Antropofagia Hojex? Oswald de Andrade em Cena by Por Jorge Ruffinelli e João Cezar de Castro Rocha (organizadores)

August 29, 2017 | Autor: Victoria Livingstone | Categoria: Human Geography, Applied Economics, The Latin Americanist
Share Embed


Descrição do Produto

Antropofagia Hoje? Oswald de Andrade em Cena. Ruffinelli, Jorge e João Cezar de Castro Rocha (organizadores). São Paulo: É Realizações Editora, 2011, p.688, $61.41.
Em 1928, no "Manifesto Antropófago", Oswald de Andrade propôs um tipo de rebelião artística que envolvia a "absorção do inimigo sacro para transformá-lo em totem" (30), ou seja, a ingestão das culturas norte-americanas e europeias para alimentar uma nova identidade brasileira.
Embora o movimento modernista se desenvolvesse no Brasil como reação a circunstâncias históricas específicas faz quase um século, a antropofagia como teoria continua sendo relevante. Na introdução do livro, Castro Rocha anuncia que o objetivo de Antropofagia Hoje? Oswald de Andrade em Cena é "estimular novas abordagens da obra de Oswald de Andrade", já que estas análises representam "um exercício de pensamento cada dia mais necessário nas circunstâncias do mundo globalizado, pois a antropofagia permite que se desenvolva um modelo teórico de apropriação da alteridade" (12). Castro Rocha, organizador de Antropofagia Hoje? Oswald de Andrade em Cena, juntamente com Jorge Ruffinelli, concebe a antropofagia em termos políticos.
O lançamento da antologia aconteceu em junho de 2011, durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), uma vez que este ano a FLIP homenageou Oswald de Andrade. Esta é uma edição bastante ampliada de um livro publicado em 1999, como um número especial de Nuevo Texto Crítico. Da primeira edição, existem versões em inglês, espanhol, e italiano. O volume atual inclui o "Manifesto Antropófago" e uma obra anterior de Andrade, o "Manifesto da Poesia Pau-Brasil", assim como outras obras literárias- de diferentes países e períodos- que dialogam com a antropofagia. Vários contos, como "Bertram", de Álvares de Azevedo e "Um Jantar Muito Original", de Alexander Search (um dos heterônimos de Fernando Pessoa) contêm episódios literais de antropofagia. Outros, em particular os contos contemporâneos, tem claros propósitos ideológicos: em "Regurgitofagia", por exemplo, Michel Melamed propõe "vomitar os excessos" herdados de outras culturas (70).
Também se inclui um ensaio sobre a vida de Oswald de Andrade (escrito por uma de suas filhas), uma entrevista com o diretor de teatro Zé Celso (cuja peça teatral Macumba Antropófaga encerrou a FLIP deste ano), e artigos sobre a arte de Tarsila Amaral. Como o "Manifesto" mesmo, os ensaios desta antologia abordam temas muito diversos: se analisa, por exemplo, o papel da antropofagia na cultura italiana contemporânea, na televisão brasileira, no jornalismo, em Ulisses e nas obras de Albert Camus (quem conheceu Oswald). Pode-se dizer que a maioria dos ensaios cumpre com o objetivo principal do livro: trazer à tona uma reflexão sobre a antropofagia para tentar entender a sociedade brasileira atual, pois existem pontos de interseção entre o contexto histórico da publicação original do "Manifesto" e a sociedade hoje. Carlos Rincón, por exemplo, nota que a procura duma nova identidade nacional brasileira no começo do século XX foi contrária a uma "tendência homogeneizadora ocidental" (551).
Para alguns dos críticos cujos ensaios aparecem neste livro, o "Manifesto Antropófago" representa um sonho fracassado. Hans Ulrich Gumbrecht, o qual não só desafia a visão de Oswald como também questiona o valor literário do "Manifesto", argumenta que o texto oferece "um futuro que nunca se tornou realidade" (297). João Almino também acha que o "Manifesto" era "demasiado otimista" porque em realidade a globalização implica um processo desigual e "o verdadeiro antropófago será sempre aquele com mais poder" (60). Evando Nascimento assinala certas contradições na obra e argumenta que o "Manifesto" não pode servir como modelo duma cultura nacional (352).
Outros críticos enfatizam o valor revolucionário do texto. Eduardo Sterzi reconhece que Andrade representou um ideal que nunca se poderia realizar, mas nota que, como todas as visões utópicas, é uma visão subversiva. Benedito Nunes argumenta que o "Manifesto" serve como ligação entre o político e o artístico, K. David Jackson examina a antropofagia em termos de debates sobre a globalização, e Luis Madureira, cujo ensaio responde a Gumbrecht, usa como fundo o conceito de Walter Mignolo de "uma hegemonia epistêmica" (301).
O livro está dividido em cinco seções organizadas mais ou menos tematicamente: "Manifestos e Manifestações," "Antecipações e Ruminações," "Genealogias," "Releituras," e "Repercussões." Entretanto, já que os temas se entrecruzam e os textos não se agrupam nem cronologicamente nem por gênero, a organização do livro atenta para uma leitura contemporânea não linear. Por exemplo, cita-se a aparente não sistematização dos textos, na segunda seção, que mistura contos contemporâneos, um poema de Machado de Assis e um ensaio de 1874 sobre a origem da prática (literal) da antropofagia.
Não se deve pensar a literatura como uma evolução pautada numa linha temporal. É mais produtivo estabelecer paralelos entre diferentes momentos para entender melhor nosso presente. Assim, Antropofagia Hoje? Oswald de Andrade em Cena ajuda-nos a refletir sobre o mundo globalizado. Como nota Roberto Fernández Retamar na quarta parte da antologia, Oswald e Andrade "ainda tem muito para nos ensinar" (330).
Victoria Livingstone
Department of Romance Studies
Boston University

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.