Antonio Malta: obra em contexto
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desenho de Rodrigo Andrade, 1977
ANTONIO MALTA CAMPOS
ANTONIO MALTA: OBRAS EM CONTEXTO
SÃO PAULO 2002
Antonio Malta: obras em contexto
Antonio Malta Campos Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Orientadora: Profª Dra. Vera M. Pallamin Apoio: CAPES
São Paulo, 2002
À minha filha Antonia
Agradecimentos
A Vera Pallamin, pela generosidade com que acolheu as mudanças de rumo. A Sérgio Ferro e Amélia Império Hamburguer, pela atenção dada ao projeto de pesquisa inicial. Aos membros da banca de qualificação, Luis Antonio Jorge e Sônia Salzstein, pelo vislumbre da forma final do trabalho. À CAPES, pela bolsa de estudos. A Maria Rita e suas colegas na secretaria de pós-graduação da FAU, pela paciência. A Rodrigo Andrade, Daniela Baudouin, Marco Giannotti, Paulo Monteiro, Cao Hamburguer, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Marcelo Cipis, Maína Junqueira, Alexandre Martins Fontes, Nando Reis e Vânia Passos, pela colaboração e amizade. A meus pais, pelo apoio.
Resumo O presente trabalho é um comentário detalhado de uma seleção de reproduções de obras do artista plástico Antonio Malta, escrito pelo artista. Os capítulos seguem a ordem cronológica de produção das obras, de 1966 a 2002. Obras de outros artistas são comentadas quando necessário.
Abstract The present work is a detailed commentary of a selection of images of the work of the painter Antonio Malta, written by the artist. The chapters are in chronological order, from 1966 to 2002. Images of works by other artists, when necessary, are also commentated.
Sumário Nota introdutória 1966 1967 1968 1969 1970 (1º sem.) 1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) 1973, 1974, 1975, 1976 1º semestre de 1977 Julho de 1977 2º semestre de 1977 Papagaio! 1 1978 e 1979 1980, 1981, 1982 1982 e 1983 1984 1985, abril: exposição Apto 13 1985, maio: exposição Casa 7 1985, Bienal de São Paulo: Casa 7 1986 a 1989: matéria Olho&Óleo (1987) e outros exemplos de figuração 1987 a 1990 1996 1998 1999 2000, 1º semestre 2000 (2º semestre) a 2002 Bibliografia
1 5 16 31 39 53 63 79 101 125 133 143 161 181 201 207 219 231 243 253 273 291 301 307 319 325 331 353
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Nota introdutória
Os primeiros seis capítulos, 1966, 1967, 1968, 1969, 1970 (1º sem.) e 1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) estão organizados em torno de uma seleção de desenhos meus destes anos. 1973, 1974, 1975, 1976 cobre a produção de desenhos da primeira fase da minha adolescência, correspondente ao ginásio na Escola Vera Cruz (5ª a 8ª séries). O ano em que ingressei no Colégio Equipe para cursar o colegial, 1977, é tratado em três capítulos distintos: 1º semestre de 1977, Julho de 1977 e 2º semes tre de 1977. Isto se deve à quantidade de esboços e desenhos que fiz neste ano, com o objetivo de criar um estilo de personagem de histórias em quadrinhos. Os esboços mostram uma evolução estilística complexa, que precisou ser esmiuçada para se tornar compreensível. Papagaio! 1 é sobre o primeiro número desta revista (1977), onde apre sentei minhas primeiras HQs. 1978 e 1979 é sobre as HQs publicadas nestes anos, por mim e por cole gas do Equipe, nas revistas Papagaio! e Boca. 1980, 1981, 1982 comenta as HQs, gravuras em metal e desenhos, meus e de outros artistas, produzidos nos anos anteriores à formação do ateliê Casa 7. 1982 e 1983 é sobre uma tela que fiz na Casa 7 e trabalhos que fiz depois de sair deste ateliê.
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1984 foi o ano que marcou, para mim, o surgimento da pintura “neoexpressionista” em São Paulo, em salões e exposições coletivas. Este capítulo comenta exemplos desta pintura (ateliê Casa 7), bem como o meu trabalho na época. 1985, abril: exposição Apto 13 é sobre a minha primeira exposição (com Maína Costales), no Centro Cultural São Paulo. Há menção a outros trabalhos deste ano. 1985, maio: exposição Casa 7 comenta esta exposição, lançamento do ate liê Casa 7. 1985, Bienal de São Paulo: Casa 7 comenta a participação do grupo na 18ª Bienal de São Paulo. 1986 a 1989: matéria comenta o trabalho de alguns dos artistas “matéri cos” deste período. Olho&Óleo (1987) e outros exemplos de figuração é sobre a coletiva de que participei em 1987, com mais quatro artistas (Alexandre Martins Fontes, Fábio Lopes, Maína Costales e Ricardo Laterza), todos figurativos nesta época, como eu. Há exemplos de obras de outros artistas figurativos, de gerações anteriores. 1987 a 1990 finaliza o grupo de capítulos dedicados à década de 80. São comentados trabalhos meus e de outros artistas, do final da década (trabalhos figurativos). Os capítulos 1996, 1998 e 1999 são sobre a retomada do trabalho em pin tura, após alguns anos de arquitetura. Minha primeira exposição individual, em 1999, é abordada no último capítulo deste grupo.
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2000, 1º semestre comenta a exposição que realizei em Belo Horizonte neste ano. 2000 (2º semestre) a 2002 é o último capítulo. Nele, são comentadas obras minhas de 2000, obras de outros artistas (década de 90), e o meu trabalho atual em pintura. O texto, em todos os capítulos, precede as páginas com reproduções das obras comentadas. Preferi não legendar as reproduções; há apenas um número que as identifica (figura x). Os dados das obras se encontram no corpo do texto, sempre que a obra é mencionada pela primeira vez. As reproduções de obras minhas foram realizadas a partir da digitaliza ção de fotografias do meu arquivo pessoal (no caso dos desenhos, diretamente das obras). As reproduções das obras dos outros artistas abordados foram reali zadas a partir de imagens de catálogos e livros, citados nas notas de rodapé e na bibliografia. aaa
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1966
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Nasci em junho de 1961. Até 1970, estudei no Bola de Neve, pequena escola particular situada no Jardim Paulistano, em São Paulo, próxima à minha casa. Nesta escola, os alunos desenhavam bastante. A atividade era super visionada pelas professoras da escola, que costumavam escolher temas para o trabalho (inclusive tema livre) e orientavam as crianças em relação às várias téc nicas disponíveis (lápis de cor, gouache, colagem etc). No final do ano letivo os desenhos eram guardados em pastas e estas eram entregues aos pais. As minhas pastas mais antigas são de 1966. Os meus desenhos deste ano, realizados no Bola de Neve, estão organizados em duas pastas, correspondentes aos dois semestres letivos. Na primeira pasta, há em torno de cem desenhos. Os temas e as técnicas variam muito. Dada a impossibilidade de reproduzir e comentar todos os dese nhos, escolhi reproduzir aqui, para começar, dois desenhos de março de 1966, quando eu ainda não havia completado cinco anos de idade. Trata-se de dois desenhos de tema “livre”, um representando um foguete, uma casa, uma estra da e um homem (fig. 1) e outro representando um carro (fig. 2).1 Estes dois desenhos são exemplos do que costumava ocorrer quando a professora permitia o tema “livre”. Nestas ocasiões, eu fazia desenhos de carros, foguetes, navios, aviões e peixes. Eram os “meus” temas. Quanto à execução, estes dois desenhos são gestuais e não muito “caprichados”, mas por isso mesmo interessantes, com traços em crayon vermelho que exploram o espaço do papel. Este gestualismo, apesar de presente em boa parte dos meus desenhos
1 A maioria dos desenhos que mostrarei aqui foram feitos em folhas de formato A4 (21 x 29,7 cm). Quando as proporções variam, é porque as folhas são menores, e não maiores.
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de criança, não era uma regra: também fazia desenhos “bem feitos”, como dois desenhos de maio de 1966 com o tema do navio no mar (figuras 3 e 4). Aqui há uma preocupação com os detalhes das diversas partes de um navio, o que pode indicar que estes desenhos foram baseados em um conhecimento prévio de foto grafias de navios. A obra de março de 1966 reproduzida na fig. 5 é um exemplo de cola gem, interessante pela mistura de procedimentos (colagem e desenho) e pela mistura de imagens que não guardam relação entre si. Provavelmente se trata de um trabalho dirigido, ou seja, de técnica (colagem e desenho) proposta pela professora. Os desenhos mostrados até aqui foram feitos no Bola de Neve, no pri meiro semestre de 1966. Mas não desenhava só na escola. Desenhava em casa junto com meus irmãos Cândido e Paulo, e muitos destes desenhos foram guar dados nas mesmas pastas onde estão os desenhos do Bola de Neve. Um exemplo é o desenho de abril de 1966 que representa um avião no céu e contém outras figuras como um foguete, um helicóptero, um guindaste, um homem caindo de paraquedas e navios no mar (fig. 6). A pasta do segundo semestre de 1966 do Bola de Neve contém algo em torno de cem desenhos, como a do primeiro semestre. Aqui, se destacam duas pinturas em gouache com o tema da casa na paisagem (figuras 7 e 8). Em uma delas está escrito pela professora: “A casa de meu pai”. Não dá para ter certeza, mas provavelmente se trata de pinturas com tema livre (o título referido teria sido dado depois).
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Também desta pasta há o desenho e a colagem com o tema da bandeira brasileira, um dos temas do mês de novembro (figuras 9 e 10). Nota-se nestes trabalhos uma má vontade com o tema (não era de livre escolha), o que resulta em obras de pouco vigor formal. A colagem intitulada “Semana da Asa” (fig. 11), talvez pelo tema próxi mo aos meus interesses de então (aviões, foguetes etc), tem, ao contrário, mais qualidade plástica. Os estágios do foguete estão bem caracterizados pelos três quadrados de cor diferente. aaa
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Figuras 1 e 2
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Figuras 3 e 4
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Figura 5
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Figura 6
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Figuras 7 e 8
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Figuras 9 e 10
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Figura 11
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1967
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Os desenhos de 1967 feitos no Bola de Neve estão guardados em apenas uma pasta. Nesta pasta, há alguns grupos de trabalhos grampeados, formando cadernos. Um destes cadernos é de colagens (figuras 12, 13, 14, 15, 16, 17) feitas com papéis coloridos, como a vista acima (fig. 11). As duas primeiras colagens deste caderno (figuras 12 e 13, maio de 1967) aparentemente resultaram de uma invenção pessoal minha, pois na primeira está escrito pela professora “composição pessoal” e na segunda “colagem pes soal”. A primeira representaria uma “fábrica” (está anotado) e a segunda um barco (é o que parece). Do ponto de vista formal, a colagem “fábrica” é uma composição inter essante pelo equilíbrio precário dos seus elementos – recortes de papel colorido (estes recortes de papel, na forma de faixas finas, retângulos, quadrados, círculos e triângulos de várias cores eram provavelmente fornecidos pela professora). Há também uma bandeira do Brasil. Já a colagem do barco, apesar de mais simples, talvez seja realmente “genial”, como foi anotado pela professora. Dois recortes quase iguais – duas faixas de papel finas, uma preta e outra cor de laranja – são utilizados para rep resentar duas partes diferentes do barco: o casco e o mastro (com uma bandeira na ponta). A diferença de cor reforça a diferença de orientação dos dois recortes e o posicionamento relativo dos mesmos acaba por fazer com eles adquiram os significados de “casco” e “mastro”. Os outros dois recortes, um triângulo (vela ou cabine) e um retângulo (bandeira), ecoam a dualidade do casco e do mastro, através de uma feliz inversão das cores.
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As duas colagens seguintes (figuras 14 e 15, junho de 1967) represen tam respectivamente uma “balança com pesos” e uma gangorra (está escrito atrás das colagens). Não está indicado que se trata de composições “pessoais” – o tema deve ter sido sugerido pela professora. Do ponto de vista formal, são composições interessantes mas não tão bem resolvidas como as duas anteriores. As duas últimas colagens deste caderno de folhas grampeadas estão reproduzidas nas figuras 16 e 17 (trabalhos de agosto e setembro de 1967). Uma representa um carro e uma casa, e a outra um “ônibus” (está escrito do outro lado da folha). Não há indicação se o tema é livre ou não. A primeira (fig. 16) é bem resolvida, com o destaque para o carro todo composto de retângulos (com exceção das rodas). A segunda (fig. 17), apesar de não ter merecido um comen tário muito entusiasmado da professora (apenas “bom”), é bastante interessante. O ônibus representado certamente é do tipo elétrico, o que explicaria a forma pontiaguda e a faixa sobre ela (que seriam a haste do ônibus e os cabos elétricos da rua). A figura 18 mostra uma colagem isolada de abril de 1967 (não per tence a nenhum caderno). O interesse aqui é a composição com recortes finos que respondem pelas linhas de contorno das figuras (uma casa e um poste ou árvore). O aspecto quase construtivo destas colagens contrasta com a gestuali dade de desenhos do mesmo ano (figuras 19 e 20). O primeiro é um desenho de maio de 1967, que representa um barco (um tratamento “pessoal” para um tema determinado pela professora – madeira). O segundo é um desenho de junho
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com tema livre e técnica sugerida (desenho com crayon em papel apoiado sobre lixa). Além do barco costumeiro, há abelhas zunindo no céu. Um compromisso entre a técnica da colagem e o desenho pode ser visto em um trabalho de agosto de 1967 (fig. 21). Notar as duas portas do ônibus e a haste que toca no cabo de eletricidade (um ônibus elétrico como esse não pode ria estar em uma paisagem rural, no entanto). Na pasta de 1967 existem outros trabalhos, além dos vistos acima, que são exemplos de experiências com pincel e tinta (figuras 22 e 23, trabalhos de maio de 1967). Esta tinta talvez seja o resultado da mistura giz moído e água, mas não é possível ter certeza. O aspecto destas pinturas é interessante pela materialidade da tinta e pela gestualidade. A primeira (fig. 22), em azul, talvez represente uma casa, de difícil identificação. Em volta da figura, há marcas de dedo. A segunda (fig. 23), em marrom, tem uma casa, a linha do horizonte, e manchas no céu que podem ser o sol e uma nuvem. Há também, nesta pasta, pinturas com gouache, feitas com pincel ou com o dedo. A pintura reproduzida na fig. 24 é um exemplo do primeiro caso. Este trabalho não tem data, mas deve ser de junho de 1967. A casa aqui é resolvida em uma forma triangular. A fig. 25 reproduz uma pintura feita com o dedo e gouache (máquina de trem, trabalho de junho de 1967). O trabalho reproduzido na fig. 26 é um exemplo de desenho feito em casa no ano de 1967. Representa o pico do Everest, o mais alto do mundo, um tema que fazia parte do meu repertório pessoal, como os foguetes, aviões, barcos e peixes. aaa
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Figuras 12 e 13
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Figuras 14 e 15
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Figuras 16 e 17
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Figura 18
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Figuras 19 e 20
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Figura 21
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Figuras 22 e 23
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Figuras 24 e 25
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Figura 26
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1968
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Da pasta de 1968, selecionei oito trabalhos para mostrar aqui. Os dois primeiros são exemplos de pinturas com aquarela, feitas no Bola de Neve (figu ras 27 e 28). Suponho que o tema, nestes dois casos, fosse livre, daí os barcos e peixes. O uso da linha, nestas pinturas, está complementado pelas áreas de cor, o que faz com que estes trabalhos estejam entre o desenho e a pintura propria mente dita. Há também uma utilização do preto como cor. O trabalho seguinte é provavelmente uma pintura com tema estabeleci do pela professora (fig. 29). A figura aparenta ser uma embarcação viking (ou fenícia). A transparência da tinta e o uso da cor do papel como fundo e como figura (céu e casco do barco) contribuem para a leveza desta pintura. Tanto neste trabalho como nos dois anteriores, se observa uma estilização das figuras e uma simplificação que contrasta com o “realismo” de outros desenhos (ver figuras 3 e 4). Os desenhos reproduzidos nas figuras 30 e 31 também tiveram seu tema estabelecido pela professora. O primeiro representa um barco fenício, e o segundo uma casa chinesa. No primeiro caso, há um compromisso entre o meu desenho de barcos e peixes e o tema estabelecido pela escola. No segundo caso, há um certo realismo e uma preocupação com a perspectiva. A figura 32 traz um desenho feito em casa, com o tema já conhecido dos peixes no mar. Notar a expressão dos peixes, e a presença de outros bichos, como a arraia e o caranguejo. Neste desenho, predomina o traço, como em muitos desenhos que fazia em casa. O uso de tinta era mais comum na escola. Fazendo parte deste conjunto de trabalhos, mas com data incerta (1968,
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1969 ou 1970), há dois desenhos um pouco diferentes, “de observação” (figuras 33 e 34). Um representa uma sala vista em perspectiva: a janela ao fundo, qua dros na parede, uma porta, uma mesa de centro e uma lâmpada no teto. O outro representa um menino esticando o braço para pegar uma flor. Ambos são uma tentativa de representar realisticamente uma determinada cena. Não são dese nhos feitos no Bola de Neve: não há carimbo de data nem comentário escrito. Foram feitos em casa, mas não sei dizer em que contexto e por qual motivo. aaa
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Figuras 27 e 28
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Figura 29
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Figuras 30 e 31
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Figura 32
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Figuras 33 e 34
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1969
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O desenho “Minha Casa”, o primeiro de 1969 a ser mostrado aqui, é também um desenho de observação, mas feito na escola seguindo sugestão da professora (fig. 35, trabalho de março de 1969). Nesta obra, a casa onde morava é representada de frente, do ponto de vista de quem olha da rua. As duas pinturas seguintes (figuras 36 e 37, 1969) foram feitas com aqua rela ou gouache, e representam cenas urbanas. Não há como saber se são traba lhos dirigidos pela professora ou pinturas de tema livre. A pincelada é solta, mas há uma certa preocupação com o realismo, principalmente em relação ao helicóptero e aos carros. A seguir, temos um exemplo de desenho abstrato, feito com pastel (fig. 38, 1969). Este trabalho foi realizado no Bola de Neve, e talvez tenha sido resul tado de uma sugestão da professora, mas não há como saber. Já o trabalho abstrato de dezoito de setembro de 1969, reproduzido na figura 39, é certamente uma pintura com técnica sugerida pela professora (a téc nica de deixar pingar a tinta no papel). Neste caso a técnica influi diretamente no tipo de abstração obtida. Em relação às pinturas de setembro de 1969 reproduzidas nas figuras 40 e 41, volta a questão da abstração como resultado ou não de sugestão da pro fessora. Não há como saber hoje se estas pinturas abstratas foram dirigidas ou espontâneas, ou então se o que vemos como abstração na verdade não o era na época (poderia haver algum tema). No caso destas duas pinturas, notar o uso de tons quentes e a composição em faixas horizontais, com elementos pontuais na parte inferior.
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Como uma espécie de outro lado da moeda da abstração, na pasta de 1969 há um grupo de colagens figurativas que merece uma atenção especial (figuras 42, 43, 44, e 45). Estes trabalhos não são colagens com papéis coloridos, como as vistas anteriormente, mas sim colagens com reproduções fotográficas e figuras, que têm alguma relação entre si. A colagem da figura 42 parece girar em torno do tema do trator e do avião. Várias figuras de tratores estão coladas por baixo do recorte de avião, for mando um mosaico. Notar o projetor de cinema colado por cima de uma das figuras de trator, como se fosse ele próprio um trator. A colagem da figura 43, apesar de conter figuras diversas quanto ao tema, parece ter também um tema comum: figuras humanas ou humanizadas (jogado res de futebol, uma boneca e o Tio Patinhas, uma foto de moda e um desenho de um esqueleto deitado na cama). O conjunto resulta bizarro e inusitado. As duas colagens seguintes também são singulares. A da figura 44 tem uma fotografia de um rinoceronte, outra de uma armadura de cavaleiro medie val e um desenho de um boi. Há uma evidente relação entre a armadura e o couro do rinoceronte, neste caso, bem como uma outra relação entre os dois animais representados. A colagem da figura 45 é um pouco mais obscura quanto ao tema. Este pode ser “meios de transporte”, o que explicaria o trem e os carros, mas não explicaria o fóssil de peixe. O desenho de 30 de outubro de 1969 reproduzido na figura 46 foi feito no Bola de Neve, e é um típico desenho de barco de guerra, com aviões no céu
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(um atingido, em chamas). Provavelmente trata-se de um trabalho com tema livre. O desenho com montanhas, pássaros, foguete e transmissão de rádio está aqui representando os desenhos de 1969 feitos em casa (fig. 47). Temática e estilisticamente falando, este desenho está próximo do reproduzido na fig. 26 (Pico do Everest). aaa
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Figura 35
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Figuras 36 e 37
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Figura 38
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Figura 39
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Figuras 40 e 41
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Figuras 42 e 43
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Figuras 44 e 45
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Figura 46
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Figura 47
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1970 (1º sem.)
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As figuras 48, 49, 50, 51, 52 e 53 mostram seis pinturas abstratas realiza das no Bola de Neve no primeiro semestre de 1970. Estas pinturas, feitas com gouache, são semelhantes às do ano anterior mostradas nas figuras 40 e 41. Não há como saber se foram dirigidas pela profes sora ou se foram espontâneas, mas pelo caráter de série que elas têm, supõe-se que foram dirigidas. As duas primeiras (figuras 48 e 49) se destacam pelas formas arredonda das soltas no espaço do papel. No caso da primeira pintura (fig. 48), as formas se distribuem tanto no centro como nas margens da folha. O fundo azul dá uma impressão de líquido e as formas parecem orgânicas. No caso da segunda pintu ra (fig. 49), há apenas uma forma centralizada, ladeada de tinta vermelha. Na pintura da fig. 50, a composição é organizada por uma linha verme lha sinuosa que divide o espaço do papel em duas áreas de cor. O traço verde na área inferior tem uma dinâmica vertical forte e termina em ponta, se contrapon do à linha vermelha. O círculo azul na área superior contrabalança a figura em ponta da área inferior. Na pintura da fig. 51, há a presença de uma mão. A composição é menos importante do que esta figura, que faz com que este trabalho seja o menos abs trato de todos deste grupo. As duas pinturas reproduzidas nas figuras 52 e 53 são muito diferentes, apesar de evidentemente aparentadas (notar as cores iguais). A primeira (fig. 52) é bastante informal. Sua composição lembra um pouco o mar dos desenhos de peixes, pela linha verde na parte superior, mas as formas na parte inferior
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desfazem esta impressão. Há inclusive respingos de tinta sobre as áreas de cor, reforçando o caráter de informalidade e de abstração. A pintura da figura 53 é praticamente geométrica. A informalidade é deixada de lado em favor de uma composição organizada por áreas de cor bem delimitadas. De novo, não há como saber se estas experiências com a composi ção foram estimuladas ou espontâneas. Na figura 54, mais uma pintura como a da figura 39, com a técnica de deixar a tinta pingar no papel, certamente sugerida pela professora. Os quatro trabalhos seguintes são exemplos de desenhos feitos em casa, no primeiro semestre do ano de 1970. Os dois primeiros, figuras 55 e 56, são desenhos com os costumeiros temas de peixes e barcos. Em casa, frequentemen te recorria a estes temas, que eram meus preferidos, pela narrativa implícita. Notar, no caso do desenho dos peixes, que se trata de um peixe “rei” ou chefe, com coroa, ladeado de dois menores que seriam seus guardas e de peixinhos ainda menores, formando uma espécie de exército ou guarda pessoal do peixe “rei”. No caso do desenho com barco e avião, notar que se trata de um portaaviões. Os outros dois, figuras 57 e 58, são desenhos poucos usuais, onde se nota uma preocupação com o realismo das cenas representadas. O primeiro desenho (fig. 57) é uma cena de tourada, vista de cima. Notar o desenho do touro, com as patas dianteiras maiores do que as menores, de acordo com o ponto de vista adotado (apesar do animal estar sendo visto de cima, ele parece estar posiciona do frontalmente, o que revela as minhas limitações da época, mas dá uma certa
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graça ao desenho). O desenho da figura 58 mostra um barco de pesca no mar. À primeira vista, poderia parecer que este é mais um desenho de barco, como os outros já mostrados. Mas uma análise mais detida revela que se trata de uma cena de pesca vista com preocupação realista. A vela está em perspectiva; os peixes não são estão caracterizados como personagens, como em outros desenhos (com expressões nos olhos), mas como peixes objetos da pesca; o pescador está arras tando sua rede no mar de maneira bastante convincente; há uma âncora, pois o barco está parado; e, finalmente, o mar e o céu estão caracterizados com realis mo, de forma a evocar a atomosfera de mar aberto onde ocorre a pescaria. aaa
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Figuras 48 e 49
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Figuras 50 e 51
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Figuras 52 e 53
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Figura 54
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Figuras 55 e 56
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Figuras 57 e 58
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1970, 1971, 1972 (E.U.A.)
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1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) Em setembro de 1970 viajei para os Estados Unidos com a família, para passar uma temporada de dois anos. Em Berkeley, Califórnia, onde a família foi morar, continuei a desenhar, agora só em casa, dado que na escola o ensino de artes era voltado para práticas de artesanato (pequenas esculturas e objetos utilitários em cerâmica e trabalhos em couro). Boa parte desta produção de dese nhos foi guardada. Neste período em que desenhei em casa, nos E.U.A., meus desenhos se tornaram bastante narrativos. As figuras 59 e 60 mostram desenhos realizados em 1971, que representam cenas da vida dos “caranguejinhos”, personagens que havia criado no final de 1970. No desenho da figura 59, há uma cena de mar, que está relacionada aos desenhos de peixes e barcos, mas que têm a pecu liariedade de ser uma cena com os caranguejinhos. O desenho é caprichado e detalhado, cheio de pequenos incidentes (peixes maiores abocanhando outros menores, por exemplo). A figura 60 é uma cena subterrânea dos caranguejinhos, representando a sua “cidade”. As diversas atividades estão distribuídas em ambientes interliga dos por túneis. As figuras 61 e 62 mostram um avião de guerra e um porta-aviões dos caranguejinhos, desenhos que fiz para ilustrar o livro que tinha começado a escrever com estes personagens (não cheguei a escrever mais do que algumas páginas, relatando o início da guerra dos caranguejinhos com os morcegos – The War Against the Bats).
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As figuras 63 e 64 mostram um avião de guerra e um submarino, mas não há indicação de que estejam relacionados aos caranguejinhos. O tema da guerra era um tema muito presente na época, de qualquer forma: os Estados Unidos estavam em guerra com o Vietnam. Todo dia, no noticiário da televisão americana, havia notícias e cenas da guerra. As figuras 65 e 66 reproduzem dois desenhos de carros que fiz em feve reiro de 1971. São carros inventados, com um motor dianteiro do tipo dragster (um tipo de carro que alcança alta velocidade em corridas curtas em linha reta, algo que assistia na TV frequentemente). Os desenhos reproduzidos nas figuras 67 e 68 estão reunidos aqui pela afinidade estilística, mas não tenho certeza se foram feitos em datas próximas. São desenhos realizados com caneta tipo Bic azul e coloridos com lápis de cor. O primeiro é uma cena de peixes, de agosto de 1971. É muito detalhado e até rea lista, na sua representação das diversas espécies de peixes. O segundo desenho representa um jato decolando. A figura 69 é um desenho interessante na sua tentativa, razoavelmente realista, de representar bichos em uma floresta. As árvores são altas e se pare cem com as que existem no norte da Califórnia. Nos desenhos das figuras 70 e 71, há cenas de guerra com os carangue jinhos (notar, no desenho da figura 71, os caranguejinhos subindo a escada da rampa de lançamento do foguete). A figura 72 mostra um desenho de foguete, com todo o aparato de lançamento deste sendo transportado através de uma região desértica. O tema
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do foguete era um tema muito presente na época, em função da chegada do homem na lua, e do lançamento das diversas missões Apollo. Na figura 73, o desenho mostra o aparelho de som do apartamento onde morávamos em Berkeley, um desenho de observação. O desenho da figura 74 é um trabalho de escola, mas não um trabalho relacionado às artes, e sim ao ensino de História. Trata-se de uma cena, desenha da com preocupação realista, de julgamento de um cidadão negro, com mem bros da Ku Klux Klan presentes e o juiz proferindo a sentença desfavorável ao réu (You are guilty!). Este desenho provavelmente foi realizado para um trabalho sobre a discriminação racial contra os negros nos E.U.A., um tema atual na época (e hoje ainda) e que me tocava muito, em função da escola em que estudava, uma escola pública de alunos majoritariamente negros e hispânicos (na Califórnia, há uma lei que determina a integração racial, estabelecendo que alunos de bairros de população branca estudem por um determinado período em escolas situadas em bairros de população negra, e vice-versa). Notar o cabelo estilo black-power do homem que está sendo julgado, típico do início dos anos 70. Finalmente, as figuras 75 e 76 reproduzem desenhos cartunísticos, que revelam, como o anterior visto na figura 74, uma preocupação de realismo e pro fundidade na representação das figuras e ambientes, desenhos que antecipam trabalhos que faria depois, a partir de 1973, já no Brasil, com figuras humanas. Este tipo de desenho, é importante notar, era um desafio para mim. Eram desenhos em que eu abandonava os temas que conhecia bem (peixes, foguetes etc) e o tratamento bidimensional das figuras, para tentar composi
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ções com figuras humanas em ambientes representados tridimensionalmente. Frequentemente ficava insatisfeito com o resultado: não gostava do “estilo” do desenho das figuras humanas que fazia, pois achava que não sabia recriar (de memória) a figura humana nas suas proporções corretas, nem sanar esta defi ciência com um desenho cartunístico (caricatural) que considerasse bom. aaa
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Figuras 59 e 60
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Figuras 61 e 62
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Figuras 63 e 64
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Figuras 65 e 66
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Figura 69
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Figuras 75 e 76
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1973, 1974, 1975, 1976
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De volta ao Brasil, em setembro de 1972, entrei para a Escola Vera Cruz, em São Paulo (onde fiquei até 1976). Nesta escola o ensino de artes não era voltado para a produção de desenhos, mas continuei a desenhar em casa, principalmente nas férias escolares de janeiro e julho em Ubatuba, em cadernos espiralados. Também desenhava na apostila do Cria (de “criatividade”), uma apostila de redação de Flávio Vespasiano di Giorgi e Samir Curi Meserani que era utilizada no Vera Cruz. Como não existem desenhos de 1973 guardados (a não ser que alguns desenhos considerados como feitos nos E.U.A. não o sejam realmente), o pri meiro desenho do “período Vera Cruz” que escolhi já é de 1974 (6ª série). Neste desenho feito na escola, em uma folha do Cria (fig. 77), estão presentes as figuras humanas que fazia na época e que não me satisfaziam, como já foi observado. O tom jocoso do desenho e o desleixo formal mostram esta insatisfação, acre dito (compare-se este tipo de desenho com os desenhos caprichados de peixes, foguetes e carros). A menção à apostila de redação do Cria é oportuna. Escrever textos (e fazer desenhos) nesta apostila era uma atividade que fazia parte da aula de por tuguês dada pela professora Maria Otília, que era a aula de que mais gostava no Vera Cruz (com a possível exceção da aula de Educação Física). Em função des tas aulas e do incentivo de Maria Otília, escrever, para mim, começou a adquirir uma importância grande. O desenho, a partir daí, passou a ser uma atividade criativa secundária, e frequentemente insatisfatória, principalmente quando o tema eram as figuras humanas que julgava não saber fazer bem.
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Os quatro desenhos de 1974 aqui reproduzidos refletem a minha ambi valência entre tentar trabalhar melhor os desenhos de figura humana ou insistir nos temas da infância, como foguetes etc, sempre uma opção “segura”. Os dois primeiros, figuras 78 e 79, são exemplos do segundo caso, mas o desenho que mos tra uma lancha puxando um esquiador (fig. 79) pode ser visto como um compro misso entre os desenhos de figura humana e os costumeiros desenhos de barcos, dado que a cena é representada de forma razoavelmente realista e inclusive faz referência a uma atividade que na época me ocupava, nas férias em Ubatuba. Os outros dois foram feitos no caderno que agora utilizava para dese nhar (e escrever). São desenhos de figura humana, com uma preocupação cartu nística, principalmente o segundo (fig. 81), de julho de 74, que mostra três guar das se aproximando de um suspeito (uma piada sem interesse que vale apenas como pretexto para o desenho). Já o desenho de agosto daquele ano (fig. 80) mostrado aqui é um traba lho um pouco diferente, que tende para o nonsense. Me recordo de fazer este desenho e do estado de espírito em que me encontrava, um pouco entediado. Desenhar desta forma era como passar o tempo, sem muita preocupação com o resultado final do trabalho (hoje eu vejo este desenho com mais interesse). Por ser de agosto, este desenho talvez tenha sido feito em São Paulo e não nas férias de Ubatuba como os três anteriores. Vejo o desenho da figura 82, de janeiro de 1975, realizado em Ubatuba, como um típico desenho infantil “tardio”, feito à tarde, depois do almoço, na casa de praia. Meu interesse nesta época estava voltado menos para os desenhos
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do que para os textos que escrevia na escola e em casa – textos que eram resulta do do meu esforço criativo maior do período. Costumava desenhar apenas nas férias, sem grandes pretensões, para me ocupar nas partes do dia em que não esta va fazendo nada. O ano de 1975, inclusive, foi o ano em que escrevi (também nas férias, em Ubatuba, provavelmente em janeiro) O Caso da Mesa Melecada. Este pequeno livro inspirado, estilisticamente, em O Caneco de Prata, de João Carlos Marinho Silva, foi escrito como trabalho de escola, mas representa minha produ ção artística mais ambiciosa do período, muito mais do que os desenhos. Em julho de 1975, passei uma temporada em Vila Velha, no Espírito Santo, na casa de uma amiga de minha mãe que tinha um filho da minha idade. Por alguma razão, meu interesse pelo desenho aumentou nesta temporada, e pode ser verificado nos seis trabalhos reproduzidos nas figuras 83, 84, 85, 86, 87 e 88, que não são do tipo “infantil” e representam uma tentativa de explorar novos caminhos, ainda que de forma um pouco desordenada. A figura 83 mostra o desenho do “Maligno Dr. Mau em uma de suas metamorfoses”, de vinte de julho de 1975. O interesse deste desenho é a variação do rosto do personagem, que se não chega a representar uma variação estilística revela uma certa indeterminação na caracterização de um tipo fixo de figura humana. O desenho da figura 84, apesar de realizado no mesmo dia, é bastante diferente do anterior. Aqui, o tema do personagem é transformado em um rosto, composto de linhas, que ocupa a folha inteira. As linhas mantém o caráter de elemento formal independente.
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Os quatro desenhos com nanquim colorido das figuras 85, 86, 97 e 88 foram feitos logo a seguir, nos dias vinte e um e vinte e três de julho. O primei ro (figura 85) contém rabiscos e é mais uma experiência com a tinta do que um desenho acabado. O da figura 86 é também um desenho voltado para experiên cia com a tinta, mas tem figuras interessantes. Os desenhos das figuras 87 e 88 são experiências quase abstratas, que exploram a tinta nanquim escorrida ou espalhada no papel. Nota-se nesta série toda, realizada no Espírito Santo entre os dias vinte e vinte e três de julho de 1975, uma tendência eclética de experimentar com várias linguagens, o que demonstra que o desenho, para mim, nesta época, era uma questão ainda em aberto, sem resolução satisfatória (algo que não me preo cupava muito, no entanto: me considerava um pouco escritor e não pensava em ser artista plástico). A figura 89, como outra citada acima, mostra um desenho infantil “tar dio”, de outubro de 1975. O tema dos aviões é tratado com bastante capricho, e de forma cartunística, pois há um certo humor no combate de aviões inimigos que expressam esta inimizade através de suas formas. O desenho que abre o ano de 1976, ano em que fiz a 8ª e última série do ginásio no Vera Cruz, é um desenho cartunístico (fig. 90), realizado nas férias de janeiro em Ubatuba. Um homem está dizendo a outro: “Procure seu Cristo”. O que escuta não entende bem o sentido da frase (que é de qualquer forma pouco clara). A origem deste desenho está numa criação conjunta de desenhos e tex tos, minha e de Nando Reis, elaborada com o tema “Procure seu Cristo”, nas
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férias de Ubatuba (nossas famílias têm casa na mesma praia). Neste trabalho, o desenho cartunístico dos personagens está mais definido, em comparação com outros anteriores. Um pouco em função de uma insatisfação com o meu desenho cartunísti co, em julho de 1976 (em Ubatuba) fiz dois desenhos de observação tendo como modelo a minha mão esquerda em duas posições diferentes (figuras 91 e 92). Estes desenhos e outros semelhantes representavam uma solução possí vel para o impasse em que me encontrava, uma solução que buscava na tradição “culta” do desenho naturalista de observação um paradigma a ser adotado, em oposição ao cartum com figuras estilizadas. Os desenhos de figura humana presentes nestas folhas, datadas de julho 1976, são também (quase) naturalistas – uma verdadeira ruptura com meu desenho anterior de figura humana. Há, é certo, um “mal jeito” decorrente da minha ignorância em relação às proporções do corpo humano (não são desenhos de observação). O novo naturalismo, no meu desenho da figura humana, acabou, no final de 1976, se transformando em um “estilo” de certa forma cartunístico. Isto se observa claramente nos desenhos das figuras 93, 94, 95 e 96. Não que isso fosse um problema: afinal, a questão era ter um estilo de desenho de figura humana, e não ser completamente naturalista e fiel à natureza (se fosse este o caso, teria me dedicado ao desenho de observação). O rostos de homem do desenho da figura 93 mostram este meu novo estilo, que acabava ficando entre o naturalismo e o cartum. O nariz, que era
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por onde começava o desenho, era desenhado sempre grande, bem como a boca (eram estes os traços distintivos deste estilo). Uma observação: o rosto de mulher desenhado nesta folha não é de minha autoria (foi desenhado pelo meu irmão Cândido, na época com treze anos). Na figura 94, o desenho ilustra uma cena da eleição em que trabalhei de boca de urna para candidatos da oposição ao governo militar (nesta eleição, de 1976, o MDB, partido de oposição, obteve uma vitória expressiva sobre a ARENA, partido de sustentação do governo militar). Há também um texto, pequeno exem plo da minha produção literária da época, e um comentário a respeito do “estilo” literário do Equipe, colégio no qual iria ingressar no ano seguinte. Os desenhos das figuras 95 e 96 mostram aplicações assumidamente car tunísticas do estilo de desenho de figura humana que comentamos acima, mais naturalista. aaa
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Figura 77
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Figuras 78 e 79
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Figuras 80 e 81
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Figura 82
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Figura 83
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Figuras 85 e 86
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Figuras 93 e 94
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Figuras 95 e 96
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1º semestre de 1977
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Em 1977 ingressei no Colégio Equipe, para cursar o colegial. Foi uma mudança importante: havia saído do Vera Cruz, uma escola experimental relativamente pequena na época, situada em um bairro residencial (Alto de Pinheiros), para estudar no Equipe, um colégio maior, localizado quase no cen tro de São Paulo, próximo à Av. Brigadeiro Luís Antonio. Esta mudança “radical” do local de estudo foi acompanhada de uma mudança não menos marcante no que se refere ao meio de transporte: deixei o carro com motorista que me levava ao Vera Cruz para começar a andar de ônibus, que tinha de pegar às 6h20 da manhã, pois o trajeto até o Equipe era longo. O ônibus que pegava era o “Largo da Pólvora”, no último ponto da rua Pinheiros, já quase na Av. Rebouças. O ônibus, depois de subir esta aveni da, entrava na Av. Paulista, percorria quase toda a sua extensão e descia a Av. Brigadeiro Luís Antonio. Eu descia no ponto antes da rua Humaitá, e andava até o Equipe, que ficava na rua Martiniano de Carvalho, chegando quase na hora de entrar para a aula, às 7h20. Até então minha movimentação pela cidade havia se restringido ao eixo Jardins – Alto de Pinheiros, quase sempre de carro, o que equivale dizer que até então tinha visto da janela, mais do que vivido, a cidade de São Paulo. A rua onde morava, situada no Jardim Paulistano, não tinha uma “vida de rua”, coisa que aliás não é comum nos bairros residenciais de classe média alta de São Paulo. Eu e meus irmãos passávamos as tardes em casa ou na casa do nossos primos, e raramente saíamos na rua para brincar ou mesmo andar de bicicleta.
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Uma experiência completamente diferente, diga-se de passagem, da que havía mos vivido em Berkeley, nos E.U.A., onde se brincava livremente na rua, no parque público próximo e em outros locais, todos acessíveis de bicicleta. O ingresso no Equipe propiciou, portanto, uma mudança importante na minha relação com a cidade de São Paulo e com seus habitantes, relação que deixou de ser apenas contemplativa para se tornar mais vivida. Mas o trajeto que fazia até o Equipe toda manhã não tinha apenas este significado relacionado à cidade. Havia um outro significado, ligado ao fato do Equipe ser, na época, um colégio que abrigava grande número de estudantes interessados em artes plásticas, música, literatura, cinema, fotografia e outras formas de expressão artística – como eu. No ano anterior, quando havia decidido ir para Equipe (e não para o Santa Cruz, que era a outra opção), já sabia, mais ou menos, o que me esperava. Havia conhecido o colégio em uma visita (os alunos do Vera Cruz visitaram as escolas nas quais estavam interessados), e tinha gostado do prédio e da sua dis posição em torno de uma quadra central, com o teatro/auditório atrás e as salas de aula em um bloco lateral. Mas mais decisivo do que a visita, havia sido o encontro, em 1976 (acre dito), com dois dos meus futuros colegas no Equipe, Carlito Carvalhosa e Paulo Monteiro, encontro ocorrido na casa de Nando Reis, por iniciativa de Quilha, irmã deste (os dois eram colegas de Nando no Nossa Senhora do Morumbi). Neste encontro, realizado para discutir a possível publicação de desenhos e histórias em quadrinhos, percebi que estava diante de pessoas que já tinham
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identidade de artistas, apesar da pouca idade (Monteiro e Carlito, quinze anos, e Nando, quatorze anos). Paulo Monteiro, inclusive, já havia publicado seus car tuns e tiras (do personagem Feto) em uma revista chamada Veredas. A minha identidade de artista, no entanto, estava longe de ser uma iden tidade consolidada, aos quinze anos. Nem sei se posso dizer que possuía uma tal identidade, ou que tinha intenção de me tornar artista plástico, escritor ou qualquer outro tipo de artista. Conhecer Paulo Monteiro e Carlito Carvalhosa um pouco antes de entrar para o Equipe, pessoas que (a meu ver) já possuíam esta identidade (exibindo até uma certa arrogância), foi importante para que eu começasse a elaborar a minha. Quando as aulas do Equipe começaram, me aproximei de dois alunos da minha classe que acabaram se tornando meus amigos (ambos futuros artistas): Rodrigo Andrade e Marcelo Fromer. Ao longo do ano de 1977, uma turma maior foi se configurando, que incluía eu, Rodrigo, Fromer, Monteiro, Carlito, Cao Hamburguer, Fábio Miguez e Branco Mello. Outros alunos, de outros anos, esta vam próximos a esta turma, como Inês Stockler, Gisela Moreau, Leda Catunda, Lulu Vergueiro, Laura Vinci, Tonico Carvalhosa, Marcelo Mangabeira, Dimitri Lee, Fernando Salém, Nuno Ramos, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Brito. Nando Reis, que é mais novo, entraria no ano seguinte, integrando-se tam bém a esta turma, assim como Vânia Passos e Zaba Moreau. Muitas das pessoas citadas acima já tinha algum projeto ou atividade na época do colégio, como escrever, tocar, desenhar etc. A própria direção do Equipe e os seus professores incentivavam esta produção, tanto no nível do ensi
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no (de redação e de artes, por exemplo) como no apoio material a iniciativas dos alunos (revistas, filmes, shows, atividades do grêmio). O ambiente era decidida mente criativo. Para mim e para meus amigos que desenhavam (Rodrigo Andrade, Paulo Monteiro, Nando Reis e Gisela Moreau), logo surgiu a oportunidade, ainda no primeiro semestre de 1977, de publicar histórias em quadrinhos na revista Boca, uma revista “marginal” de estudantes da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (Flávio del Carlo, Dagomir Marquezi e outros). O segundo número da Boca estava para ser publicado, e a revista estava aceitando colaborações. Um terceiro número estava em projeto, previsto para o fim do ano de 1977 ou início de 1978. Como eu vinha de uma prática tímida de desenho de figura humana, ainda sem possuir um estilo, a meu ver, adequado aos quadrinhos, não enviei material para a Boca 2, preferindo deixar minha estréia para o número seguinte. Nando Reis, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, que já desenhavam quadri nhos há mais tempo e tinham material pronto ou em elaboração, enviaram seus trabalhos para a Boca 2 a tempo de serem publicados. Gisela Moreau enviou uma ilustração para uma matéria escrita. A figuras 98, 99 e 100 reproduzem respectivamente desenhos de Nando, Monteiro e Rodrigo publicados na Boca 2. A figura 97 mostra a capa, de autoria de Ul, uma montagem com uma foto dos membros da Boca (no canto esquerdo, ao alto, estão Paulo Monteiro e Nando Reis). Como é possível notar nos desenhos, Nando, Rodrigo e Monteiro pos
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suíam grande maturidade estilística e técnica, apesar da pouca idade. No caso de Nando (fig. 98), o desenho da figura humana é muito simples, e por isso mesmo eficiente e expressivo. O desenho de Paulo Monteiro (fig. 99) é resultado de uma técnica cartunística plenamente desenvolvida. A HQ de Rodrigo (fig. 100) mostra que ele era tributário de uma tradição artística erudita, e não cartunística. O contato diário com Rodrigo e Monteiro (Nando ainda estava na 8ª série, no Nossa Senhora do Morumbi) a partir de fevereiro/março de 1977, quando começaram as aulas, e o cotejo dos seus desenhos com os meus, que con siderava inferiores, fez com que eu começasse a ficar preocupado em melhorar meu próprio desenho, visando a publicação futura de HQs (no número três da Boca, que estava por vir). Esta preocupação não produziu efeitos imediatos, no entanto. Ao contrá rio, deu início a um processo demorado de elaboração de uma nova linguagem de desenho, processo que me ocupou durante todo o primeiro semestre de 1977 e parte do segundo. Assim, foi apenas no final do ano que consegui chegar em um estilo de desenho interessante e realmente original, depois de tentar vários caminhos diferentes e estilisticamente contraditórios. Felizmente, guardei mui tos esboços desta época, e através deles é possível reconstituir todo o processo, passo a passo. A figura 101 mostra um desenho meu de janeiro de 1977, um pouco ante rior ao ingresso no Equipe. É um desenho de caderno, feito em Ubatuba provavel mente, semelhante aos que tinha feito durante o segundo semestre de 1976, vistos acima. Há aqui uma mistura de naturalismo e caricatura, que na época não me
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agradava, mas ao mesmo tempo me atraía, pelo resultado bizarro. As HQs ainda não estavam na pauta das minhas preocupações imediatas, nesta data. As figuras 102 e 103 reproduzem desenhos feitos no caderno em março/ abril de 1977 (as aulas já haviam começado). É evidente a evolução do traço, do primeiro para o segundo desenho de rosto, que não se explica apenas por um capricho maior, mas também pelo interesse em desenvolver uma técnica de hachura, semelhante à de Rodrigo Andrade (ver fig. 100). A figura 104 é outro exemplo (mais bem acabado) da aplicação desta téc nica de hachura em um desenho de rosto, feito com caneta tipo Pilot (ainda não possuía caneta nanquim). Este rosto, curiosamente, não possui boca, talvez em função da minha insatisfação com o tipo de boca que costumava fazer. As figuras 105, 106 e 107 mostram desenhos feitos no verso de apostilas do Equipe, durante a aula. Aqui os rostos adquirem um aspecto diabólico e por vezes patético, e as expressões são bastante trabalhadas. Estes desenhos são os melhores desta série. Fazer estes desenhos de rostos hachurados, com caneta, representou para mim um salto qualitativo grande – era como se eu possuísse, agora, depois de poucos meses de colégio, um novo estilo de desenho, comparável aos estilos dos meus amigos, que tanto admirava. Gostava destes desenhos a ponto de não ter vergonha de mostrá-los aos meus colegas de classe mais próximos. No entanto, ainda estava longe de ter um desenho aplicável às HQs, e sabia disso. Mas, apa rentemente, eu estava estabelecendo parâmetros não exclusivamente cartunísticos para um futuro estilo de HQs, e aproveitando para experimentar com um tipo de
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desenho que tinha mais afinidade com a tradição erudita do que com o cartum. A influência maior, aqui, era o desenho de Rodrigo Andrade, influência combinada com a minha prática de desenho que vinha do ano anterior. As figuras 108 e 109 mostram duas folhas de caderno cheias de esboços, rabiscos e rostos hachurados. Como são desenhos feitos no caderno, sei que foram feitos em casa (provavelmente entre abril e maio de 1977). O que é significativo nestas duas folhas de caderno é a presença, junto aos rostos hachurados, de peque nos esboços em outros estilos, como o localizado no canto esquerdo superior da figura 109. A necessidade de elaborar um desenho de HQ que tivesse uma quali dade “cartunística” estava fazendo com que eu experimentasse estilos diferentes, mais simplificados e estilizados do que o estilo hachurado dos rostos. Outro aspecto significativo dos desenhos destas folhas de caderno é o fato deles terem sido feitos com caneta nanquim, instrumento mais “profissio nal” que as canetas Bic ou Pilot (heranças do meu desenho infantil). Nisso esta va sendo influenciado por Rodrigo, Monteiro e Nando, que desenhavam com caneta nanquim. Nas figuras 110 e 111, que mostram folhas do mesmo caderno das duas figuras anteriores, as experiências com desenhos cartunísticos são ainda mais evidentes. Na folha da figura 110, há esboços para um personagem, o Mendigo. O desenho do Mendigo tem um estilo oposto ao desenho hachurado “realista” detalhado de rostos que havia predominado até então. A figura é definida em poucas linhas, soltas, que não fecham totalmente o contorno, fazendo com que o desenho funcione mais como um sinal indicativo sumário das feições do per
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sonagem do que como uma elaboração detalhada deste – um recurso tipicamen te cartunístico, aliás, presente em vários autores que conhecia na época, como Henfil e Fortuna, por exemplo. Na folha reproduzida na figura 111, há outras variantes estilísticas, que sugerem que eu não havia ficado totalmente satisfeito com o desenho do tipo cartunístico de linhas soltas empregado no personagem Mendigo (e não havia mesmo). A variante mais importante, que deve ser destacada aqui, é o desenho de linha contínua e sinuosa empregado em algumas das figuras. De qualquer forma, acabei por dar continuidade ao desenho do Mendigo, transformando-o em outro personagem: Serafim, o Dedo Duro. A figura 112 mostra o resultado, que preparei como se fosse uma “arte final” (aca bamento para impressão). As figuras 113 e 114 reproduzem, respectivamente, os esboços e a arte final de um cartum que faz referência à revista Boca, com o mesmo tipo de traço do desenho anterior. De novo, devo ressaltar que não gostava muito deste tipo de desenho, muito “duro”. O fato é que, até este momento, possivelmente maio de 1977, não dispunha de outro que servisse para cartuns. Isso começou a mudar rapidamente nos meses seguintes. As figuras 115 e 116 revelam as etapas deste processo. Na figura 115, personagens de traço con tínuo e sinuoso convivem com os de traço cartunístico mais “duro” (Serafim, o Dedo Duro, e um outro, o Cego), mas estão em maior número, o que mostra qual era a minha preferência. Na figura 116, o personagem de linhas sinuosas está razoavelmente definido em suas linhas gerais. aaa
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Figura 97
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Julho de 1977
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Em julho de 1977, com a chegada das férias, fiz vários desenhos grandes a nanquim, utilizando penas Graphos e papel de boa qualidade, material adquirido na Casa do Artista por sugestão de Rodrigo Andrade. Me recordo de fazer estes desenhos na edícula de casa, que já havia servido de escritório para o meu pai. A lembrança destas sessões de desenho é forte ainda hoje (lembro até da trilha sonora, Getz/Gilberto). Estava animado com as penas Graphos de espes suras e traços diferentes e com a perspectiva de dar um salto qualitativo no meu trabalho, através da utilização de material de desenho profissional. Não sei se o desenho da figura 117 foi o primeiro destes desenhos. De qualquer forma, é um desenho importante, onde o personagem de traço contínuo e sinuoso que havia desenvolvido em esboços é empregado de forma satisfatória em um cartum. Notar as diversas espessuras de traço (inclusive da moldura), obtidas com penas diferentes. Os três desenhos seguintes diferem do anterior por não serem propria mente cartuns. Há nestes trabalhos um parentesco formal com os rostos hachu rados que havia feito durante o primeiro semestre, o que mostra que este tipo de desenho, apesar de não ser adequado às HQs e cartuns, ainda tinha grande apelo para mim e representava uma espécie de alternativa a estilos especifica mente cartunísticos. No trabalho da fig. 118, o único dos três que pode ser interpretado como um cartum, vemos o rosto de um homem que parece assustado, ameaçado que está por um machado que pende sobre sua cabeça. Em segundo plano, há árvo res cortadas, presumivelmente por este mesmo machado, significando que o
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mal que o homem faz contra a natureza pode se voltar contra ele. Já o desenho da figura 119 não tem um significado claro nem uma men sagem cartunística. Vejo este trabalho mais como exercício formal do que como ilustração de algo, apesar do tom macabro. Finalmente, há o desenho da figura 120, que fecha esta série, um dese nho grande, com o dobro da tamanho dos anteriores (todos de formato A4), e interessante por representar a figura humana de corpo inteiro (o que era um desafio para mim). Estes três trabalhos, bem como o cartum sobre o custo de vida, represen tam um dos primeiros pontos de chegada da minha produção de desenhos de 1977. O fato de terem sido realizados nas férias de julho significa que eles estão a meio caminho do segundo ponto de chegada, que viria a ser a elaboração de histórias em quadrinhos destinadas à publicação, no final do ano. No entanto, indefinição em relação ao tipo de desenho de HQ a ser ado tado continuava a existir, como mostram as figuras 121 e 122, frente e verso de uma mesma folha de desenho de julho de 1977. Notar que no conjunto dos dois desenhos pode-se encontrar pelo menos cinco estilos diferentes de desenho de figura humana. De qualquer forma, indefinições à parte, ainda nas férias de julho de 1977 desenhei uma história em quadrinhos com Cândido, meu irmão, e Nando Reis. Esta HQ, feita em Ubatuba, recebeu o título de “Delírios Ubatubozos” (identificação das figuras a seguir). aaa
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Figura 117
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Figura 118
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Figura 119
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Figura 120
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Figuras 121 e 122
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2º semestre de 1977
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Não me recordo exatamente em que momento de 1977 surgiu a idéia de uma nova revista de histórias em quadrinhos a ser realizada por alunos do Equipe – a revista Papagaio!. Talvez tenha sido no início do 2º semestre. O que sei é que idéia de fazer a Papagaio! veio na esteira de outra iniciativa: “O Incrível S. S. Conrrado”, HQ com texto de Fernando Salém e desenhos de Paulo Monteiro, impressa na gráfica do Equipe em 1977 (capa reproduzida fig. 132; não sei a data exata da impressão). A Papagaio!, tal como havia ocorrido com “S. S. Conrrado”, receberia apoio da direção do colégio (através da gráfica que fazia a impressão de aposti las do Grupo Educacional Equipe) e acabaria sendo publicada no final de 1977 (1º número). Mais adiante, nos deteremos nas HQs da Papagaio!, comentando alguns exemplos (“Delírios Ubatubozos” foi publicada na Papagaio! 1; as figu ras 139 e 140 mostram as duas primeiras páginas). No segundo semestre de 1977, continuei a desenhar, agora visando a publicação de HQs tanto na Papagaio! como na Boca. As figuras 123 e 124 mos tram folhas de esboços deste período (agosto de 1977), onde se observa um fato significativo: a fusão do estilo “rosto hachurado” com o traço cartunístico dos “personagens de linha sinuosa”. Esta fusão é visível nos dois rostos de perfil no canto superior esquerdo da figura 123, e no rosto central da figura 124. Nas figuras 125 e 126, este tipo de desenho é mais explorado, resultando em rostos ao mesmo tempo cartunísticos e hachurados, onde o volume é bas tante explorado. A unidade estilística destes desenhos sugere que eu havia me
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interessado por este estilo e parado de experimentar com outros. Durante algum tempo, acreditei ter chegado a uma síntese satisfatória, e cheguei a desenhar uma HQ com este tipo de personagem, visando a sua publi cação no primeiro número da Papagaio!. Mas ela não foi publicada: ainda não estava satisfeito com este tipo de desenho, muito pesado e dramático, e o tema da HQ me incomodava (mostrava o personagem se maturbando). Não guardei este desenho. Acabei abandonando este estilo de personagem em favor de um outro. Esta passagem não foi propriamente uma ruptura, no entanto. Foi na verdade uma reelaboração, onde atenuei os exageros nas feições dos rostos e corpos, bus cando um tipo de figura humana que tivesse aparência mais leve. Esta reelaboração pode ser observada no desenho reproduzido na figura 127. Este desenho não tem data, mas estimo que tenha sido feito entre setembro e outubro de 1977. O personagem, aqui, já se encontra mais ou menos definido: contornos sinuosos, nariz pontudo, boca grande e dentada e o corpo quase dis forme. O tipo tem um certo ar patético, adequado ao tratamento humorístico que pretendia dar às minhas HQs. Devo observar que esta solução não resultou, exclusivamente, de uma reelaboração “interna” do meu desenho. Houve uma influência externa, do desenho de Moebius, que conhecia da casa de Rodrigo Andrade (revista Metal Hurlant). Esta influência se nota no tipo de hachurado que passei a adotar e na solução do corpo do personagem. As figuras 128 e 129 mostram desenhos realizados em outubro de 1977
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na Fazenda da Barra (de Carlito Carvalhosa). Notar o personagem desenhado por Paulo Monteiro na figura 129, ao lado de desenhos meus, e o homem de boca aberta desenhado por Rodrigo Andrade no alto da outra folha (fig. 128). As figuras 130 e 131 mostram os dois lados de uma mesma folha de dese nho, provavelmente de novembro de 1977. Na figura 130, há estudos de rostos e expressões (de felicidade, tristeza etc). Os desenhos são leves e simples, com um mínimo de hachuras. Na figura 131, se vêem duas versões de uma “tira” de HQ, cuja versão final acabou sendo publicada na Papagaio! 1. O desenho do personagem, em ambas as figuras, já está plenamente elaborado. aaa
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Figura 123
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Figuras 125 e 126
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Figuras 128 e 129
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Figuras 130 e 131
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Papagaio! 1
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A Papagaio! 1 foi publicada no final do ano letivo de 1977, antes da Boca 3, que ficou para o início do ano seguinte. A figura 133 mostra a capa da Papagaio! 1. Seu autor, Paulo Monteiro, já era conhecido no colégio como bom desenhista: além de “S. S. Conrrado” (fig. 132), havia sido autor de um dos cartazes da Feira Medieval, evento organizado pelo professor de artes Gilson Pedro (os outros dois cartazes foram desenhados por Rodrigo Andrade e Vivian Altman). Com Fernando Salém, foi um dos idealizadores da revista Papagaio!, e assinou com este o editorial da revista (fig. 134). A figura 135 mostra alguns dos cartuns de Monteiro publicados na Papagaio! 1. O tom é de denúncia, como nas tiras do Feto publicadas na revista Boca. A figura 136 reproduz uma HQ de Leda Catunda, cujo tom também é de denúncia. A figura 137 mostra uma foto-montagem de Cao Hamburguer (o dese nho é de Rodrigo Andrade) sobre o tema dos “enlatados” (HQs estrangeiras publicadas pela editora Abril). A figura 138 mostra a primeira página da HQ de Rodrigo Andrade, “A Prisão dos Prendedores”. Rodrigo era, ao lado de Paulo Monteiro, o melhor desenhista do colégio na época. “A Prisão dos Prendedores” é muito bem dese nhada, como se fosse um filme, com closes e tomadas de vários ângulos. O dese nho é inventivo, de muitos recursos gráficos. As figuras 139 e 140 mostram as duas primeiras páginas de “Delírios Ubatubozos”, HQ já mencionada anteriormente e desenhada por mim, Nando
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Reis e Cândido Malta Campos Neto (meu irmão) em Ubatuba, nas férias de julho de 1977. O meu personagem é de fácil identificação: trata-se da figura de traço sinuoso que já vimos nos esboços mostrados. A figura 141 mostra um cartum de Nando Reis, muito bem desenha do. As quatro figuras seguintes (142, 143, 144 e 145) mostram, finalmente, as quatro páginas de tiras e HQs que publiquei na Papagaio! 1, ponto de chega da de um ano inteiro de trabalho com estilos diversos de desenho. Vamos nos deter um pouco na tiras. Na figura 142, a primeira tira é de Paulo Malta (meu irmão). Das três tiras seguintes, as duas que estão no centro da página formam com as três da figura 145 o primeiro conjunto de tiras que desenhei com as piadas de trocadilhos criadas por Marcelo Fromer e Branco Mello. A tira que está na parte inferior da página da figura 142 (“São Seiko prás oito!”) é um pouco diferente das cinco outras citadas acima: deve ter sido feita posteriormente (se não me engano, o texto é meu). Vejamos agora as HQs. A figura 144 mostra a primeira HQ de página inteira que fiz com os trocadilhos (sempre de Fromer e Branco). O desenho é parecido com o das primeiras tiras que desenhei (e menos com o da última – a do personagem de boina). O texto é sobre carros; é preciso saber o nome dos modelos de carros da época para entender a piada (Fusca, Corcel, Caravan, Corvette, Combi, Porsche, Opala e Puma). A figura 143 mostra a segunda HQ que fiz com os trocadilhos (a ordem, aqui, está invertida porque respeitei a sequência impressa na revista). Nesta HQ,
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sobre relógios, o desenho é mais ousado, com os personagens em posições diversas (a sequência das posições funciona como uma narrativa paralela ao texto). No penúltimo quadrinho desta HQ, o personagem, ao exclamar “dá um Timex!”, faz um gesto comum em assembléias estudantis da época, que significa “questão de ordem” (o Equipe era um dos poucos colégios da época que permitia a realização de assembléias estudantis em suas dependências; em 1977, no primeiro semestre, houve uma sequência de assembléias que lotaram o auditório do Equipe). Estas duas HQs com texto de trocadilhos de Marcelo Fromer e Branco Mello publicadas na Papagaio! 1, bem como as tiras, representaram o ponto de chegada de um processo de elaboração estilística que se prolongou durante o ano inteiro de 1977, como foi observado acima. Um chegada feliz, sem dúvida. Se ao longo do ano vez por outra eu havia ficado em dúvida sobre a qualidade do meu desenho de HQs, as histórias em quadrinhos publicadas na Papagaio! 1 desfizeram estas dúvidas e significa ram uma espécie de primeiro “sucesso” artístico. aaa
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Figura 132
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1978 e 1979
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1978 e 1979 Depois da Papagaio! 1, veio a Boca 3, que foi publicada no início de 1978. A figura 146 mostra a capa da revista: uma reformulação, pelos diagrama dores (Flávio del Carlo e Ul), de uma HQ minha. O meu personagem está nos dois últimos quadrinhos, anunciando o nome e o número da revista. No terceiro quadrinho da capa, há um desenho de Rodrigo Andrade, retirado de sua HQ “A Repressão do Quadrado”, primeira página na fig. 147. O tema desta HQ é praticamente o mesmo da HQ da Papagaio! 1: um preso que foge dos guardas da prisão e se refugia dentro do próprio desenho, porém sem sucesso. Nesta HQ da Boca 3, o desenho é mais elaborado e a estória é mais longa. Na capa também há desenhos de Paulo Monteiro e Nando Reis, retirados de suas HQs deste número da Boca. Por uma questão de brevidade, estas HQs (e a de Gisela Moreau, também aluna do Equipe) não serão reproduzidas aqui. A minha HQ da Boca 3, por outro lado, deve ser vista com um pouco de atenção: é um momento importante do meu desenho de quadrinhos e a HQ minha de que mais gosto (figuras 148 e 149). Desenhei “As Aventuras do Senhor Cof Cof no País da …” em Ubatuba (tenho lembrança disso), provavelmente no final de 1977, um pouco antes do prazo final de entrega da Boca 3. A HQ tem quatro páginas, e se desenvolve a partir de uma idéia muito simples: o personagem está às voltas com borrões de tinta (feitos com nanquim espirrado de uma escova de dente) e não consegue “apresentar” o título da estória. Suas tentativas de pronunciar este título são
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frustradas por explosões de tinta que fazem com que ele tenha acessos de tosse. Quando ele finalmente consegue dizer o título da HQ (que é uma alusão à sua “aventura” de tentativas de anunciar o título) a estória acaba (sem ter começa do). Gosto desta HQ por dois motivos. O primeiro é que não há texto, pra ticamente, e mesmo assim há uma sequência de acontecimentos que funciona como uma estória (um drama, ou uma comédia). Devemos nos lembrar que nas HQs anteriores com trocadilhos o texto era de Fromer e Branco; esta foi a pri meira HQ em que eu fiquei responsável pelo “argumento” (texto, roteiro). Este argumento, no entanto, quase não existe. O que fiz foi criar uma HQ inteira utilizando uma idéia emprestada das HQs anteriores com trocadilhos, a idéia da “apresentação” da estória (Fromer e Branco Produções apresenta…). Desta maneira, eliminei o problema de criar uma estória com personagens, situações e tramas complexas (o que nunca saberia fazer, e nem queria) e pude explorar o que mais me interessava, que era a parte gráfica. Graficamente (ou plasticamente, formalmente) falando, esta HQ me agrada muito – e este é o segundo motivo pelo qual gosto da “Cof Cof”. O desenho é solto e, mais importante, se expande para além dos quadrinhos indi viduais para articular uma nova unidade formal que é a página como um todo. Outra coisa que me agrada é a incorporação do acidente, através das manchas de nanquim. No primeiro quadrinho, a mancha chega a definir as feições do personagem, já que foi feita antes dele. Será que posso afirmar que os procedimentos desta HQ do final de
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1977, no que se refere à incorporação do acidente, antecipam procedimentos da minha pintura de alguns anos depois? Acho que sim. Uma lógica compositiva começava a ser impor: partir do acidente, ou do “erro”, e construir com eles, renunciando ao “acerto”. Esta sabedoria de renunciar ao “acerto” e explorar graficamente toda a potencialidade dos “acidentes” foi inicialmente uma conquista muito fugidia. Na sequência da Boca 3, vieram os números 2 e 3 da Papagaio!, o primeiro ainda em 1978 e o segundo em 1979. Mas o meu desenho, ao invés de seguir na trilha aberta pela HQ “Cof Cof”, se retraiu e de certa forma deu vários passos para trás, principalmente na Papagaio! 3. Mas vejamos primeiro a Papagaio! 2. Neste número da revista, a minha HQ “Doutor Josesmain” ainda tem um certo brilhantismo e de alguma maneira dá sequência à proposta contida na “Cof Cof”. A estória praticamente inexiste (primeira página, fig. 154): tudo gira em torno da implicância do personagem com os “zzz” (barulho de seu próprio ronco ao dormir, que para ele são insetos barulhentos; uma idéia que surgiu após ter começado a desenhar sem ter idéia nenhuma). O desenho, apesar de contido e mais controlado que o desenho da HQ “Cof Cof”, também incorpora acidentes e é “expressivamente” irregular, notadamente na caracterização do estado de humor do personagem. As outras HQs da Papagaio! 2 (capa, figura 150) revelam o alto nível a que tinham chegado os colaboradores da revista em 1978. A figura 151 traz a primeira página da inacreditável “Todatas Neófitas”, de Paulo Monteiro. Na figura 152, vemos a primeira página da HQ de Nando Reis, “O Estúpido
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Homem da Rua Dezessete”, onde os personagens são definidos por pouquíssi mos e certeiros traços. A insuperável qualidade gráfica do desenho de Rodrigo Andrade pode ser conferida na HQ “O Preso e o Gato Dele” (primeira página na figura 153). Finalmente, a figura 155 mostra a primeira página da HQ de Carlito Carvalhosa, “O Magnata Klaus Klink”, que tem um desenho muito bom e vários tipos humanos bem caracterizados.2 A figura 156 traz a capa e a contracapa do Tijolo de Barro nº3, publica ção do grêmio do Equipe de 1978 que incluo aqui em função do inspirado dese nho de Gisela Moreau. Este mostra a quadra do colégio e a entrada do auditório (um teatro, na verdade) em uma situação típica de recreio, com alguns alunos jogando futebol e outros assistindo o jogo e tomando sol. Chegado o ano de 1979, terceiro ano colegial, meu desenho se encontra va estagnado. O estilo de personagem inaugurado nos trocadilhos da Papagaio! 1 e desenvolvido na Boca 3 e na Papagaio! 2 havia sido abandonado, após a publicação da HQ “Doutor Josesmain” em 1978. Motivo: excesso de auto-crí tica. Passei a considerar (erradamente) que o procedimento de me apoiar nas irregularidades e nos acidentes do desenho devia ser evitado e substituído por um possível “correto” domínio do desenho (que não possuía). É sintomático que não tenha guardado esboços de 1978 e 1979 (ao contrá rio de 1977). Para mostrar a transformação do meu desenho nestes anos tenho de recorrer às HQs publicadas, e por isso iremos diretamente à HQ “O Monstro do Banheiro”, da Papagaio! 3. As figuras 157 e 158 trazem respectivamente a capa da Papagaio! 3, de
2 Infelizmente, por uma questão de espaço e brevidade, não posso mostrar as HQs na íntegra (nem outras, de outros autores).
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1979, e as duas primeiras páginas da HQ “O Monstro do Banheiro”, publicada nesta revista e desenhada por mim e Paulo Monteiro, a partir de uma idéia original de Monteiro. O desenho do personagem que abre a porta do banheiro, na primeira página de “O Monstro do Banheiro”, é meu (o do monstro, na segunda página, é de Monteiro). É clara a diferença entre este tipo de desenho e o estilo “Doutor Josesmain” anterior. O traço é duro e controlado. Parece haver uma preocu pação, que não existia anteriormente nas minhas HQs, com a regularidade do traço de um quadrinho para outro. Notar também as marcas de lápis mal apagadas, que revelam as inúmeras correções que fiz antes de dar a página por terminada (Monteiro, ao contrário, desenhava direto no nanquim e reclamava por ter que ficar me esperando). Para não me alongar demais, deixo de reproduzir as outras HQs da Papagaio! 3, de Rodrigo Andrade, Nando Reis, Paulo Monteiro, Carlito Carvalhosa, Tonico Carvalhosa e outros. aaa
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Em 1980, entrei na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Entraram comigo (da minha turma no Equipe) Fábio Miguez e Carlito Carvalhosa. É curioso, mas a minha reação ao entrar na FAU foi bastante negativa. Se descrevi o ingresso no Equipe como um acontecimento marcante, vivido aos quinze anos de idade, em 1977, o ingresso na FAU, três anos depois, pode ser caracterizado como uma espécie de anti-acontecimento. O curso do primeiro ano da FAU não foi bom. O único assunto que poderia me interessar na facul dade, além de artes plásticas, seria projeto de arquitetura, mas infelizmente naquele ano foi tentada uma integração entre várias disciplinas que prejudicou muito o ensino de projeto. Na área de artes, o curso de História da Arte não trouxe nada além do que eu já sabia. Talvez tenha sido má vontade, mas o fato é que não via como aproveitar a FAU e transformar o curso em algo interessante e mais próximo dos meus inte resses. A partir do segundo ano (1981) comecei a faltar nas aulas e deixar de fazer os trabalhos, sendo reprovado em boa parte das disciplinas. Frequentemente, ia à faculdade e acabava na biblioteca, único local que oferecia algum estímulo (pela aventura de encontrar livros desconhecidos e interessantes – porém anti gos: a biblioteca da FAU não está atualizada na área de artes). A vida fora da FAU, por outro lado, começou a ter um apelo cada vez mais forte e passou a representar para mim a continuidade dos projetos iniciados no Equipe (esta dualidade FAU versus outras atividades me marcou muito na época). Estes projetos já não estavam mais voltados exclusivamente para as histórias em
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quadrinhos: a idéia era começar a pintar a óleo, na esteira de Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, que já pintavam havia algum tempo, e Fábio Miguez e Carlito Carvalhosa, que também tinham intenção de começar a pintar. Fazer gravura em metal no ateliê de Sérgio Fingermann foi um passo importante nesta direção. Comecei a fazer gravura lá em 1980, se não me engano, junto com Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade. Ia para o ateliê de Sérgio, na Vila Olímpia, todas as quintas feiras, e ficava traba lhando das duas da tarde até a meia-noite (todos cumpriam este mesmo horário). Rodrigo já era frequentador do ateliê de Sérgio desde o colégio, tendo participado de salões. Sua técnica era ótima, como pode ser visto na figura 159, que mostra uma gravura que comprei em uma exposição sua (1979 ou 1980). Esta gravura de Rodrigo demonstra técnica apurada e intimidade com a lingua gem “erudita” da natureza morta, já no final dos anos 70 e início dos anos 80 (quando ele ainda não tinha vinte anos). Quando comecei a fazer as minhas próprias gravuras no ateliê de Sérgio, não possuía esta desenvoltura técnica, mas a linguagem da natureza morta era algo familiar. De qualquer modo, não comecei por aí: meu impulso inicial foi fazer gravuras com figuras humanas. A figura 160 mostra a que é talvez a minha principal gravura deste tipo (realizada entre 1980 e 1982). Notar o tratamento diferente dado a cada um dos personagens: o da esquerda (sem chapéu) foi feito com água-forte e o da direita com ponta-seca e brunidor. O céu e a fumaça do cachimbo foram feitos com água-tinta. Fazer gravura no ateliê de Sérgio era uma espécie de ritual, com várias
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etapas bem definidas que culminavam na impressão final. O processo começava com a aquisição da chapa de cobre, na Rua Santa Efigênia. Se a chapa era gran de demais, era necessário ir ao Instituto de Física, na USP, para cortar a chapa. De posse da chapa, já no ateliê de Sérgio, era preciso fazer o chanfro e o polimento da chapa, o que poderia levar um dia inteiro. O chanfro era feito com uma lima, e o polimento, inicialmente com uma lixa fina e depois com líquidos abrasivos próprios para polimento de superfícies metálicas. Estando a chapa de cobre pronta, era preciso escolher a técnica. São três as técnicas principais de gravura em metal: ponta-seca, água-forte e água-tinta. Na ponta-seca, a superfície do cobre é riscada com uma ponta de metal mais duro que o cobre, o que gera sulcos, que irão reter a tinta, que depois será trans ferida para o papel. Na água-forte, a chapa de cobre recebe uma camada de verniz líquido que endurece. Risca-se este verniz com uma ponta metálica, sem fazer sulcos no metal, de forma que a chapa fique exposta onde foi feito o dese nho. A chapa é então imersa em um banho de ácido que reage com o cobre nas áreas expostas, gerando sulcos no metal que irão reter a tinta. Na água-tinta, a chapa é pulverizada com breu em pó e depois aquecida, de forma que o breu derreta levemente e se solidifique, aderindo à superfície da chapa. Esta é imersa em ácido e este reage com o cobre de forma a criar uma textura uniforme de pequenos sulcos na chapa, como se fosse uma retícula. Uma vez escolhida a técnica ou uma composição delas, iniciava-se a gra vação da chapa. É importante observar que a orientação de Sérgio era no senti do de transmitir o domínio da técnica, e não de direcionar o trabalho artístico
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nesta ou naquela direção. Ele dava total liberdade neste campo. Após uma primeira sessão de gravação da chapa, tirava-se uma cópia – a prova de estado. Tendo em mãos esta prova, podia-se continuar a gravar. Tirar uma cópia é uma operação trabalhosa. É preciso entintar a chapa e retirar o excesso de tinta. Como a tinta à óleo é pegajosa, e adere à chapa, devese utilizar uma técnica desenvolvida pelos gravadores: usar primeiro um tecido vazado, chamado de entretela, fazendo movimentos circulares sem fazer pres são, para tirar o primeiro excesso de tinta. Depois que a chapa já está livre da maior parte do excesso de tinta e o desenho já aparece, deve-se utilizar a palma da mão, sem muita pressão, para fazer com que a tinta que está aderindo à parte não gravada da chapa se solte e passe para a mão. Após este processo, estando pronta a chapa para a impressão, a mesma é posicionada na prensa, com o papel por cima, e se procede à impressão, movimentando o cilindro de metal da pren sa. Com a pressão, a tinta da chapa passa para o papel. Ainda tenho as dezessete chapas que gravei no ateliê de Sérgio Fingermann entre 1980 e 1982, aproximadamente. É impossível mostrar aqui cópias de todas; vou reproduzir mais uma, uma natureza morta onde se vê um par de óculos, um pequeno troféu e o espaldar de uma cadeira ao fundo (figura 161). Finalizando esta parte dedicada às gravuras, a figura 162 mostra uma gra vura de Paulo Monteiro, que lembra o seu desenho de história em quadrinhos. A menção às HQs é oportuna. Depois de terminado o Equipe e as revis tas Boca e Papagaio!, ainda houve alguma atividade ligada às HQs, no início dos anos 80. Em 1980, participei do Almanak 80, uma coletânea de poesia, dese
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nhos e HQs, editada por Arnaldo Antunes, Beto Borges e Sérgio Papi. Minha participação foi em uma HQ conjunta com Carlito Carvalhosa e Fábio Miguez, “Coxinhas”. O Almanak 80 também contou com a participação de Go, Nuno Ramos, Ciro Pessoa, Paulo Miklos, Tadeu Jungle, Aguilar e Paulo Monteiro, entre outros. Em 1981, participei com história em quadrinhos da Kataloki, uma publicação semelhante, do mesmo grupo de pessoas. Também em 1981, eu, Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro fizemos a Makongo, uma revista de HQ com “histórias de mistério”, editada pelo cartu nista Macartti (Editora Pro-C), que havia publicado HQs na Papagaio! 1. Na Makongo, o humor de Papagaio! deu lugar a histórias dramáticas, em clima de filme “noir”, com espionagem, personagens excêntricos e localidades exóticas (capa fig. 163, desenho de Rodrigo Andrade). Na minha HQ, adotei um estilo menos caricatural e usei o pincel em vez da caneta nanquim, dando sequência às modificações estilísticas que havia reali zado no meu desenho de HQs, a partir da Papagaio! 3. O primeiro desenhista do Fantasma, Ray Moore (década de 30), foi minha principal influência na Makongo. A figura 164 mostra a primeira página da minha HQ “O Tambor de Ogune”. Paulo Monteiro também alterou um pouco o seu desenho na Makongo, ou melhor dizendo, incrementou o seu estilo linear já consagrado na Papagaio!, recor rendo a uma iluminação dramática com contrastes de luz e sombra (fig. 165). Rodrigo Andrade vinha de um desenho de HQ “expressionista” com alta qualidade gráfica, sem uso de balões de diálogo (Papagaio! números 2 e 3). Na HQ para a Makongo, recorreu a um desenho mais caricatural. O enredo,
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complexo, demandou muitos diálogos (fig. 166). Na Makongo, nota-se uma preocupação com a estória e com o texto. Como vimos acima, até então costumava criar minhas HQs a partir do desenho. Em “O Monstro do Banheiro”, a minha “crise” surgiu um pouco em função de ter de desenhar em cima de um roteiro prévio. No caso da Makongo, enfrentei esta questão e acho que consegui um resultado razoável, mas houve um proble ma: não consegui terminar a estória, que assim se transformou em um “primei ro episódio” de uma série que acabou não existindo. A Makongo foi uma espécie de último suspiro das HQs. Nesta época meu interesse (como o dos meus ex-colegas de colégio) já estava voltado para as artes plásticas. As figuras 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 mostram uma seleção de desenhos meus deste período (entre 1980 e 1982). Notar o ecletismo desta produção: há uma paisagem feita em uma viagem ao Farol de Santa Marta, em Santa Catarina (fig. 167), composições abstratas (figuras 168, 169 e 170), desenhos de personagens (figuras 171 e 172) e desenhos de observação (figuras 173 e 174). Nesta época também comecei a pintar, mas não guardei o que fiz: pequenas pinturas, primeiro em acrílico e depois em óleo. Esta produção tam bém era eclética: havia pinturas de observação, “retratos” inventados (um tema, sugerido pelos retratos de Picasso, que retomei alguns anos depois, como vere mos) e paisagens feitas em uma propriedade de meus pais na Cantareira (Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa e Rodrigo Andrade também pin taram paisagens na Cantareira). aaa
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1982 e 1983 Durante parte dos anos de 1981 e 1982, Rodrigo morou em Paris, fazen do gravura em metal na Escola da Belas Artes de Paris. Fábio Miguez também esteve lá e ambos viajaram pela Europa, vendo bastante pintura. Em 1982, deu-se a formação do ateliê Casa 7, ainda sem Nuno Ramos e com a minha participação. Havia uma casa vaga na vila situada na Rua Cristiano Viana de propriedade da família de Rodrigo. A casa era de fundos da vila, de número sete, e era grande o suficiente para servir de ateliê para cinco pessoas. A convite de Rodrigo, alugamos a casa e fizemos uma pequena reforma antes de começar a trabalhar. A pintura mais importante que fiz na Casa 7 foi realizada em uma oca sião em que todos encomendaram chassis grandes e prepararam as telas de lona com Suvinil 100% acrílico, no começo de 1983. Esta pintura (figura 175; óleo sobre tela; 120x150 cm; coleção Alexandre Martins Fontes) foi o resultado de um compromisso entre uma linguagem vinda das HQs e um gestualismo emprestado do Expressionismo Abstrato. A pintura tem dois personagens, um de perfil e outro de costas, numa situação urbana. A referência principal: Philip Guston (também um pintor que uniu Expressionismo Abstrato e quadrinhos).3 Depois de fazer esta pintura, em meados de 1983, acabei saindo da Casa 7 para ingressar em outro ateliê, de um pessoal da FAU (Maína Costales, com quem eu acabaria me casando em 1985, Alexandre Martins Fontes, Míriam e Sílvia). Este ateliê era no Edifício Esther, na Praça da República, no centro de
3 Todas a pinturas reproduzidas aqui estão em escala 1:20, exceto quando indicado.
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São Paulo. Nuno Ramos entrou na Casa 7 depois que eu saí. As figuras 176 e 177 mostram obras que foram possivelmente realizadas um pouco depois que eu saí da Casa 7, em 1983. A primeira é uma aquarela, das primeiras que fiz, na linha dos desenhos de observação que vinha fazendo regu larmente. A segunda é uma aquarela abstrata, feita em uma amostra de papel artesanal de Otávio Roth que acompanha a edição nº 16 da revista Arte em São Paulo, de junho de 1983. Mostro estas duas obras aparentemente desconexas em papel junto com a pintura que fiz na Casa 7 pela simples razão de que, com exceção de um dese nho, não guardei mais nada de 1983 – nem pintura, nem desenho. Possuo ape nas a memória de alguns trabalhos. No ateliê do edifício Esther, fiz pinturas a óleo, na maioria naturezas mortas, que acabei jogando fora depois. Aparentemente, neste ateliê, não dei continuidade à pintura que havia feito na Casa 7 (figura 175). aaa
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Há algo que não mencionei com a devida ênfase até agora, mas que foi importante para o lançamento da maioria dos artistas da minha geração: os salões. Na época, os salões mais importantes eram o Salão Paulista de Arte Contemporânea, em São Paulo, e o Salão Nacional de Artes Plásticas, que ocor ria no Rio de Janeiro (hoje, apesar da legislação sobre o assunto, estes s alões não são mais realizados todo ano). Havia também salões em cidades do interior de São Paulo e em outras capitais do país. O Salão Paulista surgiu após a eleição de Franco Montoro para o gover no do Estado, em 1982. Em 1983, se não me engano, foi realizada a primeira edição deste Salão, da qual participei com três gravuras em metal. Não tenho o catálogo desta edição (não sei se existe), mas me recordo bem da montagem, no amplo prédio da Bienal de São Paulo, no Parque do Ibirapuera. 1984 foi o ano em que os salões consagraram a pintura “neo-expressio nista” nacional. As figuras 178, 179 e 180 mostram, pela ordem, reproduções de obras de Carlito Carvalhosa (“A Bela Máquina”, 130x110 cm, óleo), Nuno Ramos (“O Segredo”, 120x150 cm, óleo) e Rodrigo Andrade (Sem Título, 100x150 cm, óleo), todas do catálogo do II Salão Paulista de Arte Contemporânea, de 1984, realizado no Paço das Artes em São Paulo. Rodrigo obteve, neste salão, o Prêmio Revelação. Carlito e Nuno obti veram prêmios aquisição (bem como outros artistas que não conhecia na época, como Marcelo Cipis, que não faziam pintura “neo-expressionista”).4 Paulo Monteiro e Fábio Miguez, os outros integrantes da Casa 7, entra ram no salão mas não foram premiados, portanto o catálogo não traz imagens
4 II Salão Paulista de Arte Contemporânea. São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, 1984. Catálogo da exposição.
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de obras suas. De qualquer forma, no catálogo da exposição “Coleção Gilberto Chateaubriand: Anos 80, o Palco da Diversidade”, há uma reprodução de uma obra de Paulo Monteiro de 1984, que incluo aqui (figura 181, óleo sobre tela, 130x110 cm). Não encontrei imagens de obras de Fábio Miguez para o ano de 1984.5 Neste mesmo ano de 1984, no VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Nuno Ramos recebeu o Prêmio Viagem ao Exterior, com pintura. Eu enviei pinturas para o Salão Paulista de 1984 (e talvez para o Salão Nacional), mas não foram selecionadas. Eram pinturas na linha “neo-expressio nista”, se não me engano, mas não posso ter certeza, pois não conservei quase nada deste ano, com exceção de algumas naturezas mortas, como a da figura 182 (óleo sobre tela, 60x40 cm; a imagem da figura está maior, proporcionalmente, às outras imagens, que estão na escala 1:20). Em 1984, já havia saído do edifício Esther: eu e Maína Costales estáva mos ocupando uma quitinete na rua Bento Freitas, em Santa Cecília (perto de onde hoje é a Galeria Triângulo). Trabalhávamos com pintura, e tanto o meu trabalho como o dela tinham relação com o “neo-expressionismo”, mas não a ponto de obliterar outras referências importantes e mais tradicionais, como Picasso, Cézanne, Klee etc (daí a grande quantidade de naturezas mortas que fiz este ano, algumas até flertando com a pintura acadêmica). Sabíamos da existência dos pintores alemães, como Markus Lüpertz e Georg Bazelitz, mas não possuíamos livros ou catálogos deles, nem de ninguém que fosse desta geração, ou mais jovem (como Basquiat e Schnabel). Víamos
5 Coleção Gilberto Chateaubriand: Anos 80, o Palco da Diversidade. São Paulo e Rio de Janeiro, SESI e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1995. Catálogo da exposição.
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estes catálogos, de vez em quando, em casa de amigos (como o pessoal da Casa 7). Acima de tudo, eu gostava, como gosto, de Picasso; o espetacular catálogo da exposição retrospectiva de Picasso realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1980 era uma das minhas principais referências, então. Também acho que era mais influenciado pela pintura de amigos artistas do que por pin tores da voga neo-expressionista européia e norte-americana. Neste sentido, em 1984 houve uma exposição que me marcou profun damente, talvez mais do que qualquer outra da primeira metade década de 80. Me refiro à mostra de painéis em esmalte sobre papel realizada por Rodrigo Andrade, Paulo Monteiro e Nuno Ramos no Paço das Artes, em São Paulo. Cronologicamente falando, esta exposição certamente ocorreu antes do II Salão Paulista mencionado acima, que foi realizado no final de 1984. Antes, portanto, da premiação de artistas da Casa 7 no salão e da consolidação, ainda que por um breve período (como veremos), da pintura “neo-expressionista” na sua variante brasileira. Na verdade, a memória que tenho desta exposição é de que ela foi uma espécie de inauguração: antes dela, não havia “nada”. Obviamente, este “nada” se refere às minhas preocupações e preferências pessoais, pois no ano anterior, 1983, artistas da minha geração (Ana Maria Tavares, Ciro Cozzolino, Leda Catunda, Sérgio Niculitcheff e Sérgio Romagnolo) já haviam exposto na que foi a primeira das coletivas típicas do período, a mostra “Pintura como Meio”, no Museu de Arte Contemporânea da USP, na época sob direção de Aracy Amaral. Mas esta exposição não despertou meu interesse, e nem me recordo se a visitei.
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Caso semelhante foi o da famosa “Como vai você, Geração 80?” exposi ção coletiva no Parque Lage, que ocorreu em 1984 no Rio de Janeiro: não vi a exposição e não posso dizer que ela tenha provocado qualquer impacto no meu trabalho. A exposição “Painéis”, pelo contrário, foi, como se diz, um “soco na cara”. Recém saído da Casa 7, que a esta altura ainda era um ateliê completamente des conhecido, e trabalhando em um certo isolamento com Maína Costales no ateliê da Bento Freitas, em meio a questionamentos sobre pintura que me faziam mais mergulhar no estudo da História da Arte do que procurar uma linguagem atual, ao visitar esta exposição fui transportado de sopetão para o presente. Este presente era o presente da pintura na qual tudo podia, estilistica mente falando – pintura hoje tão criticada, mas que na época foi uma descober ta. Era também um presente de profissionalismo e competência, pois os painéis eram enormes, realizados em série e rapidamente, com uma pincelada solta e expressiva. O impacto desta exposição no meio artístico paulistano não foi pequeno, talvez confirmando a minha impressão pessoal. A exposição vendeu bem, e a crítica Radha Abramo chegou a publicar uma resenha na Folha de São Paulo muito elogiosa (fato que me impressionou muito, pois não esperava que uma pintura ainda tão “crua” e jovem – apesar de potente – fosse ser tão elogiada). Não possuo imagens desta exposição. Foi feito um cartaz com reprodu ções, na época, mas não consegui localizar um exemplar dele. Há um filme realizado por Cao Hamburguer por ocasião da exposição
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“Painéis” que registra etapas das pinturas de Rodrigo Andrade, Nuno Ramos e Paulo Monteiro, como se fosse uma animação. Este filme é certamente um dos registros mais preciosos do processo de trabalho envolvido em um tipo de pin tura que hoje é muito criticada, mas que a meu ver teve bons momentos e ainda pode nos ensinar muito. Após a exposição “Painéis”, eu e Maína começamos a fazer nossos pró prios painéis em esmalte sintético sobre papel, ainda em 1984. Fiz muitos pai néis neste período. A rapidez na execução e o material abundante e barato fizeram com que eu “soltasse” a mão, muito mais do que no óleo. Ainda penso em retomar aquele tipo de produção, agora com material de primeira qualida de. Não guardei nenhum painel do período, mas tenho imagens (figura 184, comentada mais adiante). Ainda em 1984, Maína, os artistas da Casa 7 e muitos outros participa ram do “Arte na Rua” nº2, uma “exposição” temporária de outdoors criados por artistas. Não fui convidado para esta mostra, um pouco em função do isolamen to em que estava. Maína conhecia Aracy Amaral, uma das organizadoras, junto com Mônica Nador e Ana Maria Tavares, e por isso participou, com uma pin tura em esmalte (figura 183).6 aaa
6 Arte na Rua. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP, Central de Outdoor e Fundação Bonfiglioli, 1984. Catálogo.
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Figura 178
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Figura 179
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Figura 180
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Figura 181
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Figura 183
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1985, abril: exposição Apto 13
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A exposição “Painéis” e o sucesso nos salões de 1984 chamaram a atenção do meio artístico brasileiro para o grupo Casa 7. Aracy Amaral, que era diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP e estava atenta às novas gerações, logo marcou uma exposição do grupo para 1985, no MAC. Na sequência, surgiu o convite para a participação na Bienal de São Paulo, a ser realizada em 1985. Para culminar, o marchand João Sattamini, da então recém inaugurada galeria Subdistrito (que ficava onde hoje é o Gabinete de Arte Raquel Arnaud), ofere ceu apoio financeiro aos artistas da Casa 7 (para que eles pudessem voltar a pin tar com tinta a óleo, tendo em vista a participação na Bienal). Estes acontecimentos de 1984/85 me surpreenderam e me despertaram para uma realidade para a qual eu estava completamente despreparado. Na época, eu estava imerso no estudo de pintura e da História da Arte, e para meus padrões de então (forjados na leitura de livros de arte) a pintura realizada por mim e por artistas da minha geração era muito crua, e precisaria ser melhor trabalhada para ser consumida no mercado e avaliada pela crítica (crítica e mer cado brasileiros, que, na prática, eu desconhecia; sabia muito sobre a Escola de Paris e seu mercado no início do século – todos os marchands de Picasso, por exemplo –, mas não sabia nada sobre o meio ao qual eu pertenço – marchands, críticos, colecionadores etc). A minha saída da Casa 7 se deu um pouco em função disto: nunca pode ria imaginar que o sucesso viria tão fácil, e que a pintura que se fazia ali seria levada a sério tão depressa. Se tivesse percebido isso na época, talvez tivesse rela xado e deixado as coisas fluírem por si mesmas.
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Em vez disso, saí, um pouco descrente com o meu trabalho e querendo mudar de ares, e fui para o ateliê do Edifício Esther, de colegas da FAU (e de Maína, com quem eu começaria a namorar um pouco depois). Foi sem dúvida um movimento em direção ao isolamento introspectivo, justamente na época em que o movimento oposto seria mais aconselhável (dada a receptividade ime diata potencial que tinha a nova pintura jovem da época). Ainda em 1984, percebendo que era necessária uma ação mais conse quente do ponto de vista profissional, eu e Maína, já trabalhando no ateliê da rua Bento Freitas, procuramos Gabriel Borba, diretor de artes plásticas do Centro Cultural São Paulo, e pedimos a ele uma oportunidade de expor. Borba nos atendeu, gostou das pinturas (que levamos até o CCSP) e marcou a exposi ção para início de 1985. Esta exposição aconteceu em abril de 85, e se chamou “Apto 13”, uma referência ao apartamento que era nosso ateliê, na rua Bento Freitas. Com oito obras de Maína (cinco óleos e três painéis em esmalte) e sete obras minhas (cinco óleos e dois painéis em esmalte), “Apto 13” foi a nossa primeira exposição. A figura 184 mostra uma fotografia em preto e branco de um dos pai néis que expus, de 250x230 cm (hoje destruído). As figuras 185 e 186 (fotos em preto e branco) mostram duas das pinturas que expus (as duas únicas que foram conservadas); a primeira é um óleo sobre tela de 110x150 cm (coleção Alexandre Martins Fontes) e a segunda é um óleo sobre tela de 110x130 cm (coleção Maria e Cândido Malta Campos Filho). As figuras 187 e 188 mostram duas pinturas a óleo de Maína que estiveram na exposição (110x150 cm e 110x130 cm, respecti
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vamente; coleção da artista). Um exame destas obras revela uma preocupação, tanto da minha parte como por parte de Maína, de constituir uma linguagem – ou seja, ir além do gestualismo e da figuração “neo-expressionista” aleatória. No meu caso, há o abandono da figuração com personagens em favor de interiores ou “paisagens” inventadas, que revelam uma influência simultânea do expressionismo e da pintura metafísica. No caso de Maína, o tema do olho e das figuras monstruosas é explorado através de variações compositivas e cromáticas. “Apto 13” não teve catálogo (não havia verba), mas foi feito um convite com uma breve apresentação de Gabriel Borba e um texto assinado por mim e por Maína, que merece ser transcrito na íntegra. “Esta exposição é a primeira que realizamos. Consiste em cinco painéis de esmalte sobre papel e dez óleos, pintados entre dezembro de 84 e março de 85. É difícil explicar o que está pintado, por isso nem tentamos. Aprendemos fazendo, sem premissas teóricas. Não que sejamos contra teorias, somente não é esse o nosso caminho. Optamos pelo informalismo. A nossa pintura está rela cionada com a Transvanguarda? Com o Neo-expressionismo? É Nova-figura ção? Ouvimos falar mas não sabemos exatamente o que são estes nomes (vimos um catálogo do Luppertz na casa de um amigo artista). Para inventar um nome criamos para nós “expressionistas-primitivos ou “primitivos-punk”? A pintura européia nos influencia: ela efetivamente existe, mas quase nunca a vemos, só por reproduções. A pintura brasileira também. No nosso caso não seria melhor falar de pintura paulista? O Brasil é um pouco grande… Quanto à técnica, a
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perspectiva ingênua sem dúvida realça um sofisticado jogo de sombras, etc, etc. Tentamos muitas coisas: basicamente esquecer os lugares-comuns. Acreditamos que as imagens surgem de uma causalidade especial, que burramente as pessoas chamam de “acaso” (aí parafraseando Borges); que a poesia é mãe de todas as artes e que seria leviano esquecer Homero. Mas, e a problemática New-Wave? Para pintores já escrevemos demais, abusando das palavras. Fica apenas uma melancolia New-romantic.”7 Transcrevi este texto para recuperar o meu estado de espírito na época e não pelo texto em si, que não é uma tentativa “séria” de falar do trabalho. O texto foi redigido no Longchamp, conhecido bar que ficava na rua Augusta, e revela, além de ironia, um certo desencanto. No final do texto, há uma alusão à música pop da época (New Wave, New Romantic) que merece ser elaborada, pois tem a ver, de certa forma, com este desencanto. 1984, ano em que a minha geração de artistas ficou conhecida, também foi o ano de lançamento do primeiro LP dos Titãs (com muito sucesso). Pode parecer fora de contexto falar de um grupo de rock aqui, mas o fato é que quase todos os músicos dos Titãs eram ex-alunos do Equipe e amigos meus, principal mente Nando Reis, Marcelo Fromer e Branco Mello. E havia, além da amizade, um interesse meu pelo trabalho dos Titãs e sua proposta de comunicação com o grande público. O universo musical, diga-se de passagem, não era algo distante para nós, artistas plásticos formados no Equipe; ao contrário, a música sempre foi objeto
7 COSTALES, Maína e MALTA, Antonio. “Apto 13”. In: Apto 13. São Paulo, Centro Cultural São Paulo, 1985. Convite.
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de interesse. Durante o período do colégio frequentávamos os shows do Equipe, organizados por Serginho Groismann, quase todo sábado. Escutávamos muita música, incluindo rock, MPB e Bob Marley, numa época em que o reggae não era muito conhecido no Brasil. Até mais ou menos 1985, muitos artistas plásticos, inclusive eu, tocamos em bandas e chegamos a dar shows. Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro, por exemplo, tinham o Metrópolis, um conjunto de rock. Rodrigo, como composi tor, chegou a emplacar um sucesso de rádio, na voz de Supla (que havia tocado bateria no Metrópolis) e Nina Hagen: “Garota de Berlin”. De certa forma, fazer pintura, trocadilhos, HQs ou música se transfor maram, a partir do Equipe, em atividades relacionadas para mim, ou seja, defi nidas por serem expressões artísticas individuais e livres, voltadas para o públi co (que julga por si próprio o trabalho). Se havia desencanto naquele momento (início de 1985), talvez seja porque não via este processo se cumprir da forma como desejava, e não estava satisfeito com meu próprio trabalho. Esta insatisfação, quase uma norma do período, se reflete no ecletismo da minha produção da época. Para a exposição “Apto 13” consegui fazer uma série de trabalhos estilisticamente relacionados, como vimos; mas este novo “estilo” foi logo abandonado quando ao longo de 1985 pintei quadros em que recuperava o tema do personagem, agora em uma ambientação fortemente expressionista e quase desagregadora. As figuras 189 (óleo sobre tela, 100x120 cm; coleção Alexandre Martins Fontes) e 190 (óleo sobre tela, 50x60 cm; selecio nada para o II Prêmio Pirelli de Pintura Jovem, em 1985; coleção Pirelli) mos
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tram exemplos destas pinturas. Ainda em 1985, participei do III Salão Paulista de Arte Contemporânea, mas não guardei estas pinturas, e não tenho imagem delas. Elas se assemelha vam a estas últimas, com um pouco mais de elaboração (menos rápidas). Maína também foi selecionada para salões, tendo sido premiada com o esmalte “Totem” no 12º Salão de Arte Contemporânea de Campinas. aaa
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Figura 184
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Figuras 185 e 186
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Figuras 187 e 188
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Figura 190
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1985, maio: exposição Casa 7
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As figuras 191, 192, 193, 194 e 195 mostram os painéis em esmalte sin tético que estão reproduzidos no catálogo da exposição “Casa 7”, realizada entre trinta de abril e vinte e seis de maio de 1985 no Museu de Arte Contemporânea da USP e entre sete de maio e dois de junho deste mesmo ano no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.8 Há várias trilhas que eu poderia percorrer para “chegar” nesta exposi ção (falar dela), exposição que representou o lançamento do grupo Casa 7. Poderia, por exemplo, começar por uma citação do texto que Aracy Amaral escreveu para o catálogo, “Uma nova pintura e o grupo da Casa 7”. Neste texto, Aracy demonstra uma certa surpresa: “Como surge uma geração nova que se contrapõe à anterior existente, mesmo que isso não pressuponha uma reação, mas apenas um postura outra? Se esse tipo de arte nova (bad painting, transvan guarda, neo-expressionismo, ou outra que tal, na denominação) não se ensina nas escolas de arte locais por mais arejadas que sejam, deve-se supor que estes jovens estejam folheando revistas, vendo o que ocorre fora de nossas fronteiras artísticas posto que sua atitude não é tentar alcançar seus professores ou os artis tas reconhecidos daqui, mas trazer uma proposta imagética externa, nova a estes que são seus mestres.”9 Por outro lado, poderia também, em vez de começar pela preocupação de Aracy Amaral com a “imagética externa”, introduzir o assunto de uma maneira mais jornalística, vamos dizer assim, citando uma reportagem da época (Márion Strecker Gomes, Folha de São Paulo, trinta de abril de 1985: “Casa 7, um ateliê explosivo”). Trecho do texto: “Hoje, às 18h, a moçada tem encontro
8 Casa 7. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1985. Catálogo da exposição. 9 AMARAL, Aracy. “Uma nova pintura e o grupo da Casa 7”. In: Casa 7. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1985, pág. 4.
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marcado no Museu de Arte Contemporânea da USP, no parque Ibirapuera, para a abertura da exposição de pintura da Casa 7 – nome do ateliê de Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro, Rodrigo Andrade e Nuno Ramos. Os cinco rapazes irão mostrar os enormes painéis que fizeram, com papel craft e tinta esmalte, nos últimos oito meses. No próximo dia 7, estarão também no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para expor trabalhos da mesma série, e em outubro, participam com telas pintadas a óleo da 18ª Bienal Internacional de São Paulo.”10 Ainda melhor do que citar o texto desta reportagem, porém, seria reproduzi-la inteira, como uma ilustração (figura 196). Outra introdução possível para esta exposição, também um texto de época, seria a matéria “Les enfants terribles da Casa 7”, publicada na edição nº 30 da revista Arte em São Paulo (maio de 1985) e assinada por Lisette Lagnado. Trecho: “Ávidos de um conhecimento mais cosmopolita, eles engolem tudo o que encontram. O clima que ressalta das telas lembra um continente pós-atômi co. Algum temor no ar? Eles sentem que tudo já foi feito na pintura, que não há mais espaço para novidade. Por isso, não articulam projetos de cultura. Dizem que o rock é uma manifestação mais eficaz, com energia, assunto, público: – Os jovens de hoje querem fazer uma arte alegre que participe da vida. Nós sentimos que a pintura é inútil, fora do mundo, solitária. Cavamos dentro disso que nem psicóticos. Guston viveu isso e chegou no limite.”11 Haveria também uma outra forma de introduzir considerações a respei to desta exposição (e por extensão outras exposições relacionadas à voga neo-
10 GOMES, Márion Strecker. “Casa 7, um ateliê explosivo”. Folha de São Paulo, Ilustrada, 30 de abril de 1985, pág. 29. 11 LAGNADO, Lisette. “Les enfants terribles da Casa 7”. Arte em São Paulo nº 30, maio de 1985.
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expressionista dos anos 80): verificar qual é a avaliação que se faz hoje deste tipo de pintura. Para isso, teria que recorrer a textos críticos escritos em um período posterior, por autores comprometidos com uma revisão crítica da produção dos anos 80 (se bem que em uma certa medida o texto de Aracy Amaral já contém uma crítica, contemporânea à produção). Não trilharei nenhum destes caminhos. Não me interessam tanto as reações “externas” ao fenômeno, ligadas à crítica de arte ou à cobertura jorna lística: o que devo recuperar é a minha reação pessoal a esta exposição. Olhando as reproduções em preto e branco do catálogo (figuras 191, 192, 193, 194 e 195), me recordo do dia da inauguração, no MAC, que ficava no terceiro andar do prédio da Bienal, no parque do Ibirapuera. Mas me recordo principalmente (além do burburinho da inauguração) de olhar para as pinturas e anotar men talmente as propostas pictóricas e temáticas de cada um. Carlito Carvalhosa pintava “máquinas”, nesta época. Não me recordo dos outros painéis da mostra no MAC (não vi a do MAM do Rio de Janeiro), mas acho que eram semelhantes ao painel reproduzido na figura 191: uma mis tura de abstração gestual e figuração, onde a sugestões figurativas convivem com pinceladas e formas que não tem justificativa na figuração. Uma solução não muito diferente da pintura a óleo de 1984 mostrada na figura 178, onde as estruturas da “máquina” são também estruturas pictóricas independentes. No que concerne os painéis de Fábio Miguez (fig. 192), o ponto de par tida pode ter sido as paisagens de Cézanne, principalmente aquelas em que há grupos de árvores sendo representados. Me recordo de ver estas pinturas na
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Casa 7 (antes da exposição) e achar interessante a maneira como Fábio se utili zava de Cézanne – apenas como ponto de partida para uma composição de caráter expressionista. Paulo Monteiro também apresentou trabalhos figurativos (fig. 193), na linha das composições com figuras humanas que vinha fazendo há alguns anos (ver fig. 181). No caso deste painel, o que me atraiu na época (como hoje) é o absurdo desta composição, com sua mistura peculiar de figuração de quadri nhos e formas quase abstratas. O painel de Nuno Ramos, mostrado na figura 194, tem alguma coisa a ver com o de Carlito, com suas formas entre a abstração e a figura. Em relação à pintura anterior do artista (ver figura 179), nota-se uma tendência em direção a uma simplicação temática e a um controle formal mais efetivo. A figura 195 mostra o painel de Rodrigo Andrade. Como notou Aracy Amaral no texto do catálogo, o trabalho de Rodrigo estava mudando rapida mente na época. Uma comparação com a pintura mostrada na figura 180, pre miada no II Salão Paulista de Arte Contemporânea, é suficiente para atestar isto. A “crise”, aqui, talvez tenha sido detonada pelo contraste entre o tipo de pintura que Rodrigo fazia anteriormente (de tradição realista) e as soluções ges tuais e quase abstratas dos seus colegas. aaa
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Figura 191
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1985, Bienal de São Paulo: Casa 7
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As figuras 197, 198, 199, 200 e 201 mostram reproduções de pinturas dos artistas da Casa 7 constantes do catálogo produzido quando da participação do grupo na 18ª Bienal de São Paulo, no segundo semestre de 1985.12 Como no caso da abordagem da exposição da Casa 7 no MAC-USP rea lizada acima, há várias maneiras de comentar a participação da Casa 7 na 18ª Bienal. Poderia começar pelo texto do catálogo citado, de Alberto Tassinari, que contém uma visão crítica das pinturas “neo-expressionistas” do grupo; poderia, por outro lado, empreender uma leitura do catálogo geral desta edição da Bienal e entender melhor a proposta da Curadora Geral da mostra, Sheila Leirner, para depois situar as pinturas da Casa 7 neste contexto.13 Ambas estas abordagens soam interessantes, mas sua adoção aqui é pro blemática. Uma terceira via de investigação se impõe: entender estas pinturas a partir das minhas expectativas como artista, tanto na época como hoje. Isso nos manterá na trilha certa. Esta edição da Bienal foi sem dúvida marcante para quem teve oportu nidade de visitá-la, como eu. Foi a Bienal da “grande tela”: três imensos corre dores, no segundo andar, com pinturas de diversos artistas penduradas lado a lado, quase sem separação (daí o nome “grande tela”). Minha lembrança da 18ª Bienal, inclusive, se limita à “grande tela” e às pinturas do grupo Casa 7: o corredor com as pinturas dos meus ex-colegas de ateliê é a única imagem que ainda guardo na memória. Na realidade, na época da Bienal, minha atenção estava voltada quase que exclusivamente para a produção da Casa 7 (e outros artista próximos).
12 Casa 7. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1985. Catálogo para a 18ª Bienal de São Paulo. 13 18ª Bienal de São Paulo: Catálogo Geral. São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 1985.
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Naquele ano de 1985, o que estava em jogo era a sobrevivência de uma pintura – a minha, a dos colegas – que havia começado através de uma prática relativa mente tradicional, de pintura de cavalete, e depois havia evoluído para uma linguagem “neo-expressionista”, ainda indefinida quanto ao futuro. A minha sensação, pelo menos, era essa: a de indefinição quanto ao futuro. Nesta altura, já possuía um razoável conhecimento de História da Arte para saber que o “neo-expressionismo” era uma espécie de pastiche. Isso me atraía (o pastiche), pois significava liberdade de apropriação de linguagens e estilos de todas as épocas, mas ao mesmo tempo contrariava a minha tendência de organizar formalmente o trabalho e dar direção definida aos vários cami nhos possíveis. Vimos como minha pintura destes anos oscilou entre a adoção de linguagens “consagradas” (porém v elhas) como a natureza morta, por exem plo, e tentativas ligadas a apropriações estilísticas diversas, dentro do quadro de experimentação do “neo-expressionismo”. Esta oscilação ocorreu devido a uma briga constante com as soluções experimentadas: nunca estava satisfeito. A pintura da Casa 7, neste contexto, era uma referência importante, pois resultava do trabalho de artistas próximos, da mesma geração, enfrentando problemas semelhantes. E esta pintura, em 1985, estava mudando rapidamente: basta compararmos os painéis em esmalte sintético sobre papel expostos no MAC-USP com as pinturas em óleo sobre tela da 18ª Bienal. A figura 197 mostra uma pintura de Carlito Carvalhosa, exposta na 18ª Bienal (óleo sobre tela, 1985, 230x200 cm). É uma pintura abstrata, grande, muito rápida e gestual. A figuração das “máquinas” presente nos painéis e nas
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pinturas de 1984 não existe mais: restam apenas a gestualidade das pinceladas e algumas sugestões de formas mais definidas aqui e ali, mas que não chegam a ser figuras identificáveis. A figura 198 mostra uma pintura de Fábio Miguez (óleo sobre tela, 1985, 200x220 cm), também da 18ª Bienal. As árvores presentes nos painéis em esmalte são visíveis ainda, mas a pintura parece querer eliminá-las e caminhar para a abstração. A figura 199 mostra um pintura em óleo sobre tela de Paulo Monteiro (1985, 200x180 cm), da 18ª Bienal. Aqui, o que salta aos olhos é o desmembra mento, realizado pelo artista, da figuras presentes nos painéis e nas pinturas anteriores. Estas figuras são ainda identificáveis nos traços em preto, mas estão como que explodidas em várias partes, e sobrepostas a um jogo abstrato de man chas de cor. A figura 200 mostra uma pintura em óleo sobre tela de Nuno Ramos (“Lamentação”, 1985, 230x190 cm), também da 18ª Bienal. É uma pintura onde são visíveis desenhos de figuras humanas e vestimentas, sobrepostos a superfí cies de cor criadas através de pinceladas rápidas. Em relação ao painel em esmalte da exposição MAC-USP, nota-se uma menor preocupação formal (quase como um abandono desta questão). Finalmente, a figura 201 reproduz uma pintura em óleo sobre tela de Rodrigo Andrade (sem título, 1985, 200x250 cm), da 18ª Bienal. É a pintura mais figurativa do conjunto mostrado, e a que mais mantém ligação com o tra balho anterior do artista. Uma figuração, no entanto, problematizada, crítica de
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si mesma; indigna, inclusive, de representar o rosto do personagem. Um beco sem saída estilístico, característica que dá a esta obra um ar dramático e anuncia a crise que estava por vir. aaa
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Figura 197
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1986 a 1989: matéria
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Rodrigo Andrade foi o primeiro artista do ateliê Casa 7 a fazer uma exposição individual, depois da participação do grupo na 18ª Bienal de São Paulo. A mostra aconteceu na galeria Subdistrito, em outubro de 1986.14 Na figura 202 podemos ver um exemplo do novo trabalho de Rodrigo, exibido nesta ocasião (óleo e chumbo sobre tela, 1986, 180x220 cm, reprodução constante do catálogo). O que se nota aqui é a absoluta discrepância deste trabalho em relação às pinturas de Rodrigo dos anos anteriores. Não há mais nenhuma figura reco nhecível. Não há nem mesmo uma tensão entre a figura e a abstração: a questão já não é essa. Trata-se, agora, do uso de materiais que dão à obra uma presença como objeto físico. Como interpretar esta mudança? Talvez seja o caso de buscar uma pista no texto de Alberto Tassinari para o catálogo do grupo Casa 7, realizado por ocasião da 18ª Bienal de São Paulo. O texto de Tassinari é crítico em relação à pintura “neo-expressionista” mostrada pelo grupo na Bienal, e anuncia, no final, que ela deve dar lugar a pesquisas diversas. A presença deste texto neste catálogo significa certamente uma postura auto-crítica do grupo já durante a Bienal – postura que, estimulada por críticos como Tassinari, que eles haviam acabado de conhecer, terminaria por ser determinante na reformulação do trabalho. Senão, vejamos. O texto de Tassinari é intitulado “Entre o Passado e o Futuro”. Já no primeiro parágrafo, o crítico afirma: “O que mais chama a aten ção na nova pintura é a ausência de fisionomia própria dos seus elementos. O trabalho do artista não consiste, então, na pesquisa de novas formas, mas no
14 Rodrigo Andrade, Pinturas. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1986. Catálogo.
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arranjo que ele promove de signos emprestados de linguagens já constituídas. A identidade da obra, e por consequência da arte e do próprio artista, não surge mais pelas formas que o artista arrancaria ou traria ao mundo, mas do emprego de sucessivas máscaras ou simulacros.” Mais adiante: “Deste modo, tudo é impróprio na nova pintura, e a apos ta que se faz é como extrair disso tudo – da manipulação e desestruturação de linguagens pictóricas já existentes, sejam modernas ou acadêmicas – algo mais do que citações, paródias e cinismo.” No final, Tassinari conclui: “Essa é a direção de leitura que previlegio nas pinturas dos membros da Casa 7. Daqui por diante, creio, deixarão cada vez mais de representar o papel de revalorização de um gênero, a pintura, e dialo garão cada vez mais com a continuidade de nossa parca, é verdade, tradição artística.”15 Tassinari, ao mencionar a “nossa parca, é verdade, tradição artística”, está se referindo, acredito, a vertentes específicas da arte brasileira: as vertentes construtivas, concretas, neo-concretas e derivadas. Voltemos, então, à obra de Rodrigo Andrade, que tem uma folha de chumbo afixada na tela (figura 202). Esta obra nunca poderia ser concebida dentro do quadro de referências da pintura “neo-expressionista”. Não é uma pintura de pastiche, nem contém “signos emprestados de linguagens já consti tuídas”. É uma obra que certamente dialoga com a “nossa parca, é verdade, tradição artística”, e também com outras tradições, internacionais. As referências, aqui, são: as citadas vertentes construtivas, concretas e
15 TASSINARI, Alberto. “Entre o Passado e o Futuro”. In: Casa 7. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1985. Catálogo para a 18ª Bienal de São Paulo.
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neo-concretas da arte brasileira; artistas de uma geração posterior aos neo-con cretos, como José Resende, Tunga e Waltércio Caldas; Mira Schendel; artistas norte-americanos como Richard Serra; artistas da Arte Povera italiana; etc. Ou mesmo as próprias vanguardas históricas, como o Cubismo (a Colagem Cubista) e o Construtivismo. Esta nova postura de Rodrigo, porém, não foi saudada por críticos pró ximos ao grupo como um avanço positivo e decidido em uma direção definida: há toda uma problematização da questão, que deve ser esmiuçada aqui. Vejamos o que o mesmo Tassinari diz no texto do catálogo da exposição de Rodrigo (tre cho): “As novas pinturas de Rodrigo Andrade exigem uma certa demora do olhar. Mesmo naquelas em que a presença é de imediato mais plena, o olhar tem que passar de um território a outro da tela e perfazer um mapeamento desses mundos ao mesmo tempo desagregados e líricos. Sem esta demora o conjunto da obra não emerge, pois ela é um todo de fragmentos que lutam para recon quistar a unidade da tela que se partiu.”16 São conclusões que mostram cautela e uma certa melancolia: a nova postura artística de Rodrigo não é louvada, mas problematizada de tal maneira que parece estar no limiar de uma impossibilidade. Uma disposição de espírito semelhante, que retoma uma certa postura vanguardística apenas para duvidar dela, pode ser encontrada nos outros mem bros da Casa 7 a partir de 1986/87, e nas leituras críticas realizadas nos textos de catálogo, por críticos como o próprio Alberto Tassinari, Lorenzo Mammì e Rodrigo Naves.
16 TASSINARI, Alberto. Texto sem título. In: Rodrigo Andrade, Pinturas. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1986. Catálogo.
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Na figura 203 vê-se uma obra em cera de Carlito Carvalhosa, presente na sua primeira exposição individual, de meados de 1987 na Subdistrito (encáus tica sobre tela, 1987, 190x230 cm). Também aqui a linguagem é radicalmente diferente da empregada nas pinturas do artista de 1984/85. A superfície da tela é recoberta por uma camada de cera monocromática, de relevo ligeiramente acidentado. A única característica da obra que poderia ser encarada como geradora de uma composição é uma linha sutil que divide a superfície da obra em duas partes, uma inferior menor e outra superior maior. Observação: no final de 1986, Carlito havia recebido o Prêmio Viagem ao Exterior no IX Salão Nacional de Artes Plásticas, com uma obra em encáus tica, presente na mostra da Subdistrito de 1987. No catálogo da exposição de Carlito, Lorenzo Mammì, autor do texto, afirma “De um lado, Carlito aceita, como ponto de partida, os limites formais da superfície plana do quadro; de outro, escolhe como material a cera, elemento particularmente denso, irregular, orgânico. Pura ou misturada com pigmentos, a cera alterna transparência e reflexo; esquentada, se resfria em grumos mais ou menos compactos; distendida sobre um plano, forma cavidades, saliências, fen das. Entre dois elementos divergentes (a lúcida geometria da superfície e a anar quia orgânica da cera), a ação do artista torna-se mediação de oposições, admi nistração cuidadosa de um conflito. Não revela um esquema predeterminado, e sim regras e táticas de jogo. Em certos momentos, o artista compensa a evidên cia geométrica do formato com maior liberdade no tratamento do material. Em outros, quando as proporções do quadro são menos definidas, ele as retoma
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extraindo fragmentos da última camada de cera. Mas aqui também a formali zação se dá por meio de um trauma, ao qual a cera responde com uma ruga, uma repentina aspereza. A forma, nestas obras, é um ponto de equilíbrio pre cário, um espaço de silêncio em um jogo de perguntas e respostas. (...) O resul tado final, no entanto, não é minimalista: a obra exibe as marcas, os desvios, as cicatrizes de um processo de aproximações sucessivas. E tampouco pode ser identificado com a arte povera, pois aceita, ao menos como linha de horizonte, os limites tradicionais do quadro.”17 Mammì também diz, no final, que uma vez esgotadas as vanguardas, para artista só restaria o “suporte, a matéria e o gesto”. Vê-se, portanto, que as novas obras dos (a esta altura) ex-integrantes do ateliê Casa 7, como Rodrigo e Carlito, estavam sendo pensadas pelos críticos (cita dos) como exemplos de uma pretensa dificuldade contemporânea de formalização – em oposição, certamente, à formalização decidida das primeiras vanguardas. O “neo-expressionismo” das pinturas anteriores destes artistas não é citado neste textos (dos catálogos de suas mostras individuais): é como se não tivesse existido. A sequência factual (no sentido de que existiu) “pintura neoexpressionista – diálogo com tradições modernas” é substituída, nestes textos, por outra: “vanguardas históricas – esgotamento das vanguardas e o problema da formalização”. Lembro que na época reagi mal a esta forma de colocar o problema, mais do que aos trabalhos em si (não havia gostado da exposição de Rodrigo, mas havia me interessado pelas encáusticas de Carlito). Estava preocupado em
17 MAMMÌ, Lorenzo. “Pinturas com cera”. In: Carlito Carvalhosa. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1987. Catálogo.
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trilhar um caminho que me mantivesse dentro dos limites da pintura, como a entendia (tinta sobre tela). Não me interessavam muito as vanguardas que saíam fora destes limites. Aos poucos, me distanciei dos artistas da Casa 7, para tentar resolver o problema por mim mesmo. Passei a acompanhar de uma certa distância o que estava acontecendo a eles e ao seu trabalho. Em 1987 (março), Paulo Monteiro expôs esculturas no Gabinete de Arte Raquel Arnaud (que na época ocupava o térreo de um edifício na Av. Nove de Julho, no Itaim). A figura 204 mostra a escultura reproduzida na capa do catá logo da exposição (fotografia realizada na Casa 7).18 Vejamos um trecho de uma entrevista recente do artista: “(…) recebe mos uma crítica muito severa [durante a 18ª Bienal], tanto da ala mais especia lizada quanto da crítica de jornal. (…) A partir daí meu trabalho mudou radi calmente. Eu, que gostava de Lüpertz, passei a gostar de Richard Serra. São referências completamente opostas umas às outras. (…) E aí, isso (…) coincidiu também com o fato de ter conhecido o Alberto Tassinari, Rodrigo Naves, José Resende e Mira Schendel, o que me fez mudar um pouco o ângulo de visão.”19 As palavras de Monteiro são uma explicação condensada do que ocor reu, não só com ele, mas com todos do ateliê Casa 7, após a 18ª Bienal: o aban dono da pintura “neo-expressionista” em favor de uma retomada, problemática, das linguagens das vanguardas modernas. No caso de Monteiro, no entanto, a ruptura foi radical: houve um aban
18 Paulo Monteiro. São Paulo, Gabinete de Arte Raquel Arnaud, 1987. Catálogo. 19 Ver entrevista de Paulo Monteiro a Maria Olímpia de Mello Vassão, na Revista D’Art: “Um Horizonte Figurativo.” Site do Centro Cultural São Paulo na Internet.
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dono da pintura em favor da escultura, como se o artista quizesse se distanciar ao máximo da representação e da figuração típicas da pintura, para trabalhar com elementos concretos, reais e tridimensionais. O interessante é que estas esculturas não foram saudadas pela crítica como obras tridimensionais abstratas, opostas à figuração e aos “signos” da pin tura. Pelo contrário: Alberto Tassinari, em seu texto para o catálogo, enfatiza o caráter “figurativo” destas obras. “Elas se parecem com algo: um homem, um réptil, outras é difícil dizer. Todas, de qualquer modo, insinuam uma figura. O efeito é irônico, inusitado. Elas se parecem com algo, mas como que a contra gosto. Há toda uma operação construtiva, simples e sutil, que leva em conta a planura do chão e o delicado arranjo das partes para libertá-las do solo, mas então se transformam. Não são mais relações entre linhas, planos e volumes. Uma fisionomia vem aglutinar o processo construtivo.”20 Este texto de Tassinari sobre as esculturas de Monteiro é uma pequena obra-prima de interpretação crítica, não há dúvida. A perspicácia do crítico (para não dizer talento poético) é admirável. Ver figuras onde elas, em princí pio, estariam sendo repelidas, revela grande sensibilidade em relação aos proce dimentos mais sutis do processo criativo de Paulo Monteiro. Mas esta é uma leitura atual minha. Na época, vi apenas uma recusa à pintura – não só a pintura “neo-expressionista”, mas qualquer pintura. A men ção à figuração, na época, também não foi de grande valia, pois estes trabalhos eram, no fim das contas, tributários de uma tradição escultórica abstrata – o que para mim era mais forte do que a possibilidade de vê-los como figuras.
20 TASSINARI, Alberto. Texto sem título. In: Paulo Monteiro. São Paulo, Gabinete de Arte Raquel Arnaud, 1987. Catálogo.
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Outro artista que rompeu com a pintura, na época, foi Nuno Ramos. A figura 205 mostra obras suas de 1987, colunas construídas com peças de madei ra e cal (foto possivelmente realizada na Casa 7). Em 1987, Nuno expôs estas e outras obras na Funarte do Rio de Janeiro (“Perspectivas Recentes da Escultura Brasileira”). João Sattamini havia se recu sado a expor seus trabalhos na Subdistrito, daí a escolha de um espaço institu cional como a Funarte. “Em pó”, texto de Rodrigo Naves de 1987, faz menção às colunas de cal e madeira de Nuno. Trecho: “As colunas de Nuno Ramos (…) se elevam com uma insegurança e uma incerteza de tal ordem que perguntamos a todo instan te se darão conta da forma que assumiram.”21 Em 1988, o trabalho de Nuno sofreu uma nova reviravolta, e o artista expôs uma série de “pinturas” no MAC-USP, por ocasião da sua premiação no concurso da 1ª Bolsa Emile Eddé. A figura 206 mostra uma delas, uma obra de 250x220 cm sobre madeira, que leva vaselina, parafina, tecidos e outros mate riais (coleção MAC-USP). Alberto Tassinari escreveu o texto de apresentação destas pinturas. Trecho: “Nos novos quadros de Nuno Ramos, a presença pastosa e corpórea dos materiais absorve e suplanta os sinais do seu deslocamento. Estes se mostram apenas intermitentes. Surgem crostas e embrulhos que não remetem ou simbo lizam, deste modo, nenhuma ação e direção muito precisas.”22 Em ambos os textos críticos, existe uma preocupação com o impasse for malização versus material. No caso das colunas, Naves vê insegurança e incerte
21 NAVES, Rodrigo. “Em pó”. In: Ciclo de escultura. Rio de Janeiro, Galeria Sérgio Milliet, Funarte, INAP, 1987. 22 TASSINARI, Alberto. Apresentação da 1ª Bolsa Emile Eddé (1988). In: TASSINARI, Alberto; MAMMÌ, Lorenzo; NAVES, Rodrigo. Nuno Ramos. São Paulo, Ática, 1997.
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za na formalização de uma verticalidade: as colunas de cal e madeira, em fun ção da instabilidade da combinação de materiais escolhida, têm uma estrutura frágil, precária. No caso das pinturas, Tassinari vê um hiato entre os materiais utilizados na obra e as ações e gestos do artista. Os gestos não seriam visíveis no material (como pinceladas são, por exemplo). Lendo estes textos hoje, não deixa de causar espanto que na época já hou vesse uma interpretação crítica tão segura de si mesma, a respeito dos trabalhos de Nuno e também dos outros ex-Casa 7. Afinal, os trabalhos eram recentes. Isso se deve, certamente, à clareza de pensamento dos críticos envolvi dos, que souberam identificar as questões presentes nos trabalhos. Mas também se deve ao projeto comum dos críticos e artistas em questão, de resistência ao mundo contemporâneo, onde tudo, inclusive a arte, é colocado a serviço do comércio e do consumo. Esta resistência passou a significar, tanto para artistas como para críti cos, uma fuga do universo da imagem e da forma por demais definida (mesmo que abstrata), e uma opção pela opacidade e corporiedade da matéria, entendida como resistente à formalização. Não são outras as questões problematizadas pelas pinturas de Fábio Miguez, expostas na Paulo Figueiredo Galeria de Arte em junho de 1988. A figura 207 mostra uma delas (óleo e cera sobre tela, 175x240 cm, 1988). Como no caso das encáusticas de Carlito Carvalhosa do ano anterior, nesta pintura de Fábio Miguez a matéria da tinta (no caso, óleo misturado com cera e terebintina) é bastante importante. A formalização empreendida pelo
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artista esbarra nesta matéria, emperra nela. As “pinceladas” se confundem com os grumos de tinta, e o resultado é quase amorfo, não fosse a distribuição irre gular deste mesmos grumos na superfície da tela (que dá à pintura uma “forma”). “A Matéria da Expressão”, texto de Rodrigo Naves que acompanha as reproduções do catálogo, desenvolve a questão matéria versus formalização. Trecho: “(…) o aspecto turvo dessas cores impede que o brilho lhes empreste uma evidência que poderia comprometer todo o trabalho de travamento da expressão, na medida em que se obteria uma pseudo-estruturação à tona dos quadros que anularia a corporeidade da matéria e a devolveria à condição de mero veículo das operações artísticas.”23 Não por acaso, este tipo de pintura ficou conhecido como pintura “matérica” (expressão surgida na mídia). Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Nuno Ramos e outros artistas como Célia Euvaldo, Paulo Pasta e Marco Giannotti são pintores que desenvolveram a questão “matérica”. A figura 208 mostra uma pintura de Paulo Pasta de 1989 (óleo e cera sobre tela, 190x220 cm). A figura 209 mostra uma pintura de Marco Giannotti (“Wahnsee 2”, 1988, 140x220 cm), obra da sua primeira exposição individual, em 1988, na Paulo Figueiredo Galeria de Arte. Eis um trecho do texto do catálogo, de Lorenzo Mammì: “Existem obras que, quando acabadas, escondem o processo que a produziu. Em outras, a forma é dada pelo próprio ato de produzi-las. Neste último caso, o pintor deve suscitar em seus materiais uma certa relutância
23 NAVES, Rodrigo. “A Matéria da Expressão”. In: Fábio Miguez. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1988. Catálogo.
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em aceitar as suas operações. (…) Os trabalhos de Marco Giannotti pertencem a esta última categoria. A superfície sobre a qual ele pinta é feita de papel fino, precariamente grampeado à tela. Suas cores são misturas de óleo muito fino e grafite. (…) Entre superfícies e pigmentos não existem acordo, nem busca de equilíbrio.”24 aaa
24 MAMMÌ, Lorenzo. Texto sem título. In: Marco Giannotti. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1988. Catálogo.
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Olho&Óleo (1987) e outros exemplos de figuração
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Em 1987, eu e Maína Costales já estávamos casados e morávamos em uma casa com ateliê, na Vila Madalena. Tínhamos uma filha, Antonia, nascida em maio de 1986. Não frequentávamos a FAU desde 1984/85, e trabalhávamos apenas com pintura. Um colecionador amigo, Orandi Momesso, ajudava com uma quantia mensal, em função da exposição que estava marcada para março de 1987 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. “Olho&Óleo”, esta exposição, aconteceu entre dezessete de março e três de abril de 1987, com obras minhas, de Alexandre Martins Fontes, Maína Costales, Fábio Lopes e Ricardo Laterza, um grupo que se formou especial mente para a exposição (eu, Maína e Alexandre nos conhecíamos da FAU; Fábio e Ricardo também eram ex-alunos da FAU). Foi uma exposição grande, que ocupou quase todo o prédio do MAM no Parque Ibirapuera. Continha de dez a quinze pinturas de cada artista. A diretora do MAM na época era Vera Lúcia (Valu) Ória. O texto de apresentação do catálogo é de sua autoria (transcrito aqui na íntegra). “Dentro da sua linha de programação, o Museu de Arte Moderna de São Paulo inicia suas atividades culturais de 1987 apresentando uma exposição de jovens artistas. Tendo como título “Olho&Óleo” esta mostra reúne trabalhos de cinco artistas, que conforme seus próprios depoimentos se intitulam inde pendentes. Não compartilham do mesmo atelier, não formam um grupo, e não representam uma tendência ou geração.” “No entanto, esse agrupamento não deve ser entendido como mera mente circunstancial; o confronto de seus trabalhos revela, de imediato, uma
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complementaridade, que justifica e enriquece a mostra conjunta. As conver gências de suas pesquisas são suficientemente evidentes para permitir a leitura da exposição como um todo, embora não cheguem a ameaçar a integridade dos discursos individuais.” “Especificar estas convergências seria complicado, mas podemos con cluir que todas elas parecem derivar de algumas premissas comuns: é preciso realçar a opção comum pela pintura como linguagem central, pressupondo a crença básica de que a pintura é uma linguagem viva, que oferece ao artista pos sibilidades de investigações inéditas e fecundas; e ainda a aproximação pela concepção de pintura como lugar de coexistência, não sendo discriminadas ou hierarquizadas fontes a priori; tudo o que é significativo é adotado, independen temente de sua procedência.” “É sintomático que em suas telas transpareçam concomitantemente procedimentos e soluções típicas de vanguardas históricas, por mais divergentes que tenham sido suas proposições específicas; são incorporadas estruturas ine rentes às vertentes abstratas da arte moderna, ao mesmo tempo que referências próprias do naturalismo ou da figuração. Da mesma forma são adotadas num único trabalho posturas ora construtivas, ora informais, respeitando tanto a intenção como o acaso.” “A exposição está mostrando cerca de dez obras de cada artista, e estas serão agrupadas num mesmo espaço pela primeira vez. Cabe ao público con frontar esses trabalhos e fazer sua própria avaliação.”25 É interessante a diferença entre este texto de Valu Ória e os textos vistos
25 ÓRIA, Vera Lúcia. “Apresentação”. In: Olho&Óleo. São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1987. Catálogo.
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acima, de Alberto Tassinari, Rodrigo Naves e Lorenzo Mammì. São concepções diversas, até opostas. Nos textos dos críticos ligados ao grupo “matérico”, o paradoxo formalização versus matéria é o principal problema; já no texto de Valú Ória, a pintura é entendida como livre associação de linguagens heterogê neas, sem haver paradoxo nenhum nisso. Esta diferença nas abordagens críticas reflete uma diferença no traba lho. As pinturas de “Olho&Óleo” são figurativas e ecléticas, e estão longe do rigor formal e da abstração das obras “matéricas” da mesma época. As figuras 210 a 218 mostram telas presentes nesta exposição. A figura 210 reproduz uma pintura de Alexandre Martins Fontes, constante do catálogo (sem título, óleo sobre tela, 1987, 112x153 cm). A figura 211 mostra uma pintura minha, escolhida para o catálogo: “Figura no Escuro” (1986, óleo sobre tela, 80x59 cm; a figura está escala 1:10). A figura 212 mostra a pintura “Verde que te quero Verde”, de Fábio Lopes, também do catálogo (óleo sobre tela, 119x149 cm). A figura 213 mostra uma pintura sem título de Maína Costales, do catá logo (óleo sobre tela, 1986, 100x130 cm; um texto de Antonio Henrique Amaral, de quem Maína havia sido assistente, acompanha esta reprodução, no catálo go). A figura 214 mostra a pintura de Ricardo Laterza intitulada “A praça dos Próceres” (do catálogo; óleo e areia sobre tela, 1987, 61x121 cm). As figuras 215 a 218 mostram quatro telas minhas de uma série de seis, todas de 1986, medindo 130x120 cm. Estas telas estavam na exposição
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“Olho&Óleo”, e formavam um subconjunto dentro do conjunto das obras de minha autoria expostas no MAM. Não estão reproduzidas no catálogo. O que dizer destas pinturas? Em primeiro lugar, as pinturas da “Olho&Óleo” são pinturas “tradicionais”, figurativas. Há uma natureza morta (Alexandre M. Fontes); um “retrato” inventado e caricatural, escuro como os de Rembrandt (Antonio Malta); uma paisagem urbana (Fábio Lopes); uma com posição com figuras e formas orgânicas (Maína Costales); outra paisagem urba na (Ricardo Laterza); e finalmente os quatro grandes “retratos” inventados, que possuem uma linguagem figurativa que lembra as histórias em quadrinhos (Antonio Malta). Em comparação com as propostas “matéricas” da mesma época, a expo sição “Olho&Óleo” representa uma espécie de insistência em uma trilha figura tiva. Esta trilha não era necessariamente a aberta pela pintura “neo-expressio nista”. Artistas como Sérgio Fingermann, Luis Paulo Baravelli e Antonio Henrique Amaral eram referências importantes, neste sentido. A figura 219 mostra uma pintura de Sérgio Fingermann, em acrílico sobre tela, de 170x165 cm, constante do catálogo da exposição “Sérgio Fingermann, Pinturas”, realizada na Galeria Luisa Strina em 1988. Notar as montanhas e rochas, que lembram as paisagens de Giotto.26 As figuras 220 e 221 mostram duas pinturas de Baravelli, da sua expo sição de 1982 na Paulo Figueiredo Galeria de Arte, mostra intitulada “Pinturas sobre a Indeterminação”. “Cena Típica com Personagens Locais” (fig. 220; acrílica sobre tela,
26 Sérgio Fingermann, Pinturas. São Paulo, Galeria Luisa Strina, 1988. Catálogo.
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1981, 78x150 cm) é uma pintura em forma de díptico, com figuras em “estilos” diferentes. “Retrato do Jovem Poeta” (fig. 221; acrílica e colagem sobre tela, 1981, 80x140 cm) é uma tela onde há justaposição de figuras diversas (o desenho do busto de um jovem, o perfil de uma “pin up girl”) – uma colagem, enfim.27 A figura 222 mostra uma pintura de Antonio Henrique Amaral, da série “Bananas” (“Detalhe com corda”, óleo sobre tela, 1972, 150x150 cm). Uma pintura da década de 70, espécie de metáfora da opressão. aaa
27 L. P. Baravelli. Pinturas sobre a Indeterminação. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1982. Catálogo.
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1987 a 1990
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Depois da “Olho&Óleo”, no segundo semestre de 1987, comecei a estu dar para o exame vestibular da Fuvest. Havia abandonado meu curso na FAU, e estava em dúvida se o retomaria ou se estudaria Artes Plásticas, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Neste período, pintei alguns quadros onde explo rava a figuração de personagens (figura 223; óleo sobre tela, 1987, 100x80 cm). Tinha consciência do anacronismo deste tipo de pintura, em relação às pesquisas matéricas dos ex-colegas de Casa 7. Mesmo assim, insistia teimosamen te nesta figuração – uma forma de preservar a pintura da sua dissolução, talvez. Fui aprovado na ECA no vestibular de fins de 1987, mas acabei optando por continuar na FAU. Nos quatro anos seguintes, a partir de 1988, fui à FAU quase diariamente (me formei em 1991). No segundo semestre de 1988, já separado de Maína Costales, entrei para o ateliê de Sérgio Niculitcheff, Ciro Cozzolino, Jaime Pradez, Carlos Delfino, Antonio Sérgio e Paulo Whitaker, na rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena. A figura 224 mostra uma encáustica sobre madeira desta época (tra balho desaparecido, de 80x100 cm), no qual eu tentava elaborar o dado matéri co no contexto da figuração. Em 1989, eu, Sérgio Niculitcheff, Antonio Sérgio, Paulo Whitaker, Marcelo Cipis, Luis Sôlha e Nazareth Pacheco montamos um ateliê na rua Frederico Steidel, no centro de São Paulo (Santa Cecília). Lá, fizemos uma exposição (1989), onde mostrei pinturas figurativas, de uma linguagem simpli cada, quase infantil, algumas com o tema dos “carrinhos” (figura 225; óleo sobre tela, 1989, 120x130 cm, coleção Adriana Penteado).
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Nesta época, fiz uma pintura em um caminhão da empresa Metropolitan Transports (a convite de José Carratú), obra que acabou sendo doada à Pinacoteca do Estado de São Paulo anos depois (figura 226; esmalte sintético sobre lata, 1989). Em 1990, Paulo Whitaker, Antonio Sérgio e eu expusemos na Kramer Galeria de Arte, em Pinheiros. Minhas pinturas desta exposição oscilaram entre uma figuração mais definida e uma gestualidade impulsiva (figura 227; óleo sobre tela, 1990, 100x120 cm). No ateliê da Frederico Steidel, além de Antonio Sérgio e Paulo Whitaker, o artista com quem mais convivia era Marcelo Cipis. Cipis, ilustrador profissional, estava investindo no seu trabalho como artista plástico, depois de alguns anos de participação em salões e coletivas. Em 1989, Cipis montou na Kramer Galeria de Arte sua segunda mostra individual: “Trabalhos Recentes & Pirex Paintings”. A figura 228 mostra uma pintura desta exposição, onde a ima gem da modelo lembra um desenho de propaganda antiga (óleo sobre tela, 146x122 cm).28 Em 1991, depois de me formar na FAU, parei de pintar por um tempo e fui trabalhar como arquiteto. A minha pintura ficou em compasso de espera; só fui retomá-la anos depois, em 1995. aaa
28 Marcelo Cipis. Trabalhos Recentes & Pyrex Paintings. São Paulo, Kramer Galeria de Arte, 1989. Catálogo.
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As três pinturas mostradas nas figuras 229, 230 e 231 fazem parte de uma série realizada em 1996, após alguns anos em que fiquei sem pintar. Foram rea lizadas na edícula da casa de meus pais (a mesma dos desenhos de julho de 1977). Nestas três obras, bem como nas outras que integram esta série de 1996, minha preocupação foi encontrar o fio da meada da pintura, perdido alguns anos antes. Para isto, tive que recomeçar do “zero”, por assim dizer. Definir este “grau zero” não foi difícil: era preciso abandonar a figura ção “desenhada” da minha pintura anterior, mas ao mesmo tempo recuperar a liberdade “neo-expressionista”, sempre um bom ponto de partida (pois é fecun do). Estas pinturas refletem este abandono: são mais pictóricas. Seriam abstra tas, se suas formas não se organizassem segundo um princípio figurativo. “Cubismo Azul” (figura 229, óleo sobre tela, 160x160 cm) não deixa de ser um rosto grande, na tradição das pinturas “quadrinhos” de 1986, construída com formas mais ou menos improvisadas no momento da pintura. “Seios e Formas” (figura 230, óleo sobre tela, 160x160 cm) é uma varia ção da idéia anterior (não sei qual das duas fiz primeiro), mas agora o rosto praticamente se desfaz em geometrizações. O seio é um desenho, anexado às formas. No canto superior esquerdo, desaparece a relação de figura e fundo presente no restante da tela. “Retângulos” (figura 231, óleo sobre tela, 160x160 cm) marca o limite da desagregação formal e representativa iniciada nas pinturas descritas acima. É praticamente abstrata, e “inacabada”. Como anotação figurativa, há um rosto na parte superior.
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Figura 231
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Em 1997, fiz uma série de pinturas pequenas, gestuais, e algumas natu rezas mortas (além de muitos desenhos, gouaches e aquarelas, que já vinha fazendo desde 1995). Em meados de 1998, através de Marcelo Cipis, fui convidado para uma exposição coletiva na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), a ser rea lizada em setembro. Deveria apresentar três pinturas. Este convite me pegou de surpresa. Achava que meu trabalho, retoma do apenas dois anos antes, ainda não estava pronto para ser mostrado. De qual quer forma, aceitei o convite, e para evitar de mostrar o que considerava um trabalho “crú” (as pinturas de 1996/97), comecei a preparar três telas de 180x180 cm para a exposição (a primeira depois de oito anos sem expor). Talvez em função das dúvidas que ainda possuía em relação à lingua gem que estava utilizando nas pinturas, resolvi, nestas telas, buscar uma simpli ficação mais radical, e fiz duas pinturas muito controladas, quase monocromá ticas. Estas pinturas não deram certo, e as destruí. Sobrava uma tela em branco, das que preparei: nesta, improvisei um “esboço” rápido em duas sessões de trabalho, sem tentar controlar o resultado, soltando a mão. O resultado pode ser visto na figura 232 (óleo sobre tela, 180x180 cm, 1998). Quando terminei esta pintura, minha sensação foi de fracasso. Sentia que havia feito um esboço e abandonado a pintura no estágio preliminar. Um pouco depois, comecei a gostar dela e reconheci neste procedimento uma solu
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ção, e não um problema (se a questão é a impossibilidade de trabalhar com for mas definidas a priori, a pintura deve refletir este impasse, e não mascará-lo). Organizada por Marcelo Cipis, Tonico Lemos, Érika Verzuti e Alexandre da Cunha, com curadoria de Per Hovdenakk, “Além do Arco Íris” ficou montada na FAAP entre quinze de setembro e quatro de outubro de 1998. Uma exposição eclética, que contou com a participação Yoko Ono, Jac Leirner, Marepe e Lúcia Mindlin Loeb, entre outros, além dos organizadores citados.29 A tela da figura 232 foi para a exposição, acompanhada de duas que já estavam prontas: “Retângulos” (figura 231; citada acima) e “Dois personagens passeando em uma composição abstrata” (figura 233; óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm). No catálogo da exposição, publiquei um texto sobre a pintura “Retângulos” que diz o seguinte: “São formas e figuras se utilizando de sobre posições de três cores básicas: ocre, preto e branco. O dado matérico está na pincelada, que retira das formas geométricas seu caráter rígido para articulá-las no domínio do sensível. Existe uma tensão entre uma forma dada a priori e a geração da pintura entendida como um acontecimento singular (não previs to).”30 Após a exposição, comecei a comprar tela importada dos Estados Unidos, já pronta para pintar, em rolo. A pintura da figura 234 (“Fóssil”, óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm) ainda foi pintada sobre tela de lona preparada por mim, mas as que vemos nas figuras 235, 236, 237, 238 e 239 já são pinturas rea lizadas na tela importada.
29 Além do Arco Íris. São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 1998. Catálogo. 30 MALTA, Antonio. Texto sem título. In: Além do Arco Íris. São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 1998. Catálogo.
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Comecei a trabalhar sobre esta tela comprada em rolo por uma questão de economia. Aproveitava os chassis que já tinha e esticava a tela nestes chassis (o preço do chassi de pintura é alto). Esta economia possibilitou um maior volu me de produção: pintei muitas telas no final de 1998. A pintura da figura 235 (óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm; coleção Jens Olesen) é uma delas. Trata-se de uma segunda versão da pintura “Dois perso nagens passeando em uma composição abstrata” (figura 233). Aparentemente, em vez de dar continuidade à gestualidade improvisada da pintura da figura 232, tentei, nesta obra, caminhar na direção oposta: a da definição, por anteci pação, das figuras e formas a serem pintadas. O que estava acontecendo é que não estava convencido de que devia optar pela informalidade completa. Mesmo considerando boa a pintura da figu ra 232, tentava atacar o problema pelo lado contrário, misturando formas geo métricas mais ou menos definidas com uma figuração de personagens. A figura 236 mostra a pintura “Televisão”, mais improvisada do que a pintura anterior, mas também nesta linha de pesquisa (óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm). As figuras 237, 238 e 239 (todas óleo sobre tela, com 160x160 cm, 1998) mostram outras pinturas desta série. aaa
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Figura 232
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1999 foi o ano em que realizei minha primeira exposição individual, na Galeria SESC Paulista, no térreo do edifício do SESC na Av. Paulista. Para quem começou em 1980, foi uma primeira exposição individual tardia. Mas veio em boa hora, e marcou a maturação do trabalho que vinha desenvolvendo desde 1996.31 Várias pinturas mostradas aqui estiveram nesta exposição. A obra da figura 232 foi capa do catálogo. Estavam no SESC, também, as pinturas das figuras 230, 234, 235 e 237. Além destas e outras pinturas grandes, expus pinturas menores, como as das figuras 240, 241 e 242 (todas de 60x80 cm, 1998, óleo sobre tela). Esta mostra continha duas linhas de trabalho opostas: a pintura da capa do catálogo (fig. 232) e outras próximas (fig. 230), com uma linguagem informal quase abstrata, e pinturas mais geométricas e figurativas (fig. 235). Talvez o tra balho não estivesse tão maduro assim, pois estas questões ainda não estavam resolvidas. Mesmo assim, foi uma exposição rica, pela diversidade das propos tas. É interessante como Rejane Cintrão tenta, no texto do catálogo, abrigar a diversidade das propostas destas telas em um conceito flexível e unificador: “Fruto de quatro anos de trabalho, a produção realizada por Malta nestes últi mos anos para esta exposição evidencia uma raiz construtiva perceptível na economia das cores, nas formas quase geométricas e na busca de uma pintura reflexionante. Ao mesmo tempo, a inserção de imagens figurativas causa estra nhamento pela quebra da organização do espaço. (…) A construção de sua pin
31 Antonio Malta. São Paulo, SESC, 1999. Catálogo.
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tura dá-se espontaneamente por meio de pinceladas, apesar de existir um pro jeto anterior de escolha das cores e do tamanho da tela. Não se trata nem de uma pintura espontânea, nem construída ou preconcebida por completo.”32 Eu, no entanto, via nestas pinturas contradições e caminhos interrompi dos. De qualquer forma, caminhos ricos, a serem explorados. No segundo semestre de 1999, mais para o fim do ano, pintei um qua dro que pode ser considerado uma tentativa de explorar um destes caminhos. Este quadro é o da figura 243 (“Coleção”, óleo sobre tela, 160x160 cm). Vejo esta pintura como uma espécie de remake da que está mostrada na figura 232, mas um remake na direção oposta do informalismo desta última. Em ambas, as figu ras surgem de esboços e acidentes, sem um planejamento prévio. A diferença é que na pintura da figura 243 foi eliminada a pincelada gestual. O acabamento das formas é cuidadoso, e o fundo é de um ocre chapado, uniforme. aaa
32 CINTRÃO, Rejane. Texto sem título. In: Antonio Malta. São Paulo, SESC, 1999. Catálogo.
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Figuras 240, 241 e 242
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Figura 243
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2000, 1º semestre
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Minha segunda exposição individual foi realizada em junho de 2000, no Espaço Cultural CEMIG, em Belo Horizonte (situado no térreo do edifício da Companhia de Energia de Minas Gerais). Foi (também) uma exposição eclética, em que mostrei as três pinturas de 2000 que havia conseguido preparar e cinco pinturas de anos anteriores. As figuras 244, 245 e 246 mostram os três trabalhos de 2000 (respectivamente: “Explosão”, “Paisagem” e “Casa”; óleo sobre tela, 160x160 cm). Estas três pinturas representavam a radicalização do procedimento ini ciado na pintura da figura 243 (“Coleção”, de 1999), de planejar a pintura com antecedência. Junto com esta última (capa do catálogo), formavam o conjunto de obras novas da mostra. As outras obras mostradas foram as das figuras 239, 238, 236 e 231, pin turas de 1998 e 1996, portanto mais antigas e bem diferentes das realizadas espe cialmente para a exposição (de 2000). No texto que escrevi para o catálogo, “Período de Transição”, procurei explicar as diferenças (transcrito abaixo na íntegra). “Esta exposição, que é a minha segunda individual, marca um período de transição no meu trabalho. A mudança de curso é bastante significativa, e para deixar isso claro, decidi incluir na mostra pinturas anteriores a esta mudan ça, junto às pinturas que estou fazendo agora.” “Quatro das pinturas (Retângulos [fig. 231], Televisão [fig. 236], Seios [fig. 239] e Homem Marrom [fig. 238]) que estou mostrando são de 1996, 97 e 98, quando o trabalho era feito sem muito planejamento, em uma ou duas ses
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sões. Este tipo de trabalho não me satisfazia, mas era espontâneo e direto. Não havia espaço para dúvidas, nem escolhas a serem feitas. O que vinha na tela era imediatamente aceito.” “Agora, parece que meu método anterior foi colocado de cabeça para baixo. As três pinturas feitas este ano (Explosão [fig. 244], Paisagem [fig. 245] e Casa [fig. 246]) e a de 1999 (Coleção [fig. 243]) sinalizam um novo ponto de par tida, com mais planejamento e esboços preparatórios. Além disso, as formas abstratas e as figuras, já presentes nas obras antigas, estão sujeitas a desenho e tratamento mais cuidadosos. Trabalhar assim também me estimula a usar mais a cor.” “A natureza heterogênea de uma seleção deste tipo, embora não aconse lhável, pode ser interessante, se tivermos em mente que o trabalho do artista passa por mudanças o tempo todo. Normalmente as mudanças são feitas na reclusão do estúdio, e quando a exposição é organizada, só os trabalhos novos são mostrados. Estando os trabalhos antigos junto aos novos na exposição, é quase como se a pintura estivesse se metamorfoseando na frente do espectador.”33 Esta exposição representou uma oportunidade de viajar para Belo Horizonte e conhecer galerias de lá. Fiz bons contatos, mas nenhuma pintura foi vendida, ao contrário da exposição do SESC em 1999, quando foram vendi dos seis trabalhos (o mercado de São Paulo é bem maior). A imprensa de BH se interessou pela exposição: dei uma entrevista para o Estado de Minas, e uma matéria foi publicada, no dia seguinte à inaugura ção.34
33 MALTA, Antonio. “Período de transição”. In: Antonio Malta. Belo Horizonte, CEMIG, 2000. Catálogo. 34 CARLOS, Helvécio. “Exposição revela força da pintura”. Estado de Minas, 8 de junho de 2000.
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Figura 244
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2000 (2º semestre) a 2002
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Em abril de 2000, um pouco antes de exposição em Belo Horizonte, alu guei uma ampla sala na rua Helvétia, em Campos Elíseos, e montei meu ateliê lá, deixando a edícula dos fundos da casa de meus pais. Neste novo ateliê, após a exposição em BH, procurei iniciar um novo trabalho. Após algumas telas gestuais improvisadas, comecei a fazer pinturas com formas geométricas abstratas e figuras de curvas sinuosas. As pinturas das figuras 247, 248 e 249 (óleo sobre tela, 160x160 cm) são exemplos desta série. Depois de fazer várias pinturas deste tipo, resolvi que já havia explora do bastante este caminho e parei para repensar o trabalho. Decidi então dialogar mais efetivamente com artistas contemporâneos e próximos a mim. As figuras 250 a 261 mostram exemplos de obras recentes (dos últimos dez anos) de alguns destes artistas. Pela ordem (lembrando que as figuras, quando mostram pinturas, estão na escala 1:20): fig. 250, tela de Sérgio Sister; fig. 251, tela de Célia Euvaldo; fig. 252, tela de Fábio Miguez; figuras 253 e 254, telas de Rodrigo Andrade; fig. 255, tela de Paulo Whitaker; fig. 256, obras de Jac Leirner (“Hip Hop Book”); fig. 257, instalação de Nuno Ramos; fig. 258, escultura de Paulo Monteiro; fig. 259, escultura de Carlito Carvalhosa; fig. 260, escultura de Laura Vinci; fig. 261, escultura de Elisa Bracher. Em 2001, comprei um rolo de lona e iniciei uma nova série de pinturas. Nelas, o diálogo mencionado é com o dado informal da produção contemporâ nea. Há também uma retomada das minhas próprias experiências neste sentido (figura 232, figura 218). É um trabalho que está começando, e ainda vai evoluir. As figuras 262, 263 e 264 mostram telas de 180x180 cm, realizadas em outubro
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de 2001. Devo observar que de 1995 para cá fiz uma grande quantidade de dese nhos, gouaches e aquarelas. As figuras 265 e 266 mostram duas “misturinhas”, trabalhos recentes em gouache sobre cartão (24x20 cm). aaa
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Figura 264
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Figuras 265 e 266
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