Antonio Malta: obra em contexto

October 7, 2017 | Autor: Antonio Campos | Categoria: Contemporary Art
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desenho de Rodrigo Andrade, 1977

ANTONIO MALTA CAMPOS

ANTONIO MALTA: OBRAS EM CONTEXTO

SÃO PAULO 2002

Antonio Malta: obras em contexto

Antonio Malta Campos Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Orientadora: Profª Dra. Vera M. Pallamin Apoio: CAPES

São Paulo, 2002

À minha filha Antonia

Agradecimentos

A Vera Pallamin, pela generosidade com que acolheu as mudanças de rumo. A Sérgio Ferro e Amélia Império Hamburguer, pela atenção dada ao projeto de pesquisa inicial. Aos membros da banca de qualificação, Luis Antonio Jorge e Sônia Salzstein, pelo vislumbre da forma final do trabalho. À CAPES, pela bolsa de estudos. A Maria Rita e suas colegas na secretaria de pós-graduação da FAU, pela paciência. A Rodrigo Andrade, Daniela Baudouin, Marco Giannotti, Paulo Monteiro, Cao Hamburguer, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Marcelo Cipis, Maína Junqueira, Alexandre Martins Fontes, Nando Reis e Vânia Passos, pela colaboração e amizade. A meus pais, pelo apoio.

Resumo O presente trabalho é um comentário detalhado de uma seleção de reproduções de obras do artista plástico Antonio Malta, escrito pelo artista. Os capítulos seguem a ordem cronológica de produção das obras, de 1966 a 2002. Obras de outros artistas são comentadas quando necessário.

Abstract The present work is a detailed commentary of a selection of images of the work of the painter Antonio Malta, written by the artist. The chapters are in chronological order, from 1966 to 2002. Images of works by other artists, when necessary, are also commentated.

Sumário Nota introdutória 1966 1967 1968 1969 1970 (1º sem.) 1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) 1973, 1974, 1975, 1976 1º semestre de 1977 Julho de 1977 2º semestre de 1977 Papagaio! 1 1978 e 1979 1980, 1981, 1982 1982 e 1983 1984 1985, abril: exposição Apto 13 1985, maio: exposição Casa 7 1985, Bienal de São Paulo: Casa 7 1986 a 1989: matéria Olho&Óleo (1987) e outros exemplos de figuração 1987 a 1990 1996 1998 1999 2000, 1º semestre 2000 (2º semestre) a 2002 Bibliografia

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Nota intro­du­tó­ria

Os pri­mei­ros seis capí­tu­los, 1966, 1967, 1968, 1969, 1970 (1º sem.) e 1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) estão orga­ni­za­dos em torno de uma sele­ção de dese­nhos meus des­tes anos. 1973, 1974, 1975, 1976 cobre a pro­du­ção de dese­nhos da pri­mei­ra fase da minha ado­les­cên­cia, cor­res­pon­den­te ao giná­sio na Escola Vera Cruz (5ª a 8ª ­séries). O ano em que ingres­sei no Colégio Equipe para cur­sar o cole­gial, 1977, é tra­ta­do em três capí­tu­los dis­tin­tos: 1º semes­tre de 1977, Julho de 1977 e 2º semes­ tre de 1977. Isto se deve à quan­ti­da­de de esbo­ços e dese­nhos que fiz neste ano, com o obje­ti­vo de criar um esti­lo de per­so­na­gem de his­tó­rias em qua­dri­nhos. Os esbo­ços mos­tram uma evo­lu­ção esti­lís­ti­ca com­ple­xa, que pre­ci­sou ser esmiu­ça­da para se tor­nar com­preen­sí­vel. Papagaio! 1 é sobre o pri­mei­ro núme­ro desta revis­ta (1977), onde apre­ sen­tei ­minhas pri­mei­ras HQs. 1978 e 1979 é sobre as HQs publi­ca­das nes­tes anos, por mim e por cole­ gas do Equipe, nas revis­tas Papagaio! e Boca. 1980, 1981, 1982 comen­ta as HQs, gra­vu­ras em metal e dese­nhos, meus e de ­outros artis­tas, pro­du­zi­dos nos anos ante­rio­res à for­ma­ção do ate­liê Casa 7. 1982 e 1983 é sobre uma tela que fiz na Casa 7 e tra­ba­lhos que fiz ­depois de sair deste ate­liê.

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1984 foi o ano que mar­cou, para mim, o sur­gi­men­to da pin­tu­ra “neoexpres­sio­nis­ta” em São Paulo, em ­salões e expo­si­ções cole­ti­vas. Este capí­tu­lo comen­ta exem­plos desta pin­tu­ra (ate­liê Casa 7), bem como o meu tra­ba­lho na época. 1985, abril: expo­si­ção Apto 13 é sobre a minha pri­mei­ra expo­si­ção (com Maína Costales), no Centro Cultural São Paulo. Há men­ção a ­outros tra­ba­lhos deste ano. 1985, maio: expo­si­ção Casa 7 comen­ta esta expo­si­ção, lan­ça­men­to do ate­ liê Casa 7. 1985, Bienal de São Paulo: Casa 7 comen­ta a par­ti­ci­pa­ção do grupo na 18ª Bienal de São Paulo. 1986 a 1989: maté­ria comen­ta o tra­ba­lho de ­alguns dos artis­tas “maté­ri­ cos” deste perío­do. Olho&Óleo (1987) e ­outros exem­plos de figu­ra­ção é sobre a cole­ti­va de que par­ti­ci­pei em 1987, com mais qua­tro artis­tas (Alexandre Martins Fontes, Fábio Lopes, Maína Costales e Ricardo Laterza), todos figu­ra­ti­vos nesta época, como eu. Há exem­plos de obras de ­outros artis­tas figu­ra­ti­vos, de gera­ções ante­rio­res. 1987 a 1990 fina­li­za o grupo de capí­tu­los dedi­ca­dos à déca­da de 80. São comen­ta­dos tra­ba­lhos meus e de ­outros artis­tas, do final da déca­da (tra­ba­lhos figu­ra­ti­vos). Os capí­tu­los 1996, 1998 e 1999 são sobre a reto­ma­da do tra­ba­lho em pin­ tu­ra, após ­alguns anos de arqui­te­tu­ra. Minha pri­mei­ra expo­si­ção indi­vi­dual, em 1999, é abor­da­da no últi­mo capí­tu­lo deste grupo.

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2000, 1º semes­tre comen­ta a expo­si­ção que rea­li­zei em Belo Horizonte neste ano. 2000 (2º semes­tre) a 2002 é o últi­mo capí­tu­lo. Nele, são comen­ta­das obras ­minhas de 2000, obras de ­outros artis­tas (déca­da de 90), e o meu tra­ba­lho atual em pin­tu­ra. O texto, em todos os capí­tu­los, pre­ce­de as pági­nas com repro­du­ções das obras comen­ta­das. Preferi não legen­dar as repro­du­ções; há ape­nas um núme­ro que as iden­ti­fi­ca (figu­ra x). Os dados das obras se encon­tram no corpo do texto, sem­pre que a obra é men­cio­na­da pela pri­mei­ra vez. As repro­du­ções de obras ­minhas foram rea­li­za­das a par­tir da digi­ta­li­za­ ção de foto­gra­fias do meu arqui­vo pes­soal (no caso dos dese­nhos, dire­ta­men­te das obras). As repro­du­ções das obras dos ­outros artis­tas abor­da­dos foram rea­li­ za­das a par­tir de ima­gens de catá­lo­gos e ­livros, cita­dos nas notas de roda­pé e na biblio­gra­fia. aaa

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1966

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Nasci em junho de 1961. Até 1970, estu­dei no Bola de Neve, peque­na esco­la par­ti­cu­lar situa­da no Jardim Paulistano, em São Paulo, pró­xi­ma à minha casa. Nesta esco­la, os alu­nos dese­nha­vam bas­tan­te. A ati­vi­da­de era super­ vi­sio­na­da pelas pro­fes­so­ras da esco­la, que cos­tu­ma­vam esco­lher temas para o tra­ba­lho (inclu­si­ve tema livre) e orien­ta­vam as crian­ças em rela­ção às ­várias téc­ ni­cas dis­po­ní­veis (lápis de cor, goua­che, cola­gem etc). No final do ano leti­vo os dese­nhos eram guar­da­dos em pas­tas e estas eram entre­gues aos pais. As ­minhas pas­tas mais anti­gas são de 1966. Os meus dese­nhos deste ano, rea­li­za­dos no Bola de Neve, estão orga­ni­za­dos em duas pas­tas, cor­res­pon­den­tes aos dois semes­tres leti­vos. Na pri­mei­ra pasta, há em torno de cem dese­nhos. Os temas e as téc­ni­cas ­variam muito. Dada a impos­si­bi­li­da­de de repro­du­zir e comen­tar todos os dese­ nhos, esco­lhi repro­du­zir aqui, para come­çar, dois dese­nhos de março de 1966, quan­do eu ainda não havia com­ple­ta­do cinco anos de idade. Trata-se de dois dese­nhos de tema “livre”, um repre­sen­tan­do um fogue­te, uma casa, uma estra­ da e um homem (fig. 1) e outro repre­sen­tan­do um carro (fig. 2).1 Estes dois dese­nhos são exem­plos do que cos­tu­ma­va ocor­rer quan­do a pro­fes­so­ra per­mi­tia o tema “livre”. Nestas oca­siões, eu fazia dese­nhos de car­ros, fogue­tes, ­navios, ­aviões e pei­xes. Eram os “meus” temas. Quanto à exe­cu­ção, estes dois dese­nhos são ges­tuais e não muito “capri­cha­dos”, mas por isso mesmo inte­res­san­tes, com tra­ços em cra­yon ver­me­lho que explo­ram o espa­ço do papel. Este ges­tua­lis­mo, ape­sar de pre­sen­te em boa parte dos meus dese­nhos

1 A maioria dos desenhos que mostrarei aqui foram feitos em folhas de formato A4 (21 x 29,7 cm). Quando as proporções variam, é porque as folhas são menores, e não maiores.

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de crian­ça, não era uma regra: tam­bém fazia dese­nhos “bem fei­tos”, como dois dese­nhos de maio de 1966 com o tema do navio no mar (figu­ras 3 e 4). Aqui há uma preo­cu­pa­ção com os deta­lhes das diver­sas par­tes de um navio, o que pode indi­car que estes dese­nhos foram basea­dos em um conhe­ci­men­to pré­vio de foto­ gra­fias de ­navios. A obra de março de 1966 repro­du­zi­da na fig. 5 é um exem­plo de cola­ gem, inte­res­san­te pela mis­tu­ra de pro­ce­di­men­tos (cola­gem e dese­nho) e pela mis­tu­ra de ima­gens que não guar­dam rela­ção entre si. Provavelmente se trata de um tra­ba­lho diri­gi­do, ou seja, de téc­ni­ca (cola­gem e dese­nho) pro­pos­ta pela pro­fes­so­ra. Os dese­nhos mos­tra­dos até aqui foram fei­tos no Bola de Neve, no pri­ mei­ro semes­tre de 1966. Mas não dese­nha­va só na esco­la. Desenhava em casa junto com meus ­irmãos Cândido e Paulo, e mui­tos des­tes dese­nhos foram guar­ da­dos nas mes­mas pas­tas onde estão os dese­nhos do Bola de Neve. Um exem­plo é o dese­nho de abril de 1966 que repre­sen­ta um avião no céu e con­tém ­outras figu­ras como um fogue­te, um heli­cóp­te­ro, um guin­das­te, um homem cain­do de para­que­das e ­navios no mar (fig. 6). A pasta do segun­do semes­tre de 1966 do Bola de Neve con­tém algo em torno de cem dese­nhos, como a do pri­mei­ro semes­tre. Aqui, se des­ta­cam duas pin­tu­ras em goua­che com o tema da casa na pai­sa­gem (figu­ras 7 e 8). Em uma delas está escri­to pela pro­fes­so­ra: “A casa de meu pai”. Não dá para ter cer­te­za, mas pro­va­vel­men­te se trata de pin­tu­ras com tema livre (o títu­lo refe­ri­do teria sido dado ­depois).

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Também desta pasta há o dese­nho e a cola­gem com o tema da ban­dei­ra bra­si­lei­ra, um dos temas do mês de novem­bro (figu­ras 9 e 10). Nota-se nes­tes tra­ba­lhos uma má von­ta­de com o tema (não era de livre esco­lha), o que resul­ta em obras de pouco vigor for­mal. A cola­gem inti­tu­la­da “Semana da Asa” (fig. 11), tal­vez pelo tema pró­xi­ mo aos meus inte­res­ses de então (­aviões, fogue­tes etc), tem, ao con­trá­rio, mais qua­li­da­de plás­ti­ca. Os está­gios do fogue­te estão bem carac­te­ri­za­dos pelos três qua­dra­dos de cor dife­ren­te. aaa

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Figuras 1 e 2

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Figuras 3 e 4

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Figura 5

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Figura 6

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Figuras 7 e 8

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Figuras 9 e 10

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Figura 11

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1967

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Os desenhos de 1967 feitos no Bola de Neve estão guardados em apenas uma pasta. Nesta pasta, há alguns grupos de trabalhos grampeados, formando cadernos. Um destes cadernos é de colagens (figuras 12, 13, 14, 15, 16, 17) feitas com papéis coloridos, como a vista acima (fig. 11). As duas primeiras colagens deste caderno (figuras 12 e 13, maio de 1967) aparentemente resultaram de uma invenção pessoal minha, pois na primeira está escrito pela professora “composição pessoal” e na segunda “colagem pes­ soal”. A primeira representaria uma “fábrica” (está anotado) e a segunda um barco (é o que parece). Do ponto de vista formal, a colagem “fábrica” é uma composição inter­ essante pelo equilíbrio precário dos seus elementos – recortes de papel colorido (estes recortes de papel, na forma de faixas finas, retângulos, quadrados, círculos e triângulos de várias cores eram provavelmente fornecidos pela professora). Há também uma bandeira do Brasil. Já a colagem do barco, apesar de mais simples, talvez seja realmente “genial”, como foi anotado pela professora. Dois recortes quase iguais – duas faixas de papel finas, uma preta e outra cor de laranja – são utilizados para rep­ resentar duas partes diferentes do barco: o casco e o mastro (com uma bandeira na ponta). A diferença de cor reforça a diferença de orientação dos dois recortes e o posicionamento relativo dos mesmos acaba por fazer com eles adquiram os significados de “casco” e “mastro”. Os outros dois recortes, um triângulo (vela ou cabine) e um retângulo (bandeira), ecoam a dualidade do casco e do mastro, através de uma feliz inversão das cores.

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As duas colagens seguintes (figuras 14 e 15, junho de 1967) represen­ tam respectivamente uma “balança com pesos” e uma gangorra (está escrito atrás das colagens). Não está indicado que se trata de composições “pessoais” – o tema deve ter sido sugerido pela professora. Do ponto de vista formal, são composições interessantes mas não tão bem resolvidas como as duas anteriores. As duas últimas colagens deste caderno de folhas grampeadas estão reproduzidas nas figuras 16 e 17 (trabalhos de agosto e setembro de 1967). Uma representa um carro e uma casa, e a outra um “ônibus” (está escrito do outro lado da folha). Não há indicação se o tema é livre ou não. A primeira (fig. 16) é bem resolvida, com o destaque para o carro todo composto de retângulos (com exceção das rodas). A segunda (fig. 17), apesar de não ter merecido um comen­ tário muito entusiasmado da professora (apenas “bom”), é bastante interessante. O ônibus representado certamente é do tipo elétrico, o que explicaria a forma pontiaguda e a faixa sobre ela (que seriam a haste do ônibus e os cabos elétricos da rua). A figura 18 mostra uma colagem isolada de abril de 1967 (não per­ tence a nenhum caderno). O interesse aqui é a composição com recortes finos que respondem pelas linhas de contorno das figuras (uma casa e um poste ou árvore). O aspecto quase construtivo destas colagens contrasta com a gestuali­ dade de desenhos do mesmo ano (figuras 19 e 20). O primeiro é um desenho de maio de 1967, que representa um barco (um tratamento “pessoal” para um tema determinado pela professora – madeira). O segundo é um desenho de junho

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com tema livre e técnica sugerida (desenho com crayon em papel apoiado sobre lixa). Além do barco costumeiro, há abelhas zunindo no céu. Um compromisso entre a técnica da colagem e o desenho pode ser visto em um trabalho de agosto de 1967 (fig. 21). Notar as duas portas do ônibus e a haste que toca no cabo de eletricidade (um ônibus elétrico como esse não pode­ ria estar em uma paisagem rural, no entanto). Na pasta de 1967 existem outros trabalhos, além dos vistos acima, que são exemplos de experiências com pincel e tinta (figuras 22 e 23, trabalhos de maio de 1967). Esta tinta talvez seja o resultado da mistura giz moído e água, mas não é possível ter certeza. O aspecto destas pinturas é interessante pela materialidade da tinta e pela gestualidade. A primeira (fig. 22), em azul, talvez represente uma casa, de difícil identificação. Em volta da figura, há marcas de dedo. A segunda (fig. 23), em marrom, tem uma casa, a linha do horizonte, e manchas no céu que podem ser o sol e uma nuvem. Há também, nesta pasta, pinturas com gouache, feitas com pincel ou com o dedo. A pintura reproduzida na fig. 24 é um exemplo do primeiro caso. Este trabalho não tem data, mas deve ser de junho de 1967. A casa aqui é resolvida em uma forma triangular. A fig. 25 reproduz uma pintura feita com o dedo e gouache (máquina de trem, trabalho de junho de 1967). O trabalho reproduzido na fig. 26 é um exemplo de desenho feito em casa no ano de 1967. Representa o pico do Everest, o mais alto do mundo, um tema que fazia parte do meu repertório pessoal, como os foguetes, aviões, barcos e peixes. aaa

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Figuras 12 e 13

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Figuras 14 e 15

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Figuras 16 e 17

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Figura 18

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Figuras 19 e 20

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Figura 21

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Figuras 22 e 23

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Figuras 24 e 25

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Figura 26

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1968

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Da pasta de 1968, sele­cio­nei oito tra­ba­lhos para mos­trar aqui. Os dois pri­mei­ros são exem­plos de pin­tu­ras com aqua­re­la, fei­tas no Bola de Neve (figu­ ras 27 e 28). Suponho que o tema, nes­tes dois casos, fosse livre, daí os bar­cos e pei­xes. O uso da linha, nes­tas pin­tu­ras, está com­ple­men­ta­do pelas áreas de cor, o que faz com que estes tra­ba­lhos este­jam entre o dese­nho e a pin­tu­ra pro­pria­ men­te dita. Há tam­bém uma uti­li­za­ção do preto como cor. O tra­ba­lho seguin­te é pro­va­vel­men­te uma pin­tu­ra com tema esta­be­le­ci­ do pela pro­fes­so­ra (fig. 29). A figu­ra apa­ren­ta ser uma embar­ca­ção ­viking (ou fení­cia). A trans­pa­rên­cia da tinta e o uso da cor do papel como fundo e como figu­ra (céu e casco do barco) con­tri­buem para a leve­za desta pin­tu­ra. Tanto neste tra­ba­lho como nos dois ante­rio­res, se obser­va uma esti­li­za­ção das figu­ras e uma sim­pli­fi­ca­ção que con­tras­ta com o “rea­lis­mo” de ­outros dese­nhos (ver figu­ras 3 e 4). Os dese­nhos repro­du­zi­dos nas figu­ras 30 e 31 tam­bém tive­ram seu tema esta­be­le­ci­do pela pro­fes­so­ra. O pri­mei­ro repre­sen­ta um barco fení­cio, e o segun­do uma casa chi­ne­sa. No pri­mei­ro caso, há um com­pro­mis­so entre o meu dese­nho de bar­cos e pei­xes e o tema esta­be­le­ci­do pela esco­la. No segun­do caso, há um certo rea­lis­mo e uma preo­cu­pa­ção com a pers­pec­ti­va. A figu­ra 32 traz um dese­nho feito em casa, com o tema já conhe­ci­do dos pei­xes no mar. Notar a expres­são dos pei­xes, e a pre­sen­ça de ­outros ­bichos, como a ­arraia e o caran­gue­jo. Neste dese­nho, pre­do­mi­na o traço, como em mui­tos dese­nhos que fazia em casa. O uso de tinta era mais comum na esco­la. Fazendo parte deste con­jun­to de tra­ba­lhos, mas com data incer­ta (1968,

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1969 ou 1970), há dois dese­nhos um pouco dife­ren­tes, “de obser­va­ção” (figu­ras 33 e 34). Um repre­sen­ta uma sala vista em pers­pec­ti­va: a jane­la ao fundo, qua­ dros na pare­de, uma porta, uma mesa de cen­tro e uma lâm­pa­da no teto. O outro repre­sen­ta um meni­no esti­can­do o braço para pegar uma flor. Ambos são uma ten­ta­ti­va de repre­sen­tar rea­lis­ti­ca­men­te uma deter­mi­na­da cena. Não são dese­ nhos fei­tos no Bola de Neve: não há carim­bo de data nem comen­tá­rio escri­to. Foram fei­tos em casa, mas não sei dizer em que con­tex­to e por qual moti­vo. aaa

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Figuras 27 e 28

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Figura 29

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Figuras 30 e 31

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Figura 32

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Figuras 33 e 34

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1969

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O dese­nho “Minha Casa”, o pri­mei­ro de 1969 a ser mos­tra­do aqui, é tam­bém um dese­nho de obser­va­ção, mas feito na esco­la seguin­do suges­tão da pro­fes­so­ra (fig. 35, tra­ba­lho de março de 1969). Nesta obra, a casa onde mora­va é repre­sen­ta­da de fren­te, do ponto de vista de quem olha da rua. As duas pin­tu­ras seguin­tes (figu­ras 36 e 37, 1969) foram fei­tas com aqua­ re­la ou goua­che, e repre­sen­tam cenas urba­nas. Não há como saber se são tra­ba­ lhos diri­gi­dos pela pro­fes­so­ra ou pin­tu­ras de tema livre. A pin­ce­la­da é solta, mas há uma certa preo­cu­pa­ção com o rea­lis­mo, prin­ci­pal­men­te em rela­ção ao heli­cóp­te­ro e aos car­ros. A ­seguir, temos um exem­plo de dese­nho abs­tra­to, feito com pas­tel (fig. 38, 1969). Este tra­ba­lho foi rea­li­za­do no Bola de Neve, e tal­vez tenha sido resul­ ta­do de uma suges­tão da pro­fes­so­ra, mas não há como saber. Já o tra­ba­lho abs­tra­to de dezoi­to de setem­bro de 1969, repro­du­zi­do na figu­ra 39, é cer­ta­men­te uma pin­tu­ra com téc­ni­ca suge­ri­da pela pro­fes­so­ra (a téc­ ni­ca de dei­xar pin­gar a tinta no papel). Neste caso a téc­ni­ca ­influi dire­ta­men­te no tipo de abs­tra­ção obti­da. Em rela­ção às pin­tu­ras de setem­bro de 1969 repro­du­zi­das nas figu­ras 40 e 41, volta a ques­tão da abs­tra­ção como resul­ta­do ou não de suges­tão da pro­ fes­so­ra. Não há como saber hoje se estas pin­tu­ras abs­tra­tas foram diri­gi­das ou espon­tâ­neas, ou então se o que vemos como abs­tra­ção na ver­da­de não o era na época (pode­ria haver algum tema). No caso des­tas duas pin­tu­ras, notar o uso de tons quen­tes e a com­po­si­ção em fai­xas hori­zon­tais, com ele­men­tos pon­tuais na parte infe­rior.

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Como uma espé­cie de outro lado da moeda da abs­tra­ção, na pasta de 1969 há um grupo de cola­gens figu­ra­ti­vas que mere­ce uma aten­ção espe­cial (figu­ras 42, 43, 44, e 45). Estes tra­ba­lhos não são cola­gens com ­papéis colo­ri­dos, como as vis­tas ante­rior­men­te, mas sim cola­gens com repro­du­ções foto­grá­fi­cas e figu­ras, que têm algu­ma rela­ção entre si. A cola­gem da figu­ra 42 pare­ce girar em torno do tema do tra­tor e do avião. Várias figu­ras de tra­to­res estão cola­das por baixo do recor­te de avião, for­ man­do um mosai­co. Notar o pro­je­tor de cine­ma cola­do por cima de uma das figu­ras de tra­tor, como se fosse ele pró­prio um tra­tor. A cola­gem da figu­ra 43, ape­sar de con­ter figu­ras diver­sas quan­to ao tema, pare­ce ter tam­bém um tema comum: figu­ras huma­nas ou huma­ni­za­das (joga­do­ res de fute­bol, uma bone­ca e o Tio Patinhas, uma foto de moda e um dese­nho de um esque­le­to dei­ta­do na cama). O con­jun­to resul­ta bizar­ro e inu­si­ta­do. As duas cola­gens seguin­tes tam­bém são sin­gu­la­res. A da figu­ra 44 tem uma foto­gra­fia de um rino­ce­ron­te, outra de uma arma­du­ra de cava­lei­ro medie­ val e um dese­nho de um boi. Há uma evi­den­te rela­ção entre a arma­du­ra e o couro do rino­ce­ron­te, neste caso, bem como uma outra rela­ção entre os dois ani­mais repre­sen­ta­dos. A cola­gem da figu­ra 45 é um pouco mais obs­cu­ra quan­to ao tema. Este pode ser “meios de trans­por­te”, o que expli­ca­ria o trem e os car­ros, mas não expli­ca­ria o fós­sil de peixe. O dese­nho de 30 de outu­bro de 1969 repro­du­zi­do na figu­ra 46 foi feito no Bola de Neve, e é um típi­co dese­nho de barco de guer­ra, com ­aviões no céu

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(um atin­gi­do, em cha­mas). Provavelmente trata-se de um tra­ba­lho com tema livre. O dese­nho com mon­ta­nhas, pás­sa­ros, fogue­te e trans­mis­são de rádio está aqui repre­sen­tan­do os dese­nhos de 1969 fei­tos em casa (fig. 47). Temática e esti­lis­ti­ca­men­te falan­do, este dese­nho está pró­xi­mo do repro­du­zi­do na fig. 26 (Pico do Everest). aaa

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Figura 35

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Figuras 36 e 37

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Figura 38

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Figura 39

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Figuras 40 e 41

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Figuras 42 e 43

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Figuras 44 e 45

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Figura 46

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Figura 47

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1970 (1º sem.)

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As figu­ras 48, 49, 50, 51, 52 e 53 mos­tram seis pin­tu­ras abs­tra­tas rea­li­za­ das no Bola de Neve no pri­mei­ro semes­tre de 1970. Estas pin­tu­ras, fei­tas com goua­che, são seme­lhan­tes às do ano ante­rior mos­tra­das nas figu­ras 40 e 41. Não há como saber se foram diri­gi­das pela pro­fes­ so­ra ou se foram espon­tâ­neas, mas pelo cará­ter de série que elas têm, supõe-se que foram diri­gi­das. As duas pri­mei­ras (figu­ras 48 e 49) se des­ta­cam pelas for­mas arre­don­da­ das sol­tas no espa­ço do papel. No caso da pri­mei­ra pin­tu­ra (fig. 48), as for­mas se dis­tri­buem tanto no cen­tro como nas mar­gens da folha. O fundo azul dá uma impres­são de líqui­do e as for­mas pare­cem orgâ­ni­cas. No caso da segun­da pin­tu­ ra (fig. 49), há ape­nas uma forma cen­tra­li­za­da, ladea­da de tinta ver­me­lha. Na pin­tu­ra da fig. 50, a com­po­si­ção é orga­ni­za­da por uma linha ver­me­ lha sinuo­sa que divi­de o espa­ço do papel em duas áreas de cor. O traço verde na área infe­rior tem uma dinâ­mi­ca ver­ti­cal forte e ter­mi­na em ponta, se con­tra­pon­ do à linha ver­me­lha. O cír­cu­lo azul na área supe­rior con­tra­ba­lan­ça a figu­ra em ponta da área infe­rior. Na pin­tu­ra da fig. 51, há a pre­sen­ça de uma mão. A com­po­si­ção é menos impor­tan­te do que esta figu­ra, que faz com que este tra­ba­lho seja o menos abs­ tra­to de todos deste grupo. As duas pin­tu­ras repro­du­zi­das nas figu­ras 52 e 53 são muito dife­ren­tes, ape­sar de evi­den­te­men­te apa­ren­ta­das (notar as cores ­iguais). A pri­mei­ra (fig. 52) é bas­tan­te infor­mal. Sua com­po­si­ção lem­bra um pouco o mar dos dese­nhos de pei­xes, pela linha verde na parte supe­rior, mas as for­mas na parte infe­rior

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des­fa­zem esta impres­são. Há inclu­si­ve res­pin­gos de tinta sobre as áreas de cor, refor­çan­do o cará­ter de infor­ma­li­da­de e de abs­tra­ção. A pin­tu­ra da figu­ra 53 é pra­ti­ca­men­te geo­mé­tri­ca. A infor­ma­li­da­de é dei­xa­da de lado em favor de uma com­po­si­ção orga­ni­za­da por áreas de cor bem deli­mi­ta­das. De novo, não há como saber se estas expe­riên­cias com a com­po­si­ ção foram esti­mu­la­das ou espon­tâ­neas. Na figu­ra 54, mais uma pin­tu­ra como a da figu­ra 39, com a téc­ni­ca de dei­xar a tinta pin­gar no papel, cer­ta­men­te suge­ri­da pela pro­fes­so­ra. Os qua­tro tra­ba­lhos seguin­tes são exem­plos de dese­nhos fei­tos em casa, no pri­mei­ro semes­tre do ano de 1970. Os dois pri­mei­ros, figu­ras 55 e 56, são dese­nhos com os cos­tu­mei­ros temas de pei­xes e bar­cos. Em casa, fre­quen­te­men­ te recor­ria a estes temas, que eram meus pre­fe­ri­dos, pela nar­ra­ti­va implí­ci­ta. Notar, no caso do dese­nho dos pei­xes, que se trata de um peixe “rei” ou chefe, com coroa, ladea­do de dois meno­res que ­seriam seus guar­das e de pei­xi­nhos ainda meno­res, for­man­do uma espé­cie de exér­ci­to ou guar­da pes­soal do peixe “rei”. No caso do dese­nho com barco e avião, notar que se trata de um porta­aviões. Os ­outros dois, figu­ras 57 e 58, são dese­nhos pou­cos ­usuais, onde se nota uma preo­cu­pa­ção com o rea­lis­mo das cenas repre­sen­ta­das. O pri­mei­ro dese­nho (fig. 57) é uma cena de tou­ra­da, vista de cima. Notar o dese­nho do touro, com as patas dian­tei­ras maio­res do que as meno­res, de acor­do com o ponto de vista ado­ta­do (ape­sar do ani­mal estar sendo visto de cima, ele pare­ce estar posi­cio­na­ do fron­tal­men­te, o que reve­la as ­minhas limi­ta­ções da época, mas dá uma certa

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graça ao dese­nho). O dese­nho da figu­ra 58 mos­tra um barco de pesca no mar. À pri­mei­ra vista, pode­ria pare­cer que este é mais um dese­nho de barco, como os ­outros já mos­tra­dos. Mas uma aná­li­se mais deti­da reve­la que se trata de uma cena de pesca vista com preo­cu­pa­ção rea­lis­ta. A vela está em pers­pec­ti­va; os pei­xes não são estão carac­te­ri­za­dos como per­so­na­gens, como em ­outros dese­nhos (com expres­sões nos olhos), mas como pei­xes obje­tos da pesca; o pes­ca­dor está arras­ tan­do sua rede no mar de manei­ra bas­tan­te con­vin­cen­te; há uma ânco­ra, pois o barco está para­do; e, final­men­te, o mar e o céu estão carac­te­ri­za­dos com rea­lis­ mo, de forma a evo­car a ato­mos­fe­ra de mar aber­to onde ocor­re a pes­ca­ria. aaa

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Figuras 48 e 49

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Figuras 50 e 51

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Figuras 52 e 53

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Figura 54

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Figuras 55 e 56

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Figuras 57 e 58

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1970, 1971, 1972 (E.U.A.)

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1970, 1971 e 1972 (E.U.A.) Em setem­bro de 1970 via­jei para os Estados Unidos com a famí­lia, para pas­sar uma tem­po­ra­da de dois anos. Em Berkeley, Califórnia, onde a famí­lia foi morar, con­ti­nuei a dese­nhar, agora só em casa, dado que na esco­la o ensi­no de artes era vol­ta­do para prá­ti­cas de arte­sa­na­to (peque­nas escul­tu­ras e obje­tos uti­li­tá­rios em cerâ­mi­ca e tra­ba­lhos em couro). Boa parte desta pro­du­ção de dese­ nhos foi guar­da­da. Neste perío­do em que dese­nhei em casa, nos E.U.A., meus dese­nhos se tor­na­ram bas­tan­te nar­ra­ti­vos. As figu­ras 59 e 60 mos­tram dese­nhos rea­li­za­dos em 1971, que repre­sen­tam cenas da vida dos “caran­gue­ji­nhos”, per­so­na­gens que havia cria­do no final de 1970. No dese­nho da figu­ra 59, há uma cena de mar, que está rela­cio­na­da aos dese­nhos de pei­xes e bar­cos, mas que têm a pecu­ lia­rie­da­de de ser uma cena com os caran­gue­ji­nhos. O dese­nho é capri­cha­do e deta­lha­do, cheio de peque­nos inci­den­tes (pei­xes maio­res abo­ca­nhan­do ­outros meno­res, por exem­plo). A figu­ra 60 é uma cena sub­ter­râ­nea dos caran­gue­ji­nhos, repre­sen­tan­do a sua “cida­de”. As diver­sas ati­vi­da­des estão dis­tri­buí­das em ambien­tes inter­li­ga­ dos por ­túneis. As figu­ras 61 e 62 mos­tram um avião de guer­ra e um porta-­aviões dos caran­gue­ji­nhos, dese­nhos que fiz para ilus­trar o livro que tinha come­ça­do a escre­ver com estes per­so­na­gens (não che­guei a escre­ver mais do que algu­mas pági­nas, rela­tan­do o iní­cio da guer­ra dos caran­gue­ji­nhos com os mor­ce­gos – The War Against the Bats).

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As figu­ras 63 e 64 mos­tram um avião de guer­ra e um sub­ma­ri­no, mas não há indi­ca­ção de que este­jam rela­cio­na­dos aos caran­gue­ji­nhos. O tema da guer­ra era um tema muito pre­sen­te na época, de qual­quer forma: os Estados Unidos esta­vam em guer­ra com o Vietnam. Todo dia, no noti­ciá­rio da tele­vi­são ame­ri­ca­na, havia notí­cias e cenas da guer­ra. As figu­ras 65 e 66 repro­du­zem dois dese­nhos de car­ros que fiz em feve­ rei­ro de 1971. São car­ros inven­ta­dos, com um motor dian­tei­ro do tipo drags­ter (um tipo de carro que alcan­ça alta velo­ci­da­de em cor­ri­das cur­tas em linha reta, algo que assis­tia na TV fre­quen­te­men­te). Os dese­nhos repro­du­zi­dos nas figu­ras 67 e 68 estão reu­ni­dos aqui pela afi­ni­da­de esti­lís­ti­ca, mas não tenho cer­te­za se foram fei­tos em datas pró­xi­mas. São dese­nhos rea­li­za­dos com cane­ta tipo Bic azul e colo­ri­dos com lápis de cor. O pri­mei­ro é uma cena de pei­xes, de agos­to de 1971. É muito deta­lha­do e até rea­ lis­ta, na sua repre­sen­ta­ção das diver­sas espé­cies de pei­xes. O segun­do dese­nho repre­sen­ta um jato deco­lan­do. A figu­ra 69 é um dese­nho inte­res­san­te na sua ten­ta­ti­va, razoa­vel­men­te rea­lis­ta, de repre­sen­tar ­bichos em uma flo­res­ta. As árvo­res são altas e se pare­ cem com as que exis­tem no norte da Califórnia. Nos dese­nhos das figu­ras 70 e 71, há cenas de guer­ra com os caran­gue­ ji­nhos (notar, no dese­nho da figu­ra 71, os caran­gue­ji­nhos subin­do a esca­da da rampa de lan­ça­men­to do fogue­te). A figu­ra 72 mos­tra um dese­nho de fogue­te, com todo o apa­ra­to de lan­ça­men­to deste sendo trans­por­ta­do atra­vés de uma ­região desér­ti­ca. O tema

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do fogue­te era um tema muito pre­sen­te na época, em fun­ção da che­ga­da do homem na lua, e do lan­ça­men­to das diver­sas mis­sões Apollo. Na figu­ra 73, o dese­nho mos­tra o apa­re­lho de som do apar­ta­men­to onde morá­va­mos em Berkeley, um dese­nho de obser­va­ção. O dese­nho da figu­ra 74 é um tra­ba­lho de esco­la, mas não um tra­ba­lho rela­cio­na­do às artes, e sim ao ensi­no de História. Trata-se de uma cena, dese­nha­ da com preo­cu­pa­ção rea­lis­ta, de jul­ga­men­to de um cida­dão negro, com mem­ bros da Ku Klux Klan pre­sen­tes e o juiz pro­fe­rin­do a sen­ten­ça des­fa­vo­rá­vel ao réu (You are ­guilty!). Este dese­nho pro­va­vel­men­te foi rea­li­za­do para um tra­ba­lho sobre a dis­cri­mi­na­ção ­racial con­tra os ­negros nos E.U.A., um tema atual na época (e hoje ainda) e que me toca­va muito, em fun­ção da esco­la em que estu­da­va, uma esco­la públi­ca de alu­nos majo­ri­ta­ria­men­te ­negros e his­pâ­ni­cos (na Califórnia, há uma lei que deter­mi­na a inte­gra­ção ­racial, esta­be­le­cen­do que alu­nos de bair­ros de popu­la­ção bran­ca estu­dem por um deter­mi­na­do perío­do em esco­las situa­das em bair­ros de popu­la­ção negra, e vice-versa). Notar o cabe­lo esti­lo black-power do homem que está sendo jul­ga­do, típi­co do iní­cio dos anos 70. Finalmente, as figu­ras 75 e 76 repro­du­zem dese­nhos car­tu­nís­ti­cos, que reve­lam, como o ante­rior visto na figu­ra 74, uma preo­cu­pa­ção de rea­lis­mo e pro­ fun­di­da­de na repre­sen­ta­ção das figu­ras e ambien­tes, dese­nhos que ante­ci­pam tra­ba­lhos que faria ­depois, a par­tir de 1973, já no Brasil, com figu­ras huma­nas. Este tipo de dese­nho, é impor­tan­te notar, era um desa­fio para mim. Eram dese­nhos em que eu aban­do­na­va os temas que conhe­cia bem (pei­xes, fogue­tes etc) e o tra­ta­men­to bidi­men­sio­nal das figu­ras, para ten­tar com­po­si­

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ções com figu­ras huma­nas em ambien­tes repre­sen­ta­dos tri­di­men­sio­nal­men­te. Frequentemente fica­va insa­tis­fei­to com o resul­ta­do: não gos­ta­va do “esti­lo” do dese­nho das figu­ras huma­nas que fazia, pois acha­va que não sabia ­recriar (de memó­ria) a figu­ra huma­na nas suas pro­por­ções cor­re­tas, nem sanar esta defi­ ciên­cia com um dese­nho car­tu­nís­ti­co (cari­ca­tu­ral) que con­si­de­ras­se bom. aaa

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Figuras 59 e 60

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Figuras 61 e 62

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Figuras 63 e 64

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Figuras 65 e 66

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Figuras 67 e 68

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Figura 69

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Figuras 70 e 71

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Figura 72

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Figura 73

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Figura 74

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Figuras 75 e 76

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1973, 1974, 1975, 1976

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De volta ao Brasil, em setem­bro de 1972, ­entrei para a Escola Vera Cruz, em São Paulo (onde ­fiquei até 1976). Nesta esco­la o ensi­no de artes não era vol­ta­do para a pro­du­ção de dese­nhos, mas con­ti­nuei a dese­nhar em casa, prin­ci­pal­men­te nas ­férias esco­la­res de janei­ro e julho em Ubatuba, em cader­nos espi­ra­la­dos. Também dese­nha­va na apos­ti­la do Cria (de “cria­ti­vi­da­de”), uma apos­ti­la de reda­ção de Flávio Vespasiano di Giorgi e Samir Curi Meserani que era uti­li­za­da no Vera Cruz. Como não exis­tem dese­nhos de 1973 guar­da­dos (a não ser que ­alguns dese­nhos con­si­de­ra­dos como fei­tos nos E.U.A. não o sejam real­men­te), o pri­ mei­ro dese­nho do “perío­do Vera Cruz” que esco­lhi já é de 1974 (6ª série). Neste dese­nho feito na esco­la, em uma folha do Cria (fig. 77), estão pre­sen­tes as figu­ras huma­nas que fazia na época e que não me satis­fa­ziam, como já foi obser­va­do. O tom joco­so do dese­nho e o des­lei­xo for­mal mos­tram esta insa­tis­fa­ção, acre­ di­to (com­pa­re-se este tipo de dese­nho com os dese­nhos capri­cha­dos de pei­xes, fogue­tes e car­ros). A men­ção à apos­ti­la de reda­ção do Cria é opor­tu­na. Escrever tex­tos (e fazer dese­nhos) nesta apos­ti­la era uma ati­vi­da­de que fazia parte da aula de por­ tu­guês dada pela pro­fes­so­ra Maria Otília, que era a aula de que mais gos­ta­va no Vera Cruz (com a pos­sí­vel exce­ção da aula de Educação Física). Em fun­ção des­ tas aulas e do incen­ti­vo de Maria Otília, escre­ver, para mim, come­çou a adqui­rir uma impor­tân­cia gran­de. O dese­nho, a par­tir daí, pas­sou a ser uma ati­vi­da­de cria­ti­va secun­dá­ria, e fre­quen­te­men­te insa­tis­fa­tó­ria, prin­ci­pal­men­te quan­do o tema eram as figu­ras huma­nas que jul­ga­va não saber fazer bem.

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Os qua­tro dese­nhos de 1974 aqui repro­du­zi­dos refle­tem a minha ambi­ va­lên­cia entre ten­tar tra­ba­lhar ­melhor os dese­nhos de figu­ra huma­na ou insis­tir nos temas da infân­cia, como fogue­tes etc, sem­pre uma opção “segu­ra”. Os dois pri­mei­ros, figu­ras 78 e 79, são exem­plos do segun­do caso, mas o dese­nho que mos­ tra uma lan­cha puxan­do um esquia­dor (fig. 79) pode ser visto como um com­pro­ mis­so entre os dese­nhos de figu­ra huma­na e os cos­tu­mei­ros dese­nhos de bar­cos, dado que a cena é repre­sen­ta­da de forma razoa­vel­men­te rea­lis­ta e inclu­si­ve faz refe­rên­cia a uma ati­vi­da­de que na época me ocu­pa­va, nas ­férias em Ubatuba. Os ­outros dois foram fei­tos no cader­no que agora uti­li­za­va para dese­ nhar (e escre­ver). São dese­nhos de figu­ra huma­na, com uma preo­cu­pa­ção car­tu­ nís­ti­ca, prin­ci­pal­men­te o segun­do (fig. 81), de julho de 74, que mos­tra três guar­ das se apro­xi­man­do de um sus­pei­to (uma piada sem inte­res­se que vale ape­nas como pre­tex­to para o dese­nho). Já o dese­nho de agos­to daque­le ano (fig. 80) mos­tra­do aqui é um tra­ba­ lho um pouco dife­ren­te, que tende para o non­sen­se. Me recor­do de fazer este dese­nho e do esta­do de espí­ri­to em que me encon­tra­va, um pouco ente­dia­do. Desenhar desta forma era como pas­sar o tempo, sem muita preo­cu­pa­ção com o resul­ta­do final do tra­ba­lho (hoje eu vejo este dese­nho com mais inte­res­se). Por ser de agos­to, este dese­nho tal­vez tenha sido feito em São Paulo e não nas ­férias de Ubatuba como os três ante­rio­res. Vejo o dese­nho da figu­ra 82, de janei­ro de 1975, rea­li­za­do em Ubatuba, como um típi­co dese­nho infan­til “tar­dio”, feito à tarde, ­depois do almo­ço, na casa de praia. Meu inte­res­se nesta época esta­va vol­ta­do menos para os dese­nhos

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do que para os tex­tos que escre­via na esco­la e em casa – tex­tos que eram resul­ta­ do do meu esfor­ço cria­ti­vo maior do perío­do. Costumava dese­nhar ape­nas nas ­férias, sem gran­des pre­ten­sões, para me ocu­par nas par­tes do dia em que não esta­ va fazen­do nada. O ano de 1975, inclu­si­ve, foi o ano em que escre­vi (tam­bém nas ­férias, em Ubatuba, pro­va­vel­men­te em janei­ro) O Caso da Mesa Melecada. Este peque­no livro ins­pi­ra­do, esti­lis­ti­ca­men­te, em O Caneco de Prata, de João Carlos Marinho Silva, foi escri­to como tra­ba­lho de esco­la, mas repre­sen­ta minha pro­du­ ção artís­ti­ca mais ambi­cio­sa do perío­do, muito mais do que os dese­nhos. Em julho de 1975, pas­sei uma tem­po­ra­da em Vila Velha, no Espírito Santo, na casa de uma amiga de minha mãe que tinha um filho da minha idade. Por algu­ma razão, meu inte­res­se pelo dese­nho aumen­tou nesta tem­po­ra­da, e pode ser veri­fi­ca­do nos seis tra­ba­lhos repro­du­zi­dos nas figu­ras 83, 84, 85, 86, 87 e 88, que não são do tipo “infan­til” e repre­sen­tam uma ten­ta­ti­va de explo­rar novos cami­nhos, ainda que de forma um pouco desor­de­na­da. A figu­ra 83 mos­tra o dese­nho do “Maligno Dr. Mau em uma de suas meta­mor­fo­ses”, de vinte de julho de 1975. O inte­res­se deste dese­nho é a varia­ção do rosto do per­so­na­gem, que se não chega a repre­sen­tar uma varia­ção esti­lís­ti­ca reve­la uma certa inde­ter­mi­na­ção na carac­te­ri­za­ção de um tipo fixo de figu­ra huma­na. O dese­nho da figu­ra 84, ape­sar de rea­li­za­do no mesmo dia, é bas­tan­te dife­ren­te do ante­rior. Aqui, o tema do per­so­na­gem é trans­for­ma­do em um rosto, com­pos­to de ­linhas, que ocupa a folha intei­ra. As ­linhas man­tém o cará­ter de ele­men­to for­mal inde­pen­den­te.

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Os qua­tro dese­nhos com nan­quim colo­ri­do das figu­ras 85, 86, 97 e 88 foram fei­tos logo a ­seguir, nos dias vinte e um e vinte e três de julho. O pri­mei­ ro (figu­ra 85) con­tém rabis­cos e é mais uma expe­riên­cia com a tinta do que um dese­nho aca­ba­do. O da figu­ra 86 é tam­bém um dese­nho vol­ta­do para expe­riên­ cia com a tinta, mas tem figu­ras inte­res­san­tes. Os dese­nhos das figu­ras 87 e 88 são expe­riên­cias quase abs­tra­tas, que explo­ram a tinta nan­quim escor­ri­da ou espa­lha­da no papel. Nota-se nesta série toda, rea­li­za­da no Espírito Santo entre os dias vinte e vinte e três de julho de 1975, uma ten­dên­cia eclé­ti­ca de expe­ri­men­tar com ­várias lin­gua­gens, o que demons­tra que o dese­nho, para mim, nesta época, era uma ques­tão ainda em aber­to, sem reso­lu­ção satis­fa­tó­ria (algo que não me preo­ cu­pa­va muito, no entan­to: me con­si­de­ra­va um pouco escri­tor e não pen­sa­va em ser artis­ta plás­ti­co). A figu­ra 89, como outra cita­da acima, mos­tra um dese­nho infan­til “tar­ dio”, de outu­bro de 1975. O tema dos ­aviões é tra­ta­do com bas­tan­te capri­cho, e de forma car­tu­nís­ti­ca, pois há um certo humor no com­ba­te de ­aviões ini­mi­gos que expres­sam esta ini­mi­za­de atra­vés de suas for­mas. O dese­nho que abre o ano de 1976, ano em que fiz a 8ª e últi­ma série do giná­sio no Vera Cruz, é um dese­nho car­tu­nís­ti­co (fig. 90), rea­li­za­do nas ­férias de janei­ro em Ubatuba. Um homem está dizen­do a outro: “Procure seu Cristo”. O que escu­ta não enten­de bem o sen­ti­do da frase (que é de qual­quer forma pouco clara). A ori­gem deste dese­nho está numa cria­ção con­jun­ta de dese­nhos e tex­ tos, minha e de Nando Reis, ela­bo­ra­da com o tema “Procure seu Cristo”, nas

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­férias de Ubatuba (nos­sas famí­lias têm casa na mesma praia). Neste tra­ba­lho, o dese­nho car­tu­nís­ti­co dos per­so­na­gens está mais defi­ni­do, em com­pa­ra­ção com ­outros ante­rio­res. Um pouco em fun­ção de uma insa­tis­fa­ção com o meu dese­nho car­tu­nís­ti­ co, em julho de 1976 (em Ubatuba) fiz dois dese­nhos de obser­va­ção tendo como mode­lo a minha mão esquer­da em duas posi­ções dife­ren­tes (figu­ras 91 e 92). Estes dese­nhos e ­outros seme­lhan­tes repre­sen­ta­vam uma solu­ção pos­sí­ vel para o impas­se em que me encon­tra­va, uma solu­ção que bus­ca­va na tra­di­ção “culta” do dese­nho natu­ra­lis­ta de obser­va­ção um para­dig­ma a ser ado­ta­do, em opo­si­ção ao car­tum com figu­ras esti­li­za­das. Os dese­nhos de figu­ra huma­na pre­sen­tes nes­tas ­folhas, data­das de julho 1976, são tam­bém (quase) natu­ra­lis­tas – uma ver­da­dei­ra rup­tu­ra com meu dese­nho ante­rior de figu­ra huma­na. Há, é certo, um “mal jeito” decor­ren­te da minha igno­rân­cia em rela­ção às pro­por­ções do corpo huma­no (não são dese­nhos de obser­va­ção). O novo natu­ra­lis­mo, no meu dese­nho da figu­ra huma­na, aca­bou, no final de 1976, se trans­for­man­do em um “esti­lo” de certa forma car­tu­nís­ti­co. Isto se obser­va cla­ra­men­te nos dese­nhos das figu­ras 93, 94, 95 e 96. Não que isso fosse um pro­ble­ma: afi­nal, a ques­tão era ter um esti­lo de dese­nho de figu­ra huma­na, e não ser com­ple­ta­men­te natu­ra­lis­ta e fiel à natu­re­za (se fosse este o caso, teria me dedi­ca­do ao dese­nho de obser­va­ção). O ros­tos de homem do dese­nho da figu­ra 93 mos­tram este meu novo esti­lo, que aca­ba­va fican­do entre o natu­ra­lis­mo e o car­tum. O nariz, que era

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por onde come­ça­va o dese­nho, era dese­nha­do sem­pre gran­de, bem como a boca (eram estes os tra­ços dis­tin­ti­vos deste esti­lo). Uma obser­va­ção: o rosto de ­mulher dese­nha­do nesta folha não é de minha auto­ria (foi dese­nha­do pelo meu irmão Cândido, na época com treze anos). Na figu­ra 94, o dese­nho ilus­tra uma cena da elei­ção em que tra­ba­lhei de boca de urna para can­di­da­tos da opo­si­ção ao gover­no mili­tar (nesta elei­ção, de 1976, o MDB, par­ti­do de opo­si­ção, obte­ve uma vitó­ria expres­si­va sobre a ARENA, par­ti­do de sus­ten­ta­ção do gover­no mili­tar). Há tam­bém um texto, peque­no exem­ plo da minha pro­du­ção lite­rá­ria da época, e um comen­tá­rio a res­pei­to do “esti­lo” lite­rá­rio do Equipe, colé­gio no qual iria ingres­sar no ano seguin­te. Os dese­nhos das figu­ras 95 e 96 mos­tram apli­ca­ções assu­mi­da­men­te car­ tu­nís­ti­cas do esti­lo de dese­nho de figu­ra huma­na que comen­ta­mos acima, mais natu­ra­lis­ta. aaa

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Figura 77

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Figuras 78 e 79

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Figuras 80 e 81

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Figura 82

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Figuras 85 e 86

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1º semestre de 1977

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Em 1977 ingres­sei no Colégio Equipe, para cur­sar o cole­gial. Foi uma mudan­ça impor­tan­te: havia saído do Vera Cruz, uma esco­la expe­ri­men­tal rela­ti­va­men­te peque­na na época, situa­da em um bair­ro resi­den­cial (Alto de Pinheiros), para estu­dar no Equipe, um colé­gio maior, loca­li­za­do quase no cen­ tro de São Paulo, pró­xi­mo à Av. Brigadeiro Luís Antonio. Esta mudan­ça “radi­cal” do local de estu­do foi acom­pa­nha­da de uma mudan­ça não menos mar­can­te no que se refe­re ao meio de trans­por­te: dei­xei o carro com moto­ris­ta que me leva­va ao Vera Cruz para come­çar a andar de ôni­bus, que tinha de pegar às 6h20 da manhã, pois o tra­je­to até o Equipe era longo. O ôni­bus que pega­va era o “Largo da Pólvora”, no últi­mo ponto da rua Pinheiros, já quase na Av. Rebouças. O ôni­bus, ­depois de subir esta ave­ni­ da, entra­va na Av. Paulista, per­cor­ria quase toda a sua exten­são e des­cia a Av. Brigadeiro Luís Antonio. Eu des­cia no ponto antes da rua Humaitá, e anda­va até o Equipe, que fica­va na rua Martiniano de Carvalho, che­gan­do quase na hora de ­entrar para a aula, às 7h20. Até então minha movi­men­ta­ção pela cida­de havia se res­trin­gi­do ao eixo Jardins – Alto de Pinheiros, quase sem­pre de carro, o que equi­va­le dizer que até então tinha visto da jane­la, mais do que vivi­do, a cida­de de São Paulo. A rua onde mora­va, situa­da no Jardim Paulistano, não tinha uma “vida de rua”, coisa que aliás não é comum nos bair­ros resi­den­ciais de clas­se média alta de São Paulo. Eu e meus ­irmãos pas­sá­va­mos as tar­des em casa ou na casa do nos­sos pri­mos, e rara­men­te saía­mos na rua para brin­car ou mesmo andar de bici­cle­ta.

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Uma expe­riên­cia com­ple­ta­men­te dife­ren­te, diga-se de pas­sa­gem, da que havía­ mos vivi­do em Berkeley, nos E.U.A., onde se brin­ca­va livre­men­te na rua, no par­que públi­co pró­xi­mo e em ­outros ­locais, todos aces­sí­veis de bici­cle­ta. O ingres­so no Equipe pro­pi­ciou, por­tan­to, uma mudan­ça impor­tan­te na minha rela­ção com a cida­de de São Paulo e com seus habi­tan­tes, rela­ção que dei­xou de ser ape­nas con­tem­pla­ti­va para se tor­nar mais vivi­da. Mas o tra­je­to que fazia até o Equipe toda manhã não tinha ape­nas este sig­ni­fi­ca­do rela­cio­na­do à cida­de. Havia um outro sig­ni­fi­ca­do, liga­do ao fato do Equipe ser, na época, um colé­gio que abri­ga­va gran­de núme­ro de estu­dan­tes inte­res­sa­dos em artes plás­ti­cas, músi­ca, lite­ra­tu­ra, cine­ma, foto­gra­fia e ­outras for­mas de expres­são artís­ti­ca – como eu. No ano ante­rior, quan­do havia deci­di­do ir para Equipe (e não para o Santa Cruz, que era a outra opção), já sabia, mais ou menos, o que me espe­ra­va. Havia conhe­ci­do o colé­gio em uma visi­ta (os alu­nos do Vera Cruz visi­ta­ram as esco­las nas quais esta­vam inte­res­sa­dos), e tinha gos­ta­do do pré­dio e da sua dis­ po­si­ção em torno de uma qua­dra cen­tral, com o tea­tro/audi­tó­rio atrás e as salas de aula em um bloco late­ral. Mas mais deci­si­vo do que a visi­ta, havia sido o encon­tro, em 1976 (acre­ di­to), com dois dos meus futu­ros cole­gas no Equipe, Carlito Carvalhosa e Paulo Monteiro, encon­tro ocor­ri­do na casa de Nando Reis, por ini­cia­ti­va de Quilha, irmã deste (os dois eram cole­gas de Nando no Nossa Senhora do Morumbi). Neste encon­tro, rea­li­za­do para dis­cu­tir a pos­sí­vel publi­ca­ção de dese­nhos e his­tó­rias em qua­dri­nhos, per­ce­bi que esta­va dian­te de pes­soas que já ­tinham

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iden­ti­da­de de artis­tas, ape­sar da pouca idade (Monteiro e Carlito, quin­ze anos, e Nando, qua­tor­ze anos). Paulo Monteiro, inclu­si­ve, já havia publi­ca­do seus car­ tuns e tiras (do per­so­na­gem Feto) em uma revis­ta cha­ma­da Veredas. A minha iden­ti­da­de de artis­ta, no entan­to, esta­va longe de ser uma iden­ ti­da­de con­so­li­da­da, aos quin­ze anos. Nem sei se posso dizer que pos­suía uma tal iden­ti­da­de, ou que tinha inten­ção de me tor­nar artis­ta plás­ti­co, escri­tor ou qual­quer outro tipo de artis­ta. Conhecer Paulo Monteiro e Carlito Carvalhosa um pouco antes de ­entrar para o Equipe, pes­soas que (a meu ver) já pos­suíam esta iden­ti­da­de (exi­bin­do até uma certa arro­gân­cia), foi impor­tan­te para que eu come­ças­se a ela­bo­rar a minha. Quando as aulas do Equipe come­ça­ram, me apro­xi­mei de dois alu­nos da minha clas­se que aca­ba­ram se tor­nan­do meus ami­gos (ambos futu­ros artis­tas): Rodrigo Andrade e Marcelo Fromer. Ao longo do ano de 1977, uma turma maior foi se con­fi­gu­ran­do, que ­incluía eu, Rodrigo, Fromer, Monteiro, Carlito, Cao Hamburguer, Fábio Miguez e Branco Mello. Outros alu­nos, de ­outros anos, esta­ vam pró­xi­mos a esta turma, como Inês Stockler, Gisela Moreau, Leda Catunda, Lulu Vergueiro, Laura Vinci, Tonico Carvalhosa, Marcelo Mangabeira, Dimitri Lee, Fernando Salém, Nuno Ramos, Arnaldo Antunes, Paulo Miklos e Sérgio Brito. Nando Reis, que é mais novo, entra­ria no ano seguin­te, inte­gran­do-se tam­ bém a esta turma, assim como Vânia Passos e Zaba Moreau. Muitas das pes­soas cita­das acima já tinha algum pro­je­to ou ati­vi­da­de na época do colé­gio, como escre­ver, tocar, dese­nhar etc. A pró­pria dire­ção do Equipe e os seus pro­fes­so­res incen­ti­va­vam esta pro­du­ção, tanto no nível do ensi­

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no (de reda­ção e de artes, por exem­plo) como no apoio mate­rial a ini­cia­ti­vas dos alu­nos (revis­tas, fil­mes, shows, ati­vi­da­des do grê­mio). O ambien­te era deci­di­da­ men­te cria­ti­vo. Para mim e para meus ami­gos que dese­nha­vam (Rodrigo Andrade, Paulo Monteiro, Nando Reis e Gisela Moreau), logo sur­giu a opor­tu­ni­da­de, ainda no pri­mei­ro semes­tre de 1977, de publi­car his­tó­rias em qua­dri­nhos na revis­ta Boca, uma revis­ta “mar­gi­nal” de estu­dan­tes da Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (Flávio del Carlo, Dagomir Marquezi e ­outros). O segun­do núme­ro da Boca esta­va para ser publi­ca­do, e a revis­ta esta­va acei­tan­do cola­bo­ra­ções. Um ter­cei­ro núme­ro esta­va em pro­je­to, pre­vis­to para o fim do ano de 1977 ou iní­cio de 1978. Como eu vinha de uma prá­ti­ca tími­da de dese­nho de figu­ra huma­na, ainda sem pos­suir um esti­lo, a meu ver, ade­qua­do aos qua­dri­nhos, não ­enviei mate­rial para a Boca 2, pre­fe­rin­do dei­xar minha ­estréia para o núme­ro seguin­te. Nando Reis, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, que já dese­nha­vam qua­dri­ nhos há mais tempo e ­tinham mate­rial pron­to ou em ela­bo­ra­ção, envia­ram seus tra­ba­lhos para a Boca 2 a tempo de serem publi­ca­dos. Gisela Moreau ­enviou uma ilus­tra­ção para uma maté­ria escri­ta. A figu­ras 98, 99 e 100 repro­du­zem res­pec­ti­va­men­te dese­nhos de Nando, Monteiro e Rodrigo publi­ca­dos na Boca 2. A figu­ra 97 mos­tra a capa, de auto­ria de Ul, uma mon­ta­gem com uma foto dos mem­bros da Boca (no canto esquer­do, ao alto, estão Paulo Monteiro e Nando Reis). Como é pos­sí­vel notar nos dese­nhos, Nando, Rodrigo e Monteiro pos­

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suíam gran­de matu­ri­da­de esti­lís­ti­ca e téc­ni­ca, ape­sar da pouca idade. No caso de Nando (fig. 98), o dese­nho da figu­ra huma­na é muito sim­ples, e por isso mesmo efi­cien­te e expres­si­vo. O dese­nho de Paulo Monteiro (fig. 99) é resul­ta­do de uma téc­ni­ca car­tu­nís­ti­ca ple­na­men­te desen­vol­vi­da. A HQ de Rodrigo (fig. 100) mos­tra que ele era tri­bu­tá­rio de uma tra­di­ção artís­ti­ca eru­di­ta, e não car­tu­nís­ti­ca. O con­ta­to diá­rio com Rodrigo e Monteiro (Nando ainda esta­va na 8ª série, no Nossa Senhora do Morumbi) a par­tir de feve­rei­ro/março de 1977, quan­do come­ça­ram as aulas, e o cote­jo dos seus dese­nhos com os meus, que con­ si­de­ra­va infe­rio­res, fez com que eu come­ças­se a ficar preo­cu­pa­do em melho­rar meu pró­prio dese­nho, visan­do a publi­ca­ção futu­ra de HQs (no núme­ro três da Boca, que esta­va por vir). Esta preo­cu­pa­ção não pro­du­ziu efei­tos ime­dia­tos, no entan­to. Ao con­trá­ rio, deu iní­cio a um pro­ces­so demo­ra­do de ela­bo­ra­ção de uma nova lin­gua­gem de dese­nho, pro­ces­so que me ocu­pou duran­te todo o pri­mei­ro semes­tre de 1977 e parte do segun­do. Assim, foi ape­nas no final do ano que con­se­gui che­gar em um esti­lo de dese­nho inte­res­san­te e real­men­te ori­gi­nal, ­depois de ten­tar ­vários cami­nhos dife­ren­tes e esti­lis­ti­ca­men­te con­tra­di­tó­rios. Felizmente, guar­dei mui­ tos esbo­ços desta época, e atra­vés deles é pos­sí­vel recons­ti­tuir todo o pro­ces­so, passo a passo. A figu­ra 101 mos­tra um dese­nho meu de janei­ro de 1977, um pouco ante­ rior ao ingres­so no Equipe. É um dese­nho de cader­no, feito em Ubatuba pro­va­vel­ men­te, seme­lhan­te aos que tinha feito duran­te o segun­do semes­tre de 1976, vis­tos acima. Há aqui uma mis­tu­ra de natu­ra­lis­mo e cari­ca­tu­ra, que na época não me

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agra­da­va, mas ao mesmo tempo me ­atraía, pelo resul­ta­do bizar­ro. As HQs ainda não esta­vam na pauta das ­minhas preo­cu­pa­ções ime­dia­tas, nesta data. As figu­ras 102 e 103 repro­du­zem dese­nhos fei­tos no cader­no em março/ abril de 1977 (as aulas já ­haviam come­ça­do). É evi­den­te a evo­lu­ção do traço, do pri­mei­ro para o segun­do dese­nho de rosto, que não se expli­ca ape­nas por um capri­cho maior, mas tam­bém pelo inte­res­se em desen­vol­ver uma téc­ni­ca de hachu­ra, seme­lhan­te à de Rodrigo Andrade (ver fig. 100). A figu­ra 104 é outro exem­plo (mais bem aca­ba­do) da apli­ca­ção desta téc­ ni­ca de hachu­ra em um dese­nho de rosto, feito com cane­ta tipo Pilot (ainda não pos­suía cane­ta nan­quim). Este rosto, curio­sa­men­te, não pos­sui boca, tal­vez em fun­ção da minha insa­tis­fa­ção com o tipo de boca que cos­tu­ma­va fazer. As figu­ras 105, 106 e 107 mos­tram dese­nhos fei­tos no verso de apos­ti­las do Equipe, duran­te a aula. Aqui os ros­tos adqui­rem um aspec­to dia­bó­li­co e por vezes paté­ti­co, e as expres­sões são bas­tan­te tra­ba­lha­das. Estes dese­nhos são os melho­res desta série. Fazer estes dese­nhos de ros­tos hachu­ra­dos, com cane­ta, repre­sen­tou para mim um salto qua­li­ta­ti­vo gran­de – era como se eu pos­suís­se, agora, ­depois de pou­cos meses de colé­gio, um novo esti­lo de dese­nho, com­pa­rá­vel aos esti­los dos meus ami­gos, que tanto admi­ra­va. Gostava des­tes dese­nhos a ponto de não ter ver­go­nha de mos­trá-los aos meus cole­gas de clas­se mais pró­xi­mos. No entan­to, ainda esta­va longe de ter um dese­nho apli­cá­vel às HQs, e sabia disso. Mas, apa­ ren­te­men­te, eu esta­va esta­be­le­cen­do parâ­me­tros não exclu­si­va­men­te car­tu­nís­ti­cos para um futu­ro esti­lo de HQs, e apro­vei­tan­do para expe­ri­men­tar com um tipo de

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dese­nho que tinha mais afi­ni­da­de com a tra­di­ção eru­di­ta do que com o car­tum. A influên­cia maior, aqui, era o dese­nho de Rodrigo Andrade, influên­cia com­bi­na­da com a minha prá­ti­ca de dese­nho que vinha do ano ante­rior. As figu­ras 108 e 109 mos­tram duas ­folhas de cader­no ­cheias de esbo­ços, rabis­cos e ros­tos hachu­ra­dos. Como são dese­nhos fei­tos no cader­no, sei que foram fei­tos em casa (pro­va­vel­men­te entre abril e maio de 1977). O que é sig­ni­fi­ca­ti­vo nes­tas duas ­folhas de cader­no é a pre­sen­ça, junto aos ros­tos hachu­ra­dos, de peque­ nos esbo­ços em ­outros esti­los, como o loca­li­za­do no canto esquer­do supe­rior da figu­ra 109. A neces­si­da­de de ela­bo­rar um dese­nho de HQ que tives­se uma qua­li­ da­de “car­tu­nís­ti­ca” esta­va fazen­do com que eu expe­ri­men­tas­se esti­los dife­ren­tes, mais sim­pli­fi­ca­dos e esti­li­za­dos do que o esti­lo hachu­ra­do dos ros­tos. Outro aspec­to sig­ni­fi­ca­ti­vo dos dese­nhos des­tas ­folhas de cader­no é o fato deles terem sido fei­tos com cane­ta nan­quim, ins­tru­men­to mais “pro­fis­sio­ nal” que as cane­tas Bic ou Pilot (heran­ças do meu dese­nho infan­til). Nisso esta­ va sendo influen­cia­do por Rodrigo, Monteiro e Nando, que dese­nha­vam com cane­ta nan­quim. Nas figu­ras 110 e 111, que mos­tram ­folhas do mesmo cader­no das duas figu­ras ante­rio­res, as expe­riên­cias com dese­nhos car­tu­nís­ti­cos são ainda mais evi­den­tes. Na folha da figu­ra 110, há esbo­ços para um per­so­na­gem, o Mendigo. O dese­nho do Mendigo tem um esti­lo opos­to ao dese­nho hachu­ra­do “rea­lis­ta” deta­lha­do de ros­tos que havia pre­do­mi­na­do até então. A figu­ra é defi­ni­da em pou­cas ­linhas, sol­tas, que não ­fecham total­men­te o con­tor­no, fazen­do com que o dese­nho fun­cio­ne mais como um sinal indi­ca­ti­vo sumá­rio das fei­ções do per­

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so­na­gem do que como uma ela­bo­ra­ção deta­lha­da deste – um recur­so tipi­ca­men­ te car­tu­nís­ti­co, aliás, pre­sen­te em ­vários auto­res que conhe­cia na época, como Henfil e Fortuna, por exem­plo. Na folha repro­du­zi­da na figu­ra 111, há ­outras varian­tes esti­lís­ti­cas, que suge­rem que eu não havia fica­do total­men­te satis­fei­to com o dese­nho do tipo car­tu­nís­ti­co de ­linhas sol­tas empre­ga­do no per­so­na­gem Mendigo (e não havia mesmo). A varian­te mais impor­tan­te, que deve ser des­ta­ca­da aqui, é o dese­nho de linha con­tí­nua e sinuo­sa empre­ga­do em algu­mas das figu­ras. De qual­quer forma, aca­bei por dar con­ti­nui­da­de ao dese­nho do Mendigo, trans­for­man­do-o em outro per­so­na­gem: Serafim, o Dedo Duro. A figu­ra 112 mos­tra o resul­ta­do, que pre­pa­rei como se fosse uma “arte final” (aca­ ba­men­to para impres­são). As figu­ras 113 e 114 repro­du­zem, res­pec­ti­va­men­te, os esbo­ços e a arte final de um car­tum que faz refe­rên­cia à revis­ta Boca, com o mesmo tipo de traço do dese­nho ante­rior. De novo, devo res­sal­tar que não gos­ta­va muito deste tipo de dese­nho, muito “duro”. O fato é que, até este momen­to, pos­si­vel­men­te maio de 1977, não dis­pu­nha de outro que ser­vis­se para car­tuns. Isso come­çou a mudar rapi­da­men­te nos meses seguin­tes. As figu­ras 115 e 116 reve­lam as eta­pas deste pro­ces­so. Na figu­ra 115, per­so­na­gens de traço con­ tí­nuo e sinuo­so con­vi­vem com os de traço car­tu­nís­ti­co mais “duro” (Serafim, o Dedo Duro, e um outro, o Cego), mas estão em maior núme­ro, o que mos­tra qual era a minha pre­fe­rên­cia. Na figu­ra 116, o per­so­na­gem de ­linhas sinuo­sas está razoa­vel­men­te defi­ni­do em suas ­linhas ­gerais. aaa

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Figuras 108 e 109

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Figuras 110 e 111

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Figura 112

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Figuras 113 e 114

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Figuras 115 e 116

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Julho de 1977

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Em julho de 1977, com a che­ga­da das ­férias, fiz ­vários dese­nhos gran­des a nan­quim, uti­li­zan­do penas Graphos e papel de boa qua­li­da­de, mate­rial adqui­ri­do na Casa do Artista por suges­tão de Rodrigo Andrade. Me recor­do de fazer estes dese­nhos na edí­cu­la de casa, que já havia ser­vi­do de escri­tó­rio para o meu pai. A lem­bran­ça des­tas ses­sões de dese­nho é forte ainda hoje (lem­bro até da tri­lha sono­ra, Getz/Gilberto). Estava ani­ma­do com as penas Graphos de espes­ su­ras e tra­ços dife­ren­tes e com a pers­pec­ti­va de dar um salto qua­li­ta­ti­vo no meu tra­ba­lho, atra­vés da uti­li­za­ção de mate­rial de dese­nho pro­fis­sio­nal. Não sei se o dese­nho da figu­ra 117 foi o pri­mei­ro des­tes dese­nhos. De qual­quer forma, é um dese­nho impor­tan­te, onde o per­so­na­gem de traço con­tí­nuo e sinuo­so que havia desen­vol­vi­do em esbo­ços é empre­ga­do de forma satis­fa­tó­ria em um car­tum. Notar as diver­sas espes­su­ras de traço (inclu­si­ve da mol­du­ra), obti­das com penas dife­ren­tes. Os três dese­nhos seguin­tes dife­rem do ante­rior por não serem pro­pria­ men­te car­tuns. Há nes­tes tra­ba­lhos um paren­tes­co for­mal com os ros­tos hachu­ ra­dos que havia feito duran­te o pri­mei­ro semes­tre, o que mos­tra que este tipo de dese­nho, ape­sar de não ser ade­qua­do às HQs e car­tuns, ainda tinha gran­de apelo para mim e repre­sen­ta­va uma espé­cie de alter­na­ti­va a esti­los espe­ci­fi­ca­ men­te car­tu­nís­ti­cos. No tra­ba­lho da fig. 118, o único dos três que pode ser inter­pre­ta­do como um car­tum, vemos o rosto de um homem que pare­ce assus­ta­do, amea­ça­do que está por um macha­do que pende sobre sua cabe­ça. Em segun­do plano, há árvo­ res cor­ta­das, pre­su­mi­vel­men­te por este mesmo macha­do, sig­ni­fi­can­do que o

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mal que o homem faz con­tra a natu­re­za pode se vol­tar con­tra ele. Já o dese­nho da figu­ra 119 não tem um sig­ni­fi­ca­do claro nem uma men­ sa­gem car­tu­nís­ti­ca. Vejo este tra­ba­lho mais como exer­cí­cio for­mal do que como ilus­tra­ção de algo, ape­sar do tom maca­bro. Finalmente, há o dese­nho da figu­ra 120, que fecha esta série, um dese­ nho gran­de, com o dobro da tama­nho dos ante­rio­res (todos de for­ma­to A4), e inte­res­san­te por repre­sen­tar a figu­ra huma­na de corpo intei­ro (o que era um desa­fio para mim). Estes três tra­ba­lhos, bem como o car­tum sobre o custo de vida, repre­sen­ tam um dos pri­mei­ros pon­tos de che­ga­da da minha pro­du­ção de dese­nhos de 1977. O fato de terem sido rea­li­za­dos nas ­férias de julho sig­ni­fi­ca que eles estão a meio cami­nho do segun­do ponto de che­ga­da, que viria a ser a ela­bo­ra­ção de his­tó­rias em qua­dri­nhos des­ti­na­das à publi­ca­ção, no final do ano. No entan­to, inde­fi­ni­ção em rela­ção ao tipo de dese­nho de HQ a ser ado­ ta­do con­ti­nua­va a exis­tir, como mos­tram as figu­ras 121 e 122, fren­te e verso de uma mesma folha de dese­nho de julho de 1977. Notar que no con­jun­to dos dois dese­nhos pode-se encon­trar pelo menos cinco esti­los dife­ren­tes de dese­nho de figu­ra huma­na. De qual­quer forma, inde­fi­ni­ções à parte, ainda nas ­férias de julho de 1977 dese­nhei uma his­tó­ria em qua­dri­nhos com Cândido, meu irmão, e Nando Reis. Esta HQ, feita em Ubatuba, rece­beu o títu­lo de “Delírios Ubatubozos” (iden­ti­fi­ca­ção das figu­ras a ­seguir). aaa

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Figura 117

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Figura 119

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Figuras 121 e 122

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2º semestre de 1977

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Não me recor­do exa­ta­men­te em que momen­to de 1977 sur­giu a idéia de uma nova revis­ta de his­tó­rias em qua­dri­nhos a ser rea­li­za­da por alu­nos do Equipe – a revis­ta Papagaio!. Talvez tenha sido no iní­cio do 2º semes­tre. O que sei é que idéia de fazer a Papagaio! veio na estei­ra de outra ini­cia­ti­va: “O Incrível S. S. Conrrado”, HQ com texto de Fernando Salém e dese­nhos de Paulo Monteiro, impres­sa na grá­fi­ca do Equipe em 1977 (capa repro­du­zi­da fig. 132; não sei a data exata da impres­são). A Papagaio!, tal como havia ocor­ri­do com “S. S. Conrrado”, rece­be­ria apoio da dire­ção do colé­gio (atra­vés da grá­fi­ca que fazia a impres­são de apos­ti­ las do Grupo Educacional Equipe) e aca­ba­ria sendo publi­ca­da no final de 1977 (1º núme­ro). Mais adian­te, nos dete­re­mos nas HQs da Papagaio!, comen­tan­do ­alguns exem­plos (“Delírios Ubatubozos” foi publi­ca­da na Papagaio! 1; as figu­ ras 139 e 140 mos­tram as duas pri­mei­ras pági­nas). No segun­do semes­tre de 1977, con­ti­nuei a dese­nhar, agora visan­do a publi­ca­ção de HQs tanto na Papagaio! como na Boca. As figu­ras 123 e 124 mos­ tram ­folhas de esbo­ços deste perío­do (agos­to de 1977), onde se obser­va um fato sig­ni­fi­ca­ti­vo: a fusão do esti­lo “rosto hachu­ra­do” com o traço car­tu­nís­ti­co dos “per­so­na­gens de linha sinuo­sa”. Esta fusão é visí­vel nos dois ros­tos de per­fil no canto supe­rior esquer­do da figu­ra 123, e no rosto cen­tral da figu­ra 124. Nas figu­ras 125 e 126, este tipo de dese­nho é mais explo­ra­do, resul­tan­do em ros­tos ao mesmo tempo car­tu­nís­ti­cos e hachu­ra­dos, onde o volu­me é bas­ tan­te explo­ra­do. A uni­da­de esti­lís­ti­ca des­tes dese­nhos suge­re que eu havia me

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inte­res­sa­do por este esti­lo e para­do de expe­ri­men­tar com ­outros. Durante algum tempo, acre­di­tei ter che­ga­do a uma sín­te­se satis­fa­tó­ria, e che­guei a dese­nhar uma HQ com este tipo de per­so­na­gem, visan­do a sua publi­ ca­ção no pri­mei­ro núme­ro da Papagaio!. Mas ela não foi publi­ca­da: ainda não esta­va satis­fei­to com este tipo de dese­nho, muito pesa­do e dra­má­ti­co, e o tema da HQ me inco­mo­da­va (mos­tra­va o per­so­na­gem se matur­ban­do). Não guar­dei este dese­nho. Acabei aban­do­nan­do este esti­lo de per­so­na­gem em favor de um outro. Esta pas­sa­gem não foi pro­pria­men­te uma rup­tu­ra, no entan­to. Foi na ver­da­de uma ree­la­bo­ra­ção, onde ate­nuei os exa­ge­ros nas fei­ções dos ros­tos e cor­pos, bus­ can­do um tipo de figu­ra huma­na que tives­se apa­rên­cia mais leve. Esta ree­la­bo­ra­ção pode ser obser­va­da no dese­nho repro­du­zi­do na figu­ra 127. Este dese­nho não tem data, mas esti­mo que tenha sido feito entre setem­bro e outu­bro de 1977. O per­so­na­gem, aqui, já se encon­tra mais ou menos defi­ni­do: con­tor­nos sinuo­sos, nariz pon­tu­do, boca gran­de e den­ta­da e o corpo quase dis­ for­me. O tipo tem um certo ar paté­ti­co, ade­qua­do ao tra­ta­men­to humo­rís­ti­co que pre­ten­dia dar às ­minhas HQs. Devo obser­var que esta solu­ção não resul­tou, exclu­si­va­men­te, de uma ree­la­bo­ra­ção “inter­na” do meu dese­nho. Houve uma influên­cia exter­na, do dese­nho de Moebius, que conhe­cia da casa de Rodrigo Andrade (revis­ta Metal Hurlant). Esta influên­cia se nota no tipo de hachu­ra­do que pas­sei a ado­tar e na solu­ção do corpo do per­so­na­gem. As figu­ras 128 e 129 mos­tram dese­nhos rea­li­za­dos em outu­bro de 1977

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na Fazenda da Barra (de Carlito Carvalhosa). Notar o per­so­na­gem dese­nha­do por Paulo Monteiro na figu­ra 129, ao lado de dese­nhos meus, e o homem de boca aber­ta dese­nha­do por Rodrigo Andrade no alto da outra folha (fig. 128). As figu­ras 130 e 131 mos­tram os dois lados de uma mesma folha de dese­ nho, pro­va­vel­men­te de novem­bro de 1977. Na figu­ra 130, há estu­dos de ros­tos e expres­sões (de feli­ci­da­de, tris­te­za etc). Os dese­nhos são leves e sim­ples, com um míni­mo de hachu­ras. Na figu­ra 131, se vêem duas ver­sões de uma “tira” de HQ, cuja ver­são final aca­bou sendo publi­ca­da na Papagaio! 1. O dese­nho do per­so­na­gem, em ambas as figu­ras, já está ple­na­men­te ela­bo­ra­do. aaa

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Figuras 125 e 126

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Figuras 128 e 129

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Figuras 130 e 131

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Papagaio! 1

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A Papagaio! 1 foi publi­ca­da no final do ano leti­vo de 1977, antes da Boca 3, que ficou para o iní­cio do ano seguin­te. A figu­ra 133 mos­tra a capa da Papagaio! 1. Seu autor, Paulo Monteiro, já era conhe­ci­do no colé­gio como bom dese­nhis­ta: além de “S. S. Conrrado” (fig. 132), havia sido autor de um dos car­ta­zes da Feira Medieval, even­to orga­ni­za­do pelo pro­fes­sor de artes Gilson Pedro (os ­outros dois car­ta­zes foram dese­nha­dos por Rodrigo Andrade e Vivian Altman). Com Fernando Salém, foi um dos idea­li­za­do­res da revis­ta Papagaio!, e assi­nou com este o edi­to­rial da revis­ta (fig. 134). A figu­ra 135 mos­tra ­alguns dos car­tuns de Monteiro publi­ca­dos na Papagaio! 1. O tom é de denún­cia, como nas tiras do Feto publi­ca­das na revis­ta Boca. A figu­ra 136 repro­duz uma HQ de Leda Catunda, cujo tom tam­bém é de denún­cia. A figu­ra 137 mos­tra uma foto-mon­ta­gem de Cao Hamburguer (o dese­ nho é de Rodrigo Andrade) sobre o tema dos “enla­ta­dos” (HQs estran­gei­ras publi­ca­das pela edi­to­ra Abril). A figu­ra 138 mos­tra a pri­mei­ra pági­na da HQ de Rodrigo Andrade, “A Prisão dos Prendedores”. Rodrigo era, ao lado de Paulo Monteiro, o ­melhor dese­nhis­ta do colé­gio na época. “A Prisão dos Prendedores” é muito bem dese­ nha­da, como se fosse um filme, com clo­ses e toma­das de ­vários ângu­los. O dese­ nho é inven­ti­vo, de mui­tos recur­sos grá­fi­cos. As figu­ras 139 e 140 mos­tram as duas pri­mei­ras pági­nas de “Delírios Ubatubozos”, HQ já men­cio­na­da ante­rior­men­te e dese­nha­da por mim, Nando

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Reis e Cândido Malta Campos Neto (meu irmão) em Ubatuba, nas ­férias de julho de 1977. O meu per­so­na­gem é de fácil iden­ti­fi­ca­ção: trata-se da figu­ra de traço sinuo­so que já vimos nos esbo­ços mos­tra­dos. A figu­ra 141 mos­tra um car­tum de Nando Reis, muito bem dese­nha­ do. As qua­tro figu­ras seguin­tes (142, 143, 144 e 145) mos­tram, final­men­te, as qua­tro pági­nas de tiras e HQs que publi­quei na Papagaio! 1, ponto de che­ga­ da de um ano intei­ro de tra­ba­lho com esti­los diver­sos de dese­nho. Vamos nos deter um pouco na tiras. Na figu­ra 142, a pri­mei­ra tira é de Paulo Malta (meu irmão). Das três tiras seguin­tes, as duas que estão no cen­tro da pági­na for­mam com as três da figu­ra 145 o pri­mei­ro con­jun­to de tiras que dese­nhei com as pia­das de tro­ca­di­lhos cria­das por Marcelo Fromer e Branco Mello. A tira que está na parte infe­rior da pági­na da figu­ra 142 (“São Seiko prás oito!”) é um pouco dife­ren­te das cinco ­outras cita­das acima: deve ter sido feita pos­te­rior­men­te (se não me enga­no, o texto é meu). Vejamos agora as HQs. A figu­ra 144 mos­tra a pri­mei­ra HQ de pági­na intei­ra que fiz com os tro­ca­di­lhos (sem­pre de Fromer e Branco). O dese­nho é pare­ci­do com o das pri­mei­ras tiras que dese­nhei (e menos com o da últi­ma – a do per­so­na­gem de boina). O texto é sobre car­ros; é pre­ci­so saber o nome dos mode­los de car­ros da época para enten­der a piada (Fusca, Corcel, Caravan, Corvette, Combi, Porsche, Opala e Puma). A figu­ra 143 mos­tra a segun­da HQ que fiz com os tro­ca­di­lhos (a ordem, aqui, está inver­ti­da por­que res­pei­tei a sequên­cia impres­sa na revis­ta). Nesta HQ,

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sobre reló­gios, o dese­nho é mais ousa­do, com os per­so­na­gens em posi­ções diver­sas (a sequên­cia das posi­ções fun­cio­na como uma nar­ra­ti­va para­le­la ao texto). No penúl­ti­mo qua­dri­nho desta HQ, o per­so­na­gem, ao excla­mar “dá um Timex!”, faz um gesto comum em assem­bléias estu­dan­tis da época, que sig­ni­fi­ca “ques­tão de ordem” (o Equipe era um dos pou­cos colé­gios da época que per­mi­tia a rea­li­za­ção de assem­bléias estu­dan­tis em suas depen­dên­cias; em 1977, no pri­mei­ro semes­tre, houve uma sequên­cia de assem­bléias que lota­ram o audi­tó­rio do Equipe). Estas duas HQs com texto de tro­ca­di­lhos de Marcelo Fromer e Branco Mello publi­ca­das na Papagaio! 1, bem como as tiras, repre­sen­ta­ram o ponto de che­ga­da de um pro­ces­so de ela­bo­ra­ção esti­lís­ti­ca que se pro­lon­gou duran­te o ano intei­ro de 1977, como foi obser­va­do acima. Um che­ga­da feliz, sem dúvi­da. Se ao longo do ano vez por outra eu havia fica­do em dúvi­da sobre a qua­li­da­de do meu dese­nho de HQs, as his­tó­rias em qua­dri­nhos publi­ca­das na Papagaio! 1 des­fi­ze­ram estas dúvi­das e sig­ni­fi­ca­ ram uma espé­cie de pri­mei­ro “suces­so” artís­ti­co. aaa

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1978 e 1979

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1978 e 1979 Depois da Papagaio! 1, veio a Boca 3, que foi publi­ca­da no iní­cio de 1978. A figu­ra 146 mos­tra a capa da revis­ta: uma refor­mu­la­ção, pelos dia­gra­ma­ do­res (Flávio del Carlo e Ul), de uma HQ minha. O meu per­so­na­gem está nos dois últi­mos qua­dri­nhos, anun­cian­do o nome e o núme­ro da revis­ta. No ter­cei­ro qua­dri­nho da capa, há um dese­nho de Rodrigo Andrade, reti­ra­do de sua HQ “A Repressão do Quadrado”, pri­mei­ra pági­na na fig. 147. O tema desta HQ é pra­ti­ca­men­te o mesmo da HQ da Papagaio! 1: um preso que foge dos guar­das da pri­são e se refu­gia den­tro do pró­prio dese­nho, porém sem suces­so. Nesta HQ da Boca 3, o dese­nho é mais ela­bo­ra­do e a estó­ria é mais longa. Na capa tam­bém há dese­nhos de Paulo Monteiro e Nando Reis, reti­ra­dos de suas HQs deste núme­ro da Boca. Por uma ques­tão de bre­vi­da­de, estas HQs (e a de Gisela Moreau, tam­bém aluna do Equipe) não serão repro­du­zi­das aqui. A minha HQ da Boca 3, por outro lado, deve ser vista com um pouco de aten­ção: é um momen­to impor­tan­te do meu dese­nho de qua­dri­nhos e a HQ minha de que mais gosto (figu­ras 148 e 149). Desenhei “As Aventuras do Senhor Cof Cof no País da …” em Ubatuba (tenho lem­bran­ça disso), pro­va­vel­men­te no final de 1977, um pouco antes do prazo final de entre­ga da Boca 3. A HQ tem qua­tro pági­nas, e se desen­vol­ve a par­tir de uma idéia muito sim­ples: o per­so­na­gem está às vol­tas com bor­rões de tinta (fei­tos com nan­quim espir­ra­do de uma esco­va de dente) e não con­se­gue “apre­sen­tar” o títu­lo da estó­ria. Suas ten­ta­ti­vas de pro­nun­ciar este títu­lo são

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frus­tra­das por explo­sões de tinta que fazem com que ele tenha aces­sos de tosse. Quando ele final­men­te con­se­gue dizer o títu­lo da HQ (que é uma alu­são à sua “aven­tu­ra” de ten­ta­ti­vas de anun­ciar o títu­lo) a estó­ria acaba (sem ter come­ça­ do). Gosto desta HQ por dois moti­vos. O pri­mei­ro é que não há texto, pra­ ti­ca­men­te, e mesmo assim há uma sequên­cia de acon­te­ci­men­tos que fun­cio­na como uma estó­ria (um drama, ou uma comé­dia). Devemos nos lem­brar que nas HQs ante­rio­res com tro­ca­di­lhos o texto era de Fromer e Branco; esta foi a pri­ mei­ra HQ em que eu ­fiquei res­pon­sá­vel pelo “argu­men­to” (texto, rotei­ro). Este argu­men­to, no entan­to, quase não exis­te. O que fiz foi criar uma HQ intei­ra uti­li­zan­do uma idéia empres­ta­da das HQs ante­rio­res com tro­ca­di­lhos, a idéia da “apre­sen­ta­ção” da estó­ria (Fromer e Branco Produções apre­sen­ta…). Desta manei­ra, eli­mi­nei o pro­ble­ma de criar uma estó­ria com per­so­na­gens, situa­ções e tra­mas com­ple­xas (o que nunca sabe­ria fazer, e nem que­ria) e pude explo­rar o que mais me inte­res­sa­va, que era a parte grá­fi­ca. Graficamente (ou plas­ti­ca­men­te, for­mal­men­te) falan­do, esta HQ me agra­da muito – e este é o segun­do moti­vo pelo qual gosto da “Cof Cof”. O dese­nho é solto e, mais impor­tan­te, se expan­de para além dos qua­dri­nhos indi­ vi­duais para arti­cu­lar uma nova uni­da­de for­mal que é a pági­na como um todo. Outra coisa que me agra­da é a incor­po­ra­ção do aci­den­te, atra­vés das man­chas de nan­quim. No pri­mei­ro qua­dri­nho, a man­cha chega a defi­nir as fei­ções do per­so­na­gem, já que foi feita antes dele. Será que posso afir­mar que os pro­ce­di­men­tos desta HQ do final de

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1977, no que se refe­re à incor­po­ra­ção do aci­den­te, ante­ci­pam pro­ce­di­men­tos da minha pin­tu­ra de ­alguns anos ­depois? Acho que sim. Uma lógi­ca com­po­si­ti­va come­ça­va a ser impor: par­tir do aci­den­te, ou do “erro”, e cons­truir com eles, renun­cian­do ao “acer­to”. Esta sabe­do­ria de renun­ciar ao “acer­to” e explo­rar gra­fi­ca­men­te toda a poten­cia­li­da­de dos “aci­den­tes” foi ini­cial­men­te uma con­quis­ta muito fugi­dia. Na sequên­cia da Boca 3, vie­ram os núme­ros 2 e 3 da Papagaio!, o pri­mei­ro ainda em 1978 e o segun­do em 1979. Mas o meu dese­nho, ao invés de ­seguir na tri­lha aber­ta pela HQ “Cof Cof”, se ­retraiu e de certa forma deu ­vários pas­sos para trás, prin­ci­pal­men­te na Papagaio! 3. Mas veja­mos pri­mei­ro a Papagaio! 2. Neste núme­ro da revis­ta, a minha HQ “Doutor Josesmain” ainda tem um certo bri­lhan­tis­mo e de algu­ma manei­ra dá sequên­cia à pro­pos­ta con­ti­da na “Cof Cof”. A estó­ria pra­ti­ca­men­te ine­xis­te (pri­mei­ra pági­na, fig. 154): tudo gira em torno da impli­cân­cia do per­so­na­gem com os “zzz” (baru­lho de seu pró­prio ronco ao dor­mir, que para ele são inse­tos baru­lhen­tos; uma idéia que sur­giu após ter come­ça­do a dese­nhar sem ter idéia nenhu­ma). O dese­nho, ape­sar de con­ti­do e mais con­tro­la­do que o dese­nho da HQ “Cof Cof”, tam­bém incor­po­ra aci­den­tes e é “expres­si­va­men­te” irre­gu­lar, nota­da­men­te na carac­te­ri­za­ção do esta­do de humor do per­so­na­gem. As ­outras HQs da Papagaio! 2 (capa, figu­ra 150) reve­lam o alto nível a que ­tinham che­ga­do os cola­bo­ra­do­res da revis­ta em 1978. A figu­ra 151 traz a pri­mei­ra pági­na da ina­cre­di­tá­vel “Todatas Neófitas”, de Paulo Monteiro. Na figu­ra 152, vemos a pri­mei­ra pági­na da HQ de Nando Reis, “O Estúpido

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Homem da Rua Dezessete”, onde os per­so­na­gens são defi­ni­dos por pou­quís­si­ mos e cer­tei­ros tra­ços. A insu­pe­rá­vel qua­li­da­de grá­fi­ca do dese­nho de Rodrigo Andrade pode ser con­fe­ri­da na HQ “O Preso e o Gato Dele” (pri­mei­ra pági­na na figu­ra 153). Finalmente, a figu­ra 155 mos­tra a pri­mei­ra pági­na da HQ de Carlito Carvalhosa, “O Magnata Klaus Klink”, que tem um dese­nho muito bom e ­vários tipos huma­nos bem carac­te­ri­za­dos.2 A figu­ra 156 traz a capa e a con­tra­ca­pa do Tijolo de Barro nº3, publi­ca­ ção do grê­mio do Equipe de 1978 que ­incluo aqui em fun­ção do ins­pi­ra­do dese­ nho de Gisela Moreau. Este mos­tra a qua­dra do colé­gio e a entra­da do audi­tó­rio (um tea­tro, na ver­da­de) em uma situa­ção típi­ca de ­recreio, com ­alguns alu­nos jogan­do fute­bol e ­outros assis­tin­do o jogo e toman­do sol. Chegado o ano de 1979, ter­cei­ro ano cole­gial, meu dese­nho se encon­tra­ va estag­na­do. O esti­lo de per­so­na­gem inau­gu­ra­do nos tro­ca­di­lhos da Papagaio! 1 e desen­vol­vi­do na Boca 3 e na Papagaio! 2 havia sido aban­do­na­do, após a publi­ca­ção da HQ “Doutor Josesmain” em 1978. Motivo: exces­so de auto-crí­ ti­ca. Passei a con­si­de­rar (erra­da­men­te) que o pro­ce­di­men­to de me ­apoiar nas irre­gu­la­ri­da­des e nos aci­den­tes do dese­nho devia ser evi­ta­do e subs­ti­tuí­do por um pos­sí­vel “cor­re­to” domí­nio do dese­nho (que não pos­suía). É sin­to­má­ti­co que não tenha guar­da­do esbo­ços de 1978 e 1979 (ao con­trá­ rio de 1977). Para mos­trar a trans­for­ma­ção do meu dese­nho nes­tes anos tenho de recor­rer às HQs publi­ca­das, e por isso ire­mos dire­ta­men­te à HQ “O Monstro do Banheiro”, da Papagaio! 3. As figu­ras 157 e 158 tra­zem res­pec­ti­va­men­te a capa da Papagaio! 3, de

2 Infelizmente, por uma questão de espaço e brevidade, não posso mostrar as HQs na íntegra (nem outras, de outros autores).

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1979, e as duas pri­mei­ras pági­nas da HQ “O Monstro do Banheiro”, publi­ca­da nesta revis­ta e dese­nha­da por mim e Paulo Monteiro, a par­tir de uma idéia ori­gi­nal de Monteiro. O dese­nho do per­so­na­gem que abre a porta do banhei­ro, na pri­mei­ra pági­na de “O Monstro do Banheiro”, é meu (o do mons­tro, na segun­da pági­na, é de Monteiro). É clara a dife­ren­ça entre este tipo de dese­nho e o esti­lo “Doutor Josesmain” ante­rior. O traço é duro e con­tro­la­do. Parece haver uma preo­cu­ pa­ção, que não exis­tia ante­rior­men­te nas ­minhas HQs, com a regu­la­ri­da­de do traço de um qua­dri­nho para outro. Notar tam­bém as mar­cas de lápis mal apa­ga­das, que reve­lam as inú­me­ras cor­re­ções que fiz antes de dar a pági­na por ter­mi­na­da (Monteiro, ao con­trá­rio, dese­nha­va dire­to no nan­quim e recla­ma­va por ter que ficar me espe­ran­do). Para não me alon­gar ­demais, deixo de repro­du­zir as ­outras HQs da Papagaio! 3, de Rodrigo Andrade, Nando Reis, Paulo Monteiro, Carlito Carvalhosa, Tonico Carvalhosa e ­outros. aaa

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Em 1980, ­entrei na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Entraram comi­go (da minha turma no Equipe) Fábio Miguez e Carlito Carvalhosa. É curio­so, mas a minha rea­ção ao ­entrar na FAU foi bas­tan­te nega­ti­va. Se des­cre­vi o ingres­so no Equipe como um acon­te­ci­men­to mar­can­te, vivi­do aos quin­ze anos de idade, em 1977, o ingres­so na FAU, três anos ­depois, pode ser carac­te­ri­za­do como uma espé­cie de anti-acon­te­ci­men­to. O curso do pri­mei­ro ano da FAU não foi bom. O único assun­to que pode­ria me inte­res­sar na facul­ da­de, além de artes plás­ti­cas, seria pro­je­to de arqui­te­tu­ra, mas infe­liz­men­te naque­le ano foi ten­ta­da uma inte­gra­ção entre ­várias dis­ci­pli­nas que pre­ju­di­cou muito o ensi­no de pro­je­to. Na área de artes, o curso de História da Arte não trou­xe nada além do que eu já sabia. Talvez tenha sido má von­ta­de, mas o fato é que não via como apro­vei­tar a FAU e trans­for­mar o curso em algo inte­res­san­te e mais pró­xi­mo dos meus inte­ res­ses. A par­tir do segun­do ano (1981) come­cei a fal­tar nas aulas e dei­xar de fazer os tra­ba­lhos, sendo repro­va­do em boa parte das dis­ci­pli­nas. Frequentemente, ia à facul­da­de e aca­ba­va na biblio­te­ca, único local que ofe­re­cia algum estí­mu­lo (pela aven­tu­ra de encon­trar ­livros des­co­nhe­ci­dos e inte­res­san­tes – porém anti­ gos: a biblio­te­ca da FAU não está atua­li­za­da na área de artes). A vida fora da FAU, por outro lado, come­çou a ter um apelo cada vez mais forte e pas­sou a repre­sen­tar para mim a con­ti­nui­da­de dos pro­je­tos ini­cia­dos no Equipe (esta dua­li­da­de FAU ver­sus ­outras ati­vi­da­des me mar­cou muito na época). Estes pro­je­tos já não esta­vam mais vol­ta­dos exclu­si­va­men­te para as his­tó­rias em

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qua­dri­nhos: a idéia era come­çar a pin­tar a óleo, na estei­ra de Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade, que já pin­ta­vam havia algum tempo, e Fábio Miguez e Carlito Carvalhosa, que tam­bém ­tinham inten­ção de come­çar a pin­tar. Fazer gra­vu­ra em metal no ate­liê de Sérgio Fingermann foi um passo impor­tan­te nesta dire­ção. Comecei a fazer gra­vu­ra lá em 1980, se não me enga­no, junto com Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Paulo Monteiro e Rodrigo Andrade. Ia para o ate­liê de Sérgio, na Vila Olímpia, todas as quin­tas fei­ras, e fica­va tra­ba­ lhan­do das duas da tarde até a meia-noite (todos cum­priam este mesmo horá­rio). Rodrigo já era fre­quen­ta­dor do ate­liê de Sérgio desde o colé­gio, tendo par­ti­ci­pa­do de ­salões. Sua téc­ni­ca era ótima, como pode ser visto na figu­ra 159, que mos­tra uma gra­vu­ra que com­prei em uma expo­si­ção sua (1979 ou 1980). Esta gra­vu­ra de Rodrigo demons­tra téc­ni­ca apu­ra­da e inti­mi­da­de com a lin­gua­ gem “eru­di­ta” da natu­re­za morta, já no final dos anos 70 e iní­cio dos anos 80 (quan­do ele ainda não tinha vinte anos). Quando come­cei a fazer as ­minhas pró­prias gra­vu­ras no ate­liê de Sérgio, não pos­suía esta desen­vol­tu­ra téc­ni­ca, mas a lin­gua­gem da natu­re­za morta era algo fami­liar. De qual­quer modo, não come­cei por aí: meu impul­so ini­cial foi fazer gra­vu­ras com figu­ras huma­nas. A figu­ra 160 mos­tra a que é tal­vez a minha prin­ci­pal gra­vu­ra deste tipo (rea­li­za­da entre 1980 e 1982). Notar o tra­ta­men­to dife­ren­te dado a cada um dos per­so­na­gens: o da esquer­da (sem cha­péu) foi feito com água-forte e o da direi­ta com ponta-seca e bru­ni­dor. O céu e a fuma­ça do cachim­bo foram fei­tos com água-tinta. Fazer gra­vu­ra no ate­liê de Sérgio era uma espé­cie de ­ritual, com ­várias

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eta­pas bem defi­ni­das que cul­mi­na­vam na impres­são final. O pro­ces­so come­ça­va com a aqui­si­ção da chapa de cobre, na Rua Santa Efigênia. Se a chapa era gran­ de ­demais, era neces­sá­rio ir ao Instituto de Física, na USP, para cor­tar a chapa. De posse da chapa, já no ate­liê de Sérgio, era pre­ci­so fazer o chan­fro e o poli­men­to da chapa, o que pode­ria levar um dia intei­ro. O chan­fro era feito com uma lima, e o poli­men­to, ini­cial­men­te com uma lixa fina e ­depois com líqui­dos abra­si­vos pró­prios para poli­men­to de super­fí­cies metá­li­cas. Estando a chapa de cobre pron­ta, era pre­ci­so esco­lher a téc­ni­ca. São três as téc­ni­cas prin­ci­pais de gra­vu­ra em metal: ponta-seca, água-forte e água-tinta. Na ponta-seca, a super­fí­cie do cobre é ris­ca­da com uma ponta de metal mais duro que o cobre, o que gera sul­cos, que irão reter a tinta, que ­depois será trans­ fe­ri­da para o papel. Na água-forte, a chapa de cobre rece­be uma cama­da de ver­niz líqui­do que endu­re­ce. Risca-se este ver­niz com uma ponta metá­li­ca, sem fazer sul­cos no metal, de forma que a chapa fique expos­ta onde foi feito o dese­ nho. A chapa é então imer­sa em um banho de ácido que reage com o cobre nas áreas expos­tas, geran­do sul­cos no metal que irão reter a tinta. Na água-tinta, a chapa é pul­ve­ri­za­da com breu em pó e ­depois aque­ci­da, de forma que o breu der­re­ta leve­men­te e se soli­di­fi­que, ade­rin­do à super­fí­cie da chapa. Esta é imer­sa em ácido e este reage com o cobre de forma a criar uma tex­tu­ra uni­for­me de peque­nos sul­cos na chapa, como se fosse uma retí­cu­la. Uma vez esco­lhi­da a téc­ni­ca ou uma com­po­si­ção delas, ini­cia­va-se a gra­ va­ção da chapa. É impor­tan­te obser­var que a orien­ta­ção de Sérgio era no sen­ti­ do de trans­mi­tir o domí­nio da téc­ni­ca, e não de dire­cio­nar o tra­ba­lho artís­ti­co

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nesta ou naque­la dire­ção. Ele dava total liber­da­de neste campo. Após uma pri­mei­ra ses­são de gra­va­ção da chapa, tira­va-se uma cópia – a prova de esta­do. Tendo em mãos esta prova, podia-se con­ti­nuar a gra­var. Tirar uma cópia é uma ope­ra­ção tra­ba­lho­sa. É pre­ci­so entin­tar a chapa e reti­rar o exces­so de tinta. Como a tinta à óleo é pega­jo­sa, e adere à chapa, devese uti­li­zar uma téc­ni­ca desen­vol­vi­da pelos gra­va­do­res: usar pri­mei­ro um teci­do vaza­do, cha­ma­do de entre­te­la, fazen­do movi­men­tos cir­cu­la­res sem fazer pres­ são, para tirar o pri­mei­ro exces­so de tinta. Depois que a chapa já está livre da maior parte do exces­so de tinta e o dese­nho já apa­re­ce, deve-se uti­li­zar a palma da mão, sem muita pres­são, para fazer com que a tinta que está ade­rin­do à parte não gra­va­da da chapa se solte e passe para a mão. Após este pro­ces­so, estan­do pron­ta a chapa para a impres­são, a mesma é posi­cio­na­da na pren­sa, com o papel por cima, e se pro­ce­de à impres­são, movi­men­tan­do o cilin­dro de metal da pren­ sa. Com a pres­são, a tinta da chapa passa para o papel. Ainda tenho as dezes­se­te cha­pas que gra­vei no ate­liê de Sérgio Fingermann entre 1980 e 1982, apro­xi­ma­da­men­te. É impos­sí­vel mos­trar aqui ­cópias de todas; vou repro­du­zir mais uma, uma natu­re­za morta onde se vê um par de ócu­los, um peque­no tro­féu e o espal­dar de uma cadei­ra ao fundo (figu­ra 161). Finalizando esta parte dedi­ca­da às gra­vu­ras, a figu­ra 162 mos­tra uma gra­ vu­ra de Paulo Monteiro, que lem­bra o seu dese­nho de his­tó­ria em qua­dri­nhos. A men­ção às HQs é opor­tu­na. Depois de ter­mi­na­do o Equipe e as revis­ tas Boca e Papagaio!, ainda houve algu­ma ati­vi­da­de liga­da às HQs, no iní­cio dos anos 80. Em 1980, par­ti­ci­pei do Almanak 80, uma cole­tâ­nea de poe­sia, dese­

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nhos e HQs, edi­ta­da por Arnaldo Antunes, Beto Borges e Sérgio Papi. Minha par­ti­ci­pa­ção foi em uma HQ con­jun­ta com Carlito Carvalhosa e Fábio Miguez, “Coxinhas”. O Almanak 80 tam­bém con­tou com a par­ti­ci­pa­ção de Go, Nuno Ramos, Ciro Pessoa, Paulo Miklos, Tadeu Jungle, Aguilar e Paulo Monteiro, entre ­outros. Em 1981, par­ti­ci­pei com his­tó­ria em qua­dri­nhos da Kataloki, uma publi­ca­ção seme­lhan­te, do mesmo grupo de pes­soas. Também em 1981, eu, Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro fize­mos a Makongo, uma revis­ta de HQ com “his­tó­rias de mis­té­rio”, edi­ta­da pelo car­tu­ nis­ta Macartti (Editora Pro-C), que havia publi­ca­do HQs na Papagaio! 1. Na Makongo, o humor de Papagaio! deu lugar a his­tó­rias dra­má­ti­cas, em clima de filme “noir”, com espio­na­gem, per­so­na­gens excên­tri­cos e loca­li­da­des exó­ti­cas (capa fig. 163, dese­nho de Rodrigo Andrade). Na minha HQ, ado­tei um esti­lo menos cari­ca­tu­ral e usei o pin­cel em vez da cane­ta nan­quim, dando sequên­cia às modi­fi­ca­ções esti­lís­ti­cas que havia rea­li­ za­do no meu dese­nho de HQs, a par­tir da Papagaio! 3. O pri­mei­ro dese­nhis­ta do Fantasma, Ray Moore (déca­da de 30), foi minha prin­ci­pal influên­cia na Makongo. A figu­ra 164 mos­tra a pri­mei­ra pági­na da minha HQ “O Tambor de Ogune”. Paulo Monteiro tam­bém alte­rou um pouco o seu dese­nho na Makongo, ou ­melhor dizen­do, incre­men­tou o seu esti­lo ­linear já con­sa­gra­do na Papagaio!, recor­ ren­do a uma ilu­mi­na­ção dra­má­ti­ca com con­tras­tes de luz e som­bra (fig. 165). Rodrigo Andrade vinha de um dese­nho de HQ “expres­sio­nis­ta” com alta qua­li­da­de grá­fi­ca, sem uso de ­balões de diá­lo­go (Papagaio! núme­ros 2 e 3). Na HQ para a Makongo, recor­reu a um dese­nho mais cari­ca­tu­ral. O enre­do,

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com­ple­xo, deman­dou mui­tos diá­lo­gos (fig. 166). Na Makongo, nota-se uma preo­cu­pa­ção com a estó­ria e com o texto. Como vimos acima, até então cos­tu­ma­va criar ­minhas HQs a par­tir do dese­nho. Em “O Monstro do Banheiro”, a minha “crise” sur­giu um pouco em fun­ção de ter de dese­nhar em cima de um rotei­ro pré­vio. No caso da Makongo, enfren­tei esta ques­tão e acho que con­se­gui um resul­ta­do razoá­vel, mas houve um pro­ble­ ma: não con­se­gui ter­mi­nar a estó­ria, que assim se trans­for­mou em um “pri­mei­ ro epi­só­dio” de uma série que aca­bou não exis­tin­do. A Makongo foi uma espé­cie de últi­mo sus­pi­ro das HQs. Nesta época meu inte­res­se (como o dos meus ex-cole­gas de colé­gio) já esta­va vol­ta­do para as artes plás­ti­cas. As figu­ras 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173 e 174 mos­tram uma sele­ção de dese­nhos meus deste perío­do (entre 1980 e 1982). Notar o ecle­tis­mo desta pro­du­ção: há uma pai­sa­gem feita em uma via­gem ao Farol de Santa Marta, em Santa Catarina (fig. 167), com­po­si­ções abs­tra­tas (figu­ras 168, 169 e 170), dese­nhos de per­so­na­gens (figu­ras 171 e 172) e dese­nhos de obser­va­ção (figu­ras 173 e 174). Nesta época tam­bém come­cei a pin­tar, mas não guar­dei o que fiz: peque­nas pin­tu­ras, pri­mei­ro em acrí­li­co e ­depois em óleo. Esta pro­du­ção tam­ bém era eclé­ti­ca: havia pin­tu­ras de obser­va­ção, “retra­tos” inven­ta­dos (um tema, suge­ri­do pelos retra­tos de Picasso, que reto­mei ­alguns anos ­depois, como vere­ mos) e pai­sa­gens fei­tas em uma pro­prie­da­de de meus pais na Cantareira (Paulo Monteiro, Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa e Rodrigo Andrade tam­bém pin­ ta­ram pai­sa­gens na Cantareira). aaa

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Figura 159

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Figuras 167 e 168

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Figuras 169 e 170

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Figuras 171 e 172

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Figuras 173 e 174

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1982, 1983

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1982 e 1983 Durante parte dos anos de 1981 e 1982, Rodrigo morou em Paris, fazen­ do gra­vu­ra em metal na Escola da Belas Artes de Paris. Fábio Miguez tam­bém este­ve lá e ambos via­ja­ram pela Europa, vendo bas­tan­te pin­tu­ra. Em 1982, deu-se a for­ma­ção do ate­liê Casa 7, ainda sem Nuno Ramos e com a minha par­ti­ci­pa­ção. Havia uma casa vaga na vila situa­da na Rua Cristiano Viana de pro­prie­da­de da famí­lia de Rodrigo. A casa era de fun­dos da vila, de núme­ro sete, e era gran­de o sufi­cien­te para ser­vir de ate­liê para cinco pes­soas. A con­vi­te de Rodrigo, alu­ga­mos a casa e fize­mos uma peque­na refor­ma antes de come­çar a tra­ba­lhar. A pin­tu­ra mais impor­tan­te que fiz na Casa 7 foi rea­li­za­da em uma oca­ sião em que todos enco­men­da­ram chas­sis gran­des e pre­pa­ra­ram as telas de lona com Suvinil 100% acrí­li­co, no come­ço de 1983. Esta pin­tu­ra (figu­ra 175; óleo sobre tela; 120x150 cm; cole­ção Alexandre Martins Fontes) foi o resul­ta­do de um com­pro­mis­so entre uma lin­gua­gem vinda das HQs e um ges­tua­lis­mo empres­ta­do do Expressionismo Abstrato. A pin­tu­ra tem dois per­so­na­gens, um de per­fil e outro de cos­tas, numa situa­ção urba­na. A refe­rên­cia prin­ci­pal: Philip Guston (tam­bém um pin­tor que uniu Expressionismo Abstrato e qua­dri­nhos).3 Depois de fazer esta pin­tu­ra, em mea­dos de 1983, aca­bei sain­do da Casa 7 para ingres­sar em outro ate­liê, de um pes­soal da FAU (Maína Costales, com quem eu aca­ba­ria me casan­do em 1985, Alexandre Martins Fontes, Míriam e Sílvia). Este ate­liê era no Edifício Esther, na Praça da República, no cen­tro de

3 Todas a pinturas reproduzidas aqui estão em escala 1:20, exceto quando indicado.

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São Paulo. Nuno Ramos ­entrou na Casa 7 ­depois que eu saí. As figu­ras 176 e 177 mos­tram obras que foram pos­si­vel­men­te rea­li­za­das um pouco ­depois que eu saí da Casa 7, em 1983. A pri­mei­ra é uma aqua­re­la, das pri­mei­ras que fiz, na linha dos dese­nhos de obser­va­ção que vinha fazen­do regu­ lar­men­te. A segun­da é uma aqua­re­la abs­tra­ta, feita em uma amos­tra de papel arte­sa­nal de Otávio Roth que acom­pa­nha a edi­ção nº 16 da revis­ta Arte em São Paulo, de junho de 1983. Mostro estas duas obras apa­ren­te­men­te des­co­ne­xas em papel junto com a pin­tu­ra que fiz na Casa 7 pela sim­ples razão de que, com exce­ção de um dese­ nho, não guar­dei mais nada de 1983 – nem pin­tu­ra, nem dese­nho. Possuo ape­ nas a memó­ria de ­alguns tra­ba­lhos. No ate­liê do edi­fí­cio Esther, fiz pin­tu­ras a óleo, na maio­ria natu­re­zas mor­tas, que aca­bei jogan­do fora ­depois. Aparentemente, neste ate­liê, não dei con­ti­nui­da­de à pin­tu­ra que havia feito na Casa 7 (figu­ra 175). aaa

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Há algo que não men­cio­nei com a devi­da ênfa­se até agora, mas que foi impor­tan­te para o lan­ça­men­to da maio­ria dos artis­tas da minha gera­ção: os ­salões. Na época, os ­salões mais impor­tan­tes eram o Salão Paulista de Arte Contemporânea, em São Paulo, e o Salão Nacional de Artes Plásticas, que ocor­ ria no Rio de Janeiro (hoje, ape­sar da legis­la­ção sobre o assun­to, estes s­ alões não são mais rea­li­za­dos todo ano). Havia tam­bém ­salões em cida­des do inte­rior de São Paulo e em ­outras capi­tais do país. O Salão Paulista sur­giu após a elei­ção de Franco Montoro para o gover­ no do Estado, em 1982. Em 1983, se não me enga­no, foi rea­li­za­da a pri­mei­ra edi­ção deste Salão, da qual par­ti­ci­pei com três gra­vu­ras em metal. Não tenho o catá­lo­go desta edi­ção (não sei se exis­te), mas me recor­do bem da mon­ta­gem, no amplo pré­dio da Bienal de São Paulo, no Parque do Ibirapuera. 1984 foi o ano em que os ­salões con­sa­gra­ram a pin­tu­ra “neo-expres­sio­ nis­ta” nacio­nal. As figu­ras 178, 179 e 180 mos­tram, pela ordem, repro­du­ções de obras de Carlito Carvalhosa (“A Bela Máquina”, 130x110 cm, óleo), Nuno Ramos (“O Segredo”, 120x150 cm, óleo) e Rodrigo Andrade (Sem Título, 100x150 cm, óleo), todas do catá­lo­go do II Salão Paulista de Arte Contemporânea, de 1984, rea­li­za­do no Paço das Artes em São Paulo. Rodrigo obte­ve, neste salão, o Prêmio Revelação. Carlito e Nuno obti­ ve­ram prê­mios aqui­si­ção (bem como ­outros artis­tas que não conhe­cia na época, como Marcelo Cipis, que não ­faziam pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta”).4 Paulo Monteiro e Fábio Miguez, os ­outros inte­gran­tes da Casa 7, entra­ ram no salão mas não foram pre­mia­dos, por­tan­to o catá­lo­go não traz ima­gens

4 II Salão Paulista de Arte Contemporânea. São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura, 1984. Catálogo da exposição.

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de obras suas. De qual­quer forma, no catá­lo­go da expo­si­ção “Coleção Gilberto Chateaubriand: Anos 80, o Palco da Diversidade”, há uma repro­du­ção de uma obra de Paulo Monteiro de 1984, que ­incluo aqui (figu­ra 181, óleo sobre tela, 130x110 cm). Não encon­trei ima­gens de obras de Fábio Miguez para o ano de 1984.5 Neste mesmo ano de 1984, no VII Salão Nacional de Artes Plásticas, Nuno Ramos rece­beu o Prêmio Viagem ao Exterior, com pin­tu­ra. Eu ­enviei pin­tu­ras para o Salão Paulista de 1984 (e tal­vez para o Salão Nacional), mas não foram sele­cio­na­das. Eram pin­tu­ras na linha “neo-expres­sio­ nis­ta”, se não me enga­no, mas não posso ter cer­te­za, pois não con­ser­vei quase nada deste ano, com exce­ção de algu­mas natu­re­zas mor­tas, como a da figu­ra 182 (óleo sobre tela, 60x40 cm; a ima­gem da figu­ra está maior, pro­por­cio­nal­men­te, às ­outras ima­gens, que estão na esca­la 1:20). Em 1984, já havia saído do edi­fí­cio Esther: eu e Maína Costales está­va­ mos ocu­pan­do uma qui­ti­ne­te na rua Bento Freitas, em Santa Cecília (perto de onde hoje é a Galeria Triângulo). Trabalhávamos com pin­tu­ra, e tanto o meu tra­ba­lho como o dela ­tinham rela­ção com o “neo-expres­sio­nis­mo”, mas não a ponto de obli­te­rar ­outras refe­rên­cias impor­tan­tes e mais tra­di­cio­nais, como Picasso, Cézanne, Klee etc (daí a gran­de quan­ti­da­de de natu­re­zas mor­tas que fiz este ano, algu­mas até fler­tan­do com a pin­tu­ra aca­dê­mi­ca). Sabíamos da exis­tên­cia dos pin­to­res ale­mães, como Markus Lüpertz e Georg Bazelitz, mas não pos­suía­mos ­livros ou catá­lo­gos deles, nem de nin­guém que fosse desta gera­ção, ou mais jovem (como Basquiat e Schnabel). Víamos

5 Coleção Gilberto Chateaubriand: Anos 80, o Palco da Diversidade. São Paulo e Rio de Janeiro, SESI e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1995. Catálogo da exposição.

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estes catá­lo­gos, de vez em quan­do, em casa de ami­gos (como o pes­soal da Casa 7). Acima de tudo, eu gos­ta­va, como gosto, de Picasso; o espe­ta­cu­lar catá­lo­go da expo­si­ção retros­pec­ti­va de Picasso rea­li­za­da no Museu de Arte Moderna de Nova York em 1980 era uma das ­minhas prin­ci­pais refe­rên­cias, então. Também acho que era mais influen­cia­do pela pin­tu­ra de ami­gos artis­tas do que por pin­ to­res da voga neo-expres­sio­nis­ta euro­péia e norte-ame­ri­ca­na. Neste sen­ti­do, em 1984 houve uma expo­si­ção que me mar­cou pro­fun­ da­men­te, tal­vez mais do que qual­quer outra da pri­mei­ra meta­de déca­da de 80. Me refi­ro à mos­tra de pai­néis em esmal­te sobre papel rea­li­za­da por Rodrigo Andrade, Paulo Monteiro e Nuno Ramos no Paço das Artes, em São Paulo. Cronologicamente falan­do, esta expo­si­ção cer­ta­men­te ocor­reu antes do II Salão Paulista men­cio­na­do acima, que foi rea­li­za­do no final de 1984. Antes, por­tan­to, da pre­mia­ção de artis­tas da Casa 7 no salão e da con­so­li­da­ção, ainda que por um breve perío­do (como vere­mos), da pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta” na sua varian­te bra­si­lei­ra. Na ver­da­de, a memó­ria que tenho desta expo­si­ção é de que ela foi uma espé­cie de inau­gu­ra­ção: antes dela, não havia “nada”. Obviamente, este “nada” se refe­re às ­minhas preo­cu­pa­ções e pre­fe­rên­cias pes­soais, pois no ano ante­rior, 1983, artis­tas da minha gera­ção (Ana Maria Tavares, Ciro Cozzolino, Leda Catunda, Sérgio Niculitcheff e Sérgio Romagnolo) já ­haviam expos­to na que foi a pri­mei­ra das cole­ti­vas típi­cas do perío­do, a mos­tra “Pintura como Meio”, no Museu de Arte Contemporânea da USP, na época sob dire­ção de Aracy Amaral. Mas esta expo­si­ção não des­per­tou meu inte­res­se, e nem me recor­do se a visi­tei.

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Caso seme­lhan­te foi o da famo­sa “Como vai você, Geração 80?” expo­si­ ção cole­ti­va no Parque Lage, que ocor­reu em 1984 no Rio de Janeiro: não vi a expo­si­ção e não posso dizer que ela tenha pro­vo­ca­do qual­quer impac­to no meu tra­ba­lho. A expo­si­ção “Painéis”, pelo con­trá­rio, foi, como se diz, um “soco na cara”. Recém saído da Casa 7, que a esta altu­ra ainda era um ate­liê com­ple­ta­men­te des­ co­nhe­ci­do, e tra­ba­lhan­do em um certo iso­la­men­to com Maína Costales no ate­liê da Bento Freitas, em meio a ques­tio­na­men­tos sobre pin­tu­ra que me ­faziam mais mer­gu­lhar no estu­do da História da Arte do que pro­cu­rar uma lin­gua­gem atual, ao visi­tar esta expo­si­ção fui trans­por­ta­do de sope­tão para o pre­sen­te. Este pre­sen­te era o pre­sen­te da pin­tu­ra na qual tudo podia, esti­lis­ti­ca­ men­te falan­do – pin­tu­ra hoje tão cri­ti­ca­da, mas que na época foi uma des­co­ber­ ta. Era tam­bém um pre­sen­te de pro­fis­sio­na­lis­mo e com­pe­tên­cia, pois os pai­néis eram enor­mes, rea­li­za­dos em série e rapi­da­men­te, com uma pin­ce­la­da solta e expres­si­va. O impac­to desta expo­si­ção no meio artís­ti­co pau­lis­ta­no não foi peque­no, tal­vez con­fir­man­do a minha impres­são pes­soal. A expo­si­ção ven­deu bem, e a crí­ti­ca Radha Abramo che­gou a publi­car uma rese­nha na Folha de São Paulo muito elo­gio­sa (fato que me impres­sio­nou muito, pois não espe­ra­va que uma pin­tu­ra ainda tão “crua” e jovem – ape­sar de poten­te – fosse ser tão elo­gia­da). Não pos­suo ima­gens desta expo­si­ção. Foi feito um car­taz com repro­du­ ções, na época, mas não con­se­gui loca­li­zar um exem­plar dele. Há um filme rea­li­za­do por Cao Hamburguer por oca­sião da expo­si­ção

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“Painéis” que regis­tra eta­pas das pin­tu­ras de Rodrigo Andrade, Nuno Ramos e Paulo Monteiro, como se fosse uma ani­ma­ção. Este filme é cer­ta­men­te um dos regis­tros mais pre­cio­sos do pro­ces­so de tra­ba­lho envol­vi­do em um tipo de pin­ tu­ra que hoje é muito cri­ti­ca­da, mas que a meu ver teve bons momen­tos e ainda pode nos ensi­nar muito. Após a expo­si­ção “Painéis”, eu e Maína come­ça­mos a fazer nos­sos pró­ prios pai­néis em esmal­te sin­té­ti­co sobre papel, ainda em 1984. Fiz mui­tos pai­ néis neste perío­do. A rapi­dez na exe­cu­ção e o mate­rial abun­dan­te e bara­to fize­ram com que eu “sol­tas­se” a mão, muito mais do que no óleo. Ainda penso em reto­mar aque­le tipo de pro­du­ção, agora com mate­rial de pri­mei­ra qua­li­da­ de. Não guar­dei ­nenhum pai­nel do perío­do, mas tenho ima­gens (figu­ra 184, comen­ta­da mais adian­te). Ainda em 1984, Maína, os artis­tas da Casa 7 e mui­tos ­outros par­ti­ci­pa­ ram do “Arte na Rua” nº2, uma “expo­si­ção” tem­po­rá­ria de out­doors cria­dos por artis­tas. Não fui con­vi­da­do para esta mos­tra, um pouco em fun­ção do iso­la­men­ to em que esta­va. Maína conhe­cia Aracy Amaral, uma das orga­ni­za­do­ras, junto com Mônica Nador e Ana Maria Tavares, e por isso par­ti­ci­pou, com uma pin­ tu­ra em esmal­te (figu­ra 183).6 aaa

6 Arte na Rua. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP, Central de Outdoor e Fundação Bonfiglioli, 1984. Catálogo.

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1985, abril: exposição Apto 13

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A expo­si­ção “Painéis” e o suces­so nos ­salões de 1984 cha­ma­ram a aten­ção do meio artís­ti­co bra­si­lei­ro para o grupo Casa 7. Aracy Amaral, que era dire­to­ra do Museu de Arte Contemporânea da USP e esta­va aten­ta às novas gera­ções, logo mar­cou uma expo­si­ção do grupo para 1985, no MAC. Na sequên­cia, sur­giu o con­vi­te para a par­ti­ci­pa­ção na Bienal de São Paulo, a ser rea­li­za­da em 1985. Para cul­mi­nar, o mar­chand João Sattamini, da então recém inau­gu­ra­da gale­ria Subdistrito (que fica­va onde hoje é o Gabinete de Arte Raquel Arnaud), ofe­re­ ceu apoio finan­cei­ro aos artis­tas da Casa 7 (para que eles pudes­sem vol­tar a pin­ tar com tinta a óleo, tendo em vista a par­ti­ci­pa­ção na Bienal). Estes acon­te­ci­men­tos de 1984/85 me sur­preen­de­ram e me des­per­ta­ram para uma rea­li­da­de para a qual eu esta­va com­ple­ta­men­te des­pre­pa­ra­do. Na época, eu esta­va imer­so no estu­do de pin­tu­ra e da História da Arte, e para meus ­padrões de então (for­ja­dos na lei­tu­ra de ­livros de arte) a pin­tu­ra rea­li­za­da por mim e por artis­tas da minha gera­ção era muito crua, e pre­ci­sa­ria ser ­melhor tra­ba­lha­da para ser con­su­mi­da no mer­ca­do e ava­lia­da pela crí­ti­ca (crí­ti­ca e mer­ ca­do bra­si­lei­ros, que, na prá­ti­ca, eu des­co­nhe­cia; sabia muito sobre a Escola de Paris e seu mer­ca­do no iní­cio do sécu­lo – todos os mar­chands de Picasso, por exem­plo –, mas não sabia nada sobre o meio ao qual eu per­ten­ço – mar­chands, crí­ti­cos, cole­cio­na­do­res etc). A minha saída da Casa 7 se deu um pouco em fun­ção disto: nunca pode­ ria ima­gi­nar que o suces­so viria tão fácil, e que a pin­tu­ra que se fazia ali seria leva­da a sério tão depres­sa. Se tives­se per­ce­bi­do isso na época, tal­vez tives­se rela­ xa­do e dei­xa­do as coi­sas fluí­rem por si mes­mas.

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Em vez disso, saí, um pouco des­cren­te com o meu tra­ba­lho e que­ren­do mudar de ares, e fui para o ate­liê do Edifício Esther, de cole­gas da FAU (e de Maína, com quem eu come­ça­ria a namo­rar um pouco ­depois). Foi sem dúvi­da um movi­men­to em dire­ção ao iso­la­men­to intros­pec­ti­vo, jus­ta­men­te na época em que o movi­men­to opos­to seria mais acon­se­lhá­vel (dada a recep­ti­vi­da­de ime­ dia­ta poten­cial que tinha a nova pin­tu­ra jovem da época). Ainda em 1984, per­ce­ben­do que era neces­sá­ria uma ação mais con­se­ quen­te do ponto de vista pro­fis­sio­nal, eu e Maína, já tra­ba­lhan­do no ate­liê da rua Bento Freitas, pro­cu­ra­mos Gabriel Borba, dire­tor de artes plás­ti­cas do Centro Cultural São Paulo, e pedi­mos a ele uma opor­tu­ni­da­de de expor. Borba nos aten­deu, gos­tou das pin­tu­ras (que leva­mos até o CCSP) e mar­cou a expo­si­ ção para iní­cio de 1985. Esta expo­si­ção acon­te­ceu em abril de 85, e se cha­mou “Apto 13”, uma refe­rên­cia ao apar­ta­men­to que era nosso ate­liê, na rua Bento Freitas. Com oito obras de Maína (cinco óleos e três pai­néis em esmal­te) e sete obras ­minhas (cinco óleos e dois pai­néis em esmal­te), “Apto 13” foi a nossa pri­mei­ra expo­si­ção. A figu­ra 184 mos­tra uma foto­gra­fia em preto e bran­co de um dos pai­ néis que expus, de 250x230 cm (hoje des­truí­do). As figu­ras 185 e 186 (fotos em preto e bran­co) mos­tram duas das pin­tu­ras que expus (as duas úni­cas que foram con­ser­va­das); a pri­mei­ra é um óleo sobre tela de 110x150 cm (cole­ção Alexandre Martins Fontes) e a segun­da é um óleo sobre tela de 110x130 cm (cole­ção Maria e Cândido Malta Campos Filho). As figu­ras 187 e 188 mos­tram duas pin­tu­ras a óleo de Maína que esti­ve­ram na expo­si­ção (110x150 cm e 110x130 cm, res­pec­ti­

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va­men­te; cole­ção da artis­ta). Um exame des­tas obras reve­la uma preo­cu­pa­ção, tanto da minha parte como por parte de Maína, de cons­ti­tuir uma lin­gua­gem – ou seja, ir além do ges­tua­lis­mo e da figu­ra­ção “neo-expres­sio­nis­ta” alea­tó­ria. No meu caso, há o aban­do­no da figu­ra­ção com per­so­na­gens em favor de inte­rio­res ou “pai­sa­gens” inven­ta­das, que reve­lam uma influên­cia simul­tâ­nea do expres­sio­nis­mo e da pin­tu­ra meta­fí­si­ca. No caso de Maína, o tema do olho e das figu­ras mons­truo­sas é explo­ra­do atra­vés de varia­ções com­po­si­ti­vas e cro­má­ti­cas. “Apto 13” não teve catá­lo­go (não havia verba), mas foi feito um con­vi­te com uma breve apre­sen­ta­ção de Gabriel Borba e um texto assi­na­do por mim e por Maína, que mere­ce ser trans­cri­to na ínte­gra. “Esta expo­si­ção é a pri­mei­ra que rea­li­za­mos. Consiste em cinco pai­néis de esmal­te sobre papel e dez óleos, pin­ta­dos entre dezem­bro de 84 e março de 85. É difí­cil expli­car o que está pin­ta­do, por isso nem ten­ta­mos. Aprendemos fazen­do, sem pre­mis­sas teó­ri­cas. Não que seja­mos con­tra teo­rias, somen­te não é esse o nosso cami­nho. Optamos pelo infor­ma­lis­mo. A nossa pin­tu­ra está rela­ cio­na­da com a Transvanguarda? Com o Neo-expres­sio­nis­mo? É Nova-figu­ra­ ção? Ouvimos falar mas não sabe­mos exa­ta­men­te o que são estes nomes (vimos um catá­lo­go do Luppertz na casa de um amigo artis­ta). Para inven­tar um nome cria­mos para nós “expres­sio­nis­tas-pri­mi­ti­vos ou “pri­mi­ti­vos-punk”? A pin­tu­ra euro­péia nos influen­cia: ela efe­ti­va­men­te exis­te, mas quase nunca a vemos, só por repro­du­ções. A pin­tu­ra bra­si­lei­ra tam­bém. No nosso caso não seria ­melhor falar de pin­tu­ra pau­lis­ta? O Brasil é um pouco gran­de… Quanto à téc­ni­ca, a

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pers­pec­ti­va ingê­nua sem dúvi­da real­ça um sofis­ti­ca­do jogo de som­bras, etc, etc. Tentamos mui­tas coi­sas: basi­ca­men­te esque­cer os luga­res-­comuns. Acreditamos que as ima­gens sur­gem de uma cau­sa­li­da­de espe­cial, que bur­ra­men­te as pes­soas cha­mam de “acaso” (aí para­fra­sean­do Borges); que a poe­sia é mãe de todas as artes e que seria levia­no esque­cer Homero. Mas, e a pro­ble­má­ti­ca New-Wave? Para pin­to­res já escre­ve­mos ­demais, abu­san­do das pala­vras. Fica ape­nas uma melan­co­lia New-roman­tic.”7 Transcrevi este texto para recu­pe­rar o meu esta­do de espí­ri­to na época e não pelo texto em si, que não é uma ten­ta­ti­va “séria” de falar do tra­ba­lho. O texto foi redi­gi­do no Longchamp, conhe­ci­do bar que fica­va na rua Augusta, e reve­la, além de iro­nia, um certo desen­can­to. No final do texto, há uma alu­são à músi­ca pop da época (New Wave, New Romantic) que mere­ce ser ela­bo­ra­da, pois tem a ver, de certa forma, com este desen­can­to. 1984, ano em que a minha gera­ção de artis­tas ficou conhe­ci­da, tam­bém foi o ano de lan­ça­men­to do pri­mei­ro LP dos Titãs (com muito suces­so). Pode pare­cer fora de con­tex­to falar de um grupo de rock aqui, mas o fato é que quase todos os músi­cos dos Titãs eram ex-alu­nos do Equipe e ami­gos meus, prin­ci­pal­ men­te Nando Reis, Marcelo Fromer e Branco Mello. E havia, além da ami­za­de, um inte­res­se meu pelo tra­ba­lho dos Titãs e sua pro­pos­ta de comu­ni­ca­ção com o gran­de públi­co. O uni­ver­so musi­cal, diga-se de pas­sa­gem, não era algo dis­tan­te para nós, artis­tas plás­ti­cos for­ma­dos no Equipe; ao con­trá­rio, a músi­ca sem­pre foi obje­to

7 COSTALES, Maína e MALTA, Antonio. “Apto 13”. In: Apto 13. São Paulo, Centro Cultural São Paulo, 1985. Convite.

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de inte­res­se. Durante o perío­do do colé­gio fre­quen­tá­va­mos os shows do Equipe, orga­ni­za­dos por Serginho Groismann, quase todo sába­do. Escutávamos muita músi­ca, incluin­do rock, MPB e Bob Marley, numa época em que o reg­gae não era muito conhe­ci­do no Brasil. Até mais ou menos 1985, mui­tos artis­tas plás­ti­cos, inclu­si­ve eu, toca­mos em ban­das e che­ga­mos a dar shows. Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro, por exem­plo, ­tinham o Metrópolis, um con­jun­to de rock. Rodrigo, como com­po­si­ tor, che­gou a empla­car um suces­so de rádio, na voz de Supla (que havia toca­do bate­ria no Metrópolis) e Nina Hagen: “Garota de Berlin”. De certa forma, fazer pin­tu­ra, tro­ca­di­lhos, HQs ou músi­ca se trans­for­ ma­ram, a par­tir do Equipe, em ati­vi­da­des rela­cio­na­das para mim, ou seja, defi­ ni­das por serem expres­sões artís­ti­cas indi­vi­duais e ­livres, vol­ta­das para o públi­ co (que julga por si pró­prio o tra­ba­lho). Se havia desen­can­to naque­le momen­to (iní­cio de 1985), tal­vez seja por­que não via este pro­ces­so se cum­prir da forma como dese­ja­va, e não esta­va satis­fei­to com meu pró­prio tra­ba­lho. Esta insa­tis­fa­ção, quase uma norma do perío­do, se refle­te no ecle­tis­mo da minha pro­du­ção da época. Para a expo­si­ção “Apto 13” con­se­gui fazer uma série de tra­ba­lhos esti­lis­ti­ca­men­te rela­cio­na­dos, como vimos; mas este novo “esti­lo” foi logo aban­do­na­do quan­do ao longo de 1985 pin­tei qua­dros em que recu­pe­ra­va o tema do per­so­na­gem, agora em uma ambien­ta­ção for­te­men­te expres­sio­nis­ta e quase desa­gre­ga­do­ra. As figu­ras 189 (óleo sobre tela, 100x120 cm; cole­ção Alexandre Martins Fontes) e 190 (óleo sobre tela, 50x60 cm; sele­cio­ na­da para o II Prêmio Pirelli de Pintura Jovem, em 1985; cole­ção Pirelli) mos­

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tram exem­plos des­tas pin­tu­ras. Ainda em 1985, par­ti­ci­pei do III Salão Paulista de Arte Contemporânea, mas não guar­dei estas pin­tu­ras, e não tenho ima­gem delas. Elas se asse­me­lha­ vam a estas últi­mas, com um pouco mais de ela­bo­ra­ção (menos rápi­das). Maína tam­bém foi sele­cio­na­da para ­salões, tendo sido pre­mia­da com o esmal­te “Totem” no 12º Salão de Arte Contemporânea de Campinas. aaa

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Figuras 185 e 186

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1985, maio: exposição Casa 7

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As figu­ras 191, 192, 193, 194 e 195 mos­tram os pai­néis em esmal­te sin­ té­ti­co que estão repro­du­zi­dos no catá­lo­go da expo­si­ção “Casa 7”, rea­li­za­da entre trin­ta de abril e vinte e seis de maio de 1985 no Museu de Arte Contemporânea da USP e entre sete de maio e dois de junho deste mesmo ano no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.8 Há ­várias tri­lhas que eu pode­ria per­cor­rer para “che­gar” nesta expo­si­ ção (falar dela), expo­si­ção que repre­sen­tou o lan­ça­men­to do grupo Casa 7. Poderia, por exem­plo, come­çar por uma cita­ção do texto que Aracy Amaral escre­veu para o catá­lo­go, “Uma nova pin­tu­ra e o grupo da Casa 7”. Neste texto, Aracy demons­tra uma certa sur­pre­sa: “Como surge uma gera­ção nova que se con­tra­põe à ante­rior exis­ten­te, mesmo que isso não pres­su­po­nha uma rea­ção, mas ape­nas um pos­tu­ra outra? Se esse tipo de arte nova (bad pain­ting, trans­van­ guar­da, neo-expres­sio­nis­mo, ou outra que tal, na deno­mi­na­ção) não se ensi­na nas esco­las de arte ­locais por mais are­ja­das que sejam, deve-se supor que estes ­jovens este­jam folhean­do revis­tas, vendo o que ocor­re fora de nos­sas fron­tei­ras artís­ti­cas posto que sua ati­tu­de não é ten­tar alcan­çar seus pro­fes­so­res ou os artis­ tas reco­nhe­ci­dos daqui, mas tra­zer uma pro­pos­ta ima­gé­ti­ca exter­na, nova a estes que são seus mes­tres.”9 Por outro lado, pode­ria tam­bém, em vez de come­çar pela preo­cu­pa­ção de Aracy Amaral com a “ima­gé­ti­ca exter­na”, intro­du­zir o assun­to de uma manei­ra mais jor­na­lís­ti­ca, vamos dizer assim, citan­do uma repor­ta­gem da época (Márion Strecker Gomes, Folha de São Paulo, trin­ta de abril de 1985: “Casa 7, um ate­liê explo­si­vo”). Trecho do texto: “Hoje, às 18h, a moça­da tem encon­tro

8 Casa 7. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1985. Catálogo da exposição. 9 AMARAL, Aracy. “Uma nova pintura e o grupo da Casa 7”. In: Casa 7. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da USP e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1985, pág. 4.

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mar­ca­do no Museu de Arte Contemporânea da USP, no par­que Ibirapuera, para a aber­tu­ra da expo­si­ção de pin­tu­ra da Casa 7 – nome do ate­liê de Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro, Rodrigo Andrade e Nuno Ramos. Os cinco rapa­zes irão mos­trar os enor­mes pai­néis que fize­ram, com papel craft e tinta esmal­te, nos últi­mos oito meses. No pró­xi­mo dia 7, esta­rão tam­bém no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para expor tra­ba­lhos da mesma série, e em outu­bro, par­ti­ci­pam com telas pin­ta­das a óleo da 18ª Bienal Internacional de São Paulo.”10 Ainda ­melhor do que citar o texto desta repor­ta­gem, porém, seria repro­du­zi-la intei­ra, como uma ilus­tra­ção (figu­ra 196). Outra intro­du­ção pos­sí­vel para esta expo­si­ção, tam­bém um texto de época, seria a maté­ria “Les ­enfants ter­ri­bles da Casa 7”, publi­ca­da na edi­ção nº 30 da revis­ta Arte em São Paulo (maio de 1985) e assi­na­da por Lisette Lagnado. Trecho: “Ávidos de um conhe­ci­men­to mais cos­mo­po­li­ta, eles engo­lem tudo o que encon­tram. O clima que res­sal­ta das telas lem­bra um con­ti­nen­te pós-atô­mi­ co. Algum temor no ar? Eles sen­tem que tudo já foi feito na pin­tu­ra, que não há mais espa­ço para novi­da­de. Por isso, não arti­cu­lam pro­je­tos de cul­tu­ra. Dizem que o rock é uma mani­fes­ta­ção mais efi­caz, com ener­gia, assun­to, públi­co: – Os ­jovens de hoje que­rem fazer uma arte ale­gre que par­ti­ci­pe da vida. Nós sen­ti­mos que a pin­tu­ra é inú­til, fora do mundo, soli­tá­ria. Cavamos den­tro disso que nem psi­có­ti­cos. Guston viveu isso e che­gou no limi­te.”11 Haveria tam­bém uma outra forma de intro­du­zir con­si­de­ra­ções a res­pei­ to desta expo­si­ção (e por exten­são ­outras expo­si­ções rela­cio­na­das à voga neo-

10 GOMES, Márion Strecker. “Casa 7, um ateliê explosivo”. Folha de São Paulo, Ilustrada, 30 de abril de 1985, pág. 29. 11 LAGNADO, Lisette. “Les enfants terribles da Casa 7”. Arte em São Paulo nº 30, maio de 1985.

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expres­sio­nis­ta dos anos 80): veri­fi­car qual é a ava­lia­ção que se faz hoje deste tipo de pin­tu­ra. Para isso, teria que recor­rer a tex­tos crí­ti­cos escri­tos em um perío­do pos­te­rior, por auto­res com­pro­me­ti­dos com uma revi­são crí­ti­ca da pro­du­ção dos anos 80 (se bem que em uma certa medi­da o texto de Aracy Amaral já con­tém uma crí­ti­ca, con­tem­po­râ­nea à pro­du­ção). Não tri­lha­rei ­nenhum des­tes cami­nhos. Não me inte­res­sam tanto as rea­ções “exter­nas” ao fenô­me­no, liga­das à crí­ti­ca de arte ou à cober­tu­ra jor­na­ lís­ti­ca: o que devo recu­pe­rar é a minha rea­ção pes­soal a esta expo­si­ção. Olhando as repro­du­ções em preto e bran­co do catá­lo­go (figu­ras 191, 192, 193, 194 e 195), me recor­do do dia da inau­gu­ra­ção, no MAC, que fica­va no ter­cei­ro andar do pré­dio da Bienal, no par­que do Ibirapuera. Mas me recor­do prin­ci­pal­men­te (além do bur­bu­ri­nho da inau­gu­ra­ção) de olhar para as pin­tu­ras e ano­tar men­ tal­men­te as pro­pos­tas pic­tó­ri­cas e temá­ti­cas de cada um. Carlito Carvalhosa pin­ta­va “máqui­nas”, nesta época. Não me recor­do dos ­outros pai­néis da mos­tra no MAC (não vi a do MAM do Rio de Janeiro), mas acho que eram seme­lhan­tes ao pai­nel repro­du­zi­do na figu­ra 191: uma mis­ tu­ra de abs­tra­ção ges­tual e figu­ra­ção, onde a suges­tões figu­ra­ti­vas con­vi­vem com pin­ce­la­das e for­mas que não tem jus­ti­fi­ca­ti­va na figu­ra­ção. Uma solu­ção não muito dife­ren­te da pin­tu­ra a óleo de 1984 mos­tra­da na figu­ra 178, onde as estru­tu­ras da “máqui­na” são tam­bém estru­tu­ras pic­tó­ri­cas inde­pen­den­tes. No que con­cer­ne os pai­néis de Fábio Miguez (fig. 192), o ponto de par­ ti­da pode ter sido as pai­sa­gens de Cézanne, prin­ci­pal­men­te aque­las em que há gru­pos de árvo­res sendo repre­sen­ta­dos. Me recor­do de ver estas pin­tu­ras na

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Casa 7 (antes da expo­si­ção) e achar inte­res­san­te a manei­ra como Fábio se uti­li­ za­va de Cézanne – ape­nas como ponto de par­ti­da para uma com­po­si­ção de cará­ter expres­sio­nis­ta. Paulo Monteiro tam­bém apre­sen­tou tra­ba­lhos figu­ra­ti­vos (fig. 193), na linha das com­po­si­ções com figu­ras huma­nas que vinha fazen­do há ­alguns anos (ver fig. 181). No caso deste pai­nel, o que me ­atraiu na época (como hoje) é o absur­do desta com­po­si­ção, com sua mis­tu­ra pecu­liar de figu­ra­ção de qua­dri­ nhos e for­mas quase abs­tra­tas. O pai­nel de Nuno Ramos, mos­tra­do na figu­ra 194, tem algu­ma coisa a ver com o de Carlito, com suas for­mas entre a abs­tra­ção e a figu­ra. Em rela­ção à pin­tu­ra ante­rior do artis­ta (ver figu­ra 179), nota-se uma ten­dên­cia em dire­ção a uma sim­pli­ca­ção temá­ti­ca e a um con­tro­le for­mal mais efe­ti­vo. A figu­ra 195 mos­tra o pai­nel de Rodrigo Andrade. Como notou Aracy Amaral no texto do catá­lo­go, o tra­ba­lho de Rodrigo esta­va mudan­do rapi­da­ men­te na época. Uma com­pa­ra­ção com a pin­tu­ra mos­tra­da na figu­ra 180, pre­ mia­da no II Salão Paulista de Arte Contemporânea, é sufi­cien­te para ates­tar isto. A “crise”, aqui, tal­vez tenha sido deto­na­da pelo con­tras­te entre o tipo de pin­tu­ra que Rodrigo fazia ante­rior­men­te (de tra­di­ção rea­lis­ta) e as solu­ções ges­ tuais e quase abs­tra­tas dos seus cole­gas. aaa

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1985, Bienal de São Paulo: Casa 7

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As figu­ras 197, 198, 199, 200 e 201 mos­tram repro­du­ções de pin­tu­ras dos artis­tas da Casa 7 cons­tan­tes do catá­lo­go pro­du­zi­do quan­do da par­ti­ci­pa­ção do grupo na 18ª Bienal de São Paulo, no segun­do semes­tre de 1985.12 Como no caso da abor­da­gem da expo­si­ção da Casa 7 no MAC-USP rea­ li­za­da acima, há ­várias manei­ras de comen­tar a par­ti­ci­pa­ção da Casa 7 na 18ª Bienal. Poderia come­çar pelo texto do catá­lo­go cita­do, de Alberto Tassinari, que con­tém uma visão crí­ti­ca das pin­tu­ras “neo-expres­sio­nis­tas” do grupo; pode­ria, por outro lado, empreen­der uma lei­tu­ra do catá­lo­go geral desta edi­ção da Bienal e enten­der ­melhor a pro­pos­ta da Curadora Geral da mos­tra, Sheila Leirner, para ­depois ­situar as pin­tu­ras da Casa 7 neste con­tex­to.13 Ambas estas abor­da­gens soam inte­res­san­tes, mas sua ado­ção aqui é pro­ ble­má­ti­ca. Uma ter­cei­ra via de inves­ti­ga­ção se impõe: enten­der estas pin­tu­ras a par­tir das ­minhas expec­ta­ti­vas como artis­ta, tanto na época como hoje. Isso nos man­te­rá na tri­lha certa. Esta edi­ção da Bienal foi sem dúvi­da mar­can­te para quem teve opor­tu­ ni­da­de de visi­tá-la, como eu. Foi a Bienal da “gran­de tela”: três imen­sos cor­re­ do­res, no segun­do andar, com pin­tu­ras de diver­sos artis­tas pen­du­ra­das lado a lado, quase sem sepa­ra­ção (daí o nome “gran­de tela”). Minha lem­bran­ça da 18ª Bienal, inclu­si­ve, se limi­ta à “gran­de tela” e às pin­tu­ras do grupo Casa 7: o cor­re­dor com as pin­tu­ras dos meus ex-cole­gas de ate­liê é a única ima­gem que ainda guar­do na memó­ria. Na rea­li­da­de, na época da Bienal, minha aten­ção esta­va vol­ta­da quase que exclu­si­va­men­te para a pro­du­ção da Casa 7 (e ­outros artis­ta pró­xi­mos).

12 Casa 7. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1985. Catálogo para a 18ª Bienal de São Paulo. 13 18ª Bienal de São Paulo: Catálogo Geral. São Paulo, Fundação Bienal de São Paulo, 1985.

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Naquele ano de 1985, o que esta­va em jogo era a sobre­vi­vên­cia de uma pin­tu­ra – a minha, a dos cole­gas – que havia come­ça­do atra­vés de uma prá­ti­ca rela­ti­va­ men­te tra­di­cio­nal, de pin­tu­ra de cava­le­te, e ­depois havia evo­luí­do para uma lin­gua­gem “neo-expres­sio­nis­ta”, ainda inde­fi­ni­da quan­to ao futu­ro. A minha sen­sa­ção, pelo menos, era essa: a de inde­fi­ni­ção quan­to ao futu­ro. Nesta altu­ra, já pos­suía um razoá­vel conhe­ci­men­to de História da Arte para saber que o “neo-expres­sio­nis­mo” era uma espé­cie de pas­ti­che. Isso me ­atraía (o pas­ti­che), pois sig­ni­fi­ca­va liber­da­de de apro­pria­ção de lin­gua­gens e esti­los de todas as épo­cas, mas ao mesmo tempo con­tra­ria­va a minha ten­dên­cia de orga­ni­zar for­mal­men­te o tra­ba­lho e dar dire­ção defi­ni­da aos ­vários cami­ nhos pos­sí­veis. Vimos como minha pin­tu­ra des­tes anos osci­lou entre a ado­ção de lin­gua­gens “con­sa­gra­das” (porém v­ elhas) como a natu­re­za morta, por exem­ plo, e ten­ta­ti­vas liga­das a apro­pria­ções esti­lís­ti­cas diver­sas, den­tro do qua­dro de expe­ri­men­ta­ção do “neo-expres­sio­nis­mo”. Esta osci­la­ção ocor­reu devi­do a uma briga cons­tan­te com as solu­ções expe­ri­men­ta­das: nunca esta­va satis­fei­to. A pin­tu­ra da Casa 7, neste con­tex­to, era uma refe­rên­cia impor­tan­te, pois resul­ta­va do tra­ba­lho de artis­tas pró­xi­mos, da mesma gera­ção, enfren­tan­do pro­ble­mas seme­lhan­tes. E esta pin­tu­ra, em 1985, esta­va mudan­do rapi­da­men­te: basta com­pa­rar­mos os pai­néis em esmal­te sin­té­ti­co sobre papel expos­tos no MAC-USP com as pin­tu­ras em óleo sobre tela da 18ª Bienal. A figu­ra 197 mos­tra uma pin­tu­ra de Carlito Carvalhosa, expos­ta na 18ª Bienal (óleo sobre tela, 1985, 230x200 cm). É uma pin­tu­ra abs­tra­ta, gran­de, muito rápi­da e ges­tual. A figu­ra­ção das “máqui­nas” pre­sen­te nos pai­néis e nas

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pin­tu­ras de 1984 não exis­te mais: res­tam ape­nas a ges­tua­li­da­de das pin­ce­la­das e algu­mas suges­tões de for­mas mais defi­ni­das aqui e ali, mas que não che­gam a ser figu­ras iden­ti­fi­cá­veis. A figu­ra 198 mos­tra uma pin­tu­ra de Fábio Miguez (óleo sobre tela, 1985, 200x220 cm), tam­bém da 18ª Bienal. As árvo­res pre­sen­tes nos pai­néis em esmal­te são visí­veis ainda, mas a pin­tu­ra pare­ce que­rer eli­mi­ná-las e cami­nhar para a abs­tra­ção. A figu­ra 199 mos­tra um pin­tu­ra em óleo sobre tela de Paulo Monteiro (1985, 200x180 cm), da 18ª Bienal. Aqui, o que salta aos olhos é o des­mem­bra­ men­to, rea­li­za­do pelo artis­ta, da figu­ras pre­sen­tes nos pai­néis e nas pin­tu­ras ante­rio­res. Estas figu­ras são ainda iden­ti­fi­cá­veis nos tra­ços em preto, mas estão como que explo­di­das em ­várias par­tes, e sobre­pos­tas a um jogo abs­tra­to de man­ chas de cor. A figu­ra 200 mos­tra uma pin­tu­ra em óleo sobre tela de Nuno Ramos (“Lamentação”, 1985, 230x190 cm), tam­bém da 18ª Bienal. É uma pin­tu­ra onde são visí­veis dese­nhos de figu­ras huma­nas e ves­ti­men­tas, sobre­pos­tos a super­fí­ cies de cor cria­das atra­vés de pin­ce­la­das rápi­das. Em rela­ção ao pai­nel em esmal­te da expo­si­ção MAC-USP, nota-se uma menor preo­cu­pa­ção for­mal (quase como um aban­do­no desta ques­tão). Finalmente, a figu­ra 201 repro­duz uma pin­tu­ra em óleo sobre tela de Rodrigo Andrade (sem títu­lo, 1985, 200x250 cm), da 18ª Bienal. É a pin­tu­ra mais figu­ra­ti­va do con­jun­to mos­tra­do, e a que mais man­tém liga­ção com o tra­ ba­lho ante­rior do artis­ta. Uma figu­ra­ção, no entan­to, pro­ble­ma­ti­za­da, crí­ti­ca de

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si mesma; indig­na, inclu­si­ve, de repre­sen­tar o rosto do per­so­na­gem. Um beco sem saída esti­lís­ti­co, carac­te­rís­ti­ca que dá a esta obra um ar dra­má­ti­co e anun­cia a crise que esta­va por vir. aaa

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Figura 197

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Figura 198

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Figura 199

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Figura 200

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Figura 201

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1986 a 1989: matéria

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Rodrigo Andrade foi o pri­mei­ro artis­ta do ate­liê Casa 7 a fazer uma expo­si­ção indi­vi­dual, ­depois da par­ti­ci­pa­ção do grupo na 18ª Bienal de São Paulo. A mos­tra acon­te­ceu na gale­ria Subdistrito, em outu­bro de 1986.14 Na figu­ra 202 pode­mos ver um exem­plo do novo tra­ba­lho de Rodrigo, exi­bi­do nesta oca­sião (óleo e chum­bo sobre tela, 1986, 180x220 cm, repro­du­ção cons­tan­te do catá­lo­go). O que se nota aqui é a abso­lu­ta dis­cre­pân­cia deste tra­ba­lho em rela­ção às pin­tu­ras de Rodrigo dos anos ante­rio­res. Não há mais nenhu­ma figu­ra reco­ nhe­cí­vel. Não há nem mesmo uma ten­são entre a figu­ra e a abs­tra­ção: a ques­tão já não é essa. Trata-se, agora, do uso de mate­riais que dão à obra uma pre­sen­ça como obje­to físi­co. Como inter­pre­tar esta mudan­ça? Talvez seja o caso de bus­car uma pista no texto de Alberto Tassinari para o catá­lo­go do grupo Casa 7, rea­li­za­do por oca­sião da 18ª Bienal de São Paulo. O texto de Tassinari é crí­ti­co em rela­ção à pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta” mos­tra­da pelo grupo na Bienal, e anun­cia, no final, que ela deve dar lugar a pes­qui­sas diver­sas. A pre­sen­ça deste texto neste catá­lo­go sig­ni­fi­ca cer­ta­men­te uma pos­tu­ra auto-crí­ti­ca do grupo já duran­te a Bienal – pos­tu­ra que, esti­mu­la­da por crí­ti­cos como Tassinari, que eles ­haviam aca­ba­do de conhe­cer, ter­mi­na­ria por ser deter­mi­nan­te na refor­mu­la­ção do tra­ba­lho. Senão, veja­mos. O texto de Tassinari é inti­tu­la­do “Entre o Passado e o Futuro”. Já no pri­mei­ro pará­gra­fo, o crí­ti­co afir­ma: “O que mais chama a aten­ ção na nova pin­tu­ra é a ausên­cia de fisio­no­mia pró­pria dos seus ele­men­tos. O tra­ba­lho do artis­ta não con­sis­te, então, na pes­qui­sa de novas for­mas, mas no

14 Rodrigo Andrade, Pinturas. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1986. Catálogo.

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arran­jo que ele pro­mo­ve de sig­nos empres­ta­dos de lin­gua­gens já cons­ti­tuí­das. A iden­ti­da­de da obra, e por con­se­quên­cia da arte e do pró­prio artis­ta, não surge mais pelas for­mas que o artis­ta arran­ca­ria ou tra­ria ao mundo, mas do empre­go de suces­si­vas más­ca­ras ou simu­la­cros.” Mais adian­te: “Deste modo, tudo é impró­prio na nova pin­tu­ra, e a apos­ ta que se faz é como ­extrair disso tudo – da mani­pu­la­ção e deses­tru­tu­ra­ção de lin­gua­gens pic­tó­ri­cas já exis­ten­tes, sejam moder­nas ou aca­dê­mi­cas – algo mais do que cita­ções, paró­dias e cinis­mo.” No final, Tassinari con­clui: “Essa é a dire­ção de lei­tu­ra que pre­vi­le­gio nas pin­tu­ras dos mem­bros da Casa 7. Daqui por dian­te, creio, dei­xa­rão cada vez mais de repre­sen­tar o papel de reva­lo­ri­za­ção de um gêne­ro, a pin­tu­ra, e dia­lo­ ga­rão cada vez mais com a con­ti­nui­da­de de nossa parca, é ver­da­de, tra­di­ção artís­ti­ca.”15 Tassinari, ao men­cio­nar a “nossa parca, é ver­da­de, tra­di­ção artís­ti­ca”, está se refe­rin­do, acre­di­to, a ver­ten­tes espe­cí­fi­cas da arte bra­si­lei­ra: as ver­ten­tes cons­tru­ti­vas, con­cre­tas, neo-con­cre­tas e deri­va­das. Voltemos, então, à obra de Rodrigo Andrade, que tem uma folha de chum­bo afi­xa­da na tela (figu­ra 202). Esta obra nunca pode­ria ser con­ce­bi­da den­tro do qua­dro de refe­rên­cias da pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta”. Não é uma pin­tu­ra de pas­ti­che, nem con­tém “sig­nos empres­ta­dos de lin­gua­gens já cons­ti­ tuí­das”. É uma obra que cer­ta­men­te dia­lo­ga com a “nossa parca, é ver­da­de, tra­di­ção artís­ti­ca”, e tam­bém com ­outras tra­di­ções, inter­na­cio­nais. As refe­rên­cias, aqui, são: as cita­das ver­ten­tes cons­tru­ti­vas, con­cre­tas e

15 TASSINARI, Alberto. “Entre o Passado e o Futuro”. In: Casa 7. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1985. Catálogo para a 18ª Bienal de São Paulo.

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neo-con­cre­tas da arte bra­si­lei­ra; artis­tas de uma gera­ção pos­te­rior aos neo-con­ cre­tos, como José Resende, Tunga e Waltércio Caldas; Mira Schendel; artis­tas norte-ame­ri­ca­nos como Richard Serra; artis­tas da Arte Povera ita­lia­na; etc. Ou mesmo as pró­prias van­guar­das his­tó­ri­cas, como o Cubismo (a Colagem Cubista) e o Construtivismo. Esta nova pos­tu­ra de Rodrigo, porém, não foi sau­da­da por crí­ti­cos pró­ xi­mos ao grupo como um avan­ço posi­ti­vo e deci­di­do em uma dire­ção defi­ni­da: há toda uma pro­ble­ma­ti­za­ção da ques­tão, que deve ser esmiu­ça­da aqui. Vejamos o que o mesmo Tassinari diz no texto do catá­lo­go da expo­si­ção de Rodrigo (tre­ cho): “As novas pin­tu­ras de Rodrigo Andrade exi­gem uma certa demo­ra do olhar. Mesmo naque­las em que a pre­sen­ça é de ime­dia­to mais plena, o olhar tem que pas­sar de um ter­ri­tó­rio a outro da tela e per­fa­zer um mapea­men­to des­ses mun­dos ao mesmo tempo desa­gre­ga­dos e líri­cos. Sem esta demo­ra o con­jun­to da obra não emer­ge, pois ela é um todo de frag­men­tos que lutam para recon­ quis­tar a uni­da­de da tela que se par­tiu.”16 São con­clu­sões que mos­tram cau­te­la e uma certa melan­co­lia: a nova pos­tu­ra artís­ti­ca de Rodrigo não é lou­va­da, mas pro­ble­ma­ti­za­da de tal manei­ra que pare­ce estar no ­limiar de uma impos­si­bi­li­da­de. Uma dis­po­si­ção de espí­ri­to seme­lhan­te, que reto­ma uma certa pos­tu­ra van­guar­dís­ti­ca ape­nas para duvi­dar dela, pode ser encon­tra­da nos ­outros mem­ bros da Casa 7 a par­tir de 1986/87, e nas lei­tu­ras crí­ti­cas rea­li­za­das nos tex­tos de catá­lo­go, por crí­ti­cos como o pró­prio Alberto Tassinari, Lorenzo Mammì e Rodrigo Naves.

16 TASSINARI, Alberto. Texto sem título. In: Rodrigo Andrade, Pinturas. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1986. Catálogo.

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Na figu­ra 203 vê-se uma obra em cera de Carlito Carvalhosa, pre­sen­te na sua pri­mei­ra expo­si­ção indi­vi­dual, de mea­dos de 1987 na Subdistrito (encáus­ ti­ca sobre tela, 1987, 190x230 cm). Também aqui a lin­gua­gem é radi­cal­men­te dife­ren­te da empre­ga­da nas pin­tu­ras do artis­ta de 1984/85. A super­fí­cie da tela é reco­ber­ta por uma cama­da de cera mono­cro­má­ti­ca, de rele­vo ligei­ra­men­te aci­den­ta­do. A única carac­te­rís­ti­ca da obra que pode­ria ser enca­ra­da como gera­do­ra de uma com­po­si­ção é uma linha sutil que divi­de a super­fí­cie da obra em duas par­tes, uma infe­rior menor e outra supe­rior maior. Observação: no final de 1986, Carlito havia rece­bi­do o Prêmio Viagem ao Exterior no IX Salão Nacional de Artes Plásticas, com uma obra em encáus­ ti­ca, pre­sen­te na mos­tra da Subdistrito de 1987. No catá­lo­go da expo­si­ção de Carlito, Lorenzo Mammì, autor do texto, afir­ma “De um lado, Carlito acei­ta, como ponto de par­ti­da, os limi­tes for­mais da super­fí­cie plana do qua­dro; de outro, esco­lhe como mate­rial a cera, ele­men­to par­ti­cu­lar­men­te denso, irre­gu­lar, orgâ­ni­co. Pura ou mis­tu­ra­da com pig­men­tos, a cera alter­na trans­pa­rên­cia e refle­xo; esquen­ta­da, se res­fria em gru­mos mais ou menos com­pac­tos; dis­ten­di­da sobre um plano, forma cavi­da­des, saliên­cias, fen­ das. Entre dois ele­men­tos diver­gen­tes (a lúci­da geo­me­tria da super­fí­cie e a anar­ quia orgâ­ni­ca da cera), a ação do artis­ta torna-se media­ção de opo­si­ções, admi­ nis­tra­ção cui­da­do­sa de um con­fli­to. Não reve­la um esque­ma pre­de­ter­mi­na­do, e sim ­regras e táti­cas de jogo. Em cer­tos momen­tos, o artis­ta com­pen­sa a evi­dên­ cia geo­mé­tri­ca do for­ma­to com maior liber­da­de no tra­ta­men­to do mate­rial. Em ­outros, quan­do as pro­por­ções do qua­dro são menos defi­ni­das, ele as reto­ma

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extrain­do frag­men­tos da últi­ma cama­da de cera. Mas aqui tam­bém a for­ma­li­ za­ção se dá por meio de um trau­ma, ao qual a cera res­pon­de com uma ruga, uma repen­ti­na aspe­re­za. A forma, nes­tas obras, é um ponto de equi­lí­brio pre­ cá­rio, um espa­ço de silên­cio em um jogo de per­gun­tas e res­pos­tas. (...) O resul­ ta­do final, no entan­to, não é mini­ma­lis­ta: a obra exibe as mar­cas, os des­vios, as cica­tri­zes de um pro­ces­so de apro­xi­ma­ções suces­si­vas. E tam­pou­co pode ser iden­ti­fi­ca­do com a arte pove­ra, pois acei­ta, ao menos como linha de hori­zon­te, os limi­tes tra­di­cio­nais do qua­dro.”17 Mammì tam­bém diz, no final, que uma vez esgo­ta­das as van­guar­das, para artis­ta só res­ta­ria o “supor­te, a maté­ria e o gesto”. Vê-se, por­tan­to, que as novas obras dos (a esta altu­ra) ex-inte­gran­tes do ate­liê Casa 7, como Rodrigo e Carlito, esta­vam sendo pen­sa­das pelos crí­ti­cos (cita­ dos) como exem­plos de uma pre­ten­sa difi­cul­da­de con­tem­po­râ­nea de for­ma­li­za­ção – em opo­si­ção, cer­ta­men­te, à for­ma­li­za­ção deci­di­da das pri­mei­ras van­guar­das. O “neo-expres­sio­nis­mo” das pin­tu­ras ante­rio­res des­tes artis­tas não é cita­do neste tex­tos (dos catá­lo­gos de suas mos­tras indi­vi­duais): é como se não tives­se exis­ti­do. A sequên­cia fac­tual (no sen­ti­do de que exis­tiu) “pin­tu­ra neoexpres­sio­nis­ta – diá­lo­go com tra­di­ções moder­nas” é subs­ti­tuí­da, nes­tes tex­tos, por outra: “van­guar­das his­tó­ri­cas – esgo­ta­men­to das van­guar­das e o pro­ble­ma da for­ma­li­za­ção”. Lembro que na época reagi mal a esta forma de colo­car o pro­ble­ma, mais do que aos tra­ba­lhos em si (não havia gos­ta­do da expo­si­ção de Rodrigo, mas havia me inte­res­sa­do pelas encáus­ti­cas de Carlito). Estava preo­cu­pa­do em

17 MAMMÌ, Lorenzo. “Pinturas com cera”. In: Carlito Carvalhosa. São Paulo, Subdistrito Comercial de Arte, 1987. Catálogo.

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tri­lhar um cami­nho que me man­ti­ves­se den­tro dos limi­tes da pin­tu­ra, como a enten­dia (tinta sobre tela). Não me inte­res­sa­vam muito as van­guar­das que saíam fora des­tes limi­tes. Aos pou­cos, me dis­tan­ciei dos artis­tas da Casa 7, para ten­tar resol­ver o pro­ble­ma por mim mesmo. Passei a acom­pa­nhar de uma certa dis­tân­cia o que esta­va acon­te­cen­do a eles e ao seu tra­ba­lho. Em 1987 (março), Paulo Monteiro expôs escul­tu­ras no Gabinete de Arte Raquel Arnaud (que na época ocu­pa­va o tér­reo de um edi­fí­cio na Av. Nove de Julho, no Itaim). A figu­ra 204 mos­tra a escul­tu­ra repro­du­zi­da na capa do catá­ lo­go da expo­si­ção (foto­gra­fia rea­li­za­da na Casa 7).18 Vejamos um tre­cho de uma entre­vis­ta recen­te do artis­ta: “(…) rece­be­ mos uma crí­ti­ca muito seve­ra [duran­te a 18ª Bienal], tanto da ala mais espe­cia­ li­za­da quan­to da crí­ti­ca de jor­nal. (…) A par­tir daí meu tra­ba­lho mudou radi­ cal­men­te. Eu, que gos­ta­va de Lüpertz, pas­sei a gos­tar de Richard Serra. São refe­rên­cias com­ple­ta­men­te opos­tas umas às ­outras. (…) E aí, isso (…) coin­ci­diu tam­bém com o fato de ter conhe­ci­do o Alberto Tassinari, Rodrigo Naves, José Resende e Mira Schendel, o que me fez mudar um pouco o ângu­lo de visão.”19 As pala­vras de Monteiro são uma expli­ca­ção con­den­sa­da do que ocor­ reu, não só com ele, mas com todos do ate­liê Casa 7, após a 18ª Bienal: o aban­ do­no da pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta” em favor de uma reto­ma­da, pro­ble­má­ti­ca, das lin­gua­gens das van­guar­das moder­nas. No caso de Monteiro, no entan­to, a rup­tu­ra foi radi­cal: houve um aban­

18 Paulo Monteiro. São Paulo, Gabinete de Arte Raquel Arnaud, 1987. Catálogo. 19 Ver entrevista de Paulo Monteiro a Maria Olímpia de Mello Vassão, na Revista D’Art: “Um Horizonte Figurativo.” Site do Centro Cultural São Paulo na Internet.

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do­no da pin­tu­ra em favor da escul­tu­ra, como se o artis­ta qui­zes­se se dis­tan­ciar ao máxi­mo da repre­sen­ta­ção e da figu­ra­ção típi­cas da pin­tu­ra, para tra­ba­lhar com ele­men­tos con­cre­tos, reais e tri­di­men­sio­nais. O inte­res­san­te é que estas escul­tu­ras não foram sau­da­das pela crí­ti­ca como obras tri­di­men­sio­nais abs­tra­tas, opos­tas à figu­ra­ção e aos “sig­nos” da pin­ tu­ra. Pelo con­trá­rio: Alberto Tassinari, em seu texto para o catá­lo­go, enfa­ti­za o cará­ter “figu­ra­ti­vo” des­tas obras. “Elas se pare­cem com algo: um homem, um rép­til, ­outras é difí­cil dizer. Todas, de qual­quer modo, insi­nuam uma figu­ra. O efei­to é irô­ni­co, inu­si­ta­do. Elas se pare­cem com algo, mas como que a con­tra­ gos­to. Há toda uma ope­ra­ção cons­tru­ti­va, sim­ples e sutil, que leva em conta a pla­nu­ra do chão e o deli­ca­do arran­jo das par­tes para liber­tá-las do solo, mas então se trans­for­mam. Não são mais rela­ções entre ­linhas, pla­nos e volu­mes. Uma fisio­no­mia vem aglu­ti­nar o pro­ces­so cons­tru­ti­vo.”20 Este texto de Tassinari sobre as escul­tu­ras de Monteiro é uma peque­na obra-prima de inter­pre­ta­ção crí­ti­ca, não há dúvi­da. A pers­pi­cá­cia do crí­ti­co (para não dizer talen­to poé­ti­co) é admi­rá­vel. Ver figu­ras onde elas, em prin­cí­ pio, esta­riam sendo repe­li­das, reve­la gran­de sen­si­bi­li­da­de em rela­ção aos pro­ce­ di­men­tos mais sutis do pro­ces­so cria­ti­vo de Paulo Monteiro. Mas esta é uma lei­tu­ra atual minha. Na época, vi ape­nas uma recu­sa à pin­tu­ra – não só a pin­tu­ra “neo-expres­sio­nis­ta”, mas qual­quer pin­tu­ra. A men­ ção à figu­ra­ção, na época, tam­bém não foi de gran­de valia, pois estes tra­ba­lhos eram, no fim das con­tas, tri­bu­tá­rios de uma tra­di­ção escul­tó­ri­ca abs­tra­ta – o que para mim era mais forte do que a pos­si­bi­li­da­de de vê-los como figu­ras.

20 TASSINARI, Alberto. Texto sem título. In: Paulo Monteiro. São Paulo, Gabinete de Arte Raquel Arnaud, 1987. Catálogo.

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Outro artis­ta que rom­peu com a pin­tu­ra, na época, foi Nuno Ramos. A figu­ra 205 mos­tra obras suas de 1987, colu­nas cons­truí­das com peças de madei­ ra e cal (foto pos­si­vel­men­te rea­li­za­da na Casa 7). Em 1987, Nuno expôs estas e ­outras obras na Funarte do Rio de Janeiro (“Perspectivas Recentes da Escultura Brasileira”). João Sattamini havia se recu­ sa­do a expor seus tra­ba­lhos na Subdistrito, daí a esco­lha de um espa­ço ins­ti­tu­ cio­nal como a Funarte. “Em pó”, texto de Rodrigo Naves de 1987, faz men­ção às colu­nas de cal e madei­ra de Nuno. Trecho: “As colu­nas de Nuno Ramos (…) se ele­vam com uma inse­gu­ran­ça e uma incer­te­za de tal ordem que per­gun­ta­mos a todo ins­tan­ te se darão conta da forma que assu­mi­ram.”21 Em 1988, o tra­ba­lho de Nuno ­sofreu uma nova revi­ra­vol­ta, e o artis­ta expôs uma série de “pin­tu­ras” no MAC-USP, por oca­sião da sua pre­mia­ção no con­cur­so da 1ª Bolsa Emile Eddé. A figu­ra 206 mos­tra uma delas, uma obra de 250x220 cm sobre madei­ra, que leva vase­li­na, para­fi­na, teci­dos e ­outros mate­ riais (cole­ção MAC-USP). Alberto Tassinari escre­veu o texto de apre­sen­ta­ção des­tas pin­tu­ras. Trecho: “Nos novos qua­dros de Nuno Ramos, a pre­sen­ça pas­to­sa e cor­pó­rea dos mate­riais absor­ve e suplan­ta os ­sinais do seu des­lo­ca­men­to. Estes se mos­tram ape­nas inter­mi­ten­tes. Surgem cros­tas e embru­lhos que não reme­tem ou sim­bo­ li­zam, deste modo, nenhu­ma ação e dire­ção muito pre­ci­sas.”22 Em ambos os tex­tos crí­ti­cos, exis­te uma preo­cu­pa­ção com o impas­se for­ ma­li­za­ção ver­sus mate­rial. No caso das colu­nas, Naves vê inse­gu­ran­ça e incer­te­

21 NAVES, Rodrigo. “Em pó”. In: Ciclo de escultura. Rio de Janeiro, Galeria Sérgio Milliet, Funarte, INAP, 1987. 22 TASSINARI, Alberto. Apresentação da 1ª Bolsa Emile Eddé (1988). In: TASSINARI, Alberto; MAMMÌ, Lorenzo; NAVES, Rodrigo. Nuno Ramos. São Paulo, Ática, 1997.

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za na for­ma­li­za­ção de uma ver­ti­ca­li­da­de: as colu­nas de cal e madei­ra, em fun­ ção da ins­ta­bi­li­da­de da com­bi­na­ção de mate­riais esco­lhi­da, têm uma estru­tu­ra frá­gil, pre­cá­ria. No caso das pin­tu­ras, Tassinari vê um hiato entre os mate­riais uti­li­za­dos na obra e as ações e ges­tos do artis­ta. Os ges­tos não ­seriam visí­veis no mate­rial (como pin­ce­la­das são, por exem­plo). Lendo estes tex­tos hoje, não deixa de cau­sar espan­to que na época já hou­ ves­se uma inter­pre­ta­ção crí­ti­ca tão segu­ra de si mesma, a res­pei­to dos tra­ba­lhos de Nuno e tam­bém dos ­outros ex-Casa 7. Afinal, os tra­ba­lhos eram recen­tes. Isso se deve, cer­ta­men­te, à cla­re­za de pen­sa­men­to dos crí­ti­cos envol­vi­ dos, que sou­be­ram iden­ti­fi­car as ques­tões pre­sen­tes nos tra­ba­lhos. Mas tam­bém se deve ao pro­je­to comum dos crí­ti­cos e artis­tas em ques­tão, de resis­tên­cia ao mundo con­tem­po­râ­neo, onde tudo, inclu­si­ve a arte, é colo­ca­do a ser­vi­ço do comér­cio e do con­su­mo. Esta resis­tên­cia pas­sou a sig­ni­fi­car, tanto para artis­tas como para crí­ti­ cos, uma fuga do uni­ver­so da ima­gem e da forma por ­demais defi­ni­da (mesmo que abs­tra­ta), e uma opção pela opa­ci­da­de e cor­po­rie­da­de da maté­ria, enten­di­da como resis­ten­te à for­ma­li­za­ção. Não são ­outras as ques­tões pro­ble­ma­ti­za­das pelas pin­tu­ras de Fábio Miguez, expos­tas na Paulo Figueiredo Galeria de Arte em junho de 1988. A figu­ra 207 mos­tra uma delas (óleo e cera sobre tela, 175x240 cm, 1988). Como no caso das encáus­ti­cas de Carlito Carvalhosa do ano ante­rior, nesta pin­tu­ra de Fábio Miguez a maté­ria da tinta (no caso, óleo mis­tu­ra­do com cera e tere­bin­ti­na) é bas­tan­te impor­tan­te. A for­ma­li­za­ção empreen­di­da pelo

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artis­ta esbar­ra nesta maté­ria, emper­ra nela. As “pin­ce­la­das” se con­fun­dem com os gru­mos de tinta, e o resul­ta­do é quase amor­fo, não fosse a dis­tri­bui­ção irre­ gu­lar deste mes­mos gru­mos na super­fí­cie da tela (que dá à pin­tu­ra uma “forma”). “A Matéria da Expressão”, texto de Rodrigo Naves que acom­pa­nha as repro­du­ções do catá­lo­go, desen­vol­ve a ques­tão maté­ria ver­sus for­ma­li­za­ção. Trecho: “(…) o aspec­to turvo des­sas cores impe­de que o bri­lho lhes empres­te uma evi­dên­cia que pode­ria com­pro­me­ter todo o tra­ba­lho de tra­va­men­to da expres­são, na medi­da em que se obte­ria uma pseu­do-estru­tu­ra­ção à tona dos qua­dros que anu­la­ria a cor­po­rei­da­de da maté­ria e a devol­ve­ria à con­di­ção de mero veí­cu­lo das ope­ra­ções artís­ti­cas.”23 Não por acaso, este tipo de pin­tu­ra ficou conhe­ci­do como pin­tu­ra “maté­ri­ca” (expres­são sur­gi­da na mídia). Fábio Miguez, Carlito Carvalhosa, Nuno Ramos e ­outros artis­tas como Célia Euvaldo, Paulo Pasta e Marco Giannotti são pin­to­res que desen­vol­ve­ram a ques­tão “maté­ri­ca”. A figu­ra 208 mos­tra uma pin­tu­ra de Paulo Pasta de 1989 (óleo e cera sobre tela, 190x220 cm). A figu­ra 209 mos­tra uma pin­tu­ra de Marco Giannotti (“Wahnsee 2”, 1988, 140x220 cm), obra da sua pri­mei­ra expo­si­ção indi­vi­dual, em 1988, na Paulo Figueiredo Galeria de Arte. Eis um tre­cho do texto do catá­lo­go, de Lorenzo Mammì: “Existem obras que, quan­do aca­ba­das, escon­dem o pro­ces­so que a pro­du­ziu. Em ­outras, a forma é dada pelo pró­prio ato de pro­du­zi-las. Neste últi­mo caso, o pin­tor deve sus­ci­tar em seus mate­riais uma certa relu­tân­cia

23 NAVES, Rodrigo. “A Matéria da Expressão”. In: Fábio Miguez. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1988. Catálogo.

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em acei­tar as suas ope­ra­ções. (…) Os tra­ba­lhos de Marco Giannotti per­ten­cem a esta últi­ma cate­go­ria. A super­fí­cie sobre a qual ele pinta é feita de papel fino, pre­ca­ria­men­te gram­pea­do à tela. Suas cores são mis­tu­ras de óleo muito fino e gra­fi­te. (…) Entre super­fí­cies e pig­men­tos não exis­tem acor­do, nem busca de equi­lí­brio.”24 aaa

24 MAMMÌ, Lorenzo. Texto sem título. In: Marco Giannotti. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1988. Catálogo.

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Olho&Óleo (1987) e ­outros exem­plos de figu­ra­ção

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Em 1987, eu e Maína Costales já está­va­mos casa­dos e morá­va­mos em uma casa com ate­liê, na Vila Madalena. Tínhamos uma filha, Antonia, nas­ci­da em maio de 1986. Não fre­quen­tá­va­mos a FAU desde 1984/85, e tra­ba­lhá­va­mos ape­nas com pin­tu­ra. Um cole­cio­na­dor amigo, Orandi Momesso, aju­da­va com uma quan­tia men­sal, em fun­ção da expo­si­ção que esta­va mar­ca­da para março de 1987 no Museu de Arte Moderna de São Paulo. “Olho&Óleo”, esta expo­si­ção, acon­te­ceu entre dezes­se­te de março e três de abril de 1987, com obras ­minhas, de Alexandre Martins Fontes, Maína Costales, Fábio Lopes e Ricardo Laterza, um grupo que se for­mou espe­cial­ men­te para a expo­si­ção (eu, Maína e Alexandre nos conhe­cía­mos da FAU; Fábio e Ricardo tam­bém eram ex-alu­nos da FAU). Foi uma expo­si­ção gran­de, que ocu­pou quase todo o pré­dio do MAM no Parque Ibirapuera. Continha de dez a quin­ze pin­tu­ras de cada artis­ta. A dire­to­ra do MAM na época era Vera Lúcia (Valu) Ória. O texto de apre­sen­ta­ção do catá­lo­go é de sua auto­ria (trans­cri­to aqui na ínte­gra). “Dentro da sua linha de pro­gra­ma­ção, o Museu de Arte Moderna de São Paulo ini­cia suas ati­vi­da­des cul­tu­rais de 1987 apre­sen­tan­do uma expo­si­ção de ­jovens artis­tas. Tendo como títu­lo “Olho&Óleo” esta mos­tra reúne tra­ba­lhos de cinco artis­tas, que con­for­me seus pró­prios depoi­men­tos se inti­tu­lam inde­ pen­den­tes. Não com­par­ti­lham do mesmo ate­lier, não for­mam um grupo, e não repre­sen­tam uma ten­dên­cia ou gera­ção.” “No entan­to, esse agru­pa­men­to não deve ser enten­di­do como mera­ men­te cir­cuns­tan­cial; o con­fron­to de seus tra­ba­lhos reve­la, de ime­dia­to, uma

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com­ple­men­ta­ri­da­de, que jus­ti­fi­ca e enri­que­ce a mos­tra con­jun­ta. As con­ver­ gên­cias de suas pes­qui­sas são sufi­cien­te­men­te evi­den­tes para per­mi­tir a lei­tu­ra da expo­si­ção como um todo, embo­ra não che­guem a amea­çar a inte­gri­da­de dos dis­cur­sos indi­vi­duais.” “Especificar estas con­ver­gên­cias seria com­pli­ca­do, mas pode­mos con­ cluir que todas elas pare­cem deri­var de algu­mas pre­mis­sas ­comuns: é pre­ci­so real­çar a opção comum pela pin­tu­ra como lin­gua­gem cen­tral, pres­su­pon­do a cren­ça bási­ca de que a pin­tu­ra é uma lin­gua­gem viva, que ofe­re­ce ao artis­ta pos­ si­bi­li­da­des de inves­ti­ga­ções iné­di­tas e fecun­das; e ainda a apro­xi­ma­ção pela con­cep­ção de pin­tu­ra como lugar de coe­xis­tên­cia, não sendo dis­cri­mi­na­das ou hie­rar­qui­za­das fon­tes a prio­ri; tudo o que é sig­ni­fi­ca­ti­vo é ado­ta­do, inde­pen­den­ te­men­te de sua pro­ce­dên­cia.” “É sin­to­má­ti­co que em suas telas trans­pa­re­çam con­co­mi­tan­te­men­te pro­ce­di­men­tos e solu­ções típi­cas de van­guar­das his­tó­ri­cas, por mais diver­gen­tes que ­tenham sido suas pro­po­si­ções espe­cí­fi­cas; são incor­po­ra­das estru­tu­ras ine­ ren­tes às ver­ten­tes abs­tra­tas da arte moder­na, ao mesmo tempo que refe­rên­cias pró­prias do natu­ra­lis­mo ou da figu­ra­ção. Da mesma forma são ado­ta­das num único tra­ba­lho pos­tu­ras ora cons­tru­ti­vas, ora infor­mais, res­pei­tan­do tanto a inten­ção como o acaso.” “A expo­si­ção está mos­tran­do cerca de dez obras de cada artis­ta, e estas serão agru­pa­das num mesmo espa­ço pela pri­mei­ra vez. Cabe ao públi­co con­ fron­tar esses tra­ba­lhos e fazer sua pró­pria ava­lia­ção.”25 É inte­res­san­te a dife­ren­ça entre este texto de Valu Ória e os tex­tos vis­tos

25 ÓRIA, Vera Lúcia. “Apresentação”. In: Olho&Óleo. São Paulo, Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1987. Catálogo.

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acima, de Alberto Tassinari, Rodrigo Naves e Lorenzo Mammì. São con­cep­ções diver­sas, até opos­tas. Nos tex­tos dos crí­ti­cos liga­dos ao grupo “maté­ri­co”, o para­do­xo for­ma­li­za­ção ver­sus maté­ria é o prin­ci­pal pro­ble­ma; já no texto de Valú Ória, a pin­tu­ra é enten­di­da como livre asso­cia­ção de lin­gua­gens hete­ro­gê­ neas, sem haver para­do­xo ­nenhum nisso. Esta dife­ren­ça nas abor­da­gens crí­ti­cas refle­te uma dife­ren­ça no tra­ba­ lho. As pin­tu­ras de “Olho&Óleo” são figu­ra­ti­vas e eclé­ti­cas, e estão longe do rigor for­mal e da abs­tra­ção das obras “maté­ri­cas” da mesma época. As figu­ras 210 a 218 mos­tram telas pre­sen­tes nesta expo­si­ção. A figu­ra 210 repro­duz uma pin­tu­ra de Alexandre Martins Fontes, cons­tan­te do catá­lo­go (sem títu­lo, óleo sobre tela, 1987, 112x153 cm). A figu­ra 211 mos­tra uma pin­tu­ra minha, esco­lhi­da para o catá­lo­go: “Figura no Escuro” (1986, óleo sobre tela, 80x59 cm; a figu­ra está esca­la 1:10). A figu­ra 212 mos­tra a pin­tu­ra “Verde que te quero Verde”, de Fábio Lopes, tam­bém do catá­lo­go (óleo sobre tela, 119x149 cm). A figu­ra 213 mos­tra uma pin­tu­ra sem títu­lo de Maína Costales, do catá­ lo­go (óleo sobre tela, 1986, 100x130 cm; um texto de Antonio Henrique Amaral, de quem Maína havia sido assis­ten­te, acom­pa­nha esta repro­du­ção, no catá­lo­ go). A figu­ra 214 mos­tra a pin­tu­ra de Ricardo Laterza inti­tu­la­da “A praça dos Próceres” (do catá­lo­go; óleo e areia sobre tela, 1987, 61x121 cm). As figu­ras 215 a 218 mos­tram qua­tro telas ­minhas de uma série de seis, todas de 1986, medin­do 130x120 cm. Estas telas esta­vam na expo­si­ção

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“Olho&Óleo”, e for­ma­vam um sub­con­jun­to den­tro do con­jun­to das obras de minha auto­ria expos­tas no MAM. Não estão repro­du­zi­das no catá­lo­go. O que dizer des­tas pin­tu­ras? Em pri­mei­ro lugar, as pin­tu­ras da “Olho&Óleo” são pin­tu­ras “tra­di­cio­nais”, figu­ra­ti­vas. Há uma natu­re­za morta (Alexandre M. Fontes); um “retra­to” inven­ta­do e cari­ca­tu­ral, escu­ro como os de Rembrandt (Antonio Malta); uma pai­sa­gem urba­na (Fábio Lopes); uma com­ po­si­ção com figu­ras e for­mas orgâ­ni­cas (Maína Costales); outra pai­sa­gem urba­ na (Ricardo Laterza); e final­men­te os qua­tro gran­des “retra­tos” inven­ta­dos, que pos­suem uma lin­gua­gem figu­ra­ti­va que lem­bra as his­tó­rias em qua­dri­nhos (Antonio Malta). Em com­pa­ra­ção com as pro­pos­tas “maté­ri­cas” da mesma época, a expo­ si­ção “Olho&Óleo” repre­sen­ta uma espé­cie de insis­tên­cia em uma tri­lha figu­ra­ ti­va. Esta tri­lha não era neces­sa­ria­men­te a aber­ta pela pin­tu­ra “neo-expres­sio­ nis­ta”. Artistas como Sérgio Fingermann, Luis Paulo Baravelli e Antonio Henrique Amaral eram refe­rên­cias impor­tan­tes, neste sen­ti­do. A figu­ra 219 mos­tra uma pin­tu­ra de Sérgio Fingermann, em acrí­li­co sobre tela, de 170x165 cm, cons­tan­te do catá­lo­go da expo­si­ção “Sérgio Fingermann, Pinturas”, rea­li­za­da na Galeria Luisa Strina em 1988. Notar as mon­ta­nhas e ­rochas, que lem­bram as pai­sa­gens de Giotto.26 As figu­ras 220 e 221 mos­tram duas pin­tu­ras de Baravelli, da sua expo­ si­ção de 1982 na Paulo Figueiredo Galeria de Arte, mos­tra inti­tu­la­da “Pinturas sobre a Indeterminação”. “Cena Típica com Personagens Locais” (fig. 220; acrí­li­ca sobre tela,

26 Sérgio Fingermann, Pinturas. São Paulo, Galeria Luisa Strina, 1988. Catálogo.

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1981, 78x150 cm) é uma pin­tu­ra em forma de díp­ti­co, com figu­ras em “esti­los” dife­ren­tes. “Retrato do Jovem Poeta” (fig. 221; acrí­li­ca e cola­gem sobre tela, 1981, 80x140 cm) é uma tela onde há jus­ta­po­si­ção de figu­ras diver­sas (o dese­nho do busto de um jovem, o per­fil de uma “pin up girl”) – uma cola­gem, enfim.27 A figu­ra 222 mos­tra uma pin­tu­ra de Antonio Henrique Amaral, da série “Bananas” (“Detalhe com corda”, óleo sobre tela, 1972, 150x150 cm). Uma pin­tu­ra da déca­da de 70, espé­cie de metá­fo­ra da opres­são. aaa

27 L. P. Baravelli. Pinturas sobre a Indeterminação. São Paulo, Paulo Figueiredo Galeria de Arte, 1982. Catálogo.

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Figuras 220 e 221

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1987 a 1990

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Depois da “Olho&Óleo”, no segun­do semes­tre de 1987, come­cei a estu­ dar para o exame ves­ti­bu­lar da Fuvest. Havia aban­do­na­do meu curso na FAU, e esta­va em dúvi­da se o reto­ma­ria ou se estu­da­ria Artes Plásticas, na Escola de Comunicações e Artes da USP. Neste perío­do, pin­tei ­alguns qua­dros onde explo­ ra­va a figu­ra­ção de per­so­na­gens (figu­ra 223; óleo sobre tela, 1987, 100x80 cm). Tinha cons­ciên­cia do ana­cro­nis­mo deste tipo de pin­tu­ra, em rela­ção às pes­qui­sas maté­ri­cas dos ex-cole­gas de Casa 7. Mesmo assim, insis­tia tei­mo­sa­men­ te nesta figu­ra­ção – uma forma de pre­ser­var a pin­tu­ra da sua dis­so­lu­ção, tal­vez. Fui apro­va­do na ECA no ves­ti­bu­lar de fins de 1987, mas aca­bei optan­do por con­ti­nuar na FAU. Nos qua­tro anos seguin­tes, a par­tir de 1988, fui à FAU quase dia­ria­men­te (me for­mei em 1991). No segun­do semes­tre de 1988, já sepa­ra­do de Maína Costales, ­entrei para o ate­liê de Sérgio Niculitcheff, Ciro Cozzolino, Jaime Pradez, Carlos Delfino, Antonio Sérgio e Paulo Whitaker, na rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena. A figu­ra 224 mos­tra uma encáus­ti­ca sobre madei­ra desta época (tra­ ba­lho desa­pa­re­ci­do, de 80x100 cm), no qual eu ten­ta­va ela­bo­rar o dado maté­ri­ co no con­tex­to da figu­ra­ção. Em 1989, eu, Sérgio Niculitcheff, Antonio Sérgio, Paulo Whitaker, Marcelo Cipis, Luis Sôlha e Nazareth Pacheco mon­ta­mos um ate­liê na rua Frederico Steidel, no cen­tro de São Paulo (Santa Cecília). Lá, fize­mos uma expo­si­ção (1989), onde mos­trei pin­tu­ras figu­ra­ti­vas, de uma lin­gua­gem sim­pli­ ca­da, quase infan­til, algu­mas com o tema dos “car­ri­nhos” (figu­ra 225; óleo sobre tela, 1989, 120x130 cm, cole­ção Adriana Penteado).

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Nesta época, fiz uma pin­tu­ra em um cami­nhão da empre­sa Metropolitan Transports (a con­vi­te de José Carratú), obra que aca­bou sendo doada à Pinacoteca do Estado de São Paulo anos ­depois (figu­ra 226; esmal­te sin­té­ti­co sobre lata, 1989). Em 1990, Paulo Whitaker, Antonio Sérgio e eu expu­se­mos na Kramer Galeria de Arte, em Pinheiros. Minhas pin­tu­ras desta expo­si­ção osci­la­ram entre uma figu­ra­ção mais defi­ni­da e uma ges­tua­li­da­de impul­si­va (figu­ra 227; óleo sobre tela, 1990, 100x120 cm). No ate­liê da Frederico Steidel, além de Antonio Sérgio e Paulo Whitaker, o artis­ta com quem mais con­vi­via era Marcelo Cipis. Cipis, ilus­tra­dor pro­fis­sio­nal, esta­va inves­tin­do no seu tra­ba­lho como artis­ta plás­ti­co, ­depois de ­alguns anos de par­ti­ci­pa­ção em ­salões e cole­ti­vas. Em 1989, Cipis mon­tou na Kramer Galeria de Arte sua segun­da mos­tra indi­vi­dual: “Trabalhos Recentes & Pirex Paintings”. A figu­ra 228 mos­tra uma pin­tu­ra desta expo­si­ção, onde a ima­ gem da mode­lo lem­bra um dese­nho de pro­pa­gan­da anti­ga (óleo sobre tela, 146x122 cm).28 Em 1991, ­depois de me for­mar na FAU, parei de pin­tar por um tempo e fui tra­ba­lhar como arqui­te­to. A minha pin­tu­ra ficou em com­pas­so de espe­ra; só fui reto­má-la anos ­depois, em 1995. aaa

28 Marcelo Cipis. Trabalhos Recentes & Pyrex Paintings. São Paulo, Kramer Galeria de Arte, 1989. Catálogo.

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As três pin­tu­ras mos­tra­das nas figu­ras 229, 230 e 231 fazem parte de uma série rea­li­za­da em 1996, após ­alguns anos em que ­fiquei sem pin­tar. Foram rea­ li­za­das na edí­cu­la da casa de meus pais (a mesma dos dese­nhos de julho de 1977). Nestas três obras, bem como nas ­outras que inte­gram esta série de 1996, minha preo­cu­pa­ção foi encon­trar o fio da meada da pin­tu­ra, per­di­do ­alguns anos antes. Para isto, tive que reco­me­çar do “zero”, por assim dizer. Definir este “grau zero” não foi difí­cil: era pre­ci­so aban­do­nar a figu­ra­ ção “dese­nha­da” da minha pin­tu­ra ante­rior, mas ao mesmo tempo recu­pe­rar a liber­da­de “neo-expres­sio­nis­ta”, sem­pre um bom ponto de par­ti­da (pois é fecun­ do). Estas pin­tu­ras refle­tem este aban­do­no: são mais pic­tó­ri­cas. Seriam abs­tra­ tas, se suas for­mas não se orga­ni­zas­sem segun­do um prin­cí­pio figu­ra­ti­vo. “Cubismo Azul” (figu­ra 229, óleo sobre tela, 160x160 cm) não deixa de ser um rosto gran­de, na tra­di­ção das pin­tu­ras “qua­dri­nhos” de 1986, cons­truí­da com for­mas mais ou menos impro­vi­sa­das no momen­to da pin­tu­ra. “Seios e Formas” (figu­ra 230, óleo sobre tela, 160x160 cm) é uma varia­ ção da idéia ante­rior (não sei qual das duas fiz pri­mei­ro), mas agora o rosto pra­ti­ca­men­te se des­faz em geo­me­tri­za­ções. O seio é um dese­nho, ane­xa­do às for­mas. No canto supe­rior esquer­do, desa­pa­re­ce a rela­ção de figu­ra e fundo pre­sen­te no res­tan­te da tela. “Retângulos” (figu­ra 231, óleo sobre tela, 160x160 cm) marca o limi­te da desa­gre­ga­ção for­mal e repre­sen­ta­ti­va ini­cia­da nas pin­tu­ras des­cri­tas acima. É pra­ti­ca­men­te abs­tra­ta, e “ina­ca­ba­da”. Como ano­ta­ção figu­ra­ti­va, há um rosto na parte supe­rior.

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Em 1997, fiz uma série de pin­tu­ras peque­nas, ges­tuais, e algu­mas natu­ re­zas mor­tas (além de mui­tos dese­nhos, goua­ches e aqua­re­las, que já vinha fazen­do desde 1995). Em mea­dos de 1998, atra­vés de Marcelo Cipis, fui con­vi­da­do para uma expo­si­ção cole­ti­va na FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), a ser rea­ li­za­da em setem­bro. Deveria apre­sen­tar três pin­tu­ras. Este con­vi­te me pegou de sur­pre­sa. Achava que meu tra­ba­lho, reto­ma­ do ape­nas dois anos antes, ainda não esta­va pron­to para ser mos­tra­do. De qual­ quer forma, acei­tei o con­vi­te, e para evi­tar de mos­trar o que con­si­de­ra­va um tra­ba­lho “crú” (as pin­tu­ras de 1996/97), come­cei a pre­pa­rar três telas de 180x180 cm para a expo­si­ção (a pri­mei­ra ­depois de oito anos sem expor). Talvez em fun­ção das dúvi­das que ainda pos­suía em rela­ção à lin­gua­ gem que esta­va uti­li­zan­do nas pin­tu­ras, resol­vi, nes­tas telas, bus­car uma sim­pli­ fi­ca­ção mais radi­cal, e fiz duas pin­tu­ras muito con­tro­la­das, quase mono­cro­má­ ti­cas. Estas pin­tu­ras não deram certo, e as des­truí. Sobrava uma tela em bran­co, das que pre­pa­rei: nesta, impro­vi­sei um “esbo­ço” rápi­do em duas ses­sões de tra­ba­lho, sem ten­tar con­tro­lar o resul­ta­do, sol­tan­do a mão. O resul­ta­do pode ser visto na figu­ra 232 (óleo sobre tela, 180x180 cm, 1998). Quando ter­mi­nei esta pin­tu­ra, minha sen­sa­ção foi de fra­cas­so. Sentia que havia feito um esbo­ço e aban­do­na­do a pin­tu­ra no está­gio pre­li­mi­nar. Um pouco ­depois, come­cei a gos­tar dela e reco­nhe­ci neste pro­ce­di­men­to uma solu­

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ção, e não um pro­ble­ma (se a ques­tão é a impos­si­bi­li­da­de de tra­ba­lhar com for­ mas defi­ni­das a prio­ri, a pin­tu­ra deve refle­tir este impas­se, e não mas­ca­rá-lo). Organizada por Marcelo Cipis, Tonico Lemos, Érika Verzuti e Alexandre da Cunha, com cura­do­ria de Per Hovdenakk, “Além do Arco Íris” ficou mon­ta­da na FAAP entre quin­ze de setem­bro e qua­tro de outu­bro de 1998. Uma expo­si­ção eclé­ti­ca, que con­tou com a par­ti­ci­pa­ção Yoko Ono, Jac Leirner, Marepe e Lúcia Mindlin Loeb, entre ­outros, além dos orga­ni­za­do­res cita­dos.29 A tela da figu­ra 232 foi para a expo­si­ção, acom­pa­nha­da de duas que já esta­vam pron­tas: “Retângulos” (figu­ra 231; cita­da acima) e “Dois per­so­na­gens pas­sean­do em uma com­po­si­ção abs­tra­ta” (figu­ra 233; óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm). No catá­lo­go da expo­si­ção, publi­quei um texto sobre a pin­tu­ra “Retângulos” que diz o seguin­te: “São for­mas e figu­ras se uti­li­zan­do de sobre­ po­si­ções de três cores bási­cas: ocre, preto e bran­co. O dado maté­ri­co está na pin­ce­la­da, que reti­ra das for­mas geo­mé­tri­cas seu cará­ter rígi­do para arti­cu­lá-las no domí­nio do sen­sí­vel. Existe uma ten­são entre uma forma dada a prio­ri e a gera­ção da pin­tu­ra enten­di­da como um acon­te­ci­men­to sin­gu­lar (não pre­vis­ to).”30 Após a expo­si­ção, come­cei a com­prar tela impor­ta­da dos Estados Unidos, já pron­ta para pin­tar, em rolo. A pin­tu­ra da figu­ra 234 (“Fóssil”, óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm) ainda foi pin­ta­da sobre tela de lona pre­pa­ra­da por mim, mas as que vemos nas figu­ras 235, 236, 237, 238 e 239 já são pin­tu­ras rea­ li­za­das na tela impor­ta­da.

29 Além do Arco Íris. São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 1998. Catálogo. 30 MALTA, Antonio. Texto sem título. In: Além do Arco Íris. São Paulo, Fundação Armando Álvares Penteado, 1998. Catálogo.

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Comecei a tra­ba­lhar sobre esta tela com­pra­da em rolo por uma ques­tão de eco­no­mia. Aproveitava os chas­sis que já tinha e esti­ca­va a tela nes­tes chas­sis (o preço do chas­si de pin­tu­ra é alto). Esta eco­no­mia pos­si­bi­li­tou um maior volu­ me de pro­du­ção: pin­tei mui­tas telas no final de 1998. A pin­tu­ra da figu­ra 235 (óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm; cole­ção Jens Olesen) é uma delas. Trata-se de uma segun­da ver­são da pin­tu­ra “Dois per­so­ na­gens pas­sean­do em uma com­po­si­ção abs­tra­ta” (figu­ra 233). Aparentemente, em vez de dar con­ti­nui­da­de à ges­tua­li­da­de impro­vi­sa­da da pin­tu­ra da figu­ra 232, ten­tei, nesta obra, cami­nhar na dire­ção opos­ta: a da defi­ni­ção, por ante­ci­ pa­ção, das figu­ras e for­mas a serem pin­ta­das. O que esta­va acon­te­cen­do é que não esta­va con­ven­ci­do de que devia optar pela infor­ma­li­da­de com­ple­ta. Mesmo con­si­de­ran­do boa a pin­tu­ra da figu­ ra 232, ten­ta­va ata­car o pro­ble­ma pelo lado con­trá­rio, mis­tu­ran­do for­mas geo­ mé­tri­cas mais ou menos defi­ni­das com uma figu­ra­ção de per­so­na­gens. A figu­ra 236 mos­tra a pin­tu­ra “Televisão”, mais impro­vi­sa­da do que a pin­tu­ra ante­rior, mas tam­bém nesta linha de pes­qui­sa (óleo sobre tela, 1998, 160x160 cm). As figu­ras 237, 238 e 239 (todas óleo sobre tela, com 160x160 cm, 1998) mos­tram ­outras pin­tu­ras desta série. aaa

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Figura 232

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1999 foi o ano em que rea­li­zei minha pri­mei­ra expo­si­ção indi­vi­dual, na Galeria SESC Paulista, no tér­reo do edi­fí­cio do SESC na Av. Paulista. Para quem come­çou em 1980, foi uma pri­mei­ra expo­si­ção indi­vi­dual tar­dia. Mas veio em boa hora, e mar­cou a matu­ra­ção do tra­ba­lho que vinha desen­vol­ven­do desde 1996.31 Várias pin­tu­ras mos­tra­das aqui esti­ve­ram nesta expo­si­ção. A obra da figu­ra 232 foi capa do catá­lo­go. Estavam no SESC, tam­bém, as pin­tu­ras das figu­ras 230, 234, 235 e 237. Além des­tas e ­outras pin­tu­ras gran­des, expus pin­tu­ras meno­res, como as das figu­ras 240, 241 e 242 (todas de 60x80 cm, 1998, óleo sobre tela). Esta mos­tra con­ti­nha duas ­linhas de tra­ba­lho opos­tas: a pin­tu­ra da capa do catá­lo­go (fig. 232) e ­outras pró­xi­mas (fig. 230), com uma lin­gua­gem infor­mal quase abs­tra­ta, e pin­tu­ras mais geo­mé­tri­cas e figu­ra­ti­vas (fig. 235). Talvez o tra­ ba­lho não esti­ves­se tão madu­ro assim, pois estas ques­tões ainda não esta­vam resol­vi­das. Mesmo assim, foi uma expo­si­ção rica, pela diver­si­da­de das pro­pos­ tas. É inte­res­san­te como Rejane Cintrão tenta, no texto do catá­lo­go, abri­gar a diver­si­da­de das pro­pos­tas des­tas telas em um con­cei­to fle­xí­vel e uni­fi­ca­dor: “Fruto de qua­tro anos de tra­ba­lho, a pro­du­ção rea­li­za­da por Malta nes­tes últi­ mos anos para esta expo­si­ção evi­den­cia uma raiz cons­tru­ti­va per­cep­tí­vel na eco­no­mia das cores, nas for­mas quase geo­mé­tri­cas e na busca de uma pin­tu­ra refle­xio­nan­te. Ao mesmo tempo, a inser­ção de ima­gens figu­ra­ti­vas causa estra­ nha­men­to pela que­bra da orga­ni­za­ção do espa­ço. (…) A cons­tru­ção de sua pin­

31 Antonio Malta. São Paulo, SESC, 1999. Catálogo.

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tu­ra dá-se espon­ta­nea­men­te por meio de pin­ce­la­das, ape­sar de exis­tir um pro­ je­to ante­rior de esco­lha das cores e do tama­nho da tela. Não se trata nem de uma pin­tu­ra espon­tâ­nea, nem cons­truí­da ou pre­con­ce­bi­da por com­ple­to.”32 Eu, no entan­to, via nes­tas pin­tu­ras con­tra­di­ções e cami­nhos inter­rom­pi­ dos. De qual­quer forma, cami­nhos ricos, a serem explo­ra­dos. No segun­do semes­tre de 1999, mais para o fim do ano, pin­tei um qua­ dro que pode ser con­si­de­ra­do uma ten­ta­ti­va de explo­rar um des­tes cami­nhos. Este qua­dro é o da figu­ra 243 (“Coleção”, óleo sobre tela, 160x160 cm). Vejo esta pin­tu­ra como uma espé­cie de rema­ke da que está mos­tra­da na figu­ra 232, mas um rema­ke na dire­ção opos­ta do infor­ma­lis­mo desta últi­ma. Em ambas, as figu­ ras sur­gem de esbo­ços e aci­den­tes, sem um pla­ne­ja­men­to pré­vio. A dife­ren­ça é que na pin­tu­ra da figu­ra 243 foi eli­mi­na­da a pin­ce­la­da ges­tual. O aca­ba­men­to das for­mas é cui­da­do­so, e o fundo é de um ocre cha­pa­do, uni­for­me. aaa

32 CINTRÃO, Rejane. Texto sem título. In: Antonio Malta. São Paulo, SESC, 1999. Catálogo.

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Figuras 240, 241 e 242

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2000, 1º semestre

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Minha segun­da expo­si­ção indi­vi­dual foi rea­li­za­da em junho de 2000, no Espaço Cultural CEMIG, em Belo Horizonte (situa­do no tér­reo do edi­fí­cio da Companhia de Energia de Minas Gerais). Foi (tam­bém) uma expo­si­ção eclé­ti­ca, em que mos­trei as três pin­tu­ras de 2000 que havia con­se­gui­do pre­pa­rar e cinco pin­tu­ras de anos ante­rio­res. As figu­ras 244, 245 e 246 mos­tram os três tra­ba­lhos de 2000 (res­pec­ti­va­men­te: “Explosão”, “Paisagem” e “Casa”; óleo sobre tela, 160x160 cm). Estas três pin­tu­ras repre­sen­ta­vam a radi­ca­li­za­ção do pro­ce­di­men­to ini­ cia­do na pin­tu­ra da figu­ra 243 (“Coleção”, de 1999), de pla­ne­jar a pin­tu­ra com ante­ce­dên­cia. Junto com esta últi­ma (capa do catá­lo­go), for­ma­vam o con­jun­to de obras novas da mos­tra. As ­outras obras mos­tra­das foram as das figu­ras 239, 238, 236 e 231, pin­ tu­ras de 1998 e 1996, por­tan­to mais anti­gas e bem dife­ren­tes das rea­li­za­das espe­ cial­men­te para a expo­si­ção (de 2000). No texto que escre­vi para o catá­lo­go, “Período de Transição”, pro­cu­rei expli­car as dife­ren­ças (trans­cri­to abai­xo na ínte­gra). “Esta expo­si­ção, que é a minha segun­da indi­vi­dual, marca um perío­do de tran­si­ção no meu tra­ba­lho. A mudan­ça de curso é bas­tan­te sig­ni­fi­ca­ti­va, e para dei­xar isso claro, deci­di ­incluir na mos­tra pin­tu­ras ante­rio­res a esta mudan­ ça, junto às pin­tu­ras que estou fazen­do agora.” “Quatro das pin­tu­ras (Retângulos [fig. 231], Televisão [fig. 236], Seios [fig. 239] e Homem Marrom [fig. 238]) que estou mos­tran­do são de 1996, 97 e 98, quan­do o tra­ba­lho era feito sem muito pla­ne­ja­men­to, em uma ou duas ses­

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sões. Este tipo de tra­ba­lho não me satis­fa­zia, mas era espon­tâ­neo e dire­to. Não havia espa­ço para dúvi­das, nem esco­lhas a serem fei­tas. O que vinha na tela era ime­dia­ta­men­te acei­to.” “Agora, pare­ce que meu méto­do ante­rior foi colo­ca­do de cabe­ça para baixo. As três pin­tu­ras fei­tas este ano (Explosão [fig. 244], Paisagem [fig. 245] e Casa [fig. 246]) e a de 1999 (Coleção [fig. 243]) sina­li­zam um novo ponto de par­ ti­da, com mais pla­ne­ja­men­to e esbo­ços pre­pa­ra­tó­rios. Além disso, as for­mas abs­tra­tas e as figu­ras, já pre­sen­tes nas obras anti­gas, estão sujei­tas a dese­nho e tra­ta­men­to mais cui­da­do­sos. Trabalhar assim tam­bém me esti­mu­la a usar mais a cor.” “A natu­re­za hete­ro­gê­nea de uma sele­ção deste tipo, embo­ra não acon­se­ lhá­vel, pode ser inte­res­san­te, se tiver­mos em mente que o tra­ba­lho do artis­ta passa por mudan­ças o tempo todo. Normalmente as mudan­ças são fei­tas na reclu­são do estú­dio, e quan­do a expo­si­ção é orga­ni­za­da, só os tra­ba­lhos novos são mos­tra­dos. Estando os tra­ba­lhos anti­gos junto aos novos na expo­si­ção, é quase como se a pin­tu­ra esti­ves­se se meta­mor­fo­sean­do na fren­te do espec­ta­dor.”33 Esta expo­si­ção repre­sen­tou uma opor­tu­ni­da­de de via­jar para Belo Horizonte e conhe­cer gale­rias de lá. Fiz bons con­ta­tos, mas nenhu­ma pin­tu­ra foi ven­di­da, ao con­trá­rio da expo­si­ção do SESC em 1999, quan­do foram ven­di­ dos seis tra­ba­lhos (o mer­ca­do de São Paulo é bem maior). A impren­sa de BH se inte­res­sou pela expo­si­ção: dei uma entre­vis­ta para o Estado de Minas, e uma maté­ria foi publi­ca­da, no dia seguin­te à inau­gu­ra­ ção.34

33 MALTA, Antonio. “Período de transição”. In: Antonio Malta. Belo Horizonte, CEMIG, 2000. Catálogo. 34 CARLOS, Helvécio. “Exposição revela força da pintura”. Estado de Minas, 8 de junho de 2000.

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2000 (2º semestre) a 2002

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Em abril de 2000, um pouco antes de expo­si­ção em Belo Horizonte, alu­ guei uma ampla sala na rua Helvétia, em Campos Elíseos, e mon­tei meu ate­liê lá, dei­xan­do a edí­cu­la dos fun­dos da casa de meus pais. Neste novo ate­liê, após a expo­si­ção em BH, pro­cu­rei ini­ciar um novo tra­ba­lho. Após algu­mas telas ges­tuais impro­vi­sa­das, come­cei a fazer pin­tu­ras com for­mas geo­mé­tri­cas abs­tra­tas e figu­ras de cur­vas sinuo­sas. As pin­tu­ras das figu­ras 247, 248 e 249 (óleo sobre tela, 160x160 cm) são exem­plos desta série. Depois de fazer ­várias pin­tu­ras deste tipo, resol­vi que já havia explo­ra­ do bas­tan­te este cami­nho e parei para repen­sar o tra­ba­lho. Decidi então dia­lo­gar mais efe­ti­va­men­te com artis­tas con­tem­po­râ­neos e pró­xi­mos a mim. As figu­ras 250 a 261 mos­tram exem­plos de obras recen­tes (dos últi­mos dez anos) de ­alguns des­tes artis­tas. Pela ordem (lem­bran­do que as figu­ras, quan­do mos­tram pin­tu­ras, estão na esca­la 1:20): fig. 250, tela de Sérgio Sister; fig. 251, tela de Célia Euvaldo; fig. 252, tela de Fábio Miguez; figu­ras 253 e 254, telas de Rodrigo Andrade; fig. 255, tela de Paulo Whitaker; fig. 256, obras de Jac Leirner (“Hip Hop Book”); fig. 257, ins­ta­la­ção de Nuno Ramos; fig. 258, escul­tu­ra de Paulo Monteiro; fig. 259, escul­tu­ra de Carlito Carvalhosa; fig. 260, escul­tu­ra de Laura Vinci; fig. 261, escul­tu­ra de Elisa Bracher. Em 2001, com­prei um rolo de lona e ini­ciei uma nova série de pin­tu­ras. Nelas, o diá­lo­go men­cio­na­do é com o dado infor­mal da pro­du­ção con­tem­po­râ­ nea. Há tam­bém uma reto­ma­da das ­minhas pró­prias expe­riên­cias neste sen­ti­do (figu­ra 232, figu­ra 218). É um tra­ba­lho que está come­çan­do, e ainda vai evo­luir. As figu­ras 262, 263 e 264 mos­tram telas de 180x180 cm, rea­li­za­das em outu­bro

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de 2001. Devo obser­var que de 1995 para cá fiz uma gran­de quan­ti­da­de de dese­ nhos, goua­ches e aqua­re­las. As figu­ras 265 e 266 mos­tram duas “mis­tu­ri­nhas”, tra­ba­lhos recen­tes em goua­che sobre car­tão (24x20 cm). aaa

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