Jerry (Colin Farrell), mudase para o bairro pacato onde vive Charley (Anton Yelchin), um jovem no fim da adolescência. Aos poucos, Charley nota estranhezas no comportamento do vizinho, até que ele próprio entra na casa dele para investigar e acaba descobrindo uma moça aprisionada no porão. Ele rapidamente a leva para fora, esquivando-se da visão de Jerry, mas quando os dois saem da casa, ela explode ao ser tocada pela luz do sol. Jerry age em relação às descobertas de Charley, transformando o amigo dele (Christopher Mintz-Plasse) em seu lacaio-vampiro e seduzindo sua mãe (Toni Collette). Depois de algumas peripécias, Jerry é derrotado e é revelado que ele era, na verdade, um vampiro antigo e poderoso que tentava aumentar a presença da raça vampira – plano que é, obviamente, anulado. As semelhanças entre Jerry e Drácula, nesse sentido, são suas características físicas e comportamentais e o fato de ambos não serem vampiros entre outros vampiros, mas O vampiro. 36

O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

Então, os semas que proporemos a esse personagem são tanto físicos quanto psicológicos. Primeiramente, é notável que Jerry tem sede de sangue (/sede/), alergia à luz solar (Drácula não a tinha) (/noturno/), é fisicamente monstruoso, (/monstro/), alérgico à figura da cruz cristã (/religião/), tem interesse em sugar o sangue de mulheres, o que demonstra um apelo libidinoso (/sexo/). Já no plano psicológico, ele é discreto, não se revela aos humanos todos (/discrição/), é galante e sensual em sua forma humana (remete novamente ao /sexo/) e tem uma habilidade em conversar e argumentar de forma muito aprumada, vencendo discursivamente antes de vencer fisicamente (/argumentação/). Podemos, assim, traçar o semema de Jerry, o representante da cultura draculiana no século XXI:

Jerry

Jerry

Sede

Noturno

Monstro

Religião

+

+

+

+

Sexo

Discrição

Argumentação

+

+

+

BLADE: O PODE DA CIÊNCIA Passamos agora a uma obra de peso muito forte na cultura popular do fim do século XX, começo dos anos 2000, que é o filme do diretor Stephen Norrington de 1989, Blade, que teve direito a duas sequências que não abordaremos. O filme é baseado nas histórias em quadrinhos Blade, o caçador de vampiros, da Marvel Comics. Blade (Wesley Snipes) é um personagem, cuja mãe (Sanaa Lathan), grávida, foi mordida por um vampiro, contraiu o vírus vampiro, e deu à luz seu filho que nasceu não humano. Entretanto, Blade, diferente de outros de sua espécie, pode andar na luz do sol sem entrar em combustão. A vida de Blade é matar outros vampiros, representados como seres sanguinários que dizimam a população humana sem piedade. Para isso, ele trabalha com um aliado e realiza pesquisas científicas, 37

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

químicas, para desenvolver armas e soluções que destruam os inimigos, ao mesmo tempo em que pesquisa um soro que alivia a sua sede de sangue e um soro que o possa curar do vírus vampiro. Tanto o é o caráter científico que os vampiros são até chamados de homo nocturna. O antagonista do filme é Frost (Stephen Dorff), um vampiro visionário, que tem planos de conseguir a habilidade de Blade de andar a luz por meio de pesquisas a uma antiga profecia da bíblia dos vampiros, que falava sobre um daywalker, caminhante diurno, e mostrava o modo como se realizar um ritual para a “transferência” desse dom de Blade para Frost. Frost, entretanto, não é o padrão dos vampiros no filme, porque ele se opõe, com seu plano, ao conselho de vampiros. O conselho é um órgão equilibrado, que pondera suas ações a fim de manter sua discrição e, claramente, não acabar com a raça humana, que é seu alimento. Como é de se esperar, Blade acaba com os planos de Frost e continua sua vida de caçador de vampiros. Ao menos três padrões de vampiros são encontrados aqui. Blade, que não é noturno, mas /diurno/, tem pena de matar humanos (/benevolência/), apaixona-se por uma bioquímica (reforçando o caráter científico) (/sexualidade/), é discreto (/discrição/), é científico (/ciência/), mas ainda assim tem (/sede/). E, em oposição ao Jerry de Fright Night, os vampiros da obra são /-monstro/. Frost é /noturno/, tem /sede/, faz apologia ao /sexo/ e à /carnificina/ (uma cena, por exemplo, em que os vampiros tomam um banho se sangue), não sendo nem um pouco discreto, e, ao seguir a profecia do daywalker, é adepto à /religião/. O conselho dos vampiros, diferentemente de Frost, tem /discrição/ e tem regras e um sistema (/organização/), apesar de ter /sede/. /Sexo/ e /carnificina/ não são explicitados no conselho, mas todos os outros vampiros fora da sala de reunião demonstram essas características de forma latente.

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O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

Assim, o semema proposto é: Sede

Sexo

Carnificina

Blade

+

-

-

Frost

+

+

+

Conselho

+





Religião

Ciência

Organização

Blade

-

+

-

Frost

+

-

-

Conselho

-



+

Noturno

Diurno

Discrição

Blade

-

+

+

Frost

+

-

-

Conselho

+

-

+

Benevolência

Sexualidade

Blade

+

+

Frost

-

-

Conselho





Nota-se a complexidade em relação aos anjos, mesmo em relação a Jerry e a Drácula. Isso não quer dizer que não podemos falar que estes últimos são, por exemplo, /-ciência/, a questão é o fato de esse traço não funcionar com distintivo em algumas obras ou ser semantismo primário. /Ciência/ é distintivo em Blade por estar em oposição a /religião/. Esse ponto que queremos reforçar: quanto mais personagens, maior a possibilidade de traçar oposições, analogamente ao que, na fonologia (que se vale dos traços distintivos de que se apropriou a análise semântica componencial), é chamado de pares mínimos.

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

UNDERWORLD: PELO BEM DO SISTEMA Percebemos uma mudança de densidade entre o tipo de vampiro de Jerry e Drácula e o tipo de vampiro de Blade e Frost, não por suas características singulares, mas pelas relações que estabelecem entre si – o sentido está na relação, sobretudo. Adensando mais a relação, temos os filmes da franquia Underworld, cujo primeiro filme, traduzido com o subtítulo Anjos da noite (não arbitrariamente), dirigido por Len Wiseman, do ano de 2003. Mais denso porque, além dos vampiros, temos a figura do lobisomem, ou lycans, e como falamos de par mínimo na análise componencial, fica claro o par mínimo semântico aqui. A história consiste na jornada mútua da protagonista Selene (Kate Beckinsale), uma vampira do clã de Kraven (Shane Brolly), e sua paixão Michael (Scott Speedman), um humano muito raro. A peculiaridade de Michael é sua ascendência que leva a Alexander Corvinus, o pai do primeiro vampiro e do primeiro lobisomem; Michael, sendo um Corvinus, tem a capacidade sanguínea de conciliar as mutações das duas espécies sobrenaturais, tornando-se uma criatura híbrida. Michael está sendo perseguido pelo clã de lobisomens de Lucius (Michael Sheen). Lucius é um lobisomem que, outrora, se apaixonou por uma vampira, Sonja, filha do vampiro ancião Viktor (Bill Nighy), mas, por impedimento de Viktor, teve seu amor frustrado, sua amada assassinada e sua espécie toda posta em uma constante guerra com os vampiros desde então. Lucius quer, no presente da obra, por meio do sangue de Michael, miscigenar as raças, numa tentativa de vingança a Viktor, que abominou a ideia, matando sua própria filha por isso. Os vampiros, caçando e perseguindo lycans há séculos, perceberam a perseguição que os lobos faziam em relação a Michael, e Selene o salvou. Entretanto, Michael foi mordido e contraiu o vírus licantropo. No fim, eles descobrem que o próprio líder do clã vampiro, Kraven, ajudava Lucius em seu plano. É então que surge Viktor, reanimado de um estado de sono que levava há séculos, e trata de levar a punição a Kraven e a Lucius, mas não antes que Michael, em meio ao fogo cruzado, fira-se e acabe obrigando Selene a mordê-lo, para que, contraindo o vírus

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O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

vampiro, ele venha a se tornar o híbrido, com a capacidade de se curar mais rapidamente e melhor. A última luta é entre Viktor e Selene e Michael, que lutam agora pela chance de viverem seu amor. Viktor morre e o casal segue sua jornada nesse underworld (submundo). Pensamos bem, em algum momento, a fim de resumir a história de forma breve, recorremos a uma melhor caracterização física ou ritualística do vampiro ou do lobisomem, mas mantivemo-nos na relação estabelecida entre eles: amor, guerra, vingança, repúdio, mescla. O sentido relacional desse filme funciona entre estados de antítese e síntese. Se os vampiros têm forma humana, os lycans têm forma animal, se aqueles têm controle sobre sua sede (que é pouquíssimo mencionada), estes são ferozes e vorazes, se Selena/Sonja-vampira é feminina, Michael/Lucius-lycan é masculino. Por outro lado, ambos são criaturas do submundo, são noturnos, são sobre-humanos e depende dos humanos como alimentam, têm lutas territoriais, dividem-se em clãs, têm um líder, etc. O que interessa também é notar que, uma vez que a narrativa ocupase de traçar antíteses e sínteses, não é mais foco narrativo (semantismo primário) a sede, não vemos nenhum personagem com fome de sangue ou carne humana – pelo contrário, os vampiros dominam uma corporação de laboratórios que produzem sangue sintético; não é mais foco a alergia à luz ou à prata (no caso dos lycans), isso é apenas citado quando usado como armamento na luta entre as espécies. De alguma forma, como os dois extremos sobrenaturais que são a gravidade da narrativa são ambos sobrenaturais, anula-se o contraste dessas características, o contraste que elas geralmente têm quando contrapostas a características humanas. Assim, valer-nos-emos dos mesmos semas utilizados para definir o comportamento dos vampiros, adicionando poucos a mais. Um é a dupla de semas da oposição básica entre vampiros e lycans: estes são animalescos (/animal/) e aqueles, comportam-se como humanos (/humano/). Outro é a gradação de /organização/. Os vampiros de Blade funcionam em um sistema de discrição e cautela, mas alimentam-se de 41

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

humanos, caçam humanos, levam-nos a abates em casas noturnas. Os vampiros de Underworld não precisam dessa maneira exagerada de humanos, dá-se a entender que o sistema dele já é autossuficiente, não há carnificina como nos abates de Blade. Como dito, a preocupação é o controle de lycans e o poder político vampiro, quem reina, quem manda, quem obedece, etc. Então, não apenas um conjuntinho de regras e um sistema regido, /organização/, mas uma /corporação/, autônoma e completa, quase infalível, que vigora desde os tempos remotos. Dessa maneira, depreendemos as seguintes características dos personagens vampiros e personagens lobisomens de Underworld. Vale mencionar que o sema /sede/ é de definição complicada, pois se sabe que ambas as criaturas têm fome, mas também se sabe que os vampiros são comportados. Assim, marcamos /sede/ como ausente para os vampiros, devido sua conduta calma e serena a respeito desse sema. Também, a personagem de Lucius e Michael, mesmo lycans, não são /animal/, porque portam-se humanamente como vampiros. Sede

Sexo

Selena

Humano +

Animal -

-

-

Noturno +

Kraven

+

-

-

+

+

Viktor

+

-

-

-

+

Lucius

+

-

+

-

+

Michael

+

-

+

-

+

Lycans

-

+

+

-

+

Carnificina

Discrição

Religião

Ciência

Selena

-

+

-

+

Kraven

-

+

-

+

Viktor

-

+

-

+

Lucius

-

-

-

+

Michael

-



-

+

Lycans

+

-

-



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O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

Organização

Corporação

Benevolência

Sexualidade

Selena

+

+

+

+

Kraven

+

+





Viktor

+

+

-

-

Lucius

+

-

+

+

Michael





+

+

Lycans

+

-

-

-

TWILIGHT: O BRILHO DO SOL A quantidade de personagens e a inserção de uma nova criatura do sobrenatural levam Underworld a um nível acima de complexidade. Na série de romances, posteriormente transpostos para o cinema, da autora norte-americana Stephenie Meyer, Twilight, prestigiamos mais um nível, o último antes de tentarmos definir os arquétipos dos vampiros. Na história dos romances, a narradora autodiegética Bella apaixona-se por um vampiro, Edward, e luta constantemente para que o amor interespécies dos dois vigore. Ela imerge em um mundo sobrenatural, conhecendo a família do vampiro, os Cullen, o clã de lobisomens de uma tribo indígena local, o Quileutes, vivendo um triângulo amoroso com Edward e o lobisomem Jacob e, por fim, enfrentando o que é equivalente a uma realeza vampiresca no universo da série, a família e corte dos Volturi. Devido à numerosidade dos acontecimentos, não vamos resumir toda a história, apenas traçar as características de Edward, dos outros Cullen, dos Volturi e dos Lobisomens. Edward é a paixão perfeita construída por Bella. Ele é atraente, charmoso, é conquistador em suas palavras, é discreto, é bondoso e amoroso, mas tem uma sede de sangue que precisa de controle contínuo. Ele compreende a natureza física, química e biológica das coisas, mas também acredita no deus cristão. É capaz de tolerar a luz do sol, apenas brilhando quando tocado por ela, mas não queimando.

43

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

Os Cullen, de modo geral, apresentam as mesmas características de Edward: bonitos, inteligentes, racionais, sedentos, diurnos, discretos, diferindo apenas na religião. E a família toda de Edward se distingue dos outros vampiros por serem vegetarianos, ou seja, alimentarem-se apenas de sangue animal. Por outro lado, os Volturi são a lei soberana, impiedosos e capazes do que for para manter a discrição e o sigilo da existência vampiresca. perdendo seus aspectos benévolos, e, declaradamente, adeptos do que chamamos de /carnificina/. Os lobisomens Quileutes funcionam em antítese aos vampiros. Eles são instáveis, irritados, animalescos, impulsivos, enquanto os vampiros são estáveis, gélidos, calmos, meticulosos. Simplesmente com essas características, temos um pequeno semema para cada personagem: Sede

Sexo

Edward

+

+

Cullens

+

+

Volturi

+

+

Quileutes

-

+

Humano

Animal

Edward

+

-

Cullens

+

-

Volturi

+

-

Quileutes

Argumentação

+ Ciência

Edward

+

+

Cullens

+

+

Volturi

+

+

Quileutes

-

-

Organização

Benevolência

Edward

-

+

Cullens

-

+

Volturi

+

-

Quileutes

-

+

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O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

Carnificina Edward

Diurno

-

+

Cullens

-

+

Volturi

+

+

Quileutes

-

+

Impulsivo

Cauteloso

Edward

-

+

Cullens

-

+

Volturi

-

+

Quileutes

+

-

Religião

Discrição

Edward

+

+

Cullens

-

+

Volturi

-

+

Quileutes

+

Sexualidade

Edward

+

Cullens

+

Volturi

-

Quileutes

+

ARQUÉTIPOS DE VAMPIROS A fim de sistematizar arquétipos a partir da combinação desses semas, devemos, em primeiro lugar, reduzi-los a semas mais genéricos. Faremos isso a partir dos dois eixos do semantismo primário dos anjos: /benevolência/ e /servidão/. O eixo de /benevolência/ dos vampiros é sua capacidade de hesitar em morder um ser-humano, ter piedade e respeito à vida de todas as criaturas. O vampiro /benevolente/ não é necessariamente apaixonado, /sexualidade/, mas tende, devido a sua misericórdia, humanizar-se, 45

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

comover-se. O outro extremo do eixo de /benevolência/, a /benevolência/, é a síntese de valores que vão contra essa postura benéfica, a síntese dos semas /sede/, /sexo/ e /carnificina/, que geram, todos presentes, certa /perversão/. É certo que muitos vampiros /+benevolência/ têm /+sede/, mas a /+perversão/ necessita /+sexo/ e /+carnificina/. O segundo eixo que define os arquétipos é o da /servidão/, nos anjos. O modo como a servidão manifesta-se entre os vampiros é diferente, está no fato de eles terem a obrigação de prestar contas a alguma organização, como a de Blade e a de Underworld, terem a obrigação de obedecerem, com risco de punição – punição que para o anjo era a queda e para os vampiros é a morte definitiva. Então, os semas /organização/ e /corporação/ são prestigiados em /servidão/. /Discrição/, apesar de ser princípio de organização, em um escala contínua semântica, não se configura como /servidão/, porque está mais ligada a uma lei geral de /sobrevivência/. Com esses dois eixos, definimos quatro arquétipos, listados abaixo. SERVIDÃO

BENEVOLÊNCIA

PERVERSO

-

-

PONDERADO

+

-

HUMANO

-

+

PIEDOSO

+

+

1: {/-servidão/, /-benevolência/} O padrão de vampiro é, por cristalização, o Drácula, Jerry, etc. Esse vampiro é dono de si mesmo, não obedece nenhum sistema e não tem piedade alguma da vida humana. É perverso e sanguinário. Esse tipo pode ser chamado de perverso. Podemos traçar um paralelo com o arquétipo de anjo anarquista, com o próprio diabo. 2: {/+servidão/, /-benevolência/} O vampiro perverso pode passar a obedecer leis, regras e integrar-se a um sistema organizado, com hierarquia, dever e punição. Nesse sentido, ele não é mais monstruoso, porque é meticuloso e burocrático, mas, 46

O VAMPIRO: DO CÉU AO INFERNO

usando esse lado estratégico para tirar vidas humanas sem piedade, ele se torna um vampiro ponderado, como Viktor, os Volturi e Kraven. O seu equivalente anjo é o político. 3: {/-servidão/, /+benevolência/} Por outro lado, o vampiro pode ter piedade, encontrar outros modos de se alimentar, beber sangue de animais, por exemplo, ou sangue sintético, ou ainda viver com culpa e arrependimento por ter que matar pessoas. Se esse vampiro não está em um sistema organizado, ele vive sua vida discreta o mais sozinho possível ou com companheiros vampiros como os Cullen. A esse vampiro chamaremos de humano, no sentido emotivo e piedoso. 4: {/+servidão/, /+benevolência/} Por fim, em alguns casos, a benevolência e a servidão de um vampiro coexistem. O sistema a que ele serve pode ser impiedoso, mas o indivíduo-personagem-vampiro adota comportamentos mais razoáveis em relação à humanidade. É o caso de Selene, fiel a sua família do submundo, ao sistema, mas boa. Curiosamente, essa /benevolência/ cumulativa a faz, nas sequências e no próprio desfecho do primeiro filme, abandonar o sistema. Assim como /+sexualidade/ e a /+benevolência/ fazem o anjo cair do paraíso, a /+sexualidade/ e a /+benevolência/ fazem os vampiros desse tipo passarem ao arquétipo humano. Esse arquétipo pode ser chamado de piedoso.

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

48

As relações semânticas entre vampiros e anjos If heaven's grief brings hell's rain Then I'd trade all my tomorrows For just one yesterday. —Fall Out Boys Just One Yesterday

O anjo, então, como demonstrado, tem sua referência, seu modelo, no padrão bíblico e, quando é um anjo caído, cai por se desviar do semema do anjo bíblico. O vampiro, por outro lado, tem seu modelo no Drácula, perverso, e não cai de fato, apenas se desvia da tradição. A relação entre o anjo bíblico e o vampiro perverso é totalmente fundada na antítese, e não poderia ser diferente, sendo o vampiro equiparado ao Inferno e os anjos, ao Céu.

Um é bondoso e obediente, o outro não é. Na ficção, entretanto, as novas tendências sobre o comportamento vampiresco, que tende ao angelical, propõe a dissolução das antíteses, mas não pela dissolução em si, e sim por razões que desembocam nela.

EDWARD: O VAMPIRO ANJO Um aspecto do vampiro de Twilight explicita a relação da figura demoníaca à angelical. A primeira vez que a protagonista do romance vê os vampiros Cullen, ela faz essa comparação, mentalmente: “I stared because their faces, so different, so similar, were all devastatingly, 49

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

inhumanly beautiful [...] painted by an old master as the face of an angel.” (MEYER, 2005, p.19). A comparação com anjos, e que não para aí, ganha profundidade com duas metáforas recorrentes para o vampiro: a do próprio anjo e a da pedra. Cabe lembrar que todos os vampiros estão sintetizados na figura de Edward, no modo como ele é visto pela narradora autodiegética Bella, e justamente por ser autodiegética permite a tomada de leitura mais subjetiva das descrições, tendo em vista passarem não pelos olhos de um narrador onisciente, mas de um personagem-narrador. Uma dessas metáforas nem é sobre o vampiro, a princípio, nem é uma das duas metáforas, mas é a primeira informação que chega a nós no texto e diz muito sobre a jornada vampiresca de Bella. Trata-se da epígrafe selecionada pela autora: “But of the tree of the knowledge of good and evil, thou shalt not eat of it: for in the day that thou eatest thereof thou shalt surely die. Genesis 2:17” (MEYER, 2005, epígrafe). Claramente, evidencia-se o diálogo com texto bíblico, inclusive pela capa que mostra a maçã sendo oferecida por um par de mãos. Esse diálogo com o texto bíblico está presente nas outras metáforas, e até mesmo na visão ocidental tão impregnada pelo cristianismo, predeterminando as composições desse vampiro e as leituras que dele fazemos. Meyer, entretanto, não é a primeira a evidenciar a relação do vampiro e do cristianismo. Se anteriormente afirmamos ser essa criatura uma criatura cristã, é porque desde Stoker (STOKER, 2002), pelo menos, a cruz, a água benta e todos os elementos divinos e consagrados têm influencia sobre o vampiro, colocando-o em uma posição de disjunção com Deus, em uma posição amaldiçoada ao inferno. O que Meyer faz, na verdade, é adicionar a esse sema de disjunção em relação ao divino uma conjunção, ao passo em que Edward tem fé em Deus e na salvação e se vê ele mesmo amaldiçoado, buscando tal salvação. O vampiro de Meyer não sangra, apesar de se alimentar de sangue humano ou animal. Seu corpo é constituído por um material duro, frio e resistente, semelhante à pedra. Em vários momentos, Bella olha para a pele de Edward e se refere a ele como mármore, e, quando ele está 50

AS RELAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE VAMPIROS E ANJOS

exposto ao sol, e seu corpo brilha, como diamantes encrustados na sua pedra. Os vampiros, quando mortos, feitos em pedaços por outros vampiros, são esmigalhados como pedra. Essa é a metáfora da pedra.

A aparência pétrea dos vampiros no filme Eclipse, adaptação do terceiro romance.

Outra comparação que Bella usa para Edward e para os Cullen é a do anjo. Constantemente, as figuras da família de vampiros de Forks são comparadas a anjos, devido a sua beleza, brancura e perfeição. Tudo bastante explícito, inclusive, no capítulo vinte e três, intitulado “O anjo”, Bella, delirante sob o efeito do veneno do vampiro, chama Edward em seus pensamentos de anjo várias vezes. Além de, no filme, haver uma metáfora plástica, que coloca Edward em frente a uma coruja empalhada, compondo a imagem alada do vampiro:

Edward de Twilight.

51

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

A PEDRA Atentemos à simbologia da pedra. Abaixo estão alguns trechos das definições do símbolo, segundo Chevalier e Gheerbrant (2012): Tradicionalmente, a pedra ocupa um lugar de distinção. Existe entre a alma e a pedra uma relação estreita. […] A pedra e o homem apresentam um movimento duplo de subida e de descida. O homem nasce de Deus e retorna a Deus. A pedra bruta desce do céu; transmutada, ela se ergue em sua direção. O templo* deve ser construído com pedra bruta, não com pedra talhada... ao levantar teu buril sobre a pedra, tu a tornarás profana (Êxodo, 20, 25; Deuteronômio, 27, 5; 1 Reis. 6, 7). A pedra talhada não é, com efeito, senão a obra humana; ela dessacraliza a obra de Deus, ela simboliza a ação humana que se substitui à energia criadora. [...] As pedras não são massas inertes; pedras vivas caídas do céu, elas continuam tendo vida após a queda (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.696, grifos dos autores) Ela desempenha um papel importante nas relações entre o céu e a terra: ao mesmo tempo em função das pedras caídas do céu e em função das pedras ornamentadas ou engastadas (megálitos, bétilos, cairns). Diversos povos […] consideram o quartzo* como sendo fragmentos despreendidos do céu ou do trono celeste: ele é instrumento de clarividência dos xamãs. As pedras caídas do céu são, além disso, muitas vezes, pedras falantes, instrumentos de um oráculo ou de uma mensagem. […] Pode-se citar ainda a pedra caída da fronte de Lúcifer, na qual, segundo Wolfram d'Eschenbach, foi talhado o Graal. Se as pedras caem do céu, é porque ele é freqüentemente considerado – principalmente na China – a abóbada de uma caverna. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.696-697, grifos dos autores) A pedra, que é o Elixir de vida e que, segundo Raymond Lulle, regenera as plantas, é o símbolo da regeneração da alma pela graça divina, de sua redenção. [...] Jean-Paul Roux, estudando as crenças dos povos altaicos (ROUX, 52), opõe a significação simbólica da pedra à da árvore. Semelhante a si mesma, depois que os ancestrais mais remotos a ergueram ou sobre ela gravaram suas mensagens, ela é eterna, ela é símbolo da vida estática, enquanto que a árvore, submetida a ciclos de vida e de morte, mas que possui o dom inaudito da perpétua regeneração, é o símbolo da vida dimânica. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.698, grifos dos autores)

Selecionamos esses trechos, pois eles deixam claro duas características da pedra-símbolo: (i) ela representa uma força que se opõe à vida humana, enquanto mineral, vida não-orgânica, estática e resistente à ação do tempo e (ii) mantém uma forte relação com o universo sagrado, do místico e das religiões. Para nós, que crescemos em uma sociedade de uma forte cultura cristã, não é difícil perceber o quanto a Bíblia, por 52

AS RELAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE VAMPIROS E ANJOS

exemplo, utiliza a imagem da pedra, da pedra de que Moisés tira água à pedra metafórica do apóstolo Pedro em que é erguida a Igreja.

O ANJO Também devemos ver algumas considerações sobre a figura do anjo: O instrumento ascensional por excelência é, de fato, a asa […]. Esta extrapolação natural da verticalização postural é a razão profunda que motiva a facilidade com que as fantasias voadoras, tecnicamente absurdas, são aceitas e privilegiadas pelo desejo do angelismo. […] a asa é já um meio simbológico de purificação racional. (DURAND, 2012, p.130-131) […]. Porque a asa é, de fato, segundo Toussenel, “a marca ideal de perfeição em quase todos os seres”[...]. Para a consciência coletiva o aviador, Mermoz ou Guynemer, é um “arcanjo” dotado de poderes tão sobrenaturais como o xamã siberiano. […] A fantasia da asa, de levantar vôo, é experiência imaginária da matéria aérea, do ar – ou do éter! –, substância celeste por excelência. […]. A pureza celeste é, assim, a característica moral do levantar vôo, como a mancha moral era a característica da queda, […]. De tal modo que podemos dizer, enfim, que o arquétipo profundo das fantasias de vôo não é o pássaro animal, mas o anjo, e que toda elevação é isomórfica de uma purificação porque é essencialmente angélica. (DURAND, 2012, p.132-133) Outros, ainda, vêem nos anjos símbolos de funções divinas, símbolos das relações de Deus com as criaturas, ou ao contrário (mas os opostos coincidem na simbólica), símbolos de funções humanas sublimadas ou de aspirações insatisfeitas e impossíveis. [...] Existe uma equivalência simbólica e funcional entre os mensageiros do Outro-Mundo celta, que muitas vezes se deslocam sob a forma de cisnes, e os anjos do cristianismo, que ostentam asas de cisnes. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.60)

O anjo, como é de se esperar, como criatura pertencente ao sagrado, carrega os traços do sagrado, da perfeição e da pureza, da cor branca e da luz. Se a pedra não é dotada de consciência e suas valorizações ocorrem devido à sua condição de pedra (eterna e sagrada), o anjo é uma criatura pensante, valorizada pelo seu posto de mensageiro do sagrado, elevado das mazelas humanas, do tempo, da doença e da morte.

O DRAGÃO Por fim, no que toca aos aprofundamentos da simbologia dessas imagens, precisamos falar novamente um pouco sobre a figura do dragão, 53

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

como representante do vampiro, que assume essa equivalência no imaginário, assim que Drácula (drac, do latim draconis) (Cf. MELTON, 1995, p.400) se cristaliza. Para Durand (2012), como já citado anteriormente: Parece que o Dragão existe, psicologicamente falando, sustentado pelos esquemas e arquétipos do animal, da noite e da água combinados. Nó onde convergem e se cruzam a animalidade vermicular e fervilhante, a voracidade feroz, o barulho das águas e do trovão, tal como o aspecto viscoso, escamoso e tenebroso da “água espessa”. […] O arquétipo vem resumir e clarificar os semantismos fragmentários de todos os símbolos secundários” (DURAND, 2012, p.98)

Ainda é preciso lembrar: Os dragões representam, também, as legiões de Lúcifer em oposição aos exércitos dos anjos de Deus […] São Jorge ou São Miguel [arcanjo Miguel] em combate com o dragão, representados por tantos artistas, ilustram a luta perpétua do bem contra o mal. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.352)

Então, se a pedra é o sagrado em meio aos homens, e o anjo, símbolo da perfeição e meta entre os homens, o dragão (vampiro drac) é a síntese das forças opostas, da destruição e da queda.

A PULSÃO HUMANA DA SÍNTESE VAMPIRO-ANJO Entretanto, encontramos o anjo, a pedra e o dragão sintetizados no vampiro de Twilight, e em algumas outras obras, pensando em síntese como a resolução da antítese entre anjo e vampiro. É quando o arcanjo Miguel e Lúcifer deixam de lutar e se abraçam, quando os valores são invertidos e/ou neutralizados, que nascem esses arquétipos de anjos rebeldes e bastardos e vampiros humanos e piedosos. O movimento de neutralização e síntese já é apontado por Durand como finalidade do imaginário: vencer convencendo, levar os símbolos antitéticos à síntese do Regime Noturno da Imagem. Consideremos, assim, esses dois extremos de valores como, na verdade, dois estágios de uma linha evolutiva concisa: o anjo bíblico, que serve a Deus, volta-se contra o criador e caí, endemonizando-se; em seguida, o demônio, ou vampiro perverso, outrora anjo, volta a se erguer

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AS RELAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE VAMPIROS E ANJOS

na sua natureza divina, sacralizando-se. Em outras palavras, o anjo caído é Lúcifer que, quando se ergue, é vampiro elevado, Edward. E podemos afirmar que o anjo rebelde e o vampiro humano são a mesma criatura, em estágios diferentes, porque os dois compartilham as mesmas características no imaginário e na ficção. O anjo é alado porque a asa é símbolo de ascensão, diairético, positivo. Mas a asa também está presente em alguns demônios, dragões e vampiros, abrindo mão de sua valorização positiva, representando a origem desses seres malignos, que está no anjo. Indo às obras de ficção, existe um exemplo em que os dois estágios encontram-se totalmente fundidos. É a criatura criada pela série de TV Docto Who, os anjos lamentadores. (DOCTOR who, 2007, 2010a, 2010b, 2012). Os anjos lamentadores são seres que se alimentam do tempo de vida de uma pessoa, enviando-a para algum lugar aleatório no tempo-espaço e vivendo a vida dela na linha de tempo original. Em termos mais simples, é uma criatura que se alimenta da força vital da outra, do “sangue” ou da “alma”. Esses anjos apenas se movimentam quando não são visto, pois, quando qualquer olhar recai sobre eles, eles se transformam em estátuas de pedra. Ora, é, sem forçar a exemplificação, um legítimo vampiro-anjo de pedra! Outro exemplo válido é o grande trabalho que outra série, Supernatural, tem feito com a mitologia cristã, utilizando anjo de um modo peculiar (SUPERNATURAL, 2008-2013). Na série, existem anjos justos, anjos trapaceiros, anjos caídos e um Lúcifer que conserva sua luz e, literalmente, queima frio (nos faz pensar nos significados do gelo em Twilight). Em suma, são anjos que não demonstram mais respeito pelo Deus, mas vivem suas próprias pulsões, rebelando-se, carregando as valorizações negativas do dragão e as positivas do anjo, abandonando o sema de /servidão/. E é justamente essa a razão que acreditamos levar o anjo a se tornar vampiro: viver suas próprias pulsões. É o reflexo na ficção da pulsão do homem de se tornar independente de Deus e da religião, é uma pulsão de liberdade. A mesma ação é feita pelo vampiro piedoso ao abandonar a /servidão/ do sistema, negando a /-benevolência/. 55

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

Se pensarmos assim, entenderemos que, em Twilight, Edward, representante dos outros vampiros, é posto frente a dilemas existenciais: matar ou não matar, seguir ou não sua natureza, se apaixonar ou não por um humano, manter ou não relações sexuais pré-matrimoniais, permitir ou não que uma criança híbrida de vampiro e humano nasça... São questões cujas respostas eles se negam a buscar num Criador, num mentor, numa crença, mas que encontram quando refletem por si mesmos. O “pensar por si mesmo” gera, nos romances, o movimento de conciliação dos opostos. É uma quebra que ocorre no pensamento automático, na tradição, que permite a essas personagens encontrarem, de fato, a felicidade. É, novamente, quando o arcanjo Miguel e o dragão Lúcifer deixam de lutar e se abraçam, que nasce a tolerância. O vampiro humano e piedoso, então, assim como o anjo rebelde e bastardo, assim como e a pedra esculpida (na definição de Chevalier e Gheerbrant), é a pulsão do homem de se erguer contra Deus, de se equiparar e conquistar independência do criador.

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O valor do Vampiro Anjo na cultura Semanticamente falando, pode-se dizer que não há luz sem trevas enquanto o inverso não é verdadeiro: a noite tem uma existência simbólica autônoma. — Gilbert Durand As estruturas antropológicas do imaginário

No conjunto dessas informações, aquilo que chamamos de sacralização do vampiro pode, ser compreendido de duas maneiras distintas, porém complementares. Por um lado, é apontada por Durand (2012) a necessidade do ser humano de superar a negatividade atribuída aos símbolos. O vampiro, enquanto criatura mitológica que foi intensamente apropriada por autores, carrega o dito “mal da sociedade”, e uma saturação negativa intensa por ser demoníaco, uma vez criatura da noite e do diabo, e por ser animalesco, uma vez sanguinário e sub-humano. Era de se esperar que, um, dia o homem olhasse para o vampiro de outra forma, pensando nele como uma criatura essencialmente afastada do mal, porque para ele, dotado de tantos poderes, bem e mal são elementos indiferentes. Dessa maneira, o vampiro passa a ser visto não como criatura subhumana, mas sim sobre-humana, elevada da condição efêmera e fadada à morte. E por estar acima, torna-se também super-humano, podendo sentir mais, viver mais, pensar mais, está saturado de humanidade em potencial. O vampiro temido torna-se vampiro desejado, tanto é que o cinema hollywoodiano começa a vendê-lo nessa infinidade de filmes, assim como a própria Anne Rice fez com seus romances. Por outro lado, quando o vampiro torna-se uma criatura “de bem”, efeito da superação da negatividade simbólica, evidencia-se suas semelhanças a uma outra sorte de criaturas, o anjo, e sua semelhança de criatura caída com Lúcifer. Nesse ponto, o vampiro passa a atuar em um processo de superação da negatividade no campo semântico do Imaginário Cristão, passando a ser um exemplo de que não só os 57

ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

vampiros, mas quaisquer criaturas demoníacas, até mesmo Satã, podem elevar-se de sua condição. Victor Hugo em seu poema épico La fin de Satan, narra a trajetória de Lúcifer, de sua queda ao momento em que, perdoado por Deus, o diabo volta a ser anjo esplendoroso. A mesma tensão continua a se manifestar hoje em dia, reafirmada pelo próprio vampiro. Vê-se, portanto, que o Cinema e a Literatura não param de inovar e incrementar as transformações dos vampiros e dos anjos. É preciso citar três títulos de 2014 que, não vistos aqui nas análises nem citados, já se mostram de uma riqueza enorme para o tema de que tratamos. O primeiro é a série de TV Dominion, produzida pelo canal Sy-Fy. É a continuação do filme Legion, de 2010, que mostrou anjos lutando entre si, entre facções que queriam dizimar a humanidade e as que queriam defendê-la. Dominion mostra o mundo pós-apocalíptico em que homens e anjos lutam pela sobrevivência. O arquétipo do anjo político, frio e calculista, tem sido muito explorado nos poucos episódios já lançados. O segundo é o filme da Disney Maleficent. Trata-se da história de A bela adormecida, lançada pelos estúdios de animação da Disney em 1959, contada sob a perspectiva da vilã, a fada Malévola, com mudanças significativas na história. O interessante é que Malévola tinha asas de anjo, com penas, as perde e as recupera, em um percurso de redenção, queda e ascensão, em que a asa, o instrumento de ascensão racional de Durand, executa o papel de instrumento redentor. Além do mais, os chifres demoníacos da fada, combinados com as asas, explicitam a composição anjo-demônio, mesclando os polos, conforme visto no pôster a seguir2.

2

Disponível em: http://www.dearcrissy.com/wp-content/uploads/2014/03/maleficentwings-poster.jpg, acesso em: 29/06/2014.

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O VALOR DO VAMPIRO ANJO NA CULTURA

Poster de Maleficent.

O último é o filme, a ser lançado, Dracula Untold. Pelo trailer, vê-se que é a história do Conde Drácula vista por outro ângulo, no mesmo esquema de Maleficent, mostrando que o vilão não é tão mau como se imagina. No pôster também podemos ver como as asas formadas pela capa do Conde compõem a imagem vampiro-anjo3. Percebe-se, a partir desse fenômeno que envolve os vampiros, a complexidade em se trabalhar com o material popular, que explode em Hollywood. É preciso atentar-se para as minúcias. Os vampiros não estão apenas nas histórias sobre vampiros, os diabos não são diabos todas as vezes e os anjos escondem-se da vista desatenta. O anjo pode ser o vampiro Drácula com sua capa e pode ser Edward com asas de coruja, e o diabo pode ser Malévola com chifres, que também é anjo. É o valor simbólico e o valor sistêmico que importam. Não é exatamente a complexidade do fenômeno psicológico, mas do fenômeno linguístico.

3 Disponível em: http://cdn1.clickthecity.com/images/articles/600/22644.jpg, acesso em: 29/06/2014.

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

Poster de Dracula Untold.

Os valores não-estéticos estão escondidos e regidos por valores estéticos que precisam de uma compreensão exata, ou seja, os significados estão, na linguagem artística, concatenados entre si por meio de significantes de ordem própria. Isto é, o anjo, o vampiro e o demônio, significados não-estéticos, estão regidos por significantes estéticos como a asa, o chifre etc. Longe de ser apenas fruto do cinema do entretenimento, os vampiros sacralizados são resultado de um processo psicológico de superação de negatividades presas a símbolos demoníacos. É a superação do próprio cristianismo que é colocada em jogo. Tanto o vampiro bom, quanto o anjo rebelde da ficção contemporânea refletem uma tensão de seus contextos sócio-históricos em torno da humanização da vida. Quando eles superam suas naturezas não humanas e se humanizam, pregam a superação da dicotomia bem e mal e seus preconceitos embutidos para a celebração da experiência humana. Superação da religião que define o Ocidente e celebração a humanidade que define o planeta.

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A Simbologia da série Crepúsculo Sobre Twilight, Crepúsculo, especificamente, traçamos outra série de reflexões pertinentes, que localizam esta obra e suas sequências em um ambiente cultural próprio e discriminável, com adendos àquele cenário do Vampiro Anjo que vimos. Tomamos como córpus os romances per se, entendendo o livro como um conjunto de dados significantes, desde a capa e sua formatação até seu conteúdo.

DIEGESE E ENREDO Como é esperado, por ser uma história de fantasia, Meyer nos apresenta uma série de informações desse universo fictício que não existem na vida real. A primeira com que temos contato é o vampiro. O vampiro, na série, não é subordinado a todos os padrões dessa criatura apresentados pela literatura e cinema precedentes. Ainda é uma criatura morta viva, seu coração não bate, seu corpo não vive em ciclos fisiológicos, mas sua consciência e percepção mantêm-se intactas. É uma criatura forte e resistente como as pedras com que é frequentemente comparada na história: granito, mármore, diamante... Tem velocidade, audição, visão, olfato e forças hiperapurados. Não precisam beber sangue para viver, mas são impulsionados a isso pela sede quase insaciável que sentem. Como diz a tradição, torna-se vampiro o humano que é mordido por um deles. Eles são imortais e são imunes ao sol: expostos à luz, apenas brilham como diamante, o que chamaria muita atenção para si e, por isso, se escondem. Não são susceptíveis a alho e estacas de madeira também, a única coisa capaz de matá-los é o fogo, pois, mesmo despedaçados, podem se regenerar. Alguns vampiros são talentosos, têm

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habilidades especiais, como poderes paranormais – o que não é estranho, levando em conta sua natureza sobrenatural. Um dos clãs mais antigos de vampiros é o dos Volturi, que residem em Volterra, na Itália. Eles são responsáveis por manter a ordem no mundo vampiro e manter sua existência em sigilo. São, no total, três mestres: Aro, Marcus e Caius, e suas esposas. Contam com uma ampla guarda de vampiros talentosos. Eles punem severamente (com a morte) vampiros negligentes que põe em risco a “paz” e o sigilo. Vampiros podem viver em clãs ou ser nômades. Dois clãs desse mundo não se alimentam de sangue humano, mas de sangue animal, permitindo que sejam mais civilizados (pelo menos é nisso que acreditam algumas personagens). Eles são os de Denali e os Cullen; estes mantêm residência fixa em Forks, Washington, EUA, lugar que sedia a história. Os Cullen são compostos por sete membros: o criador Carlisle, médico no hospital local, e sua esposa Esme, a “mãe”, Rosalie e seu parceiro Emmett, Alice, que tem poder de prever o futuro, e seu parceiro Jasper, que pode controlar emoções, e Edward, o vampiro capaz de ler mentes... exceto uma, Isabella Swan. Isabella Swan, blindada à leitura de mentes de Edward, é filha do xerife de Forks, Charlie Swan, e se muda para lá porque sua mãe, Renée (que se divorciou de Charlie há muito tempo), terá que acompanhar seu parceiro, Phill, jogador de baseball, em suas viagens de trabalho. Ela é a protagonista da história, que se apaixona por Edward. Outro “clã” de vampiros é o de James. James é o vampiro rastreador (que pode localizar outras pessoas facilmente) que perseguirá Bella ao fim do primeiro romance. Sua companheira é Victoria, e o terceiro integrante, Laurent. Percebe-se, desde já, que os vampiros costumam acomodar-se em casais – há um motivo. Em Lua Nova, aparece outra espécie sobrenatural, os Lobos Quileutes. Os quileutes são uma tribo indígena próxima a Forks e podem se transformar em lobos gigantescos, do tamanho de cavalos, capazes de matar vampiros. A transformação é justamente por esse motivo, eles defendem seu território dos vampiros, mas mantêm um pacto de pacificidade com os Cullen por eles não se alimentarem de sangue 62

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humano. Os quileutes, aqueles que se transformam, vivem por muito tempo, praticamente são imortais. Têm a temperatura do corpo muito quente, diferente do frio dos vampiros, e continuam tendo seu corpo funcionando: coração, fisiologia, etc. Sobre as criaturas maravilhosas, vale ressaltar que Bella ficará grávida de Edward, de uma criança híbrida vampira e humana, chamada Renesmee, uma espécie rara que se assemelha em muito aos quileutes – em temperatura, força e crescimento. Agora, por se tratar de uma história extensa, seriada, convém dividi-la em partes menores para melhor manuseio do objeto. Uma divisão coerente seria a divisão em ações centrais, em beats de história, programas narrativos (PN) de base, segundo a nomenclatura da semiótica greimasiana (Cf. GREIMAS; COURTÉS, 2013, p.388). Sabemos que a série é composta por quatro volumes: Crepúsculo, Lua Nova, Eclipse e Amanhecer, mas podemos aprofundar essas partes. Em Crepúsculo, há, bastante demarcado, um problema inicial: Bella conhece o estranho rapaz Edward, apaixona-se por ele, mas não sabe os sentimentos dele por ela e, principalmente, não sabe se ele é ou não um ser sobrenatural. Esse problema é resolvido e a narrativa prossegue por alguns capítulos até que se abre o segundo problema: um vampiro persegue Bella, ela deve, então, fugir e os Cullen mobilizam-se para salvá-la. Ao fim do romance, tudo volta à normalidade, e a história fecha-se deixando apenas uma ação que será estendida ao longo de toda a série: Bella deve se tornar vampira. Também começa aí outra ação estendida para mais de um romance: a companheira do vampiro que tentou matar Bella no primeiro romance tenta se vingar matando a protagonista. Em Lua Nova, a história começa com um incidente que gera a ação: Jasper tenta atacar Bella quando ela sangra acidentalmente, devido a isso, Edward (e os Cullen) decide abandoná-la para sua própria segurança. Bella entra em um estado depressivo, até que começa a ter alucinações, visões, com o amado quando ela está correndo algum risco de morte. Então, a protagonista começa a buscar por situações arriscadas para poder ver Edward em alucinações e, nesse meio tempo, encontra 63

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Jacob, com quem começa uma amizade, que se transformará em “paixão”, mas que envolve uma dúvida quanto à sobrenaturalidade de Jacob. A resolução desse amor não correspondido e do triângulo amoroso Jacob-Bella-Edward é outra ação estendida. A questão do abandono de Edward resolve-se com a volta de Alice, pois ela tinha tido uma visão de Bella tentando um de seus feitos arriscados. A volta da vampira faz pensar na volta dos outros Cullen e do próprio Edward, já que, segundo ela, aquela situação já estava se tornando “ridícula”. Mas, em uma trama de encontros e desencontros, Edward, pensando que a amada havia, de fato, morrido, tenta se matar, indo até os Volturi e depende de Bella salvá-lo ou não. Novamente, esse PN é resolvido, mas agora a última ação estendida toma cena: os Volturi, para preservar o segredo dos vampiros, querem Bella transformada em breve – mas é indiciado que incomoda Aro Carlisle ter formado um clã tão grande com vampiros talentosos, vampiros que interessam ao patrono italiano, gerando um ímpeto de guerra para destruir um grupo com potencial para destronar os Volturi. Em Eclipse, não haverá duas ações, apenas uma: Victoria, a parceira do vampiro James, cria um exército de vampiros para destruir Bella, tendo em vista a numerosidade dos Cullen e dos Quileutes. No fim, o exército é destruído e Victoria também, fechando uma ponta solta desde o fim de Crepúsculo. Por fim, Amanhecer traz um discurso mais complicado. São duas ações centrais, com uma saída temporária da narração autodiegética de Bella para a narração autodiegética de Jacob. A primeira complicação ocorre bem ao fim do “livro um”: o bebê meio humano, meio vampiro que Bella carrega a está matando de dentro para fora. No “livro dois”, Jacob conta os fatos de seu ponto de vista de onde parou o “livro um”. O PN da criança híbrida é resolvido ao fim dessa narração, ela nasce e Bella é transformada, mas também existe o problema de Jacob como membro da matilha: ele trai o bando para defender os vampiros.

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A segunda, e última, complicação da série é a ida dos Volturi até Forks para destruir os Cullen – um desejo dos anciãos, desculpado pela ideia da criação de uma “criança imortal”. A resolução é simples, nem um lado vence, não há luta, há conciliação.

"À PRIMEIRA VISTA" Tendo em mente os conceitos apresentados, a história resumida e as personagens em seus devidos lugares, começamos agora a ver como, na economia da narrativa, as antíteses do sobrenatural acontecem. Em primeiro lugar, é preciso atentar com mais cuidado para o começo de tudo, os primeiros parágrafos de Crepúsculo4, para termos ideia do grau de presença da situação antitética na série e de como ela se orienta: My mother drove me to the airport with the windows rolled down. It was seventy-five degrees in Phoenix, the sky a perfect, cloudless blue. […] In the Olympic Peninsula of northwest Washington State, a small town named Forks exists under a near-constant cover of clouds. It rains on this inconsequential town more than any other place in the United States of America. It was from this town and its gloomy, omnipresent shade that my mother escaped with me when I was only a few months old. […] It was to Forks that I now exiled myself – as action that I took with great honor. I detested Forks. I loved Phoenix. I loved the sun and the blistering heat. I loved the vigorous, sprawling city. (MEYER, 2005, p.3-4, grifos nossos)5

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A escolha por se referir aos romances pelo título da tradução é mera conveniência. Na primeira parte deste estudo, entretanto, nota-se a referência ao título original. Isto se deve ao fato de serem trabalhos escritos em situações diferentes com finalidades e formatações distintas. 5 Tradução Ed. Intrínseca: Minha mãe me levou ao aeroporto com as janelas do carro abertas. Fazia 24 graus em Phoenix, o céu de um azul perfeito e sem nuvens.[...] Na península de Olympic, a noroeste do estado de Washington, há uma cidadezinha chamada Forks, quase constantemente debaixo de uma cobertura de nuvens. Chove mais nessa cidade insignificante do que em qualquer outro lugar dos Estados Unidos. Foi desse lugar e de suas sombras melancólicas e onipresentes que minha mãe fugiu comigo quando eu tinha apenas alguns meses de idade. [...] Era em Forks que agora eu me exilava – uma atitude que assumi com muita honra. Eu detestava Forks. Eu adorava Phoenix. Adorava o sol e o calor intenso. Adorava a cidade vigorosa e esparramada. (MEYER, 2009a, p.11)

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Desse pequeno trecho podemos destacar antíteses caras ao processo de mudança que a personagem sofre no início da série, sua mudança de Phoenix à Forks. Uma jornada que leva a protagonista a abrir mão de uma série de coisas por outras nem sempre equivalentes às originais. Entretanto, não é uma troca permanente, é um processo. Note-se o céu “perfeito e sem nuvens” trocado por um com “uma cobertura de nuvens”. As nuvens são passageiras, de natureza “confusa e mal definida”, “símbolo da metamorfose viva” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2012, p.649). Assim como o nevoeiro que permeia as florestas de Forks, é: [...] símbolo do indeterminado, de uma fase de evolução: quando as formas não se distinguem ainda, ou quando as formas antigas que estão desaparecendo ainda não foram substituídas por formas novas e precisas. (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2012, p.634)

Dentro da ótica da série completa, fica claro que o processo imerso em nuvens é o da transformação da Bella frágil e humana na Bella forte e vampira. Meyer abre os olhos de seu leitor para o fato de sua história ser sobre uma jornada nebulosa, de estados instáveis. Nesse sentido, os pares de oposição apontados serão sempre mutáveis, relativos e, em até certo ponto, incertos. A própria Bella, quando já transformada em vampira, nos dirá, a respeito de sua percepção das coisas: Everything was so clear. Sharp. Defined. [...] For the first time, with the dimming shadows and limiting weakness of humanity taken off my eyes, I saw his face. […] Everything? My mind spun out, spiraling back to my last human hour. Already, the memory seemed dim, like I was watching through a thick, dark veil – because my human eyes had been half blind. Everything had been so blurred. (MEYER, 2008, p.387, 390-391)6

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Tradução Ed. Intrínseca: Tudo estava tão claro. Nítido. Definido. [...] Pela primeira vez, com as sombras turvadoras e a fraqueza limitadora da humanidade extraídas de meus olhos, eu vi seu rosto. [...] Tudo? Minha mente girava, espiralando de volta à minha última hora humana. A memória já parecia difusa, como se eu estivesse vendo por um véu escuro e grosso – porque meus

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Assim, é preciso termos em mente que todas as antíteses a serem apontadas estarão ocorrendo em um universo em movimento, com formas deformes e descontínuas, chegando a ser incertas – e alcançarão seu nível máximo de incerteza em Eclipse, para assumirem seus contornos definitivos em Amanhecer. Ora, é sugestivo o título do primeiro e do último romance, pois de Crepúsculo a Amanhecer temos um ciclo noturno que separa um estado de luz, de clareza – Phoenix – de outro – a vampiridade. Gilbert Durand apresenta-nos as ideias deste autor sobre a natureza dos símbolos, em que podemos encontrar o mesmo funcionamento da simbologia da série Crepúsculo: Acrescentaremos que, com esta ambigüidade, Bachelard toca numa regra fundamental da motivação simbólica em que todo elemento é bivalente, simultaneamente convite à conquista adaptativa e recusa que motiva uma concentração assimiladora sobre si." (DURAND, 2012, p.35)

Tendo em vista o funcionamento simétrico dos símbolos, de equivalência e mutabilidade, não podemos esquecer que a antítese principal da série Crepúsculo é, sem dúvida, o casal protagonista, Edward e Bella: ela se opõe a ele, ele, a ela. Aquilo que eles representam é o norte para todas as outras oposições e o modo como eles superam suas diferenças é igualmente copiado para equilibrar essas outras antíteses. Em outras palavras, uma análise das significações da relação entre as duas personagens bastaria para compreendermos todos os outros pares de oposição. Bella é aquela que dá adeus ao seu refúgio ensolarado no Arizona e mergulha no nevoeiro da sombrosa Forks. É a que adora o sol, o calor, e, sobretudo, aquela que, nas dadas circunstâncias, está viva, mas que, para si, atrai, constantemente, a morte. Já Edward é o jovem vampiro com mais de um século de reclusão do sol, que necessita das nuvens e de Forks, o morto-vivo. A morte não o assombra, mas sim a eternidade em solidão, sem a companhia de sua

olhos humanos eram um pouco cegos. Tudo era muito embaçado. (MEYER, 2010, p.241, 243-244)

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amada Bella, que faz com que ele seja afligido pelo risco de morte da jovem. Se Bella, indo para Forks, largou a vida radiante e mergulhou num ambiente mórbido e nebuloso, Edward, com sua chegada, largou esse universo nebuloso de solidão e encontrou a vida. Isto é, os dois representam forças simétricas e opostas, ele traz a morte e ela, a vida. Mas Edward ama Bella, esse amor permite que as antíteses inerentes à natureza deles sejam conciliadas. Um amor que transcende, desde o início, vida e morte, um amor que une os opostos e neutraliza as forças rivais. Esse mesmo amor como agente conciliador é copiado pelas outras antíteses e ganha, conforme a série avança em complexidade, novas significações até que a mensagem da série Crepúsculo consiga ser transmitida eximiamente.

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Crepúsculo A MAÇÃ, O BRANCO E O VERMELHO Começar pelo começo é sempre um bom caminho. No caso dos romances da série, podemos considerar seus teores antitéticos a partir de três elementos presentes e importantes: epígrafe, capa e título. But of the tree of the knowledge of good and evil, thou shalt not eat of it: for in the day that thou eatest thereof thou shalt surely die. Genesis 2:17 (MEYER, 2005, epígrafe)7

O fruto da Árvore do Conhecimento do bem e do mal da história bíblica é a maçã, presente na arte da capa de Crepúsculo – é um livro que pode, realmente, ser julgado pela capa. A maçã é: [...] o fruto do conhecimento e da liberdade. E assim, comer da maçã significa [...] abusar da própria inteligência para conhecer o mal, da sensibilidade para o desejar, da própria liberdade para praticá-lo [...]. A maçã, por sua forma esférica, significaria globalmente os desejos terrestres ou a complacência em relação a esses desejos. A proibição de Jeová alertava o homem contra a predominância desses desejos, que o levavam rumo a uma vida materialista, por uma espécie de regressão, opostamente à vida espiritualizada, que é o sentido de uma evolução progressiva. [...] A maçã seria o símbolo desse conhecimento e a colocação de uma necessidade: a de escolher. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.572-573)

É a escolha entre o caminho natural e humano e o caminho imortal e vampiro. Edward acredita no Paraíso e que, sendo vampiro, perdeu sua alma e o direito da salvação e, fazendo isso com Bella, tiraria dela esse direito, mas desde o começo, a escolha é dela e ela escolhe a maçã, os desejos terrestres e a imortalidade. A maçã da capa é segurada por um par de mãos brancas feito mármore, mãos de vampiro, que lhe oferece o pecado e opõe seu branco ao vermelho da fruta, um par opositor caríssimo à série e que reflete a 7 Tradução Ed. Intrínseca: Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais. Gênesis, 3:3 (MEYER, 2009a, p.9)

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oposição de vida e morte: o branco, o mármore vampírico, mórbido e eterno e o vermelho, o sangue vivo, humano e frágil. A oposição branco/vermelho, sugerem Chevalier e Gheerbrant, remete justamente ao vampiro: Sob seu aspecto simbológico nefasto, o branco lívido contrapõe-se ao vermelho: é a cor do vampiro a buscar, precisamente, o sangue – condição do mundo diurno – que dele se retirou. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012 p.142)

A capa de Crepúsculo.

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CREPÚSCULO

Mas o branco assume uma significação bivalente, assim como a figura do vampiro de Meyer, influenciados pelo clima embaçado e nebuloso. O branco: [...] significa ora a ausência, ora a soma das cores. Assim, coloca-se às vezes no início e, outras vezes, no término da vida diurna [...]. O branco do Oeste e o branco fosco da morte, que absorve o ser e o introduz ao mundo lunar, frio, fêmea. Conduz à ausência, ao vazio noturno, ao desaparecimento da consciência e das cores diurnas. O branco do Este é o do retorno: é o branco da alvorada, quando a abóboda celeste reaparece, ainda vazia em cores, embora rica do potencial de manifestação [...]. Um desce da intensidade luminosa para o estado fosco, o outro sobe do estado fosco para o da intensidade luminosa (ou brilho). (CHEVALIER; GHEERBRANT, p.141-142)

Há de se lembrar que Edward ora está na sombra, protegido pelas nuvens de Forks para guardar o seu segredo, ora está na clareira iluminada com Bella, deixando que o sol faça sua pele brilhar. Sua figura é motivo de dúvida constante na mente da protagonista: esse vampiro a matará ou a amará?

O CREPÚSCULO E as mãos vampíricas da capa levam a maçã do conhecimento, da escolha e dos desejos terrestres, sanguíneos e humanos para baixo, pondo-a como o sol se põe. Como o dia, a clareza e certeza dão lugar às sombras da noite. É o crepúsculo, onde coexistem dia e noite, onde um ciclo se finaliza e outro se prepara para nascer, onde vida e morte enamoram-se nesse “estado suspenso” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2012, p.300). Também é a melhor hora para os vampiros se misturarem entre os humanos, pois a luz não é suficiente para revelar seu brilho, mas o bastante para que eles não se tornem seres unicamente noturnos – a morte pode espreitar a vida: “It’s twilight,” Edward murmured […]. “It’s the safest time of day for us,” he said, answering the unspoken question in my eyes. “The easiest time. But also the saddest, in a way… the end of another

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day, the return of the night. Darkness is so predictable, don’t you think?” He smiled wistfully. (MEYER, 2005, p.232-233)8

O crepúsculo é um estado finito, de vida breve, condenado ao fim antes mesmo de seu começo, justamente por não se tratar de um estado permanente, mas passageiro – ambiente sugerido pelas nuvens e reforçado pelo crepúsculo. Reforça também a ideia de introdução sugerida pelo primeiro romance da série. É como se Crepúsculo fosse um prefácio aos seus sucessores: seu espaço é mais centrado, suas personagens ainda são rasamente trabalhadas, o foco da ação é intensamente posto sobre o relacionamento inicial de Bella e Edward e longe de outros problemas, muito maiores, que o casal enfrentará. É o começo pelo começo, ou o começo pelo fim? “So ready for this to be the end,” he murmured, almost to himself, “for this to be the twilight of your life, though your life has barely started. You’re ready to give up everything.” “It’s not the end, it’s the beginning,” I disagreed under my breath. (MEYER, 2005, p.497)9

EMOÇÃO E RAZÃO Um dado estrutural de Crepúsculo também contribui com o estudo das antíteses da série: o conjunto de duas complicações de naturezas opostas, dois programas narrativos de base. Como exposto anteriormente, o beat inicial da história é o mistério que Edward provoca em Bella, se ele a ama ou odeia, se ele é normal ou sobrenatural. O

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Tradução Ed. Intrínseca: – É a hora do crepúsculo – murmurou Edward [...]. – É a hora do dia mais segura para nós – disse ele, respondendo à pergunta em meus olhos – A hora mais fácil. Mas também a mais triste de certa forma... O fim de outro dia, a volta da noite. A escuridão é tão previsível, não acha? – ele sorriu tristonho. (MEYER, 2009a, p.138) 9

Tradução Ed. Intrínseca: – Então prepare-se para que este seja o fim – murmurou ele, quase para sai mesmo –, porque este será o crepúsculo de sua vida, embora sua vida mal tenha começado. Você está pronta para desistir de tudo. – Não é o fim, é o começo – discordei à meia-voz. (MEYER, 2009a, p.285)

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primeiro PN tem um ritmo lento, eles se encontram no colégio, mas não conversam, depois as primeiras palavras, então uma marcação mais forte que encaminha esse problema à solução quando Edward salva Bella de alguns arruaceiros em Port Angeles. Desse ponto em diante, ele começa a dar carona para ela todos os dias e os dois começam a se conhecer à base de interrogações diárias, e ela já descobriu o que ele e sua família são através de lendas locais. Complicação resolvida, a narrativa lança-se a capítulos de conversas entre os dois protagonistas, interrogações ainda, até o momento em que, a menos de cerca de 70 páginas do fim do livro, um clã menor de vampiros, James, Victoria e Laurent, encontram os Cullen e James passa a perseguir Bella, forçando todos a se mobilizarem e partirem dali dentro de apenas algumas horas. Num ritmo muito mais acelerado que da primeira complicação, a perseguição termina rapidamente, quando Bella decide se sacrificar (como cordeiro), para salvar as pessoas que ama, e Edward chega a ela em tempo para lhe devolver a vida, (como o leão, que veremos em seguida). Essa estrutura de programas narrativos de base, um mais emocional e o outro mais racional, um mais psicológico e outro mais físico, coloca esses adjetivos em oposição, uma oposição que está na decisão de Bella. Seu coração quer Edward, mas seu corpo corre perigo; a mente do vampiro também a ama, mas seus instintos dizem o contrário. Como é de se esperar, o amor se faz mais forte e concilia o contraste.

O LEÃO E O CORDEIRO “And so the lion fell in love with the lamb...,” he murmered. I looked away, hiding my eyes as I thrilled to the word. “What a stupid lamb,” I sighed. “What a sick, masochistic lion”. […] (MEYER, 2005, p.274)10

10 Tradução Ed. Intrínseca: – E então o leão se apaixonou pelo cordeiro... – murmurou ele. Virei a cara, escondendo os olhos enquanto me arrepiava com a palavra. – Que cordeiro imbecil – suspirei. – Que leão masoquista e doentio. (MEYER, 2009a, p.161)

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Edward é o leão, Bella, o cordeiro. E, ao ser comparada ao cordeiro, de força sacrificial e matiz imaculado, ela encarna o triunfo da renovação, a vitória, sempre a renovar-se, da vida sobre a morte. [...] a vítima propiciatória, aquela que se tem de sacrificar para se assegurar a própria salvação. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.287)

Bella é, assim, a vítima perfeita em toda a série, para todos os perigos e provações. Também é aquela que vence a morte no fim, quando, já à beira da inexistência, é transformada às pressas pelo parceiro e, semelhante a Cristo, que também tem o cordeiro como arquétipo, passa três dias morrendo (não morta) para ressuscitar como a vampira mais poderosa de sua nova família. Já Edward assume novamente uma força ambivalente, do leão, que [...] está imbuído das qualidades e defeitos inerentes à sua categoria. Se ele é a própria encarnação do Poder, da Sabedoria, da Justiça, por outro lado, o excesso de orgulho e confiança em si mesmo faz dele o símbolo do Pai, Mestre, Soberano que, ofuscado pelo próprio poder, cego pela própria luz, se torna um tirano, crendo-se protetor. Pode ser portanto admirável, bem como insuportável: [...]. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.538. grifo dos autores).

Edward, de fato, se tornará protetor exagerado, irritará Bella com seu zelo – mesmo que não em vão – pela vida dela. Mas nem por isso insuportável ao ponto da destruição da relação dos dois, pois tanto cordeiro quanto leão coexistem: Cristo sacrificado, cordeiro levado ao matadouro, retorna como Leão glorificado. É ele quem dá vida ao sacrifício do cordeiro, representa “as próprias ressureições. Túmulos cristãos eram ornados com leões. Por si só, o leão é um símbolo de ressureição.” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.540). A própria ambivalência leonina reflete a capacidade de Edward de ser menos perfeito como vampiro para ser mais frágil como humano. Mais precisamente, na iconografia medieval, a cabeça e a parte anterior do leão correspondem à natureza divina de Cristo, a parte posterior – que contrasta por sua relativa fraqueza – à natureza humana. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012,p.539)

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Lua Nova Vimos o quão distintos e semelhantes são Bella e Edward, o quão próximos da vida ou da morte se encontram eles em momentos diversos ao longo da série. E também, a função de Crepúsculo na grande narrativa dos quatro romances: demonstrar como esses opostos se apaixonam incondicionalmente num amor eterno, mas que necessita, para ser eterno, de uma escolha de Bella, pois a sombra da morte a persegue, por mais que o amor desfaça a antítese.

A PÉTALA, A LUA NOVA, O VERMELHO E O BRANCO Com mesmo método de análise, passamos agora para o segundo romance da série, de seu título, capa e epígrafe. Lua nova sugere um céu sem astro, sem guia, uma situação de perdição. Edward abandona Bella por temer colocar a vida dela em risco com mais frequência do que ele poderia imaginar. Após a perseguição de James, tudo parecia estável até que Bella se corta com papel na casa dos Cullen e Jasper entra em descontrole, tentando atacá-la, mas é impedido. A sombra da morte é tão presente na vida da protagonista quanto à presença de Edward, o atrito desses dois mundos diferentes tem o potencial de danos irremediáveis. Por isso o vampiro dá as costas à amada e vai embora de Forks com sua família. Bella, então, está sozinha. Todas as maravilhas que o amor trouxe para ela lhe foram tiradas, deixando um vazio em seu peito como o vazio que deixa a lua nova no céu escuro. A capa mostra uma flor que deixa cair uma pétala vermelha. A pétala abandonada é como a gota de sangue que provoca a reação desenfreada em Jasper, mas também é como a condição de Bella, uma parte sem seu todo.

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ANTÍTESES DO SOBRENATURAL

O grau de destruição que Edward pode provocar – e, de certa forma, o faz – em Bella é justificado pela epígrafe: “These violent delights have violent ends and in their triumph die, like fire and powder, which, as they kiss, consume.” Romeo and Juliet, Act II, Scene VI (MEYER, 2006, epígrafe)11

A capa de Lua Nova. 11

Tradução Ed. Intrínseca: Estas alegrias violentas têm fins violentos, falecendo no triunfo, como fogo e pólvora que num beijo se consomem. Romeu e Julieta, Ato II, Cena VI (MEYER, 2009c, p.9)

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LUA NOVA

Fogo e pólvora, como o humano e o ser sobrenatural, do vermelho e o branco que estão na flor, formam a combinação extremamente danosa, que dificilmente leva a um final eufórico.

A ESTÉTICA DA REPETIÇÃO DE LUA NOVA É preciso entender que, se Crepúsculo é o som, Lua Nova é o eco, a repetição. Isso é notado pela mesma estrutura de um programa narrativo de base mais emocional e mais longo e outro mais racional e mais ágil – talvez, emoção e razão não seja uma comparação tão boa quanto psicológica e física. O primeiro PN de base é a ausência de Edward que Bella resolve tendo alucinações com a imagem dele quando corre algum grande risco. Ela descobre isso vislumbrando um grupo de arruaceiros – como os de Crepúsculo – e, depois, começa a buscar ela mesma essas situações. Se em Crepúsculo a morte persegue Bella, em Lua Nova, Bella persegue a morte. Isso comprova a teoria de que a nebulosidade permite que as polaridades da série se invertam com facilidade. Sua grande estratégia de perseguir a morte é andar numa motocicleta velha que precisava reparos conserto e, para isso, Bella contata um colega quileute, Jacob. Sua amizade com o rapaz cresce a cada encontro dos dois, na garagem consertando as motos. Mas ocorre, novamente, uma dúvida em relação a acontecimentos sobrenaturais – Jacob desaparece, exila-se em sua casa, quebra o contato com Bella e, quando ela o reencontra, ele está diferente, a evita (como Edward fizera no começo do primeiro romance). Jacob é um humano com a capacidade de se transformar em lobo (não um lobisomem, isso é deixado claro), uma defesa que sua tribo desenvolveu contra vampiros. E do mesmo modo que Bella descobre a verdade de Edward, do mesmo modo como ela fica intrigada, ela age em relação a Jacob. É uma repetição às avessas. Às avessas porque se, em Crepúsculo, Bella era a vida e Edward a morte, ela, o calor e ele, o frio,

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agora a situação se inverte. Bella, em Lua Nova, é vitimada pela perda do amado e seu semblante é de morte, ela é uma morta viva, um zumbi. I sat down on the bench outside the theater door and tried very hard not to think of the irony. But it was ironic, all things considered, that, in the end, I would wind up as a zombie. I hadn’t seen that one coming. Not that I hadn’t dreamed of becoming a mythical monster once – just never a grotesque, animated corpse. (MEYER, 2006, p.106)12

Em oposição, Jacob, na vida dela, representa a vida, a alegria com seu calor irradiante – ser um lobo quileute faz com que sua temperatura seja mais alta que o normal: quente, não fria. [...]Jacob set a vastly different mood. He whistled cheerfully, an unfamiliar tune, swinging his arms and moving easily through the rough under-growth. The shadows didn’t seem as dark as usual. Not with my personal sun along. (MEYER, 2006, p.198)13

A companhia de Jacob é interrompida com o retorno de Alice. A volta ocorre porque Bella tentou se matar, o que também cria a segunda complicação porque Edward acredita que ela morreu e, por isso, ele tentará se matar. É uma segunda complicação ágil e dinâmica, com duração curta e impacto físico, envolvendo, novamente, uma viagem inesperada, dessa vez para a Itália. Lá, Bella conhece os Volturi, que permitem que ela, Edward e Alice voltem em paz para Forks, mas cobram que a humana seja transformada em breve.

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Tradução Ed. Intrínseca: Sentei-me no banco de fora do cinema e tentei ao máximo não pensar na ironia. Mas era irônico, considerando tudo, que no final das contas eu tivesse acabado como uma zumbi. Eu não havia percebido isso acontecendo. Não que um dia eu não tivesse sonhado em me transformar num monstro mítico – mas jamais num cadáver animado. (MEYER, 2009c, p.64) 13 Tradução Ed. Intrínseca:[...] Jacob criava um estado de espírito muito diferente. Ele assoviava animado, uma música desconhecida, balançando os braços e andando com facilidade pelo terreno irregular. As sombras não pareciam tão escuras. Não com meu sol particular me fazendo companhia. (MEYER, 2009c, p.114)

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Eclipse Vimos a estética da repetição. O modo como as coisas poderiam ter sido ao lado de Jacob. É a oposição Bella-Edward que se torna Jacob-Bella. Oposição que dará lugar a uma terceira: Edward-Jacob, a coluna vertebral de Eclipse...

O ECLIPSE E A FITA VERMELHA Ao que tudo indica, as simbologias, as dualidades e as antítese são extremadas em Eclipse. Na verdade, tendo em vista a significação de Amanhecer, poderíamos dizer que o terceiro romance finaliza uma trilogia – a trilogia da busca de Bella pela imortalidade para que ela possa amar Edward eternamente. Logo, Eclipse tomaria o lugar de pseudoclímax da série. O “eclipse apresenta-se como anunciador de desregramentos cataclísmicos no final de um ciclo [...]” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.355). Desregramento inclusive da estrutura de ação psicológica sucedida por uma ação física – isso porque, agora, o vermelho, o sol, o corpo, e o branco, de um lado, e a lua e a pedra, de outro, estão intercalados. Existe de fato a complicação que diz respeito à escolha entre Edward e Jacob e aquela relativa ao ataque do exército de Victoria, mas estão intercaladas de modo a serem indissociáveis. Jacob, o “sol particular”, e Edward, a lua de pele pétrea, a princípio divididos em turnos na vida de Bella (a Terra), agora dividem o mesmo espaço no céu. Seria uma guerra armada, mas Meyer prova que, indiferente das diferenças, os dois pretendentes trabalham juntos por amor a Bella. Pelo bem comum, há tolerância.

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Até mesmo a escolha que Bella deveria fazer não se consolida como dúvida real – Edward é o escolhido antes que houvesse oposição. A capa nos sugere isso – uma fita vermelha, sanguínea, rompendo-se. É a vermelhidão causada pelo sol sobre a face marmórea da lua, durante o eclipse, sendo dissipada. É Jacob e a humanidade sendo postos de lado, o eclipse da dúvida e da nebulosidade acabando, por fim.

A capa de Eclipse.

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ECLIPSE

O FOGO E O GELO, O SANGUE E A PEDRA Fire and Ice Some say the world will end in fire, Some say in ice. From what I’ve tasted of desire I hold with those who favor fire. But if it had to perish twice, I think I know enough of hate To say that for destruction ice Is also great And would suffice Robert Frost (MEYER, 2007, epígrafe)14

Talvez seja óbvio quem é fogo e quem é gelo, mas vale a pena aprofundar a comparação. Jacob é o fogo, o sangue latente e quente, a manifestação do desejo, a encarnação da impulsividade: “‘Werewolves are unstable. Sometimes, people near them get hurt. Sometimes, they get killed’” ( MEYER, 2007, p.30)15. A instabilidade da espécie de Jacob é muito reforçada desde Lua Nova e continua em Eclipse. Podemos pensar nessa impulsividade mortal como o fogo incontrolável, ao mesmo tempo purificador, essencial à vida e à sobrevivência do homem, mas podendo consumir tudo à sua volta – inclusive a vida – em átimos de tempo. Podemos pensar também no sangue, líquido e mole, que corresponde [...] ao calor, vital e corporal, em oposição à luz, que corresponde ao sopro e ao espírito. Dentro da mesma perspectiva, o sangue [...] é o veículo das paixões (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.800).

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Trad. Ed. Intrínseca: Fogo e Gelo Alguns dizem que o mundo acabará em fogo,/ Outros dizem em gelo./ Pelo que provei do desejo/ Fico com quem prefere o fogo./ Mas, se tivesse de perecer duas vezes,/ Acho que conheço o bastante do ódio/ Para saber que a ruína pelo gelo/ Seria ótima/ E bastaria. Robert Frost (MEYER, 2009b, p.9) 15 Tradução Ed. Intrínseca: – Os lobisomens são instáveis. Às vezes, as pessoas perto deles se machucam. Às vezes, elas morrem. (MEYER, 2009b, p.27);

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Nesse sentido, Edward seria a luz gélida e lunar, é o gelo pétreo. Também é o ódio a princípio, principalmente devido ao ciúme que sente em relação à Bella e Jacob, que o leva a tomar atitudes possessivas e repressivas com ela – a atitude do Leão tirano. “Is he your warden, now, too? You know, I saw this story on the news last week about controlling abusive teenage relationships and –” “Okay!” I cut him off, and then shoved his arm. “Time for the werewolf to get out!” (MEYER, 2007, p224)16

Mas, em Edward, também está a estabilidade da pedra, a firmeza inesgotável e inabalável, a austeridade e a cautela do frio. Talvez devido à sua ambivalência inicial do Leão e do Branco, ou simplesmente à sua capacidade de redenção e conscientização. Ele é perfeito – foi construído assim como personagem de ficção. Tanto é que ele e Jacob passam à tolerância, mas quem inicia esse movimento é Edward. “Where did all this tolerance come from?” I demanded. Hi sighed. “I decided that you were right. My problem before was more my... Prejudice against werewolves than anything else. I’m going to try to be more reasonable and trust your judgment. If you say it’s safe, then I’ll believe you.” “Wow.” “And... most importantly... I’m not willing to let this drive a wedge between us.” (MEYER, 2007, p.190)17

No universo da série Crepúsculo, fogo e gelo podem então conviver sem que um se apague e o outro derreta, os impulsos inatos são

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Tradução Ed. Intrínseca: – Agora ele também é seu carcereiro? Sabe, eu vi uma matéria no noticiário na semana passada sobre relações abusivas e controladoras entre adolescentes e... – Muito bem! – eu o interrompi, depois empurrei seu braço – Hora de lobisomem sair! (MEYER, 2009b, p.135) 17 Tradução Ed. Intrínseca: – De onde veio toda essa tolerância? – perguntei. Ele suspirou. – Concluí que você tem razão. Meu problema antes era mais com meu... preconceito contra lobisomens do que qualquer coisa. Vou tentar ser mais razoável e confiar em seu julgamento. Se você diz que é seguro, então vou acreditar em você. – Caramba. – E... mais importante... Não estou disposto a deixar que isso crie atrito entre nós. (MEYER, 2009b, p.117)

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ECLIPSE

plenamente reprimidos, plenamente controláveis, quando a matéria que os rodeia é a compreensão. Entretanto, Bella toma uma decisão, a decisão de deixar claro para Jacob que ela ama Edward, numa tentativa de não o magoar com falsas esperanças. E então, o ciclo de incertezas chega ao fim, Bella e Edward vão se casar, ela vai ser transformada e a noite sombria vai acabar, o sol nascerá. Mas tudo que levava a crer que o sol fosse Jacob, o fogo, a paixão, a vida e o calor é contrariado, pois, na série, o sol é o astro lunar, e Edward, com sua luz branca e casta, torna-se mais que morte na vida de Bella, torna-se vida: “I just wanted to find this one part I remembered... to see how she said it…” I flipped through the book, finding the page I wanted easily. The corner was dogeared from the many times I’d stopped here. “Cathy’s a monster, but there were a few things she got right,” I muttered. I read the lines quietly, mostly to myself. “‘If all else perished, and he remained, I should still continue to be; and if all else remained, and he were annihilated, the universe would turn to a mighty stranger’”. […] “I know exactly what she means. And I know who I can’t live without.” (MEYER, 2007, p.610-611)18

E em direção a esse sol essencial ao universo de Bella é que se encaminha a série, para o último episódio, contrariando a notável trilogia nebulosa...

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Tradução Ed. Intrínseca: – Eu só queria encontrar uma parte de que me lembrei... Ver como foi que ela disse. – Folheei o livro, encontrando facilmente a página que queria. O canto estava dobrado de tantas vezes que parei ali. – Cathy é um monstro, mas havia algumas coisas nas quais tinha razão – murmurei. Li as frases em voz baixa, principalmente para mim mesma. – “Se tudo o mais perecesse e enquanto ele perdurasse, eu ainda continuaria a existir; e se tudo o mais restasse e ele fosse aniquilado, o universo se tornaria muito mais estranho.” [...] Sei exatamente o que ela quis dizer. E sei com quem não posso deixar de viver. (MEYER, 2009b, p.353)

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Amanhecer O AMANHECER O amanhecer não marca o fim de um ciclo, mas o princípio de outro. “A manhã é ao mesmo tempo símbolo de pureza e de promessa: é a hora da vida paradisíaca. É ainda a hora da confiança em si, nos outros e na existência” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2012, p.588). É o momento em que Bella deixa a neblina e alcança seu destino: ser vampira. Amanhecer é um espetáculo à parte, mesmo sua estrutura é peculiar. São três livros no romance: o primeiro, narrado por Bella, conta seu casamento e sua lua de mel, mas acaba com uma gravidez sobrenatural, misteriosa e fatal. Então, começa o segundo livro, narrado por Jacob, que conta a gestação dessa criança. Por fim, o livro contado por Bella, que narra a última grande complicação da série, em que a morte não persegue Bella, mas se faz certa para todos os Cullen e quileutes.

O BRANCO E O VERMELHO, O PEÃO E A RAINHA Quanto às significações das cores branca e vermelha, até então mescladas nas capas ou sobrepostas num eclipse, agora estarão divididas e nítidas. Bella deixa de ser o peão vermelho – descartável, simples, impotente – e se torna rainha branca – a peça essencial no jogo. Uma transformação que ocorre em um tabuleiro de xadrez, sugerindo um jogo intelectual pesado, em que cada movimento pode definir o fim. Trata-se do atentado dos Volturi contra os Cullen.

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A capa de Amanhecer.

AMOR E TOLERÂNCIA A peça essencial em Amanhecer é Renesmee, a filha de Bella e Edward, a criatura híbrida. Ela é quem resolve a paixão de Jacob por Bella: os lobos quileutes sofrem um fenômeno chamado imprinting, que os força a amar uma pessoa incondicionalmente pelo resto da vida, 86

AMANHECER

defender a pessoa, estar sempre ao lado dela. Essa pessoa para Jacob é Renesmee, mesmo que ainda pequena – coisas do sobrenatural. Desse modo, Jacob faz com que os outros lobos tenham que defender a pessoa de seu imprinting, dando reforços para os Cullen em um problema que Renesmee também desencadeia. Os Volturi ficam sabendo da existência de uma criança mais que humana, e a criação de crianças imortais é estritamente proibida no mundo dos vampiros, sendo punida com a morte. Então, a realeza italiana e sua guarda se encaminham para Forks para exterminar os Cullen e os lobos. Logo, se no início do “livro um” em que Bella realiza seu sonho e pensa ter a morte a abandonado: “Childhood is not from birth to a certain age and at a certain age the child is grown, and puts away childish things. Childhood is the kingdom where nobody dies.” Edna St. Vincent Millay (MEYER, 2008, epígrafe, livro um)19

Agora, ela sabe que eles morrerão. Ela repete incansavelmente que eles morrerão. A força dos Volturi é esmagadora: “We would fight, they would fight, and we all would die.” (MEYER, 2008, p.561).20 O caminho mais fácil seria fugir, mas ficar e lutar era algo que eles fariam por amor. Na verdade, lutar não está nos planos, o que os Cullen pretendem é apenas ganhar algum tempo com os Volturi, mostrando-se preparados para a luta, convocando mais vampiros aliados para testemunhar, para que eles pudessem mostrar que Renesmee era viva, que seu coração batia e que ela não era uma ameaça. O plano pode até soar irracional, como soa para muitos dos personagens, um suicídio coletivo, pois os Volturi viriam como uma avalanche de destruição. Mas: “And yet, to say the truth, reason and love keep little company together nowadays.” William Shakespeare. A Midsummer Night’s Dream. Act III, Scene I (MEYER, 2008, epígrafe, livro dois)21

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Tradução Ed. Intrínseca: “A infância não vai do nascimento até certa idade, e a certa altura a criança está crescida, deixando de lado as coisas de criança. A infância é o reino onde ninguém morre.” Edna St. Vincent Millay (MEYER, 2010, p.9) 20 Tradução Ed. Intrínseca: Nós iríamos lutar, eles iriam lutar, e todo morreríamos. (MEYER, 2010, p.343).

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De alguma forma, o que é pretendido é fazer com que os outros vejam aquilo que os Cullen e os quileutes já viram: o amor é a maior avalanche de força que já presenciaram. Se atentarmos para cada canto da história da série, veremos como esse amor conciliou mais antíteses que apenas as estabelecidas entre Edward, Bella e Jacob. Carlisle e Esme, os pais dos Cullen, equilibram-se em suas próprias diferenças a partir do amor mútuo. Ele é um cientista, pauta-se em argumentos concretos, pensa matematicamente na maior parte das vezes. Já Esme é um grande amor incondicional por todos, é uma manifestação de compaixão que põe o coração acima da razão. Do mesmo modo, os outros casais reproduzem isso. Alice, a alegria espontânea, a paixão pela vida, ama Jasper, uma personalização da tensão de resistir à sede, de controlar as emoções, um grande silêncio. Rosalie é amargurada pela sua condição sub-humana, enquanto Emmett não vê problemas em ser o que é. Os três Volturi, por si só, formam um equilíbrio pelo amor. Marcus é a figura da complacência, da indiferença, enquanto Caius representa um tipo enérgico, do agora. Ambos são “comandados” por Aro, nem um extremo, nem outro, mas um amante nato, amante do poder que detém. Enfim, são “tantos tipos diferentes de amor, harmoniosos”, independente da desarmonia esperada pelas diferenças. A questão é que resta uma diferença a ser quitada. Não apenas a existência de Renesmee incomoda os Volturi, mas também a motivação por trás daquilo, como é indiciado com clareza no romance, na verdade, desde Eclipse, quando eles se instigavam o fato dos Volturi ainda não terem destruído o exército de vampiros recém-criados: “It was there,” Edward disagreed quietly. “I’m surprised it’s come to this so soon, because the other thoughts were stronger. In Aro’s head he saw me at his one side and Alice at his other. The present and the future, virtual omniscience. The power of the idea intoxicated him. I would have thought it would take him much longer to give up the thought of you, Carlisle, of our family, growing stronger and larger. The jealousy and the fear: you having… not more than he had, but still, things 21

Tradução Ed. Intrínseca: “No entanto, para dizer a verdade, hoje em dia a razão e o amor quase não andam juntos.” WILLIAM SHAKESPEARE. Sonho de uma noite de verão. Ato III, Cena I (MEYER, 2010, p.97)

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that he wanted. […] The idea of rooting out the competition was there; besides their own, ours is the largest coven they’ve ever found…” (MEYER, 2007, p.305)22

É o preconceito de Aro que motiva com mais força essa missão de extermínio que ganha concretude em Amanhecer. Ora, que é o preconceito, senão uma antítese? A existência de algo que, para o preconceituoso, não deveria existir. É a antítese entre a expectativa do incomodado e a realidade. Mas o amor pode conciliar os preconceitos, se o pode fazer com as antíteses. Basta se lembrar de como Edward admitiu ter preconceito com os lobos, mas, por Bella, aniquilou esse sentimento nocivo. Do mesmo modo, Jacob, como lobo, tinha preconceitos com vampiros, e acaba por ajudá-los a proteger Bella durante a gestação, porque os outros quileutes temiam a existência desse ser híbrido e queriam matá-lo – ser que todos protegerão no fim; o amor calou as oposições, gerou a tolerância. Tolerar é a mensagem-suprema da série de Meyer. Não necessariamente o amor, mas, pelo menos, a tolerância. É o que diz Edward: “‘See,’ he said with a smile. ‘There’s always a compromise’.”(MEYER, 2008, p.469)23 Conciliar, tolerar, amar – isso é eliminar os inimigos, ideia norteadora da ação do terceiro livro de Amanhecer. Não é fácil convencer Aro a poupar os Cullen, deixá-los viver em paz com Renesmee, que logo seria adulta, capaz de manter o sigilo dos vampiros. O preconceito não só gera a situação antitética, como cega o seu agente, assim como Jacob antes de Renesmee (o seu amor): “‘Jacob is

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Tradução Ed. Intrínseca: – Houve. – disse Edward em voz baixa – Estou surpreso que esteja acontecendo tão cedo, porque os outros pensamentos eram mais fortes. Na mente de Aro, ele me viu ao lado dele, e viu Alice também. O presente e o futuro, a onisciência virtual. [...] Mas também havia o pensamento em você, Carlisle, em nossa família, tornando-se mais e mais forte. A inveja e o medo: você tendo... não mais do que ele tem, mas, ainda assim, coisas que ele queria. [...] A ideia de exterminar a concorrência estava lá; além do bando dele, o nosso é o maior que ele já encontrou... (MEYER, 2009b, p.180) 23 Tradução Ed. Intrínseca: – Esta vendo? – disse ele com um sorriso. – Sempre há um jeito de conciliar. (MEYER, 2009b, p.274).

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way too prejudiced to see anything clearly.”( MEYER, 2008, p.69) 24. Para Aro, “‘Only the known is safe. Only the known is tolerable. The unkown is... a vulnerability.’” (MEYER, 2008, p.716)25 Por fim, Aro convence-se, mais por medo de atacar que por tolerar de fato. Os vampiros amigos dos Cullen eram, em grande parte, talentosos, talentos muito fortes, que afugentaram os Volturi, intensos amantes do poder para abrir mão dele levando adiante um preconceito.

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Tradução Ed. Intrínseca: – Jacob tem preconceitos demais para ver algo com clareza. (MEYER, 2010, p.51). 25 Tradução Ed. Intrínseca: – Só o conhecido é seguro. Só o conhecido é tolerável. O desconhecido é uma... vulnerabilidade. (MEYER, 2010, p.436).

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A Proposta de Meyer Ali onde o moralista se encheria de indignação e o poeta trágico, de piedade e horror, a mitologia transforma toda a vida numa vasta e horrenda Divina Comédia. [...]leva a atitude trágica a parecer um tanto histérica e o mero julgamento moral, de visão limitada. —Joseph Campbell O herói de mil faces

Nesse sentido, entendemos que um movimento latente na saga é o da conciliação pelo amor, da intolerância à tolerância, eliminando antíteses tão fortes. Podemos entender que a capacidade humanizadora dessa série e desse fenômeno chamado Crepúsculo é notável: nos leva a refletir sobre nossas atitudes tolerantes com o desconhecido. Associando esse movimento à descrição de Durand sobre o comportamento do imaginário, vemos que se trata de nada mais que converter as valorizações negativas em positivas, ou então neutralizá-las. O desconhecido, os símbolos diurnos, os opostos, todos são eufemizados e internalizados pela Noite, graças ao racionalismo. O jogo mental, Carlisle, Aro, os Volturi, o xadrez, a erudição de Edward... Esses são símbolos racionalistas, opondo-se ao impulso e ao descontrole dos recémcriados, da Bella libidinosa, etc. É o que propõe Meyer: racionalizar e conciliar, quebrar as estruturas antitéticas por estruturas sintéticas de cunho lógico. Ainda que em Durand, a Noite não seja racional, mas mística, ela é uma proposta de visão abrangente, que, hoje, só podemos alcançar com o conhecimento. Não o conhecimento platônico, histérico e religioso do regime Diurno, mas o conhecimento científico, que quebra o senso comum. A argumentação da autora, nesse sentido, é sobre o preconceito com o desconhecido e a necessidade da compreensão e amor para conciliar as diferenças. Tal fato comprova sua afinidade com o momento social em que vivemos, em que está em debate constante o respeito às diferenças, à diversidade cultural, de crença, de gênero, de orientação sexual, etc.

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Crepúsculo, além do mais, apresenta-se ele mesmo como desconhecido, como o novo ou raro. Novo no sentido de ser recente no tempo e trazer novidade em estilo: suscita o tradicional em gênero e tema, mas inova quando traz na capa refletida sua mensagem, buscando novas formas de significação, quando traz na figura do vampiro alterações que, às vezes, chocam o público... É, sem dúvida, novidade. Novidade que parece ser esquecida por uns e já canonizada por outros, mas que precisa, sem dúvida, ser racionalizada e não platonizada.

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História fria: o fantástico no espaço de Crepúsculo – [...] E há histórias sobre os frios. Crepúsculo

A história de Crepúsculo cabe perfeitamente no que chamaríamos, nos Estudos Literários, de pertencente a um gênero do Maravilhoso, em que intervêm elementos sobrenaturais. Mas o sobrenatural na série não é onipresente desde o começo, pelo contrário, o sobrenatural é apresentado gradualmente em Crepúsculo, o primeiro romance, até atingir sua plenitude. Tzvetan Todorov (1980) fala do gênero Fantástico como aquele que é limitado, por um lado, pelo gênero Maravilhoso, do sobrenatural e, pelo outro, pelo Estranho, do incomum. Nesse sentido, a apresentação do sobrenatural em Crepúsculo ocorre através de acontecimentos que vão do menos Estranho ao mais Maravilhoso, passando, necessariamente, pelo momento do Fantástico, da oscilação. Vimos que o fantástico não dura mais que o tempo de uma vacilação: vacilação comum ao leitor e ao personagem, que devem decidir se o que percebem provém ou não da “realidade”, tal como existe para a opinião corrente. Ao finalizar a história, o leitor, se o personagem não o tiver feito, toma entretanto uma decisão: opta por uma ou outra solução, saindo assim do fantástico. Se decidir que as leis da realidade ficam intactas e permitem explicar os fenômenos descritos, dizemos que a obra pertence a outro gênero: o estranho. Se, pelo contrário, decide que é necessário admitir novas leis da natureza mediante as quais o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso. (TODOROV, 1980, p.23)

A história do romance começa quando Bella se muda para Forks, ingressa na nova escola, conhece novas pessoas nessa cidade escura e chuvosa e é vista como a “estrangeira” pelos círculos sociais dessa instituição, tendo alguns problemas para se adaptar. Até então, são acontecimentos que sequer são estranhos, mas pertencem a inumerável gama de temas banais. Então, no primeiro dia de Bella na escola, no refeitório, na hora do almoço, ela está sentada com seus novos amigos, quando entram pela 93

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porta cinco alunos, dois casais e um solitário: os Cullen. O Estranho nos Cullen é o fato de todos serem filhos adotivos do mesmo casal, Carlisle e Esme Cullen, e namorarem entre si, morando juntos: – [...] Mas todos estão juntos... Emmett e Rosalie, e Jasper e Alice, quero dizer. E eles moram juntos. – sua voz trazia toda a condenação e o choque da cidade pequena, pensei criticamente. Mas, para ser sincera, tenho que admitir que até em Phoenix isso provocaria fofocas. (MEYER, 2009, p.20)

O solitário é Edward, que protagoniza o próximo fato estranho. Ele está na aula de biologia, Bella também. Quando ela entra na sala de aula, a reação dele é instigante: Ao lado do corredor central, reconheci Edward Cullen [...] sentado ao lado daquele lugar vago. [...] ele de repente ficou rígido em seu lugar. Ele me encarou novamente, encontrando meus olhos com a expressão mais estranha do mundo – era hostil, furiosa. Ele agora encarava de cima, os olhos pretos cheios de repugnância. Enquanto eu me afastava, encolhendo-me na cadeira, de repente passou por minha cabeça a expressão como se pudesse me matar. (MEYER, 2009, p.21-22)

Logo em seguida, Bella presencia Edward na secretaria da escola tentando sair da turma de biologia, como se quisesse ficar longa da garota. Nos próximos dias da história, Edward não vai às aulas, desaparece, até o dia em que ele retorna e, na aula de biologia, conversa com Bella, notavelmente mais relaxado. Então, Bella vê outra estranheza em Edward: Na verdade, eu tinha certeza de que havia algo diferente. Lembrava-me nitidamente da cor preta dos olhos dele na última vez em que ele olhou para mim [...]. Hoje, os olhos dele eram de uma cor completamente diferente: um ocre estranho, mais escuro do que caramelo, mas com o mesmo tom dourado. Eu não entendia como podia ser assim, a não ser que, por algum motivo, ele estivesse mentindo sobre as lentes de contato. [...] (MEYER, 2009, p.34)

Nesse ponto, vale ressaltar o ritmo desses acontecimentos, que tomam lugar dentro de uma quantidade não tão extensa de páginas. Eles vão se estranhando mais e mais, principalmente quando postos juntos, somando suas estranhezas e chegando, por fim, ao máximo de atipicidade, na cena em que Bella chega à escola e está saindo de sua picape. 94

HISTÓRIA FRIA: O FANTÁSTICO NO ESPAÇO DE CREPÚSCULO

Edward Cullen estava parado a quatro carros de mim, olhando-me apavorado. Sua face se destacava do mar de rostos, todos paralisados na mesma máscara de choque. Mas de importância imediata foi a van azul-escura que tinha derrapado, travando os pneus e guinchando com os freios, rodando como louca pelo gelo do estacionamento. Ia bater na traseira da minha picape e eu estava parada entre os dois carros. Não tinha tempo nem de fechar os olhos. Pouco antes de ouvir os esmagar da van sendo amassada na caçamba da picape, alguma coisa me atingiu, mas não da direção que eu esperava. [...] Duas mãos longas e brancas se estenderam protetoras na minha frente e a van estremeceu até parar a trinta centímetros do meu rosto, as mãos grades criando um providencial amassado na lateral da van. [...] Mas com mais clareza ainda, podia ouvir a voz baixa e frenética de Edward Cullen no meu ouvido. (MEYER, 2009, p.39)

Depois desse acontecimento, Bella tenta buscar explicações racionais para a situação. Aparentemente, o humor de Edward muda nos dias seguintes, mas logo ele está tentando ser amigo dela novamente. Mais fatos estranhos são adicionados ao enredo no passeio à praia La Push, em que Bella fica sabendo de histórias dos quileutes, tribo indígena da região, sobre vampiros, ou, como são chamados, os “frios” – bebedores de sangue, inimigos dos quileutes. Nas páginas seguintes, Bella começa a pesquisar sobre vampiros, ligando os fatos estranhos de Edward e dos Cullen, inclusive o que acontece a seguir: dias de sol em que os irmãos não vão à escola. Por fim, Bella vai com amigas até Port Angeles e acaba se separando delas e adentrando na cidade, sendo perseguida por alguns arruaceiros que a cercam. Mas, antes que eles a ataquem, Edward aparece com seu carro e a salva. Os dois jantam juntos em seguida, e, no retorno à Forks, Bella expõe sua teoria sobre vampiros, tendo a confirmação, sutil, do sobrenatural. Entretanto, há algo a ser dito sobre Crepúsculo, tendo em vista as considerações de Todorov. Tomando as condições de existência do gênero: Estamos agora em condições de precisar e completar nossa definição do fantástico. Este exige o cumprimento de três condições. Em primeiro lugar, é necessário que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo dos personagens como um mundo de pessoas reais, e a vacilar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. Logo, esta vacilação pode ser também sentida por um personagem de tal modo, o papel do leitor está, por assim dizê-lo, crédulo a um personagem e, ao mesmo tempo a vacilação está representada, converte-se em um dos temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor

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real se identifica com o personagem. Finalmente, é importante que o leitor adote uma determinada atitude frente ao texto: deverá rechaçar tanto a interpretação alegórica como a interpretação “poética”. Estas três exigências não têm o mesmo valor. (TODOROV, 1980, p.20)

Vemos que a vacilação do leitor, análoga à da personagem, entre a explicação Estranha, racional e incoerente e a explicação Maravilhosa, irracional e coerente, não ocorre em Crepúsculo, porque o leitor sabe que os vampiros são integrantes da realidade palpável da história de antemão. A contracapa do livro, assim como o encarte do filme, traz um trecho do romance: De três coisas eu estava convicta. Primeira, Edward era um vampiro. Segunda, havia uma parte dele – e eu não sabia que poder essa parte teria – que tinha sede do meu sangue. E terceira, eu estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele. (MEYER, 2009, contracapa)

Logo, não há como o leitor/espectador oscilar entre os gêneros limitadores do Fantástico, e não se constitui uma obra que objetive o efeito de vacilação. Dessa forma, o Fantástico apenas ocorre, propriamente, para a personagem, em instância enunciva, mas não para o leitor, instância enunciativa, não configurando, contrariando as proposições originais de Todorov. Entretanto, vale pontuar que, mantendo a oscilação na esfera enunciva, fornece um reforço ao clima de mistério instituído, já que: Como vemos, o estranho não cumpre mais que uma das condições do fantástico: a descrição de certas reações, em particular, a do medo. Relaciona-se unicamente com os sentimentos das pessoas e não com um acontecimento material que desafia a razão (o maravilhoso, pelo contrário, terá que caracterizar-se exclusivamente pela existência de feitos sobrenaturais, sem implicar a reação que provocam nos personagens). (TODOROV, 1980, p.27)

Em diversos momentos da narrativa, quando Bella não tem confirmações físicas que a leve ao Maravilhoso, o Estranho intensifica a ansiedade, com páginas de introspecção da narradora, o que, de certo, dá mais peso ao contrato fiduciário, de forma que o crer de quem lê supere a informação dada pela contracapa. Mas, como simulacro de gênero que é, Crepúsculo pode contribuir com um estudo interessante, já que, parafraseando o estilo Fantástico, 96

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internaliza em sua composição estruturas inerentes ao gênero, relendo-as de maneira crítica. Umas dessas estruturas é o espaço. O espaço, de um modo peculiar, contribui com a estética de oscilação, dúvida e incerteza. Em Crepúsculo, fica claro o ambiente preenchido com névoa, chuva, nuvens, vento, gelo... enfim, invernal, podendo ser comprovado inclusive na adaptação para o cinema que, supervisionada pela autora, é fidedigna e vem a calhar para o analista. E o que representa o inverno afinal? Para animais selvagens, esta estação é um limitador, estação da falta, da fome. É esse o clima predominante em Forks, um frio rigoroso e limitador: (i) No frio, as vestimentas são pesadas e imobilizam mais os movimentos: “A chuva tinha ido embora, mas o vento era forte e mais frio. Eu me abracei” (MEYER, 2009, p.23); (ii) no céu nublado, o sol e o horizonte perdem seu esplendor e a visão é obscurecida: “Durante o almoço as nuvens começaram a avançar furtivamente pelo céu azul, disparando por um momento na frente do sol, lançando sombras compridas pela praia e escurecendo as ondas” (MEYER, 2009, p.74); (iii) e a chuva torna-se um anteparo que bloqueia a visão: “[...] A chuva encobria tudo do lado de fora da janela em borrões de cinza e verde.” (MEYER, 2009, p.67). Há, portanto, falta de informação, fome de informação, de visão, de sentidos. Caminhar sob a chuva, sobre a neve, pela névoa, é arriscado, incerto. Admitindo a supremacia do contrato fiduciário (Cf. GREIMAS; COURTÉS, 2013, p.208), que estabelece o crer do leitor frente ao fazer persuasivo do enunciador, isto é, a condição de existência de Fantástico de Todorov, que “o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo dos personagens como um mundo de pessoas reais”, o leitor identifica-se, também, com a fome invernal representada, que passa a ser um tema central da obra.

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E, desse modo, Bella carece de informações sobre Edward, os fatos com que tem que lidar são insuficientes, são peças de um quebra-cabeça que formam uma figura que pode ser tanto estranha quanto sobrenatural. Ao mesmo tempo, mesmo sem poder responder sua dúvida, ela é forçada a encarar a situação e dar fim ao mistério de Edward. É isso que o frio faz, cria um espaço de reclusão e encurralamento, até de sufocamento, como as vestes pesadas, forçando a narrativa a sair do Fantástico, resolver sua dúvida. Não é por acaso que o momento em que Edward está encurralado com Bella no carro – quando o maravilhoso é afirmado – é precedido pelo momento em que Bella era encurralada pelos arruaceiros em Port Angeles: “Cheguei à esquina, mas um olhar rápido revelou que era só um beco sem saída nos fundos de outro prédio” (MEYER, 2009, p.96). Menos coincidente ainda o fato de, após o segredo revelado e a carência de informação suprida, o anteparo verde-chuvoso ser substituído por uma clareira iluminada: Mas então, depois de mais uns cem metros, pude ver nitidamente um clarão nas árvores adiante, um brilho que era amarelo e não verde. [...] O sol estava a pino, enchendo o círculo de uma névoa de luz cor de manteiga. [...] ar quente e encantador. (MEYER, 2009, p.153)

No filme (TWILIGHT, 2008), a significação dada ao espaço é mais notável ainda. O verde é de fato verde e não apenas uma palavra, a chuva é visível, as nuvens e a neve também. Pode-se, com um pouco mais de sensibilidade, sentir a reclusão do frio adentrar as emoções do leitor, provocando um efeito que também diz muito sobre a existência do mistério. Por outro lado, se o clima intensifica a dúvida, a reclusão e a falta, a Natureza, tão presente em Crepúsculo, já sugere e aponta para o sobrenatural, a magia. Os “borrões de cinza e verde” encobrem, no filme, praticamente todas as cenas, como se víssemos através de uma tela translúcida. É a vegetação do fundo invadindo a cena, é o Maravilhoso invadindo o Fantástico.

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Cenas de Twilight.

Para Tolkien, o autor do conhecido Senhor dos Anéis, os contos de fadas teriam três faces: Mesmo as histórias de fadas como um todo têm três faces: a Mística, voltada ao Sobrenatural; a Mágica, voltada à Natureza; e o Espelho de desdém e compaixão, voltado ao Homem.

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E, dentre as três faces, a Natureza ganha destaque essencial: A face essencial do Belo Reino é a do meio, a Mágica. Mas o grau em que as outras aparecerem (se é que aparecem) é variável, e pode ser decidido pelo contador de histórias. A Mágica, a história de fadas, pode ser usada como um Mirour de l’Omme, bem como (mas não tão facilmente) ser transformada em veículo de Mistério. (TOLKIEN, 2010, p.32-33)

Em Crepúsculo, notavelmente, a Natureza é convertida tanto em lar do mistério, tanto do Fantástico, quando se vale do frio e da chuva, quanto do sobrenatural, do Maravilhoso, quando recorre ao verde e às arvores. Se os acontecimentos vão, como dito, do menos Estranho ao mais Maravilhoso, o espaço, por sua vez, vai do mais ensolarado ao mais nublado. Parte de Phoenix, do sol, dos temas banais, passando pelo frio e pela chuva, dos temas Estranhos e misteriosos, acabando na floresta, na Natureza, dos temas Maravilhosos.

Cenas de Twilight.

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Notas do autor O conteúdo desta obra é fruto de dois trabalhos de Iniciação Científica que desenvolvi durante minha graduação em Letras na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr UNESP), de 2011 a 2014, sob a orientação de minha estimada professora, Profa. Dra. Andressa Cristina de Oliveira. A necessidade de tal estudo se demonstrou frente à falta de reflexões aprofundadas de obras da chamada cultura pop, que não disseminassem pré-conceitos ou que não denegrissem uma obra por ela não estar nos padrões das Belas Artes do século XXI, que, por mais que pareça um fantasma impressionista no meio da Ciência Literária, é uma realidade intermitente, sempre à espreita. O preconceito existe em todos os lugares, como herança história do fazer científico de outrora. Como aponta Candido em nossa epígrafe, nem sempre aquilo que a arte em geral oferece é desejado pelos educadores. O papel da ciência é, afinal, contestar o modus operandi de quaisquer atividades humanas para que evoluamos, não ficando estagnados com universais imutáveis, mas atarefados com relatividades e visões parciais e fragmentadas. A educação molda, a ciência transforma. O primeiro trabalho apresentado nesta obra, originalmente chamado de As relações semânticas entre as figuras do vampiro e do anjo na ficção contemporânea, de 2014, apresentado no XXVI Congresso de Iniciação Científica da UNESP em Araraquara/SP, e apresentado como relatório de pesquisa de Iniciação Científica Sem Bolsa – ISB, PIBIC UNESP 2013/2014, com projeto intitulado de A sacralização da figura do vampiro na Literatura e no Cinema, baseia-se em um estudo de diversas obras sob uma ótica semiótica para reflexão do imaginário que cerca esta temática na sociedade atual. O segundo trabalho, Antíteses do sobrenatural: a simbologia da série Crepúsculo, de 2013, apresentado no XXV Congresso de Iniciação Científica da UNESP em Araraquara/SP e Barra Bonita/SP, trata-se de uma proposta de leitura crítica da tão popularizada série literária Crepúsculo, dentro do campo teórico da semiótica, semântica e simbologia.

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Ambos os estudos foram incorporados aqui para a leitura do projeto de pesquisa como um todo, a fim de permitir o desenvolvimento de novos trabalhos, propostos à compreensão científica de fenômenos culturais que envolvam o vampiro, o anjo, a imortalidade e a reflexão da efemeridade humana dentro de qualquer perspectiva em Ciências Humanas. Por fim, um terceiro e breve trabalho de pesquisa, que tomou lugar no início do projeto, está adicionado a esta obra, originalmente chamado de História fria: o fantástico no espaço de Crepúsculo, que aponta características fantásticas no romance e no filme Crepúsculo. Mário Sérgio Teodoro da SILVA JUNIOR26

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Atualmente (2015-2017), mestrando em Linguística e Língua Portuguesa (ênfase em Discurso e Semiótica), pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa, na UNESP – Faculdade de Ciências e Letras – Campus Araraquara. Contato: [email protected]

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Referências Bibliográficas BIBLIOGRAFIA ANDRADE, E. R. M. de ; SILVA, M.C. O vampiro na literatura: um estudo comparativo entre Dácula de Bram Stoker e a série Crepúsculo de Stephenie Meyer. In:LAZARIN, D. H. ; LONDEIRO, R. R. Literatura Lado B [recurso eletrônico]. Guarapuava : Ed. Unicentro, 2012. CAMPBELL, J. O herói de mil faces. Trad. de Adail Sobral. São Paulo: Pensamento; Cultrix, 2007. CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem In: Textos de intervenção. seleção apresentações e notas de Vinicius Dantas. São Paulo: Duas cidades Ed.34, 2002 ( Coleção Espírito Crítico), p.77-92. _____. A personagem do romance. In: _____ et al. A personagem de ficção. 12ª ed. São Paulo : Perspectiva, 2011. CHEVALIER, J; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números.). Trad. Vera da Costa e Silva et. al. 26ª ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. DURAND, G. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral. Trad. Hélder Godinho 4ªed. São Paulo : WMF Martins Fontes, 2012. ELIADE, M. Aspectos do mito. Trad. Manuela Torres. Rio de Janeiro : Edições 70, 1989. _____. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo : WMF Martins Fontes, 2010. GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Tradução de Alceu Dias Lima et al. 2ª ed. São Paulo: Cultrix, 2013. LONDEIRO, R. R. Literatura Lado B [recurso eletrônico]. Guarapuava : Ed. Unicentro, 2012. MELTON, J. G. O livro dos vampiros: a enciclopédia dos Mortos-Vivos. Trad. James F. S. Cook. São Paulo : Makron Books, 1995. MEYER, S. Amanhecer. Ed. Popular. Trad. de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010. _____ Breaking dawn. Nova Iorque: Little, Brown & Company, 2008. _____. Crepúsculo. Ed. Popular. Trad. de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009a _____ Eclipse. Nova Iorque: Little, Brown & Company, 2007. _____. Eclipse. Ed. Popular. Trad. de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009b. _____. Lua Nova. Ed. Popular. Trad. de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009c.

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FILMOGRAFIA BEDAZZLED. Direção de H. Ramis. Twentieth Century Fox Film Corporation; Regency Enterprises; KirchMedia. EUA, 2000 (93min), son., color. BLADE. Direção de Stephen Norrington. EUA, 1998, (120min). son., color. CITY of angels. Direção de B. Silberling. Atlas Entertainment; Monarchy Enterprises B.V.; Regency Enterprises et al. EUA, 1998 (114min) son., color. DER himmel über berlin. Direção de W. Wenders. Road Movies Filmproduktion; Argos Films; Westdeutscher Rundfunk (WDR). Alemanha, 1987 (128min) son., color. DOCTOR who [série de TV]. Direção de S. Moffat. Temporada 3, episódio 10: Blink. (45 min) Jun. 2007, son., color. _____ Direção de S. Moffat. Temporada 5, episódio 4: The time of the angels. (42 min) Abr. 2010a, son., color. _____ Direção de S. Moffat. Temporada 5, episódio 5: Flesh and stone. (43 min) Mai. 2010b, son., color. _____ Direção de S. Moffat. Temporada 7, episódio 5: The angels take Manhattan. (71 min) Set. 2012, son., color. DOGMA. Direção de K. Smith View Askew Productions; STK. EUA, 1999, (130min). son., color. FRIGHT night. Direção de Craig Gillespie. EUA, 2011, (106min). son., color. SUPERNATURAL [série de TV]. Direção de E. Kripke Temporadas 4-8, 2008-2013, son., color. TWILIGHT. Direção de C. Hardwicke. Summit Entertainment. EUA, 2008 (122min), son., color. UNDERWORLD. Direção de Len Wiseman. EUA, 2003, (121min). son., color.

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Agradecimentos

Agradeço especialmente à minha orientadora, Profa. Dra. Andressa Cristina de Oliveira, pela oportunidade de trabalhar com Crepúsculo na Universidade e por ter me apresentado à obra de Gilbert Durand, crucial para minha formação; Agradeço ao Maurício Lozana pela apresentação à obra, que, de certo, enriquece a edição e a leitura crítica que, esperamos, futuros pesquisadores e interessados pelo assunto possam fazer; Agradeço à Unesp, por ter permitido que o estudo Antíteses do sobrenatural: a simbologia da série Crepúsculo fosse apresentado em um segunda fase do CIC, Congresso de Iniciação Científica (XXV CIC da UNESP), representando o curso de Letras da UNESP-FCLAr; Agradeço também à falta de incentivo de diversos docentes e discentes do curso de Letras FCLAr, que apenas permitiu que o trabalho acerca desse tema se realizasse de forma mais cautelosa e científica.

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Arte da capa: La chute des anges rebelles Charles Le Brun Arte da contracapa: Dante et Virgille en Enfer William Bouguereau

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