Apelação exclusivamente contra decisão interlocutória

July 26, 2017 | Autor: Carolina Uzeda | Categoria: Novo CPC
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APELAÇÃO EXCLUSIVAMENTE CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

A AUSÊNCIA INJUSTIFICADA À AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO OU MEDIAÇÃO E O RECURSO
CONTRA A MULTA ARBITRADA.





Carolina Uzeda Libardoni[1]



O Código de Processo Civil de 2015 tem uma grande predileção pelas técnicas
de autocomposição. Tanto assim o é que incluiu a previsão de métodos
alternativos de solução de conflito logo em seu artigo 3º e dedicou outros
tantos na tentativa de disciplinar a matéria. E não apenas isso, posicionou
a audiência de conciliação ou mediação como um dos primeiros atos do
processo, anterior até mesmo à apresentação de defesa e argüição de
questões relevantes como a incompetência ou a convenção de arbitragem.

Distribuída a petição inicial e após a verificação dos requisitos de sua
validade, o juiz designará audiência de conciliação ou mediação, para a
qual o réu será citado. Apenas após a prática do referido ato, iniciará o
prazo para apresentação de defesa. Mas o novo CPC não parou por aí. Tornou
a audiência obrigatória, ao exigir, para seu cancelamento, que tanto autor
quanto réu (e litisconsortes) manifestem expressamente a falta de interesse
na sua realização. Se qualquer das partes se omitir ou informar que
pretende tentar a autocomposição, o ato será realizado.

Para a ausência injustificada à audiência o Código de Processo Civil/15
previu como sanção que a conduta da parte faltante será considerada ato
atentatório à dignidade da justiça, atribuindo multa de até dois por cento
da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa. Ou seja, ainda que a
parte informe ao juízo que não pretende tentar a autocomposição, caso seja
designada a audiência e ela falte injustificadamente, sofrerá a sanção.

Isso nos leva à primeira questão: o que seria ausência justificada? A única
referência na legislação disciplinando o que seria uma falta com motivo
justo diz respeito às relações de trabalho. Para a CLT, em seu artigo 473
são justificadas as ausências se ocorridas: "I - (…) em caso de falecimento
do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua
carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência
econômica; II - (...) em virtude de casamento; III - (…) em caso de
nascimento de filho no decorrer da primeira semana; IV - (…) em caso de
doação voluntária de sangue devidamente comprovada; V - (…) para o fim de
se alistar eleitor, nos têrmos da lei respectiva. VI - no período de tempo
em que tiver de cumprir as exigências do Serviço Militar (…); VII - nos
dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular
para ingresso em estabelecimento de ensino superior; VIII - (…) quando
tiver que comparecer a juízo; IX - (…) quando, na qualidade de
representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial
de organismo internacional do qual o Brasil seja membro".

Acertadamente o CPC não apresentou qualquer rol do que possa ser
considerado justificativa, o que seria inviável diante das ilimitadas
intempéries que a vida moderna nos traz. Mas podemos traçar um paralelo com
a Consolidação de Leis do Trabalho, para o estabelecimento de critérios
objetivos mínimos, que justifiquem a ausencia e impeçam a decretação da
multa. Nada impede, contudo, que o magistrado aceite outros fatos e
argumentos como justificativa, de tal forma que respeitados os critérios
mínimos, poderá definir, caso a caso, o que é ou não considerado como um
justo motivo para a ausência. Aqui percebemos um aumento dos poderes do
juiz, que utilizará exclusivamente de seu juízo de valor para definir
aqueles que serão ou não sancionados pela falta à audiência. É normal e
previsível, portanto, que a parte multada discorde da decisão do
magistrado, não necessariamente por falta de boa fé, mas por entender de
forma distinta acerca da existência ou não de justificativa válida.

Arbitrada a multa, surge a segunda questão: como a parte poderá se insurgir
contra a decisão que reputa injusta? A resposta não é tão simples,
especialmente se excluirmos de nossas reflexões a via excepcional do
Mandado de Segurança. Primeiro, identificada ser uma decisão
interlocutória, o caminho regular (e até então utilizado) seria o agravo.
Ocorre que o Código de Processo Civil de 2015 extinguiu o agravo retido e
tornou taxativo o rol de hipóteses em que é admissível a utilização do
agravo de instrumento, autorizando o manejo apenas contra decisões de
versarem sobre: "I – tutelas provisórias; II – mérito do processo; III –
rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV – incidente de
desconsideração da personalidade jurídica; V – rejeição do pedido de
gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI –
exibição ou posse de documento ou coisa; VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX – admissão ou
inadmissão de intervenção de terceiros; X – concessão, modificação ou
revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI – redistribuição
do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII – conversão da ação
individual em ação coletiva; XIII – outros casos expressamente referidos em
lei".

Conforme se depreende do texto legal, não há previsão para recurso de
agravo de instrumento contra decisão que considera a prática de ato
atentatório à dignidade da justiça e aplica multa, de tal forma que é, ao
menos inicialmente, irrecorrível. A solução apresentada pelo Código de
Processo Civil é a não preclusão momentanea das decisões interlocutórias
não recorríveis por agravo de instrumento, que podem ser questionadas em
apelação ou contrarrazões. Ordinariamente, portanto, a parte apenas poderá
buscar rever a referida decisão interlocutória após a sentença de mérito,
em preliminar de suas razões, conforme disciplina o artigo 1009: "Art.
1.009. Da sentença cabe apelação. § 1º As questões resolvidas na fase de
conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de
instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em
preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou
nas contrarrazões. § 2º Se as questões referidas no § 1º forem suscitadas
em contrarrazões, o recorrente será intimado para, em 15 (quinze) dias,
manifestar-se a respeito delas."

A solução é simples nas hipóteses em que a parte multada é vencida (total
ou parcialmente) na sentença. Bastará apelar e deduzir em preliminar das
razões o respectivo recurso contra a sanção. O mesmo para aquele que é
vencedor e é intimado a contrarrazoar recurso interposto por seu oponente;
poderá formalizar seu recurso contra a decisão interlocutória em preliminar
de contrarrazões.

Surge-nos, então, um novo questionamento: se a parte totalmente vencedora,
sem qualquer interesse em modificar a sentença, for aquela inicialmente
multada por faltar à audiência de conciliação ou mediação, poderia apelar
apenas para rever a decisão interlocutória? Ou seja, poderá fazer recurso
autônomo de apelação apenas para confrontar a multa arbitrada em decisão
interlocutória no início do processo? Parece-nos que sim, especialmente
porque a multa arbitrada em dois por cento da vantagem pretendida ou do
valor da causa constitui prejuízo à parte, que pode chegar a valores altos,
dependendo da natureza da questão substancial discutida.

Não é possível que o fato de ser vitorioso no que concerne ao mérito
(entendido em sua concepção clássica), impeça a parte de questionar a multa
aplicada; estaria ele sendo punido duplamente e, pior, mesmo após ter por
sentença reconhecido seu direito. Também não nos parece legítimo que a
parte vencedora e inconformada com a decisão interlocutória dependa
exclusivamente do recurso do vencido para manifestar seu inconformismo. Seu
direito a questionar a referida decisão estaria nas mãos de seu oponente, o
que, além de tudo, seria frontal violação à isonomia. Há interesse recursal
e a via adequada é a apelação. O sistema de irrecorribilidade imediata de
determinadas decisões interlocutórias viabiliza, portanto, a existência de
recurso de apelação que verse exclusivamente sobre interlocutórias, quando
a parte não tenha interesse em questionar a sentença.

Desdobram-se agora outros questionamentos: se a apelação versa
exclusivamente sobre a multa e o recorrente é interessado na exeqüibilidade
imediata da sentença, deverá o recurso ser recebido com efeito suspensivo6?
Caberá sustentação oral para defesa do direito da parte de rever a multa? A
interposição de apelação pela parte vencedora para questionar decisão
interlocutória, viabiliza recurso adesivo?

As questões merecem mais profunda reflexão, contudo, parece-nos fácil
responder a primeira delas. Não é possível aplicação de efeito suspensivo
ao recurso de apelação, no que diz respeito ao mérito, em que pese a
inexistência de previsão legal. A suspensão dos efeitos da sentença é
benefício outorgado à parte recorrente, fundamentada na segurança jurídica,
evitando-se o cumprimento precipitado de decisões que possam ser reformadas
quando do julgamento do recurso. Na hipótese, o recorrente é justamente o
vencedor, aquele que pretende ver a decisão efetivada o quanto antes. É a
ele que o efeito suspensivo visa proteger e se não servir a ele, não pode
ser aplicado. A suspensão dos efeitos da sentença serviria, ao contrário,
como desmotivador à interposição de recurso contra as multas arbitradas,
muitas vezes de forma injusta e ilegal. Mas faz-se importante uma ressalva:
é mantido o efeito suspensivo no que diz respeito à decisão interlocutória
recorrida, qual seja, da multa, que não poderá ser executada até o
julgamento final do recurso.

Por certo, a matéria merece mais atenção. Estamos diante de uma real
novidade trazida pelo CPC/15, a qual parece não ter sido prevista pelo
legislador e que traz sérias implicações no sistema recursal. Concluímos,
sem qualquer receio de futuramente mudar de opinião, pela possibilidade de
interposição de recurso de apelação exclusivamente contra decisão
interlocutória que impõe multa à parte e, por conseqüência, que a tal
recurso, não poderá ser aplicado efeito suspensivo no que diz respeito à
sentença.

Deixamos para outro momento maiores reflexões acerca da possibilidade de
recurso adesivo a essa apelação e, ainda, do processamento do referido
recurso. Estamos todos com muito mais dúvidas que certezas, encontrando
problemas e buscando soluções, para que o jurisdicionado seja amplamente
resguardado e aquele que tenha o direito, efetivamente o receba.
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[1]

[2] Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/RJ. Professora
substituta da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRuralRJ.
Professora do curso de especialização em Direito Processual Civil da
PUC/RJ. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Membro da
Comissão de Estudos em Direito Processual Civil da OAB/RJ, trienio
2013/2015. Advogada.
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