As apropriações midiáticas e os atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha

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As apropriações midiáticas e os atores sociais na cobertura convergente das manifestações pela TV Folha Maria Clara Aquino Bittencourt Mestre e doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS) e Pós-Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (PPCCGCOM/UNISINOS) Paula Regina Puhl Mestra e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Professora do Curso de Comunicação Social e do Curso Superior de Tecnologia em Produção Audiovisual (PUCRS) e Pesquisadora da FAPERGS Resumo: O artigo identifica transformações no âmbito do telejornalismo a partir da relação entre a captação e o formato entre as mídias televisão e web, com base em noções de convergência. A análise faz parte de um contexto de pesquisa que procura entender o impacto de novas práticas comunicacionais, fundamentadas na lógica das redes, sobre a reconfiguração de um modelo de comunicação que já não mais se estabelece a partir de técnicas distributivas, mas a partir de dinâmicas de compartilhamento, participação e interatividade que rearrajam papeis e estimulam trocas sociais em torno de conteúdos que circulam por diversos espaços, através da atuação de atores diversos. Uma análise sobre a atuação da TV Folha, da Folha de São Paulo, na cobertura das manifestações de junho de 2013, identifica como tais práticas implicam em uma reflexão sobre o telejornalismo, que a partir de usos e apropriações por atores diversos, tem técnicas e rotinas potencializadas e modificadas em função das tecnologias digitais de comunicação. Palavras-chave: apropriações midiáticas, convergência, telejornalismo, TV Folha Manifestações, plataformas digitais e novas tendências para a comunicação A mobilização através de sites de redes sociais e plataformas digitais vem refletindo a configuração de uma cultura baseada na organização coletiva que se caracteriza por princípios de horizontalidade, engajamento cívico, social e político, e que se fortalece além das redes digitais em diversos países, sob diferentes formas de manifestações, protestos e movimentos: a Primavera Árabe (2010); os desdobramentos do Occupy Wall Street (2011), nos Estados Unidos; a ocupação do parque Gezi, na Turquia (2013) e no Brasil os protestos que iniciaram contra o aumento da passagem em Porto Alegre, se desdobraram por mais de uma centena de cidades brasileiras em 2013 e que expandiram a agenda de reivindicações por mudanças no país. A partir das transformações no campo da comunicação, marcadas pela digitalização de processos, os movimentos sociais (GOHN, 2004) enxergam possibilidades de fortalecimento de suas habilidades de articulação e de visibilidade, reconfigurando suas formas de organização e sua

paleta de ações, a partir do uso das tecnologias digitais de comunicação. A produção de conteúdo por parte desses movimentos vem modificando não apenas a maneira como mobilizações e ações coletivas passam a ser organizadas, mas as práticas comunicacionais sobre como os movimentos se reportam para a sociedade e sobre como a mídia de massa lida com essa produção de conteúdo alheia ao seu controle direto e, ao mesmo tempo, paralela ao que é veiculado em seus canais. Ao lado dos choques de interesses que movem a mídia de massa, os partidos políticos, os movimentos e os manifestantes – muitos declaradamente desvinculados de qualquer partido político – há um conflito de posicionamentos que, se nos anos 80 e 90 não alcançava visibilidade suficiente nos meios de massa, hoje se espalha pela rede, sob múltiplos formatos midiáticos, com cada vez mais velocidade e representatividade, questionando a mídia tradicional e seus formatos através da produção independente de conteúdo, ao mesmo tempo em que embaralha ainda mais o cenário opinativo e interpretativo sobre o que se passa no país. Nesse contexto onde as mídias sociais e as mídias de massa estabelecem um enfrentamento diário na busca incessante pela atenção das audiências que consomem conteúdos provenientes de suportes e veículos diversos, destacam-se processos de convergência pautados, ao mesmo tempo, pela multiplicidade de dispositivos e suportes disponíveis, que agregam a multimidialidade e a mobilidade como fatores que favorecem a ampliação das coberturas, e o espalhamento dos conteúdos (JENKINS, FORD E GREEN, 2013) a partir das interações e compartilhamentos realizados pelas audiências que circulam por diferentes ambientes midiáticos. Identificar transformações no âmbito do telejornalismo a partir desse enfrentamento e com base em noções de convergência é parte de um contexto de pesquisa que procura entender o impacto de novas práticas, fundamentadas na lógica das redes, sobre a reconfiguração de um modelo de comunicação que já não mais se estabelece a partir de técnicas distributivas de conteúdos e informações. Esta reconfiguração vem ocorrendo a partir de dinâmicas de compartilhamento, participação e interatividade que rearrajam papeis e estimulam trocas sociais em torno de conteúdos que circulam por diversos espaços, através da atuação de atores diversos. O impacto dessa transformação aparece na atuação de veículos originalmente identificados como mídia de massa, que hoje ocupam as redes através não só de sites e portais, mas de canais de comunicação dotados de características e funcionalidades que permitem a realização de práticas jornalísticas com foco na convergência. A escolha de analisar a atuação da TV Folha1 na cobertura das manifestações que aconteceram em junho de 2013, identifica como tais práticas implicam em uma reflexão sobre o telejornalismo, que a partir de usos e apropriações por atores diversos, tem técnicas e rotinas potencializadas e modificadas em função das tecnologias digitais de comunicação. O texto inicialmente apresenta considerações acerca da noção de convergência e de práticas colaborativas 1 http://www1.folha.uol.com.br/tv/ Acesso em 17/09/13.

na cobertura de acontecimentos. Logo em seguida é exposto um breve panorama sobre a relação entre televisão e web, com foco no telejornalismo, para em seguida passar-se à análise dos vídeos da TV Folha. Possibilidades de convergência na cobertura de protestos e movimentos sociais A discussão original sobre a convergência, de acordo com Kolodzy (2009), sempre se focou na questão tecnológica e, dessa forma, se volta para a categoria da multimidialidade ao envolver o uso de diversas funcionalidades através de um único suporte ou dispositivo. No que se refere às relações entre televisão e web, as aproximações entre os dois suportes se estreitam a partir das possibilidades de publicação de vídeos online, principalmente com a popularização de plataformas como Youtube2 e Vimeo3. Espaços online de conteúdo audiovisual criados por emissoras, canais de televisão e mídia impressa, como a Folha de São Paulo e o seu canal TV Folha, também passam a fazer parte de um fluxo de convergência estabelecido entre produtos midiáticos que circulam por diferentes suportes midiáticos e dispositivos digitais, ampliando a visibilidade dos conteúdos e informações veiculados. Frente a liberdade de produção de conteúdo permitida pelo YouTube, Miller (2009) não acredita que a televisão esteja sendo esquecida. O autor considera que os vídeos online do YouTube ao invés de substituírem determinados programas televisivos, os promovem, pois acredita que apesar da maior parte do conteúdo do YouTube ser amadora, tal conteúdo não é tão assistido em comparação com os conteúdos das indústrias culturais. Para Miller (2009, p. 22), “imaginar a Internet em oposição à televisão é bobagem; ao contrário, ela é apenas mais uma forma de enviar e receber a televisão. E a TV está se tornando mais popular, não menos. Suspeito que estamos testemunhando uma transformação da TV, ao invés do seu falecimento”, acredita o autor. Transformação, e não substituição de uma mídia por outra, parece ser então a palavra de ordem no contexto atual referente aos conteúdos da televisão e suas relações com a web. Antes da digitalização da comunicação, Jenkins (2009, p. 145) tenta mostrar que já havia um “longo histórico de produção de mídia” e que plataformas como o YouTube não foram o ponto de partida dessas produções. Ainda que mesmo sem a mistura de linguagens, os indivíduos sempre produziram e buscaram conteúdo, de uma forma ou de outra. O que de novo surgiu não foram as práticas, mas sim os suportes através dos quais passaram a ser realizadas, ou seja, o desenvolvimento de novas técnicas transformou a ocorrência de práticas sociais e culturais. O caso do YouTube serve como ilustração desse raciocínio: Se o YouTube parece ter aparecido da noite para o dia, é porque já havia uma miríade de 2 http://youtube.com Acesso em 11/09/13. 3 http://vimeo.com Acesso em 11/09/13.

grupos esperando por algo como o YouTube; eles já tinham suas comunidades de prática que incentivavam a produção de mídia DIY, já haviam criado seus gêneros de vídeos e construído redes sociais por meio das quais tais vídeos podiam trafegar. O YouTube pode representar o epicentro da cultura participativa atual, mas não representa o ponto de origem para qualquer das práticas culturais associadas a ele (JENKINS, 2009, P. 145).

A Internet, a web e as tecnologias digitais de comunicação, dessa forma, foram responsáveis por potencializar práticas anteriormente existentes, facilitando atividades e contribuindo para alterações nos comportamentos dos indivíduos, mas não foram pioneiras em reunir elementos e linguagens de comunicação. As interligações entre meios, linguagens e práticas comunicacionais iniciaram antes da configuração desse presente cenário digital, e o que mudou, e vem mudando, são os comportamentos dos indivíduos em torno dos conteúdos midiáticos. É um processo de mudança que se dá de maneira conjunta, num movimento de reciprocidade entre as transformações técnicas, sociais e culturais, já que decorrem das ações e apropriações dos indivíduos em torno de instrumentos técnicos e pelo desempenho de variados tipos de comportamentos a partir de usos diversos. O quadro de protestos e manifestações que se espalha pelo país desde meados de junho de 2013, tem explicitado a diversidade de usos e apropriações de tecnologias digitais de comunicação não apenas para organização de atos e mobilizações por parte de movimentos sociais, mas também para a reconfiguração dos processos comunicacionais estabelecidos pelos movimentos, através das redes. Ao longo da história, Castells (2012) destaca o papel dos movimentos sociais como produtores de valores e objetivos em torno dos quais ocorrem transformações em instituições da sociedade que passam por modificações para representar esses valores a partir da criação de novas normas sobre o convívio social. O exercício de um contrapoder por parte desses movimentos se dá através de sua autoconstrução através da comunicação autônoma, que não se submete ao poder das instituições. A trajetória dos movimentos que deflagraram os recentes protestos no país é marcada por demandas antigas e formas de mobilização já conhecidas de outras décadas, mas seus processos comunicacionais vêm sofrendo transformações capazes de influenciar a própria continuidade do movimento. E a mídia de massa, que anteriormente detinha a (quase) exclusividade da voz sobre os acontecimentos políticos e sociais, concorre hoje pela atenção das audiências com a produção de conteúdo não só pelos movimentos, mas por coletivos midiáticos que se constituem no intuito de democratizar os processos comunicacionais, questionar a produção dos meios tradicionais e tornar livre a informação sobre os fatos. Diante desse tensionamento entre mídias de massa e mídias sociais, os veículos de comunicação tradicionais passam, além de produzirem conteúdo para ser distribuído em seus canais originários, a ampliar o seu espectro de produção para o ambiente digital, através de perfis em sites de redes sociais, blogs, sites e plataformas de conteúdo online. Ainda que em alguns casos esses

veículos ignorem, ou não confiram atenção suficiente, para as possibilidades interativas e participativas possibilitadas por ferramentas variadas do ambiente online, fazem questão de marcar presença nos espaços, como Twitter e Facebook, por exemplo, onde a mídia independente tem expandido sua atuação. O coletivo midiático Mídia Ninja4, que ganhou destaque nas redes sociais e foi parar na pauta de discussões da mídia de massa, a partir de uma participação do programa Roda Viva, no dia 05 de agosto5. O coletivo em cobrindo as manifestações, e outros fatos no país, utilizando perfis no Twitter e Facebook, além de transmissões ao vivo do que se passa nas ruas, através da Pós TV 6, um canal online de transmissão que funciona desde 2011 e se declara como "a verdadeira TV aberta. Onde não existe censura, as pessoas falam livremente e não se depende de patrocínio, o patrocinador é o povo, as entidades e os movimentos sociais."7 O processo de convergência estabelecido pelo Mídia Ninja se configura não apenas tecnicamente, em função do uso de múltiplos dispositivos na produção e circulação de conteúdos de formatos diversos. Há também transformações em níveis social e cultural, já que as práticas do coletivo reconfiguram processos de produção, circulação e consumo midiáticos ao integrarem a participação, a interatividade e o compartilhamento como pressupostos para o espalhamento dos conteúdos, que é feito inicialmente pela publicação nos canais online, mas que posteriormente se espalha a partir da atividade de indivíduos que, participando ou não da produção desses conteúdos, comentam, compartilham e curtem as publicações, ampliando a visibilidade e o alcance de textos, imagens e vídeos de forma descolada do circuito de comunicação dos veículos de massa. O emprego da multimidialidade, fortemente atrelado à mobilidade dos dispositivos, pressupõe a reflexão sobre formatos e modelos de comunicação, possibilitando ao telejornalismo, no caso aqui analisado, a exploração do ambiente das ruas para a construção de narrativas jornalísticas que misturem a cobertura ao vivo com as possibilidades de edição para o estabelecimento de um processo de convergência que busque, além de inovar a produção, acompanhar as transformações dos processos de circulação e consumo de conteúdos midiáticos. Telejornalismo e web Quando se aborda o tema da convergência entre televisão e internet, estabelece-se como fatores essenciais a interatividade8, a democratização dos produtores, os conteúdos colaborativos, os horários de programação, a escolha do usuário e as ferramentas para que os receptores se 4 5 6 7 8

https://www.facebook.com/midiaNINJA Acesso em 18/09/13. http://youtu.be/vYgXth8QI8M Acesso em 18/09/13. http://canalpostv.blogspot.com.br/ Acesso em 18/09/13. Descrição na página do Facebook da PósTV: https://www.facebook.com/canalpostv Acesso em 18/09/13. Conexões e reinterpretações produzidas ao longo de zonas de contato pelos agenciamentos e bricolagens de novos dispositivos que uma multiplicidade que atores realizam. (LÉVY, 1993, p. 107)

expressem. Tais aparatos permitem que exista uma relação produtor/receptor que agrega informações que colaboram com a recepção do conteúdo veiculado. A interatividade nos produtos televisivos se define como um diálogo que leva os espectadores da postura de passiva à de agentes, ainda que por meio de suas escolhas. Para Cannito (2010, p. 144), nessa lógica “o espectador tem a impressão de que também está no comando do “jogo”, algo que a televisão se empenhava em fazer e que só se efetivou no ambiente digital”. Essas mudanças são necessárias para seguir o perfil da população brasileira usuária da internet. A pesquisa Brasil Conectado 2, desenvolvida pela IAB (Interactive Advertising Bureau), de maio de 2013, sobre a audiência online no Brasil 9, detectou que 38% dos participantes ao serem perguntados o que fariam se tivessem 15 minutos de tempo livre disseram que navegariam na internet em primeiro lugar; em quarto com 10% de preferência ficou “ver TV”, atrás de atividades como acesso às redes sociais e enviar e-mails e mensagens instantâneas. Outro dado relatado foi a respeito do uso paralelo entre a TV e a internet via diferentes canais. De acordo com a pesquisa, sete em dez brasileiros usuários de internet, ou seja 73% dos respondentes, usam laptop, smartphone ou tablet enquanto assistem televisão. Esses dados são reforçados com a pesquisa de 201 apresentada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI) 10 que coloca como tendência o aumento da mobilidade, velocidade de conexão e intensificam a frequência de uso dispositivos móveis, além de citar que no Brasil já são quase 81 milhões de usuários sendo que destes 70% acessa diariamente a internet. Em relação aos dispositivos móveis o CGI aponta 139,8 milhões de usuários de telefone celular e o crescimento do uso da internet pelo aparelho cresceu 6% em relação a pesquisa apresentada em 2012, somando 24% nos dados de 2013. A Proporção de usuários de Internet que utilizaram redes sociais ( Facebook, Orkut, etc) nos últimos três meses foi de 73%. No Brasil, na década de 90, ocorreu a desregulamentação do mercado audiovisual, o que colaborou para o desenvolvimento de experimentos no mercado midiático. Hoje se verifica programas na televisão associados à internet, que são propostas de formatos híbridos que une as redes sociais às agências de notícias, jornais e programas. França (2009) acredita que a dinâmica entre as mídias é de diálogo, não concorrência, o que reforça ao invés de enfraquecer os diferentes meios. Para a autora, a televisão sofreu mudanças e se reorganizou em detrimento da presença e recursos de comunicação digital, conseguindo estabelecer um diálogo com a internet. A autora destaca que não se pode afirmar ao certo o destino da televisão, mas fica claro que, até o presente momento, diferentes mídias se alimentam e estimulam reciprocamente. Para ela a televisão, por exemplo, tem sabido conviver bem com a internet, se apropriar de seus recursos e estabelecer com ela uma relação de extensão. 9 Dados na íntegra disponíveis em: http://iabbrasil.net/portal/brasilconectado2/. Acesso em 15/06/13. 10 Pesquisa disponível em: http://www.cetic.br/usuarios/tic/2012/apresentacao-tic-domicilios-2012.pdf. Acesso em 16/09/13.

Por outro lado, Tourinho (2009, p. 140) comenta que a audiência da televisão começa a ver de perto o perigo do crescimento da Internet. “O horário em que os jovens mais acessam a rede (das 18 horas ás 20 horas, segundo os institutos de pesquisa) já está afetando a audiência de alguns programas de televisão aberta”. Como alternativa para enfrentar a concorrência da internet, a televisão deve buscar cada vez mais envolver o telespectador em sua programação, utilizando as práticas cotidianas dos consumidores na relação com os produtos midiáticos. Esse costume cultural também está se inserindo no telejornalismo: hoje, não basta somente a população saber dos acontecimentos do dia, ela precisa mostrar ao mundo sua opinião acerca daquilo, independente de seu vínculo com a notícia. Tourinho (2009), ao abordar a questão do telejornalismo, acredita que o mesmo já se insere na web, não apenas divulgando seu conteúdo, mas estabelecendo uma nova parceria com o internauta. Como exemplo, cita a informação de que os telejornais mantêm páginas na rede, onde disponibilizam sua programação e seus arquivos, estabelecem canais de interatividade e sugestões, divulgam sua imagem institucional e se posicionam diante do internauta. Essa visibilidade no meio digital sugere que a mídia tevê está acompanhando as inovações e que deseja estar mais presente na vida dos seus públicos em diferentes plataformas. Mas o inverso também acontece. Ao escolher como exemplo as produções audiovisuais apresentadas na TV Folha, junto ao site da Folha de São Paulo, na cobertura das manifestações de junho de 2013 notamos a inserção dos formatos reconhecidos na prática do telejornalismo. Assim como as redes da mídia de massa procuram inovar ao produzir conteúdos com mais interatividade, também são encontrados formatos mais tradicionais, já conhecidos do grande público televisivo. O diferencial reside na captação, que conta com a utilização dos dispositivos móveis, que mesmo possuindo características bem peculiares de uso, promovem imagens que talvez não fossem captadas pelas câmeras tradicionais, construindo assim um formato híbrido que tenta unir a linguagem do telejornalismo, o uso de novos equipamentos e atender a tendência sócio cultural de um público que não exige mais tanta qualidade, mas sim um mosaico de imagens e de informações que o faça se sentir informado. TV Folha: apropriações midiáticas através de dispositivos digitais Para colaborar com a discussão dos conceitos apresentados anteriormente, foi escolhida a TV Folha11, que é um canal online de notícias com vídeos, hospedado junto ao site da Folha de São Paulo12. Além de diversas reportagens audiovisuais disponibilizadas diariamente, possui também o Programa TV Folha, que é transmitido todos os domingos pela TV Cultura13 às 21h e reprisado às 11 O canal está disponível em: www1.folha.uol.com.br/tv/‎. Acesso em 17/09/13. 12 http://folha.uol.com.br Acesso em 17/09/13. 13 http://tvcultura.cmais.com.br/ Acesso em 17/09/13.

23h, desde 2012, com duração de 30 minutos. Tanto o programa como os vídeos colocados no site podem ser acessado no canal do Youtube14. O material escolhido para a análise desse artigo foram três vídeos sobre as manifestações do dia 18 de junho, que estavam na capa do site da TV Folha no dia 25 de junho de 2013. O primeiro (Vídeo 1)15 se refere ao programa TV Folha, que também é disponibilizado na TV Cultura. O segundo vídeo (Vídeo 2)16 estava categorizado na editoria Cotidiano, que retrata imagens feitas por um drone17 durante os protestos. O terceiro, presente na editoria Flagra (Vídeo 3) 18, mostra a tensão dentro da Prefeitura de São Paulo, conforme figura a seguir:

Figura 1: Imagem retirada do site da TV Folha no dia 25 de junho de 2013.

Vídeo 1 Os participantes estão na redação da Folha em uma mesa: os entrevistadores Fernando Cazian apresentador do programa, Mônica Bergamo colunista do jornal, Leonardo Sakamoto colunista do UOL debatem sobre o perfil dos participantes do protesto e o objetivo do movimento com o convidado Lucas Monteiro, integrante do Passe Livre. O vídeo teve ao todo cinco minutos e trinta e oito segundos, evidenciando uma edição da segunda parte do programa que é transmitido pela TV Cultura com duração de trinta minutos. A linguagem utilizada para o vídeo prioriza o debate, no entanto, as falas dos participantes são "cobertas" com imagens das manifestações e com gráficos baseados em uma pesquisa feita pela DataFolha mostrando o perfil dos manifestantes quanto as repostas sobre a continuação ou não dos protestos, mesmo após a redução das tarifas do transporte público. Essa imagens podem ser conferidas a seguir.

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O canal do Youtube pode ser acessado em: http://www.youtube.com/user/Folha. Acesso em 17/09/13. http://www.youtube.com/watch?v=jItBp3jUflM&feature=youtu.be Acesso em 11/09/13. http://www.youtube.com/watch?v=n4w9shTHnUs&feature=youtu.be Acesso em 113/09/1. Drone é um pequeno helicóptero não tripulado que tem sido utilizado para fazer imagens em emissoras de televisão. http://www.youtube.com/watch?v=nZ07Df5XO3U&feature=youtu.be Acesso em 11/09/13.

O vídeo 1 apresenta uma convergência de formatos visível logo de início, pois mistura elementos gráficos e textuais, com imagens diversas, captadas nas ruas e no interior da redação. Diferencia-se das coberturas realizadas por coletivos midiáticos e cidadãos, por exemplo, por não ser transmitida ao vivo, trata-se de um vídeo gravado e editado para posterior publicação online e na televisão. A multimidialidade do vídeo reúne aspectos técnicos que demonstram a importância que a mobilidade assume na produção desse tipo de conteúdo, porém o formato permanece atrelado à práticas características de telejornais televisivos ao trabalhar com a edição para posterior veiculação.

Vídeo 2 O segundo vídeo mostra as imagens das manifestações na Avenida Paulista, feitas pelo drone, em 20 de junho, com duração de um minuto e dez segundos. O vídeo é acompanhado de um texto que diz que ao todo eram 75 mil participantes e informava que por isso diversas vias da região estavam interditadas. As imagens não possuem off (denominação para texto que cobre as imagens em reportagens em telejornalismo), mas sim áudio dos manifestantes cantando "o gigante acordou", frase muito repetidas nos movimentos. Ao final o vídeo chama para o programa TV Folha na Cultura. Essa mesma edição foi vista no programa da TV Folha.

O vídeo 2 tem traços de convergência não só pela mistura de elementos textuais com audiovisual, mas também pela conexão que faz com outro meio de comunicação, a televisão, ao indicar a transmissão do Programa TV Folha na TV Cultura. A mobilidade, nesse caso, é importante na constituição técnica do vídeo, mas ao contrário de coberturas realizadas por cidadãos e coletivos midiáticos, utiliza um dispositivo característico da produção televisiva, o drone. Além disso, não trabalha com a possibilidade de transmissão ao vivo no espaço online da TV Folha, restringindo-se à práticas de edição para posterior veiculação na web e na televisão. Vídeo 3 O vídeo está na editoria Flagra, com a marca de exclusivo, e foi feito pela colunista Mônica Bergamo, com o celular. Mônica mostra imagens de dentro da assessoria de imprensa e da sala de crise da Prefeitura de São Paulo no dia 18 de junho, data do sexto ato contra o aumento das passagens. As imagens não possuem muita qualidade, são instáveis, porém se consegue perceber o clima da situação. São ouvidos telefonemas, barulho de helicópteros, gritos e assobios dos manifestantes em frente ao prédio, etc.. Além disso, o vídeo permite um outro olhar sobre os assessores e políticos que aguardavam no local o momento mais seguro para deixar a prefeitura. O vídeo mostra: Nádia Campeão, vice-prefeita de São Paulo, Antonio Donato, Secretário Municipal de Governo, Luiz Massoneto, Secretário Municipal de Negócios Jurídicos, Roberto Porto Secretário Municipal de Segurança, Nunzio Brigulio Secretário Municipal de Comunicação, além de outros funcionários e policiais não nominados. O ponto de vista proporcionado por Mônica mostra o lado dos governos ao invés das imagens mais comuns dos protestos nas ruas, que estavam sendo veiculadas com mais frequência tanto pela Imprensa quanto pelos participantes em redes sociais e pelos coletivos com Mídia Ninja. Ele possui a duração de dois minutos e trinta e sete segundos e além das imagens das telas da sala de crise e do monitoramento de redes sociais feita pelos assessores, o aúdio é do ambiente, sem entrevistas ou texto cobrindo as imagens. Tais características aproximam a produção de Mônica do trabalho realizado por coletivos midiáticos e cidadãos que realizam transmissões ao vivo das ruas. O trabalho da colunista se destaca por fazer visível um novo ângulo da situação, o dos governantes, já que se trata de um espaço de difícil acesso para demais cidadãos e manifestantes. No entanto, o vídeo deixa de aproveitar o momento ao ser veiculado apenas horas depois da captura das imagens, ao contrário das centenas de transmissões ao vivo realizadas pelo coletivo Mídia Ninja, por exemplo.

Considerações A produção de conteúdo audiovisual da TV Folha se mostra pautada pelo formato do programa veiculado na televisão, através do canal TV Cultura. Percebe-se que a produção dos conteúdos audiovisuais é guiada por uma preocupação em termos de multimidialidade, em termos técnicos, ao mesclar imagens internas e externas e ao fazer uso de dispositivos diversos para a captação das imagens. A mobilidade é uma característica presente nas rotinas da TV Folha, como se pode observar através dos vídeos 2 e 3, através do uso do drone e do celular, respectivamente. Mas, sem aproveitar a possibilidade de transmissão ao vivo, já existente antes do surgimento da Internet e das conexões sem fio, a prática se resume à captação de imagens. Não há uma exploração das possibilidades de entradas ao vivo permitidas tanto pela televisão quanto pela internet. Essa limitação de uso das imagens apenas como registros estáticos posteriormente veiculados nos dois meios impede a convergência entre ambos, pois o resultado final do conteúdo produzido se configura apenas como transposição de um mesmo registro de um meio para outro. Um outro aspecto que distancia a produção de conteúdo pela TV Folha das produções colaborativas de conteúdo que ganham espaço pelas redes como um novo nicho de consumo de informações sobre assuntos diversos, refere-se a interatividade. Ao contrário dos canais em redes sociais, como Twitter e Facebook, e até blogs, por exemplo, utilizados por cidadãos e coletivos midiáticos, todo o conteúdo audiovisual da TV Folha é publicado dentro do site da Folha de São Paulo, e veiculado na televisão pela TV Cultura. Nesse caso, não há espaço para a interação dos consumidores com os produtores ou até mesmo entre si. No site da Folha o indivíduo pode recomendar no Facebook e no Google+ as matérias junto com as quais os vídeos são postados, mas não pode comentar. Esse comentário é possibilitado apenas no Youtube, onde o vídeo é publicado. Porém, trata-se de uma possibilidade de interação oferecida pelo Youtube, para qualquer vídeo publicado na plataforma, mas não de um canal de interação proposto pela TV Folha. Nesse sentido, não há uma preocupação, ou mesmo a intenção, por parte da TV Folha, que o consumidor dos

vídeos interaja além do compartilhamento que pode realizar nas redes sociais. De acordo com estudo anterior realizado sobre a convergência entre a televisão e a web (AQUINO BITTENCOURT, 2012), que investigou suas origens, passando pela produção teórica sobre o tema, identificou-se uma série de abordagens sobre o tema. Enquanto algumas privilegiam exclusivamente o caráter técnico de convergência, considerando o fenômeno como a reunião entre de formatos diversos em um único suporte, outras tratam sobre aspectos sociais e culturais do processo. Jenkins (2008) e Castells (2003) são autores que buscam interpretar a convergência como um processo que envolve não só a multimidialidade como uma de suas principais características, mas que trabalha com questões sociais e culturais que perpassam por comportamentos, hábitos e apropriações dos indivíduos, produtores e consumidores de conteúdo, de tecnologias e meios. Dessa forma, com base nesse background teórico anteriormente levantado, destaca-se o papel da interatividade, e da participação e do compartilhamento, como subcategorias da interatividade, para o estabelecimento da convergência. Quanto ao observado sobre a produção da TV Folha, imediatamente percebe-se a ausência de práticas interativas, bem como de participação, ainda que o compartilhamento possa ser realizado através de botões para publicação dos vídeos nas redes sociais. Ainda assim, trata-se de um compartilhamento timidamente permitido e visivelmente pouco, ou quase nada, incentivado. A convergência ocorre no caso da TV Folha, porém exclusivamente no nível técnico do processo de produção das imagens que compõem os vídeos. Não há, por exemplo, uma convergência entre os conteúdos postados no site e os conteúdos veiculados na televisão. Há, certamente, uma transposição de conteúdo, oferecendo ao consumidor a possibilidade de visualização dos conteúdos em suportes diferentes. Não há, por certo, a inserção dos indivíduos receptores e consumidores, no processo de produção desse conteúdo, nem mesmo a abertura de uma espaço para o diálogo sobre os vídeos. Referências AQUINO BITTENCOURT, Maria Clara. Convergência entre Televisão e Web: proposta de categorização analítica. 2012. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 209p. CANNITO, Newton. Televisão na era digital, a – interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo, SP: Summus, 2010. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. ________________. Networks of outrage and hope: social movements in the internet age. Politik. Wiley, 2012. DONATO, Aline ; PUHL, P. R. . A Cultura da Convergência na união entre televisão e web: um

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