APLICAÇÃO DE SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL À DISPERSÃO DE POLUENTES NO BAIXO RIO AMAZONAS: POTENCIAIS RISCOS À CAPTAÇÃO DE ÁGUA NA ORLA DE MACAPÁ-AMAPÁ

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APLICAÇÃO DE SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL À DISPERSÃO DE POLUENTES NO BAIXO RIO AMAZONAS: POTENCIAIS RISCOS À CAPTAÇÃO DE ÁGUA NA ORLA DE MACAPÁ-AMAPÁ Luis Aramis dos Reis Pinheiro* Alan Cavalcanti da Cunha** Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha*** Leandro Rodrigues de Souza**** Jaci Saraiva Bilhalva***** Daímio Chaves Brito****** Antônio César Pinho Brasil Júnior*******

RESUMO Cidade típica da Amazônia Macapá (AP) apresenta características de urbanização desordenada além de problemas variados relacionados ao saneamento básico. Um dos mais significativos é a intensa demanda por serviços de captação de água, tratamento e disposição adequados de efluentes líquidos. Neste caso, há preocupação com os potenciais impactos negativos desses efluentes atingirem o sistema de captação e abastecimento de água da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Amapá (CAESA), localizado às margens do rio Amazonas, zona costeira da cidade. O objetivo do estudo foi simular a hidrodinâmica local e as possíveis influências da dispersão de plumas de poluentes ao longo de um trecho significativo da orla urbana de Macapá. Para isto foi utilizado o pacote computacional da Ansys CFX 11.0 para simular o escoamento e as concentrações críticas de poluentes na água. Na análise, considerou-se sete fontes pontuais contínuas hipotéticas de poluentes sob regime transiente das marés semi-diurnas, onde foram avaliados os efeitos da dispersão sobre a captação de água. As conclusões indicaram que as plumas hipotéticas se apresentam como uma potencial ameaça ao ponto de captação de água da CAESA. Palavras-Chave: Captação de Água - Macapá - Brasil. Hidrodinâmica. Saneamento, Poluentes.

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Graduando em Física pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Macapá-AP. E-mail: [email protected] Doutor em Engenharia Civil; Pesquisador do Núcleo de Hidrometeorologia e Energias Renováveis do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (IEPA). Macapá-AP. E-mail: alan.cunha@ iepa.ap.gov.br Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental, Professora da UNIFAP e Coordenadora do PPGbio-UNIFAP. Macapá-AP. E-mail: [email protected] Graduando em Física pela UNIFAP. Macapá-AP. E-mail: [email protected] Doutora em Meteorologia; Pesquisadora do SIPAM-AM. Manaus-AM. E-mail: [email protected]

Químico; Mestre em Biodiversidade Tropical pelo PPGBio-UNIFAP. Macapá-AP. E-mail: [email protected] Engenheiro Mecânico; Ph. D. Professor da Universidade de Brasília (UnB). Brasília-DF. E-mail: [email protected]

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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APPLICATION OF COMPUTATIONAL SIMULATION TO THE DISPERSION OF POLLUTANTS IN THE LOWER AMAZON RIVER: POTENTIAL RISKS TO THE WATER SUPPLY SYSTEM OF MACAPÁAMAPÁ ABSTRACT City of the Amazon that has characteristics of chaotic urbanization in addition to various problems related to basic sanitation. One of the most significant is the intense demand for services for water supply, treatment and appropriate disposal of liquid effluents. In this case there are concerns about potential negative impacts of effluent reaching the system of collection and water supply (CAESA), located on the margins of the Amazon River, estuarine coastal zone of Macapá. The aim was to simulate hydrodynamics local influences and spread of plumes of pollutants over a significant stretch of the central urban zone of Macapá. For this objective was used a computer package of Ansys CFX 11.0, which carried out numerical simulations to model the flow and concentrations of pollutants in the water. In the analysis it was considered seven hypothetical continuous point sources of pollutants under transient tidal conditions and studied the effects of dispersion on the water supply system. The conclusions indicated that plumes hypothetical presenting as a potential threat to the water supply system. Key-words: Water Supply - Macapá - Amapá - Brasil. Hydrodynamics. Sanitation. Pollutants.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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1 INTRODUÇÃO De acordo com Carrera-Fernandez e Garrido (2002) a demanda de água para uso humano surge tanto das atividades estritamente domésticas, quanto de quaisquer outras praticamente inseparáveis destas e que também exijam requisitos de qualidade e quantidade, além da garantia de abastecimento. As demandas de água no meio urbano são definidas com base na população e em índices de consumo por habitante, características socioeconômicas, etc. Por outro lado, os hábitos e o nível de vida da comunidade, estrutura do ordenamento territorial, de atividades urbanas e características naturais, tais como a dinâmica de escoamento (marés) e a qualidade da água, precipitação pluviométrica, são fatores ambientais considerados importantes em qualquer análise de projeto, monitoramento e gestão de recursos hídricos nos ambientes amazônicos. Hespanhol (2002) afirma que nos países em estágio de desenvolvimento e em grandes regiões menos favorecidas, em franco estágio de expansão industrial, tais como Brasil e a Índia, a situação é bastante diferente dos países desenvolvidos. Onde os problemas de saúde pública são menos dependentes das tarifas de cobranças para a disposição de serviços de saneamento básico. Isto é, as tarifas do suprimento de consumo de água são baixas em relação às rendas médias auferidas pelas populações, quando comparadas aos países em desenvolvimento. As principais razões, segundo o autor supracitado, são: a) a população é, geralmente, muito pobre para pagar pela captação e abastecimento seguro de água, e as agências de financiamento que proporcionam fundos ao sistema de distribuição requerem Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

evidências dos benefícios de saúde pública os quais serão auferidos, uma vez que não podem esperar por retornos econômicos significativos; b) os fundos disponíveis não são suficientes para proporcionar abastecimento adequado, redundando em sistema de captação e distribuição que não atendem aos requisitos mínimos de quantidade e qualidade da água distribuída, ou em sistemas de distribuição intermitentes; c) as doenças transmitidas pela água são muito mais numerosas do que nos países mais desenvolvidos, tornando muito mais complexos os efeitos proporcionados pelas condições sanitárias do ambiente e por uma distribuição inadequada. No caso das doenças infecciosas associadas à água, é possível classificá-las de acordo com os modos de propagação, por permitir uma avaliação direta dos efeitos das melhorias, ou ações corretivas que são implementadas. Neste último aspecto, é extremamente importante entender como se dispersam os poluentes na água, pois estes são um dos principais fatores físicos responsáveis pela sua veiculação. Outro aspecto a ser considerado é o desenvolvimento de tecnologias de tratamento de águas, ocorrido na segunda metade do século XX o qual levou à aceitação indiscriminada da idéia de que os mananciais que recebem efluentes urbanos e industriais diversos, contendo micro-poluentes sintéticos orgânicos e inorgânicos, poderiam ser convenientemente tratados. Isto permitia a produção de água absolutamente segura. Independente dos níveis de poluição desses mananciais, acreditava-se que os processos e operações unitárias de coagulação-floculação, sedimentação, filtração e 9

desinfecção, seriam suficientes para tornar a água segura, especialmente para o abastecimento doméstico, eliminando agentes etiológicos causadores de doenças contagiosas transmitidas pela água. Na época, esta era a principal preocupação de saúde pública associada ao abastecimento de água tratada (HESPANHOL, 2002). Entretanto, com a revolução industrial pós Segunda Guerra Mundial, veio a revolução química e suas influências na sociedade, e principalmente sobre o meio ambiente e corpos de águas superficiais e subterrâneos. Com a produção de milhares de compostos orgânicos sintéticos surgiram o problema da eutrofização acelerada dos rios e os riscos de doenças crônicas, associadas às concentrações muito baixas de micro-poluentes, orgânicos e inorgânicos, que não são absolutamente removidos pelos sistemas convencionais de tratamento. Estes casos, portanto, podem ser o da maioria das Estações de Tratamento de Água no Brasil, pois se apresentam como mais um elemento de risco à saúde pública e aos ecossistemas aquáticos. No Amapá, assim como na maioria dos sistemas brasileiros, o tratamento da água segue o processo convencional, isto é, coagulação-floculação, sedimentação, filtração, desinfecção (cloração). Considerando os aspectos relacionados à proteção, conservação e usos múltiplos dos recursos hídricos do Estado do Amapá, o presente estudo objetiva analisar os fenômenos de transportes que governam a dispersão de poluentes em zonas estuarinas ao longo de um trecho da orla de Macapá próxima à captação de água de abastecimento da Companhia de Água e Esgoto do Estado do Amapá (CAESA). Desta forma, pretende-se também indicar quais seriam os possíveis riscos representados por potenciais plumas de poluentes sobre a ETA da Empresa. Para tanto, utilizou-se um sistema de modelagem e simulação computacional desenvolvido para este fim. Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

Uma justificativa para o estudo é a necessidade de gerenciamento e controle de poluição dos recursos hídricos nos ambientes amazônicos próximos de centros urbanos. Isso porque, em condições de abundância e uso pouco intensivo da água, como é o caso do rio Amazonas e seus grandes afluentes, também dotados de elevadas descargas líquidas, há o mito de que eles diluem quaisquer quantidades de resíduos ali lançados, sem a preocupação com sua qualidade final (CUNHA et al., 2006). As recentes pesquisas de Cunha et al. (2006; 2007) têm apontado uma significativa alteração da qualidade da água em rios próximos da área costeira de Macapá e Santana, principalmente quando se adentra rio acima em áreas urbanas e periurbanas próximas destas cidades. Tais fatos geram uma grande preocupação com a qualidade da água nesses ambientes, principalmente em razão de se empreender um melhor controle dos riscos ambientais e à saúde pública causados pela poluição. Tal constatação das ameaças e dos potenciais efeitos antrópicos negativos (uso inadequado da terra) sobre os corpos de água suscitaram a realização de novos estudos mais inovadores e aprofundados. A razão é elaborar uma abordagem que desse maior clareza sobre o comportamento da dinâmica das águas segundo os padrões amazônicos, partindo-se do uso da modelagem matemática ou numérica aplicadas em consonância com o monitoramento convencional. Essa integração de abordagens acrescenta conhecimento sobre os sistemas ambientais. Com estas informações tem sido possível avaliar os escoamentos ambientais focados em uma área sensível aos impactos socioeconômicos e ambientais locais. Neste contexto, a principal indagação da pesquisa seria: o lançamento de resíduos perigosos ao longo da orla de Macapá atingiria o sistema de captação de água da CAESA, incorrendo em riscos à saúde pública? 10

Para responder a este questionamento, no presente trabalho, foram desenvolvidos estudos preliminares de simulação computacional. A idéia foi analisar a dispersão de poluentes na água na região que abrange a orla de Macapá (entre o Igarapé do Jandiá até o bairro Pedrinhas) e a variação da concentração desses poluentes exatamente no posto de captação de água da CAESA. A hipótese inicial (H o) ao problema levantado seria: a ferramenta de modelagem computacional é capaz de proporcionar respostas compatíveis com o comportamento hidrodinâmico e dispersão de poluentes no sentido de avaliar potenciais riscos sanitários e ambientais ao abastecimento de água da CAESA. Apesar dos esforços de estudos anteriores, as dificuldades em compreender a dinâmica de dispersão de poluentes nesses sistemas costeiros estão, apenas, no seu estado inicial de investigação. A razão disso é a quase completa falta de dados e informações experimentais que subsidiem a compreensão mais ampla sobre o comportamento dinâmico do sistema hídrico. Tais dificuldades persistem e mostram-se como verdadeiras barreiras para prover uma explicação fenomenológica dos

papéis das marés ou quaisquer outras forçantes naturais (como o vento, por exemplo) na dispersão de plumas de poluentes oriundas de lançamentos pontuais e difusos na zona costeira (PINHEIRO; CUNHA, 2008). A forçante vento, por exemplo, é provável que contribua significativamente para uma maior intensificação ou amortecimento dos processos de dispersão de poluentes na interface ar-água encontrada no Amapá. Contudo, o fator vento não foi considerado neste estudo devido ao aumento da complexidade da formulação física desse tipo de simulação e principalmente devido às limitações de capacidade e suporte computacional. Por outro lado as ferramentas numéricas ora empregadas apresentam-se como uma primeira fundamentação científica a ser considerada na elucidação desse tipo de problema local. A idéia inicial é gerar conhecimento estratégico necessário ao desenvolvimento e integração da experimentação, estudos de campo, laboratório (químico) e etapas computacionais futuras, para balizar algumas diretrizes metodológicas e fundamentar a gestão de recursos hídricos e de políticas públicas de saneamento ambiental, entre outras áreas de interesse, como a Defesa Civil.

2 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO A região estudada abrange os bairros do Perpetuo Socorro e Pedrinhas, com uma área de 1.408.100m². É a região mais urbanizada de Macapá e nela está situada o Igarapé das Mulheres, principal ponto de chegada da produção agropecuária e pesqueira do Estado do Amapá e da Ilha do Marajó, a Fortaleza de São José de Macapá e o Posto de Captação de água da CAESA. Como limite ao norte encontra-se o igarapé do Jandiá e ao sul a linha do equador (Figuras 1a, 1b). A foz do rio Amazonas concentra-se no lado ocidental da ilha de Marajó. Isso faz com Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

que a cidade de Macapá seja considerada a única capital banhada por este imenso rio. O volume d’água despejado é tão descomunal que a água do mar é doce por dezenas de quilômetros além da desembocadura. Contudo, todo esse volume desaguando em sua foz, no Oceano Atlântico, é incapaz de diluir toda a carga de poluentes em áreas próximas das cidades ribeirinhas, como no caso de Macapá, devido a massa d´água estar distribuída de forma não uniforme em toda sua extensão e ficar sob influência das correntes preferenciais do escoamento. 11

Figura 1a - Acima à esquerda, imagem de satélite da zona estuarina. Nota-se na área demarcada: (1) Igarapé das Mulheres, (2) Fortaleza de São José de Macapá e (3) posto de captação da CAESA. Figura 1 b - Acima à direita, foto da Fortaleza de São José de Macapá. Fonte: www.google.com - Google Earth (2008).

A seguir apresentam-se os motivos que conduziram aos questionamentos sobre a diluição

e dispersão dos poluentes na água, ora descritos pelas etapas metodológicas adotadas.

3 MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 INFORMAÇÕES SOBRE A ÁREA ESTUDADA O estuário amazônico é típico de regiões de planície costeira que se formaram durante a transgressão do mar no Holoceno, que inundou os vales de rios. Esses estuários são relativamente rasos, raramente não excedendo 30m de profundidade (CUNHA et al., 2006). A área de seção transversal do rio, em geral, aumenta estuário abaixo, às vezes de forma exponencial e a configuração geométrica tem a forma de “V”, em que a razão entre a largura/profundidade é grande. O rio Amazonas, nos trechos estudados da zona estuarina está na faixa de 25m a 40m profundidade (LUNG, 1993; MIRANDA et al., 2002; CUNHA, 2006). No presente estudo, as principais considerações são concernentes à geometria. Desta forma, consideramos a região estudada com um “fundo plano”, cuja profundidade média é de aproximadamente 10m, representativa da Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

profundidade média local próxima da margem esquerda do rio Amazonas em Macapá. Assim, considerou-se o fenômeno de dispersão superficial como quase bidimensional (águas rasas) e o nível médio de água como constante para efeito de simplificação da análise. Os valores de vazão foram estimados para que a velocidade máxima do rio não ultrapassasse o limite de 1,2m/s, que é bastante característica de regiões próximas já estudadas, como a foz do Matapi e Canal do Norte (CUNHA et al., 2006; CUNHA et al., 2007). Portanto, as simulações computacionais foram embasadas em comportamento de medição de descarga líquida estimadas e fundamentadas em dados experimentais utilizados por Cunha et al. (2006) e Cunha et al. (2007). As simplificações serviram de base para estimar as variações cíclicas de 12

descargas líquidas em períodos completos de marés semi-diurnas utilizadas para compor o

balanço de massa nas seções estudadas (condições de contorno e iniciais).

3.2 DIGITALIZAÇÃO DO DOMÍNIO E GERAÇÃO DA GEOMETRIA-3D DA ORLA DE MACAPÁ Para a geração do domínio computacional da orla de Macapá em três dimensões foram usados dois softwares: Techdig e o Solidworks CAD, no Laboratório de Energia e Ambiente da UnB (LEA-UnB) e NHMET/IEPA. O primeiro gera uma série de coordenadas cartesianas (X,Y) demarcados usando uma imagem de satélite do domínio, como mostrado pelas Figuras 2a, 2b.

Depois foi gerada a curva inserida no software Solidworks CAD, através do arquivo de texto do Techdig. Posteriormente é convertido em um esboço geométrico e usado um recurso de extrusão do plano formado. O recurso de extrusão serve para dar a dimensão de profundidade do domínio e transformá-lo em um sólido, como mostram as Figuras 2c, 2d.

Figura 2a - em cima a esquerda: três pontos vermelhos são as coordenadas (0,0), (0,x) e (y,0), os pontos em azul são cada coordenada (x,y) que forma a curva do domínio; Figura 2b - em cima a direita: curva gerada a partir dos dados do Techdig; Figura 2c - em baixo a esquerda: sólido gerado no Solidworks Figura 2d - em baixo a direita: destaque na região que compreende a Fortaleza de São José e o posto de captação de água da CAESA. Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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O resultado deste procedimento foi a geração de uma malha computacional discretizada

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espacialmente e interpretável pelo sistema de simulação do pré-processamento do CFX 11.

GERAÇÃO DA MALHA COMPUTACIONAL: ELEMENTOS DE VOLUMES FINITOS

Antes de gerar a malha computacional, ou grade, tornou-se necessário importar a geometria criada no Solidworks para o software Ansys Workbench 11.0. Neste ambiente a malha é convertida para o formato de arquivo aceito pela Ansys CFX 11.0. No procedimento metodológico

a malha foi desenvolvida no modulo do software Ansys Workbench 11.0, CFX–Meshing, resultando uma estrutura de 211.364 nós e 791.708 tetraedros (elementos computacionais onde as soluções numéricas do escoamento são resolvidas numericamente). (Figura 3).

Figura 3 - Malha computacional 3D gerada no modulo cfx-meshing usada na simulação. O Escoamento foi resolvido para regime transiente acoplado a um sistema lagrangeano para a dispersão de poluentes na água.

As trajetórias e os fluxos de água ao longo do trecho da bacia hidrográfica estudada são determinados com base na topografia aproximada, a qual pode ser representada através de Modelos Numéricos de Terreno (MNT). Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

Diferentes abordagens podem ser utilizadas para representar um MNT. A forma mais comum de representação de um MNT é a grade regular, onde um valor de cota é atribuído a cada elemento da grade (RENNÓ; SOARES, 2001). 14

3.4 MODELAGEM NUMÉRICA DA DISPERSÃO DE POLUENTES SOB EFEITOS DE MARÉS EM REGIME TRANSIENTE NO ANSYS CFX-11.0 O pacote comercial ANSYS 11.0 (CFX 11.0) resolve o problema do escoamento a partir da seguinte seqüência metodológica: a) Ansys CFX–Pre, para o pré-processamento; b) Ansys CFX–Solver, para

o processamento da dinâmica de escoamento e dispersão de um passivo escalar (poluente); e c) Ansys CFX-Post para o pós-processamento (PINHEIRO; CUNHA, 2008).

3.4.1 Pré–processamento: condições de contorno da modelagem O CFX-Pre determina as condições de contorno do problema de dispersão de poluentes, ou seja, onde são parametrizadas as informações como carga de poluente, pontos de emissão, velocidades de entrada e saída do trecho de rio em uma determinada localização, descargas líquidas médias, entre outros. A simulação

representa o escoamento em um regime transiente de 12,5 h (variando a velocidade no tempo). Os passos de tempo para os campos de velocidade e concentração foram de 5 minutos cada. Ou seja, em um evento de treze horas teremos o controle das variáveis de cinco em cinco minutos (Figura 4).

Figura 4 - Ambiente gráfico do CFX – Pré - os pontos vermelhos são fontes de emissão de poluentes Fonte: PINHEIRO; CUNHA (2008). Notas: (1) Fonte hipotética de poluentes; (2) Orla de Macapá (região compreendida entre os bairros do Perpetuo Socorro e Pedrinhas), com cerca de 1.408.100 m²; (3) Rio Amazonas; (4) Secção de simetria do rio (comparado a um espelho - o que ocorre à esquerda ocorre à direita do domínio computacional); (5) Sentido Norte do Rio (zona de saída, ou condição openning, onde pode ocorrer recirculação de fluido); (6) Sentido Sul do Rio (zona de entrada, ou condição openning, onde pode ocorrer recirculação de fluido); (7) Ponto de controle localizado no posto de captação de água de Macapá – ou receptor de concentração de poluentes. Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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As taxas hipotéticas de emissão de poluente, número de emissores e a disposição

destes no domínio computacional são ilustrados na Tabela 1 e na Figura 5, abaixo.

Tabela 1 - Pontos de emissão e taxa de emissão de poluente orgânico.

Fonte: dados da pesquisa.

Figura 5 - Localização detalhada das fontes hipotéticas de poluição simuladas no ambiente gráfico do CFX. A localização do posto de captação de água da CAESA está indicada com uma seta. Fonte: Google Maps, 2008.

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3.4.2 Descrição do modelo numérico híbrido de turbulência - SST O modelo de turbulência escolhido foi o SST (shear stress transport do CFX), que surge da necessidade do melhoramento de dois modelos k-ε (produção e dissipação de energia cinética turbulenta) e k-ω ( freqüência dos turbilhões). O k-ε é um modelo robusto no estudo de escoamentos complexos, mas pouco elucidativo nos fenômenos que ocorrem na camada limite da superfície de escoamento. Nesse ponto, o modelo k-ω é mais eficiente, porém a equação ω é muito sensível para descrição de escoamentos livres, o que torna inviável a substituição do modelo k-ε pelo k-ω (MENTER, 2003 apud CUNHA, 2006). Para que a lógica desse modelo funcione, o modelo k-ε é multiplicado por uma função de mistura e adicionado ao modelo k-ω também multiplicado por essa função de mistura. Então, impõe-se que a função tenha valor unitário na região logarítmica e gradativamente torne-se nula fora da mesma, dados por:

modelo irá atuar. Através do valor encontrado para as funções, o modelo irá mudar a formulação nas equações de transporte, onde a primeira função de mistura (F2) é responsável pela troca de modelos na formulação da viscosidade turbulenta e a outra função de mistura, F1 é responsável pela determinação das constantes do modelo, e pela troca de modelos na equação de transporte de ω (NOLETO, 2006). F1 é igual a 1 se afastado da parede (utiliza a função k-ε) e é igual a zero quando considera a função próxima à parede (nesse caso, faz uso da função k-ω). Assim, a equação de transporte para a energia cinética turbulenta k, é: (3) onde: (4)

Viscosidade turbulenta:

Equação de transporte para ω é: (1)

(5)

onde é uma medida invariante do tensor taxa de deformação e F2 uma das funções de combinação e é determinada por: onde F1 é definida como: (2)

(6) A formulação das funções de mistura F1 (Equação-6) e F2 (Equação-2) é baseada na distância até a parede e nas variáveis. As funções de mistura tem como característica a delimitação de zonas onde cada Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

com

e

é

a distância da superfície de não deslizamento. 17

As outras constantes são todas oriundas dos modelos k-ε e k-ω com alguns ajustes e são determinadas como: β*=0,09, α1=5/9, β1=3/40,

σk1=0,85, σω1=0,5, α2=0,44, β2=0,0828, σk2=1 e σω2=0,856 (MENTER, 2003).

3.4.3 Processamento: resolução do modelo A segunda etapa do modelamento ocorre no CFX–Solver, onde são resolvidas as equações discretizadas de Navier-Stokes (movimento), permitindo o acompanhamento do processo de convergência do problema, assim como toda a informação do pré-processamento e os valores das variáveis em cada espaço de tempo. Na etapa é requerido grande esforço computacional na

solução do problema. Para a resolução das equações diferenciais são impostas condições de convergência (erro quadrático médio da massa, momento (em U, V e W) da ordem 10-4) estipulado pelo usuário do modelo. O limite de iterações numéricas para os loops de tempo foi até 150 passos. Estes valores foram definidos no CFX-Pré 11.0 (Figura 6).

Figura 6 - CFX-Solver, (a) gráfico de convergência de erros, fornece informações, como momento de massa, energia cinética turbulenta, devem ser especificados no cfx-pre 11.0.(b) relatório do processamento e passos de tempo. Fonte: dados da pesquisa. Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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No Solver é disponibilizado todos os dados referentes à simulação, assim como os valores monitorados pelo ponto de controle de

concentração do constituinte químico. A visualização desses dados é a saída gráfica da simulação que são geradas no CFX–Post.

4 RESULTADOS DA SIMULAÇÃO COMPUTACIONAL 4.1. PÓS- PROCESSAMENTO E SAÍDAS GRÁFICAS DO PROCESSAMENTO Após a obtenção da solução numérica e a convergência dos erros, inicia-se a fase de pósprocessamento. No CFX–Post são gerados os campos vetoriais de velocidade e de outras variáveis do escoamento (energia cinética turbulenta e dissipação de energia cinética turbulenta k-ε e a freqüência ω), além do campo de concentração do poluente específico passivo na água. A visualização da simulação é gerada em 3D.

Na Figura 7 encontra-se a distribuição da concentração de poluentes exatamente no posto de captação da CAESA, ao longo de um ciclo de maré semi-diurna de 12h30. Observou-se que o pico de concentração de poluente variou significativamente entre os intervalos de tempo de t = 6 horas à t = 9 horas após o início do ciclo de maré vazante (t = 0). Isto significa que durante 3 horas o posto de captação pode bombear para a ETA uma quantidade de água potencialmente contaminada com altas concentrações de poluentes.

Figura 7 - Distribuição de concentração de poluentes no posto de captação de água da CAESA no intervalo de tempo de 13h, ou um ciclo de maré semi-diurna. As máximas concentrações são observadas entre 80 e 110 passos de tempo. Fonte: dados da pesquisa.

Os resultados das simulações são mostrados na Figura 8, demonstrando o momento de maior concentração de plumas dos poluentes não-conservativos (com reação química de Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

primeira ordem), no passo de tempo de t = 495 min ou após 8,25 h do inicio do ciclo de maré. Neste momento a maré encontra-se na fase de cheia, e o valor da concentração atingiu 19

0,010777kg/m³. Dependendo das características físico-químicas do poluente, esse valor pode se

tornar proibitivo em relação à tolerância prevista em lei ou em caso de ameaça à CAESA.

Figura 8 - Momento de ocorrência do pico máximo de concentração de poluente simulada no ponto de controle, no passo de tempo t = 495 min, na baixa-mar. Fonte: dados da pesquisa.

Observa-se que na região costeira correspondente ao bairro do Perpetuo Socorro, que é uma região de balneário (norte da Figura 8), há uma grande concentração de plumas, assim como na região do bairro das Pedrinhas (mais ao sul do domínio computacional – Figura 8). Na Figura 9 observam-se as plumas que se dispersam num período de tempo t = τ até t = τ+ ∆t, onde τ é o tempo requerido para cada passo temporal futuro na simulação. A Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

visualização do comportamento da pluma é próxima do tempo real. Tais resultados podem ser considerados de grande valor na tomada de decisões e prevenção de lançamento de poluentes causados por vários fatores antropogênicos e suas influências negativas sobre o sistema de captação de água do Amapá (CAESA). Nas Figuras 9 e 10 são mostrados os resultados das simulações ao longo da evolução completa das plumas, as quais foram impostas e geradas a partir de sete pontos de emissão escolhidos aleatoriamente. 20

Figura 9 - Inicio da dispersão de poluentes (sentido da corrente de sul para norte – maré vazante). Da esquerda para a direita, temos: a) t= 90 min, b) t = 120 min, c) t = 150 min e d) t = 180 min, até alcançar a baixa mar. Fonte: dados da pesquisa.

Na Figura 10 temos a dinâmica das plumas para um tempo posterior, quando a maré está revertendo seu sentido para cheia.

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Percebe-se o deslocamento da pluma para a região do posto de captação de água.

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Figura 10 - Dispersão de poluentes, início da reversão da maré (norte para sul). Da esquerda para a direita, temos: a) t= 390 min, b) t = 420 min, c) t = 450 min e d) t = 480 min. Até a maré enchente alcançar a pré-a-mar. Fonte: dados da pesquisa.

Observando-se as Figuras 9 e 10 é possível avaliar que as plumas de poluentes não se dispersam em direção ao centro do canal durante o ciclo da maré, mas sim se concentram na margem esquerda do rio Amazonas. Isto pode ser uma explicação importante de que em grandes rios se formam trajetórias

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preferenciais do escoamento, formando verdadeiras barreiras hidráulicas à dispersão dos poluentes e, ao mesmo tempo, aumentando os riscos de contaminação em zonas costeiras mais próximas das fontes de poluentes, apesar do imenso volume e descarga do rio Amazonas.

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5 CONCLUSÕES O presente estudo avaliou potenciais problemas de poluição na zona estuarina de Macapá, os quais podem representar riscos ao sistema de abastecimento público de água da CAESA. O trecho de análise foi a zona costeiroestuarina do rio Amazonas, exatamente em frente de Macapá, nas proximidades da principal área urbanizada do Estado. Foram obtidas as seguintes conclusões: 1 As plumas de poluentes, quando se consideram fontes contínuas e pontuais durante um ciclo de maré semi-diurna, alcançam em média uma distância de aproximadamente 800m além de um ponto referenciado na orla da cidade, sendo que o posto de captação da CAESA está a apenas 500m da mesma. Portanto, há risco de que a pluma atinja a ETA, se consideramos fontes idênticas àquelas simuladas no presente trabalho (exemplo – combustível, esgoto doméstico, químicos etc). 2 O software Ansys CFX-11.0 mostrou-se interessante para o desenvolvimento de modelos capazes de descrever com realismo a dispersão de plumas de poluentes na água. Desta forma, a importância do estudo é alertar as instituições públicas, como a Secretaria de Meio Ambiente, Saúde e a Defesa Civil, dando maior atenção ao necessário monitoramento

local da qualidade da água, em especial para atender a procedimentos de gerenciamento na evacuação de população e/ou paralisação do sistema de abastecimento de água da capital Macapá. 3 Foi possível avaliar a representação da dispersão de poluentes na água em função da necessidade da segurança para o funcionamento da operação na ETA da CAESA (captação). Neste aspecto, a partir destas análises preliminares, este estudo pode auxiliar os gestores de recursos hídricos indicando estratégias de gerenciamento e gestão das águas, utilizando-se de comparações entre dados experimentais e elaboração de cenários voltados ao planejamento de ações preventivas e corretivas, principalmente em casos de ameaças ou emergências ambientais futuras concernentes à ETA. 4 Assim, será possível integrar o conhecimento científico com o planejamento e a gestão pública voltados aos usos múltiplos e à conservação dos recursos hídricos. Sem esse conhecimento é quase impossível avaliar decisões técnicas para disposição de resíduos e esgotamentos sanitários não tratados e sua relação com os riscos ambientais sobre a captação de água da CAESA.

AGRADECIMENTOS Projetos REMETAP/FINEP, REMAM/FINEP, UNIVERSAL/CNPq, SETEC-AP, LEA-UnB e Colegas do NHMET-IEPA e UNIFAP/PPGBio.

Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 4, n. 7, jul./dez. 2008.

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