AS DETERMINAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

AS DETERMINAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Natália Parizotto

SÃO PAULO 2012

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................3

CAPÍTULO I AS

RELAÇÕES

SOCIAIS

DE

GÊNERO

NA

SOCIEDADE

CONTEMPORÂNEA.............................................................................10

CAPÍTULO II EXPRESSÔES DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO....................................31

CAPÍTULO III AS DETERMINAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO....................................................................49

CONCLUSÃO.......................................................................................63

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................67

ANEXO I...............................................................................................73

INTRODUÇÃO

Este estudo tem por foco a reflexão crítica acerca das expressões da questão social forjadas na situação de violência de gênero, particularmente dos homens contra as mulheres, e instaladas nas relações familiares, na perspectiva da compreensão das determinações sócio-históricas implicadas na produção e reprodução deste tipo de violência. Este estudo tem a análise fundamentada na perspectiva de gênero. Através do estudo de gênero nos aproximamos da compreensão da desigualdade entre homens e mulheres e passamos a entendê-la como fruto das relações sociais na sociedade contemporânea. A criação desta categoria de análise, cunhada por Joan Scott, inaugurou o entendimento de que há uma gramática sexual que é ensinada aos meninos e meninas no seu processo de socialização. Desta forma, como disse Simone de Bevoir, as mulheres não nascem mulheres, mas tornam-se. O mesmo se dá com os homens que aprendem o papel que lhe é “devido” socialmente. Por muito tempo, as diferenças biológicas foram usadas como fundamento para justificar a transformação das diferenças dos gêneros em desigualdade. Aí reside a importância da perspectiva de gênero neste trabalho: ela deflagra como as determinações sócio-históricas operam na composição destas desigualdades. O arcabouço ideológico socialmente desenvolvido para justificar a superioridade masculina é denominado patriarcado. O estudo do patriarcado tem extrema importância neste trabalho, pois permite a compreensão de como as diferenças entre os gêneros são convertidas em desigualdades cujo ápice é a violência doméstica.

A violência de gênero (...) transforma diferentes em desiguais, hierarquiza a desigualdade em superior e inferior, e submete a mulher à força e ao poder do homem. A violência doméstica praticada contra a mulher é um concreto exemplo de violação da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. (GUIMARAES, 2011:5) A partir do momento em que uma hegemonia é instituída, surgem relações permeadas por antagonismo, contradições e complementaridades. O homem, para instituir seu poder passa a oprimir a mulher. É importante notar que se houver a completa supressão do outro, a relação que dá poder ao homem terá se extinguindo. Desta forma, entende-se que há uma correlação de forças entre o homem e a mulher, ou seja, a mulher detém algum poder nessa relação, muito inferior ao dele.

Vivemos em uma sociedade capitalista cuja estrutura assenta-se na extração da mais-valia do trabalhador por parte do capitalista detentor dos meios de produção. Sendo um sistema essencialmente exploratório, o capitalismo tem no patriarcado um grande aliado, visto que este é capaz de legitimar ideologicamente a exploração operada por aquele. O patriarcado legitima que o capitalismo pratique valores salariais mais baixos às mulheres, aumentando a taxa de lucro do empresário. Por outro lado, a ideologia patriarcal super responsabiliza o homem como “chefe da casa” o que lhe imputa a obrigação de prover não apenas o seu sustento, mas o de toda sua família. Dessa forma, ele se sente compelido a trabalhar o máximo que puder, vulnerabilizando suas condições de venda de mão de obra. Ou seja, o homem teme muito mais perder sua posição de trabalho, pois este é seu papel social, ele é o provedor, e deve fazê-lo a qualquer custo, mesmo que seja nas piores condições de trabalho. Alem da questão de gênero, é importante colocar que o vetor de raça / etnia também age como potencializador da opressão de classe. Isto é: na sociedade capitalista no ápice está o homem branco e rico e na outra ponta está a mulher negra e pobre. Dessa forma, pode-se compreender a violência doméstica contemporânea, fruto de uma sociedade capitalista patriarcal, como uma expressão da questão social – objeto de trabalho do assistente social. Compete ao Assistente Social a busca permanente das diferentes manifestações da questão social que emanam de demandas – tanto institucionais quanto advindas da população – nas quais atua na perspectiva da garantia e ampliação dos direitos sociais. A produção teórica, neste sentido, é de extrema importância, pois instrumentaliza a capacidade de analisar e elaborar propostas interventivas às estas demandas, na perspectiva da objetivação do projeto ético político da profissão. Segundo o Projeto Acadêmico do Curso de Serviço Social (2009:20): As bases para a produção de conhecimentos necessários à atualização do arsenal teórico-técnico-operativo da profissão estão no desvendamento da lógica das determinações das novas configurações da questão social, no contexto das profundas transformações que vêm sendo operadas no mundo do trabalho, com amplas repercussões na esfera do Estado, nas novas conformações assumidas pela sociedade civil, assim como nas mudanças no campo da cultura e da subjetividade. Por meio da leitura de Chauí e Rocha podemos compreender como a dicotomização entre espaço público e privado também colabora para que a violência

doméstica opere no âmbito das relações familiares, ainda entendida e protegida como fórum do privado, com poucos canais de publicização e formas de enfrentamento pelo poder público.

A utilização da dicotomia entre espaço público e espaço privado é ideológica, constituindo parte das estratégias que sustentam as relações hierárquicas de dominação, exploração e desigualdade entre homens e mulheres. (...) Para entender a família e a violência doméstica, é necessário superar as posições binárias mencionadas. Não se trata de uma instituição e de uma questão de natureza exclusivamente privada e interpessoal. A família é uma instituição social, perpassada pelas contradições e interesses em luta na sociedade, produto do conjunto de suas determinações, ao mesmo tempo que constitui uma das mediações que contribuem para a reprodução dessas determinações. (ROCHA, 2007: 31) A partir do final da década de 1970 notícias acerca da violência contra mulheres ultrapassaram as paredes das casas e começaram a ganhar espaços públicos. Desde então, começou-se a dar importância para notícias de que mulheres sofriam violência, sobretudo dos seus maridos ou companheiros dentro de suas próprias casas. Diante desta situação, o movimento de mulheres e o feminista iniciaram intensas lutas com resultados importantes, como por exemplo: a Criação do SOS Mulher em 1980, a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo em 1982 seguido pela criação em outros estados e municípios; criação da COJE e de Delegacias da Mulher em 1983, criação do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres em 1985, entre outros. Muitas foram as iniciativas, tanto dos movimentos de mulheres e do feminista, como o de organizações não governamentais voltadas para o público feminino, com vistas a cobrar do Estado políticas públicas voltadas a erradicação da violência contra a mulher. Neste contexto, o Brasil assinou em 1984 a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW, aprovada pela ONU em 1979, e em 1994 assinou a Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que foi ratificada em 1995. Consequentemente, as mulheres inseridas na trajetória de lutas dos movimentos sociais foram construindo marcos de grande importância na questão da violência contra a mulher como a Lei Maria da Penha, aprovada em 2006.

Infelizmente, a maior resistência para a erradicação da violência tem sido o poder ideológico do patriarcado que se reproduz diariamente no cotidiano por meio das relações entre homens e mulheres, homens e homens, e mulheres e mulheres. Seus efeitos são a reprodução da violência, assim como sua naturalização. É um engano pensar que apenas os homens são machistas, visto que as mulheres também são socializadas no mesmo meio que eles. Segundo Toledo (1995: 68): (...) o poder imanado do patriarcalismo não é uma prerrogativa do homem, um poder hegemônico, privilégio apenas do homem, mas tanto a mulher quanto o homem reproduzem esta questão. A violência nesse panorama constitui-se como instrumento para a manutenção do poder e consolidação da superioridade masculina. Ela funciona como controle social, que opera baseado no medo e no controle, o que se acirra diante da ineficácia das políticas públicas e sua baixíssima efetividade frente às relações cotidianas permeadas pela opressão das mulheres. Dessa forma, faz-se urgente o foco sobre a violência domestica, suas raízes e suas expressões para que se possa elaborar propostas sólidas e eficazes para seu combate.

INDAGAÇÃO CENTRAL Quais as determinações sócio históricas da situação de violência de gênero?

OBJETIVO Analisar as determinações sócio-históricas implicadas na produção e reprodução da situação de violência de gênero nas relações familiares.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS  Analisar a construção social dos papéis de gênero imbricado à estrutura de poder e subalternidade  Identificar as diferentes expressões da violência doméstica nas relações familiares;  Analisar as conseqüências para as mulheres em situação de violência doméstica e seus filhos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Pesquisa teórica

A perspectiva teórica adotada é a de gênero, tendo Heleieth Saffioti como uma das principais fontes teóricas, dada sua expressiva produção intelectual nas últimas décadas acerca do tema. A pesquisa foi realizada em textos, livros e artigos acerca de gênero, divisão sexual do trabalho, patriarcado, desigualdade, discriminação, estereótipo, preconceito, ideologia, religião, cultura, poder, violência, espaço do público e privado, destino de gênero e a força ideológica dos papéis de gênero, a naturalização da violência imbricada ao território, o espectro do abandono implícito no legado geracional, a força do fraco, co-dependência, dependência e reciprocidade; sofrimento ético-político e suas manifestações nas doenças psíquicas.

Pesquisa em fontes secundárias

Foram utilizados dados estatísticos, como o Mapa da Violência e a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaço público e privado” realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo. Através dessa pesquisa foi possível comprovar o número expressivo de mulheres que sofrem violência doméstica atualmente. Segundo a pesquisa, 40% das entrevistadas haviam vivido violência e 48% dos homens entrevistados conheciam um agressor. Foi consultada a Lei Nº 11.340, de 7 de Agosto de 2006 (conhecida nacionalmente como Lei Maria da Penha). A utilização de fontes eletrônicas por meio de consulta à internet nos permitiu assistir vídeo aulas referente ao assunto, a utilização de fotos, gráficos e consultas a sites embasados nessa questão.

Pesquisa em fontes empíricas Procedemos à análise de oito entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica. Os dados foram coletados pelos alunos que cursaram o Núcleo Família e Sociedade do curso de Serviço Social, no segundo semestre de 2010, como parte da pesquisa desenvolvida pelas professoras Laisa Regina Di Maio Campos Toledo,

coordenadora do referido Núcleo, e a professora Sueli Gião Pacheco do Amaral, coordenadora do Núcleo de Gênero, Raça/etnia. Foram entrevistadas mulheres que vivem ou já viveram o cotidiano da violência com o companheiro ou ex-companheiro. A condição é que os sujeitos entrevistados já tivessem algum tipo de vínculo com os alunos entrevistadores para facilitar a coleta de dados em base de um relacionamento de confiança, visto que o tema é delicado e causa vergonha e constrangimento. A adesão foi espontânea, todos os entrevistados foram informados sobre o propósito da pesquisa e deram consentimento para a realização e gravação das entrevistas. Instrumento Entrevista semi estruturada, privilegiando: o perfil, o vínculo com o autor da violência, o tipo de violência, o histórico de violência, as situações padrões que desencadeiam na violência, como vê e enfrenta a situação vivida.

Sistematização e análise dos dados da pesquisa empírica A sistematização dos dados coletados foi realizada a partir das categorias teóricas já definidas a partir da pesquisa teórica, sendo elas: destino de gênero e a força ideológica dos papéis de gênero, a naturalização da violência imbricada ao território e o espectro do abandono implícito no legado geracional.

Estrutura do trabalho No capítulo I intitulado: As relações sociais de gênero na sociedade contemporânea - teorizamos acerca de gênero, divisão sexual do trabalho, patriarcado, desigualdade, discriminação, estereótipo, preconceito, ideologia, religião, cultura, poder, violência a fim de tentar esclarecer como se estabelecem os fundamentos da violência domestica

na

sociedade

contemporânea.

A

construção

teórica

se

apoiou

fundamentalmente na perspectiva de gênero desenvolvida por Saffioti e demais pesquisadores como Almeida, Chauí e Toledo. No Capítulo II – Expressões da violência de gênero - apresentamos, a partir dos dados estatísticos da pesquisa da Fundação Perseu Abramos, as várias expressões de violência de gênero, dimensionando a sua visibilidade e incidência em relação ao vínculo, perfil e a violência de gênero na perspectiva do autor da agressão.

No Capítulo III - As determinações sócio históricas da situação de violência de gênero -, procedemos a análise de oito entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica – realizadas pelos alunos do Núcleo Família e Sociedade do curso de Serviço Social em 2010 (Anexo I) – a fim de compreender as determinações sócio-históricas implicadas na produção e reprodução da situação de violência de gênero nas relações familiares. Nas Considerações finais, a partir do processo empreendido nesta pesquisa, refletimos acerca dos desafios na identificação e estudo da violência doméstica, especialmente de suas determinações sócio-históricas, a fim de construir um arcabouço teórico capaz de fundamentar a busca pelas melhores formas de enfrentamento a esta expressão da questão social.

CAPITULO I

AS RELAÇÕES SOCIAIS DE GÊNERO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

GÊNERO

Com o aprofundamento do estudo de relações entre homens e mulheres, foi cunhado o termo gênero que permite compreender o aspecto cultural das denominações feminino e masculino rompendo com a naturalização que se faz a esses papéis. Segundo Scott (2004:1-2):

Gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e mulheres mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo (...) Não podemos ver a diferença sexual a não ser como função de nosso saber sobre o corpo e este saber não é “puro”, não pode ser isolado de suas relações numa ampla gama de contextos discursivos.

Sendo assim, compreende-se que gênero é uma gramática sexual que apresenta regras para a construção do masculino e feminino não necessariamente assimétrico. Estas regras vão sendo desenhadas ao longo da história definindo a formas de viver, o papel social de cada gênero na sociedade. Segundo Saffioti (2004: 58):

Entendido como imagens que as sociedades constroem do masculino e do feminino, não pode haver uma só sociedade sem gênero. A eles corresponde uma certa divisão sexual do trabalho, na medida em que ela se faz obedecendo ao critério de sexo. Isto não implica, todavia, que as atividades socialmente atribuídas às mulheres sejam desvalorizadas em relação às dos homens.

Ou seja, o gênero é traçado pelas práticas sociais permitidas no entendimento daquela sociedade, naquele momento histórico. É o modo como cada gênero age, vive, trabalha, veste-se, consome, relaciona-se etc. Obviamente essas definições estão em movimento constante, alimentadas pelo gênero oposto que se desenha também nesta relação. Não há como pensar o feminino sem pensar no masculino. O gênero é composto por relações históricas, localizadas que concretizam em normas, organizadas e impostas socialmente. Clastres (1988: 75) nos exemplifica tal fato em seu texto O arco e o cesto: …o seu primeiro cuidado, logo que se integra na comunidade dos homens é fabricar para si um arco; de agora em diante membro “produtor” do bando, ele caçará com uma arma feitas por suas próprias mãos e apenas a morte e a velhice o separarão de seu arco. Complementar e paralelo é o destino da mulher.(…) Primeira tarefa do seu novo estado e

marca da sua condição definitiva, ela fabrica seu próprio cesto. E cada um dos dois, o jovem e a jovem, tanto senhores e prisioneiros, um do seu cesto, o outro do seu arco, ascendem dessa forma à idade adulta. Enfim, quando morre um caçador, seu arco e suas flechas são ritualmente queimados, como o é também o último cesto de uma mulher: pois, como símbolos das pessoas, não poderiam sobreviver a elas.

Percebe-se que o gênero é universal, mas a forma como se expressa nas diferentes sociedades varia de acordo com determinantes históricos e temporais. Na sociedade contemporânea urbana ocidental as mulheres não produzem cestos, mas são introduzidas ao longo de sua vida a um arcabouço de regras sociais que desenham seu papel naquela sociedade e implicam em uma conduta específica: há um padrão de beleza, uma padrão de conduta sexual, profissional, familiar, etc. Estas regras permeiam as relações sociais implícita e explicitamente e nem sempre são claras aos sujeitos. Além disso, o fato de serem impostas não exclui a possibilidade de conflito com tais regras. Vale notar que a importância da criação do termo gênero está na possibilidade de explicar a criação destas regras pautadas em fatores sócio-históricos indo além do simples respaldo biológico. Sendo assim, esse termo tornou-se um importante instrumento de ação contra a desigualdade entre gêneros. É importante notar que gênero obrigatoriamente denota diferença, mas este fato não implica em desigualdades. A desvalorização que o gênero feminino sofre em nossa sociedade advém do patriarcado. Essa distinção entre gênero e sexo permite entender que não há nada de natural nas funções e características atribuídas a cada um dos sexos e que, portanto, podem ser transformadas. Pode-se dizer que gênero é definido pela sociedade através de normas e comportamentos tidos como adequados para homens e mulheres. O gênero participa do processo de construção do sujeito, portanto a desigualdade de gênero é construída pela sociedade.

GÊNERO, CLASSE E RAÇA/ ETNIA

Para se entender com mais propriedade o processo de dominação-exploração que subjuga as mulheres na sociedade capitalista, é interessante compreender outros vetores nos quais a mesma dinâmica se reproduz e que estão fundidos com o patriarcado. Segundo o VI Relatório Nacional Brasileiro para o Comitê CEDAW (2008: 188):

No caso das mulheres, os problemas são agravados pela discriminação nas relações de trabalho e a sobrecarga devida às responsabilidades com o trabalho doméstico. Outras variáveis como raça, etnia e situação de pobreza realçam ainda mais as desigualdades. As mulheres vivem mais do que os homens, porém adoecem mais frequentemente. A vulnerabilidade feminina frente a certas doenças e causas de morte está mais relacionada com a situação de discriminação na sociedade do que com fatores biológicos.

As esferas de gênero, classe e de raça/ etnia operam concomitantemente agravando ou suavizando as condições de vida do sujeito. Isso significa que

Os sujeitos sociais integram uma ou outra categoria de gênero, pertencem a uma ou outra classe social e a uma ou outra raça /etnia, simultaneamente e de forma simbiótica, de tal sorte que ao enfocarmos uma destas contradições, automaticamente estarão presentes e atuantes as outras duas (SAFFIOTI apud AMARAL, 2006: 22).

Nestas três esferas há a discriminação, ou seja, a valoração de um grupo em detrimento do outro. Esta composição complexa é muito interessante para o capitalismo porque potencializa a dinâmica de dominação-exploração e facilita o acúmulo de capital. Ou seja, esta prática determina e reproduz um cenário favorável para que os grupos rebaixados não possam assumir posições de igualdade nas relações sociais. Sendo assim, reitera-se a supremacia do homem sobre a mulher; do burguês sobre o proletário e do branco sobre o negro – no Brasil existem outras raças/ etnias discriminadas, mas a mais representativa é a negra. Dessa forma, pode-se averiguar que as variáveis classe e raça/ etnia devem ser consideradas quando se faz um estudo sobre a opressão das mulheres, pois podem aumentar sensivelmente o índice de vulnerabilidade do sujeito.

GÊNERO E PATRIARCADO

Homens e mulheres vivem na sociedade contemporânea sob a égide da divisão sexual do trabalho. Isso significa que são atribuídos a homens e mulheres atividades de natureza específica para garantir a reprodução da vida social. Ao contrário do que geralmente acredita-se, a divisão sexual do trabalho na antiguidade não designava obrigatoriamente aos homens a caça e às mulheres a coleta ou agricultura. Há registros de tribos onde as mulheres, inclusive grávidas eram as

responsáveis pela caça. Segundo Saffioti, é muito provável que as mães que amamentavam seus bebês os levavam junto ao peito ou nas costas e no momento da caça o choro das crianças afastava os animais. Sendo assim, crê-se que as mulheres passaram a desenvolver as atividades de coleta e agricultura e os homens passaram a caçar. Começou a haver a domesticação das mulheres e o acesso ao espaço público apenas aos homens. É importante notar que ainda nesse momento não havia desvalorização das atividades do gênero feminino, é delimitado apenas o que diz respeito a cada um. Segundo Barroco (2008: 3):

...as sociedades primitivas viveram outras formas de relacionamento de gênero. Por outro lado, a divisão sexual do trabalho (primeira forma de divisão social do trabalho) não derivava de necessidades de poder, mas de necessidades objetivas decorrentes das diferenças biológicas entre os sexos em face da caça e da maternidade.

Com o desenvolvimento das atividades produtivas e do comercio os homens passaram a ser responsáveis pelas atividades produtivas, ou seja, tudo que é ligado ao mercado, e as mulheres ficaram responsáveis pelo trabalho reprodutivo, tudo que é feito para uso e consumo próprio e a reprodução da família. Ou seja, as atividades que o homem faz são vendidas no mercado, já as que a mulher desenvolve não são. Teve-se início a opressão das mulheres. Segundo a cartilha do Coletivo Feminista Yabá (2011:6):

A dependência financeira das mulheres, gerada pela divisão sexual do trabalho, é a grande geradora de outras formas de opressão nas relações particulares, tais como a violência doméstica, a restrição à liberdade e a falta de autonomia sobre seus corpos.

Obviamente para que um homem trabalhe é necessário que tenha roupas limpas e comida à mesa etc., ou seja, o trabalho de reprodução que a mulher faz está imputado no trabalho que o homem vende, porém ela não se apropria da riqueza que gerou. Por essa razão Engels (2008: 3) afirma que:

O primeiro antagonismo de classe que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia, e a primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo masculino.

Para entender melhor como se deu a opressão das mulheres é preciso entender o conceito de patriarcado. Três fenômenos foram decisivos para a constituição do patriarcado.

O primeiro deles foi a evolução das forças produtivas e consequentemente da produção de excedente econômico. Quando começou a haver acúmulo de riquezas veio à pauta a gestão de bens e herança. Barroco (2008: 2-3) diz que:

Segundo Engels, a conversão das riquezas em propriedade particular das famílias significou a desestruturação da genes baseada no matriarcado e na família sindiásmica. Antes, a divisão do trabalho no interior da família dava ao homem a responsabilidade de procurar alimentos e instrumentos de trabalho, que passavam a ser de sua propriedade, em caso de separação, à mulher cabendo os utensílios domésticos. No entanto a propriedade que cabia ao homem não podia ser deixada de herança, pois a descendência era contada a partir da mãe. Os bens deveriam ficar dentro da genes; logo, em caso de morte, os parentes da mãe e os filhos (por linhagem materna) recebiam a herança. Na medida em que os filhos não pertencem à genes do pai, não recebiam a herança paterna que ficava na genes do pai, para os parentes.

O segundo fator foi a sedentarização dos povos. Nesse período ocorreu o domínio da agricultura e a criação de animais. O acasalamento dos animais foi observado e compreendido pelos humanos. Com esse entendimento as mulheres foram destituídas do papel quase divino de gerar novos seres e alimentá-los. Os homens perceberam-se como parte imprescindível da reprodução. Segundo relatos de Maurice Godelier (apud SAFFIOTI, 2004: 59), o povo Baruia, habitante da Nova Guiné, tem por costume servir aos jovens adolescentes do sexo masculino sêmen para que sejam iniciados à vida adulta. Nestes casos torna-se taxativo como a importância da participação do homem na atividade reprodutiva foi capaz de conferir-lhe poder traduzido através de simbologias que configuram seus ritos. Este foi o terceiro fator: o sistema simbólico construído pelos homens para lhe atribuir prestígio e desvalorizar a mulher foi definitivo para a instituição do patriarcado. A agricultura é uma atividade de característica repetitiva e rotineira, a caça, ao contrario, é caracterizada pela ação pontual, explosiva. Sendo assim, a divisão sexual do trabalho conferiu ao homem mais tempo livre, este foi utilizado para o exercício da criatividade e consequentemente para a implantação de um regime de dominaçãoexploração das mulheres. A cultura do povo Baruia institui que o sêmen é o único responsável pela geração de uma nova vida e também pela produção de leite pela mãe. Apenas sorvendo-o os meninos poderiam tornar-se definitivamente superiores às meninas e mulheres, tornando-se um homem.

A desigualdade, longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais (SAFFIOTI, 2004:71).

Percebe-se, dessa forma, que o patriarcado

...refere-se especificamente a sujeição da mulher, e que singulariza a forma de direito político que todos os homens exercem pelo fato de serem homens (PATEMAN apud SAFFIOTI, 2004:55).

É muito importante compreender que o patriarcado combina-se muito bem com o capitalismo pois assegura uma organização social propícia ao acúmulo do capital, a propriedade privada e a gestão de herança. Neste panorama a mulher passou a ser mais uma propriedade. Sua sexualidade passou a servir ao homem para lhe gerar filhos que lhe seriam braços úteis à produção, dar-lhe prazer e garantir a manutenção da herança dentro da linha paterna. Para assegurar este terceiro ponto tornou-se mister controlar mais profundamente o corpo da mulher: surge a obrigatoriedade da virgindade e da monogamia feminina. Assim como o gênero, o patriarcado pode ser considerado universal, variando de acordo com a sociedade em que se manifesta. Jessop (2007: 189), uma mulher americana que conseguiu fugir com seus oito filhos de uma comunidade fundamentalista Mórmon na qual participava de um casamento poligâmico conta-nos que

Esposas sempre faziam brincadeiras sobre tornarem-se a esposa favorita e deter o máximo poder que pudessem dentro da família. Em nossa família eu tinha alguma proteção, porque as outras esposas sabiam que Merril gostava de fazer sexo comigo (tradução livre).

Apesar de ser um fenômeno universal e naturalizado, é essencial não perder de vista que o patriarcado é um evento relativamente novo na história da humanidade – toma cerca de sete mil anos dos cerca de trezentos mil que datam o início dos povos – cujo fundamento é de caráter sócio-histórico pautado por sujeitos que mantêm entre si relações de poder desiguais em detrimento da mulher. Há uma naturalização das atribuições sociais, baseando-se nas diferenças biológicas. Apesar da diferença entre os gêneros, é através do patriarcado que se apresenta a desigualdade que permeia todos os espaços da sociedade: no mercado de trabalho, no acesso aos direitos, informação, justiça, cidadania, etc.

Muitas vezes pode-se pensar que as “super-mulheres”, as “mães sem as quais ninguém sobrevive” são modos de resistência ao patriarcado. Engano. Como afirma Chauí (1985: 47)

...as mulheres estão impedidas de liberdade pela própria definição de seu lugar social e cultural, pois sua subjetividade tem a estranha peculiaridade de colocá-las dependentes. (...) Definida como esposa, mãe e filha (ao contrario dos homens, para os quais ser marido, pai e filho é algo que acontece apenas), são definidas como seres para os outros e não como seres com os outros.

Quando a mulher detém proeminência devido a necessidade que os outros indivíduos sentem dela, nada mais faz do que legitimar o regime patriarcal no qual seu valor está em ser para o outro e nunca para si mesma. A “super mãe” recebe o adjetivo “super” pelo trabalho que desenvolve como mãe, como cuidadora, não como sujeito protagonizando sua vida. Outro engano pode ser cometido ao entender como poder matriarcal o poder que a mãe exerce sobre seus filhos. Não é preciso que o patriarca esteja em cena para exercer seu poder, ele pode ser designado à mãe por ventura de sua ausência. Ela evoca a autoridade do pai, em sua impotência, e se torna cúmplice dele, perpetuando o regime. No exemplo que segue, Jessop (2007: 135) narra a relação que vivia com a “esposa preferida” em seu casamento poligâmico, momentos antes de uma viagem de família:

Barbara marchou para dentro da cozinha e disse em sua forma autoritária: "Que tipo de decisões você estão fazendo, meninas, para alimentar as crianças? Quais são os planos quanto às roupa das crianças?" Nenhuma das nossas respostas foi satisfatória. "O pai (o marido) me deu a função de gerenciar o que vocês estão fazendo pra que fiquem da maneira que ele prefere. É claro que nenhuma de vocês está em harmonia com ele pois se estivesse teriam verificado comigo antes de começar este projeto” (tradução livre) Além de o patriarcado fomentar a guerra entre as mulheres, funciona como uma engrenagem quase automática, pois pode ser acionada por qualquer um, inclusive por mulheres. (SAFFIOTI, 2004:101).

Neste contexto, entender o que é patriarcado também é necessário para entender o exercício da autoridade dentro da ideologia machista. Saffioti (2004:57) explica:

no exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio.

O conceito de patriarcado refere-se a dominação-exploração das mulheres pelos homens. Assim o ambiente familiar é regido por hierarquias onde se consideram normal e natural que os maridos maltratem suas esposas enquanto os dois maltratam seus filhos. Dá-se então a legitimação e ratificação da pedagogia da violência. O machismo respalda-se no medo e no controle. Muitas vezes este mecanismo passa despercebido, pois suas manifestações são entendidas erroneamente como respeito, consideração etc. encobertos pelas dinâmicas sociais. É necessário estar atendo às sutilezas através das quais o patriarcado se apresenta o que dificulta identificá-lo, estudá-lo e consequentemente combatê-lo. A medica egípcia El Saadawi (2002: 33) relata que nas sociedades árabes muçulmanas

As meninas são criadas numa atmosfera de precaução e medo, criando-se um tabu em torno do contato ou exposição de suas partes genitais. Assim, toda vez que uma menina manipular seu órgão sexual, naqueles movimentos exploratórios tão normais e saudáveis, pois consistem em sua forma de adquirir conhecimento, haverá um pai ou uma mãe vigilante cuja reação imediata será a de bater bruscamente na mão da criança. Algumas vezes essa menina é surpreendida por um tapa no rosto...

O entendimento dos aspectos acima mencionados é essencial para a compreensão de que não é possível haver a conciliação de interesses numa sociedade patriarcal. Homens e mulheres vivem uma relação contraditória na qual o vetor de dominação só pode ser superado pela transformação da desigualdade para benefício de ambos os gêneros.Vale notar que o machismo prejudica tanto homens quanto mulheres, sendo o saldo negativo maior para as mulheres. As mulheres são “amputadas”, sobretudo no desenvolvimento e uso da razão e no exercício do poder. Elas são socializadas para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos, apaziguadores. Os homens, ao contrario, são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas, que revelem força e coragem (SAFFIOTI, 2004: 35). Os homens chegam a suprimir toda a gama de emoções, necessidades e possibilidades, tais como o prazer de se cuidar os outros, a receptividade, a empatia e a compaixão, experimentados como inconsistentes com o poder masculino (FONSECA apud TOLEDO, 2007:7).

Esses “amputações” são indesejáveis para ambos os gêneros pois encerram as possibilidades destes indivíduos desenvolverem suas potencialidades. Em muitos casos de violência doméstica contra mulheres, os agressores encontravam-se desempregados há muito tempo e sofriam um profundo sentimento de impotência por não poderem protagonizar o papel de provedor familiar que lhes foi conferido.

PODER E VIOLÊNCIA

Tomando-se pode referência Foucalt, entende-se poder como uma correlação de forças que perpassa toda a sociedade atravessando as relações sociais. O poder flui em rede, ou seja, quando as pessoas se relacionam estão exercendo poder e sofrendo sua ação. Ninguém é imune ao poder ou apenas um emissor dele. O poder nunca está absolutamente nas mãos de uma pessoa ou de um grupo, mas na verdade encontra-se em movimento. É verdade que o poder circula muito mais entre os homens do que entre as mulheres, mas é equivocado pensar que as mulheres não detêm nenhum poder.

A relação de dominação-exploração não presume o total esmagamento da personagem que figura no polo de dominada-explorada. Ao contrário, integra esta relação de maneira constitutiva a necessidade de preservação da figura subalterna. Sua subalternidade, contudo, não significa ausência absoluta de poder. Com efeito, nos dois pólos da relação existe poder, ainda que em doses tremendamente desiguais (SAFFIOTI apud AMARAL, 2006: p. 25-26).

Quando o poder não é partilhado igualmente entre os sujeitos surgem as desigualdades. A discriminação e a opressão. Como foi explicada anteriormente, a discriminação opera por três veios: gênero, classe e raça /etnia e é legitimada pela ideologia. … a explicação da subordinação das mulheres não se apóia nas diferenças físicas ou biológicas que conformam uma anatomia de mulher ou de homem, conforme insistiam aqueles que afirmavam a existência de uma natureza masculina superior e de uma natureza feminina incompleta, frágil e, portanto, inferior. Na realidade, a explicação da subordinação das mulheres aponta para o valor simbólico que a cultura atribuiu a essas diferenças colocando no masculino e no feminino qualidades que, além de diferenciadas, embasam discriminações e fundamentam relações de poder. Compreender a relações de gênero é considerar como se constituem as relações entre homens e mulheres face à distribuição de poder (BARSTED, 2001).

Chauí (1985: 35) concebe violência como a

Conversão de uma diferença e de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins de dominação, de exploração e de opressão. Isto é, a conversão dos diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e inferior. Em segundo lugar, como a ação que trata um ser humano não como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência.

Dessa forma, pode-se compreender como o patriarcado é uma forma de violência, pois resulta em dominação, exploração e opressão das mulheres pelos homens. Sendo assim, estabelece-se uma relação fundamental de desigualdade onde parece ser natural que as mulheres sejam espoliadas da riqueza que produzem através do seu trabalho, tenham seu corpo transformado em um objeto para reprodução da vida e prazer dos homens, enfim, sejam treinadas para exercer o lado mais sombrio do poder: a impotência. Os homens, em contrapartida, são socializados para exercer o outro lado do poder: a potência. O gênero masculino é preparado para o exercício do poder e, portanto, convive muito mal com a impotência. Além de serem socializados a serem agressores, na maioria das vezes agem de forma violenta para que não haja deslegitimação do poder exercido pelo homem. Quando ele se sente desrespeitado, logo corrige as posturas que podem tirá-lo da condição superior que exerce. Os machistas jamais podem protagonizar a situação de impotência ou minimização.

Acredita-se ser no momento da vivência da impotência que os homens praticam atos violentos, estabelecendo relações deste tipo. (SAFFIOTI, 2004: 84)

Ou seja, a sociedade patriarcal legitima o poder do homem e sua devida implementação. Quando ele não consegue exercer este papel por estar numa situação de impotência desenha-se um dos cenários mais comuns que antevêem a violência doméstica. Dentro do panorama apresentado acima sobre gênero e patriarcado tendo como pano de fundo o capitalismo, é possível entender em que contexto histórico, como e porque as relações de poder se estabelecem. Logo temos as relações violentas, conseqüências do sistema patriarcal e capitalista em que vivemos. A violência é um ato de constrangimento que consiste em fazer com que determinada realidade opere sob uma ação de força externa contrária a natureza. Atos violentos são formas de legitimação do poder. Logo a aceitação da violência como “não-violência” é uma arma nas mãos da ideologia dominante, visto que há uma naturalização das determinações sociais e históricas. O machismo, o modelo de estrutura social, já é um tipo de violência contra a mulher, pois a coloca em uma posição inferior em relação aos homens.

O papel de provedor das necessidades materiais da família é, sem dúvida, o mais definidor da masculinidade. Perdido este status, o homem se sente atingido em sua própria virilidade, assistindo à subversão da hierarquia domestica (SAFFIOTI, 2004: p 84-85).

Partindo do pressuposto de poder como uma correlação de forças, violência, consequentemente, é entendida como uma situação relacional que pressupõe atores inscritos dentro de determinações socio-históricas particulares. Essa perspectiva insere a mulher como um dos protagonistas desta relação superando o antagonismo reducionista que a coloca no papel passivo de vítima. O subalterno constitui ativamente uma das partes da relação de dominação-exploração.

...a subalternidade não é uma via de mão única: é antes uma dinâmica plena de antagonismos e complementariedades, sem a qual não se poderia reconhecer a própria condição do subalterno e de quem subalterniza. Nesse sentido a mulher também complementa e é sujeito dessa questão tanto quanto o homem (TOLEDO, 1995:66).

No senso comum, violência é entendida como a ruptura de diferentes tipos de integridade: física, sexual, emocional e moral. O uso deste conceito é discutível, pois abre margem para variações do limite da integridade para cada indivíduo. Será dada preferência para o conceito de violência articulado aos direitos humanos, sendo “todo agenciamento capaz de violá-los” (SAFFIOTI, 2006: 76). Em 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas das Formas de Discriminação contra as Mulheres - o primeiro instrumento internacional de direitos humanos especificamente voltado para a proteção das mulheres - constituiu discriminação contra as mulheres como: … toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdade, fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural, civil ou em qualquer campo.

A partir dessa perspectiva torna-se mais claro porque a violência contra a mulher é muito ampla e pode ser definida tanto pela ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, moral ou patrimonial. Este tipo de violência não está restrito à espaços privados, como o lar, e pode ocorrer em espaços públicos.

Vale ressaltar a diferença da violência que geralmente acontece com homens e com mulheres. A violência que ocorre com os homens geralmente se dá em ambientes públicos, é pontual, tem testemunhas e não se conhece o agressor. No caso das mulheres, a violência se dá, em sua maioria, no ambiente doméstico, não há testemunhas, ela é cotidiana, sistemática e têm laços de afetividade com o agressor. Segundo a cartilha do Centro de Referência da Mulher Inês Israel dos Santos, em Itapecerica da Serra, no Brasil de 53% a 70% dos agressores contra mulheres são marido, parceiro, ex-marido, ex-companheiro, ex-namorado. Por todos os fatores elencados nesse capítulo, pode-se enfim compreender a complexidade da situação de violência de gênero contra a mulher. Ela tem início no processo de socialização, quando é ensinado que a mulher é secundária e impotente e se desdobra ao longo da vida culminando em episódios de espancamento, estupro, cárcere privado, morte etc. Também é válido compreender como esse processo está inscrito em uma sociedade capitalista na qual meios de opressão de gênero, classe e raça /etnia validam e mantêm a ordem econômica e política que vivemos.

DESIGUALDADES: DISCRIMINAÇÃO, ESTEREÓTIPOS E PRECONCEITOS

A discriminação, estereótipos e preconceitos têm em sua gênese preceitos religiosos, senso moral e segmentos que legitimam os mecanismos do sistema societário vigente. A cultura judaico-cristã tem a figura do homem baseada na imagem e semelhança de Deus, o Criador, enquanto a mulher tem sua figura baseada em Eva, aquela que induziu o homem ao erro, que foi criada da costela de Adão para que pudesse ser companheira dele. Na Idade Média mulheres consideradas “castas”, tinham que ter o comportamento adequado segundo os preceitos da igreja. A sexualidade feminina era ocultada: a mulher não podia se tocar e até mesmo conhecer seu próprio corpo porque não podiam experimentar o prazer, “pecado”. A figura feminina devia ser monogâmica, fiel e casta. Na sociedade contemporânea ainda há reprodução desses pensamentos que estabelecem um modelo de mulher que são “boas para casar”, aquelas que possuem comportamento submisso, obediente, bondoso e de preferência são moças virgens.

Uns dos fatores culminantes para a violência contra a mulher é a construção social que a discrimina, julga pelas formas de comportamentos não “adequados”, e as coloca num patamar inferior por ser o “sexo fraco e sensível”. A história das mulheres na sociedade patriarcal é marcada pela discriminação decorrente de padrões culturais pré-estabelecidos pela mesma. O ato da discriminação é uma ação deliberada que exclui segmentos sociais do exercício de direitos humanos. É segregar, isolar, desconsiderar. Esse conceito difere-se do preconceito, porém podem ser considerados similares já que a discriminação é a exteriorização do preconceito. O preconceito é formado por conceitos tidos como verdadeiros sobre determinado lugar ou pessoa, onde se manifestam falta de aceitação ou desconfiança diante conceitos diferentes daqueles tidos como verdadeiros. O preconceito que as mulheres sofrem, pode ser visto em todos os campos da vida social onde possuem o intuito de fortalecer a idéia de inferioridade da mulher, pautada em estereótipos de submissão e fragilidade, de acordo com o ideário patriarcal. De tal forma, se comportamentos e idéias são desenvolvidas por uma sociedade patriarcal, logo o pensamento de homens e mulheres passam concordar culturalmente com os segmentos patriarcais, tais como o desempenho masculino está vinculado à virilidade, agressividade e o feminino a fragilidade, doçura e sedução. Padrões esperados de comportamentos geram estereótipos que passam ser a referência conhecida, o modelo dominante. Portanto, estereótipo é um conjunto de idéias prontas sobre pessoas, lugares ou objetos sem uma análise dos elementos que o compõem. Portanto, esse sistema de preconceitos e estereótipos permeia todas as relações sociais, estabelecendo diferenças entre seres humanos, negando os direitos fundamentais e gerando conflitos. Isso acarreta prejuízos facilmente percebidos como a perda do respeito humano, restrição à liberdade, ênfase na desigualdade, manutenção da discriminação e promoção da injustiça. Assim, mulheres vivem e quase sempre viveram em relação de subordinação. Tais pensamentos incutidos enfatizam as desigualdades entre os gêneros, tidas como naturais pela sociedade, imbuídos de preconceitos que por sua vez justificam atos violentos e a discriminação contra a mulher. A este respeito Pimentel (1987:37) afirma que:

É inaceitável a utilização de argumentos baseados em preconceitos sociais e estereótipos de gênero que busquem qualificar a vitima como responsável por ato premeditado de seu agressor, o qual, ao que parece, não possuía recursos emocionais suficientes para lidar com a situação do rompimento amoroso, valendose do mais antigo, cruel e machista dos métodos de superação de sua frustração.

Tendo o gênero masculino como centro de referência na sociedade em que vivemos torna-se difícil as mulheres perceberem o papel subordinado que lhes foi atribuído pela ordem social. Portanto, a dificuldade de aceitação da igualdade entre homens e mulheres, entre outras questões, é decorrente da dicotomia entre público e privado, onde em casos de violência ocorridos dentro de casa ou num ambiente particular não pode haver interferência externa. Isto está sendo mudado graças às insistentes lutas feministas que tem o intuito de alcançar a igualdade social entre os gêneros. Tal acontecimento merece, de fato, um tratamento aguçado já explicitado anteriormente no que se refere a criação de uma defesa específica para a mulher, já que a mesma sofreu e sofre com as desigualdades sociais decorrentes das práticas machistas e patriarcais ocultadas pela ideologia que é fruto da manutenção do sistema econômico-social vigente.

IDEOLOGIA DO PATRIARCADO

Como já foi dito anteriormente o patriarcado é complementar ao capitalismo, pois o trabalho reprodutivo das mulheres está imputado no trabalho produtivo que o homem comercializa, gerando lucro para a parte favorecida. Além disso, a mulher é capaz de reproduzir a vida, gerando mais trabalhadores. Dessa forma, pode-se dizer que o patriarcado potencializa o capitalismo. Ele legitima o acúmulo de bens, a propriedade privada e o gerenciamento de propriedade. O capitalismo e o patriarcado separados produzem consequências muito ruins para a sociedade, e juntos são capazes de aprofundar e complexificar suas consequências. Para que sejam suportados juntos, é necessário que seja criado um arcabouço ideológico capaz de sedimentar valores e normas, vulgarmente conhecidos como senso comum, que permita a legitimação e reprodução desta ordem. Em uma sociedade que sempre teve o homem como referência de fortaleza, de poder, de um ser com posicionamento racional, ligado ao campo social, político ou produtivo tem a visão da mulher como um ser submisso e complementar.

Contudo, a busca da igualdade entre os gêneros sofre resistências pelo fato das mulheres sempre terem vivido numa cultura que coloca o homem no centro, o que as faz pensar da mesma maneira, pois que a elas assim foi ensinado. Sílvia Pimentel (1987:160) explica:

[...] sempre interessou à sociedade manter a mulher numa situação de alienação. Para isso, vale-se não só de um conjunto de normas morais, jurídicas, religiosas, mas também de crenças, preconceitos e valores que são inculcados de tal maneira

O PATRIARCADO NA RELIGIÃO

Muitas vezes crê-se que a religião é o grande órgão ditador das regras sociais, mas El Saadawi (2007: 100-101) é taxativa ao dizer que as religiões, tanto muçulmana quanto a cristã, são capazes de fazer muitas concessões, às vezes contraditórias, para atender às necessidades econômicas. Crê-se que a religião tenha o papel de legitimador, mas não de definidor desta ou daquela prática social. Segundo a autora:

Os princípios e as posições parecem variar muito mais em razão das estruturas socioeconômicas das nações do que pela religião em vigor. Isso se torna evidente na maneira com que a Igreja Cristã mudou radicalmente sua posição em relação a muitos assuntos. (…) As autoridades religiosas muçulmanas (…) afirmam categoricamente que o Islamismo aprova o planejamento familiar e até mesmo o aborto; outras se mantêm firmes na posição de que o Islamismo não só condena o aborto, mas também a utilização de anticoncepcionais.(...) No que toca a essência do Islamismo, não há nada no Alcorão que defenda ou contradiga o controle da natalidade ou as medidas anticoncepcionais .

Conforme El-Saadawi (2007), o crescimento populacional é uma preocupação do Estado, visto que a economia é sua propulsora e este fator interfere diretamente em seu bom funcionamento. As políticas públicas relativas à natalidade tendem a ser as mais permissivas em países com baixos índices populacionais - como a Suécia, por exemplo – e mais repressivas em países superpopulosos, como a Índia e o Egito. Como a reprodução acontece exclusivamente no corpo da mulher, sua sexualidade passou a ser alvo do controle de natalidade. A circuncisão feminina surgiu neste cenário como uma das formas mais eficazes de controlar-se a sexualidade da mulher. Existem tipos diferentes de circuncisão, mas

em todos os casos há duas consequencias obrigatórias: a perda do prazer na relação sexual pela mulher e o fechamento do canal vaginal permitindo-se apenas a saída de fluidos corporais. Estas duas conseqüências garantem ao homem a certeza de que a mulher não terá relações com outro homem porque esta não desejará e também porque não terá possibilidades concretas de fazê-lo, visto que o canal foi fechado. Essa é a maior prova de que o corpo da mulher foi reificado, tornando-se propriedade privada de um homem. O controle sobre a sexualidade deste corpo permite ao homem ter certeza de que só ele “fará uso” de seu bem e de que todos os herdeiros gerados serão seus filhos legítimos. No trecho que segue, El-Saadawi (2007: 69) conta como se dá um dos tipos de circuncisão feminina, chamada “circuncisão sudanesa”

...se faz a extirpação do clitóris e dos lábios externos e internos, e fecha-se a abertura vaginal com uma tira de intestino de ovelha, deixando-se apenas um pequeno orifício que mal permite introdução de um dedo, suficiente apenas para a passagem do fluxo menstrual e urinário. Essa abertura é cortada por ocasião do casamento, sendo aumentada ao ponto de permitir a penetração do órgão sexual masculino. É novamente aumentada durante o parto, sendo, em seguida, estreitada. O fechamento quase que completo do orifício é efetuado em mulheres divorciadas, que praticamente tornam-se virgens novamente, impedido-as de manter qualquer relacionamento sexual, exceto na eventualidade de outro matrimônio, quando se faz nova restauração.

O relato acima demonstra com clareza como o corpo da mulher é reificado sendo costurado e descosturado para que se conforme ao papel que lhe foi estipulado naquele momento: virgem, esposa, mãe ou divorciada. Segundo El-Saadawi (2007) é um engano acreditar que a circuncisão feminina é uma tradição apenas muçulmana ou apenas de religiões monoteístas. Ela já foi praticada por diferentes religiões do Ocidente e Oriente com os mais diversos fundos religiosos, podendo ser Cristão, Islâmicos e até ateu. Aconteceu na Europa até o séc. XIX e acontece na África (Egito, Sudão, Somália, Quênia, Etiópia, Tanzânia, Quênia, Ghana, Guiné e Nigéria, por exemplo), na Ásia (Sri Lanka e Indonésia, por exemplo) e na América Latina. No esforço de provar que as tradição religiosa tem fundamentos em fatores econômicos, a autora conta-nos sobre uma pesquisa a cerca dos “bosquímanos” do deserto do Kalahari que desvelou a submissão do comportamento sexual em relação às necessidades econômicas:

Os bosquímanos vivem em pequenos grupos familiares, ao redor de um limitado número de poços que mal satisfazem suas necessidades. As leis que regem seu

comportamento sexual são extremamente rigorosas, sendo as relações extraconjugais estritamente proibidas. A razão para tanta severidade é o fato de não desejarem mais crianças, e sabe-se que, em muitas ocasiões, eles cometem infanticídio com o nascimento do segundo filho (EL-SAADAWI, 2007: 120).

Sendo assim, percebe-se que a religião funciona como um meio e não como um fim nesse processo. Ela dá-se ao papel de legitimar ideologicamente as práticas que se harmonizam melhor com as necessidades econômicas vigentes. Segundo Chauí (1985: 29): No início da Idade Média, (…) a atitude com relação à sexualidade era extremamente variada, segundo as necessidades locais e, sobretudo, do ponto de vista das classes sociais. Enquanto não houve necessidade de dinastias e linhagens, a Igreja defendeu, para as classes dominantes, o “casamento casto”, isto é, sem relações sexuais, ao mesmo tempo em que permitia a relação sexual pré-nupcial para as classes camponesas porque nestas a necessidade de mão-de-obra tornava a fertilidade condição do casamento, a relação sexual anterior ao casamento sendo indispensável para o “teste” de fertilidade.

A cultura judaico-cristã produziu um complexo sistema simbólico que reitera a dominação do homem sobre a mulher, que recebe a ordem de ser submissa. Segundo Paiva (1993), no livro dos Esplendores da tradição esotérica judaica conta-se que havia uma mulher antes de Eva. Lilith foi criada do mesmo barro que Adão e se recusava a ser submissa a ele. Ela questionava por que deveria se posicionar sempre por baixo de Adão no ato sexual. Dizia que não havia razão para supremacia dele, visto que eram feitos da mesma substância. Adão não abriu mão de sua hegemonia e ela se rebelou contra ele, afastando-se. Adão, triste e só, pediu a Deus para que a rebeldia de Lilith terminasse. O Criador enviou um batalhão de anjos para convencê-la, mas não obtiveram êxito. Deus, então, decidiu condená-la a comer todos os filhos que gerasse e criou para Adão uma mulher. Esta foi feita de sua costela, já em situação de submissão. Eva, por sua vez, comeu o fruto proibido e incitou Adão para que também o fizesse. Sendo assim temos, nessa tradição duas figuras masculinas: um Deus, Pai Todo Poderoso, Criador, Legislador, e Adão criado como sua imagem e semelhança. E também duas figuras femininas: Lilith, rebelde que é severamente punida, e Eva, que é naturalmente submissa, desobediente, curiosa e causadora da expulsão do casal do Paraíso. Com o advento do nascimento de Cristo é criado mais um arquétipo: o de Maria, mãe misteriosamente virgem, cuidadora e bondosa.

Vê-se dessa forma sendo desenhados os três papéis possíveis para uma mulher na sociedade: a rebelde, que deverá ser severamente punida; a pecadora e a mãe virgem cuidadora. Não é á toa que ainda convivamos com a prática vulgar de separar as mulheres que são ou não “pra casar”. Usualmente as mulheres “boas pra casar” são moças virgens, bondosas, obedientes e submissas.

OUTROS ASPECTOS DA CULTURA

Além da religião há uma série de outros aspectos da cultura que legitimam o machismo como a publicidade, a música, as novelas, o cinema, o meio editorial (jornais e revistas) etc. De uma forma geral, é sempre reiterado o papel secundário da mulher cabendolhe as atividades de reprodução familiar ou o papel de objeto sexual. Seguem alguns exemplos: No primeiro caso de publicidade, abaixo, a mulher aparece cuidando de sua família quando surge a “Neura”, seu duplo que não consegue se desligar das obrigações domésticas e tenta convencê-la a fazer uma faxina. A protagonista argumenta, dizendo que, com o auxílio do novo produto, já conseguiu acabar as suas tarefas e pode desfrutar do lazer de estar com seu filho. Três pontos são muito importantes nesta análise: a mulher é responsável pelas tarefas domésticas, e só após seu cumprimento poderá desfrutar de algum tempo para si, o que implica que o lazer da mulher não trata de suas próprias necessidade e prazeres. Como diria Chauí, a mulher não existe com o outro, mas para o outro, logo, o lazer da mulher é cuidar de seu filho.

É importante colocar que não se faz a crítica ao tempo que as mães desfrutam com seus filhos, mas apenas à ausência de tempo em que passam desfrutando de prazeres pessoais, circunscritos em seu universo particular.

O mesmo pode ser dito dos cuidados com beleza: não há nenhum problema em uma mulher cuidar de sua aparência, mas é muito grave o entendimento destas atividades como o momento de lazer da mulher. O segundo problema está na obsessão em atender às expectativas do outro, do gênero masculino. A mulher tem sua aparência como mais uma tarefa de se fazer agradável ao homem. No exemplo que segue, há uma peça publicitária disponível no site da empresa Emporium Baño(2011) no qual se sugere que a mulher viva um momento de prazer ao tomar banho e hidratar-se:

O banho pode ser um momento de prazer e de cuidar de sua beleza. Basta adicionar ingredientes como esfoliante corporal, bucha vegetal, óleos corporais, sabonetes líquidos cremosos, aromas diversos e incorporar massagens. É bastante importante e prazeroso também hidratar a pele após o banho.

Segundo El-Saadawi (2002:76), nas sociedades muçulmanas ocorre um fenômeno muito semelhante à sociedade judaico-cristã:

Uma menina é precocemente treinada a se preocupar inteiramente com a aparência de seu corpo, os cabelos, as pestanas, as roupas em detrimento de sua evolução mental e de seu futuro como ser humano. As árabes são educadas para o papel do casamento, função suprema da mulher dentro da sociedade, enquanto o saber, o trabalho, a carreira, são consideradas questões secundárias...

Ou seja, quando a mulher tem tempo livre deve usá-lo para fins de usufruto de outrem: seja da família, seja do homem amante. Ainda na publicidade existem exemplos mais tênues – e por isso mais perigosos – da reiteração da mulher no papel de reprodução familiar: quando a mãe surge em cena, está na cozinha; quando o pai surge, chegou do trabalho. No exemplo que segue vê-se esta dinâmica uma propaganda de automóvel:

Além disso, encontramos muitos exemplos do corpo da mulher sendo usado como objeto para vender os mais diversos tipos de produtos: cerveja, cigarro, automóveis até festas universitárias. Seguem o exemplo da publicidade da cerveja Antártica:

Abaixo, o flyer da festa universitária “Cabaret” e a seguir as fotos da festa, na qual as mulheres se vestem de prostitutas e os homens de cafetão.

Fonte:http://solteagravata.com/2011/08/30/fotos-cabaret-2011-direitopuc/

Podemos perceber que é reiterado que ao gênero feminino cabe os papéis de reprodução familiar ou objeto sexual.

CAPÍTULO II EXPRESSÕES DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Este capítulo tem por referência a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaço público e privado” realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo, por meio de seu Núcleo de Opinião Pública, e em parceria com o SESC (Serviço Social do Comércio). Esta pesquisa apresenta a evolução do entendimento sobre o papel das mulheres brasileiras na sociedade e será instrumento fundamental para a compreensão da violência doméstica, principalmente no que se refere aos tipos de violência, o perfil da mulher agredida, o perfil do agressor e a publicização da violência. O destaque deste capítulo é os dados acerca de violência doméstica, porém apresentamos os demais eixos que complementam a pesquisa: percepção de ser mulher: feminismo e machismo; divisão sexual do trabalho e tempo livre; corpo, mídia e sexualidade; saúde reprodutiva e aborto; democracia, mulher e política. Apresentamos, a seguir, os procedimentos metodológicos da pesquisa e o perfil da amostra. A pesquisa foi realizada em agosto de 2010 e ouviu a opinião de 2.365 mulheres e 1.181 homens, com mais de 15 anos de idade, de 25 unidades da federação, cobrindo as áreas urbanas e rurais de todas as macrorregiões do país. A mesma pesquisa foi elaborada em 2001, apenas com entrevistadas mulheres, e os resultados são comparados de forma que seja possível perceber a evolução das questões elaboradas. Com relação ao perfil sociodemográfico da população, a quantidades de entrevistados em cada faixa etária (15-17; 18-24; 25-34; 35-44; 45-59; 60 ou mais) foi uniforme sendo um pouco mais elevada na faixa entre 25-34 anos. O maior contingente da população entrevistada cresceu e vive em áreas urbanas, especialmente no interior, dividido de forma igualitária entre municípios de pequeno, médio e grande porte. A maioria dos entrevistados está em um relacionamento estável, sendo a maioria casada com registro civil e possui filhos. Com relação à composição familiar no domicílio, a média é de quatro pessoas por moradia, sendo em maior parte composta pelo cônjuge e filhos, mas há também a presença de outros parentes como pais e irmãos. A maioria é branca, mas há expressivos contingentes de entrevistados de pele preta e parda. A ascendência mais presente é mestiça entre brancos e negros. A religião mais evidente é a católica, mas há uma cota expressiva de evangélicos, seguidos pelos espíritas (kardecistas, umbadistas e candomblecistas).

Pouquíssimas mulheres e homens declaram-se sem religião e mesmo nesses casos, acreditam na existência de Deus. A maioria das mulheres entrevistadas possui ensino médio, assim como os homens, porém o contingente de mulheres com ensino superior e pós-graduação aumentou em dez por cento com relação à pesquisa de 2001, ultrapassando o contingente masculino em 2010. A quantidade de mulheres que passou a ter acesso a computadores e à internet neste intervalo de tempo também aumentou expressivamente, elevando-se em torno de trinta por cento. O nível de mulheres que está e não está inserido no mercado de trabalho é quase o mesmo: 52% contra 48%. Este número não mudou muito entre 2001 e 2010. Os homens, em contrapartida, estão mais profundamente inseridos: 79% têm atividade econômica remunerada em 2010. A maior parte das mulheres trabalha entre vinte e quarenta horas semanais enquanto os homens trabalham em períodos mais extensos: 55% trabalham mais de quarenta horas semanais. O número de famílias com renda até dois salários mínimos foi o mais significativo, sobressaindo-se também a faixa entre dois e cinco salários mínimos. A natureza do trabalho executado pela maior parte das mulheres entrevistadas é braçal e requer apenas ensino fundamental (47% - empregada doméstica, manicure, promotora de vendas, etc), sendo seguida por ocupações técnicas que requerem ensino médio (35% - vendedora, secretária, recepcionista, etc) e em último lugar as ocupações que requerem ensino superior (17% - professora, enfermeira, psicóloga, etc).

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Tipos de violência

A pesquisa indica 7 tipos de violência: controle e cerceamento, física ou ameaça (à integridade física), psíquica / verbal, sexual, assedio, moral e patrimonial. No quadro abaixo podemos observar o dados colhidos sobre o cinco tipos mais freqüentes de violência.

VIOLÊNCIA SOFRIDA PELAS MULHERES COMPARATIVO 2001/2010

MULHERES

2001

2010

JÁ SOFREU ALGUMA VIOLÊNCIA?

43%

34%

FÍSICA OU AMEAÇA (À INTEGRIDADE FÍSICA)

28%

24%

Deu tapas, empurrões, apertões ou sacudiu você.

20

16

Ameaçou dar uma surra em você.

12

13

Bateu os espancou você, deixando marcas, cortes ou fraturas.

11

10

Quebrou coisas suas ou rasgou suas roupas.

15

09

Usou armas de fogo ou facas para ameaçar você.

08

06

27%

21%

Insinuou constantemente que você tem amantes ou te xingou repentinamente de um jeito que ofende a sua conduta sexual.

18

16

Desqualificou continuamente a sua atuação como mãe.

15

09

Desqualificou seu trabalho doméstico ou seu trabalho fora de casa.

12

-

Falou mal do seu trabalho doméstico repetidamente.

-

06

Criticou repetidamente o sue desempenho em trabalhos fora de casa.

-

05

13%

10%

Forçou você a ter relações sexuais quando você não queria.

11

08

Forçou você a praticar atos sexuais que não lhe agradam.

06

04

Estuprou você.

02

03

11%

07%

Assediou você sexualmente, lhe tocando ou insistindo em sair com você depois de você mostrar que não queria.

11

07

Te obrigou ou pressionou a fazer favores sexuais em troca de promoção ou aumento de salário, ou ainda para não demiti-la do emprego.

-

01

09%

07%

09

07

57%

66%

PSÍQUICA / VERBAL

SEXUAL

ASSÉDIO

CONTROLE / CERCEAMENTO Impediu você de sair de casa, trancando você em casa. NUNCA SOFREU NENHUMA VIOLÊNCIA (ESTIMULADA)

80% das mulheres alegam nunca ter sofrido violência, dentre as que sofreram, a violência física é mais expressiva (12%); seguida da sexual (4%) e da psíquica (4%).

Perfil da mulher agredida

A percepção sobre a violência é maior entre as mulheres com nível superior (15%) frente às mulheres com nível fundamental (6%). Esse índice pode indicar a naturalização da violência nas camadas pauperizadas da população. Quando as mulheres foram estimuladas na entrevistas através de exemplos de violência, o índice saltou para 40% das entrevistadas. Esse fator pode comprovar a dificuldade das mulheres em compreender a condição de violência em que vivem. 24% das mulheres se reconheceram em situação de cerceamento / controle, 24% sentiram que sua integridade física foi ameaçada; 23% sentiram que sua integridade psíquica foi ameaçada; 10% sofreram violência sexual e 7% foram assediadas. Os níveis de violência são maiores na faixa etária de 25 a 34 anos e se divide igualmente entre as faixas salariais e os níveis de escolaridade. As mulheres pardas são as mais violentadas (44%) assim como as casadas (56%). As justificativas para a violência distribuem-se de forma igualitária dentre as faixas salariais analisadas. Com relação à idade e escolaridade: controle de fidelidade gera mais vítimas dentre as faixas mais jovens, mas é dividido igualmente dentre os níveis de escolaridade; a pré-disposição psicológica (alcoolismo, nervosismo etc) causa mais agressões nas faixas acima de 60 anos e nos mais baixos índices de escolaridade; afirmação de autonomia produz mais vítimas dentre as faixas mais jovens, mas é dividido igualmente dentre os níveis de escolaridade; as tarefas domesticas e a submissão causam agressões de forma igualitária dentre as diferentes faixas etárias e de escolaridade.

Perfil do agressor

91% dos homens acreditam que bater em mulheres, em qualquer situação, é errado. Porém 8% deles assumiram já tê-lo feito. Dentre os agressores, 57% dizem ter agredido apenas uma vez, 76% acreditam que estava errado em fazê-lo e 56% não o fariam novamente.

As agressões são, na sua maioria, tapas e empurrões (84%); seguido de espancamentos (7%) e xingamentos (6%). Segundo as mulheres, a maior causa para as agressões sofridas é o controle da fidelidade, seguido de pré-disposição psicológica (alcoolismo, nervosismo etc); afirmação de autonomia; filhos (tarefas domésticas); submissão (baixa auto-estima), questões financeiras e por fim porque a vítima estava sozinha. Pode-se perceber que apenas no último caso, o menos freqüente, o agressor é desconhecido da vítima. Em todos os outros casos remonta-se o modelo de papéis sociais de gêneros na sociedade machista, sendo que a violência se expressa quando um dos gêneros não consegue atender às expectativas. O homem agride, na maior parte dos casos, quando sente que a mulher não atende ao papel de propriedade privada do homem (fidelidade), depois devido ao fato de que ele não se sente forte, seguro e poderoso como deveria e por fim quando a mulher não desempenha as tarefas domésticas como o homem acredita que ela deveria fazê-lo.

Vínculo com o agressor

Com relação ao vínculo com o agressor em todos os casos o companheiro é o indicador de maior expressão, sendo: 73% nos casos de controle / cerceamento; 69% nos casos de violência física; 72% nos casos de violência física e verbal; 62% nos casos de violência sexual e 25% nos casos de assédio.

A publicização da violência

A maioria das mulheres vítimas de violência não contou ou pediu ajuda nem fez denúncia. Nos poucos casos de pedido de ajuda, a mãe foi a figura mais presente. A maioria das mulheres auxiliadas não foi instruída a fazer denúncia. 84% das mulheres e 85% dos homens conhecem a lei Maria da Penha, sendo que os homens têm uma percepção mais positiva da lei que a mulheres (80% contra 78%). A critica das mulheres dá-se ao fato de que “é uma lei que não é eficaz porque a polícia espera acontecer a tragédia / deveria ser mais rigorosa / demora muito pra punir os homens / o homem fica detido algumas horas e faz serviços comunitários”. Nesta parte da pesquisa podemos conhecer as piores expressões da desigualdade de poder estabelecida na sociedade capitalista. A família que poderia ser o ambiente onde os indivíduos encontrariam proteção e conforto - que o prepararia para o convívio

mais complexo, em sociedade - torna-se o centro de violência exercida contra as crianças (em maior parte exercida pelas mães) e contra as mulheres (em maior parte exercida pelos maridos). Além disso, a pesquisa demonstra um dos maiores desafios das políticas públicas na defesa das mulheres: embora se tenha alcançado uma grande vitória com a aprovação da Lei Maria da Penha, há muito a se fazer para que as mulheres possa efetivamente sentir-se protegidas. Essa questão será problematizada no capítulo três deste trabalho.

PERCEPÇÃO DE SER MULHER: FEMINISMO E MACHISMO Foi perguntado às mulheres se “em comparação com a vida há uns 20 ou 30 anos atrás, você diria que a situação das mulheres hoje está melhor, pior ou não teve mudanças?” As mulheres, em sua maioria, crêem que está melhor e essa perspectiva se aprofundou de 2001 a 2010. Aos homens foi perguntado se “Em comparação com uns 20 ou 30 anos atrás, você diria que a relação entre homens e mulheres hoje: está melhor, pior ou não teve mudanças?” As opiniões se dividiram igualitariamente entre pior e melhor. As mulheres responderam de forma positiva a questão: “você diria que tem mais coisas boas ou mais coisas ruins em ser mulher?”. 68% acreditam que há mais coisas boas em ser mulher e esse número cresceu em relação a 2001, quando era de 58%. Essa resposta se divide igualmente entre mulheres inseridas ou não no mercado de trabalho e também dentre os diferentes estratos de renda. Com relação à idade, concentra-se nas mulheres entre 24 e 35 anos, com ensino médio. Os homens também parecem gostar de seu papel social, pois responderam em 68% que há mais coisas boas que ruins em ser homem. Dentre estes, sua maioria tem renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos e ensino médio. As mulheres foram questionadas sobre “como é ser mulher hoje?” Com relação ao espaço público e a vida social, ao responder esta pergunta, a maioria das mulheres menciona a conquista da liberdade e independência social, seguida pela conquista do mercado de trabalho, a independência econômica, a conquista de direitos, o acesso aos estudos e a discriminação devido ao machismo. Este último fator é a mais eloqüente resposta frente à questão “quais são as piores coisas de ser mulher?” e o acesso ao mercado de trabalho é a mais expressiva resposta quanto às

melhores coisas em ser mulher hoje assim como é a primeira coisa que a maioria das entrevistadas faria para melhorar a vida de qualquer mulher. Mostra-se claramente que a maioria das mulheres compreende que, para que tenham melhores condições de vida, precisam ser economicamente independentes. É exatamente no mercado de trabalho onde mulheres e homens entendem que estão suas maiores diferenças. Tanto mulheres quanto homens percebem que as mulheres são discriminadas no mercado de trabalho e as mulheres gostariam que houvesse equiparação salarial entre homens e mulheres. Com relação ao espaço privado, as mulheres entendem que ser mulher hoje ainda está, em sua maioria, relacionado à maternidade (gerar filhos, dar continuidade a vida, criar os filhos). Em segundo lugar vem um entendimento da mulher como uma guerreira, batalhadora que tem jornada dupla, que deve ser corajosa para conquistar a liberdade que os homens já possuem. Com relação à pesquisa de 2001, pode-se dizer que o número de mulheres que via na maternidade e no casamento um determinante para defini-las em seu papel social regrediu enquanto que seu reconhecimento através de sua independência financeira e de seus atributos femininos aumentou. O entendimento do que são atributos femininos concentra-se no arquétipo da mulher vaidosa, que se cuida e se arruma para o marido, mas é considerável o cociente de respostas em torno do modelo da mulher batalhadora e corajosa que trabalha dentro e fora de casa. Entre 2001 e 2010 o reconhecimento do segundo arquétipo aumentou. Esta constatação pode apontar para um sinal de emancipação da mulher. Pode ser que esteja se formando o entendimento da mulher para si e não no seu papel frente às necessidades alheias (mãe, amante, filha). No espaço privado, para a maioria das entrevistadas, a violência contra a mulher é o pior de todos os males, seguido pela maternidade (responsabilidade da criação dos filhos, especialmente quando sozinha), pelas preocupações referentes à saúde da mulher (incômodo de ficar menstruada, ter cólicas, TPM, etc) e o cotidiano doméstico permeado pelo machismo (não ser valorizada, não ter apoio, o marido não deixar estudar). No espaço público, a discriminação e o machismo aparecem como os piores males, seguidos pela desigualdade no ambiente de trabalho e pela falta de liberdade.

Percebe-se que os maiores problemas nos dois âmbitos: publico e privado, são faces da mesma moeda, já que o machismo e a discriminação estão diretamente ligados com a violência doméstica. As mulheres percebem claramente o cerceamento do acesso ao espaço publico, balizado pela violência. Elas dizem que “A mulher não pode andar sozinha porque é estuprada/ a mulher não tem segurança para sair à rua sozinha/ ela não tem como se defender/ não serem respeitadas na rua/ sofrer assédio dos homens nas ruas”

Quando os homens são perguntados sobre as “melhores e as piores coisas em ser homem”, torna-se flagrante o machismo inerente aos papéis sociais de gênero masculino e feminino em nossa sociedade. Para a maioria dos entrevistados, os melhores fatores em ser homem são: as características inerentes de ser homem (não engravidar, não menstruar, ser fisicamente mais forte); seguido da liberdade e independência (pode sair sem dar satisfação, pode se relacionar com várias mulheres sem ser criticado, não precisa dar satisfação dos seus atos); o trabalho (o mercado dá preferência para os homens, ter melhores oportunidades, ser mais forte para trabalhos braçais e receber melhores salários) e a preponderância no âmbito familiar (ser o chefe da família, ser responsável pela família, ter o poder de decisão, estar à frente das coisas, saber o que é certo ou errado para ensinar). Percebe-se por essa pesquisa que os homens têm total clareza sobre sua hegemonia nas relações sociais. Como aponta Saffioti (2004) o machismo prejudica tanto homens quanto mulheres, sendo o saldo negativo maior para as mulheres. Ao responder a questão sobre “as piores coisas em ser homem” os entrevistados pontuaram todas as dificuldades e

angústias que vivem para atender ao papel de chefe de família. O pior de todos os fatores para os homens é a responsabilidade com a família (ter a obrigação do sustento, preocupações em dar o suficiente, não deixar faltar nada, ter que trabalhar mais); seguido das características masculinas (ter mais responsabilidades, maiores cobranças por ser homem); depois vem o trabalho (ser cobrado pelos pais desde muito cedo a atingir estabilidade financeira, ter que trabalhar muito, ter que pagar as contas e não lhe restar nada de seu salário); a violência (brigas, uso de drogas e conflitos com a polícia) e o desemprego (responsabilidade de sustentar a família, pagar pensão, perder espaço para as mulheres). Torna-se claro como pesa sobre os homens a responsabilidade de seu papel social como provedor de uma família, sendo de uma forma geral a fonte de todos os seus males. Outra preocupação que podemos perceber nos homens é sua vulnerabilidade à violência que está diretamente relacionada com o maior acesso aos espaços públicos. Quando foi perguntado às mulheres se existia machismo no Brasil em 2001, a percepção foi de 73% baixando para 67% em 2010. Já os homens, em 90%, acreditam que existe machismo no Brasil, porém 74% não se consideram machista. Apenas 22 % reconheceram-se machista. A leitura destes indicadores aponta para duas possibilidades. A primeira seria a de que os homens estão começando a entender o machismo como algo negativo e, portanto não se reconhecem nele. A segunda é que o machismo está tão imbricado em nossa cultura que os indivíduos não conseguem reconhecê-lo. Provavelmente as duas possibilidades estão corretas mostrando que há um progresso na luta por igualdade entre os gêneros, mas que a ideologia vigente, ao longo dos anos gerou a naturalização do machismo de tal forma que homens e mulheres têm muita dificuldade de reconhecê-lo em suas vidas. Em 2001 a maioria das mulheres entrevistadas não sabia o que era significava ser feminista. Esse quadro se manteve em 2010, observando-se uma pequena melhora nos indicadores: houve a diminuição no número das mulheres que não sabem o que é e o aumento das mulheres que se consideram feministas. A maioria dos homens, 54%, acredita que não existem feministas no Brasil ou se existem, são pouca. 28% dos homens acreditam que existem feministas e 18% não sabe o que é isso. Foi perguntado às mulheres e aos homens o que entendiam por feminismo. Dentre aqueles que acreditavam que o feminismo era algo bom, a maior parte das respostas contemplava a luta por direitos iguais, seguido pela luta em favor da liberdade

das mulheres e sua valorização. Dentre aqueles que acreditavam que o feminismo era algo ruim, a maioria acreditava que se trata da luta pela superioridade das mulheres, como um machismo das mulheres. Quando perguntado a ambos os gêneros o que era machismo, a maioria respondeu como o poder do homem em relação à mulher. É possível compreender pelo estudo destes números que essa discussão mostrase demasiado esvaziada visto que os sujeitos têm pouca ou nenhuma apropriação sobre o conhecimento elaborado sobre o machismo e feminismo. A gravidade deste fato repousa-se na compreensão de que sem que os sujeitos tenham compreensão sóciohistórico da condição vivenciada torna-se praticamente impossível pensar em um outro modelo de relação de gênero.

DIVISÃO SEXUAL DOS TRABALHOS DOMÉSTICOS E REMUNERADO E A SATISFAÇÃO COM O TEMPO LIVRE

Enquanto 79% dos homens trabalham, apenas 52% das mulheres estão inseridas no mercado de trabalho. A maior razão para a maioria das mulheres nunca ter trabalhado é devido à gravidez e filhos, seguido das poucas oportunidades no mercado de trabalho, das obrigações do trabalho doméstico e por fim, porque o marido era capaz de prover o sustento sozinho. Essa ordem de fatores mantém-se como resposta às razões pelas quais as mulheres param de trabalhar. 56% das mulheres preferem ter uma profissão e dedicar-se menos às atividades com a casa e a família e essa perspectiva se manteve de 2001 a 2010. Foi perguntado às mulheres quem era a pessoa responsável pelo sustento da casa e da família e quem era o chefe da família. Em ambos os casos a resposta era os homens, com uma suave diminuição de 2001 a 2010. As mulheres parecem ter recebido mais autonomia para gerir a renda familiar já que eram 46% dos responsáveis em 2001 passando para 52% em 2010. As mulheres se vêem como as maiores responsáveis pela execução (ou orientação) dos serviços domésticos. Em 2001 reconheciam-se em 93% caindo para 91% em 2010. Porém quando é apresentada a frase “Homens e mulheres deveriam dividir por igual o trabalho doméstico”, 93% das mulheres concordam assim como 84% dos homens. Porém para a maioria de mulheres e homens (51% e 62%) é

principalmente o homem quem deve sustentar a casa e quando tem filhos pequenos, é melhor que o homem trabalhe fora e a mulher fique em casa (75% e 79%). Ou seja, os gêneros reconhecem que deveria existir a igualdade, mas em seu dia-a-dia definem os papéis sociais de forma completamente desigual, parecendo que não há articulação entre uma coisa e outra. A satisfação das mulheres com a sua capacidade de tomar decisões tem aumentado, de 59% de 2001 para 67% em 2010, mas ainda é inferior à dos homens, de 74%. Eles ainda são mais satisfeitos com maneira como passam seu tempo livre, assim como com o tempo que passam com a sua família. De uma forma geral, percebe-se que os gêneros apontam para uma possível igualdade entre si quando refletem sobre o assunto, mas que seu cotidiano é atravessado por desigualdade. As mulheres ainda perdem pros homens em grau de inserção no mercado o que desdobra uma série de conseqüências para sua vida como relegar ao homem o sustento, a chefia da família, a tomada de decisões e os momentos de lazer. Às mulheres cabe um papel menor nesse cenário assim como todos os afazeres domésticos. CORPO E REPRESENTAÇÃO NA MÍDIA – SEXUALIDADE

Foi perguntado às mulheres e aos homens se eles se sentiam satisfeitos em relação à vida amorosa, à sua saúde física e à sua aparência. As repostas de ambos gêneros foi positiva, acima de 50%, mas as masculinas foram muito superiores às femininas. Essa análise permite o entendimento do quanto, nos quesitos acima elencados, os homens vivem sob menos pressão que as mulheres em nossa sociedade. Foi perguntado às mulheres se elas se sentem elogiadas ou desrespeitadas quando um homem mexe com ela na rua. Em 2001 a maioria se sentia desrespeitada enquanto que em 2010 a maioria se sente elogiada. Tanto em 2001 como em 2010, a maioria das entrevistadas acredita que quando uma mulher usa uma roupa que marca o corpo, “elas saem perdendo”. Sobre a exposição do corpo da mulher na mídia, em 2001 e 2010, a maior parte das mulheres acredita que este fato seja ruim, pois supervaloriza o corpo da mulher em detrimento de sua personalidade. As mulheres ainda são a favor, em sua maioria, de que haja controle da exposição do corpo da mulher na mídia. A maioria

esmagadora dos

entrevistados

heterossexuais e a vida sexual já tinha sido iniciada.

homens e mulheres

eram

A média de idade das mulheres ao perder a virgindade é de 18 anos enquanto dos homens é de 15 anos. Dentre as mulheres a média de idade é menor nas novas gerações em relação às mulheres mais velhas: entre 15 a 17 anos é de 14 anos e 60 anos ou mais é de 19. Isso pode denotar um movimento para o rebaixamento desta média no futuro. Além disso, a média tende a ser cada vez mais baixa quando mais baixa for a renda familiar. Provavelmente havendo a pauperização da população, a média também cairia. Quando perguntadas sobre o prazer de ter relações sexuais, os maiores contingentes de mulheres dividem-se entre “sentiu muito prazer” e “achou gostoso”, mas revelam-se mulheres que o fazem por obrigação, que não sentem nada e também as que sofrem. Grande parte das mulheres teve relações sexuais com apenas um homem na vida, enquanto maioria dos homens teve com mais de 15 pessoas. Com relação a experiências sexuais fora do casamento, a maioria das mulheres acredita que seu parceiro nunca a traiu sendo os índices de 31% em 2001 e em 2010 de 52%, já aquelas que acreditam que foram traídas são da ordem de 39% em 2001 e 29% em 2010. Como pode se averiguar, em 2001 o contingente era basicamente o mesmo de mulheres que acreditava que tinha e não tinha sido traída, mas esse número se concentrou no segundo caso em 2010. Pouquíssimas mulheres afirmam ter traído o companheiro. Os homens em 45% alegam já terem traído e em 53% que nunca trairiam. Apenas 16% acreditam que já tenha sido traído e 58% acredita que isso nunca tenha acontecido. Por essa análise é possível perceber que as respostas coadunam com os papéis estipulados para homens e mulheres numa sociedade capitalista machista. As mulheres, propriedade privada dos homens, devem ter um único amante em vida e devem ser fiéis a ele. Os homens, cuja competitividade e agressividade são estimuladas, podem e devem se relacionar com o máximo de mulheres possível. O grau de permissividade à traição masculina é alto, eles admitem-se infiéis. As mulheres, em contrapartida, negam infidelidade. É importante notar que indiferente do fato das mulheres e homens ter mentindo ao não, a pesquisa é o registro da resposta que homens e mulheres sentem que cabe em seu papel social. A máxima “amarre sua cabra que meu bode está solto” parece cair como uma luva nessa pesquisa, já que as mulheres se portam como amantes fixas de poucos

homens enquanto eles se sentem livres pra se relacionar com quantas mulheres for possível. A idade de iniciação da vida sexual também denota um alto grau de permissividade e até encorajamento para a vida sexual dos homens em contrapartida às mulheres que iniciam a mesma com três anos de atraso.

SAÚDE REPRODUTIVA E ABORTAMENTO

A maioria das mulheres entrevistadas tem uma vida sexual ativa, sendo que sua última relação sexual ocorreu entre 1 e 3 dias, sendo as casadas as mais ativas. 88% das atividades sexuais aconteceram dentro de um relacionamento estável. A maioria dos casais não usou camisinha em sua última relação sexual. A causa mais comum para a não utilização do preservativo é a confiança no parceiro, seguido do uso de outros métodos contraceptivos, o fato de estar em uma relação estável e não gostar de usar. Dentre as pessoas que usaram camisinha, a maior razão é a prevenção de doenças, seguido de evitar a concepção, por segurança e por não confiar no parceiro. 50% das mulheres já fizeram teste de HIV e esse número dobrou de 2001 a 2010 enquanto que apenas 36% dos homens o fizeram. O método anticoncepcional preferido das mulheres é a pílula (25%), seguida da laqueadura (21%) e por fim a camisinha (19%), 33% das mulheres não usa método algum. 44 % das mulheres que não usam métodos anticoncepcionais por ter feito laqueadura, 10% por ter efeitos colaterais, 8% porque o parceiro não gosta. 77% das mulheres conhecem a pílula do dia seguinte, sendo que a proporção aumenta quanto mais alto o nível de escolaridade. 16% das entrevistadas já fizeram uso da pílula, 41% nunca tomou e outros 41% nunca tomaria, especialmente porque entende o método como um aborto. 74% das entrevistadas já tiveram uma gestação, sendo a media de 3,5 gestações por mulher. A idade media do primeiro filho dentre as mulheres é de 21 anos e entre os homens é de 24 anos. Os partos, em sua maioria foram realizados na rede pública (68%) e não houve maus tratos (85%). Dentre as mulheres que sofreram algum tipo de violência durante o atendimento de parto destacam-se as seguintes práticas: o exame de toque lhe causou dor (10%), foi negado ou não ofereceram algum tipo de alívio para sua dor (10%), gritaram com a

paciente (10%), não lhe informaram sobre algum tipo procedimento que estavam fazendo (10%), negaram atendimento (10%) e xingaram ou humilharam a paciente (10%). Dentre as frases mais ouvidas durante estas humilhações destacam-se: “Não chora que ano que vem você está aqui de novo” (15%) e “na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe, por que está chorando agora?” (14%). A maioria das mulheres nunca teve uma gravidez interrompida e esse índice tem diminuído, sendo de 67% em 2001 e 75% em 2010. A quantidade de mulheres que fez aborto induzido através de remédio industrializado aumentou entre 2001 e 2010 e mantém-se como a prática mais utilizada entre as mulheres. As clínicas de aborto estão em segundo lugar com índices estáveis entre as duas pesquisas. A principal razão que leva as mulheres a fazer aborto é a dificuldade financeira (41%), seguido pela pressão do parceiro (13%); depois por estar sozinha (20%); porque era muito nova (13%) ; porque desejava trabalhar e/ou temia perder o emprego (13%) e por fim por medo de rejeição da família (11%). Dos índices apresentados, apenas o último diminuiu de 2001 a 2010. 63% das mulheres que fizeram aborto tiveram apoio de alguém, sendo na maioria dos casos do parceiro. No entendimento da maioria das mulheres e dos homens a decisão sobre o aborto é principalmente dela. A grande maioria das mulheres que fez aborto não teve orientação medica (60%), mas esse índice melhorou de 2001 a 2010, quando era de (66%). A maioria das mulheres que fez aborto provocado e passou por consulta médica em seguida sofreu algum tipo de violência (53%), destacando-se as seguintes práticas: “perguntaram insistentemente se tinha tirado o bebê e ficaram te tratando com suspeita” (34%); “não lhe informaram sobre o procedimento que iam fazer” (22%) e “disseram que você tinha cometido um crime e ameaçaram denunciar você para a polícia” (17%). 72% das mulheres conhecem a legislação sobre o aborto contra 63% dos homens. O índice dobrou entre 2001 e 2010, pois era de 36% dentre as mulheres. Quanto maior a renda familiar e o nível escolar, maior o conhecimento sobre a lei. Para a maioria dos entrevistados a lei sobre o aborto deve ficar como está, sendo maior a aceitação dentro os homens (69%) com relação às mulheres (61%). O número de mulheres que acredita que a lei deveria permitir o interrompimento da gravidez em mais casos é mais expressivo (20%) que o número de homens (16%), sendo os casos

mais eloqüentes as gestações de bebês anencéfalos, falta de condições financeiras e a mãe ser muito jovem. 17% das mulheres acreditam que o aborto deveria ser proibido em todos os casos contra 12 % dos homens. 42% das mulheres e 52% dos homens acreditam que a mulher que fez aborto deve ser punida, sendo a punição mais popular o encarceramento tanto na opinião das mulheres (32%) como dos homens (37%). Tanto as mulheres quanto os homens (59% nos dois casos) acreditam que as igrejas estão corretas ao tentar controlar as leis sobre aborto. Os índices da análise acima apresentada são de extrema eloqüência para o entendimento da condição da mulher com relação ao seu corpo na esfera da sexualidade e da reprodução sexual. A maioria dos entrevistados não usa proteção contra doenças ou contraceptivos. A relação de confiança entre as pessoas parece ser a maior proteção para os indivíduos envolvidos, provavelmente apontado para a centralidade familiar que estrutura nossa sociedade. A partir do momento em que os indivíduos estão em um relacionamento estável sentem que não precisam temer doenças ou fazer planejamento familiar. A análise sugere que as mulheres estão tendo cada vez mais acesso às informações que lhe dizem respeito como os métodos contraceptivos e de proteção contra doença, assim como à testes de HIV e a legislação sobre o aborto. Talvez pela interferência religiosa, que é amplamente apoiada pelos entrevistados, a maioria de homens e mulheres acredita que a mulher que aborta deva ser presa o que aponta para a secundarização da mulher. Sob essa ótica, ela deixa de ter autonomia sobre seu corpo a partir do momento em que engravida. O moralismo atravessa várias esferas da sociedade, expressando-se nos dogmas da Igreja, no medo da mulher de ser julgada pela sua família e chegando à assistência medica onde ela é vitima de violência ao ser atendida após um aborto induzido. Ou seja, de uma forma geral vemos um movimento de emancipação da mulher com relação à sua saúde reprodutiva, porém quando se toca na questão do aborto o moralismo impera destituindo a mulher de qualquer protagonismo.

DEMOCRACIA, MULHER E POLÍTICA

O número de mulheres que entende a política como uma esfera importante de sua vida aumentou de 2001 (70%) para 2010 (80%), mas ainda é inferior ao índice masculino (82%). A análise nos aponta que a quantidade de mulheres que acredita que a política influencia “um pouco” sua vida caiu, enquanto o cociente de mulheres que acredita que interfira “mais ou menos” aumentou. A porcentagem daquelas que acreditam que interfira “muito” se manteve no patamar de 27%. O contingente de homens que acredita que a política influi na sua vida é de 37% denotando um maior grau de politização masculina. No entanto é mais ou menos igual o índice de mulheres e homens que acreditam que tem influência pessoal na vida política, um índice baixíssimo em torno de dez por cento. Tanto as mulheres como os homens acreditam que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo, sendo de 63% entre as mulheres de 72% entre os homens. O índice de mulheres que acredita que tanto faz se o regime de governo é uma ditadura ou uma democracia é maior (17%) que o dos homens (12%). Isso pode indicar um posicionamento antidemocrático das mulheres, ou, embasado no menor grau de importância dado a política por parte das mulheres, a ignorância sobre o que define cada regime de governo. Tanto homens (49%) quanto mulheres (70%) acreditam que a política seria melhor se houvessem mais mulheres em postos importantes. Foi perguntado às mulheres e aos homens se eles votariam em candidatos com as seguintes características: 

negro ou negra: 96% das mulheres e 94% dos homens votariam;

 mulher: 92% das mulheres e 91% dos homens votariam;  homossexual: 63% das mulheres e 59% dos homens votariam;  é a favor da união entre pessoas do mesmo sexo: 52% das mulheres e 46% dos homens votariam;  participou da luta armada contra a ditadura: 41% das mulheres e 56% dos homens votariam;  é a favor da pena de morte: 39% das mulheres e 48% dos homens votariam;  pratica umbanda e candomblé: 51% das mulheres e 45% dos homens nunca votariam;

 é a favor da legalização do aborto: 57% das mulheres e 56% dos homens nunca votariam;  não acredita em Deus ou é ateu: 66% das mulheres e 61% dos homens nunca votariam;  é a favor da legalização da maconha: 74% das mulheres e 66% dos homens nunca votariam; Percebemos que os temas que tocam em dogmas religiosos cristãos como a homossexualidade, a pena de morte, outras crenças religiosas, a legalização do aborto e do uso da maconha tem altíssimo grau de rejeição. 78% das mulheres e 76% dos homens afirmaram que as mulheres estavam preparadas para governar o país, o estado e a cidade. Quando perguntadas sobre o baixo contingente de mulheres na política, as causas mais apontadas foram:  44% machismo: os homens acham que as mulheres não têm competência, que lugar de mulher é na cozinha, que a política é coisa de homem; que as mulheres não são inteligentes;  14% falta de interesse: as mulheres se interessam menos pelo assunto, entendem menos e se candidatam menos  13% preconceito e discriminação.  11% falta de confiança: o povo não confia nas mulheres, as próprias mulheres não se acham capazes de assumir cargos políticos.  9% falta de oportunidade  6% falta de competência: os homens são mais capacitados  5% falta de envolvimento: as mulheres não se envolvem com política, não querem ter a responsabilidade.  3% fragilidade: as mulheres têm menos força pra lutar.

De uma forma geral, pode-se observar dentre as mulheres um reconhecimento maior da vida política, mas a apropriação desta esfera ainda está distante. Infelizmente, tanto para homens como para mulheres, a vida política ainda está imbricada com a vida religiosa. Aspectos que não sofrem a crítica da Igreja como a cor de pele e o gênero são muito mais tolerados do que os aspectos que são abertamente

combatidos como a homossexualidade (tida como antinatural), o aborto (pecado) e a legalização das drogas (pecado). As mulheres demonstram um nível de conhecimento sobre política mais baixo que os homens e, portanto, um grau de politização inferior. Embora elas reconhecem-se muito pouco como agentes de sua história, responsabilizando os homens inclusive pelo seu baixo acesso à vida política, já reconhecem a possibilidade de uma mulher ser governante do país, do estado e da cidade.

Concluindo, esta análise nos permite compreender que a situação da mulher tem apontado para melhoras, mas que a concretização da igualdade entre os gêneros ainda parece distante. As mulheres têm tido maior acesso à escolarização e à informação, porém sua participação no mercado não obteve incremento entre 2001 e 2010. Este fato não coaduna com a conquista da emancipação financeira das mulheres, um dos fatores essenciais para o rompimento de sua submissão. As mulheres também afirmam trabalhar menos horas que os homens. Esse índice denota maior participação dos homens na esfera econômica, cerne de nossa sociedade e provavelmente aponta para o fato de que as mulheres não têm calculado as horas de trabalho doméstico. Este fato indica que esta atividade ainda é compreendida como uma tarefa inerente do ser feminino que não está inserida na mesma esfera do trabalho remunerado o que é fator fundante da opressão das mulheres. Parece claro dentre as mulheres que a inserção no mercado de trabalho é um dos caminhos possíveis para a conquista de sua liberdade de forma que esse item se sobressaiu como a primeira conquista que a maioria das entrevistadas faria para melhorar a vida de qualquer mulher. Entretanto, para a maioria das mulheres, sua identidade ainda está diretamente relacionada às suas funções com relação ao outro, sendo a maternidade a representação mais expressiva. Felizmente esse contingente diminuiu e o papel da mulher batalhadora, que luta por seus interesses já desponta representativamente na pesquisa. A violência doméstica tem uma representatividade alarmante, constituindo-se que como a expressão de constrangimento e sofrimento mais contundente que afeta as mulheres no ambiente privado. No espaço público, a discriminação e o machismo são os mais expressivos índices. Esses fatores estão diretamente relacionados e deflagram a

secundarização da mulher culminada pela violência. Porém, é importante notar que esses índices sofreram uma leve queda entre 2001 e 2010. Ou seja, a violência de gênero é, sem dúvida, expressiva e precisa ser combatida, mas as ações implementadas como respostas tem alcançado pouco resultado positivo. Quando questionados sobre as melhores e piores coisas em ser homem, os entrevistados delineiam claramente a hegemonia masculina em nossa sociedade, pois lhes agrada a liberdade e o poder e desagrada-lhes o peso da responsabilidades. Ou seja, os homens sentem-se sobrecarregados pelas obrigações que lhe são imputadas em seu papel social revelando o prejuízo causado a eles pela tutela que exercem sobre as mulheres – tolhidas de liberdade e poder. Outro fator importante desta análise está na compreensão sobre o machismo. Pelos indicadores, a ideologia vigente alcançou níveis assustadores de abrangência. A maioria dos entrevistados acredita que o machismo existe, mas não conseguem reconhecê-lo. O conhecimento sobre feminismo também é inconsistente. A maioria dos homens acredita que ele não exista e a maioria das mulheres não se considera feminista. Esse fato é preocupante, pois exprime a condição alienada da relação entre os gêneros. Homens e mulheres se relacionam sem reconhecer os papéis que lhe foram socialmente impostos, não distinguem as raízes sócio-historicas deste processo e consequentemente não são capazes de protagonizar a elaboração de um projeto societário voltado à emancipação humana.

CAPITULO III

AS DETERMINAÇÕES SOCIO HISTÓRICAS DA SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA

Neste capítulo procedemos à sistematização de oito entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica realizadas pelos alunos do Núcleo Família e Sociedade do curso de Serviço Social em 2010 (Anexo I), a fim de analisar as determinações sócio-históricas implicadas na produção e reprodução da situação de violência de gênero nas relações familiares. Neste estudo entendemos as determinações sócio-históricas como categorias socialmente produzidas pelos indivíduos em determinado espaço e tempo que cristalizam estruturas sociais. Estas estruturas sociais cristalizadas, por sua vez, delimitam o espectro de possibilidade de atuação dos seres sociais. Sendo assim, os seres sociais e as determinações sócio-históricas se alimentam mutuamente, num movimento dialético. Segundo Salem (1987: 56):

Inscrevem-se nessa orientação, por exemplo, os trabalhos de Berger e Luckman (1973), de Bordieu (1972) e Giddens (1978). O circuito dialético entre exterioridade e interioridade proposto pelos três primeiros autores (traduzido no duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade) apóia-se em pressupostos similares aos que fundamentam o conceito de “dualidade da estrutura” de Giddens. Em ambos os casos nega-se ao indivíduo o caráter de possibilidade absoluta; pensado como agente historicamente situado, sugere-se que as condições externas delimitam o escopo e a direção tanto de suas representações quanto de suas práticas e estas, por sua vez, tendem a reproduzir as estruturas vigentes. Nessa medida, os indivíduos são vistos, simultaneamente, como produtores e reprodutores da ordem social.

A partir da literatura e do conteúdo das entrevistas podemos categorizar as seguintes determinações sócio históricas: destino de gênero e a força ideológica dos papéis de gênero; a naturalização da violência imbricada ao território e o espectro do abandono implícito no legado geracional. As categorias não esgotam a complexidade do tema, mas já indicam um caminho possível para o alcance dos objetivos desta pesquisa. A intenção é compreender como as categorias acima elencadas se repõem no discurso das entrevistadas denotando os traços comuns dentre as mulheres vítimas de violência. É importante notar que a intenção de categorizar as determinações sócio-históricas que compõe o discurso das entrevistadas não tem a intenção de parcializar ou subdividir o entendimento da situação de violência. O objetivo na verdade é dar visibilidade à complexidade deste fenômeno, tendo por fundo o entendimento do indivíduo em sua totalidade. Como será possível observar, geralmente em uma única fala das

entrevistadas é possível encontrar mais do que apenas uma das categorias, como será exemplificado a seguir.

DESTINO DE GÊNERO E A FORÇA IDEOLÓGICA DOS PAPÉIS DE GÊNERO

Como já foi tratado no capítulo I deste estudo, o surgimento da categoria gênero permitiu a compreensão de que não há nada de natural nas funções e características atribuídas ao feminino e ao masculino. Este fato torna claro como a desigualdade de gênero é construída pela sociedade.

A desigualdade, longe de ser natural, é posta pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais. (SAFFIOTI: 2004,71)

Através da força ideológica dos papéis de gênero cristalizam-se os papéis atribuídos ao masculino e ao feminino: o homem protagonista e provedor da família que tem poder sobre a mulher submissa e responsável pelas tarefas domésticas. Esta lógica oculta o fato de que o patriarcado é constituído socialmente e faz crer que há uma predestinação dos gêneros, sendo que caberia à mulher o destino de sofrimento e opressão. Dessa forma, dá-se a naturalização da violência contra a mulher legitima o destino de gênero.

Podemos chamar de destino de gênero a resignação, que significa a aceitação do sofrimento enquanto predestinação por ser mulher. Aceitar o seu destino é a resignação da mulher e o que é esperado pela sociedade. Na qualidade de sofredora a mulher deve aceitar o seu destino sem reclamar. (GUIMARÃES, 2011: 56)

Segundo Saffioti:

destino de mulher é ser infeliz. Foi assim que a sociedade determinou. Não quer dizer isto a tão popular expressão “ser mãe é padecer num paraíso”? (1987: 31) Dada a sua formação de macho, o homem julga-se no direito de espancar sua mulher. Esta, educada que foi para submeter-se aos desejos masculinos, toma este destino como natural. (1987:79)

Sendo assim, nas entrevistas encontramos muitos relatos de mulheres que buscaram ajuda junto aos seus familiares e foram instruídas a voltar para seus maridos porque esta era a ordem natural das coisas, como foi o caso de Helenice (51) e Maria (43):

Quando ele me empurrou e veio pra cima, eu corri e peguei a barra de ferro pra me defender. Porque, ele tem 110 kg e eu tenho que? 45 kg. E ele é aquela massa bruta mesmo, tanto alto como aquela massa bruta mesma. Não é baixinho e gordo de gordura não. Aí nisso tudo também as irmãs dele foram a favor dele, jogaram na minha cara que ele nunca deixou faltar o arroz e o feijão dentro de casa. (...) minha mãe viveu com a gente dez anos. Dez anos eu passei por isso empurrando com a barriga. A gente discutia, minha mãe entrava no meio e punha pano quente. Então na hora de discutir ele falava, falava, falava e minha mãe falava: “Você fica respondendo, cala a tua boca. Você tem que ficar quieta”. Triste e chorando Maria foi para o banho, seu marido subiu depois e começou a discutir, afirmando que Maria o tinha traído. Os ânimos se exaltaram e ele a empurrou pela escada (Maria estava grávida de cinco meses), a mãe dele presenciou, mas não fez nada.

Pode-se observar o papel-chave da família na naturalização da violência. Lenilda (57), aos quatorze anos começou a namorar com um homem vinte anos mais velho que era conhecido de sua mãe, assim como seu histórico de violência contra a ex-mulher. A avó, preocupada, critica a omissão da mãe:

minha vó descobriu e contou pra minha mãe. Como ele já era um homem mais velho do que eu, que já, que ele era violento com a mulher, como que minha mãe tava ficando louca de deixar eu namorar, uma criança, como um homem desses, que já tem esses passado, né? (...)Minha mãe com aquele monte de filho, eu queria ter o meu canto também. E minha mãe por outro lado, achava que ele era um bom partido pra mim. Ele não era de manguaça, nem nada, então achava que era uma pessoa boa.

Percebe-se pela fala de Lenilda que sua mãe via no casamento uma saída para uma vida melhor para sua filha e que o histórico de violência de seu futuro marido não era um grande empecilho. Outras instituições, como a Igreja, também são protagonistas na reprodução do Destino de Gênero, como foi o caso de Maria Alice (30):

Cresci em uma igreja evangélica e aprendi que a mulher teria que casar, ter filhos e ser obediente ao marido, ou seja, submissa a todas as vontades dele. Naquela tarde marquei com o conselho da igreja e coloquei toda a situação, o conselho da igreja ainda tentou me convencer a dar uma nova chance para ele, já que ele era um membro assíduo da igreja.

E o caso de Carla (31) dentro de uma delegacia de polícia:

A relação era difícil, tivemos outra briga onde ele me agrediu e então fui a delegacia, lá a escrivã não abriu a ocorrência, alegando que como era pouco tempo de casada, iríamos nos acertar, mas chamou ele para conversar, nessa conversa ele colocou sua explicação passando que eu era muito nervosa, resumindo acabei saindo como errada nessa situação, e ele saiu de lá, se sentido forte...

As mulheres, como sujeitos dentro deste quadro sócio-histórico, também reproduzem o destino de gênero. Muitas vezes elas se mostram resignadas frentes a uma situação de violência, pois acreditam que estão cumprindo seu papel de mãe, como é o caso de Helenice (51) e Lenilda (57):

quando ele chegava bêbado além de me chamar de tudo isso, ainda me pegava a força na cama e com agressão, chute pontapé e eu agüentava com medo de acorda as criança. Como você pode brigar com seu marido, você não pode envolver seus filhos, porque os filhos começa a ter raiva do pai, e não, pai é pai, se fosse um cachorrinho, mas é pai. Então eu sempre falava “deixa eu com seu pai”, (...) Foi tão engraçado que ninguém tinha raiva do pai, eu nunca passei isso, (...) acabava de me bater, sentar no sofá e deitava no meu colo. (...) E ele fazia isso, dormia no meu colo. Pegava o meu braço deitava por cima dele, e colocava a mão e colocava a minha mão assim, passando a mão na cabeça dele, aí eu pensava “meu Deus, será que é normal?”. Sozinha, chorando, porque tinha acabado de apanhar, e passando a mão na cabeça dele. (...)

A mulher em situação de violência muitas vezes vive uma confusão entre a onipotência e a impotência, pois crê ser capaz de mudar o companheiro e quando se depara com a impossibilidade de fazê-lo, culpa-se.

Talvez por serem encarregadas da educação dos filhos, as mulheres, em geral, sejam tão oniponentes. Julgam-se capazes de mudar o companheiro, quando a rigor, ninguém muda outrem. A pessoa pode decidir transformar-se e, com auxílio de um bom profissional psi, ter êxito. Tal sucesso pode também ser obtido sem ajuda de ninguém, sendo, entretanto, mais penoso, mais lento e de duvidoso êxito. (SAFFIOTI, 2004: 66)

Em sua entrevista, Maria (43) reconhece que por perceber esse histórico aceitava se submeter às vontades do namorado, por ter dó. Ele a usava como “escape” da família, o que gerava problemas para Maria no relacionamento com a família dele.

O destino de gênero escamoteia a situação de violência sob o argumento da virtude feminina. Ele legitima a abnegação das mulheres, justificando sua dor e sua

tristeza, como um caminho para que alcancem esse ideal, como se pode observar nas entrevistas de Lenilda (57) e Maria Alice (31): meu carma era esse, Deus pôs ele na minha vida, meu futuro era cuidar dele, (...) Por Deus, a gente só tem aquilo que Deus quer. Deus não dá mais nem menos pra ninguém, Deus só dá aquilo que a gente agüenta. Fiquei por 6 meses sofrendo calada sozinha sem contar ninguém por amor a minhas filhas e a igreja, em nosso meio evangélico a gente se expressa “Para não escandalizar o nome de Jesus”. Então eu levei a sério por seis meses, orava dizendo Senhor se assim que tem que ser, então eu quero obedecer. Mas eu estava ficando doente, emagrecendo muito, as pessoas perguntando o porque estava emagrecendo tanto, e ele dentro da igreja com a cara de santo se como nada tivesse acontecendo.

Outra conseqüência deste processo é a tendência a esconder o sofrimento. A mulher tem vergonha de expor seu cotidiano de sofrimento e acredita que faça parte de suas atribuições proteger o ambiente doméstico da interferência de outras pessoas. Era o que Lenilda (57) fazia:

não dava, eu não mostrava pra ninguém que eu sofria. (...) eu achava que não tinha que se envolver nos meus problema com ele.

As mulheres tentam ao máximo corrigir a trajetória de sofrimento em que vivem, esforçando-se para compreender o que se passa com o companheiro. Como procuram fazer Helenice (51) , Lenilda (57) e Eronita (46):

eu acho que ele era um homem doente, agora que ta tudo calmo eu acho que ele é doente. Porque ele... como eu posso te explicar? Ele era uma pessoa carente, eu acho que ele ficou tudo isso porque ele perdeu a mãe com dezesseis anos e não teve apoio de ninguém. peço pra que Deus perdoe os pecados do meu marido e que dê o melhor pra ele, porque talvez na cabeça dele, ele não tava fazendo mal pra nós. Nós pensa “ele foi mal, ele foi ruim, ele foi assim, ele foi assado”, mas, e os meus defeitos também, né? Porque eu não sou perfeita, ele não é. Por isso é que eu digo que era bruxaria, macumbaria, alguma coisa, ele xingava de um jeito que meu coração, eu acho, eu acordava ali sabe, quantas vezes eu acordava no susto, num pulo só.

O destino de gênero outorga ao homem o poder de oprimir e explorar a mulher, como Lenilda (57) exemplifica muito bem em sua fala: Ele às vezes chegava do serviço e vinha, ai eu tinha que fazer tudo correndo, pra mim não deixar ele brigar. (...) Se ele chegasse... é... do serviço, ele ia nos móvel, se tivesse pó ele me batia, assim normal, me batia. “Por que eu não limpei e não tirei os pó das coisa”. Que eu já não trabalhava pra fica dentro de casa pra tira... deixa tudo

certinho.(...)... se alguma coisa tive fora do lugar, ele vinha reclamar. Eu não era pra fala sim nem não. Eu tinha que fica calada. Se eu reclamasse, ai eu apanhava. Como as vezes eu ficava com tanto medo que eu só chorava, ficava quieta só ouvindo ele fala. “Amanha se eu chegar e tiver no mesmo lugar, vc vai vê. Ai eu já sabia, já acordava e fazia tudo isso, que nem um robô dentro de casa. Eu não sentia minha casa, eu me sentia... como se eu fosse uma empregada.

Pode-se perceber pelo discurso das mulheres entrevistadas que o destino de gênero é reproduzido intergeracionalmente, ou seja, as gerações adultas transmitem através da educação esse padrão de comportamento que passa a se reproduzir entre os filhos, como contam Lair (56), Eronita (46) e Lenilda (57):

(seu filho) odeia o pai e mesmo assim tem atitudes idênticas a do pai. Lair diz que sua nora Vanessa, 26 anos, também sofre agressões pelo marido e que cresceu presenciando pessoas sendo agredidas. Vanessa não desejava se relacionar com pessoas violentas mas mesmo assim, ela tem contato com pessoas que a agridem desde a infância, o tio que a espancava e hoje seu marido. As meninas também tinham medo dele. Eu acho que elas ainda tem, porque a menor é como eu, fica preocupada em ajeitar as coisa para o pai quando ele chegar. (...) Sabe, porque, elas estão como eu era com ele, elas estão sabe, eu era debaixo da saia dele e elas estão indo no mesmo caminho sempre achei que o homem tem que ter o pulso mais firme em casa, porque os filhos não obedece a mãe, mas o pai é bom, pra ele por respeito. Então nunca tirei o direito dele corrigir meus filhos, se querem ir à algum lugar “vá pedir pro seu pai” (...) meu genro ele é chato, se meu genro desse um tapa na orelha da minha filha, era bem dado, porque tem hora que ela extrapola, você entendeu?

O destino de gênero também consolida o ideal de que a mulher deve sempre tentar uma reconciliação com seu companheiro, já que seu destino é estar ao lado dele, incondicionalmente. Lenilda (57) relata em sua entrevista que foi reencontrar o marido para uma reconciliação encorajada pela irmã, embora temesse pela própria vida: Aí minha irmã pegou e falou “Olha, se você acha que não dá certo, que ele vai ficar atrás de você, dá uma chance pra ele, quem sabe, você nunca separou dele desse jeito pra ficar tanto tempo, quem sabe ele mudou agora”. Aí eu comecei pensar e falei “é mesmo, a Cris ta esperando neném, vai ser uma barra, vai ser uma barra até pra contar pra ele, né?” Aí eu falei ta bom, aí fui pra firma falei com ele, marquei com ele pra conversar com ele, aí ele foi e eu fui prevenida, porque de repente ele pode fazer alguma coisa comigo, aí eu já tinha ido na delegacia, fiz um B.O., que ele me ameaçava, então se acontecer alguma coisa, então não podia imaginar, aí eu fui.

Outra expressão do destino de gênero é a dupla moral sexual, através da qual ao homem é permitido o adultério, ao contrário da mulher.

A sociedade não apenas aceita o adultério masculino como também encontra sempre uma maneira de justificá-lo através da conduta da esposa. A mulher acaba, quase sempre, sendo culpabilizada pelo seu próprio sofrimento. Se apanhou do marido, se foi por ele assassinada, é porque assim o mereceu. A polícia, a justiça, enfim, a sociedade transforma a vítima em ré, até depois de sua morte. (SAFFIOTI,1987:45)

Podemos perceber a resignação de Eronita (46) e Helenice frente a esta situação em seus relatos ele tem essa amante, uma noite sim outra não vem aqui pra casa, mas a gente não se fala mais, ele dorme no quarto das meninas (...) agora nem minha comida ele come mais quando o wellington estava com 3 pra 4 meses, ele pegou e teve um... começou a frequentar um bordel. então, hum. então ele chegava em casa e culpava eu, que eu era isso, por exemplo que eu era cachorra, eu era sem vergonha, eu era tudo de mal que tinha eu era. ele era o bom, até então eu não sabia. (...) eu falei com ele, ele desmentiu. daquele dia em diante então começou a tragédia, quando ele não queria, quando ele não saía com essa menina, ele me queria a força. não se importava com que eu tava fazendo, a situação que tava, ele me pegava. e tem mais, ele me tratava como ela, ele acaba de ter relação, ele nunca me dava atenção, ele virava pras costas e dormia. e quando eu falava que eu não queria, aí ele começava a me chutar com os pés, a me cutucar, a me empurrar da cama. tudo ali, eu quieta, com criança pequena passando e minha mãe também junto com a gente.

Como foi tratado anteriormente, o patriarcado

...refere-se especificamente a sujeição da mulher, e que singulariza a forma de direito político que todos os homens exercem pelo fato de serem homens (PATEMAN apud SAFFIOTI, 2004:55). quando há uma separação, o homem - muitas vezes inconformado com a perda de sua amada ou de seu objeto de dominação - passa a perseguir a mulher, ameaçando-a de morte, caso ela não concorde em restabelecer a relação marital e, não raro, comete esse homicídio. Isso significa que, embora o casamento formal tenha sido desfeito, a relação continua existindo para o homem, pelo menos simbolicamente. A grande diferença entre o galinheiro e a sociedade, entre os animais e o ser humano, reside na capacidade humana de simbolizar. Por construir cultura, elemento ausente nas sociedades animais, o ser humano atribui significado a suas ações e às dos outros, assim como aos objetos e aos fatos. Em virtude disso, o macho da espécie humana estabelece não apenas seu território geográfico, mas também um território simbólico no qual reina soberano sobre mulheres, crianças, adolescentes e idosos. O homem é socialmente poderoso, e essas outras categorias são frágeis. Isso é fruto do processo cultural de simbolização. (SAFFIOTTI: 1997)

Neste panorama percebe-se que a mulher passou a ser mais uma propriedade do homem. Nas entrevistas é notório que todas viviam controladas por seus parceiros e sofriam com os acessos de ciúmes dos mesmos. Maria (43) contou que:

Na primeira fase do namoro o rapaz sempre a tratou bem, mas já era perceptível à Maria e à sua família, que o rapaz exigia submissão. Eventualmente, algumas brigas aconteciam devido ao ciúme do namorado. (...) No caminho parou para comprar um presente, devido a isso chegou alguns minutos mais tarde em casa. O que foi suficiente para o marido ter uma crise de ciúmes, principalmente, porque Maria na ingenuidade contou que pegou carona para não se atrasar tanto.(...) Devido ao ciúme não trabalhou por sete anos. Um dia seu marido a agrediu na frente do filho que na época estava com mais ou menos quatro anos. Maria não se recorda do motivo exato, na realidade tudo era motivo para brigas, tapas e humilhações. (...)Aos poucos deixou de ir à igreja para evitar crises de ciúme do marido, o que a fez se anular por completo, pois, lá também era um local onde podia ser mais livre.

Eronita (56) relatou que: Eu sempre gostei muito de conversar e uma vez quando ele saiu de minha casa e foi para o bar, eu sai para casa de uma amiga para contar as coisas do meu namoro porque eu tava contente e queria contar para outra pessoa, mas ele me viu saindo e brigou comigo e me fez voltar para casa. Ele foi meu primeiro namorado sério.

Lenilda (57) também narrou em seu cotidiano muitos exemplos de cerceamento e ciúmes: Aí uma vez ele deixou, falei vou voltar a estudar. Por que aí eu vou escrever. Eu tenho mania de comer letra. Só que ele ia me levar e buscar, e ele ficava parado no carro até eu sair da escola Ai eu cheguei e falei pra ele, eu vô te de fala, arrumei um serviço e vou trabalhar numa firma. Ele arregalou os olhos e falou: você trabalhar em firma? Não eu não tenho mulher pra trabalhar fora.

Outra expressão do destino de gênero que pode ser encontrada nas entrevistas é a culpa que as mulheres se atribuem pela violência vivida, como pode ser observado no discurso de Eronita (46) e Lenilda (56):

Porque se eu percebi desde o inicio e continuei com uma vida dessas é porque eu tenho... a minha família me avisava, mas eu tava aceitando, né? Como eu sabia que tudo isso meu pai, minha mãe avisou antes e eu quis, né lutei pra mim casar com ele. Então eu achava que não tinha que se envolver nos meus problema com ele.

Dessa forma, pode-se perceber como a categoria destino de gênero é uma ferramenta relevante para a análise sócio-histórica da violência doméstica contra a mulher, pois nos permite perceber padrões de comportamento específicos que são reproduzidos dentro do tecido social e que fomentam a violência cotidianamente.

O destino de gênero vela e revela uma dinâmica impregnada de resignação, sujeição e até formas de explicação pela perspectiva da vitimização do agressor. É uma das determinações históricas assentadas na ideologia patriarcal que vem se reproduzindo e resistindo na cultura. (GUIMARAES: 2011, 64)

A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA IMBRICADA AO TERRITÓRIO

A categoria território é entendida nesse estudo como um elemento importante na complexa constituição da situação de violência. As pessoas que convivem em um espaço produzem e reproduzem uma dinâmica cotidiana que está diretamente relacionada ao ambiente que as circunda.

O território vem sendo um elemento importante abordado em diversas experiências, não apenas sob o ponto de vista do Estado, mas também da sociedade. Esta perspectiva fomenta também o debate sobre a inclusão social, a cidadania, a democratização das informações e a participação dos cidadãos na vida da cidade. Pois o território, para além da dimensão física, implica as relações construídas pelos homens que nele vivem. (KOGA, 2002:24)

A análise das entrevistas permite que se perceba como as condições de vida da população assim como a convivência comunitária delineiam um leque de possibilidade que parece bem restrito. Na verdade, como nos aponta Koga,

as histórias de vida parecem repetir-se de geração em geração: gravidez precoce, desnutrição, educação precária, desemprego. São sofrimentos já naturalizados. (2002: 43) A potencialidade destes destituídos é cotidianamente cassada não apenas na falta de oportunidade de acesso ao trabalho, mas também na forma com que se desdenham da sua própria condição humana, da sua dignidade. Quando a política pública desconsidera a condição humana desta população, ela também cassa ou “mata” seu potencial. (2002: 42)

Dessa forma, percebe-se que nos territórios vulnerabilizados os índices de violência são mais altos, assim como a naturalização destes eventos. Este fato pode ser comprovado pela fala de Helenice (51):

E muitos. Muitos casos. É cheio, é cheio, é cheio e isso é só na rua onde eu moro. Se for ver a comunidade você vai ver muitos casos.

Nos dois relatos que seguem de Helenice (51) e Lenilda (56), podemos perceber como a pauperização da população intergeracionalmente legitima a violência. Nos dois casos, as mães, incapazes de prover sozinhas o sustento de suas filhas, acreditam que viver com um homem agressor é um mal menor:

Minha mãe alegou que eu tava com a criança pequena, já tinha a Michele que tava com quatro anos, tinha o Wellington que tava com alguns meses. Então ela alegou como que eu ia manter essas duas crianças. Porque nem eu, nem ela trabalhava. Minha mãe nunca teve pensão nem nada, então, ia sim, ia ficar uma situação difícil, né. Mas daí em diante, minha filha, a situação começou a piorar. ...que minha mãe tinha muito irmão, muito filho, é que nem eu falei. Todo sábado minha mãe ganhava filho, então não tinha condições, quando comprava o sapato pra um, o sapato do outro já tava rasgado, então minha mãe não tinha uma madrinha. (...) Olha eu nem sabia o que era amor direito. Mas foi o amor, na época, que eu amava ele, que eu ía me casar com ele, que eu queria ter um quartinho pra mim, porque ele falava, né? Que vamo ter a nossa casa. Então ele falava as coisas bonita, que era o que eu queria ouvir. E eu queria sair dali. Minha mãe com aquele monte de filho, eu queria ter o meu canto também. E minha mãe por outro lado, achava que ele era um bom partido pra mim.

Acredita-se que o território constitui um instrumento importante para o estudo da violência doméstica, pois se compreende que em territórios violentos a reprodução e a naturalização deste fenômeno é potencializada, como pode ser observado no relato de Helenice (51):

essa minha vizinha, ela passou pela mesma forma, ela passou pela mesma situação só que o marido, o problema do marido dela não era de álcool. O problema dele era a droga. Parede e meia com a minha, então ela também passou por um sistema muito doloroso, inclusive ela veio, se abriu pra mim. Muita ameaças. Só que agora ele saiu de casa, e ela virou a cabeça, ela ta pagando com a mesma moeda o que ele fazia com ela. Então a situação ta difícil. (..)

Nos territórios onde o poder público se omite geralmente surgem poderes paralelos que atuam na sua ausência. Este fato legitima ainda mais as ações violentas dentro da comunidade, como discorre Helenice (51):

Onde a gente mora, se a gente for atrás dos bandidos eles da um jeito, mas jamais eu vou mexer com bandido pra pegar ele. O Wellington mesmo, muitas vezes falou que ia atrás dos bandido para pegar o pai, porque o pai me tratava daquela forma. (...) Inclusive ta fazendo quase dois meses que mataram um rapaz, que ele abusou de uma menina de 14 anos.

Dessa forma, percebemos como a violência domestica é potencializada em territórios violentos constituindo-se como uma questão pública sobre a qual deve incidir uma política específica.

A intervenção das políticas públicas deveria estar atenta não só às condições individuais de vida das pessoas, mas também às construções de relações acumuladas na coletividade.

Significa um novo olhar sobre a população e o território. O aspecto relacional se faz intrínseco às condições de vida das pessoas. (KOGA, 2002: 41)

O ESPECTRO DO ABANDONO IMPLÍCITO NO LEGADO GERACIONAL

No processo de socialização a mulher é ensinada desde a infância de que não será capaz de viver fora da tutela de um homem, seja de seu pai ou de seu marido. Na sua vida cotidiana ela vivencia este fato: seja pela desvalorização das tarefas domésticas (que ela aprendeu como “naturalmente” femininas), seja pela sua maior vulnerabilidade à violência, seja pela super exploração no mercado de trabalho, seja por entender sua importância apenas atrelada à outros sujeitos etc.

As experiências de abandono acabam, de forma paradoxal, apenas lhes confirmando a crença em sua baixa capacidade para operar em território masculino, reiterando, paralelamente, a suposição de que o que lhes faltou foi o “homem certo”. Dessa imprescindibilidade percebida entre o feminino e o masculino segue-se a transferência de figura de amparo como uma estratégia na luta por exaurir todos os recursos para minorar seu sentimento de indeterminação. (SALEM, 1981:97)

Dessa forma, as mulheres que vivem sob o espectro do abandono nutrem o medo de serem abandonadas, pois temem as conseqüências de viver sem o respaldo de um homem. Em comunidades vulnerabilizadas, as famílias acabam se reestruturando de forma que todos os indivíduos possam sobreviver. Há casos em que filhos são enviados para serem criados por parentes em situação mais favorável, assim como os maridos que saem de casa em busca de melhores oportunidades de trabalho longe da família, constituindo as denominadas “viúvas de marido vivo”.

Uma estratégia do grupo familiar que, em face da carência material a níveis insuportáveis, diminui precocemente seu tamanho por meio da dispersão artificial e antecipada de alguns de seus membros. (SALEM, 1981:69)

Sendo assim, muitas mulheres entrevistadas tinham o abandono em seu histórico, seja na infância pelo pai ou pela mãe, na vida adulta pelo marido ou finalmente pelos filhos. Em seu relato, Lenilda (56) contou como temia separa-se do marido e o medo que tinha de ser abandona pelo filho:

... porque eu achei que eu podia sair e não conseguir viver sem você, só que eu sei que eu consigo.

Agora eu to vendo meu filho se virando contra mim. O meu filho que eu pulei na frente do meu marido com uma faca, meu marido pegou uma faca pra ir em cima dele, ai eu pulei na frente sabe? Agora, meu filho, que por causa de uma mulher que amou, que não sabe da onde essa mulher saiu, tá contra mim? (...) Esses dias ele falando pra mim: vamos no medico, eu não quero, não posso ficar sem a senhora, então esse filho que eu tava perdendo, não, tem que ter sabedoria, a gente não pode usar só com a emoção, tem que ter sabedoria, e é isso por que, por que? Eu deixava ele fazer tudo, eu deixei tudo que eu mais gostava na vida, dançar, quando meu pai morreu pra você vir aqui, não ter sabedoria pra agir na minha casa

Percebe-se no discurso das mulheres um descontentamento com a presençaausência da figura masculina em seu papel de gênero assim como o temor por uma abandono que pode vir a se concretizar a qualquer momento.

...essa indeterminação (...) fundamentada no gênero e aguçada pelas condições de vida desse estrato. Ela resulta, basicamente, da conjugação entre a delegação do enfrentamento do mundo extrafamiliar à figura masculina e à vivência de situações várias nas quais o homem, como personagem efetiva de suporte, mostrou-se, aos olhos da mulher omisso ou esteve, de fato, ausente. (SALEM, 1987: 66)

Lenilda (56) viveu uma infância de muita pobreza apesar de seu pai ganhar muito dinheiro, pois ele mantinha duas famílias.

... não tinha condições, quando comprava o sapato pra um, o sapato do outro já tava rasgado, então minha mãe não tinha uma madrinha. Então era uma vida mesmo ali, de pobreza, sabe? Aí meu pai tinha a minha madrasta, então meu pai tinha duas família, ganhava bem, que naquela época, os pedreiro, que agora chama consultor, né? Ganhava muito bem!

Helenice (51) foi negligenciada pelo marido em pleno trabalho de parto e enquanto viveu com ele passou muita necessidade: “Minha mãe vai ganhar neném e ela precisa ir pro hospital e eu vou chamar minha tia, porque o pai chegou bêbado.” Ela sempre chamou ele de pai, o pai chegou bêbado. Aí ele pegou e falou pra ela assim: “Vai lá chamar a tia que eu vou procurar um carro pra levar a tua mãe”. Aí voltou lá no bar, viu um colega dele que tava com uma caminhonete, acho que tinha cerca de uns cinco ou seis homens que tava tudo lá, foram tudo em cima dessa caminhonete (risos) porque se ela atolasse no barro né, eles empurrava. Foi o que aconteceu, a caminhonete, a caminhonete atolou e aquele bando de homem meio bêbado, todo mundo empurrando essa caminhonete para que nois chegasse no posto vinte e quatro horas. (risos) Quando nois chegamo no posto, a médica disse assim: “Quem é o pai?” O meu vizinho dizia assim: “Aqui não tem pai não, socorre ela que ela ta precisando, não tem pai, socorre ela”. Aí tudo isso foi corroendo, aí eu chegava em casa, começava a ficar nervosa e às vezes as crianças tinha algum problema durante o dia e eu precisava dele em casa mais cedo, ele não vinha.

Mal e mal ele punha o arroz e o feijão dentro de casa, ele não comprava medicamento, ele não comprava uma roupa, não comprava um calçado. Ele achava que o essencial era o arroz e feijão, né. Porque, mistura, minha filha, se eu não fizesse uns biquinhos a gente não comia nenhuma mistura, não tinha carne, uma verdura, não fazia feira. (Risos) Era tudo isso, tinha dia que ele saía, me deixava com as duas crianças e com R$ 1,00 dentro de casa e o arroz e o feijão, mais nada, que era o real do pão. Aí sempre tinha aquela coisa uma mistura, às vezes tinha algum problema que eu tinha que sair, levar em posto, dinheiro de condução, dinheiro de remédio, essas coisas pra ele não existia, nada disso.

É importante notar que a ausência masculina se faz presente tanto no plano concreto como emocional. Helenice (51) lamentava muito a falta de apoio que tinha do marido:

E ele chegava bêbado e xingando. No dia da morte da minha mãe, ele não teve coragem de chegar e me da um ombro pra mim chorar, mas nem no cemitério... ele ficou metros e metros longe de mim. Ele não me deu uma palavra de consolo, ele não se aproximou de mim e nem dos meu familiar.

Pode-se observar que ao se separar Helenice (51) teve que enfrentar um cotidiano difícil:

Olha, eu não sei se se julgava amor. Porque a gente sente falta de uma segurança, que apesar de tudo isso, eu sabendo que eu tinha um homem dentro de casa, eu me sentia segura. Porque eu moro num bairro que é meio perigoso. Então a partir que ele foi embora, só ficou eu e os três menino, eu me sentia insegura. E o que foi que aconteceu? Eu chego em casa e eu sentia preocupação com os menino, com a escola, responsabilidade da casa. Eu passei muitos dias sem dormir. (...) Com a alimentação eu nunca me preocupei, mas com o bem estar das criança, a segurança, a noite, do falatório. Que a gente com o companheiro é uma coisa, sozinha é outra. A pessoa vê a gente de outro modo.

Devido à dependência objetiva e subjetiva que desenvolvem, muitas mulheres temem viver sozinhas e acabam optando por ter um relacionamento, mesmo que isso signifique viver em situações de violência, como foi o caso de Regiane (49), Maria (42) e Helenice (51): emocionalmente se encontrava carente, frágil e desprotegida, fatores que a levam ter uma relacionamento amoroso com Ângelo. Confesso que ainda tinha um fio de esperança que o casamento viesse a melhorar, como já frequentava a igreja conversei com o pastor. O mesmo nos chamou para conversar, meu marido ficou transtornado quando percebeu que sua imagem perante o pastor estava “manchada”, quase que apanho do marido na frente do pastor, que teve que intervir para eu não apanhasse. Desde então, percebi que não tinha mais jeito, meu marido sempre pedia

perdão, mas após alguns minutos tudo voltava tudo ao normal. Após nove anos de casamento fiquei grávida do segundo filho (uma menina), novamente parei de trabalhar, o que evitou muitos conflitos e agressões físicas. Porém, as agressões psicológicas sempre permaneceram, meu marido sempre me acusava de ser prostituta. Em minha bolsa não podia ter batom, senão era motivo de mais brigas.

Aí houve a separação, ele foi pra casa da irmã dele e eu continuei em casa. Aí ele queria porque queria a casa, dizia que a casa era dele e isso e aquilo. Tava todo dia na porta de casa ameaçando. Eu sei que eu peguei, juntei tudo as minhas coisa e fui pra casa da minha irmã. O galpão onde eu fiquei era muito úmido e as criança começaram a passar mal. Eu voltei pra casa e nois ficamos três meses separados, aí ele começou a ir no final de semana, mais calmo, diz que tinha parado de beber, que as coisa ia mudar, pedindo pra voltar.

Dessa forma, percebe-se como a construção do papel de gênero feminino imputa à mulher uma incapacidade de viver sozinha que lhe custa muitas vezes a própria vida.

CONCLUSÃO

A pesquisa em questão permitiu compreender como a violência doméstica de gênero contra a mulher é uma expressão da questão social, demandando uma resposta efetiva do aparelho estatal para seu enfrentamento. No primeiro capítulo estudado foram analisados os fundamentos teóricos que explicam a opressão das mulheres: gênero, capitalismo, patriarcado, violência, discriminação, ideologia e preconceito. Conhecer o entrelaçamento dialético dentre esses fatores nos permite reconhecer as possibilidades para poder desconstruir as relações sociais que oprimem as mulheres. No segundo capítulo fez-se a análise das expressões da violência, com base na pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaço público e privado” realizada em 2010 pela Fundação Perseu Abramo com o objetivo de fornecer visibilidade quantitativa do objeto estudado. A pesquisa deflagra a violência no cotidiano contra a mulher: no seu lugar na sociedade, na limitação de seu acesso aos espaços públicos, no seu baixo acesso ao mercado de trabalho, na sua remuneração depreciada, no cerceamento de sua sexualidade (que deve ser vivida com poucos homens, preferencialmente com apenas um), na violência doméstica, na pouca participação política etc. Percebe-se que apesar de haver alguma melhora na condição das mulheres, a igualdade entre gêneros desponta num horizonte distante. No terceiro capítulo foram analisadas as determinações sócio-históricas presentes nas situações de violência. Percebeu-se que o discurso das mulheres vítimas de violência tinha muitas similaridades, tanto no entendimento da realidade quanto nas ações empreendidas na busca de saídas dessa situação. Foram analisadas seis categorias elencadas: destino de gênero e a força ideológica dos papéis de gênero; a naturalização da violência imbricada ao território; o espectro do abandono implícito no legado geracional; a força do fraco; co-dependência, dependência e reciprocidade; sofrimento ético-político e suas manifestações nas doenças psíquicas. Estas categorias apontaram eixos importantes para a problematização e superação das formas de pensar e enfrentar a ideologia e as relações de gênero que fundamentam e legitimam a violência doméstica contra a mulher. Sendo assim, percebe-se que o presente estudo sistematiza um conhecimento importante sobre as particularidades da violência domestica: suas raízes, sua percepção e expressão na sociedade contemporânea além de fornecer dados importantes sobre as determinações sócio-históricas que a fomentam.

Destacamos que este estudo deflagra a violência domestica como uma expressão da questão social, tanto pela sua condição de ser socialmente determinada como pela sua expressividade demandando uma resposta efetiva pelo do poder público. Dessa forma entendemos que a violência contra a mulher carece de discussão tanto na esfera pública quanto na privada objetivando o acesso à informação e à desconstrução dos papéis sociais desencadeadores de desigualdades. Indubitavelmente, é inconteste a necessidade de superação da transfiguração das diferenças sexuais em desigualdades de poder político, econômico, social e cultural. O debate acerca dos preconceitos e das discriminações contra a mulher mostra-se imperativo frente ao desenvolvimento da sociedade e da melhoria na qualidade de vida de todos. A luta pelo acesso aos direitos e principalmente a uma vida sem violência constitui fundamental relevância merecendo colocar-se entre as prioridades do poder público enquanto manifestação do acesso à cidadania e à igualdade. A preocupação primordial na criação, manutenção e fiscalização da correta aplicabilidade de políticas públicas capazes de garantir os direitos assegurados pela Constituição, porém negligenciados pela população faz-se imprescindível. Portanto, o reconhecimento da importância da ação estatal é indispensável no que concerne ao avanço do quadro de luta contra a violência. Vale ressaltar, que assim como o Estado é necessário que a sociedade civil também se conscientize quanto ao aspecto impreterível da maior visibilidade da violência doméstica despojando-se de comportamentos evasivos os quais muitas vezes representam o agravamento da situação de violência. Ademais, não se pode relevar a indispensabilidade da existência de órgãos e instituições qualificados, dispondo de atendimento multidisciplinar, devidamente habilitados e aparelhados aptos ao acolhimento dessas mulheres. Outrossim, pode-se destacar o caráter fundamental da manutenção de profissionais capacitados em seus campos de ação, que disponham de supervisão quando necessário e que possam compartilhar as dificuldades do trabalho com sua equipe visando a um contínuo atendimento humanizado, equilibrado e competente vislumbrando às mulheres um horizonte de emancipação isento de toda e qualquer manifestação de violência.

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Vídeo aula sobre os aspectos polêmicos da Lei Maria da Penha Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3rmGAQ3znsI .Acesso em 20 de mai às 16:55.

ANEXO I

ENTREVISTAS NA ÍNTEGRA REGIANE ALVES Identidade 

Idade: 49 anos



natural de São Paulo



segundo grau completo



ocupação profissional: fiscal de ônibus.



evangélica da Igreja Batista



moradora do bairro Pedreira, região Sto. Amaro zona sul – SP.

Quando você conheceu seu marido? Se deu por volta dos anos 90 quando eu me encontrava viúva com 4 filhos pequenos. Na época Trabalhava como cobradora de ônibus e na empresa conheci o funcionário Ângelo que era motorista. Interessado em ter um relacionamento com comigo ficou me cercando por meses, fazendo investidas amorosas. No Começo resisti, por meus filhos serem pequenos e por ter medo de me relacionar novamente, neste momento não havia a necessidade de ter um homem ao meu lado, pois tinha uma vida financeiramente independente, além do salário de cobradora, ainda rece uma pensão que o marido deixou. Mas emocionalmente me encontrava carente, frágil e desprotegida, fatores que me levaram a ter um relacionamento amoroso com Ângelo. Eu tinha casa própria e ele decidiu ir morar como comigo, na minha residência, com o passar do tempo Ângelo trouxe para morar com eles 1 filho de seu relacionamento anterior. Durante o primeiro1 ano e 6 meses tudo era “mil maravilhas” até minha filha caçula com poucos anos de vida passa a chamá-lo de pai, pois tamanha era a manifestação de amor para com todos.

Quando seu marido se tornou agressivo? Perto de completar 2 anos de relacionamento, Ângelo ficou desempregado, e sua personalidade muda completamente. O tempo passa e ele não se interessa mais em procurar emprego e passa a depender financeiramente de mim.

Enquanto eu trabalhava, ele gasta o dinheiro que recebeu da empresa com coisas fúteis e se envolve até mesmo com outra mulher.

Ele tinha ciúmes de você? Ângelo, por ser adúltero acredita que eu faça o mesmo, pois as pessoas me achavam uma mulher muito bonita, isso fazia ele ter um ciúmes doentio.

Sem ocupação, durante um ano ele passa a me seguir sem que eu soubesse, quando eu menos esperava lá estava ele, me amedrontando, quando não ele disparava um questionário de perguntas sobre meu dia, querendo saber de sua rotina, com quem havia conversado e assim por diante. A coisa vem a piorar, quando ele se entrega a bebidas e passa a judiar fisicamente e psicologicamente não somente de mim, mas das crianças também. Já caminhando para quatro anos de convivência, sendo os últimos dois só de transtorno, Ângelo propõe que eu coloque não somente os quatro filhos dela como também o próprio dele em um colégio interno; que abandone meu emprego, pois a pensão que ele recebe daria pra nós vivermos sozinhos.

Seu marido te ameaçava? Ângelo passou a fazer ameaças, por várias vezes, tentando me matar com requintes de crueldade e as crianças assistem a tudo. Foram vários os boletins de ocorrências expedidos contra Ângelo, que não resultou em nada, mas apesar de tanto sofrimento eu ainda nutria um sentimento por ele. Quando eu começo a entender que o que sente por ele era uma obsessão, decidi fugir somente com meus filhos da Zona sul para Leste da capital, para me abrigar na casa de uma amiga,com o intuito de que não me encontre. O que foi inevitável, pois depois de tanto Ângelo investigar descobre o endereço da minha amiga e em uma sexta-feira chegando em casa por volta da meia noite, depois de um turno de serviço, no portão de minha nova casa, ele me abordada com uma arma em punho, tentei correr, mas não consegui ele disparou o primeiro tiro em meu rosto dizendo que começaria acabando com minha beleza, não satisfeito descarrega o revolver 38 sobre mim e fugiu. Gritei por socorro, mas ninguém apareceu para me ajudar, mas não sei quem, acionou o resgate e fui socorrida.

Você deu queixa da tentativa de homicídio? Na delegacia das mulheres foi lavrado contra Ângelo, um boletim de ocorrência por tentativa de homicídio, eu e meus filhos fomos colocados em regime de proteção, pois Ângelo estava solto. Só sei que quem ama não bate e nem mata, cuida para que o amor seja eterno. Depois de recuperada, a delegacia das mulheres em ação multidisciplinar, me encaminhou para a defensoria pública e para o centro de referência da mulher (CASA ELIANE DE GRAMMONT), para tratamento psicológico onde permaneço até os dias de hoje. Já passados mais de 12 anos, mas ainda tento superar os meus medos, tenho orgulho em dizer que a casa de referencia foi a luz no fim do túnel.

Você conseguiu refazer a sua vida? Consegui crescer profissionalmente, exercendo a função de fiscal de linha, agora tenho mais tempo para me dedicar aos meus filhos, sendo que os dois primeiros já se casaram, refiz minha vida amorosa me casando com o Marcos, um homem que me valoriza e respeita.

O que você diria a mulheres que estão passando por situações de violência de gênero? Acredito na importância de nós mulheres não nos calarmos diante a violência, para que o fim não venha a ser trágico, e que há pessoas e órgãos comprometidos à ajudar mulheres vítimas de violência como a equipe da casa Eliane de Grammont.

Entrevista realizada pela aluna Noemia Bettencort Albuquerque.

ERONITA

Identidade 

Idade: 46 anos



Escolaridade: 2º grau - magistério



Profissão: Vendedora autônoma



Residência: Terceira Divisão – Zona Leste - São Paulo



Quantidade de filhos: 02 filhas (18 anos e 12 anos)



Situação Civil: Casada (mais ou menos 20 anos)

Como você conheceu seu marido? Ele é do mesmo interior que eu, mas eu só o conheci quanto ele voltou do Rio Janeiro, aonde tinha ido procurar trabalho. Eu o conheci mesmo na casa de uma pessoa que fui visitar, ele estava lá. Depois nos encontramos de novo e aí começamos a namorar. A família dele não queria nosso namoro. Quando ele disse que ia casar comigo o pai dele e ele brigaram de faca no quintal da casa dele. Lembro que a primeira vez que eu fui na casa dele, ele teve que pagar a galinha que a mãe dele fez pra eu almoçar... Ele teve uma família muita complicada... O pai dele teve duas mulheres, do primeiro casamento ele teve seis filhos, do segundo teve cinco e ele e a irmã dele são os mais velhos..

Como era o relacionamento de vocês na época de namoro? Era uma ciumeira só. Dos dois lados, eu também cobrava muito ciúme dele. Por isso brigávamos muito, eu sempre gostei muito de conversar e uma vez quando ele saiu de minha casa e foi para o bar, eu sai para casa de uma amiga para contar as coisas do meu namoro porque eu tava contente e queria contar para outra pessoa, mas ele me viu saindo e brigou comigo e me fez voltar para casa. Ele foi meu primeiro namorado sério.

Quando as brigas começaram? De verdade, as brigas sempre existiram. Mas antes ele nunca me xingava com violência, era só briga por ciúme. Mas depois de casado acho que a briga mais seria

que agente teve foi quando ele foi para Areia procurar emprego. Meu coração dizia para eu ir atrás, então fui, e quando cheguei lá de manhã depois de ter viajado a noite toda, o sobrinho dele pequeno, de uns quatro anos na época, disse que o tio tinha dançado a noite toda com a vizinha deles. Aí eu não agüentei, briguei feio com ele. Ele disse que só tinha sido uma dança, mas eu não quis nem saber.

Como era o relacionamento do seu marido com a família dele? Ele o pai brigavam muito. Tem muita historia pra contar. O pai dele parece que teve uma vida também muito sofrida, ele também fez os filhos e a mulher sofrer muito. Ele, o meu marido, já bateu em duas irmãs deles por causa briga.

Por que ele bateu nas irmãs? É muita historia.

Como era o relacionamento do seu marido com a sua família? Hoje eu vejo como eu fui do lado dele. Na minha casa a televisão era como se não fosse do meu pai e da minha mãe. Ele chegava lá e assistia aquilo que ele queria, não importava o que meu pai e minha mãe queria ver na televisão. Agora eu lembro que meu pai chegava da roça, cansado de tanto trabalhar e pegava o prato dele e ia para a casa do vizinho assistir televisão porque o Paulo César tava assistindo o que ele queria na televisão.

Alguma vez ele te agrediu fisicamente? Não. Só me xingava com todo tipo de palavras. Ele usava as palavras mais feias.

Quais palavras eram essas? De porra, rapariga e miserável pra lá. Ele me ameaçava dizendo que eu sa o peso da mão dele. Por isso é que eu digo que era bruxaria, macumbaria, alguma coisa, ele xingava de um jeito que meu coração, eu acho, eu acordava ali sabe, quantas vezes eu acordava no susto, num pulo só. Ele já chegava de mal humor. Se ele fosse lá no quintal e ele percebesse que eu tivesse dado uma rosa, pronto, ali já me esculhambava, porque pras rosas... era tanto nome, pra magoar... na frente das meninas, e até pouco tempo

ele falava na frente das meninas, isso é... como a senhora vê, é assustador pra elas mais tarde, né, ficar revoltada. Uma vez eu senti a mão dele bem aqui no rosto (neste momento ela colocou a mão sobre o olho esquerdo), mas minha filha disse que o pai não me bateu não, mas eu senti alguma coisa. Acho que bateu.

No dia seguinte tinha algum hematoma no local? Não, não tinha nada.

As brigas de vocês eram na frente das meninas? Sim. Ele não media palavras. Para ele tudo era dele, nunca nosso. Ele dizia minhas filhas, meu carro, minha casa. Quando ele chegava em casa do trabalho ele nem respeitava se eu tava dormindo, já ia reclamando de tudo, dizendo que aquilo estava desarrumado, sujo, que eu era preguiçosa. E eu acordava assustada.

E quanto às meninas? As meninas também tinham medo dele. Eu acho que elas ainda tem, porque a menor é como eu, fica preocupada em ajeitar as coisa para o pai quando ele chegar. Muita gente pensa que as meninas são do lado dele. As meninas tem medo também. A pequena, falou eu vou estudar o ano que vem de manhã, e perguntou: ‘quem vai fazer a comida de papai?’, ela fica já pensando, porque eu é quem faço a comida, mas de vez quando eu escuto ele dizendo pra ela: ‘ah, Helen, eu vou sair amanhã cedo Helen, num sei o que, fala pra ela sabendo que sou eu quem vou fazer. Então fica tudo...

Quando as coisas começaram a mudar entre vocês? Foi quando eu não quis mais fazer o sexo do jeito que ele queria. Aí ele ficou cada vez pior, mais ignorante.

Como era esse sexo que você menciona? Ele queria fazer coisas que não se faz com uma esposa, ele queria fazer sexo como se eu fosse uma prostituta.

Sempre foi assim?

Não. No começo do casamento não.

Era um sexo violento? Não. Só que ele queria que eu fizesse coisas que eu não acho certo.

Você procurou ajuda ou conversou com alguém sobre o assunto? Uma vez falei para a uma das minhas irmãs. Também quando eu tava morando na favela, eu uma vez fui ao posto de saúde e conversei com a enfermeira e ela me disse que era caso de denunciar ele a polícia. Sai dali e nunca mais voltei.

E quanto às ameaças? Ele me repetiu muitas vezes de que eu conhecia o peso da mão dele. Uma vez ele chegou bem perto de mim... assim... Ele dizia que eu era doente, e uma vez me disse, bem que minha irmã avisou que eu não cassasse com você porque você é doente, eu não sei de onde ele tirou isso.

Como você se sentia depois das brigas? Eu me sentia em depressão. Quando ele saia de casa eu ficava no sofá cheirando o meu pano. Eu não tinha vontade de fazer as coisas. As únicas coisas que eu nunca deixei de fazer foi fazer a comida e lavar a roupa.

Você tinha medo dele? Tinha. Ele me xingava muito.

Ele tinha outras mulheres, amante? Não. Essa foi a primeira. Faz mais ou menos cinco anos. Ele é mais velha do que ele, tem 50 anos parece, assim disse a minha filha.

E hoje como vocês estão? Ele tem essa amante, uma noite sim outra não vem aqui pra casa, mas a gente não se fala mais, ele dorme no quarto das meninas, tranca a porta porque eu acho que ele pensa que eu vou matar ele. Agora nem minha comida ele come mais, deve pensar que está envenenada. Ele faz a comida. Antes ele chegava lá em casa e só ficava mandando, pedindo as coisas, e quando não era do jeito que ele queria brigava.

Agora não, ele quando vê que eu to na cozinha, manda as meninas ir enxugar os prato, manda ir me ajudar.

Por que ele dorme no quarto com as meninas? Sabe, porque, elas estão como eu era com ele, elas estão sabe, eu era debaixo da saia dele e elas estão indo no mesmo caminho, ele dorme no chão...

E se você propusesse para as meninas e pra ele, que ele fosse dormir na sala ou as meninas ir dormir com você. Qualquer conversa que eu falar assim mesmo... por isso eu falei com a senhora e Deus e falei pra Deus que eu não estou intrigada com ele, mas Deus sabe, um dia antes da minha viagem para a Paraíba, a minha menininha ficou mocinha e agente sempre tinha essas conversas, e na mesa ele falou meu neném com ela, e eu disse meu neném não Paulo César é nossa mocinha, eu só falei isso, aí ele disse eu lhe perguntei alguma coisa, depois pegou o prato e saiu.

E quanto às meninas, você não se sente de tocar no assunto e dizer a elas: vocês querem dormir no meu quarto? Não, porque elas acham isso normal, muita gente diz que eu sou uma vitoriosa porque elas acham normal, porque elas foram criadas num ambiente de briga, então hoje pra elas... Eu não sei o que Deus quer de mim, eu só quero que seja feita a vontade dele... Só que eu durmo bem.

Mesmo quando ele está em casa? Mesmo quando ele está em casa, agora é uma coisa que eu não posso confiar, porque ele fecha a porta do quarto porque ele pensa que eu quero matar ele... Eu queria voltar o meu casamento, mas se é para levar a aquela mesma vida, eu não quero não.

Você comentou comigo, no sábado, que uma vez teu irmão disse que te apoiaria se você se separasse do seu marido? O Paulo César e eu tivemos uma briga muito feia, quando a gente ainda morava na Paraíba, os vizinhos escutaram e contaram para meu irmão, e ele veio conversar comigo e queria saber se eu queria me separar, pois ele me apoiava. Eu disse não.

Eu nunca tinha esse pensamento de me separar. Eu acho que tava tão cega. Eu só enxergava só ele, que a senhora sabe, agente não sabe falar não. Ele já não falava “você vai sentir o peso da minha mão’, mas ele já falava ‘você já sabe o peeeso da minha mão’. Quer dizer eu tava tão sem enxergar que num momento houve mesmo, houve sim agressão... não que eu esteja escondendo ou que eu esteja mentindo, é que eu era tão... eu tão... como se diz eu queria passar a mão na cabeça dele, como se nada aconteceu, né?

Eu gostaria que você me dissesse novamente como é que você se sentia depois que ele te ofendia e te xingava? Eu me sentia amuada... aí sim, aí era quando ao invés de fazer os meu afazeres, eu ficava quieta num canto, ali eu chorava, eu passava tudo... Eu também saía muito, as minhas vendas me ajudaram muito porque eu saia pra casa de um e de outro... Mesmo que eu tivesse com dificuldade em casa, eu ficava alegre, eu sempre tive isso, mesmo no sofrimento eu sempre tive essa alegria... Depois que agente conversou eu lembrei de muitas histórias, tem muita história pra contar. Quando agente morava na favela, uma vez ele me disse pra ir buscar um comprimido pra ele no quarto, porque ele era assim só mandava, e eu disse que não ia, ele disse vai, eu disse eu não vou, e ele dizia vai- vai - vai, e eu num vou - num vou - num vou, quando eu percebi que ele tava quase batendo mesmo em mim, eu fui.

Do jeito que você fala é como se tivesse culpa do relacionamento de vocês ter sido do jeito que foi? Tenho. Tenho sim. Porque se eu percebi desde o inicio e continuei com uma vida dessas é porque eu tenho... a minha família me avisava, mas eu tava aceitando, né? Você diz: “eu percebi desde o inicio”, percebeu o quê? Quando eu falo assim, assim... eu percebi que foi um namoro assim com um ciúme dele exagerado que juntou com o meu, então, e ele tudo é eu, aí pronto...

Parece que um dos problemas entre vocês era o ciúme? É sim, ciúme exagerado, tanto dele como meu.

Existia outro problema entre vocês? No inicio do namoro, no inicio mesmo do namoro, como já falei pra senhora as palavras que ele me xingava não era aquelas mesmas palavras que ele começou a me xingar depois do casamento, mas ele já xingava. Para ele tudo era dele,meu carro, minha televisão minhas filhas, , minha casa. Eu sempre quis estudar mais, mas ele sempre me ponhava pra baixo.

Ele era um homem agressivo antes do casamento ou foi adquirindo essa característica aos poucos e com o tempo? Como eu já falei pra senhora, eu acho que é uma coisa que já vem dele, dele, sabe... Ele sempre foi... tá bom.

E hoje, como vocês vivendo? Ele dorme uns dias aqui e outros com a outra mulher, mas ele diz essa casa é dele. Quando eu voltei da Paraíba foi uma cipoada ele com uma aliança, de casado, na mão de casado, e eu não sei se aquilo é verídico, olha o tamanho da aliançona na mão de casado, se ele ta com ela ta casado com ela, não é? Não tá pra Deus, mas tá pra o mundo, não é?Aquilo é uma dor pra mim hoje, no outro dia já vai passando... em outros tempo tomava conta, eu xingava, era a maior confusão, como se diz está adormecido.

Por que você ainda luta por este relacionamento? Não sei. Eu sempre pensei comigo: na alegria, na tristeza e na dor... Eu sei Deus não quer que agente sofra.

Entrevista realizada pelas alunas Gisele Santos, Vania Andrade e Vania Maria de Souza.

MARIA Identidade 

Idade: 43 anos



evangélica

Como foi o inicio do relacionamento? Na primeira fase do namoro ele sempre me tratou bem, mas eu e minha família já víamos que ele exigia submissão. Eventualmente, algumas brigas aconteciam devido ao ciúme do meu namorado. Depois de alguns anos eu percebi que na família dele também havia um histórico de brigas, a relação do meu namorado com o pai era difícil. Seu pai era uma pessoa controladora, porque ele trabalhava em sua empresa, a relação também se caracterizava através da dependência. Reconheço que perce esse histórico e aceitava me submeter às vontades do meu namorado, porque tinha dó.

No decorrer do namoro houve melhorias no comportamento dele? A segunda fase do namoro foi mais turbulenta, o ciúme dele era o propulsor das brigas, o meu namorado já dava tapas em minha cabeça, falava muitos palavrões, puxava meus cabelos. Eu era um pouco corcunda e meu namorado me desferia socos nas costas para “consertar” minha coluna. Nós frequentávamos uma igreja evangélica bem rígida e, por isso, eu aceitava ser submissa por causa da doutrina da igreja. Antes de oficializar nosso noivado, a minha família já me aconselhava a não casar, mas eu era muito jovem não ouviu. Hoje percebo que devia ter seguido os conselhos da minha mãe,

Mesmo sabendo que ele era violento você aceitou se noivar? Antes do noivado eu e o meu namorado ficamos separados por três meses, mas cedi reatando o namoro porque ele ficou doente. Ficamos noivos por dois anos, permanecendo com as mesmas brigas da fase do namoro. Reconheço que até me acostumei com os conflitos, inclusive, os dele com minha família. No dia do noivado o meu namorado não quis que eu chamasse minha família, no final só minha mãe pôde presenciar o acontecimento. Não me lembro de mais nenhum episódio marcante de violência que sofri.

Com tudo o que aconteceu durante o namoro, você estava feliz por se casar com ele? Eu me casei com vinte anos, numa igreja evangélica, foi linda a cerimônia, e eu estava muito feliz. Toda minha família estava presente.

E na Lua de Mel teve briga? Minha “Lua de Mel” foi em Campos do Jordão. Um dia estava dirigindo e subi sem querer na guia da calçada, foi o suficiente para que meu marido me insultasse com palavrões de baixo calão. Fiquei muito triste, me arrependi de não ter tomado atitude naquela época.

Como foi sua vida de casada com ele? Eu e o meu marido fomos morar de aluguel, ele saiu da empresa do pai e foi trabalhar com informática, logo depois, terminou o curso de Direito. Na primeira semana de casamento, em plena “lua de mel” discutimos. Disse que eu não sabia passar roupas sociais. Reagi na presença dele, pisotiei na camisa e Meu marido ficou irritado por causa da comida, alegando que eu não sabia cozinhar e que também esbravejei que não iria mais lavar e passar, mas ele não fez nada. Após dois meses de casamento fiquei gravida do primeiro filho. No aniversário de meu marido, saí do serviço e peguei uma carona de carro com um colega do trabalho para chegar mais rápido em casa. No caminho parei para comprar um presente, devido a isso cheguei alguns minutos mais tarde em casa. O que foi suficiente para meu marido ter uma crise de ciúmes, principalmente, porque eu na ingenuidade contei que peguei carona para não me atrasar tanto. Ele então rasgou o presente na frente de seus familiares. Triste e chorando fui para o banho, meu marido subiu depois, e começou a discutir, afirmando que eu o tinha traído. Os ânimos se exaltaram e ele me empurrou pela escada, eu estava grávida de cinco meses, a mãe dele presenciou, mas não fez nada. Doeu mais o gesto do que a agressão física, não fui ao médico, mas rezei a noite toda pra não acontecer nada com o bebê, e realmente ficou tudo bem.

A vida social era normal? Para os outros nós éramos o “casal 20”. O meu marido queria tudo na mão, sempre falando muitos palavrões. O pior de tudo foi à omissão de pessoas próximas, como a

família dele e membros da igreja. Eu me sentia mal e humilhada. A agressão psicológica sempre foi pior do que a física, o temor era presente em todos os momentos. Quando meu marido chegava em casa eu ficava mais temerosa. Devido ao ciúme não trabalhei por sete anos. Um dia meu marido me agrediu na frente do nosso filho que na época estava com mais ou menos quatro anos, não me recordo do motivo exato, na realidade tudo era motivo para brigas, tapas e humilhações. Dessa vez fiquei com medo de morrer. Meu marido pegou um “peso de papel” para bater em minha cabeça, na hora meu sogro interveio. Eu até hoje falo que foi um milagre meu sogro aparecer de repente. Nesse momento já não sentia mais nada por meu marido, mas não tinha coragem de me separar, com uma criança pequena e sem lugar para ir. Eu falava sutilmente sobre meu sofrimento para uma amiga, que me incentivava a denunciá-lo, mas minha estratégia era ficar calada, e assim, evitar conflitos. Hoje percebo o quanto minha identidade foi perdida, não era mais eu mesma, e sim, um “robô” submisso. Minha única alegria era meu filho.Com o passar dos anos eu comecei a reconquistar a minha autonomia (dentro dos limites estabelecidos por meu marido), voltei a trabalhar e iniciei um curso de graduação. No ambiente de trabalho eu podia reascender a chama de ser quem eu era. Isso despertou a atenção de um colega de trabalho, com o qual eu tive um envolvimento rápido, mas não extrapolei limites, porque eu tinha medo. Aos poucos deixei de ir à igreja para evitar crises de ciúme do meu marido, o que fez me anular por completo, pois, lá também era um local onde eu podia ser mais livre. Confesso que ainda tinha um fio de esperança que o casamento viesse a melhorar, como já frequentava a igreja conversei com o pastor. O mesmo nos chamou para conversar, meu marido ficou transtornado quando percebeu que sua imagem perante o pastor estava “manchada”, quase que apanho do marido na frente do pastor, que teve que intervir para eu não apanhasse. Desde então, percebi que não tinha mais jeito, meu marido sempre pedia perdão, mas após alguns minutos tudo voltava tudo ao normal. Após nove anos de casamento fiquei gravida do segundo filho (uma menina), novamente parei de trabalhar, o que evitou muitos conflitos e agressões físicas. Porém, as agressões psicológicas sempre permaneceram, meu marido sempre me acusava de ser prostituta. Em minha bolsa não podia ter batom, senão era motivo de mais brigas. Com o tempo descobri várias falcatruas que meu marido cometeu. Depois do parto de minha filha, sofri de depressão pós-parto, desmaiava direto. Acredito que, era devido a tanta pressão e tensão que eu vivia.

Você procurou ajuda? Um dia estava muito triste, quando recebi a visita de algumas irmãs da igreja, pois, eram muito queridas, passaram o dia comigo. Eu disse que a partir desse dia tomaria um posicionamento de voltar a viver, não sei explicar o que aconteceu, mas uma força entrou no seu coração que me deu coragem de enfrentar as consequências em confrontar meu marido. Eu estava entrando numa fase difícil. Estava cursando minha segunda graduação e trabalhando. As perseguições e palavrões eram práticas constantes do meu marido, o que me envergonhava muito. Ele rasgava meus trabalhos e livros. Só que minha reação já não era mais cautelosa, passei a enfrentá-lo e provocá-lo, deixando a casa bagunçada, seus pertences fora do lugar, ironizava seus palavrões e já ameaçava me separar. Quando ele me chamava de prostituta, eu respondia que era mesmo, o deixando mais irritado. Uma amiga minha que era assistente social começou a perceber a situação que eu vivia, quando cheguei ao trabalho com o dedo quebrado, eu respondi que tinha caído, mas ela não acreditou e me incentivou a procurar uma delegacia, mas fiquei com medo. Então, minha amiga me indicou uma psicóloga que fazia terapia em grupos e individual com mulheres que também sofriam de violência doméstica. Fiquei um pouco resistente no começo, mas logo percebi que era a chance da minha vida. A psicóloga me fez perceber que não precisava passar por tudo aquilo, aos poucos minha autoestima foi aumentando e se fortalecendo. Meu marido reparou as mudanças e não gostou, ele me hostilizava mais.

O que levou você a pedir a separação? Decidi trancar a faculdade no penúltimo ano, não conseguia conciliar o casamento turbulento com os estudos. Esse foi o grande passo para que eu pedisse a separação. No dia em que pedi a separação levei meus filhos e meu marido no McDonalds, porque tinha medo de comunicar minha decisão estando em casa. Ele não acreditou, mas quando chegamos em casa quebrou tudo e me deu uns tapas. Numa noite eu estava deitada na cama com minha filha e uma amiguinha dela, que tinha ido dormir lá. Quando meu marido chegou, estava muito bravo, porque não aceitava a separação, então tirou o cinto da calça e começou a me bater. Eu mandei as crianças correrem e ele continuou a agredi-me, mas falei que era a última vez que ele faria aquilo. Meu filho mais velho, já com quinze anos, enfrentou o pai, eu saí correndo para pegar o elevador, mas meu marido foi atrás e me deu um chute, a vizinha presenciou porque estava na porta do apartamento. Eu fui à delegacia mais próxima, mas o delegado não queria fazer

o boletim de ocorrência porque conhecia meu marido. Depois de muita insistência consegui fazer o boletim, saiu de casa só com a roupa do corpo. Como você esta se sentindo em sua nova vida? Depois que eu saí de casa aluguei um apartamento sem mobília para morar, pois, todos os móveis ficaram na casa. Por muitos dias dormi no chão e aos poucos refiz minha vida. Hoje moro com um novo companheiro. Meus filhos decidiram ficar com o pai, por causa do conforto. Eu até hoje respeito à decisão dos meus filhos, porque não tenho condições de lhes dar uma vida confortável. Sou e me considero uma mulher vitoriosa, pois hoje vivo com um companheiro mais novo, que me respeita muito e me permiti amar e ser amada.

Entrevista realizada pelas alunas Dulce Rodrigues e Erika Vovchenco

HELENICE Identidade 

Idade: 51 anos



ocupação profissional: empregada doméstica.

Nice, nos vamos conversar um pouquinho sobre algumas coisas, para começar, gostaria de saber o seu nome e a sua idade. Helenice, 51 anos. Bom, como a gente tava conversando, eu já fui casada duas vezes. O Luiz, meu primeiro marido, não era violento, ele só quis pegar a minha filha depois que a gente se separou, porque ele tinha problema na cabeça, né. Depois de um tempo separada do pai da Michele, eu comecei a namorar com o Severino, ele me conhece desde mocinha, mas a gente nunca teve nada antes. Quando a gente casou, ele não era violento, tipo agressivo. Com o passar do tempo a coisa foi aparecendo. Ele nunca deixou eu trabalhar, eu fazia uns bicos. Aí eu engravidei do meu 1º filho com ele, o Wellington, o único problema dele é que ele be. Quando eu comecei a ter as dores pra ter o bebê, eu pedi dinheiro pra ir pro hospital e ele não quis dá. Aí ele pegou, não quis me levar pro hospital e... Fui com a minha irmã pro hospital tudo, e correu tudo bem. No voltar pra casa, ele se mostrou mais agressivo ainda. Então, ele não queria que ninguém se aproximasse do menino, então começou aquela tortura, você faz a criança chorar. Ele falava assim pra mim assim: “Vai lá trocar”, que a criança passava um pouquinho, “tem que dar mamadeira, tem que trocar a fralda.” (Sempre em tom agressivo) Começou a dar ordem. Até então, tudo bem. Tinha a minha mãe que morava comigo, minha mãe foi morar com a gente. Então ele chegava tarde, ele não tinha paciência com choro de criança. Aí eu comecei a conversar com ele, que ele tinha que ter paciência e... na... na nossa relação de casal, na relação sexual... e na hora que a gente estava ali e a criança chorava ou então eu tinha que dar atenção pra criança ele não tinha um pingo de paciência. Ele xingava, ele falava que chegou o tormento para invadir a nossa privacidade, tudo. Quando o Wellington estava com 3 pra 4 meses, ele pegou e teve um... começou a frequentar um bordel. Então, hum... Então ele chegava em casa e culpava eu, que eu era isso, por exemplo que eu era cachorra, eu era sem vergonha, eu era tudo de mal que tinha eu era. Ele era o bom, até então eu não sa. Aí quando foi um dia, uma colega, uma vizinha minha, que é a colega muito íntima de mim. E chegou e falou: “Olha Nice, eu queria te contar uma coisa, não sei como. O Severino tá te traindo.” Aí eu falei: “Mas como?” “Ela chama Lúcia, essa menina.”

“Mas como assim me traindo?” “Ele tá frequentando o bordel aí da rua de trás, e tá saindo com essa menina e como (...) eu escuto muito vocês discutir.” Aí eu peguei e falei com ele, na hora tudo. Eu falei com ele, ele desmentiu. Daquele dia em diante então começou a tragédia, quando ele não queria, quando ele não saía com essa menina, ele me queria a força. Não se importava com que eu tava fazendo, a situação que tava, ele me pegava. E tem mais, ele me tratava como ela, ele acaba de ter relação, ele nunca me dava atenção, ele virava pras costas e dormia. E quando eu falava que eu não queria, aí ele começava a me chutar com os pés, a me cutucar, a me empurrar da cama. Tudo ali, eu quieta, com criança pequena passando e minha mãe também junto com a gente. Eu fui aguentando. Até que um dia, essa mesma amiga minha, falou assim: “Olha Nice, eles não separam, eles ainda estão juntos e hoje eles vão pro Motel. Eles vão pro Motel hoje”. Ainda falou assim: “Nice, se eu fosse você, eu ia pegar no flagra. Dez horas da noite você pode ir na rua de trás, que você vê os dois chegando. Porque todo dia ele vai pegar ela, não sei no que ela trabalha, mas vem trazer ela aí no bordel”. Falei não, deixa pra lá, deixa pra lá. Aí eu comentei com a Nina. Nina é uma colega minha que eu olhava a filha dela. Até então eu não tava trabalhando fora, eu tava olhando criança em casa. Porque quando eu pedia dinheiro pra ele, ele nunca tinha. Ele male mal punha as coisas, arroz e feijão dentro de casa.

Nessa época ele trabalhava? Ele sempre trabalhou.

Registrado? Registrado. Aí eu contei tudo para a Nina, a Nina falou: “Nice eu vou verificar pra ver o que eu posso te ajudar” Que eu ficava com as duas filhas dela, né. Aí ela pegou os dois no flagra, aí ela chegou e me contou. Aí né, aí ele pegou e continuou se desmentindo. É mentira, é isso e aquilo. Aí eu peguei, juntei tudo as coisas dele e pus pra fora. Só que a minha mãe não deixou, minha mãe foi a favor dele.

Sua mãe alegou o que para ser a favor dele? Minha mãe alegou que eu tava com a criança pequena, já tinha a Michele que tava com quatro anos, tinha o Wellington que tava com alguns meses. Então ela alegou como que eu ia manter essas duas crianças. Porque nem eu, nem ela trabalhava. Minha mãe nunca teve pensão nem nada, então, ia sim, ia ficar uma situação difícil, né. Mas daí em diante,

minha filha, a situação começou a piorar. Porque? Porque eles foram pro motel, ele chegou todo marcado em casa, todo chupado, todo marcado peito, pescoço. (Fala com raiva) Ela fez questão de deixar ele marcado, para saber ela tava sabendo e não fez nada para impedir. Aí quando ele chegou e tirou a camisa, eu perguntei pra ele que história era essa? Que marcas são essas? Que eu em si você nem deixa chegar perto de você, quem foi a fulana que fez isso? Não porque, não é isso que você está pensando, não foi nada disso que aconteceu não. Aí eu passei a perder a confiança.

Deixa eu te fazer uma pergunta Nice, como era a relação dele com a Michele, ele a aceitava? Aceitava.

Lidava com ela da mesma maneira que ele lidava com o Wellington. Isso, teve um certo tempo, logo que a criança nasceu sim. Aí quando o Wellington completou um ano, ele começou a fazer diferença. Por exemplo, ele comprava um brinquedo pro menino e não comprava pra ela. Mas não assim que não tinha condição de comprar, ele queria me ofender, que sabendo que não trazia o brinquedo pra ela eu ia ficar magoada. Aí eu ia pegar no pé dele pra comprar o brinquedo pra menina. Porque nas coisas do menino, ele começou a não deixar ela mexer. Então o menino chorava, a gente não via o que tava acontecendo, entre eles brincando. Mas ele culpava ela. “Não porque a Michele só anda batendo nele”. “Não, porque a Michele tira o brinquedo dele”. É assim que ele fazia, sem saber a causa do porque o menino tava chorando, né. E tudo isso foi me deixando irritada. Sabendo que eu tinha sido traída. Sabendo que a menina adorava, como adora até hoje os irmãos, né. E ele começou a fazer isso, então que eu fazia? Quando chegava, ele comprava os brinquedos e com os biquinhos que eu fazia, eu lavava roupa pra fora, olhava essas duas crianças, eu consertava roupa, então sempre eu tinha um dinheirinho guardado pra quando acontecesse uma dessa. Eu ia lá, pra menina não sentir rejeitada, eu ia lá e comprava uma coisinha pra ela. Aí o que acontecia? Ele se doía. Aí ele falava que eu saía com macho, que os machos que tinha me dado dinheiro, que onde que eu tinha arrumado dinheiro. Porque ele trabalhava e não via eu olhava as duas crianças, ainda consertava roupa, eu lavava roupa, eu passava roupa. Tudo porque ele não me deixava ir trabalhar fora, né.

Ele não deixava você trabalhar fora porque? Por ciúmes?

Por ciúmes. Porque ele achava, tudo que ele fazia na rua ele achava que eu ia fazer também, que eu ia pagar com a mesma moeda. Porque ele já tinha tido um caso, tava sempre saindo por aí. Ele tinha um tal, de uma vidração por cinema que saía do serviço e tinha que ir pro cinema. Chegava em casa altas horas da noite. E quando eu ia ver, é porque eu fui, fiquei até tarde fui ver um filme. Aí tudo isso foi corroendo, aí eu chegava em casa, começava a ficar nervosa e às vezes as crianças tinha algum problema durante o dia e eu precisava dele em casa mais cedo, ele não vinha. Podia ligar pro serviço dele, o Wellington tá doente, eu preciso sair, preciso de dinheiro. Ele não se incomodava com nada. Mal e mal ele punha o arroz e o feijão dentro de casa, ele não comprava medicamento, ele não comprava uma roupa, não comprava um calçado. Ele achava que o essencial era o arroz e feijão, né. Porque, mistura, minha filha, se eu não fizesse uns biquinhos a gente não comia nenhuma mistura, não tinha carne, uma verdura, não fazia feira. (Risos) Era tudo isso, tinha dia que ele saía, me deixava com as duas crianças e com R$ 1,00 dentro de casa e o arroz e o feijão, mais nada, que era o real do pão. Aí sempre tinha aquela coisa uma mistura, às vezes tinha algum problema que eu tinha que sair, levar em posto, dinheiro de condução, dinheiro de remédio, essas coisas pra ele não existia, nada disso. Nisso passou o que, minha mãe viveu com a gente dez anos. Dez anos eu passei por isso empurrando com a barriga. A gente discutia, minha mãe entrava no meio e punha pano quente. Então na hora de discutir ele falava, falava, falava e minha mãe falava: “Você fica respondendo, cala a tua boca. Você tem que ficar quieta”. E nisso foi passando, até que a minha mãe veio a falecer, aí então ele mostrou a garra... dele.

Piorou a situação. Piorou a situação.

Nesses dez anos você já tinha tido Wagner? Já. O Guilherme veio depois.

E como foi à chegada do Wagner? A chegada do Wagner, foi um, foi um... A gestação do Wagner foi assim: nós fizemos o planejamento, tudo direitinho, nois queria pra ver se vinha uma menina. Mas não veio, veio o Wagner né. Quando eu descobri que era menino, até então ele estava se preocupando com roupinha, se preocupando como um pai deve ser com as coisas do

menino. Mas quando ele descobriu que era outro menino, ele começou a se modificar também.

Como? Por exemplo ele falava assim: “É, agora o Wellington vai ter um irmãozinho pra brincar e você vai ter que fazer e me dar uma filha mulher. Você vai ter que se virar e me dar uma filha mulher. Logo depois que o Wagner, que essa criança nascer, nós já vamos fazer uma menina. Você querendo ou não querendo né.” Um fato engraçado também que aconteceu foi o dia do nascimento do Wagner. Ele saiu para trabalhar, como sempre, 05h30 da manhã e eu já estava sentindo as dores. Aí eu peguei e falei assim; “Eu não to me sentindo bem, vou precisar ir no médico.” Ele pegou e falou assim pra mim: “Eu não posso faltar no serviço, vê se uma das suas irmãs vai com você.” Aí eu peguei e chamei a minha irmã, passamos no Santa Marcelina e viemos embora pra casa porque ele disse que não estava na hora e era pra mim retornar depois de três dias. Aí eu vim pra casa, era assim um bairro que estava começando, não tinha asfalto, era barro e estava chovendo.

Que bairro que era? Era o bairro Branco Dois no início.

É próximo a Cidade Tiradentes? É próximo da Cidade Tiradentes, divisa Guaianazes. Era no início, nóis não tinha asfalto, não tinha água, não tinha luz, tava chovendo. Não entrava carro no local, não entrava nada. Aí eu passei o dia inteiro com aquela dorzinha vai e volta, vai e volta. Quando foi sete horas da noite, as dores pioraram e ele nada de chegar, nisso então a minha vizinha já estava no hospital ganhando neném. Porque a filha dela nasceu dia 28 e o Wagner nasceu dia 31 né. A menina chama Ketyle. E eu fui pro mesmo hospital que essa minha vizinha (...) Aí ele sabendo que eu não estava sentindo bem, invés de ele vir pra casa para saber como é que eu estava, me trazer dinheiro que até então eu não tinha dinheiro, que precisasse sair eu não tinha, que foi a minha irmã que pagou ônibus para eu ir pro hospital. (risos) Ele chegou, disse que no caminho encontrou um vizinho, pai dessa criança que tava nascendo e foram pro bar comemorar o nascimento da menina. E eu, lá em casa, precisando dele pra me levar pro hospital novamente. Aí quando foi onze e meia da noite, ele chegou. Aí chegou e falei pra ele assim: “Bem, eu não estou

bem, to precisando ir para o hospital.” Aí simplesmente ele pegou, jogou a carteira do bolso e falou: “Toma, se vire, aí tem dinheiro.” Aí tava tão bêbado, tão bêbado, tão bêbado, caiu, não chegou nem na cama, caiu no chão. Aí eu peguei, mandei a Michele que era pequenininha descer a minha rua assim, que a minha irmã mora cinco casas pra baixo da minha e chamar minha irmã. Porque ele não tinha condição. Aí quando a Michele ia saindo pra chamar a tia, ela encontrou com o meu vizinho que tava comemorando o nascimento da filha. E aí ele perguntou: “Michele, onde você vai?” Aí a Michele simplesmente falou: “Minha mãe vai ganhar neném e ela precisa ir pro hospital e eu vou chamar minha tia, porque o pai chegou bêbado.” Ela sempre chamou ele de pai, o pai chegou bêbado. Aí ele pegou e falou pra ela assim: “Vai lá chamar a tia que eu vou procurar um carro pra levar a tua mãe”. Aí voltou lá no bar, viu um colega dele que tava com uma caminhonete, acho que tinha cerca de uns cinco ou seis homens que tava tudo lá, foram tudo em cima dessa caminhonete (risos) porque se ela atolasse no barro né, eles empurrava. Foi o que aconteceu, a caminhonete, a caminhonete atolou e aquele bando de homem meio bêbado, todo mundo empurrando essa caminhonete para que nois chegasse no posto vinte e quatro horas. (risos) Quando nois chegamo no posto, a médica disse assim: “Quem é o pai?” O meu vizinho dizia assim: “Aqui não tem pai não, socorre ela que ela ta precisando, não tem pai, socorre ela”. Aí a minha irmã falou assim: “O pai não pode vir né.” Ela falou o nenê está nascendo, aqui nós não podemos fazer parto e não tinha uma ambulância na hora para ir para o hospital. Aí começou a correria dentro deste posto vinte e quatro horas, que é o Posto do Glória né. E pra vê se montava uma sala, detetizar uma sala, pra arrumar tudo pra fazer o meu parto ali né. Aí quando viram aquela correria dentro do hospital e iam me lavar pra fazer o meu parto, aí apareceu uma ambulância. Ela me pois do jeito que eu tava dentro de uma ambulância e correu pro hospital né. O Wagner nasceu na porta do elevador. Quando chegou no hospital, no meio do caminho ele queria nascer, ela mandou eu virar de bruço e fechar as pernas (risos) Aí quando chegou na porta do hospital, assim, ela falou assim: “Agora se o neném quiser nascer, pode deixar nascer.” A médica falou pra mim né. Aí quando o elevador chegou, o Wagner pegou e nasceu. Aí aconteceu que, dela mandar eu virar pra segurar o neném, a placenta subiu, subiu e colou na boca do estômago. Aí o neném nasceu sem oxigênio, porque o cordão tinha parado de circular e tinha perigo de morrer eu e ele né. Aí com muito custo, ela subiu em cima de mim, tudo na maca. Não tinha cama, não tinha nada, na maca mesmo na porta do elevador ali. Aí ela subiu em cima de mim, tirou, fez massagem, até a placenta descolar da boca do

estômago, que já tinha colado até em cima. Aí no dia seguinte, que correu tudo bem, tudo, a vizinha foi lá vê a neném, tudo, correu tudo bem. A hora que ele foi visitar o neném ele falou que o filho não era dele, que o filho era do vizinho: “É por isso que o vizinho te socorreu, o filho não é meu, o filho é dele”. Desse jeito, dentro do hospital. E a esposa do vizinho tava no quarto da frente e nois no nosso quarto. Aí quando ele tava visitando o filho dele que tinha nascido e falou isso, a vizinha escutou. Aí ela falou assim: “O que você disse Severino?” Aí ele pegou e deu um de Zé mane: “O que você tá fazendo aqui?” Aí ela falou assim: “Que eu saiba eu fui a primeira pessoa a pegar o teu filho que nasceu no colo e eu quero saber o que foi que você disse.” Ai ele falou: “Não, eu não disse nada não!”(...) trouxe a Nice pro hospital e eu tava fazendo uma brincadeira com ela.” Desse jeito, vê se pode! Ela tinha acabado de ter a menina. Aí ele alegou que era simplesmente uma brincadeira e de fato não tinha nada há ver né. Aí eu virei pra ele e falei assim, passou aquele episódio e tudo né. Aí depois que passou tudo, no dia que eu cheguei em casa, aí eu falei: “Agora nois vamos sentar e nois vamo conversar. Qual foi o dia que eu te dei um ar de desconfiança pra você ficar com aquelas brincadeiras lá? Se você acha que o filho não é seu, é muito fácil, porque agora tem como provar que o filho é seu.” Ele começou a falar que isso e que aquilo e que todo mundo tava comentando lá na rua, porque você foi com um bando de homem pro hospital e eu não tava presente e me contaram lá no posto de saúde que a médica queria o pai e o pai não tava presente. Que aí não sei quem comentou que não tinha pai não, já que a criança não tinha pai ali, o pai era ele que tava tomando as dores por você. Isso que ele me disse. Mais uma vez também teve uma bate boca. Aí como eu cheguei em casa e não tinha as coisa dentro de casa, eu disse: “Você vai ter que comprar isso, porque eu preciso comer, se alimentar. Eu preciso se alimentar, então você vai na feira e compra legume e coisa pra eu fazer uma sopa.” Aí sabe pra onde ele foi? Pra casa da minha irmã, era uma hora da tarde e ele não tinha aparecido com nada. Eu peguei e fui atrás, eu cheguei lá e ele tava todo belo e folgado jogando baralho com o meu cunhado. Aí eu falei pra ele: “Poxa eu to em casa, esperando as coisa que você ia trazer, eu preciso comer.” Aí ele: “É mesmo, eu esqueci.“A minha irmã falou: “Poxa Nice, eu nem sa que você tinha chegado no hospital, ele não falou nada. Você ta Bem? Porque você ta andando desse jeito?”Aí eu: “O que que eu vou fazer?” Aí quando chegou em casa, ele comprou as coisas, levou pra casa e começou a me criticar de novo. E foi me criticar porque eu fui atrás dele. Daquele dia em diante, ele nunca mais, eu pedia pra ele comprar as coisa e ele não comprava, ele não comprava na hora que eu precisava, mas

na hora que dava na telha. E ele chegava bêbado e xingando. No dia da morte da minha mãe, ele não teve coragem de chegar e me da um ombro pra mim chorar, mas nem no cemitério... ele ficou metros e metros longe de mim. Ele não me deu uma palavra de consolo, ele não se aproximou de mim e nem dos meu familiar. Todo mundo ficou abismado com a atitude dele, porque ele por seu meu companheiro tinha que dar todo o apoio possível. Aí passou, minha irmã queria que eu fosse pra casa dele. Eu não quis e voltei pra casa e enfrentei toda a barra. Aí não tinha a minha mãe, aí que começou. Aí ele começou, aí ele perdeu o serviço. Na época ele perdeu o serviço. Mas nessa época também, o Wagner sempre foi uma criança boa de saúde, mas começou a dar problema no Wellington, um problema no estômago dele. Ele nunca se incomodou de pegar um dinheiro emprestado pra eu correr com o menino, eu tava sozinha. Fez um monte de exame e nunca descobriram o problema que se tratava e ele tem esse problema até hoje. Be, chegava em casa e me xingava. As criança iam crescendo e isso ia atingindo, atingindo, atingindo. Quando a Michele tava com quatorze anos, é quatorze anos, até hoje eu não sei o que aconteceu. Ela parou de conversar com ele, porque ele começou a ficar implicante. Se ela abria a porta da geladeira ele achava ruim, se comia ele achava ruim, se pegava uma fruta ele achava ruim. E eu sempre trabalhando e fazendo os meus biquinho e comprava as coisa que as criança necessitavam e geralmente as coisinha pra mim. Nessa época a nossa vida sexual foi se transformando, porque ele começou a me tratar como uma prostituta. Então ele me pegava, ele não preparava o clima, nois tinha relação de qualquer jeito e ele nunca procurou saber se eu tava bem, se eu tava satisfeita nem nada. Ele gozava, virava as costa e tava bom. No dia seguinte ele me xingava, nem as menina que vive na vida assim merece isso. Depois xingava de tudo o que era nome, que eu não prestava, que eu era isso e aquilo. Eu to falando que é isso e é aquilo, pra não falar o nome do que ele me xingava.

Fica a vontade, conta o que você quiser. (risos) Então, porque era uma coisa assim... olha, da vergonha. Me tinha como mulher e quando abria o olho me chamava de safada, sem vergonha, puta. Era assim que eu era tratada. Satisfazia ele, e depois no dia seguinte quando ele abria os olhos ele me tratava desse jeito.

Como você se sentia?

Eu me sentia um lixo, porque eu tomei tantos nome na cara que eu não merecia, que teve uma época que quando eu comecei a entrar em depressão, eu passei a julgar tudo aquilo que ele era, que ele me falava (choro). Então eu passei a me julgar, poxa mais eu não faço isso. Então eu me julgava que eu era, de tanto que ele me xingava (aumenta o choro). Eu sempre fui uma pessoa que cuidou da casa, eu nuca deixei as criança suja, as coisa dele tudo em ordem e eu tomava tanto nome na cara. E as criança tudo ali presenciando aquilo. Chegava bêbado, quebrava as minhas coisa de dentro de casa, xingava, xingava, bária as porta dos armário. No dia seguinte eu tentava conversar, porque ele chegava bêbado. Eu falava pra ele: “Vamo sentar, vamo conversar sobre o que você fez ontem. Que é isso?” Ele me falava que não tinha feito nada. “Eu não fiz nada, você inventa as coisa.” Sem conta que... quando ele chegava bêbado além de me chamar de tudo isso, ainda me pegava a força na cama e com agressão, chute pontapé e eu aguentava com medo de acorda as criança.

As agressões eram só na hora das relações sexuais ou aconteciam em outros momentos? Não, era só na hora das relação sexual, depois. Depois da relação porque ele fazia tudo virava pro canto e dormia e eu passava a noite inteira chorando. Até que eu comecei a não dá mais pra ele. Não, eu não posso mais continuar com essa briga. Mesmo achando que tudo que ele passava a fala eu passava a condenar a mim mesma. Que ele falava que eu saía no corredor de casa, que não tinha o portão que a gente via direto na rua. Ele falava que eu tava no corredor pra vê os homem que passava na rua e que quando ele saía a casa enchia de macho. Que eu era safada, que eu era sem vergonha. Falava que o fulano era o meu amante. Se eu conversava com alguém, ele já achava que era um caso meu, que chegava alguém em casa, ele achava que vinha trazer recadinho de fulano pra mim. E não era nada disso, nunca, jamais eu pensei em ter um outro homem na minha vida. Nunca, nunca, nunca, me passou pela cabeça de mim trair ele. Mesmo sabendo que eu já tinha sido traída e que muitas outras vezes ele já tinha saído com outras mulheres. Até que um dia, ele chegou bêbado e o Wellington tava com os seu doze, treze anos e ele começou a me xingar. Foi aonde que o Wellington começou a interferir, que ele já tava entendendo. Ele via que eu passava o dia inteiro dentro de casa, lavando roupa pra fora, passando, costurando. Ele já entendia né. Então ele ia e tomava as minhas dores: “Minha mãe não é isso, não fala assim com a minha mãe.” Ele falava. O Wagner nunca abriu a boca pra nada, nem pra tomar as dores de um, nem pra tomar as

dores do outro. Mas o Wellington, quando ele começou a entender, ele tomou as minhas dores. Até que nois fizemos uma separação, eu mandei ele embora. Ele não queria ir, não queria ir. Eu juntei tudo as coisa dele ele foi pra casa da irmã dele. O Guilherme ainda não tinha nascido e essa separação foi justamente porque eu tinha começado com um problema de saúde. Eu comecei a pegar uma infecção atrás da outra, então eu tava sempre no médico e o médico me recomendou você tem que usar camisinha, porque essa infecção que você ta tendo, pela vida que você ta levando, pela relação que ele ta te maltratando né. E eu conversava com ele e ele nada. Não queria nem saber, eu tinha que tomar medicamento e usar preservativo. E ele não aceitava que usasse, ele não aceitava de jeito nenhum. Aí como ele queria ter relação comigo e eu não queria, ele começou a me chutar e tal. Até que um dia quando ele chegou querendo ter relação comigo, eu peguei e saí da cama. Aí ele pegou e veio e nois começamo a bater boca e ele queria me coisar. Eu catei e passei a mão numa faca, ele pegou e tirou a faca da minha mão, aí nisso eu saí pra fora e ele ficou no corredor esperando eu entrar e eu não entrei. Aí eu peguei e fui dar uma volta no quarteirão, nisso a minha irmã ficou sabendo o que tava acontecendo e chamou a polícia. As policiais sabe o que fizeram? Vieram as polícias femininas e disseram que era pra nois senta e conversa. Não perguntou pra mim se eu queria abri ocorrência, não levou nois pra delegacia. Ele foi e quebrou a faca na beirada do tanque de nervoso do que tinha ocorrido.

Você ficou com medo nesse dia de acontecer alguma coisa mais séria com você? Fiquei, fiquei.

Nesse dia ele não chegou a te agredir fisicamente? Não, não fisicamente. Porque nesse foi toda essa bagunça, foi praticamente a noite inteira que os policiais tiveram lá e passaram a mão na cabeça dele. Eles foram a favor dele, não foram a favor de mim. E eu ainda mostrei a faca pros policiais, que ele quebrou a faca porque eu não quis entrar pra dentro. Eu tinha certeza que se eu entrasse ele ia pegar em mim com a faca.

Vocês estavam sozinhos nesse dia? Só tava o Wellington, Michele e o Wagner não estavam. Chegou uma época que o Wellington não saía do meu lado pra me proteger. Nessa época a Michele tava namorando e tava com o namorado. Quando ela chegou ela foi contra e quis fazer e

acontecer. Onde a gente mora, se a gente for atrás dos bandidos eles da um jeito, mas jamais eu vou mexer com bandido pra pegar ele. O Wellington mesmo, muitas vezes falou que ia atrás dos bandido para pegar o pai, porque o pai me tratava daquela forma. Aí houve a separação, ele foi pra casa da irmã dele e eu continuei em casa. Aí ele queria porque queria a casa, dizia que a casa era dele e isso e aquilo. Tava todo dia na porta de casa ameaçando. Eu sei que eu peguei, juntei tudo as minhas coisa e fui pra casa da minha irmã. O galpão onde eu fiquei era muito úmido e as criança começaram a passar mal. Eu voltei pra casa e nois ficamos três meses separados, aí ele começou a ir no final de semana, mais calmo, diz que tinha parado de beber, que as coisa ia mudar, pedindo pra voltar.

Você acreditou? Eu acreditava.

Você via mudança nele? Quando ele voltou pra casa eu via mudança, não tava mais bêbado, tava mais calmo. Eu realmente achei que ele tinha mudado.

Ele estava mais carinhoso com você e com as crianças? Tava, tratava todo mundo bem. Aí teve um porém, quando eu falei pros meninos que o pai deles ia voltar, a Michele não aceitou. Ela falou que eu tava me enganado e que ele não tinha modificado nada. Então, já que é assim, você vai ter que escolher, ou eu ou ele, porque nois dois junto não vai da mais. A hora que ele abri a boca aqui eu vou pra cima dele. Até agora eu não si meti nem nada, mais de agora em diante se ele voltar a ser agressivo como ele tava, eu vou ter que fazer uma besteira. Mesmo assim eu ainda aceitei ficar com ele.

Você aceitando ficar com o Severino, como ficou a sua relação com a Michele? A Michele saiu de casa, nessa época eu já tinha o Guilherme e a Michele saiu de casa. Ela não aceitou que o padrasto voltasse, porque ela sa que ele ia volta a ser agressivo de novo. Aí ela pegou e foi morar na casa da tia, Aí ele pegou e ficou dois meses calmo, sossegado, aí depois começou tudo novamente. Aí nós ficamos uns dois ou três meses até bem, ele não tinha muito (...), mas começou a beber de novo. Aí ele começou a beber novamente e comecei a voltar com a vida que eu tinha antigamente, toda aquela

confusão novamente. Ele be, chegava em casa bêbado e me maltratava, me xingava de tudo quanto era nome e agora o Wellington no meio. O Wellington já estava no meio e aí ficava, eu, ele e o Wellington. Aí eu resolvi trabalhar fora. Aí eu chegava do serviço e ele dizia que eu não tinha ido trabalhar, que eu tinha ido atrás dos macho, que eu passava o dia inteiro na zona, falava que eu tinha ido pra zona, que eu ia trás dos macho. Aí ele chegava a noite em casa e era aquela tortura, aquela briga e eu tinha que levantar no dia seguinte cedo pra ir trabalhar. Nessa época foi a Nega que arrumou serviço, aí eu não consegui ficar nessa casa. Aí eu peguei e saí novamente e fui trabalhar no Tatuapé. No Tatuapé eu não peguei uma patroa, foi uma escrava, foi tipo porque era branca e eu era preto, parecia que era o tempo de escravidão né. Ela me fazia eu limpa, a casa dela tinha oito cômodo, ela combino que eu limparia um cômodo por dia e no fim da semana eu limparia só a sala de estar, a cozinha e a lavanderia. Quando chegava no sábado, ela fazia eu faze o serviço dos oito cômodo tudo novamente, então eu parecia uma escrava. Nunca fui de comer, essas coisas, mas nesse dia, teve uma vez que ela pegou e fez uns meio quilo de macarrão e pois lá na mesa, eles almoçaram e ficou uns três grauzinhos de macarrão. Eu não sou de comer, eu peguei aqueles três grauzinhos de macarrão e simplesmente joguei fora. Aí ela veio falar pra mim que eu tava dando muita despesa na casa dela, onde já se viu eu comer um quilo de macarrão. Aí eu peguei e falei pra ela assim, Dona Lourdes eu vi quando a senhora fez, a senhora fez menos de meio quilo de macarrão e sobrou menos de três fiapinhos e senhora pode ver, eu não comi não, eu joguei no lixo. Por que eu vou guardar três fiapinhos? É você, anda dando muita despesa na minha casa. Ah! Eu passei tanta coisa, eu já passava tanta coisa. Eu passava a noite inteira sem dormir aguentando o homem, tinha o problema de escola com as crianças, de preocupação né, minha filha fora de casa e essa mulher vem falar isso pra mim e fazer eu trabalhar sábado até sete, oito horas da noite limpando tudo o que já tinha limpado. E essa mulher fazia eu fazer tudo de novo. Aí quando foi num dia, a Michele chegou pra mim e falou pra mim que... que tava desconfiada que tava grávida. Eu peguei e falei assim: “Olha Michele, eu nem sei como vai ser, você já falou para o pai da criança?” Ela falou que não. Olha eu vou conversar com o Severino e conforme for você volta pra casa e a gente vai ver como vai criar essa criança. Só que eu não cheguei a falar com ele não, eu não cheguei porque ela foi de tarde e falou pro rapaz. Nossa ele ficou feliz da vida, a sogra então, nossa jogou ela lá no céu, né. Então eu não cheguei nem a falar, que ela voltou lá e falou: “Mãe, nois já decidimos, vamos ficar junto, nois vamos montar a nossa casinha na lavanderia da mãe dele. Então, não precisa

se preocupar.” Até então eu não conversava com esse rapaz, nem nada. Mas a vida continuava. Quando foi no nascimento do meu neto, se passaram nove meses, no dia que a menina foi para o hospital, ela mandou me avisar, ele não quis deixar eu ir lá visitar ela no hospital.

Porque, o que ele dizia? O de sempre. Que eu ia atrás de homem, que era desculpa pra eu sair de casa. Mesmo assim eu virei as costas e fui (risos), eu virei as costas e fui. Sabe o que ele aprontou? Ficou ele e as crianças em casa né. Ele pegou e quebrou um cano de água, estourou um cano de água que passa no corredor. O Wellington me contou que ele tacou uma pedra pra quebrar um cano né. Porque a visita foi quatro horas da tarde, foi coisa rápida. Porque eu fui lá, visitei e voltei pra casa. Não teve coisa nem nada, mais a lonjura, foi no Paraíso, eu moro lá na Cidade Tiradentes. Ela foi lá no Amparo Maternal, fica lá no Paraíso, praticamente no Paraíso, não sei se você conhece. Então, ela teve nenê lá. E quando eu cheguei em casa, tava uma aguaceira, ele simplesmente pegou uma sacolinha plástica colocou em cima do cano e jogou uma pedra. Eu não tinha água pra, eu não tinha água pra cozinhar, não tinha água pra nada dentro de casa né. O resto que tinha água da caixa, ele ficou, diz que ficou três horas lá debaixo do chuveiro, acabando com a água da caixa. Nem água na caixa não tinha. Aí eu cheguei e casa e perguntei pro Wellington: “Wellington, o que foi que aconteceu?” “A mãe, o pai quebrou o cano. Ele tacou uma pedra e foi.” Eu disse: “Ele pegou essa pedra pra que?” “Ele disse que ia acertar na cabeça minha e do Wagner.” Eu disse: “Mas o que vocês estavam fazendo?” “nada mãe, nois só tava jogando bola.” Ele não admitia que as crianças brincava, jogava bola, correr, essas coisas, ele nunca admitiu. Então nois discutia muito também neste detalhe, que eu acho que criança deve brincar, e ele acha que não. Criança tem que sentar, ficar quieta e olhar para as paredes né. E assistir televisão, aquilo que ele quer, que convém a ele. Então nois discutia também, batia bastante boca nessa matéria. Porque as crianças começavam a brincar, começavam a correr, jogar bola e essas coisas. Ele gritava, ele não queria e eu ia a favor das crianças: “Deixa as crianças brincar, para de encher o saco das crianças.” Aí começava o bate boca entre eu e ele né. Aí quando foi um dia que ele chegou e me deu um empurrão e começou a xingar, xinga, xinga. Eu peguei e falei assim, comecei a xinga quando ele chamou a minha mãe de filha da puta. “Você é uma filha da puta.” “Oh, você não xinga a minha mãe porque ela não tem nada a ver com isso.” E fui pra cima dele. Ele pegou e meu um empurrão. Aí peguei e passei

a mão numa barra de ferro, não queria mais chamar polícia não. Polícia não faz nada. Aí eu peguei, passei a mão numa barra de ferro, ele pegou e se escondeu no banheiro. Aí eu taquei, cheguei a dar com a barra de ferro na porta do banheiro, pra ver o que ele ia fazer. Até hoje tem a marca lá. (...) Eu dei com a barra de ferro pra pegar na cabeça dele, ele foi e fechou a porta.

Foi a primeira vez que você reagiu? Foi, foi a primeira vez que eu reagi. Olha, eu já estava bem estressada. Contando bem a data, eu tenho tudo marcado num papel, porque no dia seguinte eu fui na delegacia das mulheres. O Guilherme tinha uns dois aninhos, o Guilherme tinha uns dois aninhos. Aí no dia seguinte, eu fui na delegacia das mulheres, fui muito mal tratada. Fui eu e o Wellington. Primeiro nois fomo no fórum, aí do fórum, eu expus toda a situação, tudo o que estava passando. Aí ele pegou, queria que ele saísse fora de casa, ele sempre alegou que não ia sair fora de casa porque a casa era dele. Aí no fórum eles me disse que eu tinha que ir na delegacia das mulheres, prestar queixa, que eles que vão tomar uma providência. Quanto a pensão das crianças, depois você volta aqui com os seus papel tudo, que ele sair fora de casa, aí nois abre o inquérito pra pensão das crianças. Aí eu saí dali e nem sa onde tinha essas coisas, aí conversou com o guarda da porta, pegou e me falou assim, eu tava com os papel, tudo que o homem tinha me dado, o endereço. Então ele me indicou uma delegacia que foi em São Miguel Paulista. Chegando lá , foi umas menininhas, a fisionomia delas parecia que ela tinha 16, 17 anos né. Aí eu cheguei lá e elas veio me atender, o que foi que aconteceu? Aí que comecei a contar o que foi que aconteceu. Aí uma delas pegou e falou assim; “Também marido chega dentro de casa, vocês já vão falando, já vão pedindo dinheiro.” Eu peguei, olhei assim e não respondi nada. Aí a moça pegou, essa que estava escrevendo lá, contei tudo pra ela que estava acontecendo. Ela falou: “Olha, é melhor mesmo a senhora sair de casa, deixa ele lá, pega seus filhos e sai de casa.” Aí eu peguei e falei assim: “Mas eu não tenho pra onde ir com as crianças. Ele tem pai, ele tem a mãe e os irmãos, tem os irmãos solteiros e o pai também, tem casa, tem tudo. Não dá pra mim sair com três criança e deixar ele dentro de casa.” “É, a senhora vai ter que dar um jeito.” Aí eu peguei e saí dali, ia saindo quando uma senhora pegou, uma senhora veio falou que era a assistência social da delegacia conversar comigo né. Eu tava já, chorando por ver a atitude daquelas duas mocinhas que tinha me atendido. Aí essa senhora me explicou, me acalmou, era uma pessoa vivida que sa realmente o que pode um casal passar dentro de casa, entre quatro

paredes, entre dois, a vida a dois. Porque aquelas meninas ali, não sa nada. Aí ela pegou e me orientou, fez um B.O. com tudo o que estava se passando. Aí eu peguei e abri um processo sobre ele, aí teve a audiência, eles não tiraram ele de dentro de casa né. Aí quando teve a primeira audiência, simplesmente deram um conselho pra ele né, dizendo que isso não podia se repetir e que da próxima vez ele ia ficar preso, aquela ladainha toda, mas não é a atitude que a gente espera ter. Aquela repressão que deveria dar. Você está sendo ameaça, já ter que se defender porque a partir daí já houve a primeira agressão física, o empurrão, apesar que eu reagi, ma são ia ficar de braço cruzado. Quando ele me empurrou e veio pra cima, eu corri e peguei a barra de ferro pra mi defender. Porque, ele tem 110 kg e eu tenho que? 45 kg. E ele é aquela massa bruta mesmo, tanto alto como aquela massa bruta mesma. Não é baixinho e gordo de gordura não. Aí nisso tudo também as irmãs dele foram a favor dele, jogaram na minha cara que ele nunca deixou faltar o arroz e o feijão dentro de casa. Aí ainda falei pra ela assim: “Nem uma calcinha, fazia mais de cinco anos que ele não comprava pra mim, ele nunca me deu um nada. Que eu não comprasse eu andava sem calcinha, porque ele não comprava.” Não dizia que ele não ia lá e comprava, ele não me dava o dinheiro pra comprar. Então eu fazia esses biquinhos assim pra comprar um chinelo, pra comprar uma mistura pra dentro de casa como eu já falei, pra fazer a feira das criança né, comprar os meu uso particular, porque eu precisava dos meus modes, precisava das minhas coisas também né e ele não dava dinheiro na minha mão. E a irmã dele vem joga na minha cara que ele nunca deixou faltar o arroz e o feijão, quer dizer que a gente vive só com o arroz e com o feijão?

É muito mais do que isso. Então, aí tudo isso também foi indo, foi indo, aí eu entrei em depressão. Porque começou as coisas a, porque as coisa não se acalmou, não se ajeitou. Aí além de ser xingada, ele começou a dar menos dinheiro e aí começou a faltar o arroz e o feijão né. Eu comecei a trabalhar fora, comecei a trabalhar nessa casa que essa mulher me explorava mais do que nunca. Saí de lá fui para a casa da Dona Eliete que era uma santa. A Dona Eliete eu ponho ela lá no céu, igual a tua mãe (risos) né. Eu chegava lá com os olhos vermelhos de tanto chorar e ela sentava, ela conversava comigo. Ela me dava o maior apoio, ela me dava o que eu precisava. Trabalhei com ela quatro anos, aí ela foi embora de São Paulo, foi morar em São Carlos e eu fui trabalhar com o filho dela, que casou também, aí depois eles foram para os Estados Unidos. Aí eu fui

trabalhar com a irmã dela, com a Vilma. Até então que eu fui trabalhar na Ellen, com tudo isso que eu tava passando. Que você sabe que quando eu vim aqui trabalhar com vocês eu ainda estava em crise né. Vocês lembra que eu chegava aqui transtornada e que eu tava aqui trabalhando, de repente o telefone tocava e era aquela discussão em casa e o Wellington já estava adolescente, começou a ter problema na escola, começou a ser agressivo na escola. Aí além de responder para os professores, não tinha mais nota boa nem nada. Aí depois ele arrumou esse serviço de noite, chegava em casa e era aquele tormento todo, aquele nervosismo. O menino começou a sair e não querer ficar mais dentro de casa, começou a se envolver em mal companhia e eu chegava em casa e era briga, era coisa sempre. Quando eu vim trabalhar aqui com vocês, eu chegava mais tarde ainda, como eu chego mais tarde ainda. Ele continuava achando que eu tava nos motéis, eu tava com os meus machos na rua, que eu era uma prostituta, uma safada, que eu era uma sem vergonha, tudo aquilo. Eu trabalhava o dia inteiro, para ganhar o pão de cada dia para os meus filhos, porque nem isso ele dava mais. Quando chegava de manhã e eu falava: “Bem, dá o dinheiro do pão das criança.” “Ué, você não foi trabalhar ontem? Teus machos não te deu? Compra os pão pros teus filhos.” Sempre que eu trabalhava por dia eu tinha, como eu tenho sempre, nunca deixei faltar. Aí eu pegava e comprava tudo o que necessitava dentro de casa. Na hora do almoço, ele ia, como ele tava em casa e as crianças não, ele ia e comia tudo, não queria saber que as criança tinham comido ou que as criança não tinham comido. Então o que tinha ele comia, não queria saber. E quando eu ia falar, eu era a errada, eu era errada. Então quer dizer, eu tinha que trabalhar, sustentar ele e as criança ficava sem. Que eu comprava cinco pãozinho, ele dividia meio para cada um e o resto ele comia. Até que aconteceu tudo isso e eu entrei em depressão e fiquei dois anos em depressão, aí eu tinha uma tremedeira que não parava. Chegava de noite, o dia que eu estava em casa, chegava a hora de se aproximar, se aproximava o horário dele chegar, eu começava a se tremer, se tremer, se tremer. Que eu tava em pé não conseguia sentar, que eu tava sentada não conseguia levantar.

Medo dele? Medo que ia tudo começar novamente.

Você já estava trabalhando aqui Nice?

Já. Muita coisa quando eu já estava trabalhando com vocês, eu não comentava com vocês. Eu só ficava quieta. Você sabe, toda vida sempre fui só eu e você. Você é jovem, não tem que carregar os meus problemas né. Eu fazia a minha parte, vinha aqui e fazia o que eu tinha que fazer e não ia realmente entrar em detalhes com você né. Até hoje quando eu me abro mais, é quando a sua mãe está aí e a gente conversa mais profundamente. Depois que eu peguei amizade com você, que a gente começou a conversar mais (risos). Até que eu entrei em depressão e comecei a frequentar a igreja. Eu comecei na Universal, evangélica. Daí eu ia acompanhada da minha irmã. Aí a guerra no fim de semana aumentava porque eu ia para a igreja e ele dizia que eu tava com causo com o pastor.

Até você frequentar a Igreja Universal, você não seguia nenhuma religião? Não, eu não seguia nenhuma religião. Aí eu ia para a igreja e ele dizia que eu tinha um causo com o pastor. Que eu falava que não tinha dinheiro, ele dizia que eu tava dando dinheiro tudo pra igreja. Porque às vezes eu sa que ele tinha alguns trocadinhos, era obrigação dele comprar, não era eu. Então eu falava que eu não tinha né. Eu pisava e deixava até o último momento pra ver se ele ia tirar o dinheiro dele e comprar. Então ele dizia que o meu dinheiro ia tudo pra igreja e era aquela confusão. Eu saía pra ir pra igreja e quando eu voltava, nois discutia, nois batia boca, ele me xingava. Então eu ia aprendendo a me calar, me calar e aquilo ia me corroendo por dentro, me corroendo. Quando chegava a hora dele chegar e eu tava em casa, me dava essa tremedeira, essa tremedeira e eu não tinha mais vontade de se arrumar, eu não tinha mais vontade de pentear cabelo, eu não ligava mais pra mim.

Você procurou ajuda? Assim, pra conversar não. Não tinha como conversar. Uma pessoa que está passando por isso não tem coragem de contar, que a gente não tem . Quando a gente ta passando por uma dificuldade dessa dentro de casa, sendo maltratada, sendo humilhada, sendo pisada. Pode ser quem for, a gente não tem coragem de se abrir com aquela pessoa.Ajuda que você fala, procurar uma pessoa pra conversar, porque no causo eu precisava de uma psicóloga. Mas com que dinheiro que eu ia arrumar uma psicóloga? No posto de saúde? Você não consegue. Eu ia conversar com quem, se abrir com quem? Com as minhas irmãs? Que já tinha se afastado todo mundo de casa, na minha casa não ia mais ninguém. Só ia essa minha irmão pra mim ir pra igreja com ela. Nem com o

pastor eu num me abria, nem com ele. Então eu passada tudo aquilo ali dentro de casa, minha família não sa. Quem sa era eu, Wellington, Wagner e Guilherme que se passava dentro de casa. Que eu não tinha mais nem a Michele. Acontecia as coisas e quando a minha família ia saber, minhas irmãs ia saber. Nossa, mas a gente não ta sabendo de nada, a gente nunca ouviu falar de nada. Mas nem pra eles eu me abria. Olha, eu te garanto, mulher nenhuma que ta passando por essa vida dentro de casa, debaixo de quatro paredes com o companheiro, como o marido, seja lá o que for, não se abre. Quando ta pra se abrir, talvez já é tarde demais, às vezes uma tragédia já aconteceu. É o causo que a gente vê filho matando pai e mulher que mata marido e marido que mata mulher ou então se envolve na bebida, que tem muitas mulheres que enche a cara pra não ver os problema passar ou então larga mão de tudo, vira as costas e sai. Então foi o que aconteceu até o ponto que você já sabe de o filho chegar em casa, pegar o pai com a amante. Eu trabalhando o dia inteiro e o filho pega o pai com outra mulher na porta de um bar. O Wellington pegou o pai na porta do bar e fez aquele escarcéu. Chegou em casa, porque ele tava vindo da escola, jogou as coisas do pai tudo pro olho da rua e não queria deixar o pai entrar dentro de casa. E a mulher que ele tava de gracinha lá na porta do bar, ainda foi na porta da minha casa querendo falar com o Severino. Que o menino saísse de lá, que o Wellington saísse de lá, uma tragédia ia ser formada. Quando eu cheguei que fiquei sabendo de tido que tava se passando, eu falei: “Agora vou ter que por um ponto final nisso, chega!.” Se agarrei na mão de Deus e falei de agora em diante será assim, assim, assim e assado. Assim, assim assado quer dizer: você vai cuidar da sua vida, que eu vou cuidar da minha e da dos meus filhos. Eu tava aqui com vocês, trabalhando aqui com vocês e vocês sabem o que aconteceu. Ele foi embora num domingo, eu disse você vai juntar tudo as suas coisas e vai embora. “É eu não vou porque a casa é minha.” Você vai, você vai. Ele saiu num sábado à noite, pra um bar, eu juntei tudo as coisas dele. Só que ele não voltou pra casa. Num domingo de manhã as coisas dele já tavam tudo ajuntada, eu puis pra fora, passei a mão nas três criança e saí e fui pra igreja. Quando eu voltei da igreja às onze horas da manhã, ele não tinha retornado ainda pra casa. Isso aconteceu numa sexta feira, nós sábado ele não voltou porque eu tinha expulsado ele de casa, ele não retornou pra casa e passou o dia inteiro fora. No domingo ele também não retornou. Na segunda eu tinha que vir trabalhar e eu vim trabalhar. Eu vim trabalhar deixei as criança com o coração partido, amassado, porque eu chorava, esperneava e dizia: “Meu Deus e agora? E agora como vai ser? Como vai ser?” Aí me agarrei a Deus e Deus me deu força. Quando foi na terça feira, na

terça não, na quarta feira, ele apareceu lá com o primo dele pra pegar as coisa dele. Foi aonde ele saiu de casa. Saiu de casa e até então, eu não fui na justiça eu num fui na justiça ainda não pra adquirir a pensão das criança. Mas falei, de agora em diante não quero te ver mais, de jeito nenhum. Ele alega que a casa era dele, eu fui lá na COAHB e passei a casa pro meu nome. Eu pago tudo que ele não pagava, eu pago a água, eu pago a luz, a prestação da casa, eu mantenho os meus filhos. Ta certo, eu passo dificuldade, não assim em matéria de comida, porque graças seja Deus isso não falta. É difícil? É. Ele me dá cem reais quando ele quer dar, mas também na porta da minha casa ele não vai. Não proíbo ele de ver o filhos, porque a hora que ele quer ver os filhos ele liga e os meninos encontra com ele aonde ele estiver. Mas na porta da minha casa ele não vai não. E assim eu to me reerguindo, to me reerguindo, eu continuo a viver. Homem do meu lado, eu não quero mais. Eu falo assim: “Jamais vou lavar cueca de homem e dizer assim: meu homem. Eu vou lavar a cueca dos meus filhos que é três homens.” Agora eles tão idade de trabalhar, o Wellington com a revolta que ele teve do pai, ele não para em serviço nenhum. É um rapaz meio assim, como eu posso te dizer? Revoltado. Então ele arruma serviço, mais sai, terminou os estudos com muita força de vontade. Eu briguei, eu lutei pra ele terminar os estudos, terceiro colegial. O Wagner ta fazendo o segundo colegial, começou a trabalhar também, não sei se vai dar certo ou não. E o Guilherme é uma criança que só por Deus. Eu acho que Deus proverá na vida dele pra ver como ele vai reagir de agora em diante, é uma criança meia difícil.

Porque você acha ele difícil? NEu não sei se ele sente muita falta do pai, ele é uma criança que quer muito imitar os irmãos, mas os irmãos estão na fase adulta e ele é uma criança. Então passou a ser uma criança chorona, gosta de arruma uma encrenca, gosta muito de falar da vida dos outros. Na escola já arrumou duas confusão que eu tive que ir lá, ele até recebeu uma convocação por a criança chegar, falar e ele vai pra cima. Ele é um pouquinho revoltado. Mimado? É. Mas os irmão também não tem um pouco de paciência, ele diz que agora eu sou com o Guilherme, eu tenho coração mole. Que com eles, eu era mais dura, mais severa. Mas na fase deles serem criança, eu estava passando por este problema. Então talvez, eu peço desculpa pra eles por eu ser agressiva, autoritária demais com eles. Porque eles vê que eu fui muito autoritária com eles, eles sente isso. Já com o Guilherme não, eu to numa fase mais calma, mais sossegada, tenho mais tempo, gosto de ouvir pra verificar quem ta certo e quem ta errado e eles acham que eu tenho o

coração mole. Porque quando eles eram da idade do Guilherme, eu não falava duas vezes (risos), era uma vez só e não tinha isso de espera um pouquinho. Tinha que fazer na hora exata. A gente pensa que criança não marca, mas eles marca e cobra pela atitude que eu tenho hoje com o Guilherme, que eu tenho paciência. Que eu falo uma, duas, três vezes. E com o tempo deles eu não era assim. Praticamente desde o nascimento deles eu já estava passando por turbulência, uma turbulência muito grande na infância deles. No entanto não deixei as coisas chega ao ponto de coisa. Cheguei muitas vezes a pensar em si matar, tentei si matar, mas não tive coragem. Tentei abandonar tudo, largar eles com o pai, mas eu pensei duas vezes. Pensei em dar fim em todos eles e na minha vida também.

Inclusive na do Severino? Não, na do Severino eu nunca pensei.

Você queria aliviar toda essa dor e tirar seus filhos também dessa dor. É. Muitas vezes eu pensei vou dar um jeito de acabar com a vida de todo mundo, menos dele. Eu cheguei até a ameaçar: “Eu vou por veneno.” (risos) Mas nunca tive coragem. Eu nunca falei assim: “Vou te matar, vou fazer acontecer.” Não, eu acho que ele era um homem doente, agora que ta tudo calmo eu acho que ele é doente. Porque ele... como eu posso te explicar? Ele era uma pessoa carente, eu acho que ele ficou tudo isso porque ele perdeu a mãe com dezesseis anos e não teve apoio de ninguém. Porque quando ele perdeu a mãe, depois de quatro anos ele foi pro Rio. Pro Rio de Janeiro morar com uma prima. Ele disse que sofreu muito também na casa da prima. E a prima o que me contou quando ele teve morando lá com ela, diz que ele sempre foi agressivo. Que ele nunca gostou do barulho, nunca gostou nada. Tanto é que ela tinha um menino pequeno, ela expulso ele da casa dela por causa do filho dela. Porque ele passou a ser agressivo com o menino, empurrava o menino quando ele entrava no quarto dele, ele não queria que o menino mexesse nas coisa né. Então ela falou pra ele, procura outro canto porque a casa é do meu filho. E toda vida ele foi assim. Ele quebrava as coisas e culpava as crianças, ele batia, amassava, tudo, não tem mais em casa, as tampas das panela e falava que não era ele.

Ele falava que eram os filhos? Falava que eram os menino. E estragava toda a televisão e o dvd, o coisa e dizia que não

era ele.

Ele tentava achar uma forma de você... Agredir os meninos. Ele achava que... No início o , até eu brigava com as criança. Igual o dia que eu comprei o dvd né e ele tinha o dele, só que no dele ninguém podia por a mão. Só que eu comprei um pras criança, inclusive foi o primeiro ordenado que a sua mãe deu aqui, que eu juntei duas semanas e comprei o dvd, custou cem reais. Eu comprei o dvd pros menino e ele foi e quebrou o dvd dele e falou que tinha sido as criança. Eu acabei dando, eu tava tão angustiada, tão cheia, tão cheia que eu trabalhava neste estresse de ônibus e coisa, que eu chegava em casa eu queria deitar, descansar, eu queria ficar num canto sossegadinha, sem bagunça. Então peguei e o: “Meu dvd é novo, toma. Toma que quando eu puder eu mando arrumar o seu pros menino.” E aí dei, tirei dos menino e dei pra ele. E os menino falava: “Mãe, o pai chegou e deu um soco em cima do dvd.” E eu não acreditei nos menino, mesmo assim dei. Quando eu fui levar pra arrumar o rapaz disse assim: “O dvd caiu no chão?” Quando o rapaz disse isso, eu falei: “Não.” Aí veio na cabeça, o Wellington disse que ele deu um soco no dvd. Aí eu cheguei em casa e não teve mais concerto o dvd dele. Aí eu cheguei em casa e falei pra ele: “Você me dá o meu dvd de volta...” (risos) Ele não assumiu, continuou negando. Foi aonde que eu tava começando a me libertar. Aí catei o dvd, instalei na televisão das criança, que até então nessa época eu já tinha comprado uma televisão de quatorze polegadas, que era das criança, eu tinha dado pras criança. A dele não, a dele era a grande lá de vinte e quatro polegadas né, que ninguém podia por a mão. Que eu estava assistindo alguma, que ele visse que eu tava interessada naquilo que tava passando na televisão dele, ele podia ta interessado também, mas ia lá e mudava de canal. Só pra mim não assistir. Na hora de deitar, ele desligava a televisão, eu virava pro canto, todo mundo dormindo, a televisão desligada. Ele perce, desconfiava que eu tava dormindo, ele ia lá e ligava a televisão. E tem mais, se ele perceber que eu tava acordada, olhando na televisão, ele ia lá e desligava de novo. Desse jeito que ele era. Quer dizer, quando eu ia pra cama, eu tinha a televisão e não podia assistir porque ele não deixava.

Você estava falando que você estava começando a se libertar de tudo isso que aconteceu com você. E como foi esse processo de libertação? Que hoje você não vive mais com ele. Eu queria que você contasse um pouquinho, como foi todo esse

processo até você conseguir essa vida que você está tendo hoje. Então, aí foi o seguinte. Quando nois se separamo, no início foi difícil porque eu gostava dele.

Você amava? Olha , eu não sei que, já se julgava-se amor. Porque a gente sente falta de uma segurança, que apesar de tudo isso, eu sabendo que eu tinha um homem dentro de casa, eu me sentia segura. Porque eu moro num bairro que é meio perigoso. Então a partir que ele foi embora, só ficou eu e os três menino, eu me sentia insegura. E o que foi que aconteceu? Eu chego em casa e eu sentia preocupação com os menino, com a escola, responsabilidade da casa. Eu passei muitos dias sem dormir. Apesar de quando eu vim pra cá sua mãe me dá cesta, não se preocupo com alimentação. Com a alimentação eu nunca me preocupei, mas com o bem estar das criança, a segurança, a noite, do falatório. Que a gente com o companheiro é uma coisa, sozinha é outra. A pessoa vê a gente de outro modo.

Você se sentia mais respeitada quando... Quando tinha ele. Ninguém nem sa o que se passava. Na rua todo mundo adora ele , até hoje todo mundo adora. Ele só era ruim pra mim dentro de casa. Então todo mundo respeitava ele, até hoje é: “Cadê o Severo?” E eu responde que não deu certo e a gente se separou. Até a minha vizinha parede e meia não sabe realmente o porque a gente se separou. Vinte ano de convivência né. Então eu me senti muito insegura. Mais aí o que aconteceu? Os amigo foi voltando, a família foi voltando. A família é muito importante. Minhas irmã foram se aproximando novamente de casa, nesse processo da separação que ele foi embora. Então começaram a voltar, as que mora longe começaram a vir visitar, já ligam procurando saber. Eu já começo a me abrir mais né. Graças a Deus eu não precisei, mais os meus dois irmão que estavam bem afastado, que não iam em casa de jeito nenhum já voltaram a frequentar a minha casa. Então agora eu posso contar com as minhas duas irmãs que mora lá na minha rua. Tem umas amiga também muito legais, que ta nessa hora. Que me deram muito apoio nessa hora, nessa situação da separação, que elas que controlaram o Wellington quando ele pegou o pai com outra mulher. Então essas duas amigas minha são muito legais. Então tudo isso, ta dando força né. Então eu comecei, continuo indo na igreja né, então tem passeio e eu continuo, vou nos passeio quando tem na igreja, show gospel que tem na igreja eu costumo ir e

tudo isso me liberta. Não sou de sair, ficar na casa de vizinho, não freqüento casa de vizinho né. A minha filha também voltou, se aproximou de mim, de agora, de dia de hoje, dia sim, dia não ela ta em casa. O meu genro que eu não ia com a cara dele, é um excelente rapaz né. E eu to conseguindo levar a vida.

O Severino aceitou a separação? Eu acho que agora aceitou. Ele aceitou porque não vai em casa. Quando ele liga, quando ele quer ver as criança, ele liga. Ele liga e coisa, e nois já consegue conversar pelo telefone. Igual quando eu teve problema com o Guilherme na escola e calhou dele ligar, eu falei pra ele, eu contei tudo pra ele que o Guilherme tava aprontando e pedi pra ele ir em casa pra conversar com o Guilherme. Ele foi e passou a mão lá em cima na testinha do Guilherme, como quem dizia assim: “A sua mãe não resolvia e nem eu.” (risos)

Você sente falta dele? Não, não sinto, Não sinto porque o que eu tava vivendo com ele não era mais amor e não era mais coisa. Eu peguei trauma, eu tenho trauma. Não sinto nem um pouquinho a falta dele. Nem no bem estar, nem nada. Lembrar? Lembro, de algumas coisas eu lembro. Até mesmo de vez em quando eu falo com as criança: “Poxa, ta parecendo o seu pai.” (risos) “Poxa, Severino foi embora e ficou outro aqui?” Mas não sinto falta não, nem um pouquinho.

Deixa eu pegar algumas informações, então hoje na sua casa mora você... O Wellington, o Wagner e o Guilherme. O Wellington ta com 20, o Wagner completou 18 e o Guilherme ta com 9.

Você trabalha só aqui? Eu trabalho só aqui.

E o Wellington ta trabalhando? Não está mais trabalhando, ele não para em serviço nenhum. Não sei o que acontece. Ainda ontem, foi ontem? Isso. Chegou um amigo dele e chamou ele e ele falou pra mim: “Mãe eu vou ali embaixo comprar um geladinho.” Eu fui atrás, eu quero saber que tal desse amigo que chega e chama e vai comprar geladinho. De fato ele foi até a casa

da moça que vende geladinho, não tinha geladinho, ele comprou chiclete e veio pra casa. Aí eu xinguei um monte, xinguei porque, lá na rua tem um monte de ruinha que é assim tudo ponto de tráfico e eu falei pra ele: “você fica andando nessas viela, você sabe que aqui é tudo ponto de tráfico. Eu não to te criando pra isso.” Que ele não para, hoje ele foi ver outro serviço, até já liguei lá pra casa e a menina mandou ele voltar segunda feira. E o Guilherme eu to vendo uma pessoa pra fica com ele quando o Wellington iniciar a trabalhar, pedi pra (...) tomar conta dele pra ficar mais tranqüila. Vou pagar R$ 100,00 pra moça ficar com ele. Mas enquanto o Wellington não arruma. Que nem o Wellington saiu hoje de manhã e eu vim pra cá, eu deixei ele na casa da minha irmã né. Não posso deixar direto na casa da minha irmã, porque a minha irmã já toma conta do menino, do neto dela de cinco anos, minha irmã costura pra fora e ela faz curso também, então ela realmente não tem tempo. A minha irmã tem o Nelson que dá muita dor de cabeça pra ela, que ele é um usuário de droga, ta, 18 anos. Tem o Igor que tem 12 anos e tem o neto que a mãe abandonou que tem 5 aninhos. O pai mora em Suzano e o menino fica com a avó. E ajuda, tudo o que o menino precisa o pai ajuda, mas vive na casa da avó porque o pai vive sozinho e não tem quem toma conta do menino.

É... Na região onde você mora é normal que outras mulheres também passem por esse tipo de violência? É uma situação presente na comunidade? É.

Muito presente? Muito presente.

E vocês conversam, vocês se ajudam? Olha, inclusive essa minha vizinha, ela passou pela mesma forma, ela passou pela mesma situação só que o marido, o problema do marido dela não era de álcool. O problema dele era a droga. Parede e meia com a minha, então ela também passou por um sistema muito doloroso, inclusive ela veio, se abriu pra mim. Muita ameaças. Só que agora ele saiu de casa, e ela virou a cabeça, ela ta pagando com a mesma moeda o que ele fazia com ela. Então a situação ta difícil. Eu vejo a situação da minha vizinha, ela também tem um menino da idade do Wellington, uma menina da idade do Wagner e um outro menininho da idade do Guilherme. Só que ela ainda tem mais dois, eles são em cinco na casa dela. E no exaro momento, ela arranjou um namorado e aí já viu. (nesse

trecho ela não permite que eu transcreva a informação dada)

Tirando o caso da sua vizinha, existem outras mulheres que sofrem violência? Existem.

E como vocês convivem, é algo escondido que todo mundo sabe e ninguém comenta ou vocês se ajudam? Olha tem a Maria, que passou pelo mesmo caso também e ela chamou os bandido e os bandido pois o marido dela pra corre, agora é ela e o filho dela.

Posso colocar isso? Pode. A Maria foi e chamou a polícia umas três vezes e ninguém toma atitude de nada. Ela pegou e foi chamar os bandido, no mesmo dia os bandido puseram ele pra corre. Isso você pode por, que os policiais não tomaram conta de nada, os bandido que pois ele pra corre. Depois de um ano que na rua ele não entrava, por causa dos rapazes que tomam conta do pedaço, que saiu a liminar pra ele sair de dentro de casa. Já faz um ano que ela tinha posto ele pra corre e ela apanhava, ele quebrava tudo dentro de casa. Em frente a minha casa, eu moro aqui, atravessando a rua era a casa dela. A gente muita vez eu presenciei o quebra pau dos dois. Ele chegou um dia a pegar a bacia de comida assim e jogar pelo vitrô que foi parar lá na rua.

E quando você chama o tráfico ou como você falou os bandidos para interferirem, como eles agem? Como é isso? Qual é o preço de ter que pedir ajuda pra eles? Olha , quanto a isso, eu nunca necessitei. Eu nunca necessitei. Eu não sei se eles cobra pra fazer alguma coisa. Porque o que eles não quer é ver a polícia, então como na casa dela ela já tinha chamado a polícia umas três vezes pelo menos pra ele, só que ninguém tomou providencia nenhuma, providencia de nada. Os policiais virara as costas e ele continuava a fazer a mesma coisa. A situação dela tava pior ainda. Porque a polícia ia, conversava, não levava e não tomava atitude nenhuma. Só que isso tava sujando o lado dos bandido, toda hora o bandido na rua, toda hora a polícia na rua. Não dá. Aí ela foi e falou com eles, eles foram falar com ela.

Os bandidos foram procurá-la oferecendo ajuda? É. “Olha a situação não dá, você tá sujando o pedaço.” Diz que ela que tá sujando o

pedaço. (risos) “Olha, você tá sujando o pedaço, todo dia a polícia aqui na rua e isso tem de parar”. Falou pra ela numa boa. Aí ela falou: “Mas o que vocês acham que eu devo fazer? Porque o meu marido não sai e pra eu me defender eu tenho que chamar a polícia, que eu não agüento ir pra cima dele.” Aí eles perguntou: “Quer que a gente ponha ele pra correr?” Aí ela disse assim: “Mas como colocar ele pra correr?” “A gente na vai fazer nada, a gente não vai matar, simplesmente ele não vai mais entrar no pedaço. Até uma certa distância ele vem, passando daquela distância ele não passa mais. Porque na hora que ele chegar no limite dele: daqui você não passa.”

E o cara está respeitando? O cara tá respeitando. Isso já vai fazer uns dois anos, agora que o cara começou a chegar no portão da casa dela. Ele já refez a vida dele, já tem um neném. Agora nesse feriado ele foi ver o filho e levou a mulher e levou o neném, na porta dela. Tem a... Ele foi pra casa dele e ela pois na justiça, ele manda a pensão pra criança, se separo. Mas foi os bandido que pois ele pra correr, porque os policiais não puseram não.

E tem outros casos iguais na comunidade? Tem. E muitos. Muitos casos. É cheio, é cheio, é cheio e isso é só na rua onde eu moro. Se for ver a comunidade você vai ver muitos casos. Inclusive ta fazendo quase dois meses que mataram um rapaz, que ele abusou de uma menina de 14 anos. A menina era deficiente, era muda e surda. E ela andava pegando garrafa, e essa menina desapareceu. Ficaram sabendo que o pai da Fana tava com ela, não na região onde nois mora, mas um pouco mais distante. E ele pegou essa menina, a polícia procurando tudo e abusou dessa menina. Aí o que fez? Os policiais não acharam, policia e nada lá é a mesma coisa. Aí a mãe e a família pediram para os rapazes né. Eu falo assim bandido, não pe bandido, é os rapazes. Eles respeita a gente muito bem, só tem os pedaço deles, o que eles faz não se julga pra gente. Eles respeita a gente, e não mexe com a gente. Não tira as coisas da comunidade, quando eles tem que fazer, eles vão fazer bem longe. Eles tem os ponto de tráfico? Tem. Os ponto fica ali na praça, vem um carro eles vende, passa lá eles vende. Quem quer, passa lá e compra.

Mas não interfere na vida da comunidade? Não, não interfere na vida da comunidade não. E precisando deles, eles estão a postos, tanto dia quanto a qualquer hora da noite. Se precisar de um socorro, de um carro,

alguma coisa, pode contar com eles. Nois chama eles de menino.

E eles não cobram nada pra ajudar? Não, não cobram nada. Que eu saiba não. Nunca precisei, mas nunca ninguém falou: “Tenho que pagar porque ele fez isso pra mim.” Nunca fiquei sabendo. Já são vinte ano que eu moro no pedaço, e eu nunca fiquei sabendo que precisaram deles e depois teve que pagar. Também nunca fiquei sabendo que eles foram na casa de alguém cobrar por ter feito alguma coisa pra pessoa.

Deixa eu te perguntar Nice, na sua família outras mulheres sofreram algum tipo de violência? Sua mãe chegou a sofrer algum tipo de violência? Olha, a minha mãe, eu acho que não. Minha mãe perdeu o marido muito nova, tanto é que eu tinha seis meses, e... minha mãe não teve outra vida conjugal, tinhas os namorinhos dela assim, saía com os caras e logo tava em casa junto com os filhos. Ela viveu mesmo a vida dela com os dez filhos dela. Nois sempre fomos muito felizes, uma infância ótima. Posso dizer de boca cheia que era o orgulho dela. E ela enchia a boca e dizia assim: “Eu criei os meus dez filhos sozinha e não tem nenhum margina, nenhum ladrão, nenhum preso e nem nenhum maloqueiro.” Meu pai morreu por falta de socorro médico, naquela época era muito difícil, então quando ele chegou no hospital, já não tinha mais jeito, falta de respiração. Minha mãe ficou desnorteada? Ficou. Minha mãe começou a beber, ela be muito. Depois que ela veio morar comigo, é que eu consegui tirar a bebida dela, porque eu sou uma pessoa enérgica, se eu falo não, é não. Então eu sou uma pessoa enérgica e eu consegui tirar o vício do álcool dela, mas não consegui tirar dói Severino (risos). Talvez se eu tivesse conseguido tirar o vício dele, seria bem melhor né. Eu não teria sofrido tanto. A minha irmã também se separou, mas não foi por esses motivo não. Foi por causa de bebida, o marido dela bebe demais, mas se separam numa boa, o marido dela refez a vida dele. É como se diz né, eu sei o que se vive por fora, mas o que acontece dentro de quarto paredes... se ela não se abriu... As outras minhas irmã também não.

E hoje você olhando pra tudo isso eu você viveu, o que você pensa? O que você sente? Olha, eu chego em casa, eu tomo um banho, eu janto, eu deito e eu durmo. Eu não me preocupo mais, em ter uma roupa pra lavar, que não tem ninguém que manda em mim.

Eu não me preocupo mais de ter uma comida pra fazer. Eu se preocupo muito com o Guilherminho, porque o Guilherme é pequeno, mis confio muito nos irmão dele né. E eu sinto bem.

Você se sente mais feliz? Bem mais feliz. Porque eu não tenho aquela... aquela angústia que eu tinha no peito, aquela coisa que me apertava, que me machucava, que me corroia. Eu não era mais eu, dia de hoje eu canto (risos). Dia de hoje eu canto, eu danço. A minha filha vive se reunindo com as primas em casa e passa a tarde inteira conversando, brincando né. Eu hoje gosto de comprar uma roupa pra mim, um sapato.

Você voltou a ser vaidosa... Isso. Me arrumo, pinto um cabelo, uso brinco né. Então eu voltei a viver né. Agora eu tiro barato da cara das pessoa, eu faço piadinha, coisa que eu não fazia mais. Eu era aquela pessoa que se tornou amarga, que quando alguém queria conversar só saía aquela coisa amarga, estressante. Ninguém queria mais ficar perto de mim. Ninguém é santo, no dia de hoje eu tenho o estress do dia a dia. É essas condução, que me estressa muito, porque a lonjura que eu trabalho. Sair da zona leste, pra trabalhar na zona oeste não é fácil (risos). Os meus filhos não são de sair pra noite, pra noitada. Então no fim de semana quando eles ficam conversando com os amigo, o máximo que eles chega em casa é meia noite. Hoje eu sou muito mais feliz.

E pra fechar, quais são os seus sonhos? Você sonha com o que hoje? Hoje? Olha, o meu sonho é construir a minha casa, montar ela do meu jeito.

A casa que você mora hoje é sua? É minha.

Mas é ocupada? Você tem a escritura? Já tem tudo direitinho? É ocupada, é da COHAB, ta no meu nome.

Que foi uma vitória sua, você conseguiu Foi uma vitória minha e de Deus (risos). Ele não pagava água, ele não pagava luz. Eu to conseguindo por tudo em ordem. Regularizei minha luz, agora vou começar a ver o

negócio da água. O telefone que sempre andava cortando com ele, desde que ele saiu não tem nenhuma conta atrasada. E eu sozinha, a minha vitória é essa. Não tenho ninguém. Pra dizes assim, ele ta mandando pensão, não está. Porque os cem reais que ele manda, na hora eu pego e divido entre os três. Que graças seja Deus, eu ponho Deus no meio, não ta fazendo falta.

Então vamos lá, o seu sonho é construir a sua casa do jeitinho que você quer. Até dezembro eu vou comprar a minha máquina de lavar. Eu vou construir um corredor e vou por a minha máquina lá e quero construir mais três cômodo lá. Aí depois de construído eu vou mobilhar (risos). Se Deus quiser eu vou mobilhar. Os meninos também vai trabalhar, o Wagner começou e Deus vai amparar e o Wellington vai por juízo na cabeça e conseguir um trabalho fixo. Eu moro num quarto e cozinha, meu sonho é cada um ter o quarto deles. E eu o meu quarto, que a hora que eu sai eu vou fechar a porta (risos). Agora eu sou feliz.

É bom voltar a sonhar Nice? É bom sonhar, é bom a gente fazer dívida pra depois pagar. Ontem mesmo eu fiz dívida, comprei perfume, comprei hidratante, um lençol de cama, comprei um cobertor que eu sempre quis. Hoje eu posso cuidar da minha cama, porque se você tem uma cama e chega aquele homem cheirando a pinga, xingando, babando e se joga em cima da cama. Aí nem Cristo agüenta ver aquilo. Hoje eu não tenho nada disso, eu ponho perfume na minha cama e sinto o cheiro do perfume. Hoje eu tenho o meu neguinho que é o Guilherme que dorme comigo, porque eu acho que só depois que virar homem barbado vai sair do meu lado (risos). Os meus filhos são a minha vida, sinceramente eu amo todos eles. Eu não atirei pedra na cruz e eu vou ser feliz. O meu primeiro casamento não deu certo, o meu segundo casamento também não. Teve momentos felizes? Teve, não vamo negar não. A primeira vez a gente errar é humano, a segunda é falta de atenção, a terceira é burrice. Então, homem na minha vida eu não quero mais não. Jamais eu vou querer. Não vou cuspir pro céu e dizer que é isso e aquilo. Não. Mas pra morar debaixo do teto comigo, eu não quero. Que surgir a possibilidade de um namoro, de um conhecimento, tudo bem, mas pra morar debaixo do meu teto, não. Eu já passei por muita coisa na vida, eu fui uma criança perdi uma vista com dez anos, eu fui operada quatro vezes. Eu perdi a vista, mas aprendi corte e costura, crochê. Não existe máquina que eu não pegue e enfie a agulha, que eu não costure nelas. Então tem aquele ditado:

“Não há nada que a Nice não possa fazer, eu faço.” Pelo Severino eu já enfrentei dois bandido com arma na mão e nem isso ele dava valor. Quando eu tava de cinco meses do Wagner, eu enfrentei o bandido, porque ele tinha acabado de matar três e eu achei que um era o Severino. O filho da mãe do Severino nunca reconheceu isso.

Tem mais alguma coisa que você queria dizer pra gente finalizar? Eu quero que Deus ilumine os passos do Severino, que ele refaça a sua vida. Não to dizendo pra ele encontrar uma nova companheira, porque eu tenho medo dele fazer ela sofrer também, mas que viva a vidinha dele, que tenha as coisinhas dele certa, o cantinho dele. Que ponha a cabeça no lugar e pensa que ele tem três filhos lindo e maravilhoso, quem sabe no futuro eles não possam ser grandes amigo. Que ele ganhe o coração desse filho, do Wellington. Que mais tarde no futuro eu possa descansar e que os meus filho possam me ajudar e apoiar, que eles pegue a responsabilidade. E eu falo pra quem ta passando por essa situação, eu sei que não tem coragem de desabafar, quando chega a desabafar, é porque não ta aguentando mais. Porque chegou no limite. E tome muito cuidado, por mais calmo que seja, quando tem traição, pode ter a vingança. Eu nunca pensei em me vingar, mas a gente ta vendo por aí por parte dos homem e das mulheres e até mesmo por parte dos filho. As mulheres que tiverem passando por uma situação dessa, que tão quieta, os filhos ta presenciando tudo aquilo dentro de casa e os filho tão aguentando. Procura ajuda, eu procurei. E falo pra essas mulheres também: “Vocês que estão passando por isso, pensem muito bem antes de arrumar uma pessoa. Não ponham outra pessoa imediato no lugar. Porque o companheiro não estiver preparado, aí as coisa fica muito séria. Deixem as coisas se acalmarem, deixem as coisas se estabelecerem, ponham tudo no seu devido lugar, dá um tempo pra substituir aquela pessoa que estejam morando com vocês.” Foram vinte anos de relacionamento, fazendo uma conta assim, tirando na balança, acho que dois foi de felicidade, dois tiveram momentos feliz.

Eu queria te agradecer muito por você ter dividido a sua história comigo, ter confiado em mim pra contar a sua história. De nada.

Entrevista realizada pela aluna Beatriz Guimarães

MARIA ALICE WADA

Identidade 

Idade: 31 anos



2 filhas



religião evangélica

Cresci em uma igreja evangélica,e aprendi que a mulher teria que casar, ter filhos e ser obediente ao marido ou seja submissa a todas as vontades dele. Cresci em uma igreja evangélica e aprendi que Deus instituiu o casamento, isto foi citado em Gn 2:24: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une a sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. Para somar, para acrescentar, para unir, transformar-se em uma só carne, uma só vida, um só ideal. O casamento não é um campo de batalha como muitos vivem, mas sim uma instituição formada por Deus para que os dois desfrutem das bençãos do Senhor. nos podendo nos esquecer que viveríamos na alegria, na tristeza, na saúde, na doença, na pobreza e na riqueza, até o final de nossos dias. Casei me e bem casada, fui feliz por 10 anos, parecia que realmente ele era o meu príncipe encantado, tudo estava dando certo, desta união nasceram duas meninas, maravilhosas a qual me apeguei muito e elas foram a ponte da minha salvação. Sempre fui conservada, vaidosa, amorosa, sempre frenquentei academias, depois que casei não relaxei com o corpo. Mas algo em meu casamento estava errado, sentia me muito só, mesmo tendo as meninas e ao meu marido. Percebi que minha vida era muito monótona, levantar, colocar filhas na escola, academia, limpar casa, fazer comida. E a vida de meu esposo era bem dinâmica, trabalho, igreja e reuniões da igreja após os cultos, a qual eu não podia ir pois tinha as meninas pequenas e elas tinham que ir no outro dia para escola, então não freqüentava estas reuniões. Comecei achar estranho desde que percebi que quase não tínhamos contado físico, nem troca de carinho, ele não me maltratava mas também não me olhava como mulher, uma eterna namorada. Tinha algo mudado. Depois de muitas estratégias descobri que ele estava tendo um caso com ,há cerca de 4 anos e a idiota (EU) nunca tinha percebido, pois cria piamente o que Deus uniu o homem jamais poderá separar.

De momento não sabia o que fazer por conta de minhas filhas e por conta ds irmãos da igreja, pois meu marido tinha um cargo elevado na igreja, todos acreditavam nele, acreditavam em sua lealdade, fidelidade para comigo. Fiquei por 6 meses sofrendo calada sozinha sem contar ninguém por amor a minhas filhas e a igreja, em nosso meio evangélico a gente se expressa “Para não escandalizar o nome de Jesus”. Então eu levei a serio por seis meses, orava dizendo Senhor se assim que tem que ser, então eu quero obedecer. Mas eu estava ficando doente, emagrecendo muito, as pessoas perguntando o porque estava emagrecendo tanto, e ele dentro da igreja com a cara de santo como nada tivesse ou seja estava acontecendo. Dentro de casa o santinho brincava com as filhas como um pai e a noite queria somente sexo comigo, foi quando uma manhã eu estava lendo a bíblia e deparei me com este versículo Mulher virtuosa quem a achará? O seu valor muito excede ao de rubis. Provérbios 31:10 . Não sou muito boa em interpretações mais naquela hora eu disse para mim, eu tenho valor que excede a ao de rubis, o que estou fazendo com minha vida? Nesta hora comecei a chorar, olhei no espelho e vi minhas rugas de preocupações minhas olheiras e o quanto tinha envelhecida, Dei conta que eu estava me escondendo atrás da religião e que Deus não tinha nada a ver com os erros de um homem que queria manter duas familias e viver de aparencia, naquele instante parece que minha mente se abriu e vi o quanto eu estava errada, em me esconder por trás de uma religião não estava pensando em mim e sim em que as pessoas iriam pensar o que o Pastor da igreja iria pensar. Naquela tarde marquei com o conselho da igreja e coloquei toda a situação, o conselho da igreja ainda tentou me convencer a dar uma nova chance para ele, já que ele era uma membro assíduo da igreja, Disse chance? Fazem 4 anos e 8 meses que esta pouca vergonha existe e o senhor me diz em chance............ Se o senhor quiser saio eu e minha filhas desta igreja e o senhor e o seu conselho fique com o meu eis marido pois a partir de agora não tenho mais marido. Estou contando para você resumidamente mais depois daquela reunião teve muito choro por parte dos pais amigos e das minhas filhas, algumas pessoas até diziam que eu era a culpada, mas não mas importava ,estava livre eu era virtuosa e o meu valor excedia a do rubis.

Hoje estou livre e cada um seguindo sua vida Quero deixar bem claro que a violência pessoal contra a mulher é um problema mundial e não somente dos evangélicos e a culpa não esta em Deus, homens violentos não se encaixam em nenhuma religião ou categoria cultural. Hoje penso muito diferente, que existe mulheres no mundo todo que de alguma forma já foi violentada, coagida a fazer sexo ou abusada de alguma forma durante sua vida. A violência contra a mulher transcende religião, riqueza, classe, cor de pele e cultura. O pior da violência é a agressão emocional, que ela provoca, faz a pessoa se sentir suja, desprezível, amargurada, cheia de desejo de vingança, revoltada e ainda por cima, se sente culpada. Só uma mulher que já foi abusada, sabe a intensidade da dor, depois do abuso, vai por água abaixo, os sonhos da moça, os projetos, até mesmo sua auto estima, identidade, tudo é afetado, condenando–as ao isolamento, a condenação, a aversão de si mesma, só Jesus pode mudar essa história. Eu estava sendo violentada em meus sentimentos. Através o que se vê e que se ouve, o que é de mais sagrado no ser humano é violentado, estuprado: a alma, os sentimentos! Os reflexos o acompanharão por toda a existência na terra dos viventes. Se não passar por um tratamento Eu estava sendo violentada sexualmente. A agressão sexual cuja lembrança sempre deixa a pessoa triste, amarga, complexada, revoltada (inclusive com Deus), cheia de ira, raiva e carregando consigo esse desejo de vingança, de “fazer alguma coisa” contra quem praticou tal constrangimento que você carrega por tanto tempo! Foi estuprado, forçado, coagido e violado em sua intimidade tão sagrada. Eu estava sendo depósito.......... Hoje eu posso te dizer que não estou 100 por cento ótima mas que tenho certeza de que a gente como evangélicos podemos gritar, colocar para fora o que nos oprime, Quando se falamos da violência nestes dias,

quero alertar aos

evangélicos(a) que a Lei Maria da Penha existe para ser usada por sobre aqueles que estão infringindo a mesma. Pois a Palavra do Senhor nos diz que: O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor. Romanos 13:10 Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura. Colossenses 3:19 A mulher sábia edifica a sua casa, mas a insensata, com as próprias mãos, a derriba. Provérbios 14:1

Entrevista realizada pela aluna Lucindalva Maria do Nascimento CARLA MARIA DE JESUS

Identidade 

Idade: 31 anos



Graduação



religião evangélica



dona de casa

A primeira ocorrência foi após pouco tempo de casados, onde pedi para ele procurar emprego, iniciou-se uma discussão, e eu saí, e entrei na casa da minha mãe, sendo que morávamos no quintal dela. Após um tempo ele foi atrás de mim, e começamos a discutir referente a uma questão religiosa, onde o mesmo queria que eu fizesse uma ligação e me recusei, após insistência liguei e pedi a solicitação que ele queria, explicando que ele estava requerendo o documento, após a ligação, o mesmo começou a reclamar e me insultar que deveria ter feito o pedido, como se eu quisesse o documento e não ele. Ele começou a dizer: “Vamos para casa”, e começou a me puxar, pegou o fio do telefone e enrolou no meu pescoço, depois foi até a cozinha, pegou um garfo e começou a enfiar em mim, me focando a sair da casa da minha mãe e entrar na minha casa, quando sai, comecei a gritar e meus familiares entraram e separaram a briga. Após algumas horas disse que iria à delegacia, mas até mesmo minha mãe disse que era melhor não, pois tínhamos acabado de casar, e ele disse que não iria fazer mais isso. A relação era difícil, tivemos outra briga onde ele me agrediu e então foi a delegacia, lá a escrivã não abriu a ocorrência, alegando que como era pouco tem pode casada, iríamos nos acertar, mas chamou ele para conversar, nessa conversa ele colocou sua explicação passando que eu muito nervosa, resumindo acabei saindo como errada nessa situação, e ele saiu de lá, se sentido forte, porém após isso as agressões cessaram, durante o período do casamento desde do inicio tivemos sempre brigar e quebraria dentro de casa, até que um dia eu disse: -Você quer quebrar?

Quebrei a casa inteira literalmente, vidros das portas, janelas, copos, pratos rádios basicamente quase tudo. Após esse ocorrido ele nunca mais quebrou nada, e quando dava indício, eu quebrava primeiro, até que, todas as brigas que aconteciam, ele não pegava mais nada para jogar no chão. Ocorreram outros problemas, e fomos morar no quintal da mãe dele, lá discutimos feio, e ele me expulsou me jogou para fora da casa, sai e voltei para casa da minha mãe, depois de uma semana ele veio atrás de mim pedindo para voltar, disse que para lá não voltava mais, e ele voltou para casa da minha mãe. Após um tempo, entramos em crise, eu não estava trabalhando, nem ele, e toda vez de discutíamos ele dava uma pancada em um dos meus braços, até que um dia a percebi que a agressão estava demais, pois até o momento não via como uma agressão, pois era leve e eu sempre fazia algo que ele sentia também. Nessa última briga, fiquei com marcas, fui na delegacia, entrei com processo de divorcio, representei , compareci na audiência, estou separada a quase 7 meses, e estou aguardando o divórcio. Na audiência referente as agressões, o promotor perguntou se eu queria retirar a queixa, como eu não quis, ele assinou um documento, se comprometendo a não freqüentar bares noturnos, não ter outro processo, terá que comparecer na fórum uma vez por mês e assinar um relatório de comparecimento durante dois anos. Com o tempo fui percebendo que ele era um homem machista, mas existe uma questão religiosa em qual vivia onde se predominava que “tudo iria melhorar”, e se eu me separasse iria sofrer conseqüências, pois separação só pelo adultério. Além do que me casei para não separar, e quando isso ocorreu, o sentimento de perda é no sentido “Poxa meu casamento acabou” O sentimento de fracasso não é pelo homem em si, mas porque o casamento não deu certo.

Entrevista realizada pelas alunas Ana Luiza Ferrufino Vallejos, Diana Claudia Barbosa dos Anjos e Noemi dos Santos.

LAIR RAIMUNDO

Identidade 

Idade: 55 anos



religião evangélica



dona de casa

Quanto tempo é casada? 35 anos.

A senhora trabalha fora de casa? Não.

Quantos filhos a senhora tem? Três filhos: Roberto, Robson e Amanda.

Foi mãe com quantos anos 20 anos.

Como foi ser casada muito tempo? Uma vida de muitas tristezas.

Por que tantas tristezas? Lembrar é sofrer duas vezes mais.

Terezinha: Por que tanto sofrimento? Por causa de bebida, mulheres e drogas

Por que viveu tanto tempo neste sofrimento? Porque o amava.

Como era sua relação sexual com seu marido?

Muito boa, tinha tesão e muito prazer. 20 anos de casamento feliz porque tinha tesão e era feliz. Depois de 20 anos para cá deixei de gostar dele. Mesmo sofrendo e sabendo que tinha outras mulheres o amava.

Ele te agredia? Demais, batia e punha para rua, não deixava entrar.

A senhora nunca pensou em separação? Pensei.

Por que a senhora não pediu a separação antes? Por medo. Ela relata que pediu a separação em juiz e seu marido assinou um termo dizendo que não iria mais agredi-la. Lair diz que a tortura foi ainda maior após o pedido de separação e que durou mais cinco anos. Ela conta que seu marido ajoelhou a seus pés e jurou para ela que não iria agredi-la mais, sendo assim ela resolveu voltar com ele.

Que tipo de tortura seu marido usava? Por para fora, ameaça de morte, humilhava e chamava de bagabunda.

Terezinha: Como a senhora sobrevive? De aluguel, ele ficou parado e só dependia do aluguel que é herança dos pais. Ela diz que o marido trabalhava e não dava dinheiro, mas comprava comida.

Como se sentia como mulher? Sofrida, pedia socorro para as amigas para dormir com os filhos. Lair fala dos filhos, diz que o filho Robson foi a mãe dela quem criou. Seus filhos Roberto e Amanda foram criados com ela, num ambiente de sofrimento, diz que seus momentos felizes eram nas festas de Natal e aniversários, mas depois sempre acabava em brigas, nunca teve uma festa feliz. Lair diz que sua vida vai mudar porque se separou novamente, devido ao sofrimento e as torturas, relembra que uma das diversões prediletas de seu marido era a televisão e que agora o lugar está vazio, onde preenche com quadros.

Como a senhora está se sentindo agora que separou novamente? Muito feliz, mas tive um pouco de insegurança. Paguei R$ 127,00 para separar”.

Por que estava insegura? Com medo, não acreditava que ele ia embora. Foi um milagre de Deus.

Por que diz que foi um milagre? Vinha buscando este milagre e nem precisou de testemunha. Hoje estou livre começando a felicidade depois de 50 anos, casei com 18 anos.

A senhora recebe algum tipo de pensão de seu ex marido? Ele trabalha junto com motorista, médica e delegado, eu queria R$ 400,00, mas abri mão da pensão dele para ficar livre. Ele usa cocaína.

Percebo que a senhora não esta totalmente feliz com a separação, é verdade? Meu olhar está triste pela ferida, não por causa da separação e sim pelo filho que foi a quatro anos. Roberto foi para as drogas com 24 anos e não sei se está vivo ou morto, falta um pedaço.

Robson, seu segundo filho de 32 anos, foi criado pela mãe e é viciado em drogas. Lair diz que ele odeia o pai e mesmo assim tem atitudes idênticas a do pai. Lair diz que sua nora Vanessa, 26 anos, também sofre agressões pelo marido e que cresceu presenciando pessoas sendo agredidas. Vanessa não desejava se relacionar com pessoas violentas mas mesmo assim, ela tem contato com pessoas que a agridem desde a infância, o tio que a espancava e hoje seu marido.

LENILDA AMALIA SIQUEIRA Identidade 

57 anos



dona de casa / costureira



Jardim Miriam

Esse negócio da muié, quando briga lá, vai na delegacia. E a maioria das mulher nem vão porque não é resolvido nada, né? A lei da Penha. Aí começa a pensar “Olha ta botando chifre” . Tá pensando o que? ------------- porque tem pessoas que às vezes acontece isso. Tem medo. Eu tinha medo. Eu, logo no começo, né? Eu tinha medo de te contar, por que? Porque envolvia meus irmão. Enquanto meu eu pai era vivo eu não queria que eu pai soubesse, por que? Meu pai tinha um gênio forte igual ao meu marido. Então dois bicudo não se beija. Eu achava que podia acontecer uma tragédia, e como meu pai na hora que dei, descobriu que eu não era mais moça, falou assim que eu podia sofrer, o tanto que fosse que ele não ía fazer mais nada porque eu desobedeci ele. Então, se eu contasse, ele não falava comigo, mas perguntava pros meus irmão “Como é que ta Leo” “ Como é que ele e -----vevi?” Porque ele não ía na minha casa, e no começo ele ------ e meus irmãos ------. Mas eu não contava. Então eles chagava na minha casa e tava tudo bem. Se via todo mundo. Então não via eu com cara de triste, né? Porque eu podia acabar de brigar com ele agora, se meus irmãos chegasse na minha porte e tratava ele como se nada tivesse acontecido, nem briga nem nada. Então não dava, eu não mostrava pra ninguém que eu sofria. O que eu pensava comigo “Não vai adiantar nada, ninguém vai resolver meu pobrema. Vai minha família ficar sem conversar com ele. As vezes fazer o aniversário de um fio, meu irmão num í, minha irmã e meu pai não poder vir. Por que? Porque ta brigado com o meu marido. Porque brigo e depois faço as pazes com ele e minha família aqui. Então eu nunca quis envolver ninguém. Como eu sabia que tudo isso meu pai, minha mãe avisou antes e eu quis, né lutei pra mim casar com ele. Então eu achava que não tinha que se envolver nos meus problema com ele. Como vc conheceu seu esposo, Leo?

Eu conheci assim, porque, ele era amigo da minha mãe. Então quando a minha mãe veio pra São Paulo, eu fiquei, ca mãe Zezé e a minha vó. Então eu fiquei com eles lá. Porque eu, de pequena, eu tinha medo de passar no rio São Francisco, então aquele medo eu tinha. Aí minha mãe trouxe só a minha irmã. Quando minha mãe foi pra lá visitar a gente, aí minha vó encrencou, as coisas tava mais difícil e aqui num tavam bem, mas era melhor do que lá. Aí minha vó, minha mãe mandou dinheiro pra minha vó vim. Aí minha vó veio, só que quando a gente veio embora com a minha mãe, nós moramos no aeroporto, onde é agora que tem, tinha um Jumbo, né? Um Jumbo ali, num sei. Antes num era, antes era uma favela, que agora dá um nome mais bonito, é...é chama de prefeitura. E antes falava favela. Então isso no norte, favela era um nome assim feio e aquele preconceito, morando em favela, é muito pobre, mas nós viemos pra favela que na época era Buraco Quente. Quando minha mãe veio morar ali, tinha ele. Ele fazia assim, num deixava a mulher fazer muita coisa, ele prendia, judiava da mulher. Então tinha todo esse movimento que eles via, só que eu no norte pequena. Quando eu vim pra São Paulo, eu acho que eu divia ter uns 5 anos no norte, é, que ele era bem mais velho. Quando eu cheguei ali ela já não morava mais com essa mulher. Ele já tava morando sozinho. E morava minha mãe e minha tia. Aí ele, eu fui crescendo e ele morava lá. Aí teve uma época que ele mudou, ele foi morar com o irmão dele que tinha comprado um terreno, então ele foi morar com esse irmão. Nos fundos fizeram um quarto e cozinha. E ele, mas ele ía sempre visitar a aminha mãe. Sempre ele ía visitar? E eu via ele, entendeu? E eu crescendo. E eu não gostava de preto. Quando que, porque no Norte não tem muito preto. Tem aqui. No norte tem assim caboclo. Queimado do sol, meio avermelhado. Preto, preto que nem o meu marido, não tem. É muito difícil a gente ver. E eu não gostava de preto. Só que ele mexia comigo, brincava com todos meus irmãos, e eu fui ficando mocinha. Como ele trabalhava, ele era bem empregado. Ele era torneiro mecânico e outro negocio que é mecânico também. As duas coisa, então, a minha mãe com aquele monte de filho, ela viu um partido bom pra mim e ele começou a se interessar por mim, eu assanhadinha sempre colocava peito de fora pra ir trabalhar em uma firma. Aí o chefe quando olhava assim pra mim tinha o meus peito, né? Aí pensava que eu era aquelas

meninas baixinha, sabe? A minha mãe, pra ajudar a minha mãe, que minha mãe tinha muito irmão, muito filho, é que nem eu falei. Todo sábado minha mãe ganhava filho, então não tinha condições, quando comprava o sapato pra um, o sapato do outro já tava rasgado, então minha mãe não tinha uma madrinha. Então era uma vida mesmo ali, de pobreza, sabe? Aí meu pai tinha a minha madrasta, então meu pai tinha duas família, ganhava bem, que naquela época, os pedreiro, que agora chama consultor, né? Ganhava muito bem! Meu pai comprou muito terreno. Meu irmão, a maioria, mora tudo em terreno que meu pai deixou. Porque ele tinha condições, mas tinha duas muher. Tanto é que quando minha mãe ganhava nenê, minha madrastra ganhava. Comprava água, sangria que chamava, levava pra uma e pra outra. Meu irmão_________ era gêmeo de pai, não de mãe. E vc e seu esposo? Vc tinha que idade e ele tinha quantos quando vcs começarama a namorar? Eu sei que eu tinha.... quando eu fiquei noiva. A primeira vez que eu fiquei noiva eu tinha 13 anos. Aí eu acabei o noivado, aí a Zezé casou. Que eu fiquei noiva eu e ela num sitio que o meu pai, né? Aí depois, eu era tão criança que eu não entendia, eu não gostava de beijo, era aquela coisa, sabe? Que eu acabei o noivado. Só que eu já tava de olho nele, que era vizinho, que era amigo da minha mãe. Tá? Aí nesse tempo, eu fiz aniversário, eu fiz quatorze anos. Aí ía ter uma aniversario, uma festinha que minha mãe ía fazer pra mim e convidou ele pra vir. E ele num veio. No outro dia do aniversário, foi um sábado, no domingo ele veio, pra almoçar. E nesse almoço eu já percebi o olhar dele diferente comigo. E eu com ele. Pronto nós começamo a namorar dali. Ele tinha que idade? Olha, eu sei que eu tinha quatorze anos, ele...eu não sei, mas ele era mais velho do que eu. Qual a diferença de idade de vcs? 22, não, 20...é... Ele tinha mais ou menos 35 anos...

Isso! Aí quando eu comecei a namorar, aí a minha mãe não percebeu. Minha vó que percebeu. Que como eu tinha sido mais criada com a minha vó, minha vó sabia que eu era danada, porque do norte eu vim de lá com 8 ano. Num era namoro, é o jeito de minina pequena gostar de namorar, ne? Não que era homem feito nem nada. Aqui sim, quei eu namorei com homem feito, que foi, primeira de noiva, aí desisti e comecei a namorar com ele. Eu namorei pouco, não namorei muito, ne? Aí come...aí nisso meu pai, minha vó descobriu e contou pra minha mãe. Como ele já era um homem mais velho do que eu, que já, que ele era violento com a mulher, como que minha mãe tava ficando louca de deixar eu namorar, uma criança, como um homem desses, que já tem esses passado, ne? Aí pronto. Aí veio falar comigo, aí eu _______chorei, chorei, que eu amava ele. Olha eu nem sabia o que era amor direito. Mas foi o amor, na época, que eu amava ele, que eu ía me casar com ele, que eu queria ter um quartinho pra mim, porque ele falava, ne? Que vamo ter a nossa casa. Então ele falava as coisas bonita, que era o que eu queria ouvir. E eu queria sair dali. Minha mãe com aquele monte de filho, eu queria ter o meu canto também. E minha mãe por outro lado, achava que ele era um bom partido pra mim. Ela não era de manguaça, nem nada, então achava que era uma pessoa boa. E eu também gostava dele. E ficou aquela luta não deixa, não deixa, não deixa, aí por fim. (9:00 mins) Meu pai falava assim que preto quando não fazia na entrada, fazia na saída, né? Então já que vc quer, vc sabe tudo isso que aconteceu na vida dela, vc quer? Aí a responsabilidade___ seis meses pra ficar noivo e um ano pra casar. Ele marcou tudo direitinho, noivo. Só que entre o noivado, minha mãe foi ficando doente. Ai eu fiquei noiva, eu tava com quinze anos, né. Não tinha quinze anos compreto. Ainda tinha quatorze anos e ia fazer quinze anos. A minha mae foi ficando doente, minha mae foi ficando doente. O medico falou pro meu pai que minha mae tava com leucemia, e ela... E ele já tinha viajado quando minha mae morreu. Ai ele já tinha comprado, minha mae chegou ver a casa que ele comprou. No... no dia... outro mês seguida, ele falou pra minha... o que compre o terreno. Então minha mae já tinha dado. Os moveis, A gente casa com os moveis que você tem. Depois compra uns novos. Ai ele foi e comprou esse terreno que eu moro hoje. Ai ele comprou terreno... Ai meu pai, como era construtor, logo ele levou os pedreiro pra fazer. Ai fez. Ate a gente casa, é um ano. Ai ele fez quarto e cozinha e banheiro. Ai deixou no piso grosso. Ai minha mae morreu, o que meu pai faz. Eu na época deixou, meu

irmão que tinha quatro meses, depois que ela ganhou nenê, ela morreu. E meu irmão ficou e ele chorava muito, gritava, gritava, e eu ficava desesperada, eu tinha medo da minha mae aparecer, olhava via a porta da minha mae. Eu achava que minha mae ia sair, porque eu tinha medo de fantasma, essas coisa toda. Ai um dia deixei meu irmão chorando lá... ta chorando demais, deixei na cama e sai. Quando eu sai, a madrinha do meu irmãozinho morava perto da gente. Ai ela veio pegar o neném, tava chorando muito. Ela veio. Quando ela viu, não tinha ninguém. Tava só ele sozinho. Os outros meus irmão tavam na escola. Ai minha mae veio com meu... A madrinha dele pegou, né. Levou pra casa dela e chamou minha vó, entregou pra minha vó e eu, na hora assim que eu fiquei atordoada, eu peguei o ônibus e fui pra... ali onde é a... como é que chama... o hospital defeito da face... que é Cruz Vermelha chamava antigamente. A minha madrinha morava ali, ai eu fui pra casa da minha madrinha. Desci assim atordoada e fiquei lá. Aí ela perguntou, falei que tava nervosa, minino tava chorando muito deixei ele, ai... ai eu falei pra ela não chamar ninguém... ai ela ficou com medo de eu ta atordoada e não chamou. Ai meu pai quando chegou, meu pai ficou que nem doido atrás de mim, sem saber onde eu tava. Ai... ai a minha madrinha ligou, né. Num falou pra mim, mas avisou pro meu pai. Ai meu pai vai atrás de mim. Ai me leva pra casa. Ai eu num queria voltar pra onde, a casa onde era minha vó, que era no aeroporto, onde morava minha mae. Ai ele falou: “Então, você vai lá pra casa da minha casa... que era... ai eu chorava, chorava, porque eu não queria ir. Porque eu, no fundo, eu achava que minha madrasta, era culpada da minha mãe... e eu não queria vim, mas por um outro lado, meu pai obrigava porque eu tinha que vir. Eu eu já tava noiva. Ai eu vim. Nesse meio período que eu fiquei na minha madrasta, é onde ele deixava a chave e eu ia pra casa e levava minha irmã. Ai um dia minha irmã pegou e... antes do meu pai chegar do serviço. Quando a gente chegou, meu pai já tinha chegado, nos tava na casa do Gibi ai meu pai pegou... ai eu falei a Sandra, que era minha irma. Ai ele perguntou, o que quer nós fizemos. Ai ela falou “choveu, pai e nós dormiu”. Ai meu pai “que história de dormir, como choveu e dormiu, cê dormiu?” Ah, agora tudo deitou na cama, ai eu, a Leo e o Gibi e nós dormiu. Ai meu pai que não era besta de jeito nenhum, nem com Sandra, nem com ninguém disse “ Cê num vai lá”. Ai ele proibiu. Como ele proibiu, como eu já sabia que já tinha rolado alguma coisa entre eles, só que não era, eu não tinha me perdido ainda com ele. Era brincadeira aquilo.

Hoje em dia ninguém brinca mais assim. Então, ele falava pra mim que era brincadeira e eu acreditava. Só que num era, num tinha acontecido mesmo. Era só tipo brincadeira, mas brincadeira que num era da gente tá fazendo. Ai eu... um dia fui sozinha, deixei a minha irma, porque eu pensei de ir sozinha, mas voltar cedo, né. Só que eu não voltei cedo, ai nesse dia foi que aconteceu. Na primeira vez que vocês transaram ele te bateu? Ele me bateu, me derrubou na cama. Por que que ele te bateu? Ele me bateu... num sei o que que ele falou, eu num lembro isso, que isso ai é um bloqueio na minha mente. Eu lembro de tudo, coisas que aconteceu quando eu era pequena eu lembro, mas desse detalhe, eu num lembro. Eu não lembro desse detalhe. Mas ele deu um chute que eu cai da cama. Duas vezes. Uma vez, eu vim... um monte de mulher já... eu vim aqui na Zeze... e nós estava no único lugar que eu vinha. Ai nós tava conversando e tinha uma conhecida da Zeze que ela tinha sido mulher e casou. Passou a ser uma mulher direita. Ela vinha na Zeze aqui. E ela conversando, conversando, ai falou de uma parte de sexo, né, que eu fiquei curiosa, né, pra fazer “anaus”, que até hoje eu nem sei o nome. Ai ela falou que ela era boa em tudo. E eu criança, porque eu era criança de tudo. Eu cheguei em casa... tomei banho e vou dormir. Ai eu peço pra ele fazer isso. Na hora que eu falei pra ele, ele “Leo, isso não é conversa”. Ai falei “ah, mas eu queria fazer”. Ele me deu um chute, sempre me dava chute, que eu cai da cama. Ai ficou esse trauma na minha cabeça. Então, tudo bem. Que até hoje, ele morreu sem querer, porque depois eu me separei dele, que eu voltei, ele queria. Ai eu falei pra ele “aqui você não faz. Lembra que eu falava procê? Lembra que você me chutou da cama quando eu pedi pra faze isso?” Por que eu pedi? Porque eu não entendia nada. Eu achava que... E eu não falei pra ele que tinha sido que eu tinha escutado. Olha a minha cabeça. Eu falei que eu vi o cachorro e me deu vontade. Isso é ideia, mas por que? Porque se eu falasse que aqui na Zeze, nunca mais ia deixar eu vim. Mas não, eu falei isso. Isso ficou um trauma na minha cabeça. Agora é da outra vez, eu não me lembro o que foi, é um broqueio que eu não lembro. Então duas vezes ele me chutou da cama e eu cai. E nessa dai eu falei pra ele, falei: “quando vc quis, quando eu quis vc não quis. Agora

vc quer eu não quero”. Porque depois passou ser liberal né? Todo mundo fazendo. Que todo mundo fazia. Falei “não”, morreu na vontade. Então, na primeira noite, que vocês tiveram juntos a relação sexual, ele já te deu um chute. Isso. Mas, foi a única vez que ele te violentou, te maltratou. Não, isso foi sempre, porque ali dessa vez em diante começou a fazer normal, porque ai quando eu olhei que eu vi o horário, não dava pra não descer, que meu pai já tava me esperando. Como eu sabia o pai que eu tinha, não fui. Ai eu fiquei. “Agora você não vai mais embora, cê vai fica aqui”. Então eu fiquei, né? Então quando ele... a minha irmã foi na minha casa, porque se eu casasse, se não casasse, pra ele, ele tinha lavado as mãos. Tanto é que meu pai ficou sem falar comigo, até quando eu tive meu ultimo, o meu filho, o segundo filho. Ele veio falar no noivado da minha irmã. Que quando eu via ele... nem ia lá. Ai quando foi, perto... já tinha dois filhos. (inaudível) Cê vê, eu falei cum meu pai, dois, dois meses mais ou menos que eu tinha voltado a falar com meu pai, meu pai morreu, entendeu? Deu no meu irmão, na hora que ele bateu no meu irmão, ele caiu, meu irmão caiu com tudo. Você poderia contar para mim como foi a tua vida com teu marido desde o começo? Como se dava as violências? Por que que dava? Ai era assim, meu marido ele era como se ele... tivesse dois pensamentos, não sei. Ele às vezes chegava do serviço e vinha, ai eu tinha que fazer tudo correndo, pra mim não deixar ele brigar . Então, meus filhos pequenos, eles tinham que ficar que nem uns robozinhos tudo sentado no sofá. Sem nada, porque ele não gostava de bagunça, pedaço de pau, papel... Entao as crianças escrevia pra fazer a lição, tudo direitinho e guardava tudo, porque não poderia ter nada bagunçado, né? Se ele chegasse... é... do serviço, ele ia nos móvel, se tivesse pó ele me batia, assim normal, me batia. “Por que eu não limpei e não tirei os pó das coisa”. Que eu já não trabalhava pra fica dentro de casa pra tira... deixa tudo certinho. Entao eu vivia assim atordoada. Quando levantava... lava roupa, faze tudo certinho, deixá os menino brinca, o leva pra escola... Quando dava mais ou menos umas cinco hora...

varre tudo. Se fosse uma irmã minha, com filho, qualquer coisa, tinha que todo mundo... Ai ele chegava. Quando ele entrava ai não era pra tê ninguém... amiga minha mesmo não podeia tê em casa. Ai ele entrava, olhava. Ai ele ia embaixo da cama, pra ver se eu varri embaixo da cama. (inaudível) ai ele ia procurar fazer as coisa dele, assim a casa, arruma, .... ele era tudo detalhista. Ele não era pedreiro. Ai ele arrumava... se alguma coisa tive fora do lugar, ele vinha reclamar. Eu não era pra fala sim nem não. Eu tinha que fica calada. Se eu reclamasse, ai eu apanhava. Como as vezes eu ficava com tanto medo que eu só chorava, ficava quieta só ouvindo ele fala. “Amanha se eu chegar e tiver no mesmo lugar, vc vai vê. Ai eu já sabia, já acordava e fazia tudo isso, que nem um robô dentro de casa. Eu não sentia minha casa, eu me sentia... como se eu fosse uma empregada. Ai quando chegava de noite, cinco, seis hora, ele ia pra escola, que ele voltou... quando ele vinha da escola... nóis já era pra tá dormindo. Se passasse dois três dias sem ele usa de violência em casa, chegava no fim de semana, ele ficava... como ele não trabalhava no sábado, ele ficava o dia inteiro... (inaudível). O calcanhar dele na minha perna, eu acordava atordoada... levanta pra fazê todo o serviço, mesmo que não tivesse nada pra fazê, eu tinha que levanta cedo, porque ele achava que levantá cedo vai dá tempo de fazê tudo. Por isso, que hoje em dia eu acordo onze hora. Tudo aquilo que eu não fiz com ele, agora eu faço. Agora eu acordo onze hora. Onze hora, onze e meia, a hora que me dé sono, eu fica deitada, porque não tem ninguém pra fica me acordando. E eu falo, deixa a porta do meu quarto, e eu falo: “se você acorda os neto, se vira, não me acorda”. Todo mundo já sabe, ninguém me acorda. Até no telefone de onze hora por diante pode alguém me liga. Se me liga antes eu não atendo, que eu não vou atende. Porque isso ai eu já vivi no passado. Agora eu não quero vive, eu me sinto como se eu fosse um passarinho, que tivesse sair da gaiola. Então, não podia ficar no portao... todo mundo assim um dia assim de calor, todo mundo na rua conversando, eu tinha que ficá dentro de casa vendo televisão, e os meus filho também. Meus filho... brinca na rua, de bicicreta, de nada. A minha irma mora em Guarulhos, queria leva meus filho pra passea, pq todo mundo ia pra lá nas feria, meu filho não ia. Meus filhos ia assim, se eu fosse mais ele e voltasse. Mas fica que nem os outros primo, os outro sobrinho ficava na minha irmã, não ficava, na casa de ninguém. A única que de vez em quando, ficava na Zezé. Pq ca Zeze ele tinha um respeito por ela. Ai aqui... Podia ir dormir, mas outro lugar não, lugar

nenhum. Então tanto era eu como meus filhos. Que vivia tipo prisionado, então tinha tudo. Na minha rua, a casa mais bonitinha que tinha era a minha, porque ele caprichava. Fez um muro na frente da minha casa de tijolo de coração. Ele fazia os coração. Todo dia ele fazia uns coração quando chegava do serviço. Ele era um bom numa parte. Se ele não tivesse essa dupla personalidade, ele era um ótimo marido, cê entendeu? Mas quando ele virava assim, tinha época dele me fazia conpra, quando meus menino ficou grande, ficou melhor, quando ele era pequeno era assim, ai eu usava, os menino tomava cremogema. Eu ia no mercado e comprava leite ninho da grande e cremogema e ia fazer. Enquanto ele não resolvesse, eu dá pra ele... Dá pra ele o que? a relação. As vezes eu falava que não queria. Era como se meu corpo tivesse tudo doendo, como se eu tivesse levado uma surra de cacete, no corpo porque doía, todo meu corpo doía, eu não conseguia, ele penetrava em mim, parecia que o mundo ia se acabar. Eu sentiador no corpo todinho... então, eu não sentia prazer. Ele queria, porque queria. Tinha vezes que eu falava, “se você quer uma carne, toma, mulher você não vai ter”. Ai ele ficava, ai eu dura assim, eu ficava paralisada em cima da cama, ai ele fazia o jeito dele. Quando já tava dias, né, ai tinha uma vizinha minha que mora na minha rua até hoje...ela levava o leite ninho e cremogema... e eu já to enjoada de comer o também cremogema também, ne? Que eu dava pros menino. Aí ela falava “ta bom” e ela ía na casa dela. Até hoje eu falo pra ela. E ele morreu de mal dela. A irmão dele que ainda é viva, ela chegava lá em casa, se eu falava pra ela... porque ele ganhava bem. Não é uma coisa que ele não tinha, porque se ele não tivesse eu chorava junto com ele. “não acredito que o Gibi faz isso”. Eu falei “é seu irmão”. Ela tá bom, deixa ele ver. Eu fazia pra mim, pra ela tomava, eu fiz de esconder. Eu escondia pra ele não ver, que ela me dava. Então essa amiga minha até hoje eu falo pra ela, você é uma amiga que eu não vivo na tua casa, ela vive na minha... E eu chorava comendo aquela comida, não pelo fato que meu marido tá trabalhando, hoje ele não tem um tostão pra comprar. Vc chora junto com seu marido e seus filhos. Não você tem o dinheiro, tem condições, era o único da minha família, o marido da Zezé, ele ganhava mais que o marido da Zezé. Então, as vezes eu... quanto... vou ter que dar pra ele. Ai de noite parecia uma coisa, de manha cedo

já levantava cantando. Ai se naquele período, acontecesse de eu num quere, porque eu falava assim, meu deus isso não é vida. Ai se naquele período, acontecesse de eu num quere, pq eu falava assim, meu deus isso não é vida, isso eu num quero. Ai ele fazia a mesma coisa. Ai uma vez, já tava muito tempo nessa vida, já não aguentava mais. “A pq vc não procura um médico, vai no medico, mulher. (inaudível) Ai eu fui no médico. Eu era tão boba, que eu cheguei lá e falei pro médico, tinha convenio, o medico pegou e falou.. eu com vergonha de falar. Não foi uma medica, foi um medico. Ai pronto, ai que... Dona Leonilda, o que está se passando com a senhora? Ai eu falei, eu to muito fria. Ai o medico falou assim: “... relaxar. Não sra Leonilda, a senhora compra um cobertor Paraiba, que até hoje...” E eu adoro o cobertor paraiba. Não doutor, não é esse frio. É um outro frio. Ai ele viu que eu fiquei vermelha ali. Ai ele foi explicando que não existe mulher fria, existe homem incapacitado de fazer a mulher sentir alguma coisa. E foi explicando tudinho. Ai eu vim embora. Cheguei em casa ele perguntou, “Ce foi no médico?” fui, “o que que o médico falou?” que não existe mulher fria, existe o homem incapacitado de fazer a mulher sentir alguma coisa. Ah! O pau comeu. Eu apanhei pq era conversa de historia de medico. E como é que ele te batia, Leo? Eu apanhava de cinta, ele tirava a cinta, me batia. Quando era assim de eu falar alguma coisa, ele metia a mão. Uma vez ele me deu uma surra de cinta, que eu fiquei com as perna toda marcada. O único lugar no rosto que era difícil dele atingir, porque eu sempre colocava a mão, quando eu via que ele vinha pra cima de mim, eu botava a mão. E dessa vez que o óculos entrou aqui, foi porque ele me pegou distraída, eu sentada no sofá, ai como eu tava com as menina, eu senti força e respondi pra ele, entendeu? Não tinha de falar, se eu gostasse ou não gostasse era ficar calada, se eu respondesse, ai ele me batia, entendeu? Num é que...quando vc foi embora, a zeze, nós ligamos pra minha irma, minha irma falou pra Zezé. A Zezé não tava acreditando, cê entendeu? Ai eu peguei e falei, dessa vez que bateu e... saiu sangue, ai não ficou roxo. Porque como cortou o sangue saiu. Então não ficou roxo, ficou só o lugar do corte. E ficou roxo, que quebrou, que ele dava capoeirada, que ele lutava capoeira... igual apanhei quando tava grávida. Foi o alho, o alho me dava

mais enjoou, pra fazer comida pra ele. As vezes ele tava tão bonzinho, que ele ia comprar comida, ele me levava na minha vó, que eu falava “Geraldo, to com fome, leva lá”. Minha vó fazia a costela, eu comia em casa, mais no hospital do que em casa quando eu engravidei. E as vezes, quando eu ganhei os gêmeos, ai ele não queria mais que eu engravidasse, então ele colocava sonda. Ele colocou na segunda gravidez, porque a primeira gravidez ele queria, queria de todo jeito, eu perdi o neném. Quando foi na segunda que eu engravidei logo em seguida, aí onde ele busca a sonda. Você pode explicar como é essa sonda? A sonda é a borrachinha que tem no braço, pra tirar o sangue, então é uma borrachinha assim. Só que na ponta da borrachinha, é um tipo de um ferrinho, nesse tem a ponta bem fininha, que é colocada dentro do útero que ai estora aquela capinha onde ta formando o neném, aquela borrachinha tem que furar, pq se tentou tem que ir até o fim, porque pode furar os olhos da criança, pode furar num sei oque da criança, uma coisa contra a criança ou a própria mãe morrer pq ela da hemorragia interna, se a hemorragia o sangue desce, não tem probrema, agora se o sangue não descer, a hemorragia pode (inaudível) por causa da sonda. Como você se sentia fazendo esse aborto? Olha eu não queria. Mas ele me obrigava, quando eu percebia a mulher já estava dentro da minha casa. Ai nesse dia que ele colocou essa mulher, era uma conhecida dele, ai eu falei pra ela, chama Laura, falei “Laura, eu to desconfiada que eu to, não desce pra mim, é então. (inaudível) Ai eu falei mas como que coloca? É só colocar, mas isso dai que eu sei, minha sempre fala, porque minha mae nunca fez aborto. “O que que ela tá falando ai? Tem que fazer já falei que filho agora não dá, não tem condições de ter filho agora, tem que colocar”, ai vamo colocar. Na hora que ela pegou a sonda, ela mandou eu ajoelhar, eu fiquei lá em cima da cama, eu tinha abaixava aqui (parte confusa) abaixa aqui... dá chance dela colocar, porque ajoelhada, ela vai, disse que já vai no lugar certinho. Coloca, mexe primeiro com o dedo, ai depois já leva a sonda certinho e encaixa. Só que quando ela começou a colocar em mim, o sangue começou a descer, começou já a descer e eu senti dor, ai eu não senti aquela dô, machucando, eu senti uma dor como se eu tivesse assim

ficando tonta, sabe? Ai ele, o sangue já começando a descer. Ai eu falava Laura deixa, já saindo sangue, ai ela “não, tem que ficar, desce junto quando a placenta, né”. Ai ela ficava tentando colocar, ela não acertava o lugar certo, ela devia ta mexendo em outro lugar, né, e ela não acertava. Nisso, era uma cinco hora, uma cinco hora da tarde quando ele chegou do serviço. Já era quase oito hora, né, e não ficava, eu já tava começando a sentir. Ai teve uma hora que eu parei, que ela mandou.. só sei que entrou, conseguiu. Ai ficou. Ai que que aconteceu? (inaudível) eu tinha medo daquela borracha entra, minha cabeça era tão abestalhada, que eu achava que ela ia entra e ia sumi dentro de mim. Ai eu peguei a sonda, fiquei a noite toda segurando ela debaixo da minha perna, ai segurava pra ela não entra. Ai quando chego umas hora da madrugada, eu comecei a senti cólica, aquela cólica, cólica, doendo, aquela dor de barriga, eu falava pra ele que era dor de barriga. Eu achava que eu ia fazer coco. Eu só... (inaudível) ai a borracha veio junto, cê entendeu? Que idade mais ou menos na época? Eu tinha, deixa eu ver... quando eu engravidei dela, então eu devia ter 15 anos... Foi o único aborto que ele te obrigou a fazer? Ai depois, ai eu tive e fiquei gravida. Ai ele quis. Foi a minha filha mais , ai veio a minha filha mais velha. Foi uma alegria. Só que ai surgiu uma historia que eu tinha falado, eu não lembro se eu falei ou não, entendeu. Devo ter falado na hora da raiva. Eu falava que não queria que meu neném nascesse preto. Diz ele que ficou super... era pra nascer branco, se nascesse (confuso). Ai depois que eu fiquei sabendo, “mas eu nunca falei isso”, só que eu não lembro se eu falei ou não. Mas ai eu fiquei com medo. Meu deus do céu, se meu filho, minha filha nascer, qq eu vou fazer. Por que se ele puxar pra mim, se ele puxar pra minha família (barulho), porque nós somos mestiços de italiano. Eu falei “se nascer, o que eu faço?”. Mas ai eu começa a pedir, meu deus! Ai quando ele me batia eu ficava chorando. Ai ele falava isso “se nascesse branco, o filho era dele”. Então ele vai matar, pq e se nascer. A minha prima Leo mas que doidisse esse menino nascer branco. (inaudível) Minha filha nasceu, sabe que filho de preto nasce branco, mas fica preto, né? Então ela era bem moreninha, assim clarinha, ela não era branca, ela era

avermelhada, bem vermelhinha, só que as unhas dela era bem roxa. Ai tinha a esperança de sair preto. Só que ai foi crescendo e nenhum filho meu é branco, todos meu filho é moreninho, ai quando nasceu, nasceu moreninha, nasceu clarinha, mas todo mundo ia saber que ela ia ficar morena. E ela é morena, morena, tá vendo “Deus é pai, não é padrasto”, sempre falava isso. Ai quando eu engravidei, logo em seguida, ele não esperava passar dieta, sabe, já queria. Então, quando a minha filha fez um ano, o meu menino nasceu. O meu filho nasceu no dia 16 de outubro, e meu filho fez um ano e nasceu.. não... minha filha nasceu dia 1º de outubro, quando foi no outro ano dia 16 de outubro, que minha filha fez um ano, nasceu meu filho. Minha filha é do dia 1 e meu filho do dia 16, entendeu? Ai ele me deu remédio para tomar... (inaudível) ele me dava remédio (confuso) ele trazia a garrafa dagua, ele trazia tudo que era remédio das pessoas que ele conhecia, sabe? Como ele ia no centro, ele trazia aqueles negócios (inaudível) e eu tinha que beber. Se eu não bebesse, eu apanhava. Eu tinha que bebe... nossa mae, quando (inaudível) ai a criança nasceu, só que ele nasceu fraquinho. Na hora de ganhar neném, que era pra sentir dor, eu comecei a sentir dor antes. ai ele me levava pro hospital pra ganhar neném. Quando chega no hospital, ai na hora da criança nascer não tinha dor, ai vamos dar remédio. (confuso) ai o nenem nasce, ai só que ele nasceu com muita anemia, muito fraquinho. Então é esse meu filho que eu puxo saco dele, sempre paparico, porque ele é fraquinho, tomou muita injeção, fez muito exame de sangue, então comecei a paparicar, ai quando eu brigava vai pra casa da tia... deixa que eu me viro com ele. E a gente brigava, ia ele tava com o amigo dele, e foi pra dar... (inaudível) nem eu podia levar amigas, que ele não gostava. (inaudível) ele nunca gostou de muita gente, amigos dentro de casa. Ele fala que amigo só atrapalha, atrapalha. Não deixa a mulher fazer nada. Ele sempre teve essa filosofia de vida. Por isso que eu falo, ele era como se fosse uma pessoa, que não batesse bem da cabeça, porque na mema hora que ele fazia... o sangue meu descia, era da boca, eu rezava alto, chamando... uma vez eu quebrei...(inaudível) com um murro que ele deu, perdi a voz. Então, ai depois ele vinha, era como se ele não tivesse me batido. E no mesmo tempo ele fazia isso. Ai eu pensava, “meu deus, ele é louco”, como uma pessoa gosta de uma pessoa, e faz isso. Quantas vezes eu passava a mao nos meus filhos e ia embora, ele ia atrás de mim fazendo alvoraço, que me amava e ele... sabe o que eu cobrava dele? Ele cobrava macarrão grosso, e eu não

gostava daquele macarrão, só que eu não podia falar pra ele que eu não gostava, porque ele não me deixava pra fazer compra, ele comprava tudo que ele achava que precisava dentro de casa. Só que eu não ia no mercado, então ele não comprava assim, danone, essas coisinhas supérflua ele não comprava, era tudo coisas que era necessária, arroz, feijão, café, açúcar, sabão, tudo. A gente já sabia de cor que ele trazia pra casa. Então, ele comprava esse macarrão, e eu as vezes queria comer do outro macarrão, sem ser aquele grosso, que fosse fininho. Fosse (inaudível) aquele grosso que tem o buraco no meio, é tão ruim aquilo ali. Eu falava pra ele, Geraldo, não compra macarrão. Tudo aquilo que ele trouxesse. Ai um dia ele pegou que nem eu falei pra XX e forrou a cama todinho. (inaudível) comendo lingüiça, eu desci na casa da minha irmã, a minha irma tava com a mesa... que geralmente ia os amigos dela, tudo ia ceia com ela. Ai meu sobrinho veio com uns brinquedo que tinha ganhado da minha irma separado do meu cunhado, ai mostrou pro meu filho que chama Eduardo, e os olhos dele encheu de lagrima, quando ele pegou um carrinho de controle remoto e meus filho nada. Uma semana antes, ele tinha mostrado até pra minha irmã, forrado a cama. Aquilo me corto o coração. (inaudível) Eu prometo pra vocês que um dia vocês vão ter um brinquedo bom e nós vamo comer carne, não vamo comer linguiça, um dia a gente foi no bar... (inaudível) [até 39:47 é muito confuso o que ela fala]. Só que era assim, eu costurava, mas em máquina caseira, não industrial, nunca tinha pegado em uma máquina industrial... a encarregava veio e mandou... Quando eu olhei vi aquela maquina todo mundo costurando, aquele barulho todo ai eu olhava na maquina ai a encarregada veio trouxe as pecas que eu ia fazer, e a quantidade e o tempo que eu ia levar ai eu vi passando a hora passando a hora e eu não podia dizer que eu não sabia ligar a maquina, como que a mulher ia me empregar ne.? (inaudível) quando eu abaixei, meu cotovelo bateu no botão no negocinho e a maquina ligou. Ai eu peguei a peca né? Tava pedindo pro santo né? Porque nessas hora (inaudível) todas as pecas. Quando encarregada chegou eu estava terminando a ultima peca. Ai ela falou.. fui, viu, levou... nervosa que nem eu tava, eu achei vai entortar tudo. Não saiu perfeito. Quatro anos e meio, a quando eu cheguei em casa que eu falei pra ele assim, que eu tinha que fazer porque la ganhava extra porque trabalhava com a c&a. E quando chegava na época de fim de ano, tinha de você fazer extra pra ganhar premio em tudo né? Ai eu cheguei e falei pra ele, eu vô te de

fala, arrumei um serviço e vou trabalhar numa firma. Ele arregalou os olhos e falou: você trabalhar em firma? Não eu não tenho mulher pra trabalhar fora. Falei: Geraldo, eu vou trabalhar fora, vou trabalhar fora sim. Ai ele falou: então você escolhe ou a casa ou o serviço. Mas foi deus mesmo falei não, não escolho nada. Vou trabalhar e vou ficar em casa. Porque eu não vou fazer coisa errada. Eu vou trabalhar. Comecei a trabalhar, na segunda feira arrumei tudinho, tudo certinho, marmita e fui trabalhar. Fiquei quatro anos e quando ele falava pra mim assim, vou te levar. As vezes ele me levava do Jabaquara ate o ponto. Teve uma vez, que ele veio pra me bater, eu cheguei do serviço, quando eu chegasse nos conversa, ai nisso, minha inquilina subiu, ninguém subia, ai ele chegou. Ai ele falou, senta aqui numa cadeira, ai eu tava no sofá e falei porque mandou eu sentar aqui? (inaudível) mas é aqui que eu quero que você senta. Ai eu sentei na cadeira, ai eu falei porque? Você vai me matar agora? Você levou as criança pra fora por que vai me matar? Eu falei, se você vai me matar me mata agora. Na hora que eu falei isso, eu tive uma crise, eu dei um grito, um grito tão grande que eu comecei a gritar me mata me mata e gritando, gritando, ai minha inquilina subiu, chegou na escada, no pé da escada ela e o marido dela, mas não podia fazer nada ai ele ficou olhando, olhando pra mim, ai eu falei me mata, só que se você me matar você caca um buraco entra dentro porque todo mundo já ta sabendo, toda a minha família. Eu avisei minha família, então se você quiser me matar, aproveita e mata agora, ai foi onde começou a me dar mais forca a trabalhar. Ai quando foi no próximo ano que teve eu fui no Mappin com meus filhos, agora eu vou pagar eu não compro nada pra mim, mas pra vocês podem ter, ai comprei boneca, carrinho por meu filho, que meu filho até um tempo desses tinham carrinho que ele guardou. Ele carrinho é pro meu filho, que eu não tive que a senhora me deu. Carrinho, comprei boneca, carrinho que anda. Ai na hora que eles tavam dormindo coloquei tudo na beira da cama e acordei eles. (inaudível) ele agradeceu e meus filhos tão comigo ate hoje, se viu que meu filho arrumou uma mulher esses dias e eu falei pra ele que eu não gostava da mulher ai ele me enfrentou ai eu falei gente eu sinto tristeza não é por ele arrumar uma mulher, porque ele já tem três filhos, porque ele ta revoltado comigo, ele tava agindo agressivo comigo quando eu falava que não gostava da mulher, que não merecia ela. Ele me enfrentava, falava que amava. Ai uma vez falei com a minha filha,

Fabiana o Eduardo morreu pra mim, eu não tenho, o filho que eu tinha antes, ela me roubou, ela me roubou o meu filho, ela podia ter feito tudo, menos isso, que meu filho era o único assim, se eu falava pra ele Eduardo isso aqui é um pau, nem que fosse um cadeira. Ele passou a discordar, a discutir comigo. Eu tava tão agressiva, que ele entrava boa noite mae, e eu boa noite. O Eduardo (inaudível) Então, a cabeça dele tava fervendo, porque eu falava ela descia, discutia, Cof cof, ele descia nervoso ai ficava aquele né? Ai eu falei: Jesus! Eu não posso isso, sou uma mulher sabia, Senhor eu vou na sua casa, para orar, agradecer, e agora eu to vendo meu filho se virando contra mim, meu filho que eu pulei na frente do meu marido com uma faca, meu marido pegou uma faca pra ir em cima dele, ai eu pulei na frente sabe? Agora, deixe meu filho por causa de uma mulher que amou, que não sabe da onde essa mulher saiu ta contra mim? Senhor vou deixar nas suas mãos, faz o que tu achar melhor, não o que eu quero, mas o que tu achar melhor. Será que eu to preparada pra ganhar isso de Deus? Não, precisa ver se eu também mereço, então senhor, fica nas tuas mãos, tu fazer a tua vontade e não a minha, olha irma meu filho ta uma benção. Quando ele chega que ele me vê assim: Mãe, vai no medico, eu não quero perder você mãe, eu não quero passar o natal sem você mãe. Esses dias ele falando pra mim: vamos no medico, eu não quero, não posso ficar sem a senhora, então esse filho que eu tava perdendo, não, tem que ter sabedoria, a gente não pode usar só com a emoção, tem que ter sabedoria, e é isso por que, por que? Eu deixava ele fazer tudo, eu deixei tudo que eu mais gostava na vida, dançar, quando meu pai morreu pra você vir aqui, não ter sabedoria pra agir na minha casa, se eu não agir na minha casa que eu vou poder fazer, como vou ajudar uma outra pessoa? Eu vou me ajudar, ora conseguir ajudar outras pessoas, é uma coisa que e fico feliz e peço a deus, nesse meio tempo, já tem onze anos que meu marido morreu, eu não sinto saudade dele. Eu queria ser que nem a Zezé, sentar oh que saudade, mas tem uma saudade porque tem coisa boa, eu tive mais coisas ruins do que boa, mas as boa superou a ruim. Agora porque e meus filho, meus filho não usa droga, não rouba, não fica por ai zuando, são uma benção, todos trabalha, um é evangélico e a esposa dele, o outro.. é do serviço pra casa, zuava na noite, lotação, fica junto com os motorista, arranjava uma namorada (inaudível) foi por isso que a esposa separou dele, ai arrumou essa agora, que nem minha mãe fala tudo tem que ter direção de deus, a

gente mesmo não resolve, porque quando eu tava agindo com o meu instinto de mãe, não, tem que ter, eu quero meu filho bem, feliz, não que eu quero meu filho pra mim, não e pra mim, ta com a esposa, ele foi muito mulherengo que nem o pai dele, ele não é agressivo que nem o pai dele, ele era mulherengo, então a mulher dele se cansou, por que a minha nora, ele sempre.. mas era uma mulher dona de casa, só que meu filho era mulherengo e deixava a desejar porque nenhuma agüenta, ele viaja, ele tava trabalhando tinha sempre ele ligava, onde voce ta? No norte, ele ia pro norte, não avisava ninguém, então a mulher uma hora se cansa, que que ela tem? Tem três meninas. Foi embora, ai foi quando ele arrumou essa daí entendeu? Ai foi quando deu o choque. “Aí quando foi no dia deu rachar a cabeça dele, ___ tava brigando e eu tinha comprado uma roupa, aí eu comprei uma roupa, tinha pintado o olho porque eu sempre brigava, e ele falava pra mim que não queria que eu fizesse a unha. Aí eu falei pra ele, falei olha: eu só paro de pintar a unha (e minhas unhas sempre foram grandonas, e eu pintava de vermelho, nunca gostei de coisas claras), aí quando eu arrumava o cabelo, fazia escova tudo, ele me via arrumada, aí ele gostava, e eu ia no shopping mais as meninas. Que eu já tenho as minhas perna, já to criscida. Aí no que ele me viu arrumada, eu me arrumei, fiquei arrumada, fiquei bonita. “Nossa, como você ta bonita!”. Aí ele escutou, e perguntou onde eu ia toda bonita, e vô com os meus filhos, arrumar outro eu não vou porque eu tô com meus filhos, e se eu arrumasse era bom mesmo. Na hora que eu falei isso ele veio em cima de mim, me deu um tapa e eu rodei, sabe? Eu rodei, balancei, e falei pra ele me deu um tapa agora, passei a mão numa faca, que ele veio em cima de mim, os meus meninos grudou, os meninos grudaram, todos eles, e ele caiu, quando ele caiu ele conseguiu, e eu já tinha posto a faca na pia, entendeu? Aí eu peguei e falei: hoje ele não me escapa, parecia que eu tava “endemoniada”, minha bochecha fervia. Aí ele levantou, ele tava no sofá, quando ele levantou, quando ele levantou os meninos não conseguiu, porque os meninos achou que tinha acalmado, aí o outro saiu e o meu filho não tava em casa, o mais velho. Aí, venho somente a minha filha Fabiana e o Fábio, eles veio junto_______ quando ela foi chegando perto ele já tinha vindo em cima de mim pra me dá outro tapa, peguei o banco, quando eu peguei o banco aí os menino começou a puxar ele, puxar ele, puxar ele, e começou a pegar nas coisas, onde a geladeira

saiu do lugar, a tampa do fogão ela abaixou com as panelas, quando ela abaixou as panelas tudo caiu no chão, que a tampa abaixou. Aí a mesa, sabe?, abaixou, aí eu tinha um banquinho que eu gostava de costurar, banquinho de madeira, aí ele veio de novo, os meninos não conseguiu, aí ele veio de novo. Aí quando ele veio de novo, olha, e não pensei duas vezes e peguei o banco, quando eu peguei o banco assim, que ele veio pra vir em cima de mim, quando eu fiz assim com o banco, o banco quebrou o vidro da janela bem grande na cozinha, espatifou e fez aquela barulhada, aí quando voltou só dei na cabeça dele, que quando deu aqui o sangue espirrou, sabe? Aí ele balançou, os meninos, todo mundo se assustou, porque o sangue.______________. Ele pôs a mão na cabeça, por um momento ele deve ter tido um branco mesmo, ele pôs a mão na cabeça, ele balançou assim. Ele gostava de uma camisa branca e uma calça vermelha, geralmente quando ele ía ______ na época era calça boca de sino. Ele balançou, e eu pensei “Num matei, porque senão ele caia logo no chão” e ele saiu andando pra fora, e onde ele passava a mão, ficava a mão de sangue na parede, aí ele sumiu. Ele sempre falava que se eu machucasse ele ou qualquer coisa ele me matava, então ele vai voltar pra me matar, vou esperar ele. A minha filha tava pelada porque ela brigou a briga toda pelada, sempre na hora de briga ela tava tomando banho, aí ela tava pelada e saiu no alvoroço, no que ela tava pelada, correu pôs uma roupa, e aí ficamos lá sentada esperando ele chegar, e se ele fizer medo? Eu morro mais também deixo ele marcado. Sei que quando foi de manhã, sete horas da manhã assim, eu ouvi um barulho, ele tava com um curativo na cara, ele morreu e não me perguntou o que foi aquilo. Ele não perguntou se fui eu que quebrei se não quebrei, ele não perguntou. Aí ele chegou quietinho na cozinha, ainda tava tudo revirado, comida no chão, as panelas, vaso que tava em cima da mesa quebrado, tava tudo do mesmo jeito, a gente tava sentado no sofá esperando as atitudes dele, ele não perguntou nada, nem pros filhos, nem pra ninguém. Depois, no passar do dia a gente limpou tudo, arrumou tudo aí de noite pra dormir? Ele não foi dormir, e o que foi que eu fiz? Peguei uma tesoura coloquei em baixo do travesseiro, falei se ele fizer qualquer coisa, o inimigo faz isso, porque ali onde você ta, naquela tribulação naquela bagunça toda só falta fazer coisa ruim, só pensa em fazer o pior.

A vida voltou ao normal, ele nunca perguntou nada, aí conforme isso eu fui tendo mais força, sabe? Não é tudo isso que ele vai fazer, comecei a ter mais voz ativa, porque eu sempre achei que o homem tem que ter o pulso mais firme em casa, porque os filhos não obedece a mãe, mas o pai é bom, pra ele por respeito. Então nunca tirei o direito dele corrigir meus filhos, se querem ir à algum lugar “vá pedir pro seu pai”, às vezes eu não deixava e o pai deixava, então ele era um tipo de pessoa que nem ele, porque eu tenho neto, neta pra casar. Pensou pega um homem que nem esse de marido? Uma pessoa que é louca. Um tipo de uma loucura que uma pessoa tem. Você procurou ajuda alguma vez durante todo tempo? Não porque eu nunca tive, nunca passou isso pela minha cabeça. Porque muita gente falava depois que eu comecei a ser mulher, porque quando eu era criança eu tinha medo, medo porque ele ameaçava meus irmãos, e eu achava que não era justo meus irmãos pagar por uns problemas que era meu, então eu sempre deixei meus irmãos fora, e minhas irmã, eu tenho uma irmã que ela tem o sangue na veia mesmo, então eu nunca quis envolver ela nisso daí eu sempre quis a paz da minha família, de ter uma festinha e ta todo mundo junto, um almoço de natal, um aniversário e ta todo mundo junto ... eu nunca quis os irmãos afastados, porque eu não tive nem pai e nem mãe. Então eu queria estar sempre junto com a minha família. Então eu não envolvia eles por isso, eu achava que eu mesmo resolvia, aí depois que eu comecei a ter contato com Deus, a conversar com Deus, eu achei que ele ia me ajudar, se ele não me ajudasse ninguém mais podia me ajudar, aí eu comecei a ter conversa com Deus. Às vezes eu falo pros meus filho, que é casado, que numa separação tem que ter uma conversa, sabe? Não pode ser assim, tudo no alto do nervoso, porque no alto do nervoso você não resolve nada. Eu podia ter matado seu pai, eu sempre falo pra ele, hoje eu to aqui, sou viúva e tenho uma pensão. Eu podia não estar aqui, eu podia ta numa grade presa porque a vida que eu passei era pra acontecer isso. Os meus altos e baixos sempre foi violento, o meu marido não era uma pessoa de saber conversar. Agora se você fosse conversar com ele, noooossa, não tinha homem melhor pra conversar. Os irmãos dele não gostavam de conversar com ele porque ele sabia de tudo, que ele estudou, os irmãos não estudaram. Então ele achava que como ele estudou, como ele sabia isso,

como ele sabia aquilo, todo mundo sabia. Eu, se fosse conversar, suponhamos, se estivesse conversando nós aqui e eu falasse uma palavra errada (ela imita o marido resmungando), eu não podia falar, eu não podia rir demais, tudo tinha que ser controlado, a sobrinha dele, quando ele pegou o carro, que a gente andava de carro, ele de carro preto, morando na rua, ele falava “tanto branco que não tinha nem onde cair morto’ e ele um preto de carro, então ele falava pra mim _______ Eu falei: Geraldo, quem ta dirigindo é eu ou você? Você que tem que ver, foi um tapa na minha cara, e eu comecei a ficar caladinha chorar, chorar, chorar, eu era que nem uma filha pra ele, e eu ainda falava pra ele, porque ele me ensinou a ver a vida. Aí o meu cabelo, eu penteava, e uma vez eu passei um creme no meu cabelo que caiu tudo, aí ele reclamava. Eu comecei a tratar fazer hidratação, aí ele disse que ele que arrumou até meu cabelo, que eu nem o cabelo sabia arrumar, então ele era uma pessoa assim, que me diminuía, como eu tinha pouca leitura e ele tinha mais, ele me diminuía na leitura. (ela imita o marido falando) “Que pessoa que não estuda, não sabe nada! Você tem que ver no tempo que estuda”, então ele tinha essas teorias dele. Ele deixava você estudar? Não! Aí uma vez ele deixou, falei vou voltar a estudar. Por que aí eu vou escrever. Eu tenho mania de comer letra. Só que ele ia me levar e buscar, e ele ficava parado no carro até eu sair da escola, e eu na escola, nossa, minha filha, eu pintava, nooossa sabe uma criança que quando sente sem dó um brinquedo e resolve dá? E quer bagunçar e destruir tudo ali? Era eu! Na escola eu parecia uma criança de três anos, entendeu? Todo mundo falava que eu era bagunceira, daí a professora brincava também. Quando eu saía no portão parecia uma santa, não olhava nem para os lados, porque ele já tava lá, com os filhos tudo dentro do carro. Hoje eu dia, que nem eu falo para as minhas netas “Geente, a pior coisa é ser presa e comer obrigada”, minhas filhas me obrigo a comer em casa. Eu falo “gente vocês não me obriguem a comer não, porque eu como se eu quiser”, A pior coisa é comer uma coisa que você não quer comer. Aí esses dias que eu to de castigo com elas em casa, aí eu falo pra elas “eu vou voltar, vou ficar boa e vou comer o que eu quero, vocês ficam fazendo essas comidas e eu não quero”, (as filhas falam: e você tem que comer senão você não melhora). Aí eu falo “mas eu não quero comer!”, é

horrível comer e ser presa. Então hoje em dia ninguém me prende, sabe?... eu falo para os meus filhos eu faço o que eu quero, ninguém diga pra mim “não faça isso não, porque aí eu vou e faço”. Às vezes eu não to querendo fazer, mas se falarem pra mim “não faz”, aí eu vou e faço! Porque, sabe, isso me deixou um trauma , aquele trauma assim que tudo tem que falar, tudo tem que explicar, não posso fazer isso, Geraldo não quer que faz isso, Geraldo não quer que faça aquilo, não posso fazer aquilo, não posso ir na casa da minha irmã, porque o Geraldo não quer que vai, não faça isso porque Geraldo não quer que compre, não faça isso porque Geraldo não quer, Geraldo quer assim. Então isso foi ficando...sabe? Que hoje em dia eu não faço não, onde eu fico nervosa, aí a minha filha pra me irritar faz isso, “não gostei mãe disso, não gostei”, daí eu digo, “coma menos, se você não gostou.” Eu gostaria agora que você contasse para mim novamente a situação ali quando ele estava quase morrendo, como é que foi? Aí quando... Eu tive uma separação, entendeu? Eu tive uma separação fiquei um ano separada dele, aí nesse tempo que eu fiquei separada, trabalhando, né? Eu conheci uma pessoa. A minha patroa a dona da firma, quando ela era mais nova, ela conheceu um rapaz e acabou não casando com ele e casando com outro. E esse rapaz, que era muito amigo dela, tornou amigo, ele gostou de mim, e ela ficou incentivando eu namorar com ele, porque na época que eu me separei, eu fui morar com o meu irmão e ia trabalhar e tinha vez que eu falava ahhh, chefe, não tinha marido pra chegar cedinho, eu ficava fazendo extra, né? Fazendo o meu pé de meia mais, porque eu ganhava mais, comissão. Aí às vezes eu dormia lá, e ela falava “ahh, não vai embora não, vamos pra casa”, e o filho dela era o gerente, a gente ia embora, eu ia pra casa dela, dormia lá na casa dela e já vinha direto pra firma. Então eu peguei uma amizade com ela, entendeu? Aí o que que aconteceu, esse que ia lá se interessou por mim, só que eu não via, assim, um homem na minha frente pra namorar, porque aí influi esse negócio de macumbeira, e o meu marido foi numa mulher pra fazer coisa pra mim, pra mim não me interessar por ninguém, e eu não sentia mais aquilo. Ele tinha casa em Guarujá, tinha casa aqui na... descendo Interlagos, ele tinha casa ali. Ele era bem de vida. E ela achava que eu podia namorar com ele, só que eu não via esse homem assim, na minha vista, como um homem, por que? Porque meu marido tava fazendo os catimbaus dele, ele ia muito

em centro. E eu não tinha interesse pelo o rapaz lá. Aí quando eu resolvi falar pra ela que ele pra mim não dá, eu não sinto, eu acho que eu ainda vou voltar pro meu marido porque a minha filha engravidou, e eu falei que eu acho que eu vou acabar voltando pra casa então não adianta eu me ______ e ele sabia, tava dando tudo certo. Aí eu peguei e falei pra ela, aí antes eu saí da firma e fiz acordo na firma eu ia morar em Guarulhos, eu morava na Catarina, e eu ia pra Guarulhos, que lá tinha a casa dos meus pais pra mim era melhor e eu ia trabalhar lá, ficava melhor e longe dele, porque ele ficava me seguindo, meu marido, todo dia de manhã quando eu saía pra trabalhar ele tava no ponto de ônibus, às vezes eu brigava com ele, eu pulava do carro, uma vez me machuquei toda, entendeu? Porque eu ficava nervosa e eu abria a porta do carro e saía uma hora eu podia até morrer. Aí eu falei, então eu vou pra Guarulhos, aí fiz acordo na firma, e fiquei na casa do meu irmão, só que nesse meio tempo, ele ficava todo dia indo atrás de mim. Aí quando foi um dia minha filha foi me buscar com a minha irmã lá em Guarulhos aí minha irmã pegou e falou “Olha, se você acha que não dá certo, que ele vai ficar atrás de você, dá uma chance pra ele, quem sabe, você nunca separou dele desse jeito pra ficar tanto tempo, quem sabe ele mudou agora”. Aí eu comecei pensar e falei “é mesmo, a Cris ta esperando neném, vai ser uma barra, vai ser uma barra até pra contar pra ele, né?” Aí eu falei ta bom, aí fui pra firma falei com ele, marquei com ele pra conversar com ele, aí ele foi e eu fui prevenida, porque de repente ele pode fazer alguma coisa comigo, aí eu já tinha ido na delegacia, fiz um B.O., que ele me ameaçava, então se acontecer alguma coisa, então não podia imaginar, aí eu fui. Nós conversamos numa boa, aí falou pra mim. Falei que a e menina tava grávida. É melhor a gente voltar, vuidar do nosso netinho. vendo ele falar aquilo me surpreendeu, porque eu tava esperando outra coisa ele falar. Aí eu falei tudo bem, aí ele fez um churrasco em casa aí eu fui, aí eu falei pra ele, agora eu sou outra pessoa, tenho outras atitudes. Falei pra ele que conheci uma pessoa, mas nada do que você pode imaginar aconteceu, se eu tivesse com cabeça, mas do jeito que você deixou minha cabeça, não dá pra ter, sair de uma coisa e entrar em outra, porque não tem juízo, né? Aí ele aceitou, se ele quiser bem, porque eu achei que eu podia sair e não conseguir viver sem você só que eu sei que eu consigo, qualquer coisa que você fizer comigo eu largo de novo. Você que sabe porque o ruim é a primeira vez depois, meu filho, fica mais fácil. Aí ele “não, vamo tratar de cuidar...’, onde a minha filha teve a neta,

que não é essa é a mais velha que te m dezenove anos. Aí passou uns três meses numa boa, lá vem ele de novo, aí foi dessa vez que eu rachei a cabeça, entendeu? Nessa volta eu rachei. Aí depois que eu rachei a cabeça dele, aí ele nunca mais veio, quando ele vinha e falava umas duas ou três coisas, eu já tava gritando mais do que ele, eu falei “Agora mudou, meu nego, agora mudou! Não tenho medo de você, não tenho mais medo de você! Então ó, abaixa sua bola”. Ele falava pro meu filho “tua mãe ta doida, tua mãe ta doida! Cuida da tua mãe, quando você quer pra cuidar da tua mãe?” Pegava dinheiro e dava. O filho falou “O pai me deu dinheiro pra cuidar de você”, aí eu falei “então fala pro seu pai que eu sou mais doida, pode dar mais dinheiro pra você porque eu to mais doida ainda!”. Aí foi indo, nisso ele já foi ficando doente, entendeu? O barbeiro começou a dar os sintomas dele, aí eu comecei a levar no médico, aí o médico falou que o barbeiro tava crescendo, que ele tava, como é que fala? Que ele põe bichinho, não sei, que tava coisando por isso que o coração dele tava crescendo, que ele fica por baixo do coração, do lado do coração fica inchado, aí eu comecei cuidar dele aí ele foi ficando bonzinho aí teve uma vez que ele tinha ido pro bar, aí de longe eu escutei o barulho do chinelo dele, sabe, ele vinha, vinha, chegou na garagem ele tava tão bêbado que ele mijou no pneu do carro, e ele caiu e machucou a cabeça. Aí quando fez aquele barulho correu eu e meu filho, meu filho chorava que nem criança, sabe? E ele chorava aí eu falei ta vendo? Como você pode brigar com se marido, você não pode envolver seus filhos, porque os filhos começa a ter raiva do pai, e não, pai é pai, se fosse um cachorrinho, mas é pai. Então eu sempre falava “deixa eu com seu pai”, e pegava ele, ele chorava, aí descia com ele, nós dava banho nele, ele mijava dentro do quarto, o meu quarto, abria a porta do quarto, uma vez minha irmã chegou na minha casa, que ela tava pra deixar o marido. Eu falei “Sandra, abre a porta do meu quarto”, ela abriu a porta do quarto. Ela abriu a porta do quarto, aquele bafo de mijo, de cheiro de chulé, aquilo tudo no quarto com a porta fechada. Ela disse “Tu dorme aí?”, eu falei durmo. Eu disse “ Sandra, eu vou fazer o que? Ele é meu marido, eu vou por ele pra dormir onde? Então deixa ele dormir, eu não durmo eu desmaio’. E ele ainda me agarrava, e depois quando ele dormia eu tirava o braço dele, ficava na pontinha da cama, mas deixava ele dormir, porque ele não ia tomar banho, aí depois conforme ele foi ficando mais inchado ele não queria, aí quando era pra dar banho nele, eu falava pra ele “Geraldo, vamos tomar banho?”, “Não! Eu não vou tomar banho

não!”, e eu “Vamos tomar banho, Geraldo, se você não for tomar banho eu vou chamar a tua filha e aí você vai tomar banho”, aí ele falou “ta bom então, eu vou!” Aí ele ia bem devargazinho sapateando e ia pro banheiro, porque ele não agüentava ficar em pé mais, tinha que por uma cadeira pra sentar ele e dar banho nele, ele parecia criança, aí eu dava banho nele, levava pro quarto enxugava ele, o pé dele com a toalha, colocava talco nos dedinhos, aí ele queria levantar, pra ir pro bar, aí eu falava, não, você agora não vai porque se você for, quem vai bater agora vai ser eu em você. Eu? Eu não bati em você, eu falei “é, meu nego, quem bate esquece, quem apanha se lembra. Mas tudo bem, a lei da vida é essa, Geraldo!” E deixava ele dormir aí quando eu acordava ele tava melhor, aí eu dava uma comidinha pra ele, aí depois ele ia pro bar, mas quando ele tomava banho eu não deixava mais ele sair. Então eu falava pra minha irmã, meu carma era esse, Deus pôs ele na minha vida, meu futuro era cuidar dele, porque tudo que ele fez, eu tive chance de ir embora com outro, ter uma vida ou melhor ou pior, ninguém sabe. Não fui, porque? Por que a minha vida era com ele, você vê, ele mais velho do que eu, né? Batia em mim como se eu fosse filha dele. Isso não muda as coisas boa também da vida, que eu não conhecia nada, porque? Por Deus, a gente só tem aquilo que Deus quer. Deus não dá mais nem menos pra ninguém, Deus só dá aquilo que a gente agüenta, então hoje em dia eu tenho vontade de ir pro interior, trabalhar em ____ porque Deus. Porque como eu falei, assim é uma pessoa ali que ta pra cuidar das pessoas do mundo porque Deus não veio para os bons, Deus veio para os doentes, então pra aquelas pessoas que precisam, que necessitam, e Deus ta ali. Então o que a gente tem que fazer? Ele me ensinou uma coisa que na época tudo bem... (Corta um pedacinho). Então ele não soube o que é ter uma mulher, mulher pra ele era só dormir junto, fazer, obedecer, e não ter direito. E o que eu falo é que tem que ter direito os dois, os dois tem que ter direito, não o homem só mandar e nem só a mulher, porque numa casa que só a mulher manda, não vai pra frente, a casa que só o homem manda não vai, tem que ter os dois. Os dois têm que estar em comunhão. Então hoje, eu já falo para as minhas noras e para minhas filhas “o casamento não é mil maravilhas, não é conto de novelas que a gente vê tudo bonitinho, não! É uma vida, o ser humano é difícil de compreender o ser humano”. Quando uma pessoa pensa errado, pra outra ta certo, então a minha vida, se eu contar a minha vida

desde pequena, desde que eu sofri com a minha mãe e meu pai, não é uma vida de mil maravilhas. Mas hoje eu posso falar, eu sou feliz! Eu com os meus filhos sou feliz, e peço pra que Deus perdoe os pecados do meu marido e que dê o melhor pra ele, porque talvez na cabeça dele, ele não tava fazendo mal pra nós. Nós pensa “ele foi mal, ele foi ruim, ele foi assim, ele foi assado”, mas, e os meus defeitos também, né? Porque eu não sou perfeita, ele não é. Perfeito só Jesus, e ainda assim mesmo morreu na cruz. Então imagina a gente que é ser humano. Eu na tenho raiva, eu não sou de ir na missa pq, lógico, eu não tenho (corta) Aquele nordeste lá meu pai também, sabe? Serve a Deus isso aí como uma experiência, como eu falo as vezes lá em casa, gente, hoje que minha filha fala que eu sou chata, eu sou chata não só, minha filha mesmo tem, meu genro ele é chato, se meu genro desse um tapa na orelha da minha filha, era bem dado, porque tem hora que ela extrapola, você entendeu? Então não é o fato que eu sou a favor do homem. Não! Eu sou contra o homem bater na mulher. Uma conversa, é muito..., um não, tem hora que precisa dar um “não”. Numa casa tem que ter união. Eu vejo a minha nora, minha nora não, minha filha, a mãe dessa menina, tem um short, você viu aquele que tava aqui? Aquele short é da mãe dela, só que a mãe dela não veste o short sem uma calça assim, mas eu não acho certo. Ela gosta muito de samba e meu pessoal, meu menino ____ ela deixa o marido em casa e vai pra samba. Ela é bonitona a minha filha. E meus filhos são tudo moreno e vc sabe que nego gosta de samba, né? E ele fica vendo televisão e eu falo pra ela “Vc não ta interessada em ninguém, só que os homens lá não sabe que você tem marido, você é casada, porque o trouxa vai deixar você vir sozinha?” ____ E ele deixou lá? Deixou lá, a minha inquilina que veio. Por que ele não te socorreu? Porque ela falou que ele tinha morrido, aí ele podia ir preso, aí depois ficou de longe vendo quem chegava e quem saía da minha casa, aí como ele não viu polícia, não viu muita gente, só o movimento normal, aí ele voltou. Quando ele voltou a gente desceu pra chamar a minha irmã, a mulher tava no hospital.

E ele dizia o que à tua irmã? Que ela tinha caído da laje, que eu tinha ido pegar roupa, que eu tinha laje, e a escada era de madeira, e falou que ela caiu da laje. E as vezes quando pegava no rosto falava que era dor de dente... sempre arrumava uma desculpa. Depois que eu comecei a ir falando. Ele lutava capoeira, ele lutava judô. Uma parcela de culpa ele tem. Ele batia muito na minha cabeça, eu me sentia vazia, eu nunca tinha sentido isso na minha vida. Então eu sentia, a gente vai ficando mais velha, tudo vai começando a... tudo aquelas coisas quando era mais novo era uma coisa, agora vai ficando mais velha, vai mostrando... Então você acha que tem sequelas da violência dele? Na cabeça, porque ele deu muita pancada, paulada, porque ele tinha um repente, se ele tivesse falando alguma coisa, às vezes eu conversando normal com ele assim, se eu falasse alguma coisa que ofendesse ele, ele me dava paulada na cabeça. E às vezes acontecia muito isso, por que? Eu ficava nervosa, às vezes a gente tava conversando numa boa, conversando, brincando, ele falava alguma coisa aí me ofendia, aí quando eu ia retrucar, ofender ele, aí ele vinha com violência já comigo. E quando ele morreu, qual foi a tua reação? Minha reação quando ele morreu? Foi engraçado, porque foi assim: quando ele...tava um calor, um calor, que ele morreu em novembro, né? Aquele calor, não, em novembro não, foi dia sete de setembro. Não! Dia primeiro de setembro, aí tava aquele calorzão, aí ele tava, tinha dois dias que ele num tava dormindo direito, ele tava muito inchado, ele dormia e me abraçava, ele não agüentava, aí quando ele me abraçava assim dava aquela risada, eu tinha dó dele, vai ficando velho não presta pra nada, eu mexia com ele, eu falava que ele ia dormir quase sentado pra vê se você consegue. Aí eu peguei os travesseiro e pus pra ficar ele praticamente encostado, sentado, e ele dava uma cochilada e voltada assim, quando ele respirava, acho que, muito inchado, ele faltava o ar. Aí ele só cochilava e não dormia, aí ele ficou sentado, e eu costurando, que eu tinha que entregar as bolsas. Aí ele ficava olhando assim pra mim, aí eu “nossa que você te hoje você ta

mandando beijo”, e ele falou “nossa, você é tão bonita!”. Aí eu não tinha comido, pq eu tinha que entregar as bolsas. Aí eu falei “Geraldo, e vou buscar as peças, e você dá uma olhadinha no Victor”, e ele falou “Ó, você vai mas volta logo, porque eu não to bom hoje”, eu falei “você não tá bom?”, e ele “não, eu não tô me sentindo bem”, aí eu ta bom, eu vou na casa da mulher pra buscar as peças na casa da mulher e terminar de fazer as bolsas pra a noite o homem vir buscar. Aí, cheguei lá ele tinha feito galinhada, aí eu não quis, e eu sempre ficava pra comer e nesse dia eu não quis comer, falei “não, vou pra casa que o Geraldo não tá bom ele ta meio cansado hoje, e eu deixei o Victor com ele, e a Adriana não vem pra almoçar”, “ahh, então tá bom, eu guardo um pouquinho pra você”, aí eu vim embora rapidinho, quando eu cheguei em casa ele tava dentro do carro, aí eu olhei, quando eu saí ele ficou no sofá. Aí quando eu voltei ele tava no carro, falei assim “não vou nem acordar ele, porque ele não dormiu de noite, vou deixar ele dormir” e desci, quando eu subi eu falei, vou fazer um bolo, antes de eu sentar na máquina, que as criançada tava cobrando o bolo. Aí eu falei “vou fazer”. Quando eu peguei as coisas pra fazer o bolo minha neta e meu genro subiu. Olhou na garagem e chamou ele pra dá um role, aí meu genro viu que ele não levantou, aí meu genro olhou assim e ele já não tava mais deitado, ele tava caído. Aí ele começou a gritar “Dona Leo, Dona Leo”! O Geraldo desmaiou, o Geraldo desmaiou!” Aí ele começou a chacoalhar ele, e eu achei que também que ele tava desmaiado, aí nisso eu abri o portão e comecei a gritar minha vizinha “Dona _____ o Geraldo desmaiou”, aí o meu vizinho que era muito amigo dele, já veio com o carro, aí ele falou, “já vamos levar ele pro hospital”, aí pos ele dentro do carro, mas eu acho que ele já tava morto, que quando chegou em Diadema, o médico pegou a maca, aí o medico falou “seu marido ta morto”, quando ele falou assim, eu olhei ora cara dele assim “morto?”, ele “é, ele já ta morto”, eu achei tudo muito rápido, falei não, não ta morto não, ele só desmaiou, ele falou “não, a senhora seja forte mas ele ta morto”, aí tinha uma mesinha assim, e eu comecei a bater na mesa, e falei “não ta morto, não ta morto!” comecei a bater, aí foi me dando aquela crise, que ele não tava morto, não tava entendendo que ele tava morto. Aí eu bati, bati, bati. Aí o médico me pegou por aqui assim, que inchou de tanto que eu bati na mesa. Aí o médico ficava pegando na minha mãe, acalmando assim, sabe? Aí eu fiquei assim abestalhada, eu não lembrava do

número de telefone da Zezé, não lembrava do número de telefone da minha irmã, de ninguém eu lembrava. Aí ele falou “já liguei e já avisei”. Foi tão engraçado que ninguém tinha raiva do pai, eu nunca passei isso, eu sempre falava, seu pai não bate bem da cabeça, porque ele tinha atitude de me bater, acabava de me bater, sentar no sofá e deitava no meu colo. Uma pessoa que faz isso não ta normal. E ele fazia isso, dormia no meu colo. Pegava o meu braço deitava por cima dele, e colocava a mão e colocava a minha mão assim, passando a mão na cabeça dele, aí eu pensava “meu Deus, será que é normal?”. Sozinha, chorando, porque tinha acabado de apanhar, e passando a mão na cabeça dele, alisando e ele lá ele dormia. Então não era uma pessoa normal, só que nunca me passou pela cabeça levar no hospital. Nunca. Sabe? Foi assim que o homem partiu. Tinha vez, quando chegava o mês de receber, tem dinheiro pra ____________, ele não me dava o dinheiro, eu pedia um real pra comprar o suco ele disse que não tinha, quando ele mostrou a carteira dele, não sei onde eu pego: cem reais, dentro da carteira. Aí eu sempre falei pros meus filhos, a gente não leva nada dessa vida, tudo da gente fica, seu pai não levou nada, deixou tudo, não adiantou. Eu falava pra ele, pegava dinheiro, “Geraldo, vamos pra Minas, vê seus parentes lá”, que tinha irmã em Mina que ele nem conhecia, porque ele veio pra cá e não voltou mais, e ele não ia pra não gastar dinheiro. Morreu? Deixou dinheiro pra mim! Aí, ne? Se eu quiser casar com outro, gastar com outro, eu gasto, e aí? Por isso que quando eu arrumei um namorado meu filho começou a falar “Não mãe, ele é mais novo, mais novo do que eu” e eu falei “melhor ainda, ele é mais novo do que vcs!” Sabe? Ficar com homem mais novo é melhor, pelo menos eu tenho vantagem. Melhor do que gastar com velho e o velho e não quere fazer nada!” Então pra que que eu vou querer velho? Eu falei, eu sempre falei pro meus filho que eu sou franca com os meus filho: Então eu falei “meu filho, não adianta querer um velho, um velho pra deitar e dormir? Eu durmo sozinha. Eu quero um velho que faça alguma coisa: um novo”, o novo faz então é melhor eu gastar com o novo do que com um velho caindo aos pedaços.

Deixa eu só entender, depois que seu marido morreu, você arrumou um outro namorado? Arrumei, depois de três anos. Aí um dia eu encontrei uma amiga, fazia muito tempo que eu não via ela. Aí ela falou pra mim “e aí, como você tá?”, eu falei “ah, chorando ainda pelo outro que morreu, mas fazer o que?”, ela “mas larga de ser besta, vamos dançar, vamos passear”. Aí ela combinou comigo pra gente ir num salão que tem na praça da árvore, aí marquei horário, tudo. Aí cheguei em casa e falei com meus filhos, “gente, amanhã eu vou sair”, que era no sábado, e eu falei numa sexta feira “amanhã eu vou sair”, meus filhos disseram “até que enfim a senhora vai sair”, porque todos meus filhos me apóia. Vai sair com quem? Eu falei com a Edna, num forró na Praça da Árvore, aí “ai, mãe, lá é legal, eu já fui lá”, meu filho falou. Aí eu falei é mesmo? Ele é, “é muito bom lá”. Aí quando foi no sábado, fiquei na dúvida se eu ia, se eu não ia, aí falei pra minha filha “ahh, acho que eu não vou não”, “vai mãe, vai sim, magina! Vai ficar aí chorando pela morte da bizerra”. Aí eu falei “ah, não sei se eu vou” aí ela falou “ah, vai sim, vai sim”. Aí foi lá pegar roupa pra mim vestir, que ela falou que ficava legal. “o, mãe, vou comprar até uma blusa pra senhora ir”, pois comprou uma blusa bonita, que eu gosto muito de roupa assim. Aí, chegou na hora, não sei se eu vou, não sei se eu vou, mas me arrumei. Mas me arrumei e fiquei esperando. Aí a Edna chegou, e falou “vamos”, eu falei “ahh, não sei não, Edna, já to com vontade de desistir”. E tinha três com ela, era quatro comigo, aí a minha filha, não mãe, vão sim! E nós fomos. Quando chegamos no salão, tudo pra mim era novidade, a gente vai pela primeira vez, né? Só pra entender como você conheceu esse namorado? Todo mundo _________ eu me senti assim, um peixe fora d’agua. Muita gente ficava me chamando pra dançar. Aí dançamos forró de antigamente, aí ele “dança, mulher, dança!”, eu achei aquilo um horror. Aí falei: “não vou dançar com você, e larguei o homem no meio do salão” Falei “porque vc ta mandando eu rebolar? Eu não vou rebolar” Aí sentei. É assim mesmo, assim, mesmo...falei ta bom. Aí nesse dia não gostei muito, vim embora. Na outra semana eu fui de novo, já gostei. Aí dancei, peguei os passos. Aí um dia, esse rapaz tava lá que tinha chegado do Rio, e tava ele com o primo dele, tava a família junto, né? Ai ele tava sentado na cadeira meio dormindo. Aí eu passei, eu tava dançando com a minha

amiga, que a minha amiga me chamou pra dançar pra me ensinar os passos. To dançando com ela e falei “Alá, Edna, o cara veio dançar e fica no salão dormindo”, e aí a gente ficou dançando e falando, aí a moça bateu no meu braço e falou pra mim assim “ele não ta dormindo, ele ta cansado, porque ele veio do serviço e ta cansado”, aí eu fiquei sem graça, né? Falei “não, desculpa, eu pensei que ele tava dormindo” Aí ela pegou no meu braço e foi comigo lá, a prima dele, aí falou “____ você ta dormindo?”, aí ele abriu os olhos assim, aí ele fechou. Aí eu falei “não, ele ta dormindo, deixa ele dormir” Aí quando eu fui sair ele pegou no meu braço______aí a gente foi dançar, aí ele pos a mão no meu pescoço e falou “Vou apresentar vc pra minha família. E foi mostrar. Minha amigo ficou até com raiva. Eu via sempre o pessoal aí. Qual a idade dele? Vinte e sete anos. E você tinha quanto na época...? Quarenta e... E com esse rapaz? Aí foi engraçado, porque aí ficamos conversando, nisso que a gente ficou conversando, ia ter um feriado, um feriado aqueles de segunda feira que emenda tudo. Aí ele falava “aah, você não quer ir na minha casa? Vou fazer um churrasco e tudo”. Ele sempre me convidava e eu nunca me interessei de ir, só que eu não sabia que esse cara era parente dele. Aí quando nós ficamos conversando, dançando tudo. Aí depois eu pensei “vou, não vou?”, aí fui falar com a minha amiga “você avisa lá em casa que eu vou”, aí ela não gostou porque o pessoal não convidaram ela, porque o pessoal me convidou aí eu falei “você avisa em casa que eu vou com eles”. E fui com eles, a minha amiga ao invés de chegar e avisar pros meus filhos que eu tinha ido com o pessoal, não avisou. Aí meu filho me liga, não, eu liguei pra casa. Eu liguei pra casa pra falar com eles. E eu falei com o Binho, invés do Binho avisar pro pessoal que eu ía voltar, não comentou.

Eu não voltei no sábado de manhã, daí os meus pessoal, preocupado, que nem uns doidos, o que que tinha acontecido, a minha irmã . Todo mundo já tinha ido pro IML me procurar e tudo. Eu me senti como se fosse a coisa do outro mundo, eu vi que dentro de mim eu não tava morta, eu tava viva, alguma coisa em mim tinha vida. Aí quando foi na terça-feira que eu voltei pra casa todo mundo...______________________ As minhas irmãs de Guarulhos já ta aqui de quinze anos feliz da vida, cantando pelo quintal, e todo mundo na sala. Na hora que eu olhei, nora, filho, irmã, todo mundo... Ai eu entrei e falei “Bom dia!” bem assim rindo “Porque ta todo mundo aí?”, aí ele falou “Que que aconteceu? A senhora ainda pergunta?”. Falei “opa!”, aí caiu a ficha. Falei “opa! Aqui ninguém vem falar alto comigo, eu sou a viúva, a viúva aqui sou eu, e aqui ninguém vem falar alto comigo, eu sou a viúva! nem filho, nem irmão, nem nora, nem genro, minhas contas eu pago. Tudo nessa casa eu banco, então ninguém vem falar alto comigo. Eu sou a mãe de vocês, vocês devem explicação comigo, não eu com vocês. Qual é o problema? Porque eu to chegando agora? Sou vacinada! Sou viúva, não to chifrando seu pai. Então fala baixo, me pergunte numa boa, não vem gritar comigo porque eu não aceito, não admito. Eu avisei quando seu pai morreu, se eu quisesse casar hoje eu casaria, que ninguém tem que dar palpite, na minha casa mando eu. Quem for trabalhar pode ir. To viva! To viva! E ria...”. Aí peguei e deitei no sofá, tinha caixa de leite a gente podia tomar leite a hora que quisesse. Então com ele foi um... um... Foi, foi aonde eu me senti mulher, que aconteceu na primeira noite, né? Mas aí depois eu voltei a vida normal, só que uma vida assim, uma vida cobrada, uma vida que não era uma vida deu ligar, era uma vida ser obrigada, eu fazia com ele, e então ele me deixava ir. A vida que eu tinha com ele, como se fosse um estupro, era uma violência fria, eu nunca queria, eu sempre sentia meu corpo doendo, meu corpo ruim, eu sempre chorado....

Entrevista realizada pela aluna Vânia Sofia Gomes Andrade.

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