Arquivo 2.0 – O impacto da artemídia e a necessidade das humanidades (digitais)

October 5, 2017 | Autor: Oliver Grau | Categoria: Media Studies, Virtual Reality (Computer Graphics), Digital Media, Digital Art, Immersion
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FUTUROS POSSÍVEIS arte, museus e arquivos digitais

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Giselle Beiguelman Ana Gonçalves Magalhães

Futuros possíveis arte, museus e arquivos digitais

Arquivo 2.0 – O impacto da artemídia e a necessidade das humanidades (digitais) Oliver Grau

Arte contemporânea perdida Como sabemos, quando comparada a formas de arte tradicionais – pintura e escultura ­­–, a artemídia apresenta um potencial multifacetado de expressão e visualização. E mais, apesar de mal representada no mercado de arte, que segue outros interesses, ela se tornou, como poderíamos dizer, “a arte do nosso tempo”. Tematiza os desafios complexos de nossas vidas e sociedades, como a engenharia genética1, o advento dos corpos pós-humanos2, as crises ecológicas3, a imagem e a revolução da mídia4 e, com isso, a explosão do conhecimento humano5, o crescimento veloz das grandes cidades, a mudança na direção da economia financeira

1.

Anker e Nelkin, 2004; Hauser, 2008; Kac, 2009; Reichle, 2005 (entre outros).

2.

Hershman-Leeson, 2007, p. 249-252.

3.

O tema do festival Transmediale Berlin em 2009: “Deep North”; o festival Ars Electronica em 2009: “Human Nature”.

4.

Grau, 2011b; Mitchell, 2011 (entre outros).

5.

Manovich, 2010.

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virtual6 e o processo de globalização7, apenas para citar alguns. Visualmente poderosa, a artemídia interativa, talvez por estar amparada por bancos de dados ou atrelada às redes, oferece cada vez mais condições de exercício da liberdade e, evidentemente, está mais bem equipada para lidar com os desafios da nossa época tão complexa. Contudo, apesar de existir há décadas e ainda que dominante do ponto de vista quantitativo em várias escolas de arte, as obras e imagens digitais ainda não chegaram às principais instituições colecionadoras das nossas sociedades. Além disso, devido às rápidas mudanças no armazenamento de mídia, trabalhos com aproximadamente dez anos já não conseguem, normalmente, ser apresentados. E não é exagero afirmar que enfrentamos a perda total de uma forma de arte do início de nossas sociedades digitais pós-industriais. Ao longo dos últimos cinquenta anos, a artemídia digital tornou-se um vívido aspecto da contemporaneidade. Ainda que haja festivais muito frequentados ao redor do mundo8, projetos colaborativos patrocinados, fóruns de discussão, publicações9 e projetos de documentação de bancos de dados10, a artemídia é ainda raramente reunida em museus, pouco apoiada pelo circuito da história da arte e tem relativamente pouco acesso do público e de pesquisadores. É irônico que essa perda se dê numa época em que o mundo das imagens ao nosso redor se transforma com mais rapidez do que nunca: as imagens estão avançando para novos domínios, com novas plataformas privadas como o YouTube, o Flickr, com seu um bilhão de uploads, ou o Facebook, que, no momento em que escrevemos este texto, em 2013, tem cerca de um bilhão de membros e é o maior

6.

Plewe, 2010.

7.

O tema do festival Ars Electronica em 2002: “Unplugged. Art as the Scene of Global Conflicts” (entre outros).

8.

Por exemplo, Ars Electronica, Áustria; Transmediale, Alemanha; a Conferência Intersociety of Electronic Arts (Isea); Electronic Art Festival da Holanda; Media Art Festival europeu, Alemanha; File, Brasil; Microwave Festival, Hong Kong; Media Art Festival, Coreia; Siggraph (entre outros).

9.

Costa e Philipp, 2010; Wilson, 2010; Wilson, Gardiner e Gere, 2010; Popper, 2007; Shanken, 2009; Sommerer e Mignonneau, 2008; Vesna, 2007; Dixon, 2007; Grau, 2003b (entre outros).

10. Por exemplo, Database of Virtual Art: ; Netzspannung.org: ; V2_Archive: ; Docam: ; Daniel Langlois Fondation: ; Variable Media Initiative: ; Ludwig Boltzmann Institute, Media.Art.Research: .

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arquivo de imagens do mundo. A televisão se tornou um campo de escolha entre milhares de canais, agora em 3D, e as experiências 3D, como sabemos, também renascem no cinema. Telas de projeção maiores estão invadindo nossas cidades; superfícies de prédios com imagens em movimento vistas com cada vez maior frequência, chegando ao ponto de que o velho sonho de uma arquitetura falante recebe um novo arsenal de opções11; celulares transmitem filmes em tempo real, VJs apresentam uma fusão totalmente nova de música e imagens12; além do Google Street View e Google Earth, que avançaram nos conceitos de espaços de imagens panorâmicas, incluindo as perspectivas de satélite, por exemplo, do nosso Centro de Ciência e Imagem em Göttweig. O desenvolvimento histórico de imagens entre inovação, reflexão e destruição alcança um novo nível de complexidade global no século 21. As imagens digitais se tornaram onipresentes, além de ferramentas-chave dentro da reorganização global do trabalho. Porém, essas transformações atingiram a sociedade, em grande parte despreparada para recebê-las13. E tudo isso, vamos chamar de visualização e virtualização, requer uma base material até o momento desconhecida. O Google, por exemplo, opera um milhão de servidores numa dúzia de países, inclusive no meio do oceano, e processa 24 petabytes de dados gerados por usuários por dia. Outro dado: os cerca de 4 a 6 milhões de pessoas que morreram na Guerra Civil do Congo, na corrida pelos chamados “minerais de conflito”14 sem nem ao menos merecer um monumento pelas suas vítimas desconhecidas.

11. Zimmermann, 2003. 12. 13. Imagery in the 21st Century, 2011 (nota 4). 14. “Até 2009, mais de 6 milhões morreram diretamente devido ao comércio de minerais de conflito.” Testemunho de Les Roberts, Diretor de Políticas de Saúde do Comitê Internacional de Resgate, no 107º Congresso, 2ª sessão, 7 maio 2001. Câmara dos Deputados Projeto de Lei 4128, 111º Congresso, 1ª sessão, 19 nov. 2009.

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O multifacetado potencial de expressão da artemídia Gerhard Dirmoser criou um diagrama15 que oferece um panorama do gigantesco desenvolvimento da artemídia em trinta anos, observando o passado de Ars Electronica. E é disso que tratamos aqui: centenas de nomes de artistas, de obras de arte, tendências artísticas, teoria da artemídia em palavras-chave, apresentados em um imenso círculo. Trinta e duas fatias são oferecidas como subdivisões de temas, como representação, emoção e sinestesia, atmosfera, jogos, arte como experiência espacial, nos quais encontramos vislumbres da história da artemídia... Comento aqui algumas obras de arte que representam a versatilidade da artemídia, como as instalações Osmose e Éphémère, de Charlotte Davis, que nos transportam para uma simulação 3D de uma magnífica esfera mineral-vegetal, visualmente poderosa, e que podemos explorar através de uma profunda relação corporal. São dois clássicos que geraram mais de cem artigos científicos, mas que foram ignorados pelos museus16. Questões em aberto sobre os problemas éticos complicados envolvendo a manipulação do DNA inspiraram a instalação Genesis, de Eduardo Kac17. Já Jeffrey Shaw e Sarah Kenderdine criaram, com Unmakeablelove, em seu teatro cibernético Re-Actor, um mundo ampliado em tempo real com trinta humanos, inspirados em Le Dépeupleur, de Samuel Beckett. Um espaço escuro, ou até mesmo um campo de detenção, criado por seis grandes telas hexagonais retroprojetadas, resultando no mais poderoso reaparecimento da fantasmagoria18. Há anos, William Kentridge, um dos mais conhecidos artistas de nossa época, também trabalha com 15. (mais fólios 2-4). 16. Davies e Harrison, 1996; Davies, 2003, p. 322-337. 17. Kac, 2011, 2005; Kac e Ronell, 2007. 18. Shaw se inspirou na história da artemídia: “A história da experiência cinemática é uma crônica valiosa das máquinas de projeção. Antes que Hollywood tivesse imposto seu set de formatos onipresentes, havia uma variedade de aparelhos extraordinários, como o Lumiere Brothers Photodrama, o Cyclorama, Cosmorama, Kineorama, Neorama, Uranorama e muito mais. O Kaiserpanorama, um peepshow panóptico cilíndrico e estereoscópico, é um precursor especialmente relevante de um recente sistema de exibição, o Re-Actor” (Kenderdine e Shaw, 2009).

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o tema da história da visão. Mesmo imagens midiáticas históricas, como a anamorfose com espelho, encontraram seu caminho na sua abordagem da artemídia contemporânea. Em 2007, ele criou um híbrido que não existia antes na história da visão mediatizada: em seu curta de oito minutos What Will Come (Has Already Come), ele liga um filme de animação feito à mão com uma anamorfose, que aparece conectada pela primeira vez a imagens em movimento. Dessa forma, ele é também um dos artistas que nos auxiliam a colocar a última revolução em imagens na direção de uma perspectiva histórica. A obra Bodies@ Incorporated, de Victoria Vesna, permite aos visitantes construir seus próprios avatares. Usando uma variedade de ferramentas da internet, os usuários podem fazer uma representação 3D de seus corpos. Referências são feitas em todo o site sobre políticas de identidade e outros conceitos também usados para separar e identificar corpos19. Também ignorado pelos museus foi o premiado com o Nica de Ouro Murmuring Fields, de Fleischmann e Strauss. Os usuários interagiam ao se mover em um espaço virtual de filosofia da mídia, onde frases de Flusser, Virilio, Minsky e Weizenbaum podiam ser ouvidas. Um novo tipo de denkraum (esfera do pensamento)20 e o início de um protótipo da troca do conhecimento com base na internet. Hoje sabemos que a complexidade crescente dos produtos financeiros é em parte responsável pela crise que nos custa trilhões de euros e dólares. Entretanto, mais do que uma década atrás, o estúdio de arte Asymptote propôs uma infopaisagem 3D para a Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock Exchange – NYSE) gerenciar os dados financeiros dentro de um ambiente virtual em tempo real, oferecendo uma imagem melhor e, com isso, uma melhor ideia sobre o que está sendo feito, antes que sejamos arrastados para a próxima crise da Bolsa21. A NYSE não quis um desenvolvimento mais profundo da visualização de seus “produtos financeiros”, como nós bem sabemos desde o caso Lehman Brothers...

19. Gonzales, 2000; Vesna, 1998, p. 87-117. 20. Fleischmann e Strauss, 2008, p. 266-281; 2000, p. 52-57. 21. Asymptote, NYSE 3D Trading Floor, 1998: .

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O obsessivo trabalho cartográfico Worldprocessor, de Ingo Günthers, é desenvolvido sobre globos iluminados, múltiplos, aparecendo cada vez mais e mais como o protótipo clarividente das tentativas de que as indústrias de visualização tornem nossa complexa época compreensível. Desde o final dos anos 1980 até agora, ele destruiu, em seu processo de criação, mais de dez mil globos, seguindo a tentativa de dar visualidade à economia, ao poder e a diversos tipos de parâmetros significativos22. O Face to Facebook, de Paolo Cirio e Alessandro Ludovico, transformou um experimento social em uma performance de haqueamento midiático, por meio do roubo de um milhão de perfis filtrados com um software de reconhecimento facial, publicados num site de encontros amorosos feito sob encomenda e selecionados pelas características de suas expressões. A missão de Cirio e Ludovico era dar a essas identidades virtuais um novo local compartilhado para se exporem livremente, quebrando as restrições do Facebook e de suas regras sociais entediantes23. Durante a “performance”, foram contabilizadas mil coberturas da mídia ao redor do mundo, onze ameaças de processo judicial, cinco ameaças de morte e três cartas de advogados do Facebook. Fidelio, 21st Century, de Johanna e Florian Dombois, cujo nome foi inspirado em Fidelio, de Beethoven, foi a primeira ópera clássica dirigida como uma experiência virtual e interativa 3D. Os protagonistas incorporam a música, seguem a direção dramatúrgica e reagem às intervenções dos visitantes24. Todos esses exemplos podem demonstrar que a arte digital é capaz de lidar com questões e desafios do nosso tempo de uma maneira que a artemídia tradicional não é capaz. Na melhor tradição humanística, a artemídia digital assume as grandes questões contemporâneas, perigos e transformações propostas, porém não é adequadamente reunida, documentada e preservada pelos nossos museus públicos. E uma sociedade tecnocultural que não entende seus desafios, que não é igualmente aberta para a arte de seu tempo, está em apuros.

22. Ingo Günther, , apud ACM Siggraph, 2007, p. 200. 23. 24. Dombois, 2009, p. 127-142; Dombois e Dombois, 2001, p. 370-373.

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Sabemos que os artistas de mídia, hoje, estão construindo ideias altamente díspares, como instalação de arte baseada no tempo, a arte da telepresença, bioarte e arte transgênica, robótica, net art e arte espacial; experimentação com nanotecnologia, vida artificial, criação de agentes virtuais e avatares, realidade virtual e arte com base em banco de dados. A relação “artista-original”, ainda considerada natural na era do artesanato, tornou-se razoavelmente complicada na era pós-industrial devido à mecanização e multiplicação. Atualmente, o software de obras de arte digitais existe, com frequência, em um estado multiplicado por definição. A complicada repetição desenvolvida pelas intervenções interativas dos usuários na estrutura de uma peça, graças aos níveis de liberdade oferecidos pelo artista, é a intensificação disso, a multiplicação das expressões da obra. Quanto mais aberto for construído o sistema de obras de arte, mais a dimensão criativa da obra se movimentará em direção ao normalmente passivo observador, que se transforma em jogador, e poderá escolher dentre uma abundância de informações e expressões estéticas. Ele ou ela poderá recombinar, reforçar ou diluir, poderá interpretar e, em parte, até mesmo criar. Por outro lado, a relação anterior, talvez distante criticamente do objeto (a condição primeira para a experiência estética e insight científico, em geral, como descrito por Cassirer25, Adorno26 ou Serres27), muda, agora, na direção de um campo de experiências participativas.

Integrando a artemídia às suas mídias e à história da imagem A artemídia tem uma longa história e, agora, surgiu uma nova variedade tecnológica. Porém, essa arte não pode ser completamente compreendida sem sua história, razão pela qual concordo com o apelo que Rudolf Arnheim, 98 anos, publicou em 2000, pela integração do universo de imagens novas, interativas e processuais nas experiências e insights que chegaram até nós pela arte do passado.

25. Cassirer, 1954; 1963. 26. Adorno, 1973. 27. Serres, 1981, p. 152.

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Suas palavras soam como um apelo por uma Ciência da Imagem interdisciplinar28. A Ciência da Imagem e os Estudos da Mídia ajudam a compreender a função dos atuais universos da imagem e sua importância na construção e formação das sociedades. A Ciência da Imagem pode ser considerada um receptáculo em que os processos contemporâneos são incorporados, uma narrativa antropológica, mas também como um “campo de batalha político” no qual o choque das imagens é analisado29. Definições mais antigas sobre a imagem de Gottfried Böhm, Klaus Sachs-Hombach ou W. J. T. Mitchell se tornaram problemáticas no contexto da era digital. Devo, portanto, começar citando uma definição cuidadosamente cunhada por Thomas Hensel: Imagens não são redutíveis a uma tecnologia específica (como impressões gráficas ou radiografias através de nêutrons), nem a certos aparelhos ou ferramentas (pincéis ou telescópio), ou a formas simbólicas (perspectiva), nem a gêneros no sentido mais amplo (natureza morta ou imagem resumida), nem a uma instituição (museu ou laboratório), nem a uma função social (construção ou diagnóstico), nem a práticas/mídia (pintura ou código Morse), materiais (telas ou papel fotográfico) ou certo simbolismo (iconografia cristã ou código alfanumérico) – mas são virais em todas elas30.

E no universo imagético baseado na mídia social de hoje, as coisas tornaram-se ainda mais difíceis: as imagens, juntamente com as culturas de onde elas partiram, estão em movimento. Imagens incontáveis fluem com extrema mobilidade em frações de segundo ao redor do mundo como mensagens de comunicação transnacional e transcultural. Imagens de contextos separados de outrora são tomadas, interpretadas, amalgamadas e ressignificadas. O que vemos, neste momento, é a mudança de nossas culturas de imagem que estão conectadas à mídia internacional na direção de uma única cultura de imagem que opera num 28. A evolução da artemídia já apresenta uma longa história e, agora, uma nova variedade tecnológica aparece. Entretanto, esta arte não pode ser compreendida completamente sem sua história (Arnheim, 2000). 29. Latour e Weibel, 2002. 30. Hensel, 2008.

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crescente transcultural. Receptores passivos de antigamente que refletiam sobre obras de arte distintas e distantes, ainda que de maneira ativa intelectualmente, tornaram-se usuários interativos com níveis consideráveis de liberdade. Mais ainda, tornaram-se mediadores ativos e facilitadores de universos de imagens, além de seus produtores, uma vez que reúnem, modificam, distribuem e situam as imagens seletiva e estrategicamente. Novas informações visuais surgem não apenas pelo diálogo em que uma ou mais redes estão envolvidas. A mise en scène das imagens, solitária ou aos montes, suas metamorfoses e sua disseminação são determinadas de maneira significativa pelos usuários das redes sociais. Subculturas vibrantes desenvolvem o desconhecido com uma rapidez de rotatividade de imagens que era, até o momento, inimaginável. Com frequência, algo completamente novo surge das contradições, tensões e diferenças que são manifestadas visualmente. Esse processo não é nada novo para as teorias de interculturalismo: a fusão frutífera entre as culturas grega e romana, por exemplo, ou entre a cultura cristã e a islâmica na Espanha medieval, demonstrou-o nesses longos períodos de tempo. Além dos ícones globais, aparentemente banais, mas, como sabemos, altamente complexos, há também diversas nuvens de imagem ajustadas em grupos que encobrem o globo como uma segunda esfera visual. É desse modo que diferentes maneiras de ver o mundo se encontram e são negociadas ativamente; é onde se formam os rudimentos de uma nova cultura. Contudo, se alguém quiser entender uma imagem, ao menos em parte, então ela terá que ser considerada dentro do contexto. E os contextos estão se tornando mais e mais complicados devido às diferentes mídias visuais: também é novo o fato de que, aparentemente, não há limites para a aceleração dos processos de troca visual, que não podem ser capturados ou analisados por seus instrumentos empregados pelas ciências humanas nos séculos 19 e 20, devido às suas conexões e ramificações multifacetadas. Se em algum momento a teoria da cultura homogênea ou “pura”, elevada ideologicamente e muitas vezes mal usada, teve alguma validade, essa ideia agora é praticamente obsoleta. Por outro lado, uma teoria da cultura lúdica e que promova troca igualitária deve ser desejada, mas torna-se ingênua quando consideramos o poder das empresas globais para criar ícones globais, as incursões de controle político sobre as redes, as barreiras das línguas, o conhecimento

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inadequado sobre técnicas de cultura digital e o poder de certas abordagens da mídia que convergem para formar cartéis econômicos. Construir pontes para a artemídia significa, também, aprofundar a consolidação de um novo currículo, como nós fizemos ao desenvolver o primeiro Mestrado Internacional em Artes na MediaArtHistories para profissionais ativos, com docentes como Erkki Huhtamo, Lev Manovich, Christiane Paul e Sean Cubitt, que lidam também com a prática e especialização em curadoria, coleção, preservação e arquivamento de artemídia. Além disso, temos estudantes que vêm de cinco continentes, além, é claro, do fórum no Facebook, com mais de 4 mil membros31. Já nos anos 1990 tornou-se claro que a MediaArtResearch encontrava-se espalhada em muitas outras disciplinas, e a necessidade de dar a ela um consenso se tornou urgente. Por essa razão, organizamos a Conferência MediaArt­ Histories nos últimos dez anos, coordenando mais de 2 mil artigos e inscrições no MediaArtHistory.org. Sediada no New Media Centre de Banff, com colaboração do selo editorial Leonardo do MIT (Massachussets Institute of Technology), o evento Refresh representou uma grande variedade de dezenove disciplinas envolvidas no campo emergente de MediaArtHistories32 . E com o sucesso em 2007, na Casa da Cultura do Mundo, em Berlim, 2009 em Melbourne e em 31. 32. O desenvolvimento de conteúdo do Refresh foi um grande processo de coleção. Envolvia três parceiros, um amplo conselho consultivo, dois coordenadores para cada sessão, chamada de trabalhos e revisão, uma reunião de planejamento em 2004, palavras-chave, sessão de pôsteres e o desenvolvimento do conteúdo aplicado ao longo de dois anos e meio. Antes que Banff começasse a organizar a conferência, era de responsabilidade do grupo da Database of Virtual Art (DVA). No encontro de planejamento internacional em Vigoni/Itália em 2004 (organizado pela Database of Virtual Art) chegou-se a um acordo de que era importante trazer a história da artemídia para mais perto do padrão da história da arte, cultivando uma proximidade da cultura-filme e estudos de mídia, ciências da computação, assim como filosofia e outras ciências. Após a indicação e aceitação das cadeiras, a revisão pelo comitê do programa e a seleção dos palestrantes pelos organizadores das cadeiras financiadas pelo Database of Virtual Art, a conferência reuniu colegas das seguintes áreas: palestrantes convidados (baseado na autodescrição de bios). História: História da Arte = 20, Ciências da Mídia = 17, História da Ciência = 7, História das Ideias = 1, História da Tecnologia = 1; Artistas/Curadores: Artistas/Pesquisadores = 25, Curadores = 10; Ciências Sociais: Comunicação/ Semiótica = 6, Estética/Filosofia = 5, História Social = 2, Ciência Política = 2, Estudos da Mulher = 2, Estudos Teológicos = 1; Outros Estudos Culturais: Estudos de Cinema = 3, Estudos da Literatura = 3, Estudos do Som = 3, Estudos do Teatro = 2, Estudos da Representação = 1, Estudos da Arquitetura = 1, Ciências da Computação = 2, Astronomia = 1.

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2011 em Liverpool, a série de conferências está consolidada, continuando em Riga em 2013 e seguindo adiante33. O campo da MediaArtHistories examina as sub-histórias e implicações da revolução da imagem do presente na artemídia: paradigmas como vida artificial/autômatos34 ou telepresença 35, a história da percepção panorâmica e seu conhecimento como história narrada da imersão36 ou a história do imaginário fantasmagórico37, por meio de máquinas de imagens desenvolvidas depois da Revolução Francesa, refletidas, nos dias de hoje, nas obras de artistas como Zoe Beloff, Jeffrey Shaw, Rosângela Rennó, Gary Hill ou Toni Oursler. Nosso Arquivo de Arte Digital conta com muitas obras de artemídia que são, por exemplo, parte da história da imersão, um fenômeno reconhecido recentemente que pode ser rastreado por quase toda a história da arte: esta tem mostrado que existe uma fertilização cruzada entre espaços de larga escala de ilusão que integra completamente o corpo humano (afresco de 360°, o panorama, estereoscópio, Cineorama, cinemas Imax ou Cave – cavernas de imersão em realidade virtual) e imagens em pequena escala posicionadas imediatamente na frente dos olhos (peep shows do século 17, estereoscópios, televisão estereoscópica, Sensoramas ou HDMs)38. O cenário da artemídia dos últimos anos está sendo cada vez mais apoderado por um fenômeno que ainda recebe pesquisas relevantes, o uso das configurações da mídia histórica. Artistas renomados, como Douglas Gordon, William Kentridge, Olafur Eliasson, Mischa Kuball, Maurice Benayoun, Rafael Lozano-Hammer e outros, criaram experimentos óticos, panoramas, fantasmagorias, lanternas mágicas, teatros com perspectiva, dioramas, câmera obscura, anamorfoses etc. E isso se parece com a redefinição de imagens em sua dimensão histórica, já que sabemos que as abordagens de comparação são baseadas no 33. Alguns dos resultados das conferências podem ser encontrados na antologia MediaArtHistories, de Grau (2007a); recentemente, Broeckmann e Nadarajan (2009). 34. Grau, 2000, p. 7-25; Whitelaw, 2004. 35. Grau, 2001, p. 39-63. 36. Grau, 2003b; Shaw e Weibel 2003; Kenderdine, 2007, p. 301-332. 37. Grau, 2007b, p. 136-161. 38. Grau, 2003b.

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2011 em Liverpool, a série de conferências está consolidada, continuando em Riga em 2013 e seguindo adiante33. O campo da MediaArtHistories examina as sub-histórias e implicações da revolução da imagem do presente na artemídia: paradigmas como vida artificial/autômatos34 ou telepresença 35, a história da percepção panorâmica e seu conhecimento como história narrada da imersão36 ou a história do imaginário fantasmagórico37, por meio de máquinas de imagens desenvolvidas depois da Revolução Francesa, refletidas, nos dias de hoje, nas obras de artistas como Zoe Beloff, Jeffrey Shaw, Rosângela Rennó, Gary Hill ou Toni Oursler. Nosso Arquivo de Arte Digital conta com muitas obras de artemídia que são, por exemplo, parte da história da imersão, um fenômeno reconhecido recentemente que pode ser rastreado por quase toda a história da arte: esta tem mostrado que existe uma fertilização cruzada entre espaços de larga escala de ilusão que integra completamente o corpo humano (afresco de 360°, o panorama, estereoscópio, Cineorama, cinemas Imax ou Cave – cavernas de imersão em realidade virtual) e imagens em pequena escala posicionadas imediatamente na frente dos olhos (peep shows do século 17, estereoscópios, televisão estereoscópica, Sensoramas ou HDMs)38. O cenário da artemídia dos últimos anos está sendo cada vez mais apoderado por um fenômeno que ainda recebe pesquisas relevantes, o uso das configurações da mídia histórica. Artistas renomados, como Douglas Gordon, William Kentridge, Olafur Eliasson, Mischa Kuball, Maurice Benayoun, Rafael Lozano-Hammer e outros, criaram experimentos óticos, panoramas, fantasmagorias, lanternas mágicas, teatros com perspectiva, dioramas, câmera obscura, anamorfoses etc. E isso se parece com a redefinição de imagens em sua dimensão histórica, já que sabemos que as abordagens de comparação são baseadas no 33. Alguns dos resultados das conferências podem ser encontrados na antologia MediaArtHistories, de Grau (2007a); recentemente, Broeckmann e Nadarajan (2009). 34. Grau, 2000, p. 7-25; Whitelaw, 2004. 35. Grau, 2001, p. 39-63. 36. Grau, 2003b; Shaw e Weibel 2003; Kenderdine, 2007, p. 301-332. 37. Grau, 2007b, p. 136-161. 38. Grau, 2003b.

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insight de que as imagens agem diacronicamente, dentro de uma evolução histórica, e não funcionam simplesmente sem qualquer referência39. Reinterpretando a mídia ótica antiga, esses artistas contextualizam e ajudam a refletir sobre nossa revolução da imagem digital40.

Novas ferramentas científicas para nossa área Pensando sobre as novas ferramentas para a história da artemídia no século 21, lembramo-nos do Atlas Mnemosyne de Warburg, que buscava citações de imagens, de poses e formas individuais pelas mídias. E, mais significante ainda, independentemente do nível de novidade artística ou gênero. Podemos até dizer que ele redefiniu a história da arte como uma ponte mediadora, argumentando que ela só poderia desempenhar sua responsabilidade se incluísse o maior número de imagens. Relembremos, também, que os estudos do cinema foram iniciados pelos historiadores da arte: a iniciativa de Barr e Panofsky fundou a gigantesca biblioteca de filmes do MoMA em Nova York, chamada à época de sua criação de “Vaticano do Cinema”41. É necessário, hoje, esse mesmo espírito em busca de novas infraestruturas e redes para a artemídia das últimas décadas. Mesmo escolhendo uma abordagem diferente, a história dos bancos de dados de imagens também deveria mencionar André Malraux com seu Museu imaginário42. E agora testemunhamos o nascimento do museu virtual, um projeto fundamental para as humanidades digitais. Para além das Humanas da última década, uma grande 39. Fleckner, Bredekamp e Warnke, 2000; Belting, 2007; 1997, p. 94-103. Recentemente: Bader, Gaier e Wolf, 2010. 40. Enquanto as abordagens da Media Archeology de Zielinski ou Huhtamo costumam focar apenas na mídia e em instrumentos, a MediaArtHistories busca enfocar os trabalhos de arte e imagens, assim como explorar, entre outras coisas, a força motriz que a arte desempenhou historicamente para o desenvolvimento da mídia. Zielinski, 2006; Huhtamo e Parikka, 2011; Grau, 2007a. 41. Film Library, MoMA: . 42. Um profeta do museu de arte, André Malraux descreveu como “museu imaginário” ou “museu sem paredes” as coleções de reproduções fotográficas comparando uma grande variedade de épocas e culturas num espaço virtual que nunca poderia existir fisicamente (Malraux, 1947).

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quantidade de projetos coletivos endereçariam novos objetivos de pesquisa, como na Astronomia o Virtual Observatory, que compilou observações celestes ao longo dos séculos43; o aquecimento global é compreendido com projetos como Millenium Ecosystem Assessment44, com um nível de detalhamento antes incalculável; além do Projeto Genoma45, que já se tornou uma lenda. Até o momento desconhecidas, coleções apoiadas por fundos internacionais e sustentáveis dão respostas a problemas complexos. Comparável às ciências naturais, a pesquisa em mídia digital e redes projeta à frente as ciências humanas com o alcance de pesquisas novas e essenciais, como documentação e preservação da artemídia, ou como uma utopia realística, toda uma história da mídia visual e sua recepção humana com milhares de recursos. Estes temas se expressam em relação às atuais questões-chave sobre a revolução da imagem. Desde 1999, criamos na Universidade Humboldt a primeira documentação on-line de artemídia, o Database of Virtual Art (Banco de Dados da Arte Virtual)46. De forma pioneira, com a colaboração de renomados artistas da artemídia, estão sendo documentadas as últimas décadas da arte de instalações digitais num projeto coletivo de fonte aberta. Uma vez que as obras de arte digitais são processuais, 43. A International Virtual Observatory Alliance (Ivoa) foi formada em junho de 2002 com a missão de “facilitar a coordenação e colaboração internacional para o desenvolvimento e preparação das ferramentas, sistemas e estruturas organizacionais necessárias para habilitar a utilização internacional de arquivos astronômicos como um observatório virtual interoperacional e integrado”. A Ivoa, agora, consiste em dezessete projetos do observatório virtual (VO). 44. O Millennium Ecosystem Assessment avaliou as consequências das mudanças do ecossistema para o bem‑estar do ser humano. De 2001 a 2005, o MA compreendeu o trabalho de mais de 1.360 especialistas ao redor do mundo. Seus resultados forneceram uma estimativa científica de última geração sobre as condições e tendências no ecossistema mundial e dos serviços oferecidos por ele, assim como uma base científica para ação de conservação e seu uso de maneira sustentável. 45. O Projeto Genoma Sustentável era uma pesquisa científica internacional com o principal objetivo de determinar a sequência da base química de pares que criava o DNA, identificando e mapeando cerca de 20 a 25 mil genes do genoma humano do ponto de vista físico e também funcional. Os grandes projetos começaram em 1990 com o trabalho coletivo de mais de mil pesquisas em quarenta países. O plano era alcançar o objetivo em 2010. Um esboço do trabalho foi lançado em 2000, e o trabalho completo em 2003 (IHGSC, 2004). 46. Database of Virtual Art (DVA): .

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efêmeras, interativas, em multimídia e, fundamentalmente, dependentes de um contexto devido à sua estrutura diferenciada, elas exigem uma documentação modificada, que chamamos de “conceito expandido de documentação”47. Muito provavelmente, o recurso mais complexo de artemídia disponível on-line com milhares de documentos e seus dados, o banco de dados, tornou-se uma plataforma para informação e comunicação. O DVA, o único arquivo com sua base em uma universidade, representa a seleção científica de quinhentos artistas entre, aproximadamente, 5 mil artistas avaliados. Para que um artista seja qualificado para se tornar membro, a diretriz é “o número de exibições e publicações (pelo menos cinco), e sendo que grande importância é dada, também, para as invenções artísticas como interfaces inovadoras, exposições ou softwares”. Além disso, esses artistas podem ser indicados por membros de uma conselho48. A documentação da artemídia se transforma em um recurso que facilita a pesquisa sobre esses artistas e seus trabalhos para estudantes e acadêmicos, contribuindo (é o que se espera, agora, na nova estrutura de comunicação “tipo Facebook”) para expandir e atualizar a informação49. Nesse sentido, a documentação se transforma de um arquivamento unilateral dos dados fundamentais para um processo proativo de transferência de conhecimento. Juntamente com a Göttweig Monastery Collection, uma importante coleção de mídias gráficas que representa 30 mil impressões com ênfase nas obras renascentistas e barrocas, além da biblioteca de 150 mil volumes retomando o século 9, como o Sankt Gallen Codex, o DVA se empenha em alcançar a meta de polinização cruzada de uma artemídia histórica mais profunda. Chegando aos dias de hoje, a coleção impressa cresceu a ponto de se tornar a maior coleção particular de artes gráficas histórica na Áustria50. Assim como a série de conferências da MediaArtHistories faz essa ponte, a combinação dos dois e de outros bancos de dados busca possibilitar mais referências históricas e impulsos. A coleção também abrange provas da história das imagens óticas, conceitos interculturais, caricatu47. Grau, 2003a, p. 2-15. Foi um grande desenvolvimento desde o texto clássico de Briet, 1951. 48. Roy Ascott, Christiane Paul, Gunalan Nadarajan, Erkki Huhtamo, Jorge LaFerla e Martin Roth, atualmente. 49. Grau, 2009, p. 8. 50.

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ras e cenários em ilustrações panorâmicas51. Futuramente, deve oferecer recursos para uma análise mais abrangente da artemídia. A coleção Göttweig está sendo disponibilizada para o domínio público através de três estratégias52: a) O “fac-símile científico”, em formato com alta resolução que permite encontrar detalhes em impressões digitais que são difíceis de se descobrir mesmo nas impressões “originais”. b) O conceito de Exposição Virtual (agora adotado pelos principais museus) que permite ao público, desde 2006, acesso a exposições on-line como a Venecian Views ou Theory of Architecture. As exposições virtuais são divididas em subtemas e enriquecidas com diferentes formatos de imagens, literatura e metadados. c) Felizmente, estamos em uma situação única de possuir um arquivo de artemídia próximo ao de uma coleção de arte histórica: a coleção será interligada on-line com arquivos de artemídia contemporânea via palavras-chave. O sistema de palavras-chave pode construir pontes também! O Thesaurus hierárquico do DVA sistematiza o campo da arte digital a partir do Getty Arts & Architecture Thesaurus e do catálogo de assuntos da Biblioteca Warburg em Londres. As palavras-chave foram selecionadas na medida em que eram relevantes também para artemídia. São baseadas nos termos mais comuns usados nos festivais de mídia como o Transmediale e o Ars Electronica, sendo que novas palavras-chave foram selecionadas empiricamente. Inovações importantes como “interface” ou “genetic art” (arte genética) são consideradas igualmente palavras-chave 51. A digitalização da coleção é um projeto desenvolvido pelo Departamento de Ciência da Imagem na Universidade Danube, conduzido em colaboração com o Monastério de Göttweig, fundado em 1083, cuja coleção de impressões é baseada em aquisições feita por vários frades desde o século 15. O primeiro relatório de arte gráfica mantido no monastério remonta ao ano 1621, com um registro de arquivo que cita um número de “placas de cobre com gravuras” (Täfelein von Kupferstich). A descoberta em si da coleção é atribuída a Abbot Gottfried Bessel, cujas aquisições sistemáticas na Áustria e no exterior acrescentaram notadamente um total de 20 mil peças para a coleção em um curto espaço de tempo! Chegando aos dias atuais, a coleção impressa no Monastério de Göttweig cresceu ao ponto de ser a maior coleção particular da história da arte gráfica na Áustria, com mais de 30 mil impressões. O centro de digitalização do seu Departamento de Ciência da Imagem utiliza a tecnologia para digitalizar pinturas e impressões da coleção (até 72 milhões de pixels). 52. Grau, 2011a.

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que desempenham um papel nas artes tradicionais, como “body” (corpo), “landscape” (paisagem) ou “illusion” (ilusão) e, assim, têm uma possibilidadae de construir pontes. Foi importante, contudo, limitar o número em aproximadamente 350 palavras, para que dessa forma os membros do banco de dados pudessem usar as palavras-chave em seus trabalhos sem um estudo maior de uma indexação muito complexa. As categorias levaram a uma sobreposição natural, permitindo, assim, que as obras de arte híbridas pudessem ser compreendidas por meio de agrupamentos.

Por uma pesquisa de artemídia internacional e sustentável Concluo com algumas observações sobre os sérios desafios da pesquisa de artemídia atual. Com o DVA envolvido na área de desenvolvimento de ferramentas desde o seu início, testemunhamos a crise da documentação nos últimos anos. À época da fundação do Database of Virtual Art, em 1999, uma série de projetos de arquivamentos on-line surgiu: Langlois Foundation em Montreal (1999-2008), Netzspannung no Fraunhofer Institute (2001-2004), MedienKunstNetz no ZKM (2004-2006), Boltzmann Institute for Media Art Research em Linz (2005-2009). Todos esses projetos estão finalizados, seus financiamentos vencidos ou perderam pesquisadores fundamentais, como V2 em Roterdã (2001-). Dessa forma, os arquivos científicos originais que cada vez mais representam, com frequência, a única fonte de imagem contextualizada restante das obras não apenas perderam sua relevância para a pesquisa e preservação, como também, com o tempo, desapareceram parcialmente da internet. Assim, enfrentamos uma situação irônica que se desprende não apenas da própria artemídia como também da sua documentação científica – tanto que as futuras gerações podem não ser capazes de sequer ter uma ideia da arte do nosso tempo. Até mesmo a Europeana, um projeto grande, mas subfinanciado, para redes europeias de documentação de coleção digital está entregue à insignificância se a fundação (os próprios arquivos) não for continuada. Dito de outra forma: até o momento, não existem estratégias sustentáveis.

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Se observarmos a pesquisa da artemídia nos últimos quinze anos, ficará claro: o que precisamos é de uma concentração de documentação acadêmica de alta qualidade, assim como de uma expansão enorme de força e iniciativa em duas frentes: 1. Na área de documentação (campanhas de preservação sistemáticas não existem até o momento53), é essencial unir as lições mais importantes que aprendemos e as estratégias desenvolvidas por iniciativas, sejam existentes ou abandonadas, sob o único teto de uma instituição internacional que possa garantir uma existência persistente, tal como a Library of Congress (Biblioteca do Congresso) ou uma instituição internacional equivalente. Teria que ser apoiada com especialização adequada da rede de arquivos e iniciativas importantes, organizadas no halo que contorna a instituição persistente há tanto tempo. 2. Também seria necessária a consolidação de uma instituição de pesquisa apropriada, reunindo as melhores cabeças da área. Para as questões interdisciplinares da Alemanha, como a pesquisa sobre culturas digitais, desde jogos de computador até a arte avant-garde (muito vasta para uma única universidade, e isto é exatamente o que enfrentamos), foi criada uma estrutura no Instituto Max Planck. Porém, para atualizar as humanidades digitais, também precisam ser internacionalizadas as estruturas financiadoras, de maneira semelhante àquelas que habilitam a astronomia, a genética ou a climatologia modernas. Com o objetivo de criar um momento adequado, além da sustentabilidade necessária, patrocinadores como National Science Foundation, dos EUA, DFG (Deutsche Forschungsgemeinschaft), da Alemanha, Fundação Getty e União Europeia devem assegurar estruturas sustentáveis internacionais de longo prazo. Somente quando desenvolvermos estratégias sistemáticas e concentradas de coleção, preservação e pesquisa 53. Apesar de existir um número de estudos de caso promissores, como Seeing Double: Emulation in Theory and Practice, The Erl King Case Study (Caitlin Jones, ); Inside Installations: Preservation and Presentation of Installation Art (idem, ); Independent Media Arts Preservation (); Ciao – Conceptual Media Arts Online (); Digital Art Conservation () e Packed (), todas essas iniciativas são razoavelmente pequenas.

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seremos capazes de cumprir a tarefa que a cultura digital exige no século 21. Na astronomia, as agências de financiamento desenvolveram e modernizaram seus sistemas na direção da sustentabilidade. A infraestrutura do observatório virtual é financiada de modo contínuo e há coordenação internacional entre mais de doze países que produzem dados de astronomia. Para a pesquisa da artemídia, é necessário que um compromisso seja feito: vamos relembrar a gigantesca infraestrutura de apoio que foi desenvolvida pela mídia de arte tradicional da pintura, escultura, arquitetura e até mesmo cinema, fotografia e seus arquivos correspondentes ao longo do século 20. O que é necessário é uma estrutura adequada para preservar ao menos o habitual 1% a 6% da produção atual de artemídia, os melhores trabalhos. Se compararmos o orçamento mundial disponível para preservação e exploração de formas de arte tradicionais com aquele direcionado para cultura digital, entenderemos como é inadequado o apoio para nossa cultura digital de hoje, quase imensurável estatisticamente. Quanto mais rápido acontecer essa modificação essencial no registro da nossa herança cultural, menor será a lacuna na memória cultural, irradiando luz nos anos sombrios que começaram na década de 1960 e perduram até o momento. Como relatada na recente declaração internacional, com a assinatura de mais de quatrocentos colegas e artistas de 25 países, há a necessidade urgente da internacionalização da pesquisa e da consolidação de uma plataforma internacional sustentável de arquivos interoperáveis54. Saber que existem especialistas da contemporaneidade (em campos diversos como antigos formatos de mídia, escultura, pintura etc.) que tentam excluir a arte de nosso tempo é triste – e, ironicamente, como aprendemos de Shanken, Cubitt e Thomas, os expoentes da exclusão da artemídia dessa reflexão a justificam pela sua conexão com a tecnologia. Essa confissão é um desastre, nem tanto pelos interesses daquelas pessoas, mas pelo público que paga seus impostos e que tem o direito de ser capacitado a pensar sobre nosso tempo através da artemídia. Mas essa ignorância não é algo que devemos tolerar – ela significa que, apesar de nossas sociedades política, financeira e cultural estarem sendo cada vez mais impul54. Media Art Needs Global Networked Organisation and Support – International Declaration: .

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sionadas por tecnologias modernas, o mercado de arte, uma série de bienais e “museus de arte contemporânea” financiados pelo Estado negam ao público, que paga suas contas, o necessário confronto estético e intelectual com a arte do nosso tempo. A tentativa de separar a arte do seu tempo não é nova, é algo comparável a movimentos anteriores de escapismo mundial, como as formas do historicismo do século 19. Mas nossas sociedades modernas precisam ser capacitadas à reflexão sobre seu tempo e sobre o futuro, e, como sabemos, a artemídia desempenha um papel seminal nesse processo. A artemídia, como a compreendemos, necessita de todas as pontes possíveis: conferências, novas ferramentas científicas como bancos de dados e depósito de textos, novas estratégias de documentação e análise visual de dados complexos e novos currículos para a próxima geração de professores e colecionadores. Talvez, num futuro próximo, poderemos criar ferramentas para a coleção, como representado na obra The Living Web, de Christa Sommerer e Laurent Mignonneaus, que formava uma esfera espacial de instrumentos de busca para imagens da internet na Cave. A obra representa um novo instrumento de análise virtual, com a opção de comparar mil imagens numa discussão científica. Capturar ferramentas novas de visualização poderia fornecer acesso ao sopro de vida da produção cultural digital: associado à profundidade das mídias óticas históricas, poderiam habilitar novas e imprevisíveis compreensões da revolução de imagens de hoje.

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