Arqueologia Urbana em Lagos: uma década de actividade

August 26, 2017 | Autor: Elena Morán | Categoria: Urban archaeology
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Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

interface

marítimo-portuária

submersa,

Elena Morán

(Blot, 2003:

e, adjacentes a ela, as águas também um imenso património

ai., 2008),

I

I

Rui Parreira

272-276)

da baía encerram cultural (Fraga et

cuja salvaguarda, na sua componente obedece a regulamentação própria e

que tem sido, por isso, objecto diferenciada por parte do município

de intervenção (Castro, 2007).

Arqueologia Urbana em Lagos - A gradual produção de conhecimento sobre Lagos arqueológica Situada

no

Barlavento

Algarvio,

a

Baía

de

Lagos descreve um arco com 13 km de corda que é balizado, a nascente, pela Ponta do Altar e, a Enquanto

participantes

activos

de um projecto

poente, pela Ponta da Piedade. Para norte, estendese em anfiteatro um território delimitado pelas serras

de construção do território, colocamo-nos na perspectiva do gestor cultural, partilhando uma visão complementar das problemáticas, na medida

de Monchique

em que, sendo nós profissionais de arqueologia, uma exerce na administração local, o outro na administração central. Para efeitos deste estudo de Arqueologia Urbana, examinámos áreas complementares, que correspondem à área urbana

diversas unidades paisagísticas, alteradas ao longo do tempo pelas mudanças climáticas e pela acção dos homens, emolduraram aqui comunidades humanas diversificadas, cuja actividade deixou

antiga, ou Centro Histórico, da cidade de Lagos (Paula, 1992; Paula, 2001; Morán, 2006) e às suas áreas de actual expansão urbana, abarcadas por instrumentos de planeamento de âmbito municipal: o Plano de Urbanização de Lagos e, nele contido, o Plano de Pormenor de Lagos (ambos em fase de elaboração), o Plano de Urbanização da Meia Praia (PUMP), já publicado no boletim oficial do Estado (Resolução do Conselho de Ministros n.o 125/2007, de 28 de Agosto), e ainda o loteamento urbano da Marateca (em São Pedro do Pulgão). A

e de Espinhaço

de Cão, sulcado

por

um conjunto de ribeiras que descem para o mar e, no seu término nascente, por o Rio Arade. As

numerosos vestígios materiais, que, até aos dias de hoje, subsistiram sob forma de ruínas, materiais dispersos e depósitos sedimentares de origem sóciocultural. Cidade

voltada

ao

mar,

terminus

oceânico

associando o abrigo da baía e o estuário da Ribeira de Bensafrim, Lagos foi, desde há muito, encarada pela Administração Central portuguesa como cidade histórica, que valia a pena preservar como memória identitária dos portugueses. Nesse imaginário, contudo, a excessiva focalização na ideia de Lagos como cidade «dos Descobrimentos» e a colagem à figura de Dom Henrique, o Infante de Sagres - figura histórica mitificada pelo Romantismo e efabulada pelo regime fascista -, contribuíram para o desmerecimento de outros testemunhos materiais de uma trajectória histórica longa e de uma enorme relevância patrimonial. Durante mais de vinte anos, o regime democrático mostrou-se incapaz de inverter essa situação. Com uma ineficaz política educativa para o património histórico, não pôde a acção da administração do património cultural histórico-arqueológico ir mais além de uma mera intervenção reactiva e estritamente técnica, pouco relevante, ao nível dos intervenientes locais, para uma tomada de consciência do riquíssimo património histórico urbano. Quando não, aliás,

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uma intervenção contraproducente, carácter excessivamente inspectivo, reservado.

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dado o seu punitivo e

Lagos é também uma estância balnear por excelência, sobretudo desde há cinquenta anos, e como tal fortemente submetida às pressões urbanísticas que pouco a pouco vão alterando a fisionomia da paisagem cultural, colidindo, por vezes, com o património arqueológico pré-existente. Na década de 80 o interesse imobiliário incidiu

principalmente

na

área

imediatamente

circundante ao Centro Histórico de Lagos, definido pela fortificação quinhentista. A partir da década de 90 05 promotores viram no interior deste centro

da política de renovação demolições frequentes,

urbana dando

periféricos com uma política

de sobrevalorização do 5010 edificável, contribuiu para a construção em altura e para a descaracterização da silhueta tradicional da cidade. último,

o

poder

local

não

se

em 1894 Leite de arqueológico dos o da paroquial de sobre este templo ai., 2006; Díaz-

inéditos, que Santos Rocha (1853-1910)2 planeia os itinerários das suas «excursões científicas» ao Algarve (em 1894-95, 1895, 1900 e 1906): em Lagos, é o capelão do Regimento de Infantaria 15, José Nunes

passo a novas construções que, progressivamente, foram desvirtuando a imagem tradicional da cidade. Ao mesmo tempo, a expansão dos bairros

Por

55.; Veiga, 2006: 126 ss.). E logo Vasconcelos sublinha o interesse antigos cemitérios urbanos, como Santa Maria da Graça (N/A, 1895; d. agora Díaz-Guardamino et

Guardamino e Morán, org., 2008). Não é porém sobre esses dados, durante vários anos mantidos

histórico uma oportunidade de negócio emergente, que a falta de incentivos à política de reabilitação e o favorecimento converteram em

referencia a presença de alicerces de construção romana na Rua de Nossa Senhora da Graça, que explora parcialmente em 1878 (Veiga, 1910: 221; Veiga, 2006: 127). É também ele quem acentua o elevado potencial arqueológico de outros locais na actual área de expansão da cidade (Veiga, 1910: 220

Marques, que o conduz a explorar, em 1900, parte da necrópole do Monte Molião (Pereira, 1997: 49). Poucas décadas mais tarde, José Formosinho (18881960)3, fundador, em 1930, do Museu Regional de Lagos, começa a registar numerosas ocorrências de interesse arqueológico no Centro Histórico da cidade e na sua envolvente próxima, efectuando diversas recolhas e pesquisas, incorporando no museu e dando a conhecer vários locais de achados.

mostrou

capaz de inverter o impacte da renovação das ligações rodoviárias dos anos 50 e 60, com a construção da Avenida da Guiné e da Avenida dos

Mas são os dois volumes da Arqueologia Romana do Algarve de Maria Luísa Santos que contêm um

Descobrimentos,

a autora baseou nos dados de Estácio da Veiga, seu bisavô (Santos, 1971; Santos, 1972). Entre esses

pelo que se manteve

o progressivo afastamento entre a cidade e o mar, reforçando a ligação rodoviária marginal e criando bolsas de estaciona mento entre a cidade e a sua frente ribeirinha, motorizado

e privilegiando o imediato ao Centro Histórico, encarando

mobilidade

urbana

um conhecido como «politica

acesso assim a

de Lagos numa perspectiva

arquitecto algarvio de sequeiro».

tem

que

designado

amplo e metódico

dados,

inventário

de sítios romanos,

passam a estar referenciados

A sistematização

cartográfica

um projecto de Carta Arqueológica e logo em 1977 a então DirecçãoGeral do Planeamento Urbanístico deu início a um

Veiga (1828-1891)1, quando valoriza o achado, que já Lopes mencionara (Lopes, 1841), de numerosas moedas romanas ao desentulhar 05 edifícios

programa de estudos básicos temas, incluíam a Arqueologia,

arrasados

1 Acerca da 7, em particular 2 Acerca da 3 Acerca da

pelo

terramoto

desses vestígios

promovera

de portugal4,

cidade

na cidade

alvo de diversos constrangimentos. a Fundação Calouste Gulbenkian

O reconhecimento da importância arqueológica do Centro Histórico de Lagos remonta a Estácio da

da

todos os locais

da época romana até então reconhecidos de Lagos e arredores. foi contudo Em 1976,

de

1755

e

e a Sistematização Urbana, procurando

que, entre outros a História Urbana

e Classificação da Paisagem organizar a informação acerca

vida e obra de Estácio da Veiga ver p. ex.: Gonçalves e Sousa, 1996; Santos, 1997; e os textos publicados na Xelb Cardoso, 2007. vida e obra de Santos Rocha d. p. ex. Pereira, 1997. vida e obra de José Formosinho ver p. ex. Formosinho, 1997.

4 Que questões operacionais acabaram por confinar a um Levantamento Arqueológico do Alentejo e, posteriormente, ao fracasso da iniciativa, tornando-a irrelevante para o Algarve (d. Gonçalves, 1979: 106).

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que

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conduzir

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das pré-existências de origem sócio-histórica que, de algum modo, pudessem influir nas opções de ordenamento urbanístico e do território (Passos,

editada dos sítios arqueológicos referenciados na área do município (Paula, 1992: 18-19). A partir de 1995, a sistematização dos dados por parte do

org., 1989). Na área disciplinar da Arqueologia foi então constituído um «grupo de trabalho especializado» para o Levantamento Arqueológico para o Planeamento Urbanístico - LAPUs, mas

Ministério da Cultura (Marques, 1997) e a aplicação do sistema de informação arqueológica designado

todo o trabalho realizado se teria alegadamente «extraviado» em meados dos anos 806 No início dos anos 80, a Administração Central do Estado organizou finalmente um serviço de documentação e informação arqueológica de alcance nacional, no âmbito do Departamento de Arqueologia do Instituto Português criado em 1979

do Património Cultural (IPPC), (Paixão, 1980). Beneficiando

então da colaboração do Instituto, com o trabalho entretanto desenvolvido pelo Departamento de Arqueologia, a Delegação de Faro da Secretaria de Estado da Cultura promoveu, entre 1986 e 1988, sob a orientação de Mário e Rosa Varela Gomes, o Levantamento Arqueológico-Bibliográfico do Algarve, editando no final um inestimável repositório de referências textuais sobre os sítios arqueológicos algarvios, entre eles os da cidade de Lagos e sua área envolvente (Gomes e Gomes, 1988). Nesse mesmo ano, Alarcão publicou o seu levantamento de sítios romanos em Portugal, nele incluindo Lagos e arredores7 Em 1989, através do JPPC, a Secretaria de Estado da Cultura editou em parceria com a Direcção-Geral de Ordenamento do Território (DGOT), a carta dos registos de arqueologia e história urbana do Município de Lagos (Passos, org., 1989). E já nos anos 90, o utilíssimo estudo monográfico de Rui Paula inclui a mais recente cartografia

como Endovelico, criado ainda no âmbito do antigo IPPAR, com a sua base de dados georreferenciada, aumentou substancialmente a qualidade da informação e, simultaneamente, o número das ocorrências registadas. Quanto ao património cultural submerso, o inventário desenvolvido no âmbito do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática constituiu a base de trabalho essencial para a carta arqueológica náutica e subaquática promovida pelo município a partir de 2006, cujos resultados preliminares foram já divulgados (Fraga et ai., 2008). A prática da arqueologia de salvamento na área urbana antiga de Lagos remonta à década de 80, uma vez criado o então IPPC e os seus Serviços Regionais de Arqueologia (d. p. ex. Silva, 2002: 307-310), quando alguns técnicos daquele Instituto, alertados pela autarquia, se deslocaram até Lagos com o intuito de minimizar o impacte negativo ocasionado por algumas construções. Deste modo se caracterizaram pela primeira vez a Porta da Ribeira e o Cais Velho (moderno e contemporâneo) junto ao Castelo dos Governadores, pré-existentes à construção do Jardim da Constituição (Alves, 1984). Pela mesma altura, Virgílio Correia escavou contextos com materiais romanos re-depositados no interior de uma conduta que, em época moderna, encanou a Ribeira dos Touros. Por esses anos, identificavamse na Rua Silva Lopes as estruturas

de uma

das

5 Coordenado por D. Fernando de Almeida (professor catedrático jubilado de Arqueologia da Universidade de Lisboa) e, após o falecimento deste, em 1979, pelo seu antigo assistente, José Luís de Matos. Até 1981, data em que os trabalhos do LAPU foram

interrompidos, haviam sido reunidas largas centenas de dados referentes às folhas 133 a 612 da Carta Militar de Portugal à escala 1:25000, base cartográfica de organização do levantamento (com relevância para os dados - cerca de 900 fichas - referentes às folhas 566 a 612, correspondentes ao Algarve). 6 Informação prestada por J.L. Matos à então Delegada Regional da Secretaria de Estado da Cultura no Algarve, Isilda Pires Martins (in Gomes e Gomes, 1988: 7), quando os dados foram por esta solicitados no âmbito de um projecto de Inventário Arqueológico do Alga nre, de que resultou o Levantamento Arqueológico-Bibliográfico do Alganre (Gomes e Gomes, 1988). Como curiosidade, assinala-se que os coordenadores deste Levantamento haviam integrado igualmente o grupo de trabalho do LAPU (d. Passos, org., 1989: 9) mas desconheciam o paradeiro das fichas por eles próprios produzidas. Não dispiciendo o trabalho realizado no Algarve a partir de 1977 pela Uniarq, com o projecto Carta Arqueológica do Algarve - CAALG (Gonçalves, 1979: 106 ss.), apoiado financeira e institucionalmente pelo Gabinete de Planeamento do Algarve (GAPA), antecessor da CCDR-Algarve, os dados recolhidos mostram-se irrelevantes para Lagos, uma vez que a actuação do projecto CAALG se concentrou, na prática, no Alto Algarve Oriental. Assinalese que os dados do CAALG tão-pouco foram incorporados no Levantamento Arqueológico-Bibliográfico do A/garve, por então «se aguardar a sua publicação» (Isilda Pires Martins in Gomes e Gomes, 1988: 8). 7 Alarcão, 1988, vol. 11/3: 170-186 e carta, sítios n.O 7í133-140, repertório grandemente baseado em trabalhos de seminário executados por alunos por si orientados no Instituto de .Arqueologia da Universidade de Coimbra e, para Lagos e arredores, basicamente repetindo os dados coligidos por Maria Luísa Estácio (Santos, 1971; Santos, 1972).

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várias oficinas de preparados piscícolas da época romana ali existentes, que haviam sido afectados pela construção de um estabelecimento de bebidas. As circunstâncias dos anos 80 fizeram a Câmara Municipal

de Lagos ponderar

a necessidade de dotar

a autarquia com pelo menos um arqueólogo. E, finalmente, nos finais dessa década, e como primeiro passo para a implementação de medidas preventivas de salvaguarda do património, e a par de outras tarefas8, a arqueóloga Marta Gordilho procurava confirmar no terreno e actualizar a cartografia arqueológica do Concelho de Lagos9. Contudo, a partir de 1993, momento em que a autarquia fica de novo sem arqueólogo, verifica-se um retrocesso na política de gestão do património arqueológico do Município de Lagos: sem quadros técnicos na Câmara Municipal, numa conjuntura em que a então entidade nacional de tutela do Património demonstrava escassa capacidade interventiva10 e débil suporte legal para impor medidas preventivas e/ou paliativas de salvaguarda no património arqueológico não classificado. A prática da arqueologia preventiva na área urbana antiga de Lagos impunha-se a custo, num

panorama em que só a criação do IPA, em a simultânea reorganização do IPPAR como Instituto Português do Património Arquitectónicol2,

intervenção,

Endovelico,

o

desenvolvido

para

prossecução das atribuições da administração central do património arqueológico, e o Sistema de Informação do IPPAR (um workflow comum aos serviços centrais e às Direcções Regionais do Instituto) passaram a assumir um papel fundamental enquanto instrumentos não só de planeamento e gestão da actividade arqueológica mas também de apoio à investigação e ao conhecimento do território. Ainda assim, os anos de 1998 e de 2001 ficaram marcados

em

Lagos

pela

destruição

deliberada,

sem registo, por parte de promotores importante património arqueológico.

privados, de No primeiro

caso, o licenciamento de uma obra de renovação de uma moradia no Monte Molião, um sítio classificado como Imóvel de Interesse Público, não incluiu as medidas

de salvaguarda

mais adequadas

à natureza

do sítio arqueológico (d. Estrela, 2000). No segundo caso, detentor de um projecto de arquitectura para a construção de um edifício de habitação com cave, cuja construção ficara condicionada pelo então IPPAR aos resultados de trabalhos arqueológicos preventivos, e sendo previsível a presença de preexistências relacionadas com a produção de preparados piscícolas da época romana, o promotor

199711,

optou por desrespeito

e a alteração do património

obra, à~escavação integral de toda a parcela, onde foram postos a descoberto tanques de salga de uma fábrica romana, e à inviabilidade de construção da pretendida cave (Ramos et ai., 2006).

dos instrumentos legais de gestão arqueológico, entre 1997 e 200113, puderam contribuir positivamente para a imposição de medidas de salvaguarda eficazes, com a adopção dos dois princípios básicos pelos quais passou a regular-se a arqueologia preventiva e paliativa: a extensão ao património cultural arqueológico do princípio do «poluidor-pagador», e a aplicação metódica do princípio da «conservação pelo registo científico». Na vertente do apetrechamento para

3 Como a realização de trabalhos

arqueológicos

de terreno

ignorar a condicionante imposta. levou ao embargo administrativo

O da

Perante estes factos, a Câmara Municipal de Lagos reagiu às insistências da Tutela para que implementasse de uma maneira eficaz as medidas cautelares de salvaguarda arqueológico, tanto nas obras municipal

como

nas

de

iniciativa

do património de iniciativa privada.

Para

para valorização do edifício termal romano da Praia da Luz e a

preparação dos dossiês com vista à ciassificação da barragem romana da Fonte Coberta e da estação arqueológica de Monte Molião. 9 Os resultados seriam apenas parcialmente publicados, em Paula, 1992: 18-19. 10 Em 14 de Maio de 1997, o preâmbulo do Decreto-Lei nO 117/97 caracterizava assim as entidades de tutela do património cultural histórico: «comprovadamente a sua natureza e vocação não lhes permite tratar adequadamente da detecção, preservação e gestão da categoria de vestígios arqueológicos mais abundante e potencialmente mais prenhe de informação sobre o passado: a dos contextos sem valor monumental que documentam a actividade das populações pré-históricas e a vida quotidiana das populações rurais e da gente comum dos centros urbanos de época histórica». 11 Decreto-Lei n0117/97 de 14 de Maio. 12 Decreto-Lei n0117/97 de 14 de Maio.

I...]

13 Decreto-Lei nO 164/97 de 27 e zonas envolventes, testemunhos inteiramente ou em parte, em meio de Julho (Regulamento de Trabalhos do Património Cultural).

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de Junho (Património Cultural Subaquático, constituído por todos os bens móveis ou imóveis de uma presença humana, possuidores de valor histórico, artístico ou científico, situados, subaquático, encharcado ou húmido, ou arrojados pelas águas); Decreto-Lei nO 270/99 de 15 Arqueológicos); Lei 107/2001 (Lei de bases da política e do regime de protecção e valorização

Actas do 7.0 Encontro de Arqueologia do Algarve, pp. 899 a 917

Arqueologia

dar resposta ás eXigências legais e às obrigações decorrentes das convenções internacionais, a arqueologia passou a ser entendida como uma especialidade incontornável na reabilitação urbana e no ordenamento do território. A incorporação de um sector de arqueologia no Gabinete do Centro Histórico

Lagos e, posteriormente,

Serviço de Arqueologia

a constituição

do

Urbana no âmbito

da Divisão de Gestão Urbana da Câmara Municipal de Lagos, significou uma profunda alteração na gestão da Arqueologia Urbana em Lagos - sobretudo pelo assumir (finalmente) de efectivas responsabilidades

na gestão patrimonial por parte do Poder Local democrático, consequência de ter passado a encararse a área urbana antiga de Lagos como um sítio arqueológico, como um «arquivo de terra», que contém informação relevante para o conhecimento histórico, que caracteriza a identidade cultural específica da cidade. Lagos é hoje uma cidade em que o património cultural histórico-arqueológico está naturalmente inserido na ordem cultural, social e económica contemporânea, contribuindo cada vez mais para a caracterização e identidade da urbe, mediante a preservação e valorização das suas preexistências. No entanto, a política de arqueologia preventiva tem vindo a ser operacionalizada no terreno por uma crescente intervenção da empresarial, o que, em contra a cidade seja assumida como um projecto de investigação.

chamada arqueologia partida, dificulta que objecto de estudo de Nestas condições de

produção de conhecimentos, em que o trabalho realizado pelas empresas de arqueologia se orienta sobretudo na perspectiva de estrito cumprimento de um normativo legal (Valera, 2008), capitalizar os resultados das intervenções preventivas estabelecendo um corpo coerente e único de dados, no âmbito de um projecto específico de pesquisa, deverá ser, como já foi sugerido (Paulo e Beja, 2007: 32), uma das vias a percorrer para produzir efectivo conhecimento histórico.

Contributos da Arqueologia da cidade de Lagos

para a história

Urbana em Lagos: uma década de actividade

I

Elena Morán

I

Rui Parreira

romanos, medievais e modernos, e que a cidade «dos Descobrimentos» constituiu apenas um aspecto sem dúvida relevante - de um muito mais complexo processo histórico, com as suas continuidades e descontinuidades.

Por baixo do chão

que se pisa,

e no âmago das velhas paredes das casas antigas, a cidade histórica apresenta evidências de uma prolongada ocupação humana (Morán, 2006). Na sua envolvente imediata, a arqueologia tem revelado um rol significativo de sítios arqueológicos (Paula, 1992: 18-19), e as águas da baía submergem um conjunto de materiais e contextos essenciais para a compreensão

et ai., 2008), devidamente

da cidade

(Fraga

que só há pouco começaram referenciados e localizados.

a ser

Desconhecem-se,

da história

até

à data,

no aro

urbano

de Lagos vestígios de comunidades de caçadoresrecolectores. Quiçá uma parte dos sítios tenham que ser procurados na plataforma litoral, debaixo do actual nível das águas do mar, pois com o final da última glaciação, há cerca de 12 mil anos atrás, o aquecimento global fez subir o nível médio do mar e recuar a linha de costa, estabilizando-se há só cerca de 6 mil anos atrás (Hoffmann, 1987). Mas há cerca de 7500 anos atrás, ocorrem as mais antigas evidências de presença humana, com presença de instrumentos em sílex e recipientes em cerâmica que se associam aos mais primitivos camponeses, pastores e agricultores. Ao longo das margens da Ribeira dos Touros, na área hoje ocupada pelo perímetro urbano da cidade de Lagos, os sítios do Motel de Santa Maria, da Praça d'Armas (Duque et

ai., 2006) e, embora da

Rua Silva

Lopes,

em contextos de redeposição, 35-39 (edifício da Ribeira

dos Touros), denunciam estâncias de presumível curta duração, relacionadas com uma agricultura incipiente e possivelmente itinerante, aproveitando os solos com matriz pouco argilosa e, por isso, de mais fácil mobilização. No 4° e 3° milénios antes da era cristã, as profundas transformações ocorridas no modo de produção exigiram uma organização política formalizada, em que o poder passou a basear-se na divisão social da produção, no controlo das forças produtivas e na autoridade

alargado patriarcal,

Aactividadearqueológica sistemática assegurada ao longo desta década contribuiu para que amplos sectores da população e os responsáveis e técnicos que gerem o território municipal passassem a entender que a cidade actual se sobrepõe a

requerendo, assim, uma crescente centralização do poder, em lugares hegemónicos a partir dos quais se controlava a produção e o intercâmbio dos bens (que incluíam produtos «escassos», por vezes de origem remota). Há 4500 anos atrás, nos campos em

horizontes

redor da ampla

de

ocupação

pré

e

prato-históricos,

Baía de Lagos, aberta

à navegação

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Arqueologia

e

Urbana em Lagos: uma década de actividade

frequentada

pela

comunidade

I

Elena Morán

mareante

I

Rui Parreira

do

Mediterrâneo, testemunha-se a emergência das mais antigas sociedades politicamente organizadas. Os minúsculos fragmentos cerâmicos recolhidos na Praça d'Armas e os materiais recolhidos nas escavações do Convento de Nossa Senhora do Carmo (das Freiras), denunciam um assentamento que, há cerca de 4000 anos atrás, existiu na colina onde, moderna mente, se estabeleceria o convento. Junto com as necrópoles de Lagosl4, do 20 milénio antes da era cristã, estes testemunhos documentam a continuidade do povoamento, u ma crescente ocupação do hinterland e correspondem a uma sociedade hierarquizada e economicamente estratificada.

numa área hoje dentro do Centro Histórico, entre a Ribeira dos Touros / Praça do Infante e a Ribeira das Naus / Praça Gil Eanes (Morán, 2006; Duque et ai., 2006). Até ao século VII, esta Laccobriga mantevese como povoação de escassa relevância política ou administrativa no quadro do império romano. Contudo, neste aglomerado (que possivelmente devemos classificar como um ViCUSI6) constituiu-se um importante complexo fabril ligado ao mar, com uma relevante produção de preparados piscícolas, testemunhada pelos numerosos conjuntos de oficinas com tanques de salga e produção de derivados do pescado (Ramos e Almeida, 2005; Ramos et ai.,

direita da Ribeira os resultados das

2006). A partir do século 111, esta povoação terá beneficiado da depressão que, na mesma época, afectou os, até então concorrentes, sítios costei ros da Bética (Bernardes 2005; Arévalo et ai., 2004: 53-54) e continuou economicamente activa ainda

prospecções geoarqueológicas realizadas na Rua da Barroca, numa área hoje situada na frente ribeirinha do centro histórico da cidade, entre as ribeiras dos

abandono somente durante os primeiros anos do século VII (Arruda, 2007). Este mesmo modelo de

Há 2800 estabelecem-se

anos atrás, no extremo

mercadores fenícios ocidental da Baía de

Lagos, no troço final da margem de Bensafrim, como demonstram

Touros e das Naus, no interface portuário de uma antiga enseada abrigada entre penhascosl5. Há 2 anos atrás, o povoamento da Baía de Lagos aparece polarizado em torno de sítios com funções centrais, como o Monte Molião (Arruda, 2007),

à actual cidade de Lagos na oposta da Ribeira de Bensafrim. Este de época cartaginesa, fundado no século

sobranceiro

margem

oppidum

IV antes da nossa era, subsistiu após a ocupação romana do extremo Sul da Lusitânia e foi objecto de diversas alterações urbanísticas até ao seu definitivo abandono, no século II da era cristã. Para os romanos, a região do extremo Barlavento algarvio era conhecida como Promunturium Sacrum e é nela que Pompónio Meia, na sua Corografia, de cerca de 41 da nossa era, situa as povoações marítimas de Laccobriga e de

Portus Hannibalis. Há bons argumentos para fazer corresponder a essa Laccobriga elencada por Meia o aglomerado terá disputado

populacional de Monte Molião, que com Cilpes Silves (onde se localiza

um centro de cunhagem de moeda) as funções de capital idade de uma suposta civitas do Alto Império no Barlavento algarvio. Logo para os inícios da era, documenta-se a ocupação na margem direita da Ribeira de Bensafrim,

na

Antiguidade

tardia,

tendo

sido

votada

ao

aglomerado industrial repete-se nas angras entre Lagos e o Cabo de São Vicente, que constituíam ancoradouros naturais e onde se instalaram diversas povoações cuja principal actividade foi a produção de derivados do pescado - actividade favorecida por um mar rico em peixe, muitos dias de sol e intensa produção de sal. Logo a poente de Lagos, a vila da Luz é importante povoação com estas características (Parreira, 1997). Em complemento deste sistema produtivo especializado e vocacionado para a exportação, as ruínas da barragem da Fonte Coberta e de diversas

villae suburbanas,

como as de São Pedro do Pulgão, Encosta da Marina, Monte do Augusto e outras na Meia Praia, hoje locais situados em área de expansão urbana, testemunham a importância de uma produção agrícola que se prolonga por toda a Antiguidade Tardia, cujo vinho, azeite, cereais, frutos de sequeiro e carne se destinavam, basicamente, ao consumo regional. Há 1200 anos atrás, quando, na época islâmica, Xilb Silves se assume capital de um território com fortes tradições de Monchique e

pelo

religiosas enquadrado pela Serra (o Mons Sacer dos romanos)

importante

centro

de

peregrinação

da

14 Conjunto de vasos das colecções do Museu Municipal de Lagos, seguramente encontrados em contextos funerários da Idade do Bronze do Sudoeste e referenciados simplesmente como procedentes de «Lagos» (Schubart 1975: 182-183, n.o 23-29, estampas 3-4). 15 Trabalhos efectuados sob a direcção de .l\rteaga e Barragán, publicados neste volume da Xelb. 16 Vejam-se os critérios propostos por .l\larcão 1998.

906

I

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I

Actas do 7° Encontro de Arqueologia

do Algarve, pp. 899 a 917

Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

I

Elena Morán

I

Rui Parreira

Igreja do Corvo (no planalto vicentino), houve um incremento na produção agrícola, relacionável com os melhoramentos técnicos então introduzidos,

fechava um recinto de aproximadamente 200 por 300m (Rocha, 1909: 89-91; Callixto, 1992: 56; Martins, 1997; Parreira 2008). Este contava com

designada mente

alguns acessos, em cuja construção parecem ter-se seguido algumas soluções de tipologia muçulmana, evidenciadas nas portas guarnecidas por torres albarrãs (Gomes, 2002: 119), de que subsistem o

a

irrigação

das

hortas

com

inovadores sistemas de elevação de água. Surpreendentemente, em todas as escavações efectuadas na cidade de Lagos que atingiram o substrato arqueologicamente estéril, tem-se comprovado, até agora, uma completa ausência de vestígios da época islâmica. Diversos autores tinham ponderado a hipótese de Lagos, com o seu castelo hoje incorporado no cerne do Hospital da Misericórdia (Queiroz in Paula, 1992: 336-343), se encontrar no local de uma antiga povoação ou fortaleza islâmica (Paula in Paula, 1992: 30-32; Paula, 1997; Coutinho, 2008: 50), uma vez que Lagus foi um dos castelos incluídos nas conquistas feitas em 1189 pelos exércitos de Sancho I, e referidos pelo Cruzado Anónimo que descreveu a conquista de Silves (Lopes, 1844: 42-43). Procuravam assim justificar as referencias de al-Idrisi a uma povoação denominada Zawija, situada junto ao mar entre Xilb e Saqrax (Blázquez, 1901: 17, citado por Gomes, 2002: 119). Presumivelmente, o topónimo corresponde a uma discreta alcaria, situada fora do Centro Histórico de Lagos: como o aglomerado, parcialmente destruído em 2002, referenciado no alto de um cabeço na urbanização das Varandas de São João, na área de expansão norte da cidade, e que foi datado dos séculos XII-XIII (Serra et ai., 2008). Há 800 anos atrás, com a ocupação

do território

pelos cristãos do Norte, primeiro fugazmente, nos dois anos que se seguiram a 1189, depois de modo definitivo, a partir de 1240, o modo de vida não terá sofrido grandes alterações. A par da permanência da horticultura, o desenvolvimento da produção cerealífera conduziu a uma proliferação dos moinhos de água na área do Paúl, e as lagaretas espalhadas por toda a área do município dão testemunho da produção de azeite e vinho. Além disso, o território de Lagos produzia pescado nas almadravas, sal nos salgadiços, frescos nas hortas do Paúl, figo e amêndoa do Barrocal.

nos pomares

de sequeiro

Durante os séculos XIII e XIV, Lagos começou a ser fortificada pelos portugueses. Encerrando a Vila-Adentro, uma cerca vilã, que, partindo de uma alcáçova situada junto à praia, mais tarde modificada e conhecida como Castelo dos Governadores,

17

E com cuja destruição Leite de Vasconcellos se indignou

conjunto da Porta do Arco de São Gonçalo, do lado nascente, e a Porta Norte, de cujas torres há os restos, uma embebida nas paredes da antiga cadeia e a outra nos caboucos sob a torre campanário da É provável que o recinto igreja de Santo António. murado possuísse, originalmente, pelo menos mais três acessos, através de portas ou portelas (ver o ensaio de reconstituição da planta em Paula, 1992: 151). Intramuros, o traçado urbano articulouse segundo um eixo este-oeste, representado pela principal via que, desde a zona portuária da Solaria, subia do Arco de São Gonçalo à Porta da Vila (Parreira, 2005). Este eixo gerador, ao modo de uma «rua direita», era atravessado por outras vias transversais, seguindo um traçado urbano ortogonal, tipicamente tardo-medieval, que se manteve até aos nossos dias, como ficou demonstrado pelos trabalhos arqueológicos realizados no âmbito da renovação do Núcleo Primitivo. Com uma economia que prosperava, a vila dotou-se de templos para o culto cristão. Santa Maria

da Graça,

edificada

a partir

de

1378

no

extremo sudoeste da Vila-Adentro, em posição topográfica proeminente, foi remodelada por 1420 (Rocha, 1909: 75-76; Veloso, 2006). O cemitério paroquial que lhe estava associado'?, com as suas sepulturas orientadas conforme o eixo maior do templo, foi objecto de escavações arqueológicas extensas (Díaz-Guardamino et aI. 2007; DíazGuardamino

e Morán,

org., 2008).

Nossa Senhora

da Conceição foi edificado extramuros, e em seu redor consolidou-se um arrabalde de mareantes e comerciantes

(Rocha,

1909:

75, 80;

Paula,

1992:

34), que com o tempo se tornou importante. Há 600 anos atrás, nos finais da Idade Média, mercê das suas boas condições portuárias e da sua localização próxima do extremo Sudoeste europeu, Lagos partilhava o protagonismo na Baía com a povoação de Alvor. A Cristandade cobiçava então as riquezas que vinham do Sul, especialmente o ouro, mas as rotas caravaneiras estavam nas mãos dos muçulmanos

e os medos

ao oceano

inibiam

em 1892.

XELB 10

I

907

Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

I

Elena Morán

I

Rui Parreira

os mareantes. Conquistada Ceuta em 1415, Lagos converteu-se numa importante praça de guerra de apoio ao Marrocos luso - o Algarve de Além-Mar e de combate ao corso muçulmano, e consolidou-se como grande porto comercial do extremo Sudoeste peninsular. Em meados do século XV, o Infante D. Henrique estabeleceu aí o centro do seu empório comercial, baseado no tráfico com a costa ocidental africana (Russell, 2001; Costa, 2009). Com destacada posição nas empresas marítimas

dos Descobrimentos

(Loureiro, 1991; Veloso, 2005) e na geopolítica nacional, pela sua vizinhança com o Norte de África (Loureiro, 1984: 29 ss.), a povoação ganhou razoável esplendor político e económico, com um consequente aumento demográfico. Na posse da Coroa após a morte do Infante, teve fora I novo, outorgado por D. Manuel em 1504 (Magalhães, 2004). ",,----,_._,-

I I I I I I I I

I I

muralha artilharia

ao modo antigo, não preparada para e insuficiente para proteger a totalidade

da população, tornaram necessária a construção de um novo perímetro defensivo, que abrangesse os diversos núcleos urbanos e protegesse eficazmente a zona portuária. Da «traça» (representação gráfica, ou projecto) inicialmente dada, ficou lembrança nas plantas de Massay, do primeiro quartel do século XVI, e na cópia que, em meados do século XVII, Leonardo de Ferrari fez de um original mais antigo, ambos preservados (Sánchez Rubio et ai. 2004: espec. 67). Diversas referências escritas relatam os desastrosos efeitos

do sismo de 1755

em Lagos (Paula, 2006).

A vaga provocada pelo terramoto chegou a atingir grandes proporções, arrasando um grande sector da parte baixa da cidade. A partir dos testemunhos documentais, muitos deles bastante pormenorizados (ver Muralhas, 7967: 17-19), conhecemos as

,,, ,,, ,,, ,,, ,,, ,,, ,,, ,,,

sequelas que o megassismo de 1755 deixou em Lagos (Rocha, 1909; Paula 2001: 51 ss.; Costa & Abreu, 2005; Paula, 2006; Almeida et aI., 2006) Para além da destruição generalizada das casas,

,

,, , ,

I

portuário. A localização do centro administrativo extramuros junto à foz da Ribeira dos Touros (actual Praça do Infante - d. Paula, 1992: 174-196) e uma

"

I I I I I I

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/

muitas das quais senhoriais, ficou arruinada a Igreja Matriz de Santa Maria da Graça. Mas - ao contrário da ruína deste templo, e sua pronta tentativa de reedificação, que a Arqueologia pôde documentar em pormenor (Díaz-Guardamino et ai., 2006; DíazGuardamino & Morán, 2008), e diferentemente do desmoronamento e imediata, embora certamente lenta, reconstrução das casas (Correia, 1997: 32), que se tem podido documentar em já numerosas ocasiões mediante análise parietal aplicando metodologia arqueológica (p. ex. Morán, 2006) - escasseiam as evidências de acordo

materiais das obras de reedificação que, com os testemunhos escritos, terão sido

necessariamente empreendidas nos amuralhamentos da cidade. A referência à derrocada do Baluarte

Há 500 anos atrás, entre os dois pólos urbanos expandidos em redor dos templos paroquiais Santa Maria da Graça e São Sebastião - surgiu, numa faixa ao longo da margem do Rio Moleão, uma área ligada à pesca e ao comércio marítimo (Paula, 1992: 34). A necessidade de incremento da

Lagos após o Terramoto de 1755, documentada pelo levantamento parietal do pano da frente ribeirinha em toda a extensão do parque de estacionamento

força de trabalho lançou mão do tráfico negreiro, evidenciado pela arqueologia no Vale da Gafaria

subterrâneo, se bem que não faltasse pretexto para a sua renovação, secundando os novos métodos de

(Neves

et ai.,

no prelo),

e desenvolveu-se

o tráfego

908 I XELB 10 I Actas do 7° Encontro de Arqueologia do Algarve, pp. 899 a 917



da Porta da Vila intui-se da apressada reedificação com taipa nas imediações da Porta da Vila, que a Arqueologia parietal pôde registar (Paula et aI. 2005), mas fica por esclarecer a cronologia das reparações dos estragos sofridos pelas muralhas de

fortificar

entretanto

introduzidos

por Vauban.

Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

I

Elena Morán

I

Rui Parreira

Zonamento por Gradientes de Sensibilidade Arqueológica: A avaliação de risco do subsolo do centro histórico de Lagos No centro

histórico

da cidade,

as intervenções

executadas nestes últimos anos tornam já possível uma avaliação arqueológica de risco dos vestígios preservados no subsolo urbano, transpondo-a para uma Carta de Risco com índices diferenciados de potencialidade. O mapeamento de gradientes de sensibilidade arqueológica, permite justificar uma normativa de medidas de salvaguarda / valorização que condicionam os projectos de construção, sejam de iniciativa municipal ou privada: «acompanhamento arqueológico (de desaterros e/ou demolições)>>, «exame parietal (para salvaguarda de possíveis preexistências no cerne das construções)>>, «escavação de diagnóstico», «escavação em área», e «ausência de medidas preventivas de impacte sobre património arqueológico enterrado». Deste modo, o município e a administração central desconcentrada têm vindo a reforçar uma política de arqueologia preventiva que tem vindo a integrar-se tranquilamente nos procedimentos de planeamento e de licenciamento de operações urbanísticas, independentemente de estas se localizarem ou não em áreas de servidão administrativa de protecção ao património18 - um procedimento que, nas circunstâncias presentes, implica ainda uma participação directa e forçosa da

r

I

conservam

preexistências

desde a Idade de 1755 tenha

Média. arrasado

de aglomerados

urbanos

Embora o megassismo as casas senhorias que

ladeavam as ruas em Santa Maria, vestígios das mesmas podem ser recuperados das terraplanagens e fundações sobre as que assentam as construções post-terramoto e contemporâneas. Do mesmo modo, em São Sebastião o aglomerado medieval é preexistente na envolvente à paróquia. Não sendo

entidade central de tutela do património arqueológico - se bem que esta se mostre incapaz de «romper com a tradição macrocéfala, centralizadora, inoperante e incontrolável da actual estrutura da administração do Património Cultural e da Arqueologia»'9 A adopção de procedimentos de salvaguarda diferenciados por gradientes de sensibilidade arqueológica, permitiu adoptar um «normativo»

vestígios monumentais, o potencial científico destes testemunhos aconselha a que, em ambos os núcleos

que se concretizou no artO do PUMP e se ambiciona

da área, quer ao acompanhamento arqueológico dos movimentos de terras e escavações restantes, até à cota da afectação. Por norma, impõe-se nas

19.0 do Regulamento vir a plasmar nos

«Regulamentos» do PU e do PP de Lagos. Exemplo deste procedimento é aquele que adoptámos para a área do Centro Histórico:

As

colinas

Sebastião paróquias

de

albergaram no período

Santa

Maria

as sedes medieval

e de

São

das respectivas e moderno e

urbanos, os licenciamentos de operações urbanísticas sejam precedidos de sondagens para diagnóstico arqueológico, por procedimentos manuais e até ao substrato arqueologicamente estéril, cujos resultados podem induzir quer ao alargamento da área escavada, incluindo a escavação da totalidade

operações urbanísticas a realização de trabalhos arqueológicos, a executar total ou parcialmente a expensas do promotor20 após a emissão de licença de obra. Como procedimento habitual, a licença de obra determina, o acompanhamento arqueológico

18 O. figura 2: a Zona Especial de Protecção às muralhas - que torna obrigatório a atender ao parecer vinculativo da administração do patrmónio cultural competente, não assegura, de per si, a salvaguarda das preexistências urbanas intramuros, uma vez que o desenho da área de servidão administrativa se adaptou exclusivamente ao edificado «emergente». 19 Citado de Alves, 1995 [Memorando sobre e Reestruturação dos Serviços Públicos de Arqueologia, policopiado]. 20 Para o registo das estruturas, dos depósitos de natureza antrópica (sócio-histórica) e da respectiva relação estratigráfica, em conformidade com o disposto no nO 5 do Art.o 75.0 e com o n.o 3 do Artigo 79° da Lei n.o 107/01, de 8 de Setembro.

XELB 10 I 909

Arqueologia

efectivo,

Urbana em Lagos: uma década de actividade

presencial

demolição

do

e sistemático

existente,

I

das

a efectuar

Elena Morán

obras

I

Rui Parreira

de

unicamente

até à cota de soleira; a escavação de diagnóstico, preventiva do impacte de alterações do subsolo, procurando, através de amostragem21, avaliar o potencial arqueológico e estratigráfico e definir ulteriores medidas mitigadoras. Os resultados da escavação de diagnóstico, apresentados pelos arqueólogos responsáveis num relatório preliminar, condicionam quer a eventual revogação de condicionantes arqueológicas (com libertação do terreno para a conclusão da empreitada), quer a extensão das condicionantes arqueológicas, incluindo a eventual escavação arqueológica de carácter extensivo, e/ou o integral acompanhamento arqueológico efectivo, presencial e sistemático de todos os movimentos e remoções escavações e abertura de caboucos, fundação e ligações às redes públicas.

de terras, valas de A emissão

da ulterior licença de utilização fica dependente da a presentação do correspondente relatório de trabalhos arqueológicos.

Na colina central, entre as Ribeiras dos Touros e das Naus, sob as casas dos séculos XVIII-XIX, há preexistências conservadas da Laccobriga romana e tardo-antiga, estando identificadas diversas unidades fabris com salgadeiras de preparados piscícolas (cetárias) e um dos cemitérios do aglomerado populacional. O destas estruturas,

excelente grau de preservação o elevado potencial científico

das mesmas e o facto relevante de preservação de cetárias num Centro Histórico consolidado, confere a esta área um grau de sensibilidade elevada, onde a gestão urbana desaconselha a implementação de projectos de obra que sejam intrusivos no subsolo. Assim os licenciamentos de obras de renovação estão condicionados à execução de sondagens prévias, por procedimentos manuais e até ao substrato arqueologicamente estéril, cujos resultados podem conduzir à alteração do projecto para a conservação in situ das preexistências. As intervenções

arqueológicas

efectuadas

nos últimos

anos, por iniciativa municipal, com a Requalificação das Ruas Silva Lopes e 25 de Abril, e por iniciativa particular, reiteraram os dados científicos já conhecidos desde as escavações de 2001 nas cetárias da Rua Silva Lopes. A escavação parcial

dos

ambientes

fabris

piscícolas,

em

âmbito

da

minimização arqueológica do impacte provocado pelas obras de construção, nem sempre resultam em maior e melhor produção científica de dados, mas resultam sempre em maior quantidade de artefactos e ecofactos, que só timidamente vêm posteriormente a ser analisados, considerando que os mesmos não resultam de um projecto de investigação, e acabam por simplesmente encher os depósitos de materiais arqueológicos, uma vez que os promotores apenas se sentem obrigados a financiar os trabalhos de

(d. Paulo e Seja, 2007: 32). É por isso que, mais recentemente, o parecer técnico de arqueologia, na fase de apreciação de projectos que pretendem a renovação de infra-estruturas, solicita que a execução das especialidades seja minimamente intrusiva no subsolo. E quando tal não é possível, por problemas de cota, opta-se pela remoção, unicamente, dos níveis contemporâneos (aqueles que foram colocados para nivelamento dos pavimentos) que sobrepõem as preexistências arqueológicas, assegurando o registo do topo das estruturas mas sem as escavar.

terreno

Na Zona Intramuros

fora das áreas acima

referidas, a sensibilidade

arqueológica é reduzida, pois a zona corresponde a áreas de expansão urbana dos séculos XIX e XX, preenchendo as áreas livres entre os núcleos urbanos previamente

consolidados

e

a fortificação moderna. Para efeitos de minimização de impactes negativos sobre as preexistências, os licenciamentos estão condicionados, nesta zona, ao acompanhamento presencial e sistemático, e remoções de caboucos, valas públicas, até ao (ou até à cota

arqueológico efectivo, de todos os movimentos

terras, escavações e abertura de de fundação e ligações às redes substrato arqueologicamente estéril de afectação, acrescida de uma

margem de segurança, se o substrato estéril se localizar a uma cota mais profunda). Os resultados poderão dar lugar à suspensão das escavações e movimentos de terras22, bem como à aplicação de medidas cautelares complementares, consideradas convenientes para a salvaguarda dos bens culturais - podendo os trabalhos arqueológicos de aí decorrentes ser intercalados na calendarização da obra e, enquanto os mesmos durarem, suspensos os prazos de licença de construção.

21 A localização e extensão das sondagens deve permitir uma caracterização abrangente da totalidade da área a afectar por todas as interferências no subsolo, recomendando-se o seu aprofundamento até ao substrato arqueologicamente estéril 22 Nos termos do artO 32°, do nO 1 do art.o 78.0 e do n.o 2 do artD 79.0 da Lei nD 107/2001, de 8 de Setembro.

910

-

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Actas do 7.0Encontro de Arqueologia

do Algarve, pp. 899 a 917

Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

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Elena Morán

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Rui Parreira

Em outras áreas, onde trabalhos arqueológicos anteriormente realizados comprovaram uma

predomi nância evidencia que

sistemática irrelevância de adopção de medidas preventivas, uma vez que a afectação, ou terá ocorrido aquando da construção inicial ou é nula,

verifica-se claramente, pela reduzida das intervenções exclusivamente

por absoluta ausência de vestígios arqueológicos, procede-se habitualmente no entanto, por precaução, a uma monitorização por parte do Serviço de Arqueologia Urbana, por forma a prevenir

para a investigação, que não é a produção de conhecimento que motiva a realização da grande maioria dos trabalhos mas sim a imposição legal de fazer cessar as condicionantes patrimoniais à

a eventual afectação de vestígios arqueológicos, qual deverá dar lugar à imediata suspensão

efectivação dos empreendimentos, públicos ou privados. Ainda assim, a partir de 2006, nota-se

a da

respectiva frente de obra e à imediata comunicação à administração do património cultural competente, para aplicação de medidas preventivas.

Principais tendências evolutivas evidenciadas pelos trabalhos arqueológicos autorizados entre 2001 e 2009 Parece interessante procurando tendências património

avaliar os dados disponíveis,

caracterizar em linhas gerais algumas evolutivas das práticas de gestão do arqueológico evidenciadas pelos 167

trabalhos arqueológicos autorizados para a área urbana antiga de Lagos entre 2001 e 2009, mediante a ponderação de alguns indicadores, comuns aliás a outras análises para efeitos comparativos.

(Bugalhão,

uma

um

das intervenções preventivas os trabalhos de salvamento têm

expressão

investimento

residual.

Mas

na investigação,

por

outro

lado,

expressão orientadas

decorrente

do

estabelecimento de um Protocolo de Cooperação Cientifica para Estudo, Divulgação e Preservação do Sítio Arqueológico do Monte Molião, com a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e o seu Centro de Investigação Arqueológica (UNIARQ): é uma tendência que deverá ser aprofundada, com a desejável integração do meio académico no estudo da cidade e do seu território envolvente, não de investigação plurianual

a penas com programadas

acções mas

capitalizando os dados adquiridos nas acções de prevenção, disponibilizando para estudos académicos os materiais os contextualiza.

e a documentação

que

2008), Vinculação

dos Arqueólogos

Categoria 30

.Administraçâo

25 C Salvamento

20

Local

m Universidade

CPrBvenção

15

• Profissão Liberal • Investigação

o Empresa

C Valorização

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

Ano

o

indicador Categoria da Intervenção refere-se à categoria em que se enquadram os trabalhos arqueológicos e considera as variáveis Salvamento

"

Como

Vinculação o indicador ao enquadramento das um crescente peso da actividade

seria expectável,

dos Arqueólogos, referente equipas,

mostra

(intervenções paliativas da destruição parcial ou total de contextos), Prevenção (intervenções de minimização dos impactes negativos das empreitadas), Investigação (intervenções no âmbito de acções plurianuais de investigação programada) e Valorização (que atende à especificidade daquelas, ainda assim escassas, escavações de

o peso decrescente das equipas da Autarquia e a total ausência de equipas vinculadas à Administração Central - os serviços oficiais a um papel de gestão e fiscalização, com o inerente risco da sua excessiva burocratização. Ainda assim, os

investigação de imóveis classificados, ou escavações preventivas que evolucionam para situações de integração dos vestígios nelas descobertos em projectos de requalificação urbana). A marcada

arqueólogos municipais, cujas intervenções foram preponderantes ou muito expressivas até 2005 (enquanto a autarquia manteve a operacionalidade de uma pequena equipa técnica), continuaram

contratualizada com empresas remetendo progressivamente -

especializadas, como denota

XELB 10



I

911

Arqueologia

Urbana em Lagos: uma década de actividade

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Elena Morán

I

Rui Parreira

a assegurar algumas intervenções de terreno, embora seja crescente em intervenções de iniciativa municipal a tendência para a externalização da prestação dos serviços. O peso da arqueologia empresarial a par da, pouco expressiva, intervenção de profissionais liberais -, aliado a uma opinião pública qualitativamente pouco exigente e à debilidade do tecido empresarial local e regional, deveria alerta r-nos para a necessidade de reforçar os mecanismos de acompanhamento e fiscalização, co-responsabilizando os titulares das autorizações, as empresas de arqueologia e os promotores pelo cumprimento de objectivos específicos, melhorando qualitativamente os cadernos de encargos - incluindo neles os estudos de gabinete e a publicação/disponibilização dos dados (mesmo que semi-tratados) - e exigindo uma mais rigorosa calendarização e transparência de financiamento das operações, e fazendo os arqueólogos da administração pública participar num projecto de território, implicando-os activamente nas politicas e nas actuações de ordenamento territorial do município e da Região. 2007 2004 2003 2002 2006 2009 2005 2008

Localização do Trabalho

"" "" "

20

DExtramuros

8 5

,,

.Area

de

expa.nsào penfenca

O

2002

2003

2004

2007

2005

2008

200!!

Decorrente desta situação, em que há uma clara preponderância da promoção privada dos trabalhos, chama a atenção o indicador Localização do Trabalho, com um predomínio dentro da área contida pelas muralhas. Para além de isso se relacionar com uma maior sensibilidade arqueológica da área intramuros, este indicador mostra - em Lagos como aliás em muitas outras cidades históricas algarvias urbana face à

o ainda excessivo peso da renovação

reabilitação. Ainda assim, verifica-se um crescendo de trabalhos nas áreas de expansão periféricas, decorrente não só de um maior investimento em operações urbanísticas mas igualmente de uma maior eficácia na articulação com o serviço de obras particulares e do investimento em conhecimento do património arqueológico do aro urbano, como na área do PUMP e nas urbanizações periurbanas.

Iniciativa

Aoo Justificação oO Municipais Público/Privadas



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