ARTES APLICADAS: CENOGRAFIA E FIGURINO NA PROBLEMÁTICA DO CINEMA FANTÁSTICO NACIONAL

July 26, 2017 | Autor: Leonardo Mercher | Categoria: Scenography, Brazil, Cinema, Science Fiction and Fantasy
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Anais do IX Fórum de Pesquisa em Arte. Curitiba: ArtEmbap, 2013.

ARTES APLICADAS: CENOGRAFIA E FIGURINO NA PROBLEMÁTICA DO CINEMA FANTÁSTICO NACIONAL Me. Leonardo Mèrcher1 [email protected] Esp. Ana Casagrande2 Resumo O presente artigo aborda três variáveis na produção do cinema fantástico brasileiro: o figurino e a cenografia no cinema de fantasia; a escassez do cinema de fantasia no cinema nacional; e a relação entre artes aplicadas e as artes digitais. Com o advento do tridimensional nas artes digitais aplicadas, nas últimas décadas do século XX, o custo da cenografia e do figurino elevou-se dentro da estrutura de produção cinematográfica nacional. Nesse contexto, em uma análise das produções e distribuições financiadas pela Embrafilme (1969-1990) – empresa estatal para apoio e desenvolvimento do cinema brasileiro –, pode-se identificar uma baixa produção do gênero fantasia e um maior financiamento público à estética do realismo social, advindo com o Cinema Novo e dominante até os dias atuais no cinema nacional. Nesse processo, examina-se a atual produção da cenografia e do figurino ao gênero fantasia, sobretudo na problemática das artes aplicadas diante do realismo digital. Conclui-se que a baixa produção do gênero fantasia no cinema nacional, devido tanto pelo realismo social como pelo custo de produção elevado – típico da cenografia e do figurino do gênero fantasia – acabou por trazer menor desenvolvimento às artes aplicadas, consumindo-se a oferta estrangeira e seu realismo visual. Palavras-Chave: Cenografia; Figurino; Cinema; Artes Aplicadas.

Abstract This article discusses three variables in the production of Brazilian fantastic cinema: the costumes and set design in film fantasy; scarcity of film fantasy in the national cinema, and the relationship between applied arts and digital arts. After the advent of the three-dimensionality applied to the digital arts, during the last decades of XX century, the cost of scenography and costumes rose up in national film production. An analysis of productions and distributions funded by Embrafilme (1969-1990) – State enterprise support and development for Brazilian cinema – we identified a low production of the fantasy genre and, at the same time, a greater public funding to the aesthetics of social realism, as in the Cinema Novo, which still dominates the national cinema. In this process, we examine the current production of scenography and costumes related to the fantasy genre, especially problems regarding the applied arts in a context of a growing digital realism. We conclude that the low production of the fantasy genre in the film industry, due to both: social realism and the production’s high cost – typical of the fantasy genre’s set design and costumes making – ultimately brought a lower development to the applied arts, and a greater consuming of foreign offer and its visual realism. Keywords: Scenography; Costumes; Cinema; Applied Arts. 1

Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Comunicação, Cultura e Arte pela PUCPR. Bacharel em Relações Internacionais e Licenciado em Artes. 2 Especialista em História Social da Arte pela PUCPR e em Young Education pela Anglocontinental, Bournemouth, Reino Unido. Licenciada em Letras pela Universidade Federal Fluminense.

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INTRODUÇÃO A cenografia e o figurino são partes essenciais no resultado final de uma produção cinematográfica. Desde o cinema mudo até os atuais blockbusters3, essas duas artes se mostram funcionais às diversas narrativas cinematográficas em suas obras finais, indo do drama à comédia, do épico ao futurista ou do realismo social à fantasia. Percebidas como artes aplicadas, ou seja, produzidas para compor uma obra maior – o filme – e desenvolvidas pelo trabalho de diversos artistas, tanto a cenografia como o figurino requerem uma estrutura de produção paralela à direção cênica ou dramática. Enquanto atores e personagens dão vida às narrativas de um roteiro, com seus desempenhos cênicos e os de seus diretores, a cenografia e o figurino – produzidos por

costureiros,

estilistas,

escultores,

modeladores,

arquitetos,

maquiadores,

marceneiros, iluministas e técnicos diversos – são responsáveis por ambientar toda a história, intercedendo na relação visual entre o espectador e a obra. Enquanto o figurino consiste na ambientação das personagens, mediante a elaboração de vestuário e acessórios, a cenografia ambienta o todo, do tempo em que se narra a história – presente, passado ou futuro – até o próprio espaço – urbano, residencial, selvagem, mítico e outros. O figurino contribui para a construção do status de cada personagem. Por exemplo, o uso de plásticos, vidros e outros materiais translúcidos podem compor figurinos pomposos, imitando joalherias e trabalhos manuais enriquecidos, dando a quem os vestir status ligados à riqueza, alteza ou magia. Dentro de um contexto maior, o figurino – composto por vestimentas, maquiagem e acessórios – pode até mesmo enganar o espectador quanto à verdadeira identidade e intenções da personagem. Os tons do figurino, por exemplo, conseguem trabalhar com referenciais comuns a cada sociedade, como cores escuras que se relacionam à vilania e tons claros ao bem. Entretanto, a busca por prender a atenção do espectador levou o cinema a se afastar, muitas vezes, desse imaginário coletivo e seus arquétipos ou estereótipos como das cores, para não cair na obviedade das personagens. Para tanto, o trabalho do figurino soma-se ao do ator e ao da direção, compondo uma identidade à personagem, exigindo-se todo um trabalho de negação visual ao óbvio. De um modo geral, o figurino complementa visualmente o status da personagem e também indica suas intenções em cena. A produção da cenografia e do figurino, de um modo geral, desenvolveu-se a partir da linguagem tradicional do teatro até início do século XX. 3

Termo inglês utilizado pelo mercado cinematográfico para se referir a filmes que alcançam um alto faturamento em suas salas de exibição e, consequentemente possuem grande aceitação pelo público.

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Todavia, à medida que a arte cinematográfica absorvia o desenvolvimento técnico, consolidavam-se novas formas de lidar com essas duas artes aplicadas. Como construir o não-construído? Essa seria a função da cenografia e do figurino nos filmes fantásticos. Atualmente, a necessidade de materializar a imaginação humana trouxe, cada vez mais, ferramentas digitais para compor o trabalho das artes aplicadas. A incorporação de ferramentas digitais na produção cinematográfica contemporânea exige um repensar da instrumentalização dessas duas artes, sobretudo em suas relações com o tridimensional digital no cinema fantástico. O cinema fantástico – ou seja, filmes que buscam romper, de alguma forma, com a realidade – é dividido em três gêneros: ficção científica; terror; e fantasia. O gênero fantasia, dentro da produção cinematográfica, ocorreu como um desdobramento do teatro que, por sua vez, desdobrava-se da literatura fantástica, cujo discurso buscou tornar críveis mundos, personagens e situações que fugiam da atual percepção da realidade. A fantasia trilhou um caminho próprio em relação aos demais gêneros na história do cinema e, enquanto o gênero ficção científica (ou sci-fi) buscou não perder sua relação com a realidade, justificando suas narrativas através do desenvolvimento tecnológico a partir da atual realidade, a fantasia procurou romper alguns laços com o possível e trazer a materialização do imaginável, como seres e mundos não pertencentes ou não submetidos totalmente à realidade humana. Já o gênero de horror (ou terror) se distingue da fantasia por ter narrativas estritamente macabras, ligadas aos sentimentos de medo, perda e ansiedade. A fantasia é marcada pela existência de quebra no naturalmente real, como com o uso de magias, e possibilita desde o entretenimento até a reflexão de temas e desafios individuais e sociais contemporâneos à obra. As ao gênero da fantasia no cinema fantástico vão do folclore, mitologias e culturas orais até obras literárias. Isso faz com que a fantasia, muitas vezes, absorva e invada os demais gêneros fantásticos – terror e ficção –, quando se busca maior alcance de públicos nos circuitos comerciais. Mesmo assim, quase sempre há um predomínio de um dos três gêneros. A fantasia pode ligar-se a diversos temas, problemáticas, bem como transitar por narrativas cômicas ou dramáticas. Todavia, o gênero demonstrou-se em maior número no circuito comercial ligado às narrativas de aventura, ou seja, narrativas em que se desdobram buscas pelas personagens principais. Podem-se destacar nessa relação filmes como O Mágico de Oz (The Wizard of Oz, Victor Fleming, 1939), História sem fim (Neverending Story, Wolfgang Petersen, 1984) e a animação japonesa O castelo animado (Hauru no Ugoku Shiro, Hayao Miyazaki, 2004). Tradicionalmente nessas obras as personagens 179

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principais buscam uma solução para problemas apresentados em suas origens, resultando em uma jornada baseada, quase sempre, em relações conflitantes entre forças antagônicas, quase sempre o bem e o mal. Com o advento do registro cinematográfico, novas tecnologias permitiram que os grandes custos da repetição das peças teatrais fantásticas fossem superados com uma única filmagem e sua quase infinita reprodução. A encenação registrada em uma única vez era distribuída e reprisada inúmeras vezes para diversos públicos, diminuindo custos com cenografia e figurino. Todavia, uma das maiores contribuições do cinema às temáticas fantásticas foi a possibilidade de edição de imagens e, posteriormente, dos sons e efeitos visuais, tornando os discursos artísticos fantásticos mais críveis ao receptor da mensagem, no caso o espectador. Desde os primórdios do cinema fantástico, como nos filmes do ilusionista Georges Méliés (1861-1938) – A mansão do diabo (Le manoir du diable, 1896), Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune, 1902) e As alucinações do Barão de Munchausen (Les hallucinations du Baron de Munchausen, 1911) – até chegar aos blockbusters contemporâneos, enriquecidos com efeitos digitais, o cinema fantástico e o gênero fantasia desenvolveram uma indústria de produção que atende às demandas de mercado. A relação entre a cenografia, o figurino e os efeitos digitais, durante a segunda metade do século XX até início do século XXI, evoluiu de forma a trazer questionamentos referentes à posição da realidade digital diante da realidade fisicamente construída pelas artes aplicadas.

FANTASIA E O CINEMA NACIONAL

Ao longo das primeiras décadas do século XX, o neorrealismo desenvolveu-se juntamente com as ideologias esquerdistas dos governos vigentes e, a partir dos anos 1940 e 1950, presente no cinema italiano – como em Roma, cidade aberta (Romma, città aperta, Roberto Rossellini, 1945) – surgiu o movimento neorrealista italiano que se utilizava do cinema para questionar os desafios sociais e econômicos, afastandose, o máximo possível, das linguagens ficcionais, para se aproximar das linguagens documentais. Suas críticas à estética fascista, anteriormente vigente na Itália, buscavam um diálogo direto com os problemas urbanos. Nos anos 1950 e 1960 o cinema mundial voltava a valorizar o cinema autoral e buscou novas possibilidades estéticas e narrativas. Teve, como principal vertente, a Nova onda francesa (Nouvelle Vague, década de 1960). Contando com trabalhos de Jean-Luc Godard, François Truffaut e Alain Resnais, a Nouvelle Vague permitiu novas 180

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narrativas que valorizavam o realismo do indivíduo, tanto de suas emoções menos idealizadas, como de seus desafios sociais e políticos retratados por meio de novos experimentos técnicos e novas formas de registro visual. Esse movimento alcançou o Brasil e aqui, juntamente com outros movimentos, valorizou o realismo social em detrimento do cinema de gênero. Vanguardas artísticas brasileiras, como o neoconcretismo dos anos 1960, buscavam maior aproximação com a população, sobretudo com aquela tida como maior prejudicada pelos modelos de desenvolvimento

que

ampliavam

as

desigualdades

e

suas

dificuldades

socioeconômicas. Segundo Maria de Fátima Morethy Couto (2004, p. 200), no neoconcretismo dos anos 1960:

A eficácia comunicacional da obra volta a ser de interesse dos artistas, que se mostram sensíveis ao fenômeno urbano, à força dos meios de comunicação de massa (cartazes, cinema, televisão, história em quadrinhos etc.), a temas ligados ao imaginário popular (futebol, desemprego, violência, anonimato e solidão na grande cidade, condicionamentos urbanos) e ao poder evocativo da imagem.

A divisão na produção cinematográfica por gêneros não realistas – fantasia, terror, ficção científica, suspense etc. – contribuiria à alienação social, bem como ao enfraquecimento da própria obra. Em contrapartida, ao abordar temas como desemprego, violência e demais condicionamentos urbanos, aproximaria a obra da realidade brasileira e, com isso, valorizaria não só o discurso da própria obra como também fortaleceria a identidade dos movimentos artísticos nacionais que se sustentariam sobre a realidade local. No cinema, esses movimentos contribuíram com a estética e as narrativas do Cinema Novo. O Cinema Novo já vinha se desenvolvendo desde o final dos anos 1950, ganhando outras influências como o neorrealismo italiano, que acabaria por fortalecer o senso crítico e denunciativo da realidade da população brasileira na segunda metade do século XX. A estética do realismo social passou, então, a dominar a produção nacional, no drama ou na comédia, diminuindo gastos com cenografias e figurinos mais oníricos, exaltando muito mais a miséria e dilemas da classe média brasileira. Dentre os principais autores que alimentaram essa estética no país podemse destacar Glauber Rocha (1939-1981); Leon Hirszman (1937-1987); Rogério Sganzerla (1946-2004); Paulo César Saraceni (1933-2012), Ruy Guerra (1931) e Cacá Diegues (1940). Nas décadas de 1960 e 1970, o desenvolvimento do realismo social como estética cinematográfica ganhou espaço, não apenas na crítica interna, como na crítica especializada internacional, que viam no período o cinema como uma ferramenta para o desenvolvimento social. As obras produzidas sob essa estética 181

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ganharam reconhecimento internacional, como O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962) e Terra em transe (Glauber Rocha, 1967) – premiados como melhor filme e melhor direção respectivamente no Festival de Cannes na França. Esse reconhecimento externo incentivou ainda mais os investimentos e expectativas internas à produção dessa estética. No final dos anos 1960, a criação da empresa estatal Embrafilme (Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima, 1969-1990), incentivou a ampliação do circuito comercial de cinema nacional, mas também passou a apoiar a produção realista social, criando uma espiral de dinâmicas: o apoio inicial a essa estética acabou incentivando novas produções internas, pois, ganhando reconhecimento externo, incentivava-se mais a manutenção dessa estética na produção e financiamento interno.

2%

Embrafilme: filmes distribuídos 1969-1990 1%

3%

1% Drama Comédia Ação e Suspense Documentários Fantasia Musicais Ficção Científica e Horror Animação

10% 49%

11%

23%

Fonte: Elaboração dos autores, 2013.

A Embrafilme envolveu-se em diversas fases da produção e distribuição do cinema nacional, inclusive apoiando inicialmente a distribuição de filmes dramáticos que se expressavam por meio do realismo social, tais como os filmes de Glauber Rocha: O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969); Cabeças cortadas (1970); A Idade da Terra (1980), entre outros. A estética premiada de Glauber Rocha influenciaria

uma

série

de

novos

filmes

dramáticos

nacionais

que

se

contrabalanceavam no circuito comercial com as comédias de costumes, cabendo à fantasia pouco espaço junto à Embrafilme.

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Ao investigar o banco de dados cinematográficos da IMDb4 (Internet Movie Database), pertencente atualmente à empresa de capital americano Amazon.com, contabilizaram-se 329 filmes distribuídos e 232 filmes produzidos pela empresa estatal Embrafilme (1969-1990). Dos 329 filmes distribuídos, 161 correspondem aos dramas sociais, dramas históricos e dramas eróticos; 74 à comédia; 37 à aventura, ação, policial e suspense; 29 são documentários; 11 são filmes fantasia; 9 musicais; 5 ficção científica e terror; e 3 são animações. É evidente que a Embrafilme contribuiu para o desenvolvimento do cinema nacional. Todavia, percebe-se que a soma dos gêneros fantásticos (fantasia, ficção científica e horror) não chega a 5% na participação total de seu capital. Como já afirmara Newton Cannito5, houve sempre um predomínio das comédias de comportamento e dos dramas sociais. Os filmes da Embrafilme, que são catalogados pelo governo federal nas classificações de gênero enquadrados na fantasia ou de teor fantasioso foram onze: Os Trapalhões na terra dos monstros (Flávio Migliaccio, 1989); Ele, o Boto (Walter Lima Júnior, 1987); Os Trapalhões no reino da fantasia (1985); Espelho de carne (Antônio Carlos da Fontoura, 1984); O cavalinho azul (Eduardo Escorel, 1984); Os Trapalhões e o Mágico de Oróz (Victor Lustosa e Dedé Santana, 1984); O Trapalhão na Arca de Noé (Del Rangel, 1983); Uma aventura na floresta encantada (Mário Latini, 1978); Ladrão de Bagdá (Victor Lima, 1976); O Trapalhão no planalto dos macacos (J.B. Tanko, 1976); e Simbad, o marujo trapalhão (J.B. Tanko, 1976). Desses onze filmes, em uma amostragem de 232 filmes, a Embrafilme participou na produção – com financiamento público – de apenas quatro: Os Trapalhões na terra dos monstros; O Trapalhão na Arca de Noé; Uma aventura na floresta encantada; e Ladrão de Bagdá. Os demais 228 filmes de sua produção priorizaram outros gêneros, sobretudo o drama. Pode-se identificar que houve maior financiamento aos gêneros dramáticos. Para Newton Cannito (2011)6, “não temos filmes do gênero sci-fi e fantasia. Nosso cinema é viciado em realismo. Temos ótimos filmes reais (sejam comédias, sejam dramas), mas não passeamos nunca no reino da fantasia”. Nas palavras de Newton Cannito (2011), “No Brasil, resultado das ideias de Glauber Rocha, o gênero [todo e qualquer gênero ou subdivisão em temáticas de produção] é considerado uma ‘fórmula’ americana e fica em oposição ao cinema autoral. O cinema autoral é sempre o filme pequeno, anti-industrial” – pode-se 4

Disponível em: . Acessado em: 5 fev. 2013. Disponível em: . Acesso em: 5 fev. 2013. 6 Disponível em: . Acesso em: 5 fev. 2013. 5

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perceber que o cinema de gênero, ou seja, aquele seccionado em temáticas de produção, sob influência do realismo social, diminuía o valor do diretor que assumisse a produção de um cinema de gênero – só produzindo comédias, terror ou outro estilo. Todavia, como mencionado, alguns filmes foram produzidos. Desde filmes de produção mais autônoma, como Os cosmonautas (Victor Lima, 1962), Elke Maravilha contra o Homem Atômico (Gilvan Pereira, 1978), Fofão e a nave sem rumo (Adriano Stuart, 1989), Acquaria (Flávia Moraes, 2004) e O homem do futuro (Cláudio Torres, 2011) até os filmes produzidos em séries pelas empresas Demuza Produções, Renato Aragão Produções, Maurício de Sousa Produções e Xuxa Produções contribuíram, cada qual em seu tempo e contexto social, com o cinema fantástico nacional no circuito comercial. Entretanto, é certo que em uma análise sobre o circuito comercial nacional, filmes estrangeiros possuem uma relação de oferta e demanda maior, ou seja, maior oferta e maior demanda do que na produção nacional. Sobretudo por ser a produção nacional comercial destinada a outros gêneros, como drama, percebe-se que a demanda interna por fantasia é atendida pela oferta estrangeira com maior grau de realismo na representação e a não-infantilização das narrativas. O sucesso de bilheteria de filmes como O Senhor dos Anéis (The Lord of the Rings, Peter Jackson, 2001-2003), Harry Potter (Chris Columbus, 2001), Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, Tim Burton, 2010), entre outros, demonstra que de fato há uma demanda pelo gênero fantasia no mercado nacional. Dentro desse cenário, pode-se seguir por pelo menos dois caminhos investigativos: a problemática da produção e a problemática do consumo. A do consumo entraria em questões como gostos, expectativas da demanda e intensidade de incentivos ao consumo, como políticas de propaganda e outros fatores e sistemas comerciais internacionais que dificultariam uma relação direta com variáveis apenas nacionais. Já a da produção vincula-se diretamente com a demanda mediante a oferta interna e, portanto, é determinada pela estrutura de produção nacional, englobando as artes aplicadas e digitais à cenografia e figurino. De acordo com alguns cineastas, foi por causa do realismo no cinema nacional que o espaço destinado à fantasia foi ocupado por filmes estrangeiros (CANNITO, 2011).Todavia, isso não seria uma rejeição de demanda por parte dos brasileiros, mas uma construção de demanda reprimida por parte da indústria cinematográfica nacional que compete com um crescente realismo de imagem – referente à realidade da representação do fantástico e não ao realismo social – que encarece sua produção. Como mencionado, o cenário das artes aplicadas à fantasia no Brasil, de uma forma 184

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geral, mostra-se relacionado a duas variáveis: baixo investimento à produção nacional do gênero; e acomodação do mercado nacional à oferta internacional. Ambas possuem suas raízes na desvalorização do cinema de gênero já abordada, ou seja, na rejeição de uma especialização segmentada de produção temática destinada ao mercado. Esses dois desafios tornam-se parte da hipótese aqui apresentada: por ter baixo desenvolvimento, o gênero fantasia impactou de forma negativa o segmento das artes aplicadas e digitais no cinema nacional.

ARTES APLICADAS E FERRAMENTAS DIGITAIS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

A arte digital é uma produção humana e, portanto, também constitui uma arte aplicada na produção cinematográfica. Todavia, seu crescimento na formulação quase que completa de ambientações à história e aos personagens retirou da cenografia e do figurino parte de seus espaços materiais. Criaturas que eram animadas em pano e engrenagens, hoje podem ser facilmente construídas virtualmente. Panos de fundo que representavam florestas encantadas e cidades não-humanas também podem ser elaborados a partir da liberdade de criação encontrada nas ferramentas digitais. A cenografia e o figurino sempre foram fundamentais para quebrar a ligação com a realidade, necessária no gênero de fantasia. As artes decorativas e aplicadas, como o trabalho manual de confecção das mais diversas peças e acessórios às personagens e à ambientação, estavam presentes desde a produção até a distribuição final dos filmes, como na elaboração de cartazes de propaganda. Especificamente no que tange à produção, as artes aplicadas permitiam a soma de diversas técnicas visuais sem perder seu espaço. Até meados dos anos 1980, os filmes estrangeiros de fantasia utilizavam-se do figurino e da cenografia como peças fundamentais à ambientação da narrativa. Somava-se a eles diversas técnicas de artes aplicadas para fortalecer essa quebra com a realidade. Desde as técnicas de stop-motion em Simbad e a Princesa (The 7th Voyage of Sinbad, Nathan Juran,1958), passando pelas películas duplas – possibilitando a inclusão de animações em cenas reais – filmes como Uma cilada para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, Robert Zemeckis, 1988) e Pagemaster – O Mestre da Fantasia (The Pagemaster, Joe Johnston, 1994), incluindo até mesmo maquinários e engenharias, como utilizados no filme O cristal encantado (The dark crystal, Jim Hanson, 1982), são bons exemplos das artes aplicadas na construção de um filme de fantasia. Para esse último, composto totalmente por marionetes, fantoches e 185

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maquinários dirigidos pelo mesmo criador do universo ficcional de Os Muppets (The Muppet Movie, 1979), Jim Hanson, conseguiu-se não apenas construir um cenário material rico em detalhes, como se deu vida às próprias personagens sem o auxílio da animação tradicional – pintura sobre matriz de repetição – ou dos atuais efeitos de realidade virtual. Os filmes nacionais, sobretudo os destinados ao público infantil, conseguiram acompanhar boa parte do praticado no cenário e no figurino estrangeiro. O apoio de capital público ou de empresas nacionais, como Tintas Suvinil e Postos Shell do Brasil em Super Xuxa contra o Baixo-Astral (1988), contribuíram na elaboração da cenografia desse gênero, mas não o suficiente para alimentar uma indústria de artes aplicadas própria em escala de concorrência com a produção estrangeira. Entretanto, a partir dos anos 1980 e, sobretudo nos anos 1990, o cinema fantástico estrangeiro passou a investir massivamente em efeitos especiais e maquinários para dar vida às mais diversas criaturas que, se antes eram compostas por têxteis e engrenagens, passaram a ser criados por computação gráfica. A distância entre as artes manufaturadas, artesanais e artísticas voltadas à cenografia e ao figurino das artes aplicadas entre a produção nacional e a estrangeira aumentou, sobretudo pelo desenvolvimento das ferramentas digitais que passaram a tomar espaço no cinema fantástico norte-americano. Desde os anos 1970, empresas como a Walt Disney Animation Studio (Walt Disney, 1923) e a Lucasfilm (George Lucas, 1971) buscaram financiar o desenvolvimento de técnicas visuais especiais para seus filmes. Embora o efeito especial (alteração da imagem, som e outras formas de reestruturação da realidade material) não fosse novidade, essas empresas contribuíram para a inserção da tecnologia nos grandes blockbusters, desde as animações tradicionais até a realidade virtual. A partir dos anos 1990, a introdução dos efeitos virtuais cresceu de forma considerável com a evolução tecnológica, bem como de produtoras especialistas na criação de realidades virtuais. A Pixar Animation Studio (Edwin Catmull, 1986), uma das maiores empresas dedicadas às animações e à realidade virtual a conquistar prêmios como o Oscar7 (Finding Nemo, 2004; Wall-E, 2008 e outros), é resultado de um rompimento interno da Lucasfilm. Hoje, ambas fazem parte do capital privado da Walt Disney Company, predominando a oferta do gênero fantasia no mercado brasileiro. O desenvolvimento tecnológico, sobretudo o virtual, não questiona o trabalho humano em criar artes para a cenografia e figurinos, mas problematiza a sua relação com as artes aplicadas não-digitais quanto ao custo de produção. 7

Academy Awards (1929) é um dos principais prêmios cinematográficos dos EUA.

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Para a produção é preciso capital inicial de financiamento, seja público ou privado, para posteriormente iniciarem-se as artes aplicadas. Entretanto, com a infantilização do gênero fantasia no Brasil e a grande concorrência tecnológica presente nos filmes estrangeiros, esse contexto criou um cenário pouco convidativo a iniciativas mais autônomas ou de baixo orçamento comum em nosso mercado. O baixo orçamento na fantasia nacional, sobretudo voltado para o público infantil, permite crer que a cenografia e o figurino seriam completados pelo lúdico do público infantil, em que o contar a história se tornaria mais importante do que a veracidade visual da narrativa. Mas o desenvolvimento tecnológico dos filmes infantis estrangeiros passou a exigir mais, não só do mercado brasileiro, como de todo o circuito internacional. Como mostra o comportamento do mercado estudado por Erick Felinto (2011), o cinema fantástico e seus gêneros são produzidos para públicos jovens e adultos, dando importância ao realismo da representação. Por mais fantasiosa que seja a história, atualmente preza-se pela realidade da representação de criaturas que passam a dispensar fantasias têxteis, roldanas e estruturas mecânicas para a criação tridimensional digital. Da mesma forma, a cenografia passa a ter interferência de tratamentos na iluminação, perspectiva e até a criação de objetos e formas, substituindo muito da arte aplicada manualmente em estúdios ou em gravações externas. Filmes de fantasia cujas indicações etárias são mais restritivas – ação, suspense e violência – ainda não encontram um mercado interno competitivo, simplesmente por esse ter grande carência de produção nacional. Na oferta estrangeira, pode-se ver todo um processo de refilmagem, por exemplo, de filmes do gênero fantasia não-infantil, incentivado pela evolução das artes digitais às artes aplicadas. Desde Fúria de Titãs (Clash of the Titans, Desmond Davis, 1981), passando por Conan, o Bárbaro (Conan, The Barbarien, John Milius, 1982) até chegar às readaptações contemporâneas nos anos 2000 com as obras Fúria de Titãs (Clash of the Titans, Louis Leterrier, 2010) e Conan, o Bárbaro (Conan, The Barbarien, Marcus Nispel,

2011),

as

artes

aplicadas

utilizadas

na

decoração

foram

sendo

complementadas até dar um importante espaço às artes virtuais. O mercado nacional acaba por ceder à demanda reprimida interna que, por falta de coordenação técnica e uma estrutura de produção industrial às artes cenográficas mais oníricas, perde possibilidades de manter uma competição mínima. Como visto na grande maioria das readaptações de obras fantásticas, nas décadas de 2000 e 2010,

a necessidade por

realismo na representação uniu-se ao 187

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desenvolvimento tecnológico para atender à demanda percebida pelo mercado. Para Felinto (2006, p. 416), a atual produção do cinema fantástico, que visa bons resultados no circuito comercial, persegue o realismo da representação:

Empregadas eminentemente para a produção de efeitos especiais, as tecnologias digitais operam em Hollywood como coadjuvantes essenciais na presentificação (sic) das realidades apresentadas nos blockbusters. Nesse sentido, o impulso que dirige tal tipo de experiência não está muito distante da pulsão cultural responsável pelos panoramas do século XVIII ou dos experimentos contemporâneos com aparatos de realidade virtual. Os dinossauros digitais de Parque dos dinossauros (Steven Spielberg, 1993) devem parecer reais segundo nossos códigos de representação cultural, mesmo que não possamos ter certeza absoluta de como um dinossauro real se pareceria. Essa pulsão cultural é constitutiva da experiência da imagem no Ocidente, movida continuamente por um desejo crescente de realismo.

A representação realista nos filmes ficcionais exige custo e tecnologia que encarecem o processo de produção. Entretanto, não pode ser vista como a única variável. Segundo Newton Cannito (2011), a variável do custo não deveria ser entendida como determinante para a carência desse gênero nos circuitos nacionais, já que “nossas finalizadoras têm feito coisas ótimas em publicidade e, com mais investimento, teríamos condições de levar os efeitos ao cinema. Pode não ser com a última tecnologia, mas seria com a penúltima, e tenho certeza que seria suficiente para conquistar nosso público”. Mas a coordenação dessa produção exige maior espaço e interesse de produção pelos financiadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As artes aplicadas à cenografia e figurino desenvolveram-se para tornar críveis narrativas que, de alguma forma, desligavam-se da realidade humana. As artes digitais passaram a complementar o papel tradicional do desenvolvimento artesanal à produção em série de têxteis, maquinários, maquiagens e outros materiais para sustentar o mercado internacional cinematográfico. No Brasil, por processos próprios, o cinema fantástico pouco se desenvolveu, se comparado a outros gêneros como a comédia ou o drama social. O predomínio da estética realista social, fortalecida pelo Cinema Novo, mostrou-se predominante nos financiamentos públicos à produção e distribuição na cinematografia brasileira, dificultando o desenvolvimento das artes aplicadas como a cenografia e o figurino no país. A crítica ao cinema de gênero, como consequência desse predomínio, dificultou a diversificação da produção nacional. O gênero fantasia pouco se desenvolveu e sua baixa produção foi destinada majoritariamente ao público infantil, 188

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criando um cenário de demanda reprimida. A produção da cenografia e do figurino ainda permanece no processo manual. Trabalhando sobre têxteis, celulose e polímeros, as artes aplicadas nacionais ainda não absorveram as possibilidades que a arte digital pode construir, sobretudo no realismo da representação. Com isso, a demanda atual pelo realismo da representação no cinema fantástico passou a ser atendida, sobretudo, pela oferta estrangeira, o que dificultou ainda mais o crescimento de uma estrutura de produção de artes aplicadas, tanto das manuais como da própria digital. Entretanto, a oferta estrangeira não se torna um problema, pois as trocas culturais devem ser prezadas e zeladas pelos povos, mas perde-se a chance de se explorar as identidades, referenciais e a própria cultura nacional. O indivíduo terá sempre uma necessidade de entrar em contato com a arte fantástica. O rompimento proposto pelo gênero fantasia mostra-se essencial e, diferentemente do defendido pelo realismo social, é uma demanda constantemente presente às sociedades. Produzindo ou não cinema fantástico, se há a possibilidade de se consumir o gênero fantasia, o indivíduo irá fazê-lo. Quando isso ocorre, perde-se uma possibilidade narrativa da realidade local. Não se trata, todavia, de impedir a oferta estrangeira, mas de possibilitar a oferta com um mínimo de produção nacional que não se limite tão somente ao público infanto-juvenil. Essa infantilização da obra – e da própria cenografia e figurino – soma-se ao encarecimento das artes aplicadas e ao predomínio do realismo social de forma a dificultar a produção nacional do gênero analisado e suas artes aplicadas. Como visto, a problemática de produção do gênero fantasia acabou por trazer baixo desenvolvimento nas artes aplicadas da cenografia e figurino fantásticos. Ainda que permaneça espaço para as artes manufaturadas, como vestimentas e maquiagens para os atores ou a produção de móveis e outros acessórios para o ambiente, as artes digitais passaram a produzir muito de suas construções cênicas por meio da realidade virtual. Atualmente, criaturas fantásticas e ambientes – sobretudo externos – são elaborados usando-se as artes digitais. Sua criação tornou-se uma complementariedade às artes aplicadas manuais e à direção de arte. O não desenvolvimento de uma estrutura de produção digital não impede o crescimento do gênero fantasia no atual cenário cinematográfico brasileiro. Entretanto, demonstra-se que a ausência de uma oferta interna não-infantilizada da fantasia, podendo se utilizar tanto de recursos manuais ou digitais, continuará contribuindo com o controle do mercado pela oferta estrangeira, dificultando o desenvolvimento da fantasia e suas artes aplicadas no cenário nacional.

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