Antropização do estuário do Guadiana (sul da Península Ibérica) ou de como o homem conseguiu “vencer” um sistema com elevada resiliência
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Workshop Antropicosta Iberoamerica 2010. 01/2010; CD-ROM:paper 15034
TÍTULO: ANTROPIZAÇÃO DO ESTUÁRIO DO GUADIANA (SUL DA PENÍNSULA IBÉRICA) OU DE COMO O HOMEM CONSEGUIU “VENCER” UM SISTEMA COM ELEVADA RESILIÊNCIA ... AUTORES: João Manuel Alveirinho Dias, Tomasz Boski TEMA: O registro da atividade mineral, industrial e portuaria RESUMO: O estuário do rio Guadiana, localizado no sul da Península Ibérica, situa‐se num vale encaixado, e está localizado numa zona com características semi‐desérticas, com uma estação mais fria e chuvosa (Inverno) e outra seca e bastante quente (Verão). Na estação pluviosa a precipitação acumulada é muito variável, oscilando entre 2000mm, conduzindo, por vezes, ao desaparecimento de caudal no primeiro caso ou a cheias catastróficas no segundo. Estando dependente de uma bacia transnacional com mais de 68200km2 (dos quais cerca de 55000km2 localizados em Espanha), o próprio estuário é, também, transnacional, servindo (na maior parte) como fronteira política desde o século XIII. Foi explorado pelo Homem desde a mais remota antiguidade. Já os fenícios, designadamente os púnicos, exploraram a região como fonte de abastecimento de metais de que a bacia mediterrânea carecia. Neste contexto, a mina de São Domingos (pirite, blenda, calcopirite, galena, etc.) surge como importante pólo dinamizador: tendo sido aproveitada desde antes do período romano, foi com estes que os trabalhos se intensificaram com exploração intensiva do “chapéu de ferro” principalmente para extracção de cobre, prata e ouro. A navegabilidade do estuário era, a este propósito, elemento vital para o escoamento do minério. Porém, após a desagregação do Império Romano, até a própria localização da mina foi esquecida, tendo sido redescoberta apenas em meados do século XIX. Numa zona caracterizada pelas frequentes estiagens, não é de estranhar que pelo menos desde o período romano se sentisse a necessidade de criação de reservas estratégicas de água, de que a barragem romana de Álamo é apenas um exemplo. Todavia, não obstante estas e muitas outras utilizações antrópicas (pesca, agricultura, azenhas e moinhos de maré, etc.) das zonas circum estuarinas, foi a navegação o elemento com maior perenidade no aproveitamento do estuário do Guadiana. Efectivamente, os cerca de 70 km navegáveis do Baixo Guadiana constituíram, ao longo da história, via de circulação fluvial que se instituiu como eixo transformador do espaço. Como se referiu, já na época romana o Guadiana viabilizava o escoamento fácil de minérios da mina de S. Domingos. Pelo menos desde a época árabe, começou a ser estrategicamente utilizado como canal de circulação entre as cidades do norte (Beja, Évora, Alcácer do Sal, Lisboa) e o litoral algarvio e andaluz. A utilização preferencial desta via de comunicação entre o norte e o sul foi intensificada devido aos perigos existentes (temporais, pirataria e corso) na ligação marítima entre as cidades localizadas nos estuários do Tejo e do Sado e as do Algarve, e às difíceis passagens terrestres
São Paulo, Iguape e Cananéia – Brasil – de 27 de março a 01 de abril de 2010
da serra algarvia. A este propósito é relevante referir que, já em 1839, devido aos frequentes roubos que se verificavam à passagem da serra algarvia, o percurso do correio foi mudado, passando a utilizar a via do Guadiana. Foi, também, a aludida navegabilidade que teve influência decisiva no desenvolvimento da mina de São Domingos, (desde 1858, tornando‐se na principal fonte de sulfureto da Grã Bretanha), mas também de outras localizadas em Espanha (Las Herrerias, Cabezes del Pasto, Santa Catalina, La Isabel, Lagunazo, El Toro). Na sequência destas actividades mineiras procedeu‐se à construção do porto mineiro do Pomarão, localizado a quase 50km da barra do Guadiana (e que começou a funcionar em 1859), bem como a construção de vias de caminho de ferro desde as minas até aos locais de embarque do minério (ou seja, entre S. Domingos e o porto fluvial de Pomarão, e entre Las Herrerias e o porto fluvial de La Laja). Para aquilatar da importância da mina de S. Domingos basta referir que nos finais dos anos 1880 frequentavam o porto do Pomarão cerca de 400 navios por ano, sendo colocadas a bordo 1500 a 2000 toneladas de minério por dia ... A actividade nos portos fluviais de La Laja, por onde se exportava o minério espanhol, era também bastante intensa. Todas estas actividades induziram impactes de grande magnitude ao nível estuarino, designadamente ao nível geoquímico e de balanços sedimentares. A elevada contaminação dos ecossitemas era permanente, sendo recorrentes as queixas dos pescadores relativas a “mau sabor do peixe” e a frequentes crises de mortalidade piscícola. Por outro lado, muitos foram os barcos que, por razões variadas (abalroamento em afloramentos rochosos submersos, cheias, etc.) se afundaram, com a sua carga, no estuário. Por vezes, as grandes cheias tinham consequências catastróficas. A maior ocorreu em Janeiro de 1876, durante a qual se afundaram vários barcos, e os stocks de minério que estavam nos portos do Pomarão e de La Laja desapareceram, levados pelas águas (o que já, em cheias anteriores, tinha acontecido). As actividades relacionadas com as explorações mineiras (desmatações para ustulação do minério, construção de caminhos de ferro e de portos, etc.) conduziram também ao aumento do transporte sedimentar, assim contribuindo para o progressivo crescimento do banco de O’Bril, localizado na parte externa da foz do Guadiana. Porém, devido aos efeitos das cheias no Guadiana, o sistema revelou grande capacidade de auto‐depuração, o que mostra que tem elevado nível de resiliência, chegando a meados do século XX em condições bastante pristinas. Os vestígios da intensa poluição ocorrida no passado ainda recente são, actualmente, ténues, tendo sido esses elementos contaminantes exportados para a plataforma continental. A principal antropização do sistema ocorreu já na 2ª metade do século XX, com a construção de extensas cascatas de barragens (com capacidade de armazenamento superior a 10 000hm3, ou seja, mais do dobro do escoamento médio anual do Guadiana) e com de fixação da barra, a que acresce a construção intensiva nas margens do baixo estuário, principalmente na margem espanhola.
São Paulo, Iguape e Cananéia – Brasil – de 27 de março a 01 de abril de 2010
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