Arquivo Histórico: Memória, Conhecimento, Identidade

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Arquivo Histórico: Memória, Conhecimento, Identidade «(...) o futuro há-de sempre ser condicionado pelo pretérito, apresentando-se-nos a História como uma continuidade lógica relativamente intemporal, sobreposta à cronologia.» Pedro Martínez (1985)

A Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada originou e é detentora de um valioso património documental, informativo e secular. A longevidade deste espólio tem um extraordinário interesse político, social e económico. Trata-se de um legado que se não limita à informação acumulada acerca das atividades da Santa Casa, o seu interesse prolongase (1). A documentação, entretanto reunida e tratada, proporciona à investigação elementos para o conhecimento acerca da consolidação das comunidades nos Açores no quadro da história portuguesa e atlântica (2). A salvaguarda desta informação, os conhecimentos possíveis dela resultante, o exercício da Memória (3), são aspetos fundamentais para a nossa compreensão, não apenas dos tempos passados mas também do presente. Que melhor espelho temos do tempo presente senão pelas imagens do passado? E, sem livros ou objetos antigos, como poderíamos aceder à comunidade histórica em que nascemos? A liberdade política e cívica requer esta identidade. “(...) [A] lição da História comporta uma lógica: que pode ser, conforme o entendimento clássico, «mestra da vida»:

ser utilizada com proveito.”(4). E este proveito, em primeiro lugar, provém da relação do histórico connosco, como processo no qual somos nascidos e forjados quando se converte em consciência. Em segundo lugar, é proveitosa a aprendizagem pela História na medida em que o nosso prolongamento existencial do passado nos permite uma distância crítica necessária para nos situarmos no presente, numa continuidade de sentido, com memória, reflexão e convolação. Em terceiro lugar, a História propõe-nos a esperança de prosseguir o futuro, futuro esse já contido nas ações do passado, pelo seu sentido, seus erros e acertos. A «fundamentação da memória individual e coletiva (…) [como] orientação das ações futuras» (5) tornam os arquivos especialmente interessantes

à

cultura

contemporânea,

complexa,

pluralista

e

cosmopolita. O público ainda considera os Arquivos como uma parte importante da sua memória e como uma fonte privilegiada de aprendizagem acerca do passado, pois estes diferenciam-se de outras instituições da memória pelo facto da memória institucional, individual e coletiva dispor-se num eixo de evidências colhidas em continuidade homogénea (6), constituindo uma «evidência autêntica das atividades administrativas, culturais e intelectuais» (7). Todavia, proporcionar a interpretação desse fluxo de evidências do passado de modo a conhecer a

nossa história, não constitui todas as facetas da missão de um Arquivo Histórico. Arquivar no século vinte e um, significa mais do que reconhecer e transmitir a evidência da atividade e da experiência humana através de sua profundidade temporal. Um Arquivo Histórico proporciona o entrecruzar do tempo presente e do tempo passado, onde a subjetividade e a atividade constroem o horizonte de referências da nossa habitação no mundo, com seus contornos de valor, e manifestando a relação de pertença a uma coletividade com passado, diferenciação e sentido. Pode ainda realizar-nos esse passado coletivo como os outros possíveis de nós, pois fomos e somos, sobretudo pelo impacto institucional em que nos inserimos, um projeto de futuro, uma solidariedade voluntária, diversa e continuada. Os Arquivos mudaram o seu paradigma anterior, já não são um depósito para a interpretação do passado. O novo paradigma, fundamentado na comunicação (8), é exigido pela necessidade de memorialização, «(...) memorialização [esta] que envolve mais do que colecionar ou arquivar em sentido estrito» (9). A memorialização é uma apetência própria da sociedade pós-moderna, democrática e plural. A produção

cultural

contemporânea

propõe

múltiplas

expressões,

continuamente cambiantes, incluindo as mais diversas influências estéticas e ideológicas, na mesma proporção em que o processo de socialização das pessoas se tornou entrecruzado de várias tradições. Porém, através de um contato de caráter pedagógico com os Arquivos Históricos veicula-se, pela apropriação do passado coletivo, identidade pela reflexão sobre o que passa e o que permanece, e se explicita também a possibilidade de reconfiguração de um futuro comum. Na mesma medida propiciam-se as mudanças de linhas de orientação, dos horizontes

subjetivos,

pela

renovação

do

conhecimento

(social,

institucional, cívico, político, histórico) e por propostas de ação. Os compromissos humanitários e de civilidade que caracterizam o projeto de mais de cinco séculos da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, ínsitos na sua atividade quotidiana, apresentam e simbolizam as possibilidades de reconfiguração pessoal e social para a dignidade humana. As relações de pessoas com pessoas, em instituições estruturadas desde D. Manuel I, guardam-nos, com suas prescrições, da incoerência e do arbítrio vulgar, potencializando a civilidade, isto é, a elevação dos índices de desenvolvimento humano (IDH).

Promotor de identidade histórica, de conhecimento pessoal e coletivo, de afirmação social, o Arquivo Histórico da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada representa o devir histórico de ações institucionais onde as pessoas se encontraram ontem, e se encontram hoje, comprometidas com um futuro diferente e melhor. Por fim, o contato com a realidade do Arquivo Histórico resulta numa fonte de otimismo, porque esse desiderato, promovido desde 1498, tem vindo a ser alcançado. (1) Vide Rute Gregório, Salvaguardar para Comunicar. Arquivo Histórico da Misericórdia de Ponta Delgada, Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, 2010. (2) Idem (3) Idem (4) Martin Albuquerque, Estudos de Cultura Portuguesa, Vol I, Col. Temas Portugueses, INCM, 1983, 26 (5) AAVV, Declaração Universal Sobre Os Arquivos, International Council on Archives [www.ica.org, Disponível em http://www.ica.org/?lid=13343&bid=1101] (Acesso 26 de Setembro 2014) (6) Eric Ketelaar, «Time future contained in time past. Archival Science in the 21st century» in Jornal of the Japan Society for Archival Science, 1, 2004, págs. 20-35.

Bibliografia

ABREU, Laurinda, «O papel das Misericórdias na sociedade portuguesa de Antigo Regime» in FONSECA, Jorge (cord.), Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo: história e património, Santa Casa da Misericórdia de Montemor-o-Novo, 2008, 25-43.

ABREU, Laurinda, «Preâmbulo» in A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1755: Aspetos de sociabilidade e poder, SCMS, 1990, 7. ALBUQUERQUE, Martim, Estudos de Cultura Portuguesa, Vol I, Col. Temas Portugueses, INCM, 1983, 261. OLIVEIRA, António, «Pórtico» in ABREU, Laurinda, A Santa Casa da Misericórdia de Setúbal de 1500 a 1755: Aspetos de sociabilidade e poder, SCMS,1990, 5 e 6. GREGÓRIO, Rute Dias, Salvaguardar para comunicar. Arquivo Histórico da Misericórdia de Ponta Delgada, Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, 2010, Vide págs. 12, 13, 16, 17. BARROS, Fátima, «Arquivos Históricos nos dias de hoje: aliciantes desafios, múltiplos papéis», in Actas do Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, 2007, Disponível em http://www.bad.pt/publicacoes/index.php/congressosbad/article/view/573/398. [Acesso 4 de Maio de 2015] MONTEIRO, Jacinto, «Misericórdias nos Açores», II, Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, Vol XLV, Angra do Heroismo,1988, p.619. LOPES, Maria Antónia & Paiva, José Pedro, (2008a) «Introdução», in Maria Antónia Lopres e José Pedro Paiva (dir), Portugaliae Monumenta Misericordiarum 7, Lisboa, UCP/UMP, págs.7-36. FONSECA, Carlos Dinis da, História e Actualidade das Misericórdias, Ed.Inquérito, Lisboa, 1996, págs 21 nota 20, 65, 88, contracapa, 91. RODRIGUES, Henrique de Aguiar Oliveira, Notas Históricas. Assistência e Saúde Pública, 2010. BARROS, Fátima «Arquivos Históricos nos dias de hoje: aliciantes desafios, múltiplos papéis» in Actas do Congresso Nacional de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas, 2007. [http://www.bad.pt/publicacoes/index.php/congressosbad/article/view/57 3/398] (Acesso 26 de Setembro de 2014) Pedro Furtado Correia, «Arquivo Histórico: Memória, Conhecimento, Identidade» in Revista “Crescer & Viver”, Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada, nº5, 2ºSemestre, 2014, págs 31-32.

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