Arquitetura e Narrativa: Um estudo analítico do Museu do Homem do Nordeste (MUHNE)
Eixo temático II As perspectivas didáticas e comunicativas na Museografia Lívia Morais Nóbrega1; Luiz Manuel do Eirado Amorim2 1
Arquiteta e Urbanista, Mestranda em Desenvolvimento Urbano do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Avenida dos Reitores, s/n, Cidade Universitária, Recife/PE. 50741-530. Fone: (81) 21268311 Fax: (81) 21268772. E-mail:
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Arquiteto e Urbanista, PhD pela University College London, professor associado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Avenida dos Reitores, s/n, Cidade Universitária, Recife/PE. 50741-530. Fone: (81) 2126 8311 Fax: (81) 2126 8772. E-mail:
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Arquitetura e Narrativa: Um estudo analítico do Museu do Homem do Nordeste (MUHNE)
RESUMO O Museu do Homem do Nordeste (MUHNE), antigo Museu do Açúcar, foi o primeiro edifício construído em Pernambuco especificamente para este fim, em 1963. Em 1979, o MUHNE é fundado a partir da junção do acervo proveniente de três outros museus (Açúcar, Antropologia e Arte Popular). Sua vasta e heterogênea coleção, e a maneira como esta foi apresentada em diferentes exposições de longa duração (1979 e 2008), despertam para o entendimento interação entre as mudanças nas propriedades espaciais de um leiaute de exposição e as narrativas curatoriais e mensagens de exposição pretendidas. O caso do MUHNE fornece subsídios para a análise da interação entre a arquitetura e as estratégias de desenho das narrativas curatoriais e como estas constituem a dimensão espacial das galerias do museu.
Palavras-chave: arquitetura, narrativa, Museu do Homem do Nordeste ABSTRACT The Museu do Homem do Nordeste (MUHNE), ancient Museu do Açucar, was the first museum to be built in Pernambuco, Brasil, specifically for this purpose, in 1963. In 1979, the MUHNE is founded based on the junction of the collection of other three museums (Sugar, Antropologie and Folk Art). Its vaste and heterogeneous collection, and the way as this was presented in different expositions of long duration (1979 and 2008), rise for the understanding and interaction between the changes in the space properties of the lay-out of an exhibition and the exhibition narratives and messages of the achieved expositions. The case of MUHNE, provides subsidies for the analysis of the interaction between architecture and the drawing strategies of exhibition narratives and as these constitute the space dimension for the galleries of the museum
Keywords: architecture, narrative, Museu do Homem do Nordeste
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Arquitetura e Narrativa: Um estudo analítico do Museu do Homem do Nordeste (MUHNE) 1. MUSEU, ARQUITETURA E NARRATIVA A capacidade dos museus, de transmitir valores e signos dos tempos de determinadas culturas (MONTANER, 2003), pode ser entendida a partir da lógica social do espaço, cuja ordenação diz respeito também a ordenação das relações entre pessoas e torna capaz o reconhecimento da existência e da forma de uma sociedade. (HILLIER & HANSON, 1984) No caso dos museus, locais de reunião, classificação e exposição do conhecimento, artístico ou científico, essa ordenação espacial está intrinsecamente ligada à narrativa proposta. Na arquitetura, a narrativa são formas de estruturação do espaço a fim de alcançar efeitos específicos na percepção do usuário. Do ponto dos museus, isto está relacionado com a emergência de uma cultura organizacional (PENN, MARTINEZ, 2007) e com o sentido de exploração da relação entre estrutura conceitual e experiência sensorial e com o domínio destas relações abstratas para a formação do conteúdo cultural. (PSARRA, 2009) A construção dos museus se baseia em usos e circulações que se enquadrem na classificação proposta para uma coleção. As formas que estes edifícios assumem funcionam como instrumentos didáticos que falam por si próprios, unificando o recipiente (edifício) e o conteúdo (exposição). (MARKUS, 1993) Neste sentido, o leiaute pode ser entendido como parte da enunciação e transmissão de conhecimentos. (PEPPONIS, HEDIN, 1982) O Museu do Homem do Nordeste (MUHNE), construído em 1963, ainda como Museu do Açúcar, e fundado sob este nome em 1979, a partir da reunião do acervo de três museus (de Antropologia, de Arte Popular e do Açúcar), constitui um interessante estudo de caso para o entendimento de como o projeto museográfico constitui a transmissão do conhecimento e altera a estrutura espacial do edifício, em função da construção de uma narrativa. O estudo das alterações espaciais e dos leiautes do edifício Gil Maranhão, sede do MUHNE, referentes aos anos de 1963, 1979 e 2008, busca entender como estas mudanças podem fornecer pistas concretas sobre a interação entre projeto arquitetônico e intenções curatoriais. O estudo será realizado a partir do cruzamento dos dados (textos) sobre as intenções museográficas de cada exposição com os dados (plantas) espaciais obtidos através dos procedimentos analíticos, fornecendo evidências tangíveis sobre o processo e reforçando sua relevância metodológica. 3
2. OS IDEAIS MUSEOLÓGICOS E O MUSEU DO HOMEM DO NORDESTE A abordagem culturalmente antropológica vem abrindo outra perspectiva de valorização de objetos humanos dignos de tal conservação. Inclusive a representada por aqueles Museus do Homem de que o de Paris é a expressão máxima. Mas também por museus antropoculturais, ou antropossocioculturais, que se façam caracterizar também por seus condicionamentos ecológicos ou recionais, sem se fecharem a confrontos transregionais do seu material assim especificamente condicionado. (FREYRE, 2000)
A fusão dos museus que deram origem ao Museu do Homem do Nordeste (MUHNE) foi desenvolvida sob a orientação do antropólogo e sociólogo Gilberto Freyre, com base na noção de Museu do Homem, desenvolvida em outros museus ao redor do mundo. Suas idéias museológicas nortearam a concepção do MUHNE e a ordenação da coleção de mais de 15 mil peças de origem indígena, portuguesa e africana na formação da sociedade nordestina brasileira, preservando e difundindo o seu patrimônio material e imaterial. De cunho histórico-antropológico, a preocupação científica de Freyre também tem influência na forma como este conhecimento é documentado e difundido. Sua maior intenção era tornar possível a compreensão da formação histórico-social e dos modos de vida e aspectos culturais dos grupos étnico-sociais que compõem a região Nordeste do Brasil. No caso deste estudo, para a arquitetura, o interesse reside em compreender a difusão, no sentido da apresentação do conhecimento, através da disposição da narrativa curatorial no espaço. Uma breve revisão da história espacial do museu e de duas exposições permanentes a serem estudadas torna possível o entendimento de questões relativas à concepção do projeto do edifício e das estratégias curatoriais das exposições selecionadas.
2.1. O EDIFÍCIO GIL MARANHÃO Concluído em 1963 para sediar o Museu do Açúcar, o edifício Gil Maranhão é um projeto do arquiteto Carlos Antônio Falcão Corrêa Lima. Primeiro equipamento do estado construído especificamente para abrigar o programa de museu, o edifício foi planejado para o abrigo de exposições no piso térreo e de usos complementares no piso superior. O acervo do Instituto do Açúcar e do Álcool foi integrado, em 1979 ao Museu do Homem do Nordeste (MUHNE), sob a orientação de Gilberto Freyre, juntamente com a fusão dos acervos provenientes do museu de Antropologia e Arte Popular.
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A localização no bairro de Casa Forte, distante do centro e de condições atmosféricas adversas que podem interferir na conservação das obras, demonstra uma preocupação típica do século XX. Os blocos retangulares que compõem a planta estão dispostos ao redor de um jardim, encerrando um circuito de salas de exposição, auditório e livraria, no térreo, e biblioteca, iconografia e administração, no piso superior (Figura 01). (MACHADO, 2009)
Figura 1. Projeto original do edifício Gil Maranhão. a. Planta baixa 1º piso. b. Planta baixa 2º piso. Fonte: http://www.fundaj.gov.br/geral/didoc/jpah-depamafundaj.pdf. Acesso em 23 ago 2010.
Os espaços de exposição do térreo, foco deste estudo, dividiam-se em: a. um hall de entrada e distribuição; b. 02 galerias diretamente ligadas ao hall; c. 02 galerias mais estreitas e alongadas no final do percurso. Esta flexibilidade espacial permite uma maior liberdade de montagem das exposições. A ausência de divisórias entre o hall de entrada e as primeiras salas de exposição, bem como a dupla comunicação entre as galerias estreitas, possibilitam escolhas de construção da narrativa ao usuário devido às diversas alternativas de percursos. Sobre a linguagem formal e plástica do edifício, a construção foi concebida em sintonia com os postulados modernistas, marcada pela planta livre, uso de pilotis, lajes planas, aberturas dispostas livremente nas fachadas e pela autonomia entre estrutura, vedação e fenestração. Um painel do artista plástico Francisco Brennand marca a entrada do edifício. (Figura 02)
Figura 2. Edifício-sede do Museu do Homem do Nordeste. Fonte: http://www.flickr.com/photos/museudohomemdonordeste/. Acesso em 23 ago 2010.
2.2. A EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DE 1979 Ao visitante comum, busca proporcionar uma viagem pela história socioeconômica e pela cultura do Nordeste brasileiro, notadamente nas regiões mais próximas do que se convencionou denominar de Civilização do Açúcar. (MONTENEGRO, p. 22, 2000) 5
A exposição de longa duração que inaugura o MUHNE, montada por Antônio Montenegro, foi baseada na abordagem gilbertiana de cunho histórico-social. Ao invés de um enfoque cronológico, a exposição se baseia no conceito de tempo tríbio, também de Freyre: O passado está no presente influenciando, estando, portanto, também no futuro. É assim que a realidade se apresenta em nosso país, principalmente no Nordeste: o novo e o atual convivem, em harmonia ou conflito, com o velho e o ultrapassado. (FREYRE apud MONTENEGRO, p. 22, 2000)
A abordagem propicia ao usuário a sua própria construção da narrativa, como, por exemplo, ao enfatizar aspectos ocorridos há décadas em detrimento de outros bem mais recentes. Neste sentido, o museu “pode, sob esta ótica, ser visitado em qualquer sentido, abordado em qualquer ponto, sem que se perca, com isso, a sua força e a sua integridade”. (MONTENEGRO, p. 22, 2000) No piso térreo localizavam-se os temas: (1) Primeiros habitantes; (2) Brasil holandês; (3) Colonização: o açúcar; (4) Oh de casa!; (5) Arquitetura. No piso superior, os espaços eram destinados ao legado, seja ele: (1) Artes e ofícios; (2) Artes e ofícios – cerâmica; (3) Religiosidades; (4) Festas; (5) Carnaval. (Figura 03)
Figura 3. Projeto do edifício Gil Maranhão em 1979. a. Planta baixa 1º piso. b. Planta baixa 2º piso. Fonte: Museu do Homem do Nordeste [catálogo]. Banco Safra: São Paulo, 2000.
Para efeitos de análise e comparação, neste trabalho só será abordada a parte expositiva do piso térreo, composto por 750m² de circuito expositivo, pois no presente momento somente o térreo encontra-se em funcionamento, permitindo comparar os diferentes estágios do edifício. Apesar da abordagem não-linear, no sentido da apresentação cronológica, a exposição busca a clareza e a legibilidade, sendo a narrativa constituída pelos eixos: (1) Primeiros habitantes – destaque para os habitantes mais antigos (os índios) da região; (2) Brasil holandês e Colonização: o açúcar – ênfase na vida colonial nordestina através destas duas vertentes (o período de dominação holandesa e o mundo luso-afro-brasileiro); (3 e 4) Oh de casa! e Arquitetura – intimidade doméstica nordestina e das formas típicas da arquitetura regional. O último eixo, Legado, no piso superior, trata das manifestações artísticas e religiosas, num somatório da herança cultural dos eixos anteriores. (Figura 04)
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Figura 4. Salão térreo do edifício Gil Maranhão em 1979. a. Planta baixa da estrutura física do edifício. b. Disposição da narrativa curatorial (1. primeiros habitantes; 2. colonização, o açúcar; 3. oh de casa!; 4. arquitetura).
A diversidade de percursos do projeto executado é mantida. O hall de entrada continua dando acesso a duas galerias em simultâneo. Ainda com relação à estrutura espacial anterior (1963), o espaço, de modo geral, manteve sua configuração, com apenas o acréscimo de uma barreira que divide uma das galerias mais alongadas ao meio, com conexão entre elas, e direciona o percurso na parte final da exposição. (Figura 05)
Figura 5. Exposição de longa duração inaugurada em 1979. a. Primeiros habitantes (índios). b. Arquitetura. c. Legado Fonte: http://www.fundaj.gov.br/docs/indoc.html. Acesso em 24 ago 2010.
2.3. A EXPOSIÇÃO DE LONGA DURAÇÃO DE 2008 Inaugurada em 2008, após vários anos fechado para reforma, a exposição Nordeste: Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos, reproduz a visão antropológica de Freyre. A reforma foi motivada por uma série de danos na estrutura física do edifício, o que levou a reformulação total de algumas partes, como a cobertura e os sistemas infra-estruturais. O projeto museográfico, de autoria de Janete Costa, também passou por uma renovação, explorando novos recursos museográficos e tecnológicos para a apresentação do conteúdo. A intenção do projeto é mantida em sintonia com a proposta do museu de transmitir uma síntese da cultura e da história do homem do NE através de objetos do trabalho humano. A abordagem não-linear dos temas é apresentada sob três aspectos: (a) histórico-sociais – relativos às formas de propriedade dos bens, relações sociais de trabalho e de poder, o trabalho, técnicas, produção e produtos, circulação e consumo; (b) étnico-culturais – usos e costumes, modos de vida, religiosidade, sociabilidade, manifestações culturais e festivas, 7
artes, arquitetura, artesanato, cultura, ciências e tecnologia); (c) étnico-históricos – dados históricos e antropológicos. Estes aspectos foram identificados na exposição traduzidos através de 7 temas que conformam os espaços das galerias: (1) Chegada/panorama geral da exposição; (2) Localização geográfica; (3) Influências externas e presenças anteriores; (4) Vida colonial: negros; (5) Vida colonial: brancos; (6) Religiosidade; (7) Sertão. (Figura 06)
Figura 6. Salão do piso térreo do edifício Gil Maranhão em 2008. a. Planta baixa da estrutura física do edifício. b. Disposição da narrativa curatorial no espaço (1. chegada; 2. localização geográfica; 3. influências externas/ anteriores; 4. colonização - brancos; 5. colonização - brancos; 6. religiosidade popular; 7; o homem do sertão.)
A narrativa proposta opta novamente pela abordagem não-linear, dando continuidade à visão de Freyre. Embora os temas propostos coincidam em muitos pontos com a ordem cronológica de desenvolvimento da cultura do homem do nordeste, a exposição se articula através de temas relacionados aos hábitos, ritos e costumes. Os primeiros espaços (1, 2, e 3) são dedicados à formação do Nordeste, no sentido histórico, geográfico e étnico. A seguir (4 e 5), encontra-se o período da colonização da região, relativo à presença dos negros (africanos) e brancos (portugueses). As galerias a seguir (6 e 7) são dedicadas à formação de aspectos culturais próprios da região, resultantes do somatório das influências anteriores. A temática 6, Religiosidade, trata do sincretismo, espécie de ápice em relação aos temas anteriores. A última galeria (7), que mostra o homem do sertão, através de objetos, peças de vestuário, painéis e textos, curiosamente é a mais longínqua e última do percurso, como sugere a própria palavra, afastado, isolado, distante, ermo. (Figura 07)
Figura 7. Exposição Nordeste: Territórios Plurais, Culturais e Direitos Coletivos. a/b. Influências externas e presenças anteriores/Localização geográfica. c. Religiosidade. d. O Sertão. Fotos: Lívia Nóbrega, 2010. 8
3. UM EDIFÍCIO, DOIS LEIAUTES, ALGUMAS LEITURAS Para compreender a relação entre propriedades configuracionais do espaço e ordenação do conhecimento é preciso descrever e analisar a estrutura espacial para registrar o grau de transformação da estrutura inicial (1963) e dos pressupostos que motivaram sua concepção, em relação ao leiaute de duas exposições que a sucedem (1979 e 2000). Deste modo, a edificação é descrita segundo os eixos temáticos identificados nos rótulos atribuídos a cada espaço e segundo as unidades elementares relevantes – espaços convexos (HILLIER, HANSON, 1984) e campos de visão (BENEDICKT, 1979; TURNER et al 2001). A planta baixa, fonte primária do estudo, é entendida como um conjunto de barreiras e permeabilidades para o movimento e a visão. O exame dos rótulos indica qual e onde cada tema será exposto. A associação entre rótulos relaciona indiretamente os conteúdos apresentados. Para efeitos de análise, serão considerados os espaços convexos.1 Para o caso proposto, foram identificadas duas propriedades espaciais pertinentes ao estudo de suas propriedades espaciais: acessibilidade e visibilidade. A acessibilidade diz respeito às possibilidades de movimento no espaço. Do ponto de vista dos museus, torna-se possível identificar a existência (ou não) de diferentes possibilidades de construção da narrativa. A visibilidade está relacionada à possibilidade de mútua visibilidade ou co-ciência entre coisas e usuários, aspecto que, do ponto de vista da organização do conhecimento, atua como um facilitador ou não para a construção da narrativa proposta pelo curador por parte do usuário. A observação das transformações dos aspectos da estrutura espacial nos três momentos selecionados - o projeto executado, a exposição de longa duração de 1979 e a exposição de longa duração de 2008 - será investigada através da descrição destes momentos a partir dos procedimentos analíticos (de acessibilidade e visibilidade) a serem descritos. 3.1. ANÁLISE A PARTIR DA ACESSIBILIDADE A permeabilidade existente entre espaços convexos adjacentes – acessibilidade – é descrita pela rede de conexões estabelecidas por estes. Para descrever as propriedades desta rede será introduzida a idéia de profundidade topológica, mensurada pelo número de espaços existentes na passagem de um a outro (espaços adjacentes estão a um nível de distância entre si e a intermediação de outros espaços define a profundidade destes). A representação desta rede constitui um grafo de nós (espaços convexos, representados por círculos) e conexões (linhas), e permite quantificar diferentes propriedades espaciais. Espaços que dão suporte a sensação de inclusão. Entende-se como sensação de inclusão, do ponto de vista espacial, a porção de espaço que possibilita a co-presença e a co-ciência entre pessoas e coisas, numa relação direta de visibilidade e acessibilidade.
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Este grafo pode ser justificado tomando como ponto de partida qualquer um de seus espaços, de modo a revelar o quão raso ou profundo é este espaço com relação ao sistema. Para este estudo, os grafos foram justificados a partir do início do percurso, ou seja, da entrada do edifício. O estudo destas conexões permite identificar sistemas seqüenciais (onde um espaço dá acesso a apenas outro) ou não (espaços que dão acesso a mais de um espaço), oferecendo alternativas de movimento (no grafo, anéis). As descrições e análises realizadas referem-se ao quadro comparativo dos resultados presentes na Figura 08. 3.1.1 O projeto executado (1963) O projeto estava de acordo com a continuidade espacial proposta pela arquitetura moderna, com seus mecanismos de composição arquitetônica que favorecem a transparência e a fluidez. Não se observam separações categóricas, os espaços são amplos e permitem escolha de movimento, como observado no anel composto pelos pontos 1, 2, 4 e 5. O acervo deste período, composto por peças relacionadas à expressão cultural da dita Civilização do Açúcar (MONTENEGRO, 2000), era bastante homogêneo e a diversidade de percursos não significava um prejuízo para a percepção da mensagem da exposição. 3.1.2 A exposição de longa duração de 1979 Esta exposição marca a fundação do MUHNE. O aumento do acervo e da diversidade de conteúdos diz respeito às primeiras alterações configuracionais das galerias. Em relação ao projeto executado são identificadas algumas mudanças e continuidades na estrutura espacial. Pode-se observar o início de uma fragmentação, com a introdução de portas entre o hall de entrada e as salas de exposição adjacentes. A principal alteração física da estrutura foi a introdução de uma barreira que divide em dois uma das galerias do final do percurso (representada pelos pontos 5 e 7), fazendo com que haja a criação de uma nova galeria e um aumento do número de espaços convexos (de 5 para 6). A introdução desta nova barreira não constitui uma obrigatoriedade de percurso e aumenta as possibilidades de movimento no circuito expositivo, devido à existência de uma conexão (porta) entre os dois espaços. Os níveis de profundidade são mantidos (03), contudo, um novo anel de circulação é criado, possibilitando mais uma escolha de movimento, em consonância com a visão gilbertiana de abordagem não-linear de exposição do conteúdo. 3.1.3 A exposição de longa duração de 2008 O longo período que separa estas exposições foi marcado por uma série de mudanças, conceituais e tecnológicas, na forma de apresentação do conhecimento do ponto de vista da disciplina da museologia. A introdução de novos recursos museográficos de iluminação,
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audiovisuais e sonoros, bem como de diferentes suportes para a apresentação das peças, confere uma maior complexidade à forma com que a ordenação das peças é concebida. A análise desse estágio será realizada em dois momentos: (1) do ponto de vista das alterações da estrutura física do edifício – no caso, a demolição de paredes existentes; (2) do ponto de vista da introdução de novas barreiras que constituem o leiaute da exposição. (1) A estrutura física do edifício se mantém praticamente intacta. Uma nova permeabilidade é introduzida ao ser derrubado um trecho de parede que separava duas das galerias, onde atualmente se encontra a estação das Religiosidades, integrando estes dois espaços. Entretanto, uma nova barreira é introduzida com o fechamento da porta que integrava as duas galerias menores. Esta ação separa as galerias onde se encontram expostas as temáticas Religiosidade e Sertão, ficando este último isolado do restante do percurso. Estas alterações fazem com que o grafo volte a ter apenas um anel, reduzindo as possibilidades de escolha de percurso do visitante. Contudo, a profundidade é aumentada em um nível, pois as alterações tornaram o percurso mais longo com a criação de um espaço mais profundo. (2) A introdução do leiaute na análise da configuração espacial do edifício relativa à exposição mais recente (2008) interfere profundamente nas propriedades de acessibilidade da estrutura espacial. O percurso agora se apresenta de forma seqüencial, com a presença de apenas um anel de circulação existente na estação sobre a Vida colonial e a presença dos negros, onde o visitante circula ao redor de uma divisória localizada no centro do ambiente. Este direcionamento do percurso também altera a configuração dos espaços no sentido da profundidade, sendo esta a mudança mais perceptível com relação aos anos anteriores. A fragmentação e o direcionamento do percurso com a introdução de barreiras (septos, totens e até mesmo as próprias peças, que em alguns momentos bloqueiam o acesso e a visão) faz com que o número de espaços convexos, que ate então não havia ultrapassado a ordem de 6, aumente para 15. O aumento das subdivisões espaciais e o limitado número de conexões entre elas fazem com que o grau de profundidade também aumente consideravelmente, passando de 03 para 08 níveis.
Planta baixa
Mapa convexo
Grafo justificado
1963
11
1979
2008
2008 (com leiaute)
Figura 8. Quadro comparativo dos resultados das análises de acessibilidade. Planta baixa, mapa convexo e grafo justificado dos diferentes estágios das galerias do piso térreo do MUHNE.
3.1. ANÁLISE A PARTIR DA VISIBILIDADE A visibilidade é outra propriedade espacial a ser considerada nas análises. Para compreender os diferentes estágios do espaço (1963, 1979 e 2008), a partir da visibilidade, a representação destes será feita através de isovistas, de acordo com o modelo de Michael Benedikt (1979), que se baseia na descrição da variação dos campo de visão em diferentes posições no espaço e no somatório de todas as posições possíveis em um espaço convexo. A alteração da fragmentação convexa do edifício ao longo dos três períodos analisados também interfere nas propriedades de visibilidade do sistema espacial. Em geral, as áreas das isovistas diminuem em 2008, como conseqüência da inserção de barreiras (divisórias) previstas no projeto museográfico. Estas diferenças podem são mais claras em algumas galerias, principalmente nos espaços de transição entre um eixo temático e outro. Algumas situações merecem ser destacadas e estão resumidas no quadro síntese da Figura 13. No hall de entrada, que originalmente era adjacente a duas salas de exposição, pode-se perceber uma drástica diminuição desta área de visibilidade com relação ao projeto de 1979 e ao projeto de 2008, se considerado apenas do ponto de vista da estrutura física pertencente originalmente ao edifício. Ao introduzir-se o leiaute, esta área de visibilidade é 12
ampliada e direcionada para o que atualmente é a chegada do usuário à exposição, possibilitando a visão do texto curatorial, do vídeo síntese da exposição e dos primeiros textos e mapas sobre a localização territorial do Nordeste. A partir da galeria 01, a área de visibilidade se mantém aproximadamente a mesma ao longo dos anos. Entretanto, no caso de 2008 é possível visualizar um momento posterior da exposição, cuja mudança na configuração espacial marca um momento de transição da narrativa exposta entre a estação sobre as Influencias externas e presenças anteriores para a Vida colonial (escravidão no Brasil). (Figura 09)
Figura 9. Transição entre o estágio sobre as Influências externas e presenças anteriores para a Vida colonial (escravidão no Brasil). Fotos: Lívia Nóbrega, 2010.
Na galeria 02, o projeto original apresenta a maior área de visibilidade e a exposição atual, área esta que vai sendo reduzida ao longo dos anos. No caso de 2008 (com leiaute), o projeto além de reduzir esta área fragmenta o espaço em duas partes com a introdução de peças e de uma divisória central, onde estão localizadas peças referentes à cultura folclórica e musical negra (bumba-meu-boi, batuques e caboclo de lança), e ponto onde está se situa o único anel de circulação, possibilidade de escolha de percurso, do projeto. (Figura 10)
Figura 10. Anel de circulação da estação Vida colonial – negros. Fotos: Lívia Nóbrega, 2010.
Novamente, na galeria 03, pode-se perceber uma redução da área de visibilidade ao longo dos três casos, em consonância com o aumento do número de espaços convexos e do nível de profundidade. No caso de 2008, este marca o momento do início da estação Religiosidade. A permeabilidade existente entre as galerias 03 e 04 permite com que o usuário, da galeria anterior (Maracatus) possa antever o momento seguinte (Orixás), devido à ausência de barreiras neste trecho, reforçando a transição entre as estações. (Figura 11) 13
Figura 11. Galerias sobre a Religiosidade. Fotos: Lívia Nóbrega, 2010.
Por fim, a última galeria analisada apresenta modificações não no que diz respeito à área de visibilidade, mas à profundidade do alcance da visão. As alterações na estrutura espacial do projeto museográfico de 2008 fazem com que o visitante, a partir da sala dos Orixás, consiga ver parte das salas do Maracatu e da Vida colonial (brancos e negros), facilitando a construção da narrativa a partir da retomada do conteúdo apresentado anteriormente. 1963
1979
2008
2008 (com leiaute)
Hall
Galeria 01
Galeria 02
Galeria 03
Galeria 04
Figura 12. Quadro comparativo das análises de visibilidade. Isovistas dos diferentes estágios das galerias do piso térreo do MUHNE.
A análise suporta a conclusão de que a história espacial do Museu do Homem do Nordeste é caracterizada por uma continuidade dos leiautes nos anos de 1963 e 1979 e por uma ruptura 14
em 2008, que demonstram ênfases curatoriais distintas. Em comparação com o leiaute original (1963) as continuidades presentes no leiaute de 1979 são: o número de espaços convexos (praticamente inalterado, aumentando de 05 para 06), os níveis de profundidade espacial (03), a possibilidade de escolha de percursos (que varia de 01 para 02 anéis de circulação), a baixa imposição de percursos e a manutenção das áreas de visibilidade, devido às poucas mudanças na estrutura física do edifício. Já a exposição de 2008, ao introduzir uma série de barreiras, aumenta o número de espaços convexos, os níveis de profundidade, e conseqüentemente, reduz as áreas de visibilidade. Estas mudanças espaciais refletem uma ligeira uma mudança na filosofia curatorial entre 1979 e 2008 no sentido da transmissão da mensagem. A visão não-linear de apresentação do conteúdo é mantida, contudo, a imposição mais rigorosa do percurso reforça os momentos de transição entre as estações, sugere uma uniformidade de percepção entre os visitantes e, assim, enfatiza a inteligibilidade da narrativa proposta. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, Luiz. “The sector's paradigm: a study of the spatial and functional nature of modernist housing in Northeast, Brazil”. London: The Bartlett School of Graduate Studies, University London, 1999. BENEDIKT, Michael. “To take hold of space: isovists and isovists fields”. Environment and Planning B, 6: 47-65, 1979. FREYRE, Gilberto. Que é museu do homem? Um exemplo: O Museu do Homem do Nordeste Brasileiro. In: Museu do Homem do Nordeste [catálogo]. Banco Safra: São Paulo, 2000. p. 22-25. GASPAR, Lúcia. Museu do Açúcar. Pesquisa Escolar On-Line, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em 22 ago 2010. MACHADO, Sônia. Janelas para a História: defendendo e preservando a memória arquitetônica da Fundação Joaquim Nabuco. Disponível em. Acesso em 23 ago 2010. HILLIER, B. and HANSON, J. The Social Logic of Space, Cambridge: Cambridge University Press, 1984 MARKUS, Thomas A. Buildings and Power. Freedom and. Control in the Origin of Modern Building Types. Nova Iorque: Routledge, 1993. MONTANER, Josep Maria. Museus para o século XXI. Gustavo Gili, 2003. 157 p. MONTENEGRO, A. C. Um Roteiro para Visita. In: Museu do Homem do Nordeste [catálogo]. Banco Safra: São Paulo, 2000. p. 22-25. Museu do Homem do Nordeste [catálogo]. Banco Safra: São Paulo, 2000. 350 p. PENN, A., MARTINEZ, M., Lemlij, M., Structure, agency and space in the emergence of organisational culture. In. Anais do 4th International Space Syntax Symposium, Ed. Ayse Kubat et al, ITU, Istambul, 73.1 -73.16, 2007. PEPONIS, J. & HEDIN, J. 1982. The layout of Theories in the Natural History Museum. 9H, No 3: 21-5 PSARRA, S. Architecture and narrative: the formation of space and cultural meaning. Nova Iorque: Routledge, 2009.
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