“AS DUAS ESPADAS DO PODER”: AS RELAÇÕES DE TENSÃO E CONFLITO ENTRE O PODER SECULAR E O PODER ECLESIÁSTICO NA BAHIA (1640-1750)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CAMILA TEIXEIRA AMARAL

“AS DUAS ESPADAS DO PODER”: AS RELAÇÕES DE TENSÃO E CONFLITO ENTRE O PODER SECULAR E O PODER ECLESIÁSTICO NA BAHIA (1640-1750)

Orientador: Prof. Dr. Evergton Sales Souza

Salvador 2012

CAMILA TEIXEIRA AMARAL

“AS DUAS ESPADAS DO PODER”: AS RELAÇÕES DE TENSÃO E CONFLITO ENTRE O PODER SECULAR E O PODER ECLESIÁSTICO NA BAHIA (1640-1750)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Evergton Sales Souza

Salvador 2012

___________________________________________________________________________ A485

Amaral, Camila Teixeira “As duas espadas do poder” as relações entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia (1640-1750) / Camila Teixeira Amaral. – Salvador, 2012. 144f. Orientador: Prof. Dr. Evergton Sales Souza Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2012. 1. Bahia – Período colonial (1640-1750). 2. Igreja e Estado. 3. Igreja – Conflitos. 4. Igreja – Bahia. 5. Poder (Igreja). I. Souza, Evergton Sales. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

CDD – 282.81 ____________________________________________________________________________

CAMILA TEIXEIRA AMARAL

“AS DUAS ESPADAS DO PODER”: AS RELAÇÕES DE TENSÃO E CONFLITO ENTRE O PODER SECULAR E O PODER ECLESIÁSTICO NA BAHIA (1640-1750)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Evergton Sales Souza

_________________________________ Evergton Sales Souza (Orientador) Doutor em História Moderna e Contemporânea pela Université Paris IV Professor Adjunto - Universidade Federal da Bahia

_________________________________________ Avanete Pereira Sousa Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo Professora adjunta - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

________________________________________ Bruno G. Feitler Doutor em História e Civilizações pela L’École des Hautes Études en Sciences Sociales Professor adjunto da Universidade Federal de São Paulo

Para meus avós maternos e paternos. Para meus pais, Adilene e Geraldo. Para meus irmãos, Juliana e Rodrigo. Para meu sobrinho, Arthur. Para meu bem, Pablo. Meus amores e meus pilares.

AGRADECIMENTOS

Certa vez li um prefácio escrito pela Professora Célia Tavares que dizia que o trabalho de um historiador era solitário. Embora compreenda que Tavares refira-se ao momento da pesquisa, permiti-me discordar um pouco desta reflexão. Ao longo do tempo em que participei da iniciação científica e do mestrado muitas pessoas contribuíram mais ou menos para minha pesquisa e para que me tornasse quem eu sou. E aqui, nestas páginas, posso agradecer a todos e todas! Ao orientador desta dissertação de mestrado e também da iniciação científica, Evergton Sales Souza por ter me dado a oportunidade de conhecer melhor o ofício do historiador e também por ter me apresentado o mundo da pesquisa nos arquivos. Sou grata ainda por abrir sua biblioteca e com isso permitir aos seus orientandos leituras enriquecedoras. Suas correções e sugestões sempre pertinentes e esclarecedoras foram imprescindíveis para o bom termo desta dissertação. Às minhas colegas e amigas de iniciação científica e de mestrado, Rebeca de Souza Vivas e Ediana Ferreira Mendes, por me ajudarem a ser uma “pibiquinha” e por me receberem de braços abertos durante a pesquisa sobre São Francisco Xavier. A paciência ao me ensinar e corrigir as minhas primeiras aventuras com os documentos manuscritos não será esquecida. Serei eternamente grata a vocês. À outra colega de orientação, “irmã” mais velha, Laís Viena, por seus conselhos sempre preciosos e objetivos. À Larissa Almeida Freire, também colega de orientação, por principalmente nesta fase final ser muito solícita e por ter me ajudado quando mais precisei. A Cândido Domingues, pelas valiosas conversas sobre os estudos e a vida e por compartilhar das horas de angústia durante a seleção do mestrado. Estivéssemos debruçados nos livros, em discussões acaloradas, em viagens ou em comemorações, sua amizade estava lá. Ainda agradeço a Edison Rodrigues, por me chamar atenção para as grandes contribuições que a Antropologia poderia fazer ao meu trabalho e também por ser um sábio amigo. Aos demais colegas de mestrado e companheiros do Grupo de Estudo de História Colonial, Iane Cunha, David Barbuda, Maria Ferraz, agradeço pelas ricas discussões nas tardes de sexta-feira. Aos meus colegas e amigos do PROCAD, Carlos Francisco da Silva, Fabrício Lyrio e Jacira Primo, por tudo que vocês foram e fizeram durante nossa estadia em 6

Barão Geraldo. Ter convivido com vocês foi maravilhoso e significou não só crescimento acadêmico, mas também um amadurecimento pessoal. Nossas conversas, as discussões, o suporte durante as aulas na Unicamp e as cotidianas idas à biblioteca me marcaram profundamente. Certamente sem vocês eu não conseguiria sobreviver aos longos, tediosos e frios fins de semana, que transformamos em pizza, filme, futebol e muitos risos. Aos bons amigos que fiz em Campinas, Marcão e Cássia, gaúchos do meu coração, pelas deliciosas conversas. Ainda sobre o PROCAD gostaria de agradecer imensamente ao coordenador deste programa de intercâmbio acadêmico, à época Antonio Luiggi Negro, por ter me dado a grande oportunidade de conhecer a realidade de outro programa de pósgraduação e de dialogar com meus colegas “campineiros”. Obrigado pela atenção e preocupação com os meus estudos em Campinas. À professora Lígia Bellini, coordenadora do Programa de Pós Graduação em História à época do meu ingresso, por estar sempre pronta a ajudar em tudo, sobretudo nos financiamentos das viagens para apresentação de trabalhos. Sua competência e seu esforço para elevar nosso programa aos altos níveis acadêmicos foram bem sucedidos e tiveram continuidade durante a coordenação de Evergton Sales Souza. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, por financiar-me com uma bolsa de estudos no período de 2009-2011. À professora Avanete Pereira de Sousa pela imensa disposição em ajudar uma jovem estudante e pesquisadora de História. A gentileza de me conceder sua tese de doutorado, à época ainda não publicada, bem como outro texto inédito seu foi de grande valia para a minha dissertação. Da mesma maneira, seu enorme conhecimento da documentação do Arquivo Municipal de Salvador e do açougue dos eclesiásticos contribuiu muito para o andamento daquela incipiente pesquisa. Aos oficiaiss dos arquivos, meus agradecimentos por serem bastante prestativos. No Setor de Microfilmagem do Arquivo Público da Bahia tive ajuda sobretudo de Dona Marlene. No mesmo arquivo, mas no Setor Colonial, agradeço aos atendentes Djalma Melo e Uiara, pela atenção dispensada. Foi, contudo, no Arquivo Municipal de Salvador que encontrei a maior parte da documentação que encorpou esta pesquisa. Agradeço a “Seu” Felisberto e Adriana pela paciência e por dividir muitas tardes encaloradas na sala daquele arquivo. Às minhas amigas e também colegas de faculdade, Lílian Antonino, Gabriela Baldacin Harrison, Andrea Souza, Kleidiane Santana e Carolina Mendonça, as 7

Lazarentas, pelos conselhos, risadas, puxões de orelha, enfim, por tudo que se espera e se preza em uma amizade. Vocês estavam lá no início dessa caminhada e agora, no final e em tempos tão difíceis, foram um grande alicerce para me dar forças e seguir em frente. A Leonardo Coutinho, meu amigo Lazarento, pela amizade sincera e por me socorrer quando minhas limitações tecnológicas falaram mais alto. Aos meus amigos de fora da academia, mas não menos valorosos: Gabriele Hayne, Juliana Ribeiro, Karoline Bittencourt, Leonardo Frugoni e Cainan Costa, minha sincera gratidão. Vocês me fizeram enxergar o mundo acadêmico como o meio e não o fim. Sem vocês minha vida social estaria seriamente comprometida! À Erica Almeida, Ericlene Almeida, Marinalva Barbosa e Raimundo Almeida (in memorian), respectivamente, cunhadas, sogra e sogro, por terem me recebido com tanto carinho na sua família. Aos meus pais, Adilene e Geraldo, irmãos, Juliana e Rodrigo, avós Terezinha e Nilce e avôs Armando e Pedro e sobrinho Arthur: obrigado pelo amor e apoio incondicional. Vocês sempre me ensinaram a batalhar pelos meus objetivos e respeitaram minhas escolhas, permanecendo ao meu lado em todos os momentos. Ao meu tio José Gomes (in memorian), que sem nem saber me ensinou a importância diária de lutar pela vida. A dor da perda é grande, mas a felicidade de termos compartilhado décadas de convivência é ainda maior. Aos meus familiares geograficamente distantes, os Vieira e os Amaral, meus sinceros agradecimentos. Estar longe não significa amar menos. Sobretudo a minha priminha linda, Fernanda Amaral, por ser tão amiga e tão amável. Por último, mas não menos importante, agradeço a Pablo Barbosa, por ser tão maravilhoso, compreensivo e por me apoiar o tempo inteiro. Não há palavras que descrevam o valor e a importância do nosso tempo compartilhado. Fica aqui a certeza que esta conquista não é só minha, mas de todos vocês.

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E que justiça a resguarda?... Bastarda. É grátis distribuída?... Vendida. Que tem, que a todos assusta?... Injusta. Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça. Que anda a Justiça na praça Bastarda, vendida, injusta. Que vai pela clerezia?... Simonia. E pelos membros da Igreja?... Inveja. Cuidei que mais se lhe punha?... Unha Sazonada caramunha, Enfim, que na Santa Sé O que mais se pratica é Simonia, inveja e unha.

(Gregório de Matos, Epílogos)

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo a análise das tensões e dos conflitos entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia Colonial entre 1640 e 1750, inserindo-a em uma perspectiva mais ampla das relações entre a Igreja e o poder civil no Império português. A partir do estudo mais aprofundado de dois conflitos pretendemos também fazer um exame acerca das superposições das jurisdições e ainda buscaremos compreender melhor o cotidiano político-administrativo de Salvador e perceber nele as disputas por poder, privilégio e distinção.

Palavras chave: Conflitos, relação Igreja-poder secular, Bahia colonial.

Abstract

This work aims to analyze the tensions and conflicts between the ecclesiastical power and secular power in Colonial Bahia between 1640 and 1750, placing it in a broader perspective of the relations between Church and State in the Portuguese Empire. From the further study of two conflicts we also intend to take an exam about the overlapping of jurisdictions and still seek a better understanding of the everyday politicaladministrative Salvador and realize it disputes for power, privilege and distinction.

Key-words: Conflicts, Relation Church-secular power, Colonial Bahia.

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ABREVIATURAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino AMS – Arquivo Municipal de Salvador APB – Arquivo Público da Bahia ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo BNL – Biblioteca Nacional de Lisboa

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1

Rendimentos da Câmara de Salvador com a arrematação de talhos (1701-1800).

P. 99.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1

Vista de cidade de Salvador feita por William Dampier.

P. 25.

Figura 2

Desenho de uma serpentina feito por Amedée Frezier.

P. 34.

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ......................................................................................................................... 6 RESUMO ....................................................................................................................................... 10 ABREVIATURAS ............................................................................................................................. 11 LISTA DE GRÁFICOS ...................................................................................................................... 12 LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................................... 12 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 15 Capítulo I ...................................................................................................................................... 23 Salvador, cidade de mercês e privilégios. ....................................................................................... 23 1-Oficiais régios e instituições na cidade da Bahia ............................................................. 24 2- Salvador, cidade de mercês e privilégios. ....................................................................... 33 3-As relações entre Poder civil e Igreja na Bahia colonial: da colaboração ao conflito ..... 39 Capítulo II..................................................................................................................................... 49 Os tons da convivência: jurisdição e litígios no contexto da Restauração ......................................... 49 1-“Liberdade portuguezes Viva El Rey Dom João o Quarto” .................................................... 50 2- As dificuldades no Império após a Restauração de 1640........................................................ 56 3- A notícia da aclamação de Dom João IV e suas consequências na Bahia .................................. 60 4- As nuances da relação Igreja x Poder civil: as contendas entre um Governador e um Bispo ........ 64 Capítulo III ................................................................................................................................... 90 O açougue eclesiástico: disputa de poder e conflito de jurisdição no início do século XVIII ............. 90 1- A Câmara Municipal e o abastecimento da cidade de Salvador ............................................... 93 2- Problemas de jurisdição: querelas entre um Ouvidor e um Arcebispo. ................................... 100 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................................. 125 Lista dos monarcas de Portugal (1600-1750) ............................................................................. 128 Vice-reis e governadores gerais do Brasil (1600-1750) ................................................................ 128 APÊNDICE II................................................................................................................................ 130 Lista de Bispos e Arcebispos da Bahia (1600-1750) .................................................................... 130 FONTES ...................................................................................................................................... 131

Fontes Manuscritas .................................................................................................................. 131 13

Fontes impressas ...................................................................................................................... 136 BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................. 138

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INTRODUÇÃO

O tema proposto nesta dissertação nasceu como parte de um projeto muito maior. A pesquisa propiciada pela iniciação científica, sob a orientação também de Evergton Sales Souza, foi o pontapé inicial do presente trabalho. Estudar e pensar sobre a impopularidade do padroeiro da cidade de Salvador, São Francisco Xavier, permitiu um maior conhecimento da documentação sobre a Bahia colonial. Partindo daí e enviesando pelo sub-tema das tensões e dos conflitos entre o poder local e o poder eclesiástico, considerando sobretudo as relações entre a Câmara e o Cabido, pudemos investigar os matizes da convivência entre o poder civi e a Igreja naquele período. Posteriormente, ampliamos as balizas temporais e modificamos um pouco o foco, centrando-nos principalmente nas contendas entre autoridades régias e episcopais. Acreditamos que desta forma seria possível alçar maiores voos no que diz respeito às relações entre essas “duas espadas do poder”. Para tanto, devemos nos atentar rapidamente nesta introdução a dois eixos temáticos: primeiramente sobre a Igreja e a Coroa e depois nos direcionaremos para um debate historiográfico acerca da política administrativa dispensada pela Coroa portuguesa ao Brasil. Quando se pensa sobre as relações entre a Igreja e o poder civil na modernidade o que vem à cabeça, em geral, é a imbricação entre essas esferas. Refletir sobre as monarquias entre meados do século XVI ao XVIII significa refletir também sobre sua sacralidade. O rei, além de ser a representação política maior de um Estado, vestia-se igualmente de um corpo sagrado, como vigário de Deus. O monarca não podia prescindir da Igreja em muitos níveis. Na Europa ocidental, os Estados modernos souberam utilizar os elementos da religiosidade católica para alcançar a sociedade e assim exercer um maior controle sobre ela. Portugal não foi uma exceção. Às grandes navegações, por exemplo, coube a Roma legitimar. A descoberta de novos territórios e sua colonização foi tema de muitas bulas papais e seus ideais passaram também a ser os ideais de um catolicismo sedento de expansão (principalmente se considerarmos o contexto da Reforma protestante).

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A existência da interpenetração entre a Igreja e a Coroa em Portugal não significou que o interesse destas instituições tenha sido sempre consonante. Primeiramente porque a Igreja não era um corpo coeso. Antes de tudo ela era constituída por pessoas que obedeciam a uma hierarquia e tinham interesses próprios. Como afirma José Pedro Paiva, a Igreja era uma instituição pluricelular, cheia de facções e conflitos internos.1 Desta forma, a precipitada ideia de unidade no seio desta instituição pode resultar na interpretação equivocada de que o poder eclesiástico agia como um bloco na sua defesa em relação ao Estado.2 Fica mais fácil compreender estas assertivas quando pensamos sobre a nomeação dos Bispos, tarefa que cabia ao monarca. Indicá-los para a sagração do Papa transformava estes eclesiásticos também em agentes do rei, reconhecendo que sua ascensão à condição episcopal era fruto do arbítrio real e que uma progressão em sua carreira dependia da mercê régia.3 Por outro lado, devemos pensar que muitos homens de Igreja exerceram papéis importantes na monarquia portuguesa, como confessores reais, conselheiros ou pregadores e chegando até mesmo a cargos mais políticos no Conselho de Estado, no Desembargo do Paço ou na Mesa de Consciência e Ordens. 4 No ultramar português a interpenetração entre Igreja e o poder civil é ainda mais intensa, pois em função do padroado régio a Coroa possuía uma série de competências em relação à administração da Igreja. É o caso da ereção e provimento das igrejas, do recolhimento e pagamento dos dízimos eclesiásticos e da composição do cabido da Sé, entre outros. Por outro lado, o poder eclesiástico desempenhou uma função essencial para a dominação e preservação política destas áreas. Segundo Paiva, “sem a Igreja não teria havido Império e sem as armas do Império a ação evangelizadora da Igreja dificilmente teria tido o êxito que alcançou”.5 No bojo desta discussão sobre interpenetração e interdependência entre Igreja e a Coroa surgiram dois conceitos que ainda nos dias atuais estão presentes nos trabalhos sobre o tema: confessionalização e disciplinamento social. Podemos dizer que no âmbito das práticas cotidianas o Estado buscou constantemente instrumentalizar os elementos religiosos numa tentativa de melhor controlar a sociedade. E é neste âmbito 1

José Pedro Paiva, “A Igreja e o poder”, in Carlos Moreira de Azevedo, História religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2000, p. 135. 2 Evergton Sales Souza, “Igreja e Estado no Período pombalino”, Lusitânia Sacra, vol. 23, 2011, pp. 207230. 3 Paiva, “A Igreja e o poder”..., p. 138. 4 Idem, pp. 138-139. 5 Idem, p. 142.

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que se encaixam os dois conceitos acima citados. O primeiro, elaborado inicialmente pelo alemão Gerhard Oestreich, reconhece o papel que a noção de disciplina teve nos discursos do período moderno e, consequentemente, “como denominador comum dos diferentes processos – político, religioso, social e cultural”.6 Para Palomo, a proposta do alemão esteve por muito tempo associada apenas ao campo da história política e ao processo de consolidação do poder das monarquias ocidentais modernas. Anos mais tarde surgiria outro conceito que passaria a considerar o papel da história religiosa na esfera política da sociedade. A noção de confessionalização, proposta por Wolfgang Reinhard e Heinz Schilling, historiadores alemães, estabelece um vínculo entre o poder político e os agentes eclesiásticos, na medida em que exalta a importância das confissões religiosas para o disciplinamento social, colocando em contato os diferentes contextos que fazem parte de uma sociedade, quais sejam, os religiosos, políticos, sociais e culturais. Para José Pedro Paiva a ideia de confessionalização enquanto reforço interno e externo das unidades territoriais não pode ser aplicada ao caso português, na medida que as fronteiras físicas e confessionais de Portugal já estavam definidas desde antes do século XVI.7 Também a interpretação de que o processo confessional reforçou o disciplinamento da sociedade tem alguns problemas, já que pode sugerir que foi possível construir uma sociedade homogênea e disciplinada.8 O ponto mais controverso deste conceito para o historiador português, entretanto, é o que afirma que a confessionalização provocou um aumento da intervenção do Estado na Igreja.9 Esta é uma interpretação limitada, pois só permite enxergar a preponderância do poder secular sobre o poder eclesiástico. A influência da Igreja sobre o Estado também existiu no período moderno. A imbricação entre a Igreja e o Estado é inegável, mas ela não se deu forma desenfreada e nem significou que estas duas instituições eram coesas. Não havia competências perfeitamente delimitadas, muito pelo contrário: em diversos setores tinha lugar a interpenetração dos dois.10 A relação entre eles era pautada na constante busca de ambos pela expansão e manutenção do poder e também numa relação de

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Federico Palomo, A contra reforma em Portugal (1540-1700), Lisboa, Livros Horizonte, 2006, p. 11. José Pedro Paiva, “El Estado en la Iglesia y la Iglesia en el Estado”, Manuscrits: revista d´història moderna, n. 25, 2007, pp. 45-57. 8 Idem, p. 49. 9 Idem ibid. 10 Idem, p. 50. 7

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dependência mútua, pelo menos até meados do século XVIII, quando é inaugurado um novo período nas relações entre a Igreja e o Estado.11 Para entender a relação entre as redes de poder presentes na Bahia entre 1640 e 1750 é necessário dialogar com os estudos sobre a administração do Império português. Nossa análise seguirá o debate mais recente sobre o assunto, protagonizado por Laura de Mello e Souza e Antonio Manuel Hespanha.12 Ambos desenvolveram abordagens antagônicas e enriquecedoras para os estudos sobre os meandros administrativos do Brasil colônia. No primeiro capítulo de O sol e a sombra, Souza fez uma importante reflexão na qual analisou as principais produções historiográficas – brasileiros e brasilianistas – sobre a administração e a política na colônia. Para dar conta desta exposição e análise, a autora faz uma retrospectiva para discorrer sobre o problema da administração a partir de duas perspectivas: a de Raymundo Faoro e a de Caio Prado Jr.13 Ela acredita que estes dois historiadores foram responsáveis por demonstrar que era possível que a historiografia brasileira trabalhasse o tema. Os dois, aliás, representaram duas formas opostas de análise. Ao atribuir ao Estado português uma importância quase que incomensurável ressaltando sua centralização excessiva (que é representada na expressão hipertrofia do Estado) e defendendo a tese de que por ser centralizado o governo português foi capaz de transferir com sucesso o seu sistema administrativo para o Brasil colônia, Faoro não só minimizou o papel da dinâmica social e das contradições como também negligenciou as situações específicas e desviantes tão presentes na colônia luso-americana. Quinze anos antes, Caio Prado Jr. havia feito uma leitura completamente diferente sobre a mesma questão: ele defendeu a existência de um Estado português caótico, irracional e contraditório, cheio de órgãos complexos, com confusão de funções e um burocratismo exagerado. Prado Jr. ainda alegou que o funcionalismo aqui existente era inútil, numeroso e deliberativo. Contudo, e como demonstra Laura de Mello e Souza, outros historiadores “nadaram” na direção contrária à de Faoro e de Caio Prado e procuraram

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Sales Souza, pp. 16 e sgts. Laura de Mello e Souza, O Sol e a Sombra: política e administração na América portuguesa do século XVIII. São Paulo, Companhia das Letras, 2006. Antônio Manuel Hespanha, Depois do Leviathan, Almanack Braziliense, nº 05, Maio de 2007, pp. 55 – 66. 13 Raymundo Faoro, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro, 4ª edição, São Paulo, Globo, 2008. Caio Prado Jr, Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia, São Paulo, Livraria Martins Editora, 1942. 12

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entender, através do exame das instituições metropolitanas e do estudo da carreira de administradores, o funcionamento do Império português, acreditando em uma política administrativa menos rígida como foi o caso de Russell-Wood e Charles Boxer14. Souza, porém, guarda boa parte do seu capítulo para a análise das últimas contribuições historiográficas de António Manuel Hespanha. Ponto de desacordo inicial entre eles, a concepção de Antigo Regime defendida por Hespanha parece, à historiadora brasileira, bastante inadequada se transplantada à realidade da América portuguesa, criticando os trabalhos que esteiam suas reflexões na ideia da existência de um Antigo Regime nos trópicos. Portanto, ela dá seguimento a tese de Fernando Novais ao defender a ideia de que existia um Antigo Sistema Colonial, caracterizado pela existência da escravidão e do exclusivo metropolitano que diferenciava o regime governamental do Brasil. Para além desta discussão conceitual sobre o Ancien Régime, há um debate que é o eixo central dessa longa revisão, qual seja, o papel do Estado português na administração ultramarina. No que diz respeito à percepção de que o sistema administrativo lusitano da época tinha um padrão de ação político-administrativa jurisdicional – baseado na ciência do direito e das leis portuguesas – não parece haver discordâncias entre os dois historiadores. Entretanto, Hespanha, ao tentar balancear a ação do poder central e a do poder local na colônia, tende, por ter grande apreço “ao esquema sinodal e à microfísica do poder”, a enfraquecer excessivamente o papel do Estado.15 Souza vê problema nessa concepção aplicada ao século XVIII, já que ela acredita haver uma maior centralização praticada pelo governo de D. João V. Em contrapartida, Hespanha apresenta seus argumentos para rebater as interpretações sobre seus trabalhos feitas por Souza. Reafirma sua posição em defender a redução da administração da Coroa à passividade, sustentando a ideia de que a centralidade do direito se traduzia na centralidade dos direitos normativos locais.16 Para ele, então, mais importante do que o direito geral é o direito local, já que atribui uma 14

Souza, O sol e a sombra..., pp.41-46. Os dois historiadores brasilianistas realizaram importantes estudos acerca das micro-estruturas administrativas (poder local), e demonstraram uma importante papel desempenhado por elas. Para mais sobre o tema veja-se, principalmente: A. J. Russel-Wood Fidalgos e Filantropos. A Santa Casa de Misericórdia da Bahia(1550-1755), Brasília, Edunb, 1981; Centros e periferias no mundo Luso-brasileiro, 1500-1808, Revista brasileira de História, vol. 18, nº 36, 1998, pp.187-249. Charles Boxer Portuguese society in the tropics. The municipal councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda, 1510-1800. Madison, University of Wiscosin Press, 1965. 15 Laura de Mello e Sousa, O sol e a sombra... p. 49. 16 Antonio Manuel Hespanha, “Depois do Leviathan”, Almanack Brazilense, n. 05, 2007, pp. 55-66. Conferir também As vésperas do Leviathan: instituições e poder político em Portugal, século XVII, Coimbra, Ed. Almedina, 1994.

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grande importância às particularidades de cada caso e às sensibilidades jurídicas locais. Para dar base à sua teoria usa como argumento os muitos casos em que se verifica a flexibilidade da apelação nos tribunais. Acredita num Estado português corporativo, que possuía redes de poderes locais, enfatizando que as forças centrífugas da colônia tinham grande capacidade de neutralização do poder central – forma contrária à que Souza defende, pois crê que, ao fim, tudo se fazia em nome do Rei. Para corporificar suas reflexões ele baseia-se nos mesmos brasilianistas citados pela historiadora brasileira: Rusell-Wood e Charles Boxer. Para Hespanha, os trabalhos realizados por eles ratificam o caráter localista do sistema administrativo português, não só no seu centro, mas também em suas colônias.17 Já para Laura de Mello e Souza tais trabalhos apenas demonstram que havia um modelo pendular de administração – que praticava a política do “morde e assopra” -, mas que não sugere de forma alguma a quase ausência do poder real. Acreditamos que existam ressalvas em ambas as análises, pois é perceptível que há pouca flexibilidade na conclusão dos dois sobre o real papel do Estado moderno português na política administrativa do seu ultramar. Enquanto Hespanha defende a total descentralização do poder metropolitano e valoriza bastante os poderes locais, Souza manifesta-se a favor da ideia de que, apesar da existência de instituições de mando local extremamente importante na colônia e por vezes autônoma, qualquer atitude realizada aqui era em nome do monarca. Sem incorrer no erro de relativizar absolutamente tudo, nesse caso há a necessidade de buscar um ponto de equilíbrio entre essas duas maneiras de pensar esta problemática de fundamental importância para esta dissertação. Cremos que o estudo das relações entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia beneficia-se destas reflexões e, ao mesmo tempo, pode contribuir através do exame detido da atuação da coroa na resolução dos conflitos aqui ocorridos. O foco central deste estudo, portanto, são as tensões e os conflitos entre o poder civil e o poder eclesiástico na Bahia entre 1640-1750. Focaremos nossas análises e reflexões nas querelas pessoais, entre autoridades das duas esferas de poder. Optamos por observar como os interesses pessoais unidos à forte personalidade de algumas personagens tratadas (além das questões contextuais, como a economia) aqui interferiram nas suas relações com as demais autoridades. A partir deste exame

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Idem, p.62.

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procuraremos compreender melhor o cotidiano político da cidade da Bahia nos seiscentos e setecentos. Há duas justificativas que nos fizeram escolher o período entre 1640 e 1750 como recorte temporal desta dissertação. Em primeiro lugar entendemos que esses 110 anos representam um ciclo, inaugurado por D. João IV e encerrado por D. João V, que vai do estabelecimento à consolidação dos Bragança na monarquia portuguesa. Com efeito, todos os reinados deste período têm em comum o desejo de fortalecer a posição da nova dinastia. Para tanto, foi necessária a adoção de políticas adequadas aos diferentes contextos e somente no reinado de D. João V a dinastia estava consolidada, permitindo que este monarca adotasse uma postura bem mais centralizadora do que seus antecessores. Já com D. José I, principalmente a partir de fins dos anos 1750, foi inaugurada uma política muito mais centralizadora – que alguns viriam a caracterizar como despótica - e, marcada por uma influência maior das “luzes” no cenário político luso. Esse novo ciclo iniciado modificou bastante a relação do poder central com os poderes da América portuguesa e também com a Igreja. Daí parecer-nos mais coerente limitar nosso recorte cronológico ao final do reinado de D. João V. Defendemos que em maior ou em menor grau a ocorrência dos conflitos estava ligada à situação do poder central. Dois arquivos foram extremamente relevantes para esta pesquisa. O Arquivo Histórico Ultramarino, consultado através dos CDs do Projeto Resgate nos fundos Luiza da Fonseca e Avulsos Bahia, forneceu sobretudo as respostas e determinações da Coroa portuguesa às petições feitas pelas mais diversas autoridades atuantes em Salvador. Já no Arquivo Municipal de Salvador nos debruçamos principalmente sobre as atas das reuniões da Câmara, as cartas enviadas pelo Senado ao monarca, a correspondência entre a instituição e os eclesiásticos e as provisões reais. Em geral esta documentação e a do Arquivo Histórico Ultramarino são complementares e tornam-se, por isso, muito proveitosos para nosso trabalho. De forma menos intensa, mas bastante relevante, as Ordens Régias no Arquivo Público da Bahia, os Documentos Históricos, publicados pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo foram também usados na construção desta dissertação.

Este trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro buscamos apresentar a cidade de Salvador enquanto representante do Antigo Regime e compreender a 21

efervescente busca dos seus moradores por mercês e privilégios. A apreensão desta sociedade é bastante relevante para perceber melhor os conflitos entre os agentes eclesiásticos e seculares, na medida em que eles são reflexos da estrutura social moderna, profundamente hierarquizada e pautada na distinção entre as pessoas. Nos outros dois capítulos, buscamos nos ater ao estudo de dois conflitos entre representantes do poder civil e o poder eclesiástico em momentos diferentes. Embora tenham um viés de independência entre si, ambos estão ligados por um fio de Ariadne: as tensões e os litígios entre as autoridades da Igreja e do poder civil na Bahia colonial. Além disso, nota-se o fator econômico também como forte motivador destas querelas. Portanto, no segundo capítulo nos aprofundamos no contexto pós-Restauração, debruçando-nos sobre a contenda entre o Bispo D. Pedro da Silva Sampaio e o Governador geral Antonio Telles da Silva, que acabou por envolver outras autoridades da administração colonial, como o Provedor mor e o Ouvidor geral.

Enfim, no terceiro capítulo

analisamos uma querela que eclodiu entre o Ouvidor Miguel Manso Preto e o Arcebispo Dom Sebastião Monteiro da Vide em torno do açougue dos eclesiásticos e que durou mais de uma década.

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Capítulo I

Salvador, cidade de mercês e privilégios.

Cidade da Bahia. Duas em uma só. Observou Froger, ao visitá-la, que era alta a baixa e poucas ruas eram retas.18 Sua parte baixa, destinada ao comércio, abrigava o porto mais importante da América portuguesa por pelo menos dois séculos. Ali navios de todo tipo atracavam, trazendo uma enorme variedade de carga. Ali a cidade se abastecia de alimentos e de homens. Navios cheios de negros africanos muniam o mercado de escravos baiano, ajudando na manutenção de uma sociedade escravista que se assentava na exploração de homens e mulheres arrancados de sua terra para, no Brasil, encontrar seu inferno. A grande maioria era mandada para as grandes plantations do Recôncavo (região próxima a Salvador), onde trabalhavam exaustivamente na colheita da cana e na produção do açúcar. Segundo os relatos de Antonil, em 1710 existiam 146 engenhos na Bahia e, em 1724, Soares da Franca afirmou existirem 139 engenhos, número que Schwartz acredita ser impreciso.19 Já na parte elevada da cidade, além dos prédios da administração, ficavam casas que pertenciam, em grande parte, aos homens bons, ricos mercadores ou senhores de engenho. Dampier afirmou haver, em 1699, mais ou menos duas mil casas, que tinham paredes grossas e fortes feitas em pedras.20 Seus habitantes, homens da elite, não poupavam para ostentar sua riqueza. Possuíam um enorme número de escravos negros homens e mulheres, que cuidavam dos serviços domésticos, fato que chamou a atenção do viajante inglês. Salvador foi a capital da América portuguesa entre 1549 e 1763. Sua fundação significou uma mudança para a colonização dessa parcela do ultramar, já que efetivou concretamente sua conquista. Desde o seu primeiro ano de existência houve uma crescente burocratização do corpo de oficiais reais, que inicialmente esteve assentado na tríade Governador geral, Ouvidor geral e o Provedor mor. Enquanto foi sede da colônia 18

No original se lê “elle est haute et basse, et à peine y a-t´il une rue soit droite”. François Froger, Relation d´un Voyage de La mer Du sud detroit de Magellan, brésil, cayenne e les isles antilles, Amsterdam, 1715, p. 140 19 Stuart Schwartz, Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835, São Paulo, Companhia das Letras, 1988, p.186. 20 William Dampier, A new Voyage around the world, Londres, 1703, p.52

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abrigou as principais autoridades régias. Também residiu ali o Bispo da Bahia, responsável pela administração eclesiástica não só da cidade como da colônia. Nesse capítulo, portanto, montaremos inicialmente um panorama político administrativo de Salvador, tratando das atribuições e jurisdições de alguns oficiais régios e também da instituição de poder local e do Tribunal da Relação. Em seguida nos deteremos nos aspectos da sociedade soteropolitana, enfocando nos esforços cotidianos de alguns corpos sociais para distinguirem-se e na economia simbólica das mercês. Por fim, trataremos das relações entre a Igreja e o poder civil na cidade da Bahia durante os seiscentos e a primeira metade dos setecentos, nos valendo de exemplos já trabalhados pela historiografia e trazendo alguns novos litígios como base para a compreensão do cotidiano político de disputas de poder, distinção e status quo tão comuns a uma sociedade do Antigo Regime.

1-Oficiais régios e instituições na cidade da Bahia

A Bahia é cidade d´El Rei, e a côrte do Brasil, nela residem os Sr. Bispo, Governador, Ouvidor geral, com outros oficiais e justiça de sua Majestade.

Foi com essas palavras que o Padre Fernão Cardim procurou descrever a cidade de Salvador na sua Narrativa Espistolar de uma viagem e Missao Jesuitica, entre os anos de 1585 e 1590.21 E não era sem razão. Capital da colônia portuguesa desde sua fundação, em 1549, até 1763, a cidade da Bahia era sede militar, política e religiosa de um dos principais territórios ultramarinos de Portugal. William Dampier, em seu relato de viagem nos traz uma imagem de Salvador em 1699 que corrobora a descrita pelo jesuíta e nos dá uma ligeira ideia da sua organização urbana.

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Fernao Cardim, Narrativa Espistolar de uma viagem e Missao Jesuitica, Lisboa, 1847, pp. 9-10. A ortografia das fontes utilizadas aqui foi atualizada e as abreviaturas desdobradas.

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Figura 1

Fonte: William Dampier, A new Voyage around the world, Londres, 1703, p.48.

Nela é possível perceber algumas características marcantes da colonização na região. O local escolhido para a ereção de Salvador não foi fruto do acaso. A preocupação com a defesa do território foi determinante para que a cidade fosse construída em uma área que oferecesse uma proteção natural e que funcionasse como barreira contra possíveis invasões. Dessa maneira, a capital da América portuguesa foi erguida em um terreno elevado e plano, que possuía uma visão privilegiada da Baía de Todos os Santos e que preenchia os requisitos protecionistas. Tradicionalmente as monarquias europeias não prescindiam das organizações militares e com Portugal não foi diferente. Segundo Stuart Schwartz, a estrutura militar no Brasil seguiu os modelos portugueses, sofrendo por vezes alterações dependendo da realidade do local.22 A partir do reinado de Dom Sebastião a organização militar lusitana sofreu algumas alterações, adotando modelos espanhóis. Essa reestruturação se aprofundou no período da União Ibérica, mas não vingou. O terço da armada real, criado em 1618, foi a 22

Alcir Pécora e Stuart B. Schwartz (orgs.), As excelências do governador: o panegírico fúnebre a d. Afonso Furtado, de Juan Lopes Sierra, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. p. 317.

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primeira unidade desse tipo a ser formada numa nação europeia ocidental.23 Com a Guerra de Restauração (1640-1667) todo o exército português sofreu uma mudança com base nessa unidade. Na colônia luso-americana a atenção com a proteção do território não foi menor. Alguns aspectos da imagem indicam isso, como as três fortificações (duas na terra e uma no mar), todas voltadas para o mar. Essas construções denotam o cuidado com que eram tratadas questões relativas à defesa, sobretudo quando Portugal já amargava a experiência das invasões holandesas no seu litoral (Salvador foi invadida em 1624 e ficou por um ano sob o comando dos inimigos). A construção da cidade em um terreno elevado também não se deu por acaso. O objetivo era erguer a capital em um lugar onde, ao mesmo tempo, fosse possível perceber a presença do inimigo e não ficar vulnerável. Ao longo dos séculos XVI e XVII foram criadas algumas instituições para efetivar a administração da cidade. A Câmara Municipal de Salvador, instalada no mesmo ano de fundação da cidade, representava o poder local e funcionava como principal mediadora entre a Coroa e seus súditos, e embora ela não apareça no desenho acima, está até hoje localizada na mesma praça que a casa dos governadores. Na chamada “Praça da parada”, afirma Affonso Ruy, “foram localizadas as casas destinadas aos serviços públicos, levantadas todas por Luiz Dias".24 Embora sua construção não ostentasse qualquer luxo, apresentando a modéstia das outras casas da cidade (por causa do tempo e falta de material adequado), a Câmara começou a funcionar em meados daquele ano. Ela era composta, inicialmente, por dois juízes ordinários (ou do povo), três vereadores e de um procurador da Cidade, todos eleitos anualmente no mês de dezembro por um corpo eleitoral composto pelos homens bons da cidade.25 A eleição dos camaristas permaneceu assim até 1696, quando a Coroa ordenou que os juízes da Relação passassem a verificar cuidadosamente das listas eleitorais trienais, de onde o Vice-rei ou Governador geral selecionaria anualmente os indivíduos que serviriam

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Segundo Pécora e Schwartz, “o terço em tese era composto de dez companhias, cada qual com cem homens sob a liderança de um capitão. O mestre de campo era o comandante do terço, patente que pode ser mais bem entendida como a de um coronel da infantaria, já que só era utilizada em regimentos dessas unidades. O sargento-mor era o segundo em comando, uma posição que não poderia ser, de forma alguma, comparada àquela que detinha, no sistema militar britânico, o oficial de mesma patente.” Cf. Pécora e Schwartz, As excelências do governador... pp. 317-318. 24 Affonso Ruy, História da Câmara Municipal da cidade do Salvador, 2ª Ed., Salvador, Prefeitura Municipal de Salvador, 1996, p. 21. 25 Idem, p. 40.

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como oficiais da Câmara.26 A criação do cargo de juiz de fora, precisamente no mesmo ano, significou igualmente um aumento da interferência da Coroa no poder local, através de seus oficiais régios. Aliás, uma carta dos desembargadores da Relação ainda em 1677 já deixava entrever que eles eram favoráveis a criação do cargo em questão. Defendiam que

Para boa administração da justiça, e melhor expediente das causas, necessita muito esta cidade de ter um juiz de fora, e particularmente para os negócios crimes, que os juízes ordinários além de não saberem o que devem fazer, não acodem aos casos de morte e outros delitos graves, nem tiram as devassas como são obrigados; E o Ouvidor geral que despacha em Relação não pode acudir a tudo; E quando nas férias sai ao termo a devassar, por os {juízes} não fazerem sua obrigação, é depois de ter acontecido o delito um ano; E mais, no que é a justiça muito prejudicada; E havendo juiz de fora letrado a vista de uma Relação será a justiça melhor administrada [...] 27

Denunciaram também os oficiais da Câmara, que segundo eles não estavam cuidando das rendas do Conselho, causando prejuízo ao sustento da infantaria e à fazenda real. Embora a missiva contenha tons de urgência no seu conteúdo, o cargo foi criado na Bahia. Ele representaria um novo período para a história dessa instituição. Antes constituída por pessoas da terra e baseada nos costumes locais, seria presidida por um ministro letrado nomeado pelo Rei, que “fomentaria a aplicação do direito oficial, e com isso não deixaria de ser um elemento de desagregação da autonomia do sistema jurídico-político local”.28 De acordo com Francisco Bethencourt, as Câmaras ultramarinas funcionaram como pilares do Império português. Afirma que elas permitiram o enquadramento político das populações nessas novas regiões, sobretudo no século XVIII, quando a elevação de povoações à categoria de vilas cresceu exponencialmente.29 Criadas segundo o modelo de Câmara reinol, se adaptaram a realidade local (mas sem criar 26

Charles R. Boxer, Portuguese Society in the tropics…, p. 74. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Luiza da Fonseca, caixa 23, documento 2780 [21 de Agosto de 1677]. 28 Maria Fernanda B. Bicalho, “As câmaras ultramarinas e o governo do Império” in João Fragoso, Maria Fernanda Baptista Bicalho, Maria de Fátima Gouvêa (org.), O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, pp.189-221. 29 Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dirs.), História da expansão portuguesa, vol. 3, Lisboa, Circulo de Leitores, 1998, p. 270. Silvia H. Lara trata um pouco do conceito da categoria “vila” no período moderno, que tinha um significado muito mais político do que geográfico e estava intimamente ligada às Câmaras e suas jurisdições. Cf. Sivia H. Lara, Fragmentos setecentistas: Escravidão, cultura e poder na América portuguesa, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, pp. 2930. 27

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diferenças significativas entre elas) e representaram uma continuidade administrativa no Império que os governadores, Bispos e magistrados não podiam garantir pelo seu caráter passageiro, explica Boxer.30 Era através desse órgão que as elites econômicas e políticas da região produtora de açúcar da Bahia (Recôncavo) enfeixavam seus interesses, já que eram eles, senhores de engenhos e de escravos, que ocupavam os lugares no Senado da Câmara de Salvador. Ainda esse órgão o responsável pela regulamentação da vida cotidiana da cidade e também, a partir de 1625, pelo pagamento e fornecimento de comida e fardamento para a guarnição.31 Muitos exemplos podem ser retirados dos documentos para fundamentar a representação dos interesses da sociedade local pela Câmara. Nas sessões do Senado cotidianamente se discutiam os problemas da cidade da Bahia e algumas vezes, se necessário, era estabelecida uma comunicação com a Coroa para fins de concretizar seus desígnios. Para exemplificar, tomemos o caso do pedido de privilégios aos cidadãos soteropolitanos.32 Em 1646 uma consulta do Conselho Ultramarino revela-nos timidamente o trâmite da concessão de tal mercê. Segundo os conselheiros, na petição os oficiais da Câmara dizem

Que o povo dela [Salvador] há muitos anos tem servido a Vossa Majestade com grande demonstração, nas ocasiões que se ofereceram, do serviço desta Coroa, em razão do que Vossa Majestade com cartas suas prometendo de lhe fazer mercê, e porque até agora a dita Câmara não tem privilégio algum e Vossa Majestade foi servido de os conceder a Câmara do Maranhão, e é justo que os tenha também a Câmara da Bahia, como cabeça de todo o estado do Brasil33

Pediam para serem agraciados com os mesmos privilégios da cidade do Porto (1490), pelos seus préstimos de fidelidade ao rei Dom João IV.34 Os cidadãos de Salvador, assim como os portuenses, a partir de então não poderiam ser submetidos a 30

Charles Boxer, O Império colonial português (1425-1825), Lisboa, Edições 70, 1969, p. 263 e sgts. Avanete Pereira de Sousa, “Poder Local e cotidiano: a Câmara de Salvador no século XVIII” (dissertação de mestrado), Salvador, Universidade Federal da Bahia, 1996, especialmente o capítulo 2. Vale ressaltar que a partir do capítulo 3 a autora aborda individualmente as diferentes atribuições da Câmara Municipal de Salvador, a exemplo da urbanização, a higiene pública, as cerimônias e o abastecimento da cidade. Sobre esse último aspecto trataremos no capítulo 3 dessa dissertação. 32 Segundo Maria Fernanda B. Bicalho, os cidadãos no Antigo Regime eram os homens eleitos para desempenhar uma função nos cargos administrativos da Câmara. Eles eram responsáveis pelo bom governo da República, articulando-se à governança da comunidade que faziam parte. Bicalho, “As câmaras ultramarinas...”, pp. 203-205. 33 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1176 [3 de Março de 1646]. Ainda há um anexo do parecer do procurador da Coroa sobre o mesmo assunto no documento 1177, na mesma caixa. 34 Maria Fernanda B. Bicalho, “As câmaras ultramarinas...”, pp. 205-206 31

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tormentos, não seriam presos em cadeias públicas e sim em suas residências, os seus caseiros, amos e lavradores não poderiam ser obrigados a servir nas guerras, não seriam obrigados a dar pousada contra a sua vontade e poderiam portar armas durante o dia e a noite.35 Não tardou para chegar um alvará em fins de Março do mesmo ano confirmando tais privilégios aos peticionários.36 Embora possamos questionar a aplicação real desses privilégios à cidade da Bahia – que, diga-se de passagem, foram concedidos mais de cento e cinquenta anos depois do caso do Porto, num contexto totalmente distinto – importa saber que dentro da lógica na qual estavam inseridos esses homens, enobrecer era um imprescindível elemento de distinção e prestígio. Interessava mesmo ter títulos e privilégios, independente de sua aplicação. Representada com destaque na figura 1, a casa do Governador estava localizada na mesma praça que a Câmara, como citado anteriormente. Muitas eram as atribuições de um Governador, que além de representar o governo civil, passava a ser chefe militar da colônia (possuía a patente de capitão geral do Estado do Brasil). Munidos de regimentos individuais, deveria superintender todos os governadores das outras capitanias e cuidar do tesouro real.37 Nomeados diretamente pelo Rei, os governadores gerais permaneciam, normalmente, três anos no cargo e depois retornavam a Portugal. Mas, como é possível ver no apêndice I desse trabalho, nem sempre esse tempo era respeitado. 38 Entre 1549 e 1760, de um total de trinta e oito governadores e vice-reis

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Na obra de Affonso Ruy encontra-se uma transcrição completa da carta de confirmação dos privilégios concedidos à cidade do Porto. Affonso Ruy, História Política e Administrativa, Salvador, Tipologia Beneditina, 1949, pp. 196-201. 36 “Eu El Rei faço saber aos que meu alvará virem que tendo respeito ao que se me representou por parte dos Oficiais da Câmara da Cidade do Salvador, Bahia de todos os Santos, em razão dos muitos serviços que me tem feito nas ocasiões que se ofereceram prometendo eu por este respeito lhes fazer mercês e pedindo-me ora lh’ a fizessem (por não ter aquela cidade privilégio algum) de que pudesse gozar os mesmos que tem e goza a câmara da cidade do Porto, assim como se concedeu à cidade de São Luiz do Maranhão, e visto por mim seu requerimento e os serviços que os moradores da Bahia me tem feito com tanto amor e lealdade, impondo sobre si subsídios e vintenas para acudir aos sustento do presídio dela, e as outras contribuições precisas, hei por bem de lhe fazer mercê de que goze dos mesmos privilégios que tem e goza a cidade do Porto [...]”. Esse alvará também foi publicado em Affonso Ruy, História Política e Administrativa..., pp. 195-196. 37 Os regimentos dos governadores gerais do Brasil buscavam estabelecer as regras de funcionamento desse cargo. Era o documento que definia os procedimentos próprios do ofício. Até 1677 eles eram individuais e específicos, misturando os elementos permanentes com outros que procuravam atender as necessidades conjunturais. Com o regimento do governador geral Roque da Costa Barreto, em 1677, a Coroa compilou todos os avanços dos regimentos anteriores e os governadores passaram a se orientar por ele. Para mais detalhes sobre o tema, ver Francisco Carlos Consentino, Governadores gerais do Estado do Brasil (Séculos XVI-XVII): ofícios, regimentos, governação e trajetórias, São Paulo/Belo Horizonte, Annablume/Fapemig, 2009. 38 Conferir o apêndice 1 da obra de Stuart B. Schwartz, Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial: A Suprema corte da Bahia e seus juízes (1609-1751), São Paulo, Editora Perspectiva, 1979. Foi publicada recentemente uma nova edição deste livro com modificações na tradução. Cf. Stuart B.

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(sem contar as juntas provisórias), treze ficaram mais de quatro anos no governo. Ainda se incluirmos aqueles que permaneceram quatro anos (que já significaria uma extrapolação do período previsto) esse número fica maior, passando para vinte e seis. Mafalda Soares da Cunha assevera que os critérios seguidos na escolha do governante eram tanto sociais quanto aqueles pré-definidos pela Monarquia para cada território.39 Como agentes reais, os governadores representavam as vontades da Coroa e administravam em seu nome. Para Pedro Puntoni, a presença do governo geral orientava a empresa colonial de acordo com os interesses do centro e dos localmente negociados.40 Então, podiam os governantes tomar decisões sem antes consultar o Rei, o que lhes dava certa autonomia, mas suas provisões deveriam depois receber a confirmação régia. Podemos tomar como exemplo o caso do açougue eclesiástico, que será tratado no capítulo três dessa dissertação. Após um tempo fechado, o açougue dos padres foi reaberto por Jerônimo de Ataíde (Conde de Atouguia), Governador geral do Brasil entre 1654 e 1657, e depois confirmado pelo Rei através de uma provisão. A partir de 1720 os indivíduos escolhidos para governadores gerais do Brasil ganharam o título de vice-rei. Em termos de administração e jurisdição nada foi mudado, mas há que se observar uma alteração no perfil das pessoas escolhidas para o cargo. Se antes eles eram os secundogênitos que dispensaram uma carreira eclesiástica e vieram para o ultramar para fazerem fortunas, agora essas características se alterariam.41 Como afirma Gouvêa, esses homens passaram a ser arregimentados do interior da nobreza titulada a partir de então e passariam períodos mais prolongados no cargo.42 Comparativamente, na vizinha América espanhola, o poder e a jurisdição dos Virreyes eram bem mais amplos do que no Brasil. Juan de Solórzano Pereira, na sua Politica Indiana, consagra um tópico à discussão do papel do vice-rei nessa porção do território. Diferente de outros tratados jurídicos, geralmente escritos por homens que não Schwartz, Burocracia e sociedade no Brasil colonial: o Tribunal Superior da Bahia e seus desembargadores (1609-1751), São Paulo, Companhia das Letras, 2011. 39 Mafalda Soares da Cunha, “Governo e governantes do Império português do Atlântico (século XVII)” in Maria Fernanda Bicalho, Vera Lúcia Amaral Ferlini (orgs.), Modos de governar: idéias e práticas políticas no império português (séculos XVI a XIX), São Paulo, Alameda, 2005.p.73. 40 Pedro Puntoni, “’Como coração no meio do corpo’: Salvador, capital do Estado do Brasil” in Laura de Mello e Souza, Júnia Ferreira Furtado, Maria Fernanda Bicalho (orgs.), O governo dos povos, São Paulo, Alameda, 2009, p. 373. 41 Virgínia Rau, “Fortunas ultramarinas e a nobreza portuguesa no século XVII”, in José Garcia Manuel (int. e org.), Estudos sobre história econômica e social no Antigo Regime, Lisboa, Editorial Presença, 1984, pp.29-46. 42 Maria de Fátima Gouvêa, “Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808)” in João Fragoso, Maria Fernanda Baptista Bicalho, Maria de Fátima Gouvêa (org.), O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, pp. 285-315.

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conheciam a realidade ibero-americana, Politica Indiana adequou a legislação reinol à realidade colonial, já que seu autor foi Ouvidor da Audiência de Lima por onze anos e também Governador e visitador das minas de Huancavelica. Afirmou em seu tratado que os Virreyes eram como representantes do Rei em terras americanas e os vassalos deveriam obedecê-los como ao próprio soberano, aunque ellos pequen, i despues puedan ser por el (Rei) castigados, como y alo tengo dicho em otros capitulos [...]. I la razon de esto es, el que siempre se debe presumir por los Virreyes, i lo que hazen, lo debemos juzgar como hecho por el Rey, que los nombrò[...].43

Embora tudo o que caiba a um vice-rei seja, sem dúvida, imposto pelo Rei, afirma Solórzano, aquele que assumisse o cargo poderia conferir aquilo que seu soberano faria em nome do bom governo e da segurança, sobretudo no que diz respeito aos índios. Assim, os vassalos poderiam tratar dos seus problemas com agilidade, sem ter que recorrer à Coroa, que estava distante.44 Na vizinha portuguesa, um Governador geral (ou vice-rei) também poderia dar provimentos e tomar decisões por conta própria, mas, como foi citado anteriormente, dependia sempre da posterior confirmação real. No que diz respeito à justiça, a posição do vice-rei tanto na América espanhola quanto na portuguesa eram semelhantes. Segundo o jurista espanhol, não deveriam os vice-reis se intrometer nos assuntos concernentes à justiça. Afirma que Solo se puedan, i deban entrometer em las dichas visitas (realizadas pelos Magistrados para promover as questões de justiça), em las causas i negocios que tuvieren peligro en la tardança, i se pudieren sustanciar, i determinar brevemente i plano, remitiendo las demas à los juezes, ò Tribunales a quien pertenezcas.45

Em outras palavras, eles poderiam interferir nas questões de justiça em nome do bem comum, em caso de última necessidade. No Brasil, para auxiliar os governadores nos foros da justiça, foi implantando o cargo de Ouvidor geral, que deveria presidir as audiências dos recursos das sentenças proferidas pelos Ouvidores das capitanias, servir como magistrado local na Bahia e ainda visitar as demais capitanias para inspecionar a situação da justiça. Segundo Schwartz, a introdução desse cargo no Brasil refletiu não só um desejo de melhorar a justiça ali por parte da Coroa, mas também a sua vontade 43

Juan de Solorzano Pereira, Politica Indiana, Madrid, Diego Diaz de la Carrera, 1648, pp.874. Idem, pp. 873-875. 45 Idem, pp. 877. 44

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em aumentar o controle real.46 E as visitas realizadas pelos Ouvidores gerais denotavam esse desejo. Mas o aparato burocrático da justiça na colônia não se reduziu a aquele agente. Na verdade o seu grande acúmulo de funções foi a grande razão de ter sido instalado na Bahia o Tribunal da Relação. No início do século XVII (1609) foi implantado esse grande aparelho judiciário cujo principal papel era fixar as leis e funcionar como um tribunal de justiça.47 Um corpo de oficiais (incluindo o Ouvidor geral, que passou a fazer parte do quadro da Relação) era incumbido de colocar em prática o objetivo maior do tribunal nos trópicos: “a proteção legal dos interesses reais e a imposição das leis”.48 Porém, como afirma o historiador, foram os homens e não as leis que fizeram do Tribunal uma instituição dinâmica. E certamente devemos nos recordar disso mais à frente nesse trabalho, pois como homens representavam também seus interesses e por isso, embora a Relação existisse para por em execução a justiça, ela não estava isenta de conflitos. Sobretudo no capítulo três desta dissertação, veremos que o envolvimento entre desembargadores e o Ouvidor geral causou muitas suspeitas quanto à eficácia judiciária na Bahia. Vale ressaltar que para além das questões de justiça, economia ou política, existiu uma administração eclesiástica que cuidava da espiritualidade dos colonos e que tinha um papel político imprescindível para a Coroa portuguesa. É importante salientar que no Antigo Regime a Igreja e seus símbolos marcaram profundamente o poder profano. Como afirma Pedro Cardim, assim como o mundo jurídico, “o mundo eclesiástico, nomeadamente, também gerou um volume enorme de programas de ordenação social”49, que serviu muito bem para a manutenção do poder real português, sobretudo nas porções ultramarinas do Império. Constituiu um poder eficaz em vários níveis de influência, desde as ações cotidianas e imediatas, como a família e as comunidades, até um âmbito internacional, entre os reis e imperadores. Como afirma Hespanha, de um extremo ao outro a influência disciplinar da Igreja exercia-se continuamente.50

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Schwartz, Burocracia e Sociedade..., pp. 24-28. Idem, p.114. 48 Idem, p.123. 49 Pedro Cardim, Cortes e cultura política no Portugal do Antigo Regime, Lisboa, Edições Cosmos, 1998, p.15. 50 Antonio Manuel Hespanha, “As estruturas políticas em Portugal na época moderna” in José Tengarrinha (org.), História de Portugal, Bauru/São Paulo/Portugal, Edusc/Unesp/Instituto Camões, 2001, pp. 117-181. 47

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Sobre a Igreja e suas ações na Bahia trataremos com mais vagar no terceiro tópico deste capítulo. Feita uma breve análise da estrutura administrativa estabelecida da capital da América portuguesa, atentaremos agora à estrutura dessa sociedade marcadamente do Antigo Regime, sobretudo ao comportamento cotidiano da elite e ao seu esforço para demonstrar publicamente seu poder e sua distinção.

2- Salvador, cidade de mercês e privilégios.

Tanto Dampier quanto os viajantes franceses, Froger e Frezier, observaram com curiosidade uma cena que provavelmente era cotidiana nas ruas soteropolitanas. Tratava-se de um transporte utilizado pelos homens de posse; uma “rede de algodão à moda das Índias ocidentais, geralmente tingida em azul, com longas franjas caídas dos dois lados”, que era carregada pelos “ombros dos negros com a ajuda de um bambu com 12-14 pés de comprimento”.51 A essa espécie de carruagem Froger chamou palanquim, embora Frezier tenha afirmado que o nome correto era serpentina. 52 A definição dada por Bluteau indica que ele tinha razão, pois além de citar a Bahia e o Brasil nesse verbete, sua descrição se assemelha com o desenho publicado na obra de Frezier.53

Figura 2

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Lê-se no original: “The main thing is a pretty large cotton hammock of the west India fashion, but mostly dyed in blue, with large fringes of the same, hanging down each side. This is carried on the negros´s shoulder by the help of a bamboo about 12 or 14 foot long, to which the hammock is hung.”Dampier, A new voyage..,, p. 59. 52 Amédée F. Frezier, Relation Du Voyage de la Mer du Sud aux côtes du Chily et du Perou, fait pendant les anées 1712, 1713 et 1714, Amsterdam, 1717, p. 527. 53

No dicionário Bluteau encontramos as seguintes descrições. Serpentina: é uma rede, coberta com tecido, e cortinas a modo de liteira. Dois homens a levam com uma cana de Angola nos ombros; e como as primeiras levavam por remates a cabeça e a cauda de uma Serpente, foram chamas Serpentinas. Palanquim: espécie de cadeira, ou leito portátil, com um varal por cima, que dois homens levam às costas, e serve de carruagem na Índia. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1

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Fonte: Amédée François Frezier, Relation Du Voyage de la Mer du Sud aux cotes du Chili, du Perou et du Brésil, fait pendant les anées 1712, 1713 et 1714, tomo II, Amsterdam, 1717.

Palanquins ou serpentinas, o fato é que os homens ricos, a “nobreza da terra” não estava disposta a se expor ao sol escaldante dos trópicos ou às chuvas que atingiam Salvador em certos meses do ano. Passeavam pelas ruas de pedra da cidade recostados confortavelmente em seus travesseiros, saudando as pessoas de seu conhecimento.54 Como relata Froger, apenas “les gens de qualité”, as pessoas importantes, eram transportadas assim.55 Constituía, portanto, mais uma forma de distinção. Segundo Dom José Botelho de Matos, Arcebispo da Bahia, em 1706 a cidade possuía “4.296 fogos e almas de confissão 21.601” divididas em seis freguesias. 56 Já para 1755 noticiava serem 6.719 fogos e 37.543 almas, mas agora divididas entre nove freguesias.

Eram homens e mulheres livres, escravos e criados que dividiam

cotidianamente os mesmos espaços, sobretudo na cidade e no Recôncavo (juntos eles somavam 80% da população da capitania em 1724).57 Típica sociedade corporativa do Antigo Regime, profundamente marcada pela justiça e pela pluralidade jurisdicional, a capital do Brasil testemunhava dia após dia uma luta incessante dos corpos sociais pelo poder e pela diferença. Notou bem Frezier ao se referir ao costume da “gente rica” de usar serpentinas, pois “não anda[va]m a pé, sempre diligentes para encontrar maneiras de se distinguir dos outros homens, na

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Dampier, A new Voyage..., pp.59-60. Froger, Relation d´un Voyage de La mer Du Sud..., p.143. 56 AHU, Castro e Almeida, caixa 11, documento 2010 [30 de agosto de 1755]. 57 Schwartz, Segredos Internos..., pp. 86-87 55

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América como na Europa, teriam vergonha de usar as pernas que a natureza nos deu para caminhar”.58 Além do meio de transporte, havia muitos outros elementos usados como ferramentas da distinção. Era uma luta simbólica e na maior parte das vezes silenciosa. Os trajes, por exemplos, não poderiam exceder mais do que sua condição permitisse. O simples ato de usar sapatos era uma maneira de marcar posição naquela sociedade e os escravos não deveriam utilizá-los. Na documentação há toda sorte de reclamação relacionada ao modo de se vestir dos negros e mulatos. Em três de Julho de 1641, incomodados pela ação escandalosa da grande quantidade de mendigos da cidade, os oficiais da Câmara procuravam um remédio para esse problema. Diziam que

Entre eles havia muita gente que podia trabalhar e ganhar de comer sem mendigar e outros o tinham por ofício e se podiam remediar o que era bem se atentasse para que os pobres e aleijados só o pudessem fazer e isto se entendera também com as mulheres que pedem e assim mais que esta cidade estava mais dissoluta no traje das escravas que chegavam a tanto que com as muitas galas que lhes davam os seus amigos que chegavam a tanto extremo que por eles muitos casados deixavam suas mulheres e a fazenda perecia.59

A mendicância, ao fim, não constituiu o principal ponto dessa mesa de vereação. Ela servira de pano de fundo para outro problema, qual seja a maneira de se vestir das escravas. Invocando o argumento do bem comum, afirmaram que esse comportamento era a causa da desgraça dos casamentos e das fazendas. Fazia-se, portanto, necessário restaurar o equilíbrio social, colocando cada um no seu lugar – as escravas deveriam voltar a se vestir enquanto tal. Outro caso semelhante foi tema de uma carta enviada ao Conselho Ultramarino pelo Governador geral, Dom João de Lencastre, em 1695. Queixava-se que

Costumam os mulatos, e mulatas, e algumas negras desta cidade, e seu Recôncavo, vestir-se de toda a seda, com escândalo geral dos inconvenientes que resultam da liberdade, e modo com que se trajam: porque as mulatas, ou negras que são escravas, principalmente das casas menos ricas, vendo-se as filhas com uma saia de baeta, e as suas escravas tão luzidas, seguem

58

No original, se lê: “ne marchent point à pied, toujours industrieux à trouver des moyens pour se distinguer du reste des hommes, en Amerique comme en Europe, ils auroient honte de se servir des jambes que la nature nous à donné pour marcher”. Frezier, Relation du Voyage de la Mer Du Sud... 59 Documentos Históricos do Arquivo Municipal, Atas da Câmara, vol.2, p.32.

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facilmente sem reparo de sua modéstia, aquele exemplo, e a custa da sua honestidade, querem exceder a suas escravas.60

Podemos imaginar o que esse arrojo dos negros e mulatos, homens ou mulheres, causou na sociedade. Por causa dessa “gala” e “asseio”, igualmente praticado por escravos e forros, houve um enorme desconcerto entre os membros da elite de Salvador; do mesmo jeito causou a “distração de muitos eclesiásticos simples, e regulares”, levando-os a faltar com suas obrigações religiosas. Por fim, acusou-os o Governador de que “em tudo querem igualar os brancos” – como numa tentativa de alterar a hierarquia que marcava aquela sociedade – pedindo ao Rei que criasse uma lei para proibir mulatos, mulatas e negras (escravos ou forros) de trajarem peças mais ostentosas, como a seda, o ouro e a prata.61 No caminho contrário, não eram raros os pedidos de vassalos para trajar determinados adereços. Em meados do século XVIII, certo Manuel de Brito, natural da cidade da Bahia, escreveu à coroa intentando a autorização para portar “espada ou espadachim” e demonstrar “nobreza”. Sua “casta de pardo”, embora fosse um fator que pesasse contra sua súplica, não impediu que alcançasse aquilo que desejava. Para tanto, procurou provar que seu pai, homônimo, era branco e foi, além de Capitão da Infantaria de Salvador, Cavaleiro da Ordem de Cristo.62 Segundo atestaram algumas cartas anexadas ao seu pedido – todas de pessoas com posição notável na sociedade baiana de então63– era um homem casado, que vivia honradamente com sua esposa e seus filhos e que era “tratado com estimação entre as pessoas de graduação” da cidade.64 Ademais, ele era o procurador dos conventos do Carmo e de Santa Tereza, do mosteiro beneditino, do colégio dos jesuítas e do hospício da Palma e era dono de muitas propriedades. Mas nada disso era suficiente para garantir que Manuel de Brito fosse 60

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 32, documento 4101 [24 de Julho de 1695]. Idem. 62 AHU, Avulsos Bahia, caixa 104, documento 8242 [ant. 19 de Dezembro de 1750]. 63 São eles: Simão Marques, Prior do Colégio da Companhia de Jesus; Dom Frei João de Santa Maria, abade do Mosteiro de São Bento; Frei João de Menezes, Prior do Convento de Nossa Senhora do Monte Carmo; Frei João de São Jozeph, Prior do Convento de Santa Thereza; Frei Bazilio, Vigário do Hospício de Nossa Senhora da Palma. 64 Idem. Segue um exemplo desses atestados anexados à carta de Manuel de Brito. “Frei João de Menezes, Prior atual do Convento de Nossa Senhora do Monte do Carmo da cidade da Bahia. Certifico que Manoel de Brito Procurador deste nosso Convento, e de todos os mais de nossa Província, é homem casado, e vive com mulher de filhos; e sem embargo de ter casta de pardo, é bem procedido, e muito verdadeiro, manso, quieto, e pacífico, muito obediente, e estimado nesta terra, e tratado com muita estimação entre as pessoas de graduação, e ser nosso Procurador há anos, e sempre nele achamos muita verdade, o que afirmo in verbo sarcedotiz: e por me pedir esta atestação lhe dou por mim somente assinada e selada com o selo do meu ofício. Carmo da Bahia, 24 de março de 1750”. 61

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visto como nobre. Segundo Hespanha, enriquecer ou empobrecer não era um feito social estruturante na modernidade. Um nobre empobrecido permanecia, todavia, nobre. 65 A troca de posição era como um milagre, algo extraordinário e por isso deveria vir de poderes excepcionais. No caso acima, Manuel de Brito, homem pardo, que serviu como soldado na Bahia por treze anos obteve de Dom José I (o poder excepcional) a mercê para usar espada ou espadachim, apenas permitido à elite branca. Quando a honra e o privilégio são pilares fundamentais de uma sociedade, se exibir é um princípio básico para demarcar o seu lugar. Uma das características mais marcantes das sociedades do Antigo Regime é uma tríade formada pela graça, liberalidade e mercê régia. Esses três elementos estavam na sua essência e matizavam a relação entre reis e vassalos. Através da graça era possível afirmar uma situação nova e, por vezes, com certo teor miraculoso. Hespanha afirma que quando esses milagres não cabiam a Deus, competiam aos seus vigários na terra (os monarcas). Era, portanto, uma capacidade taumatúrgica dos reis, que operavam milagres sociais, como a legitimação de filhos bastardos, o perdão de crimes e a atribuição de bens e de recursos.66 Já liberalidade era uma virtude própria dos soberanos.67 Segundo Fernanda Olival, o armazenamento de fortunas era visto com reprovação e que “equivalia a avareza, um vício mais censurado do que o seu oposto”. 68 Assim, os reis eram como administradores das suas riquezas: acumulavam para poderem distribuir e, consequentemente, “atrair a fidelidade dos súditos”.69 Além do mais, assumiam papéis de juízes numa sociedade que via na justiça um elemento de coesão, pois era através dela que se preservava a paz e o equilíbrio do Império português. Olival assevera que premiar e punir eram aspectos inerentes à capacidade do monarca de governar seus súditos.70 E a economia das mercês, tão típica nesse período, fazia parte dessas premiações. Nomeadamente existiam dois tipos de mercê: aquelas que eram um ato da liberalidade do rei eram consideradas doações. Já quando havia uma equivalência entre

65

António Manuel Hespanha, “Las estructuras del imaginário de la movilidad social en la sociedad del Antiguo Régimen” in F. Chacón Jimenez e Nuno G. Monteiro (Eds.), Poder y movilidad social: cortesanos, religiosos y oligarquias em la península ibérica (siglos XV-XIX), Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Universidad de Murcia, 2006. 66 Idem, p. 37. 67 Fernanda Olival, As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Portugal, Estar Editora, 2001, p.15. 68 Idem, p.16. 69 Idem, p.18. 70 Idem, p. 20.

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a dádiva e o serviço, a mercê era remuneratória.71 Na Bahia, como no resto da América portuguesa, pedidos de mercês foram comuns ao longo de todo o período colonial. Muitos homens – e algumas mulheres que pediam remuneração por serviços de marido ou filhos falecidos – enviavam seus pedidos ao monarca em busca de uma melhor posição social. O poder político nos séculos XVII e XVIII estava indubitavelmente assentado na economia das mercês. Diferia-se em muitos aspectos da economia do dom, teorizada por Marcel Mauss em meados de 1920. Em seu ensaio sobre as trocas simbólicas, Mauss afirmava que elas eram práticas voluntárias, embora moralmente e tradicionalmente obrigatórias.72 Isso significa que não havia um pedido formal nesse sistema, ao contrário daquela economia marcante da monarquia portuguesa moderna. Olival atesta que “pedir, dar e receber deixaram de ser meros impulsos antropológicos” para se transformarem em gestos profundamente burocratizados. 73 O requerimento de uma mercê não era feito de forma inconsequente. Havia uma formulação retórica formal, na qual o suplicante se colocava em posição de humildade e pobreza para “exaltar a magnitude do poder régio”.74 Existia um grande rigor para avaliar as petições. Os merecimentos eram avaliados minuciosamente e, por isso, foi montado um processo burocrático que auxiliasse no processo.75 Não era em vão que muitas cartas enviadas à coroa tinham enormes anexos, comprovando o tempo de serviço e por vezes o dispêndio feito para executá-lo. Ocorre que servir para pedir recompensa tornar-se-ia um modo de vida para os mais diversos setores sociais. Mas o vassalo não era o único que ganhava nesse sistema de mercês. O rei, ao concedê-las, se figurava com o “centro distribuidor de distinções”, e estreitava mais seus laços com os dos seus vassalos. Principalmente no ultramar português essa política se mostrou determinante em muitos momentos, como no caso de 1640, quando muitos adeptos foram “comprados”. Numa situação de fragilidade da coroa as mercês serviram como uma arma potente a favor do seu centro de origem. Era o elo, disse Olival, entre o rei e seus vassalos. A economia das mercês

71

Idem, p. 23. Ver Lygia Sigaud, “As vicissitudes do ‘ensaio sobre o dom’”, Mana- Estudos de Antropologia Social, 5(2), 1999, pp.89-124. 73 Olival, As ordens militares..., p.108. 74 Idem, pp. 108-109. 75 Idem, p. 30. 72

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foi responsável por “boa parte interdependência e da coesão que esses dois polos mantinham entre si”.76 Muitos pedidos de mercê eram enviados da Bahia para o reino. Mesmo afastados da realidade cortesã, os membros da elite soteropolitana faziam questão de demarcar seu lugar de distinção naquela sociedade. Principalmente no que diz respeito ao corpo de oficiais burocráticos e administrativos, a disputa de poder e privilégio era latente e a sobreposição das suas jurisdições causava uma tensão que não raro desembocavam em dissensões. E embora os agentes eclesiásticos e civis servissem aos negócios da Coroa, a convivência entre eles não era necessariamente harmoniosa, inclusive pela própria característica da sociedade hierarquizada em que viviam. Cabe agora nos concentrarmos nessa relação entre Igreja e Poder civil na cidade da Bahia e discorrermos sobre algumas de suas contendas.

3-As relações entre Poder civil e Igreja na Bahia colonial: da colaboração ao conflito

É impossível negar o importante papel que a Igreja prestou à Coroa de Portugal ao longo de sua expansão ultramarina. Desde os primeiros tempos da colonização asiática, americana e africana, missionários de várias ordens religiosas e da Companhia de Jesus e ainda os clérigos seculares se fizeram presente nas diversas partes do Império. Para ratificar essa intervenção religiosa, bulas papais foram emitidas entre 1456 (Inter Coetera) e 1514 (Praecelsae Devotionis) e garantiram aos monarcas portugueses o direito de padroado sobre as terras recém-descobertas ou aquelas que ainda viriam a descobrir, o que significa que ficava a cargo do rei uma série de obrigações.77 Eram eles que deveriam arcar com as despesas de manutenção das capelas e de igrejas, bem como suas construções, prover as dioceses do necessário e enviar os missionários para converter os pagãos. Em troca, foi dada uma “concessão a esses governantes de enormes privilégios sob forma de proporem Bispos para as sés coloniais vagas, de cobrarem dízimos e de administrar alguns tipos de impostos eclesiásticos”.78

76

Idem, p. 31. Charles Boxer, O Império colonial português..., pp. 224-225. 78 Idem ibid. 77

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Importa ressaltar que essas bulas significaram a oficialização do compromisso entre a monarquia portuguesa e a Igreja, já que colocava o Rei como o encarregado de estabelecer o catolicismo nos territórios ultramarinos. O bispado da Bahia foi criado em 1551, após o desmembramento da diocese do Funchal.79 A partir de então, Salvador abrigaria, além do Bispo, outras dignidades e o Cabido da Sé. Para o projeto colonizador de Portugal, essa estrutura eclesiástica e o seu dever de expansão da fé eram indispensáveis, já que o catolicismo português funcionou também como elemento de coesão para o Império. Em 1676, o bispado da Bahia foi elevado à categoria de Arcebispado, alargando sua jurisdição. A efetivação da conquista aumentava exponencialmente com a atuação da Igreja. Até mesmo para a divisão administrativa do território as jurisdições paroquiais eram levadas em consideração.80 No seu livro, Anna Amélia Vieira Nascimento afirma que “freguesia é um espaço material limitado, divisão administrativa e religiosa da cidade, onde estavam localizados os habitantes, ligados à sua igreja matriz”.81 A própria arquitetura de Salvador, especificamente no seu sítio histórico, indica uma presença religiosa marcante na vida cotidiana da cidade. Da praça onde ficava a casa do Governador e a Câmara até o terreiro de Jesus, passando pela Misericórdia, são muitas as construções que alimentavam a espiritualidade da população soteropolitana. Cândido da Costa e Silva, em sua obra sobre o clero oitocentista da Bahia, apresenta a ideia de uma cidade episcopal, cheia de igrejas de religiosos, irmão terceiros, cruzes, nichos escavados, etc.82 Em toda cidade da Bahia, do século XVI ao XVIII, inúmeras igrejas foram erigidas. Mas foi na freguesia da Sé, no atual terreiro de Jesus, que “o sagrado envolveu e pontuou a cidade”.83A igreja dos jesuítas, a de São Pedro dos Clérigos, São Domingos e a de São Francisco (tanto a dos primeiros da ordem quanto a dos terceiros, muito próximas) estão todas cerradas num círculo repleto símbolos religiosos. A atuação do Bispo, principalmente, não se restringiu às questões religiosas. Participava ativamente das questões políticas da colônia, sobretudo em momentos de 79

Cândido da Costa e Silva (ed.), Notícias do Arcebispado da Bahia, Salvador, Fundação Gregório de Matos, 2001, pp.11. 80 No dicionário de Raphael Bluteau um dos significados de freguesia é “a Igreja paroquial”. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 81 Anna Amélia Vieira Nascimento, As dez freguesias da cidade do Salvador – aspectos sociais e urbanos do século XIX, Salvador, Edufba – Coleção Bahia de Todos, 2007, p.44 82 Cândido da Costa e Silva, Os Segadores e a Messe – o clero oitocentista na Bahia, Salvador, Edufba, 2000, p. 21 e sgts. 83 Idem, p. 28

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crise. José Pedro Paiva afirma que a monarquia, ou o poder temporal português, teve a percepção da importância da Igreja, principalmente seus Bispos, enquanto instrumento estratégico para afirmação da ordem e da autoridade do rei no Império.84 E lista três motivos: a influência que os Bispos exerciam sobre a população, ao seu papel de mediador na comunicação através das paróquias e devido ao sistema cultural e religioso promovido pela Igreja, no qual estavam incrustadas noções evidentes de hierarquias.85 Nos séculos XVII e XVIII não faltam exemplos que corroborem esta afirmativa. Na historiografia já foram explicitados muitos casos de colaboração e participação dos Bispos e Arcebispos na vida política colonial. Citaremos aqui três exemplos que demonstram bem esse compromisso entre as “duas espadas do poder” para servir aos interesses da Coroa. O primeiro diz respeito ao papel de Dom Marcos Teixeira, quinto Bispo do Brasil durante a luta de resistência dos soteropolitanos contra a invasão holandesa em 1624. Pronto a defender a cidade da Bahia de um domínio batavo, o prelado liderou a retirada de grande parte da população soteropolitana para o Arraial do Rio Vermelho antes da tomada total da cidade pelos inimigos. Acreditava que lá poderiam organizar melhor a defesa e a retomada de Salvador do que ao permanecer de maneira desorganizada e enfrentar as tropas holandesas, em maior número. Sua decisão foi de encontro ao que o Governador geral, Diogo de Mendonça Furtado, havia sentenciado: ficaria e enfrentaria o ataque, decisão que o levou à prisão e deportação para a Holanda junto com outros soldados e jesuítas que permaneceram ao seu lado.86 Já Dom Pedro Sampaio da Silva, ainda no contexto do Brasil holandês, no período da conquista da Paraíba pelos neerlandeses ordenou ao clero católico que abandonasse o território conquistado pelos hereges.87 E, por fim, a ativa participação de Dom Sebastião Monteiro da Vide ao tempo do motim do Maneta, em 1710. Fora chamado pelo

84

José Pedro Paiva, Os bispos de Portugal e do Império (1495-1777), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, p.172. 85 Idem. 86 Uma série de obras e trabalhos narram o acontecimento. Sebastião da Rocha Pitta, História da América Portuguesa, São Paulo, W. M. Jackson Inc., Clássicos Jackson, 1950, pp. 166-167; Ricardo Henrique Behrens, A capital colonial e a presença holandesa de 1624-1625 (dissertação de mestrado), Salvador, PPGH-UFBA, 2004, pp.8-12. Conferir também a tese de doutorado: Pablo Antonio Iglesias Magalhães, “Equus Rusus: A Igreja Católica e as Guerras Neerlandesas na Bahia (1624-1654)” (tese de doutorado), Salvador, PPGH-UFBA, 2010. 87 Embora essa ordem tenha sido, mais tarde, desautorizada pela Mesa de Consciência e Ordem em Lisboa em 1635 e, ainda no mesmo ano, confirmada pela Coroa. Ronaldo Vainfas, Traição: um jesuíta a serviço do Brasil holandês processado pela Inquisição, São Paulo, Companhia das Letras, 2008, pp.69-70. Pablo Iglesias Magalhães, ao discorrer sobre o bispo em questão, afirma que a dispersão incentivada por ele e a retirada do clero do Brasil holandês trouxe significativas perdas para a manutenção dos sacramentos e da vida católica. Magalhães, “Equus Rusus...”, p.168.

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Governador e mais autoridades para interferir nesta alteração e acalmar os revoltosos, dando uma demonstração do papel importante da igreja no disciplinamento social. Essa característica não era singular do Brasil. Em outras partes do Império ocorriam episódios semelhantes, assim como no reino. O Bispo de São Tomé, D. Frei Gaspar Cão, em 1560 escreveu uma carta na qual revelou que assistia sempre as reuniões da Câmara para poder dar melhor andamento ao governo local. Em 1580, quando Portugal passou a compor a coroa espanhola, diversos Bispos de Portugal demonstraram seu apoio à causa filipina, adesão essa que ficou clara durante as cortes de Tomar, em 1581, quando Filipe II foi proclamado e jurado rei. Esses eventos, retirados da obra de Paiva, são exemplos da importância que a Igreja e seus agentes tinham para o Estado moderno português.88 E a consolidação de um processo cuidadoso de escolha dos antístites pelos monarcas portugueses, ainda no início do século XVI, foi extremamente relevante. Nomear dignidades diocesanas “era mais um instrumento para contentar adeptos e limitar possíveis e esperadas formas de contestação de um poder que se ia fortalecendo”.89 Foi a partir do reinado de Dom Manuel I que as escolhas dos antístites passaram a competir ao monarca. Segundo Paiva, entre 1502 e 1517, o Venturoso “conseguiu o reconhecimento do direito de padroado dos reis de Portugal sobre todas as dioceses ultramarinas criadas e a criar, o provimento das abadias e, de fato, a práxis de ser ele a apresentar os Bispos para todas as dioceses do reino, ditas antigas”. 90 Significa que, além do direito já provido aos monarcas portugueses nos idos de quinhentos, qual seja a jurisdição espiritual das terras recém-descobertas ou por descobrir, a bula de 1514 (Dum fidei constantiam) de Leão X ampliou a ingerência da Coroa lusitana sobre a Igreja. Agora, efetivamente, os Bispos eram criaturas do rei e ele os usava “ao seu serviço, transformando-os, simultaneamente, em servidores da Igreja e agentes políticos da monarquia”.91 Mas quais são as consequências disso para o Brasil? Via de regra, os antístites serviam ao rei no ultramar? Mesmo que pareça uma pergunta de resposta óbvia, as relações cotidianas entre os agentes eclesiásticos e os oficiais reais eram mais complexas do que aparentam ser. Nessas duas hierarquias muitas vezes os cargos mais 88

Os exemplos são todos retirados do capítulo 3 As “feituras” do Rei: a escolha do episcopado in Paiva, Os bispos de Portugal..., pp.171-288. 89 Idem, pp.179-180. 90 Idem, p.44. 91 Idem, p.183.

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altos eram ocupados por homens de personalidade forte, o que resultava em disputas de poder e litígios. E é exatamente nesse ponto que esta dissertação quer tocar. Todos atuavam em prol da Coroa portuguesa, pois eram nomeados no fim e ao cabo pelo rei e por isso deveriam zelar pelo bom governo da colônia. Mas faziam parte de hierarquias diferentes e agiam sobre jurisdições distintas, que embora se sobrepusessem, tinham seus limites bem delineados nas situações contenciosas. Em geral uma das partes do conflito denunciava a outra por alterar a ordem ou o equilíbrio da República ou pela indiligência com o bem comum. Um espaço relevante de imbricação entre esses dois poderes na América portuguesa eram as cerimônias públicas. Realizadas nas ruas da freguesia da Sé, elas constituíam um componente importante do cotidiano dos moradores da cidade da Bahia. Esses préstitos tinham múltiplos significados, ao passo que se para a Igreja ajudava a reforçar os laços católicos com seus espectadores, para a Coroa era um poderoso instrumento de reafirmação e manutenção do seu poder. E para os muitos corpos sociais que faziam parte da festividade era mais uma oportunidade de demonstrarem-se distintos. É através dessa última faceta que iremos analisar brevemente algumas contendas que ocorreram nesse espaço.92 Entre 1640 e 1750 não faltaram casos que explicitassem a tensão existente entre esses sujeitos. Partindo, portanto, da ideia de que a tensão entre as diversas autoridades era inerente a esta sociedade, pautada na hierarquia e na diferença de status quo, propomos aqui uma classificação dos tipos de conflitos de jurisdição na Bahia: 1.Conflitos entre os agentes do poder civil 2- Conflitos entre eclesiásticos (seculares e regulares) 3- Conflitos entre o poder civil e o poder eclesiástico, dentro do qual há dois subtipos. 3.1 Conflitos institucionais 3.2 Conflitos pessoais. Propomos, a seguir, uma análise de casos pontuais que se enquadram nesse último ponto.

Já os capítulos

ulteriores ater-se-ão aos casos que tomaram grandes proporções para o governo da colônia. Em finais do ano de 1672 o Ouvidor geral e desembargador, Manuel Pereira Franco, apresentou uma denúncia contra o comportamento do clero na Bahia. Afirmava que Porque neste tempo se tem feito grandes desordens, e desconsertos de que já criam queixas a Vossa Majestade; porém as que vão no eclesiástico, são 92

Ediana Ferreira Mendes, “Festas e procissões reais na Bahia colonial (século XVII-XVIII)” (dissertação de mestrado), Salvador, PPGH-UFBA, 2011, pp. 81-110.

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tantas , e tão contra o serviço de Deus e tão em grandíssimo dano destes povos que há necessidade precisa que Vossa Majestade lhe acenda com o remédio; porque por falecimento do Bispo ficou a Sé vagante com oito capitulares, e destes só seis vão ao Cabido que são idiotas sem letras, muito mal entendidos por ficar particulares paixões, põem de ordinário muitas excomunhões, sem justiça, e por casos levíssimos, e sem fundamento, e provém os cargos e benefícios em clérigos semelhantes a eles, por dádivas que lhes dão.93

Ao tempo, como deixa claro o queixoso Ouvidor, o bispado da Bahia encontrava-se vacante devido à morte de Dom Pedro da Silva em 1649 e aos problemas diplomáticos da Coroa portuguesa com a Santa Sé. Embora não exercesse mais sua função nas malhas da justiça, sentiu-se o ex-oficial régio no dever de dar conta sobre os descaminhos eclesiásticos da diocese baiana. Aliás, cumpria o próprio jogo político promovido pela monarquia moderna lusitana, que ao estimular a sobreposição jurisdicional dessas diferentes esferas de poder, incentivava também a vigilância delas uma sobre a outra. Mas as acusações de Manuel Pereira Franco não se restringiam à incapacidade do clero baiano. Elas se agravaram ainda mais ao dizer que

Os amancebados vivem com tanta quietação quanto os casados, o que mal podem emendar o que alguns deles fazem: e o que pior é que dão dispenssações [sic] entre compadres, e comadres, e em parentescos que não podem; porque tanto que lhe dão direito, logo facilitam tudo, e chega a tanto a desolução [sic] que até pais com filhas e irmãos com irmãs, convençam carnalmente e estão amancebados com filhos de portas adentro.94

A mancebia era um crime previsto pelas Ordenações Filipinas, inclusive a que era praticada entre parentes.95 Representava um escândalo numa sociedade pautada nos preceitos católicos, mas não eram incomuns na América portuguesa. O querelante, ao final de sua carta, demonstra que “se pode facilmente remediar” estes problemas através da nomeação de um “Governador cristão e letrado” – o que demoraria ainda vinte e um

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AHU, Luiza da Fonseca, caixa 12, documento 1533 [11 de dezembro de 1652]. Quase na virada para o século XVIII, no ano de 1698, queixas do povo da Bahia apresentadas à Coroa pelo procurador Antonio da Silva Pinto deixam entrever a situação do clero no período, incluindo denúncias contra o próprio Arcebispo Dom João Franco de Oliveira. As queixas, compiladas em setenta tópicos, são trabalhadas por Cândido da Costa e Silva no seu artigo sobre a celebração do sínodo arquidiocesano em 1707. Cândido da Costa e Silva, “A celebração do Sínodo Arquidiocesano de 1707” in Feitler, Bruno e Souza, Evergton Sales (org.), A Igreja no Brasil colônia: normas e práticas no tempo do arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, pp.104-111. 94 Idem. 95 Ordenações Filipinas, livro V, título VII.

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anos para ocorrer – e a reinstalação do Tribunal da Relação, que quatro anos depois estaria funcionando novamente.96 Perto de entrar na última década dos seiscentos, um conflito entre o chanceler da Relação e o primaz da Bahia matizou a administração do governo interino, do qual faziam parte. Manuel Carneiro de Sá iniciou sua imputação dizendo que

Não quer o Arcebispo que o Livro das propinas também se divida entre mim e ele, pretendendo que todas as propinas dos arrendamentos dos contratos que se costumam dar aos Governadores se lhe entreguem a ele [...] como se ele ficara Governador total, e não parcial, e tivera somente o trabalho do governo para só levar as propinas, que com efeito cobrou sem me mandar entregar a parte que me tocava, não só pela razão referida, mas pelo que se praticou quando por morte do Governador Affonso Furtado, ficaram governando esta praça os Mestres de Campo Antonio Guedes de Brito, Álvaro de Azevedo e o Chanceler da Relação, que por todos igualmente se dividiram as propinas97

O chanceler também compara Dom Manuel da Ressurreição e os demais governadores: teria aquele mais título que os demais, para levar todo o dinheiro? No seu discurso, afinal de contas, estava implícito que no jogo do poder as autoridades eclesiásticas estavam em vantagem. Por isso tratou de representar ao rei sua queixa e afirmar que

Este procedimento do Arcebispo se não teve por raiz a cobiça, como se está inculcando pela matéria não pode deixar de ter a causa na aversão que me tomou este prelado, porque defendo e zelo pela jurisdição real de Vossa Majestade não permitindo que ele nem seus ministros a usurpem, fazendo lembrança ao procurador da Coroa da obrigação que tem de a defender, e como se isto fosse culpa em mim, chegou a fazer publicamente queixa a alguns ministros seculares que eu era inimigo da jurisdição eclesiástica e nimiamente zeloso da jurisdição real [...]98

O trecho acima sublinhado nos revela que as querelas entre o poder eclesiástico e o governo civil datam de antes do problema em questão, sendo ele inclusive consequência da política que vinha promovendo o chanceler Manuel Carneiro de Sá. Ele, aliás, usa artifícios retóricos recorrentes no discurso do período para pedir resolução ao caso: fala na “balança da justiça”, que a seu ver estava em desequilíbrio, impedindo o bom governo. Esse conflito, portanto, demonstra uma latente disputa de prestígio entre o

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AHU, Luiza da Fonseca, caixa 12, documento 1533 [11 de Dezembro de 1652]. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 28, documento 3549 [15 de Julho de 1689]. 98 Idem. 97

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chanceler e Arcebispo ou, numa escala mais ampla, entre o poder civil e o poder eclesiástico. Outro caso litigioso se deu por ocasião da chegada do Arcebispo Dom João Franco de Oliveira em 1693. Vindo de Angola para assumir o arcebispado da Bahia99, o antístite enviou uma carta à Coroa contando sobre a forma estranha como foi recebido pelo Governador Antônio da Câmara Coutinho. Narrou o prelado que Câmara Coutinho ordenou que a embarcação em que estava parasse em “Santo Amaro da Barra, meia légua” da praça da cidade.100 Continua dizendo que “o dito Governador rendera o Mestre do navio” por ter no topo do navio uma bandeira que por certo estranha a ele, causando entre o povo da cidade “grande escândalo”.101 As entradas dos Bispos nas suas dioceses foram ritos consagradores do poder episcopal. Segundo Pedro Paiva, esse tipo de cerimônia pública ganhou força ao longo do século XVII, e que continuou no XVIII, e tinha um papel fundamental na afirmação do prelado frente aos membros do clero local e outros poderes da cidade sede do bispado.102 O ato solene das entradas episcopais era rigorosamente organizado e deveria seguir de maneira ordenada as regras de etiqueta próprias para o cerimonial dos Bispos. Como afirma Paiva, “o ritual estruturava-se em seis núcleos fundamentais”, que iam desde o momento que precedia sua chegada até sua saída da catedral depois dos ritos religiosos mais privados, quando o ambiente de festa e prodigalidade tomava conta das ruas.103 As festas e cerimônias públicas adquiriram grande importância para a cultura política dos seiscentos e setecentos e por isso mesmo qualquer erro na sua organização

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A própria viagem do dito arcebispo foi tema de uma consulta do conselho ultramarino. Dom João Franco de Oliveira afirmou que os tipos de embarcação que faziam a viagem de Angola para o Brasil não eram apropriadas para acomodar um prelado proeminente como ele. Segue a transcrição de um trecho do documento: “é necessário que Vossa Majestade se sirva de conceder-lhe preferência para o navio que parte deste porto na monção presente, ou para outra qualquer que o Arcebispo achar em Angola capaz de o conduzir para aquele Arcebispado com a sua família, porquanto as embarcações que navegam de Angola para o Brasil são umas sumacas muito pequenas, as quais servem somente de carregar negros, e não será decente que um Arcebispo vá metido entre os cantos, e clamores daquela gente, que causa horror [ilegível] aos mesmo marinheiros, e por terem esta serventia as tais embarcações não há nelas câmaras, nem agasalhados que se requerem para quaisquer outros passageiros, quanto mais para um Arcebispo, e sua família [...]”. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 29, documento 3688 [20 de Março de 1692]. Para saber mais sobre os tipos de embarcação ver: Cândido Domingues de Souza,”Perseguidores da espécie humana: capitães negreiros da cidade da Bahia na primeira metade do século XVIII” (dissertação de mestrado), PPGH-UFBA, 2011, sobretudo o glossário das embarcações. 100 Arquivo Público da Bahia (APB), Setor de Microfilmagem, Ordens Régias, volume 2, documento 176. 101 Idem. 102 José Pedro Paiva, “Etiqueta e cerimônias públicas na esfera da Igreja (séculos XVII e XVIII) in Jancsó, István e Kantor, Íris (orgs.), Festa: cultura e sociabilidade na América portuguesa, São Paulo, Hucitec/EDUSP, 2001, pp. 75-93. 103 Idem, pp 81-83.

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provocava desconcertos e conflitos. Assim, a recepção do Arcebispo Dom João Franco de Oliveira, como ele mesmo dá conta, não teve a pompa esperada e isso lhe causou muito “estranhamento”. Outras contendas tiveram as cerimônias públicas como palco. Segundo Ediana Ferreira Mendes, o quadro de festas e procissões reais foi sendo formado ao longo do século XVII.104 A sua organização cabia à Câmara da cidade, bem como o custeio de suas despesas. Toda a população comparecia aos festejos e muitos deles tinham dever enfeitar suas casas caso estivessem no percurso do préstito. Ademais, o séquito era composto por oficiais camaristas, autoridades régias, membros das corporações de ofício (sobretudo as que possuíam bandeira), as irmandades religiosas e o clero. Havia uma hierarquia pré-estabelecida, que ordenava o lugar dos corpos sociais que compunham

a

procissão,

presidida

sempre

pela

maior

dignidade

local



Bispo/Arcebispo e em caso de Sé vacante, o Deão.105 Certamente o caráter hierárquico dessas cerimônias, reflexos da sociedade na qual estavam inseridas, contribuiu para a eclosão de contendas entre autoridades e instituições de todos os tipos. Esse quadro litigioso normalmente era causado pelo não cumprimento do programa previsto para as procissões, e eram conhecidos como conflitos de precedência.106 Em Salvador não faltaram exemplos no período seiscentista e setecentista que se enquadrem no que foi descrito no parágrafo anterior. Os principais conflitos ocorriam entre a Câmara e o Cabido e já foram temas de dois trabalhos muito relevantes para a história política e da cultura política da Bahia colonial.107 Os casos litigiosos que terão mais atenção nos capítulos seguintes da dissertação são conflitos de jurisdição entre suas personagens e foram escolhidos pela dimensão que alcançaram no contexto em que ocorreram. Os querelantes, em nome do bem comum, queixavam-se da outra parte por não cumprir o seu papel de bom vassalo e pelo bom governo da colônia.

Cabe colocar, para tanto, que no fundo essas brigas eram

verdadeiras disputas de poder e privilégio, características que serviam bem a incansável busca de prestígio dos indivíduos inseridos na lógica desse Antigo Regime dos trópicos. 104

Ediana Ferreira Mendes, “Festas e procissões reais...”, p. 28. Idem, p. 82, 106 Na dissertação de mestrado de Mendes o capítulo “Entre procedências e jurisdições: contendas nas festividades reais” é destinado aos conflitos que se desenrolaram em torno das celebrações públicas na cidade da Bahia. 107 A já citada dissertação de mestrado de Ediana Ferreira Mendes é muito relevante para o estudo desse tema. Importante também conferir o artigo de Evergton Sales Souza, “Entre vênias e velas: disputa política e construção da memória do padroeiro de Salvador (1686-1760)”, Revista de História (USP), v. 162, p. 131-150, 2010. 105

47

No cotidiano de Salvador eram corriqueiras as contendas entre os mais diversos oficiais reais e os prelados e seu estudo torna-se imprescindível para compreender um pouco mais do cotidiano político da sede da América portuguesa nos séculos XVII e XVIII.

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Capítulo II

Os tons da convivência: jurisdição e litígios no contexto da Restauração

“Que em quanto às dificuldades que se lhe representavam, que já se não podiam prevenir; porque só o benefício do tempo era quem as havia de remediar; que na contingência da Lua inconstante semeava o lavrador a terra, e no perigo da variedade do vento se arrojava ao mar o navegante...”.108

O primeiro Governador nomeado por Dom João IV para administrar sua colônia na América foi Antonio Telles da Silva. Momento delicado, de grande instabilidade política para a dinastia bragantina, exigia dos governantes do Império extrema habilidade. Embora enquanto homem de armas Telles da Silva tenha cumprido o seu papel, impedindo mais invasões holandesas no nordeste do Brasil e lutando para melhorar as tropas e fortificações da cidade da Bahia, nos seus atos administrativos não encontramos tanto zelo. Em 1642, ao desembarcar em Salvador, substituiu a administração do triunvirato formado pelo Bispo, Pedro da Silva Sampaio, o Mestre de Campo, Luiz Barbalho Bezerra e o Provedor mor, Lourenço de Brito Correa. Essa junta governativa provisória foi criada após a deposição controversa do Marquês de Montalvão, história que será mais tratada mais a frente nesse capítulo. Foco maior, entretanto, é a relação conturbada entre Dom Pedro da Silva e o Governador, que foi ao mesmo tempo pivô de outro litígio com o Ouvidor Manuel Pereira Franco. Esses dois problemas identificados ao longo do seu governo revelam que, ao contrário do que o momento exigia, Antonio Telles da Silva não soube conduzir sua administração com o cuidado necessário. Por outro lado, o Bispo era um homem, ao que tudo indica não menos difícil de conviver. Ao longo do seu bispado envolveu-se em querelas e 108

Luis de Meneses, Conde de Ericeira, História de Portugal Restaurado, vol. 1, Lisboa, Oficina de Domingos Rodrigues, 1759, pp.98-99.

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participou ativamente do golpe que depôs Dom Jorge de Mascarenhas, vice-rei do Brasil. Para tanto, a compreensão dessa conjuntura política administrativa de 1642 exige um conhecimento acerca dos eventos que a precederam e influenciaram direta ou indiretamente para a temática central desse capítulo.

1-“Liberdade portuguezes Viva El Rey Dom João o Quarto”109

A aclamação de Dom João IV no primeiro de dezembro de 1640 foi, certamente, um dos episódios mais celebrados da história de Portugal. Grande parte dos autores que analisaram o episódio o fez através de um olhar passional e nacionalista, que valorizava uma leitura anticastelhana do ocorrido. Segundo Hespanha, as próprias fontes (sobretudo literárias) favoreciam essa perspectiva, quando a historiografia, a literatura política e jurídica, as gazetas, panfletos, dentre outros, tudo foi colocado a serviço da causa portuguesa.110 Na década de 60 do século XX houve uma virada historiográfica que trouxe à tona uma análise menos romântica da Restauração. Foram levadas em conta as transformações econômicas portuguesas durante o período da União Ibérica, bem como a maneira que os diversos grupos sociais reagiram a elas; a depender da conjuntura, podiam ficar contra ou a favor da união com a Espanha. Emergiram os posicionamentos de uma nobreza insatisfeita com o afastamento da corte e do Rei, o que dificultou o acesso a títulos de nobreza e mercês. Os nobres ainda tinham que “suportar a concorrência dos seus pares dos outros reinos, sobretudo dos castelhanos, muito mais ricos e decorados com títulos e grandezas...”.111 A Igreja também não estava alheia à insatisfação. A política regalista castelhana provocou uma ameaça às isenções jurisdicionais dos religiosos concedidas por Dom Sebastião, pois a Coroa passou a pedir uma maior contribuição financeira através dos impostos gerais, de pedidos diretos ou da privação das rendas das comendas. 112 As revoltas antifiscais que eclodiram em diversas partes do reino também foram 109

Segundo o Conde de Ericeira, na sua obra, essas foram as palavras entoadas por Dom Miguel de Almeida durante a tomada do Paço pelos restauradores. Ericeira, História de Portugal...pp. 108-109. 110 António Manuel Hespanha, “A restauração portuguesa nos capítulos das Cortes de Lisboa de 1641”, Penélope, n. 9/10, 1993, pp. 29-65. 111 Hespanha, “As estruturas políticas em Portugal...”, p.146. 112 Idem idibem.

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indicadoras de um descontentamento com a política promovida por Felipe IV e seu valido, o Conde Duque de Olivares. Mas elas eram um fenômeno complexo, como afirma Hespanha, pois o fisco atingiu os diversos grupos sociais de forma diferente e também provocou reações diferentes.113 De toda sorte, não ocorreram episódios ao longo da monarquia dual que indicasse um movimento nacionalista contra a dominação espanhola. A questão legitimidade versus naturalidade do rei é do mesmo jeito válida para essa conjuntura política. Reis não naturais “era coisa que não faltava nunca no panorama político europeu” do período. Então, diz Hespanha, não era possível produzir uma teoria jurídica assentada nessa lógica para justificar a ilegitimidade da união das coroas.114 A naturalidade provinha menos do local de nascimento e da “nação dos pais” e mais dos laços consanguíneos, o que tornava Felipe II e seus sucessores herdeiros legítimos do trono português. Ele era filho de Carlos I de Espanha e Isabel de Portugal e, portanto, neto de Dom Manuel I. Ainda assim, à época houve quem discordasse da união das duas coroas. Dom Antonio, prior do Crato e primo do falecido rei Dom Sebastião, surgiu como um possível candidato ao trono português, mas seus esforços não obtiveram sucesso – a suspeita de bastardia recaía sobre ele. Durante os sessenta anos da União Ibérica, oscilou o grau de satisfação ou insatisfação dos portugueses em relação aos Habsburgos. Mas foi sob o governo de Filipe IV (1621-1640) que apareceram maiores oposições à união das duas coroas. Um rei, ao fazer seu juramento, assumia um pacto com seus súditos para zelar pelo bem comum. Não tinha poderes ilimitados; “tinha apenas a jurisdição concedida pelo povo e dentro desses limites”.115 A finalidade última do bom governo – entendida como manutenção da constituição tradicional do reino116 – era a justiça, que tinha como seu principal executor o monarca. Era dele que emanava tudo que dizia respeito a esse aspecto na sociedade do Antigo Regime. Especialista na história do direito português, Hespanha afirma que foi a noção de que a constituição do reino estava a ser alterada pelo governo castelhano que uniu os diversos grupos sociais de Portugal em favor do Duque de Bragança.

113

Idem, p. 144. Cf. Hespanha, “A restauração portuguesa nos capítulos...” Hespanha, “Estruturas políticas...”, p. 140. 115 Eduardo D´Oliveira França, Portugal na época da Restauração, São Paulo, Hucitec, 1997, pp.269270. 116 Hespanha, “As estruturas políticas em Portugal...”, p.147. 114

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A ideia de um rei tirano deu a “liga” entre os pensamentos mais contraditórios; a tirania foi o ponto em que todos estavam de acordo.117 Um governo ativo e reformista promovido pela política olivarista era a antítese de um governo passivo e baseado na quietação, característico da administração portuguesa até então.118 Segundo Torgal, a administração filipina foi centralista e desrespeitou as promessas de certa autonomia de Portugal e isso certamente foi responsável por grande parte da insatisfação dos portugueses com o governo castelhano.119 O aperto fiscal, com a implementação de novos impostos (que não desapareceram após a Restauração) fez doer o bolso não só do povo, mas também do clero e da nobreza. E unido a esse fator pode-se adicionar o problema do afastamento da nobreza da corte, com sede em Madri, a interferência do Poder civil em assuntos de prerrogativas eclesiásticas e a obrigação de alguns militares de lutarem em conflitos que interessavam apenas à Espanha geraram um clima de descontentamento propulsor do golpe político de 1640.120 Portanto, nos últimos anos da União Ibérica a Espanha viu crescer uma oposição bem sucedida que culminou com a aclamação de Dom João IV – representante da principal casa da nobreza portuguesa –, dando início a uma nova dinastia na coroa de Portugal. O Conde de Ericeira, na sua obra sobre a Restauração portuguesa, narrou a resistência de Dom João para aceitar o posto de rei. No episódio de 1640 ele não teve uma participação muito ativa. Vivia em Vila Viçosa, não em Lisboa, e lá mantinha uma “corte na aldeia”.121 Ainda segundo Ericeira, convencido e apoiado por grande parte dos nobres, o Duque decidiu aceitar a proposta. A partir daí, os acontecimentos narrados demonstram uma pressa para a execução do plano. O medo de que as notícias chegassem a Castela fez com que logo articulassem uma maneira de aclamar o novo rei. No primeiro dia de dezembro de 1640, um sábado, os “confederados” se organizaram no terreiro do Paço para tomar o governo e depor a guarda castelhana. Ficou acertado que às nove horas da manhã eles “saíssem das carroças ao mesmo tempo” e que

Uns ganhassem o corpo da guarda onde estava uma Infantaria castelhana, outros subissem à sala dos Tudescos a deter a guarda dos Arqueiros alemães que assistia nelas, outros apelidassem pelas janelas do Paço liberdade, e 117

Hespanha, “A Restauração portuguesa nos capítulos...”, p. 31. Idem ibid. 119 Luís Reis Torgal, Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração, Volume 1, Coimbra, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1981, pp.76-77. 120 Idem, p. 77. 121 Conferir a obra de Francisco Rodrigues Lobo, Cortes na aldeia e Noites de Inverno, Lisboa, Ed. Presença, 1991. 118

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aclamassem ao Duque de Bragança Rei de Portugal, outros entrassem a matar o Secretário de Estado Miguel de Vasconcellos.122

Aclamado o novo rei de Portugal, uma das maiores dificuldades era então fazer funcionar o novo governo. Segundo Torgal, a política portuguesa se encontrou numa situação dramática após 1640, pois não havia propriamente um Estado.123 Dom João IV não liderou diretamente o processo político que culminou na sua aclamação e por isso teve que tomar uma série de medidas emergenciais para problemas conjunturais e outros tantos relativos às oposições.124 Novos aparelhos burocráticos foram criados com objetivo de garantir a soberania do monarca e muitos dos criados durante a monarquia dual foram mantidos. Podemos até afirmar que, em última instância, a dinastia brigantina também significou a continuidade do governo do seu antecessor espanhol, pois se utilizou “dos tribunais existentes”, confirmou mercês concedidas por Felipe IV, adotou leis e regimentos anteriores, inclusive as Ordenações Filipinas e, por fim, manteve muitos dos altos oficiais.125 Contudo, as dificuldades internas para organização do governo e sua posterior consolidação não constituíram o único problema do recém aclamado rei Dom João IV e de Portugal. Seria ainda necessário empreender estratégias para legitimá-lo perante outros Estados – a exemplo de França, Holanda e Inglaterra –, bem como alcançar o reconhecimento da legitimidade da nova dinastia pela Espanha e por Roma. E a muito custo esse objetivo só será alcançado décadas depois. Muitas ações foram realizadas pelo governo restaurador em prol da consolidação da nova dinastia no poder. Entre elas, a formação de um corpo diplomático que chama atenção. A fragilidade do período pós 1640 foi endossada pela discussão da legitimidade dos Bragança na sucessão real e pela propaganda castelhana, que creditava a mesma aos Habsburgos.126 Muitos diplomatas foram enviados por Portugal a diversas partes da Europa, almejando o reconhecimento do novo rei. Contudo, a principal luta diplomática portuguesa foi, inevitavelmente, com a Espanha e a Santa Sé. Contra a primeira, e em busca de um tratado de paz no qual fosse reconhecida a sua

122

Ericeira, História de Portugal restaurado...p.99 Luis Torgal, “Restauração e ’Razão de Estado’”, Penélope, n. 9/10, 1993, pp. 163-167. 124 Idem, p.163 125 Idem, pp; 163-164. 126 Thiago Groh de Mello Cesar, “A política externa de Dom João IV e o Padre Antônio Vieira: as negociações com os países baixos (1641-1648)” (dissertação de mestrado), Niterói, UFF, 2011, p.23. 123

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independência, foram reunidos também esforços militares que só obtiveram êxito em 1668. Já os problemas diplomáticos com Roma afetaram enormemente a vida interna da Igreja portuguesa. Entre 1640 e 1670, afirma Paiva, duas questões foram dominantes: o reconhecimento papal da legitimidade de Dom João IV enquanto rei de Portugal, indispensável para a boa relação entre os dois estados, e o provimento dos bispados e de outros benefícios, que tornava a delicada a situação no interior da Igreja nacional.127 Atente-se ao caso do bispado do Brasil, que ficou vacante por vinte anos, após a morte de Dom Pedro da Silva Sampaio em 1649. Não demorou muito para que o monarca brigantino enviasse uma missão diplomática a Roma, mas ela não alcançou seu objetivo. As investidas dos espanhóis para impedir o encontro do Papa com os portugueses foram bem sucedidas e logo a missão retornou à Portugal sem sucesso.128 O impasse permaneceria por quase três décadas e muitas sugestões de soluções para o problema surgiram ao longo dos anos, inclusive a de prover os bispados sem a confirmação do Papa. Ressaltemos que para Roma a situação também era delicada. Ao mesmo tempo em que não podia abrir mão do apoio da monarquia espanhola, assistia passivamente a degradação da Igreja portuguesa, dando margem a movimentos secessionistas. Apenas após a paz entre Castela e Portugal em 1668 deu condições para uma reaproximação entre a monarquia lusitana e Roma. De volta ao período pós-aclamação, somadas estas preocupações com Castela e Roma, Portugal ainda tinha que resolver as questões que envolviam os holandeses e a invasão de seus territórios ultramarinos, sobretudo o Nordeste do Brasil e Angola. Já em 1624 os batavos ocuparam a principal cidade da América portuguesa, Salvador. Não obstante seu insucesso, uma vez que foram expulsos no ano seguinte, eles não pouparam esforços para conquistar outros pontos da costa brasileira. Em 1630 foi a vez de Recife, que só se libertaria em 1654, e em 1641, já sob a dinastia bragantina, Luanda não resistiu às investidas de Holanda e só sairia do seu domínio sete anos mais tarde. O Padre Antônio Vieira, que viveu na Bahia desde 1615 com sua família, voltou a Portugal em 1641 na comitiva responsável por confirmar a adesão do Brasil à causa bragantina. Cinco anos mais tarde tornar-se-ia homem de confiança do rei e tutor do príncipe D. Teodósio. Em 1646, o jesuíta foi escolhido para liderar uma curta missão 127

José Pedro Paiva, “A Igreja e o Poder”..., pp. 135-185. Ver também Evergton Sales Souza, Jansénisme et reforme de l’Église dans l’Empire portugais (1640 à1790), Calouste Gulbenkian, Paris, 2004, pp. 99-110. 128 Acompanho aqui a narrativa de Paiva em “A Igreja e o Poder”..., 158-163.

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diplomática nos Países Baixos. Voltou a viajar para lá no ano seguinte, onde procurou não só pensar em soluções para o impasse entre a Holanda e Portugal, mas também executá-las de forma a conter a crise instaurada no reino, agravada pela presença dos holandeses nos territórios do Império da Ásia, África e América.129 Mas a embaixada de Vieira não foi a primeira a tentar negociar a paz com a Holanda. Já em 1641, Tristão de Mendonça Furtado foi nomeado para tal tarefa. Evaldo Cabral de Mello atenta que a Coroa portuguesa não possuía um corpo diplomático experiente e teve que improvisar recrutando pessoas da alta aristocracia, do clero, do sistema judiciário e os fiéis à Casa de Bragança.130 Mendonça Furtado não foi atrás de um tratado de paz, que Portugal sabia requerer muito tempo para ser formulado. À urgência do momento, afirma Cabral de Mello, cabia uma trégua entre ambos.131 O acordo de trégua de dez anos “previu a cooperação naval contra a Espanha”, bem como autorizou a compra de armamento e munição e o recrutamento de tropa nas Províncias Unidas (tratado aqui também como Países Baixos). Além disso, normalizou as relações comerciais entre portugueses e neerlandeses. 132 Entretanto, um dos principais objetivos da embaixada não foi alcançado, qual seja a devolução dos territórios coloniais tomados pela WIC (Companhia das Índias Ocidentais) e a VOC (Companhia das Índias Orientais) em troca de recompensa financeira. Para lograr sucesso, os portugueses ainda teriam que fazer uso da força. Para as colônias, o acordo só passou a valer após o recebimento da notícia da sua assinatura. Esse método, sugerido pelo embaixador português, trouxe muitos prejuízos a Portugal, visto que se valendo disso a Holanda tomou posse de outros territórios do ultramar lusitano, como Angola, São Tomé e o Maranhão.133 Embora sob protestos, e às vésperas do Congresso de Vestfália, os Estados Gerais (quando estavam reunidos os representantes das sete províncias que formavam as Províncias Unidas dos Países Baixos) comunicaram a ocupação legal desses três territórios.134 Da parte dos portugueses aumentou a desconfiança com os batavos e ganhou força a ideia de restaurar o Nordeste do Brasil pelo uso das armas. O Conde de Ericeira, sobre o episódio de “traição”, afirmou que

129

Cesar, “A política externa…”, p. 91-92 Evaldo Cabral de Mello, O Negócio do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2011, p.31. 131 Idem, p. 32. 132 Idem, p.34. 133 Idem, p.36 134 Idem, p.39 130

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Inclinavam-se alguns Ministros à represália, dizendo que os holandeses haviam faltado à capitulação, quebrando a paz ajustada com Tristão de Mendonça [...] pois logo que El Rei sinceramente se fiou da sua amizade, começaram a enganá-lo; e que além desta exorbitância, senão contentaram de assaltar e render Angola e S. Thomé [...].135

Ainda que abalada, a relação diplomática com os batavos não foi cessada e, embora houvesse em Portugal quem defendesse represálias como contrapartida ao ocorrido, venceu o argumento defendido pelo padre António Vieira e pelos conselheiros ultramarinos de que eles não seriam capazes de manter duas frentes de batalha, a inevitável contra a Espanha e a outra contra os Países Baixos.136 Apenas na década de 60 Portugal alcançou um acordo com Haia – além do almejado reconhecimento da Espanha e da Santa Sé da independência portuguesa. O outrora aclamado Dom João IV, que tratou logo de angariar o reconhecimento e o apoio daqueles que formavam a coalizão antiespanhola (França, Dinamarca, Suécia e Países Baixos), e que também enviou embaixadas especiais para Madri e Roma, não testemunharia o sucesso de sua iniciativa diplomática.

2- As dificuldades no Império após a Restauração de 1640

O episódio de 1640 não trouxe desafios para o novo governo português apenas no continente europeu. Como afirma Luciano Figueiredo, os anos que se seguiram “foram marcados por muitas aflições no Império Ultramarino”.137 Ao longo de pelo menos quarenta anos, infere o historiador, uma dezena de rebeliões contra os representantes régios eclodiram da América à Ásia, perpassando pela África. Conspirações, deposições e mortes marcaram os governos coloniais por um longo período, causando uma instabilidade na administração das colônias e revelando suas fragilidades. Ainda segundo Figueiredo, é perceptível nas alterações ultramarinas o eco da disseminação da ideologia política que preparou, na metrópole, o terreno para a

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Ericeira, História de Portugal Restaurado..., p.309 Mello, O negócio do Brasil..., pp; 39-42. 137 Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, “O império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no Império Colonial Português, séculos XVII e XVIII” in Júnia Furtado, Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português, Belo Horizonte, UFMG, 2001, pp. 197-254. 136

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Restauração.138 O caráter constitucional do movimento, sob o discurso do bem comum, pretendeu restaurar as autonomias políticas e os privilégios de grupos sociais. No ultramar, a releitura dessa doutrina reavivou o papel do equilíbrio entre a obediência e a justiça, ou, em outra esfera, entre súdito e soberano.139 Podem-se dividir as altercações em duas fases: a primeira, que ocorre na década de 1650, está diretamente ligada com as novas nomeações para o posto de Governador. A segunda, identificada, sobretudo, entre 1660 e 1688, esteve intrínseca ao processo de grande centralização promovido pela Coroa portuguesa, tendência que predominaria sua administração partir de então. Num primeiro momento a tônica da traição e da covardia foram os grandes motivadores das revoltas, enquanto depois, embora esses dois fatores não tenham desaparecido, a tirania surge como o principal estopim das revoltas.140 Na Bahia, em 1641, um golpe que depôs o Marquês de Montalvão, vice-rei do Brasil, demonstrou o momento atrapalhado e delicado pelo qual atravessava Portugal e suas extensões territoriais. Sobre isso, trataremos mais a frente. Dois anos depois, no Rio de Janeiro, o então governador, Luis Barbalho (que fez parte do triunvirato na Bahia em 41) sentiu as consequências da sua falta de habilidade política. Ao seguir à risca as determinações reais, Barbalho impôs um arrocho fiscal à população do Rio de Janeiro, que passou a custear as despesas relativas aos presídios e fortificações da cidade. Ainda que com certo grau de insatisfação, os moradores toleraram a cobrança em prol da lealdade com seu soberano. Mas, como afirma Figueiredo, se a cobrança fora tolerada, o mesmo não ocorreria com a remessa desse dinheiro, cunhado no Rio, para a Bahia, com a finalidade de atender aos gastos daquela capitania com sua defesa.141 Antonio Teles da Silva, então governador geral do Brasil, disse que os revoltosos, decididos a não deixar prosseguir tamanho absurdo,

Intentaram tirar o cofre de poder dos oficiais de Vossa Majestade a que o Governador acudiu, levando para sua casa maior segurança, aquietando o povo, com lhe dizer que me escrevia representando-me que para a fortaleza que eu ordenava se fizesse na Lagem, não havia dinheiro algum, e que estivessem certos, que a resposta seria a que eles desejavam, por tanto me tocava a defesa daquela cidade com a da Bahia donde estava. E enviando um correio por terra com este aviso, despachei logo uma embarcação, com ordem que se não bulisse no dinheiro, que eu ficava dando conta a Vossa Majestade e que da grandeza de Vossa Majestade esperava lhes concedesse o 138

Idem, p.216 Idem ibid. 140 Idem, p.222 141 Idem, p. 201. 139

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que pediam. Não esperando por esta resposta, se resolveram levantar um motim, e a querer tirar por força o cofre da casa do Governador, a quem foi necessário mandar tocar caixa, e pôr-se em defesa; mas como a Infantaria é pouca, e a mais dela gente casada na mesma terra, deu ânimo aos do povo insistirem de maneira que constrangeram ao Governador a que desse um escrito, em que se obrigava a ser depositário do dito cofre, sendo companheiro no depósito o Administrador, para cuja casa havia de ir o tal cofre, instando nisto com tanta violência que obrigaram ao Governador a dizer que já lá estava, não estando ainda. 142

O governador teve um fim dramático: morreu de “desgosto” dias depois, e o cofre foi levado para as mãos dos administradores eclesiásticos.143 Quase duas décadas mais tarde o Rio de Janeiro seria palco de outro motim antifiscal. O Império português do Oriente também sofreu abalos similares ao do Rio de Janeiro. Durante as décadas de 40 e 50 foram muitas revoltas de insatisfação em sua maioria contra as autoridades locais. Desde a Restauração a porção oriental do ultramar português sofreu um processo de contração e redução dos seus territórios. Se no século XVI Portugal imperou no Índico, no final do século XVII havia perdido a maioria do território da África oriental. A falta de recursos, a escassez de material humano para compor uma força militar e a fraca marinha portuguesa foram fatores que influenciaram diretamente na gradual perda do ultramar oriental. Ademais, aos olhos de Portugal, surgia um novo “negócio” que se apresentava mais rentável naquele contexto. O eixo do Atlântico sul formado por Portugal, Brasil e a costa ocidental da África (principalmente Angola, São Tomé e a Costa da Mina) passou a representar, já na segunda metade dos seiscentos, a base na qual estava assentada a economia do Império português.144 A partir da década de 1660, a América passou a ser o palco principal das inquietações ultramarinas. Identificadas por Luciano Figueiredo ainda como reflexos da experiência restauradora, principalmente o Rio de Janeiro e Pernambuco vivenciaram convulsões que, em geral, procuraram denunciar a tirania dos seus governantes. Na primeira delas, Salvador Correia de Sá e Benevides, Governador da capitania, viu-se cercado por uma revolta causada pelas insatisfações da sua política fiscal. Embora estivesse dando cumprimento às ordens reais, a população carioca (leia-se a sua elite) se levantou, em finais de 1660, contra mais uma tentativa de cobrança de uma taxa que

142

AHU, Luisa da Fonseca, caixa 9, documento 1060 [4 de junho de 1644]. Idem. 144 Para o tema, conferir sobretudo Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico-sul, São Paulo, Companhia das Letras, 2000. 143

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visava suprir os gastos relativos à defesa da cidade.145 Recaíam também sobre a autoridade real outras denúncias, como a de não respeitar os limites de sua jurisdição e a convergência entre Salvador Correia de Sá e a Companhia de Jesus na defesa dos índios contra a escravidão, que acabava por atingir diretamente os interesses de grupos econômicos.146 O tumulto, ainda que tenha culminado rapidamente na deposição do Governador, não logrou sucesso e a retomada da cidade levou à forca o líder do movimento. Em 1666, na capitania de Pernambuco, o Governador Jerônimo de Mendonça Furtado foi deposto e preso depois de ser acusado de causar males ao bem comum. Evaldo Cabral de Mello afirma que as graves as culpas que recaíam sobre Xumbergas, como era conhecido Mendonça Furtado, pois “administrava como um tirano, interferindo no funcionamento do judiciário, executando dívidas, sequestrando bens” e ainda prendendo e soltando pessoas ao seu bel prazer.147 E tudo por dinheiro. Sobre esse assunto, foi também acusado de levar para si uma parte dos donativos da rainha da Inglaterra e para a paz de Holanda, de liberar o comércio com os franceses e de recunhar moedas em sua própria casa.148 Nos primeiros anos que se sucederam à Restauração, a coroa portuguesa procurou se utilizar estratégias políticas imprescindíveis para a manutenção do seu Império e o reconhecimento da legitimidade da nova dinastia. Contudo, pelo menos no que tange à quietação do além-mar, ela não foi bem sucedida. As altercações ocorridas da Ásia ao Brasil demonstraram que, embora as autoridades reais nomeadas para governar no ultramar tenham sido enviadas com muitas recomendações, elas não foram habilidosas o suficiente para evitar os motins. E mesmo que contraditoriamente, essas inquietações ajudaram a reforçar os laços de fidelidade entre os súditos e o monarca, já que eram os governadores e não a própria figura real que tinham sua autoridade contestada. Não conformados, os vassalos procuraram fazer valer a justiça real,

145

Figueiredo, O império em apuros..., pp. 207-208. Um documento do AHU revela o parecer do então governador sobre a situação dos índios. Pede Salvador Correia de Sá que cada mosteiro só possa manter 100 casais de índios para usar como mão de obra, o que não era um hábito entre os religiosos da capitania. Ele dá também notícias sobre as aldeias de São Paulo e do Rio de Janeiro e a quantidade de índios nelas quando da presença dos jesuítas e depois que eles partiram. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 34, documento 4361 [sem data]. 147 Evaldo Cabral de Mello, A fronda dos mazombos: nobres contra mascates, Pernambuco, 166-6-1715, São Paulo, Ed. 34, 2003, p. 23. 148 Idem ibid. 146

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combatendo o despotismo e a tirania dos governantes locais em favor de bom governo.149 Os anos entre 1640 e 1660 foram conturbados, repletos de convulsões que puseram à prova as limitações administrativas da coroa portuguesa em suas possessões ultramarinas orientais e ocidentais. Embora para os portugueses – embalados pelo sucesso do movimento restaurador – a coroação de Dom João de Bragança tenha trazido uma impressão de solução dos problemas causados pela união ibérica no que diz respeito ao seu Império, o desenrolar dos acontecimentos nos anos que se sucederam ao 1º de dezembro provaram o contrário. Na Bahia, pouco mais de dois meses depois, a notícia da aclamação desencadeou uma reviravolta política que culminou no golpe que tirou do governo Dom Jorge de Mascarenhas, o Marquês de Montalvão.

3- A notícia da aclamação de Dom João IV e suas consequências na Bahia

Aos 15 dias do mês de fevereiro aportou em Salvador uma caravela que trazia uma carta destinada ao então vice-rei Marquês de Montalvão. Nela continha a notícia da ascensão do Duque de Bragança ao trono português e também uma ordem para que ele fosse imediatamente reconhecido e aclamado por seus vassalos como rei legítimo. Affonso Ruy relata que foi devido à argúcia de Montalvão que a adesão da cidade à causa portuguesa se deu sem incidentes. Deve-se lembrar de que havia em Salvador muitos terços castelhanos, chegando possivelmente ao número de 600 homens.150 Para tanto, o vice-rei incumbiu seu filho, Dom Fernando Mascarenhas de comandar uma tropa que seguiu para ocupar o Terreiro de Jesus e forçar a entrega da direção geral das tropas castelhanas.151 Realizadas as ações práticas, seguiram as ações solenes, cujo desenrolar deixa entrever o assento lavrado pela Câmara. Narra-se que

Por mandando do Vice Rei houve chamamento de todos os prelados das religiões Câmara e ministros da guerra e cabeças dela sem se dar carta nenhuma nem se saber a ocasião desta suspensão em que todos estavam foram diante do dito Vice Rei os oficiais da Câmara a quem ele mostrou uma 149

Figueiredo, “O império em Apuros...”, pp.. 226-227. Ruy, História política e administrativa..., p. 170. 151 Idem, p. 40. 150

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carta escrita por El Rei Nosso Senhor Dom João quarto do nome que na cidade de Lisboa o povo e nobreza de Portugal havia levantado por Rei152

A dita carta continha instruções para que os moradores do Brasil procedessem da mesma maneira e, sem aparentes hesitações, os presentes trataram logo de manifestar graças pela restituição do “Rei verdadeiro e natural”.153 Através de uma votação realizada em particular, Dom João IV foi unanimemente aclamado. Em seguida, na Sé da cidade, sobre um missal, Dom Jorge de Mascarenhas jurou obediência. Da mesma forma procedeu a Câmara da cidade, em nome de todo o povo. O desenrolar dos acontecimentos narrados pela Câmara de Salvador deixou claro que as medidas tomadas pelo Marquês de Montalvão não revelaram qualquer titubeio ou contestação de sua parte. Ao contrário. Ruy afirma que ele não descuidou de angariar a fidelidade das demais capitanias e não poupou esforços ao enviar portadores aos capitães e governadores das capitanias do Sul.154 Um exemplo é a missiva enviada pelo próprio para o Conde de Nassau, em Pernambuco, que tornou explícito o seu reconhecimento da nova dinastia na coroa portuguesa e também suas intenções de negociar em favor de Portugal a entrega do Nordeste pelos holandeses.

Segundo

Evaldo Cabral de Mello, esse contato, mantido secretamente, produziu uma boa quantidade de correspondências e foi iniciado antes mesmo da chegada da notícia da aclamação.155 Interessa-nos aqui, sobretudo, as cartas que tratam do fim da União Ibérica e que explicitam os esforços de Mascarenhas em prol da causa portuguesa e de sua nova dinastia. O vice-rei, além de contar sobre o acontecimento político, deixou claro sua

Esperança de que este Reino, e Ilustríssimos Estados de Holanda tenham aquela paz, e união com que sempre se trataram, correspondendo-se com tão recíprocos benefícios, e com tão útil comércio...156.

152

Atas da Câmara, vol. 2, p. 9. Idem ibid. 154 Ruy, História política e administrativa... p.172. 155 Mello, O negócio do Brasil..., p.40. 156 Marquês de Montalvão, d. Jorge de Mascarenhas, Cartas que escreveo o marquez de Montalvam sendo Viso Rey do Estado do Brasil, ao Conde de Nassau, que governava as armas em Pernambuco dandolhe aviso de felice acclamação de sua Magestade o Senhor Rey Dõ João o IV nestes seus Reynos de Portugal, é reposta do Conde de Nassau. Com outra carta que o Marichal seu filho trouxe para apresentar cõ ella a sua Magestade, Lisboa, Officina de Domingos Lopez Rosa, 1642, p.6. Consultado em http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01202700. 153

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Contudo, a resposta do Conde de Nassau não alcançou suas expectativas. Admitiu o príncipe que embora em Portugal tenha ocorrido uma mudança, “essa não deve[ria] alterar alguma coisa...” no que se refere à guerra holandesa no Brasil.157 Enviou também “nove marinheiros e dois passageiros portugueses”, tido como prisioneiros, para demonstrar sua estima por Montalvão e receber um tratamento equivalente em outras ocasiões.158 Outra notícia sobre a aclamação na colônia dá ideia do desenrolar desse momento da história política do Brasil. Lembremos-nos do acontecimento controverso envolvendo Amador Bueno, na capitania de São Paulo. Lá era marcante a presença de espanhóis, aos quais certamente a notícia da aclamação de Dom João IV representou um duro golpe. Baseado nos relatos do Frei Gaspar da Madre de Deus em suas Memórias para a História da Capitania de São Vicente, Rodrigo Bentes Monteiro defende a existência do episódio no qual os espanhóis teriam escolhido Amador Bueno de Ribeira como rei paulista. Segundo narra, aqueles acreditavam que se os paulistas se desmembrassem de Portugal a capitania e parte do sertão do Brasil faria parte das possessões castelhanas.159 O aclamado, porém, recusando-se a aceitar o título de rei, foi reprimido ao reconhecer a legitimidade de Dom João IV, pelo qual estava disposto a dar a sua vida. Homiziado no Mosteiro de São Bento, Amador Bueno uniu-se aos eclesiásticos e juntos começaram a convencer a todos de que o reino pertencia de fato à Casa dos Bragança desde a morte do cardeal d. Henrique, em 1580, e que tal destino foi adiado pela violência dos monarcas espanhóis.160 A controvérsia reside, para tanto, no episódio da aclamação em si, que segundo Luiz Felipe de Alencastro “cheira a mistificação”, instigada principalmente pela elite intelectual de São Paulo com seu nativismo do início do século XX.161

Sobre a

participação de Amador Bueno, que tratou de convencer os espanhóis de São Paulo a aceitar o rei brigantino, o historiador afirma haver consenso. O problema maior, segundo Alencastro, é que todos os pesquisadores que trataram do episódio se sustentaram em um único documento, de quase sessenta anos depois do episódio. Nele consta que o neto do seu protagonista Manoel Bueno da Fonseca, obteve a patente de capitão do Governador do Rio de Janeiro, Arthur de Sá, que o reconhece enquanto 157

Idem, p.6 Idem, p.7 159 Rodrigo Bentes Monteiro, “A rochela do Brasil: São Paulo e a aclamação de Amador Bueno como espelho da realeza portuguesa”, Revista de História, USP, São Paulo, n. 141, 1999, pp. 21-44. 160 Idem, p. 23. 161 Alencastro, O trato dos viventes..., p.363 158

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descendente de Amador Bueno.162 Contudo, a carta não dá detalhes sobre a sobredita inquietação. Atribui somente lealdade ao suposto aclamado, qualidade que certamente combina com o seu papel na interlocução com os espanhóis em 1641. Dentro dessa perspectiva das controvérsias em torno do reconhecimento do novo rei português, há um relato de um religioso residente em São Paulo na época que dá pistas sobre a reação dos paulistas à notícia da aclamação de Dom João IV. A carta de 15 de fevereiro de 1642, escrita por Frei Manuel de Santa Maria, tratou do sermão feito por ele mesmo na vila de São Paulo por ocasião da boa nova. Deixou claro qual foi a posição dos moradores dali: Achando-se presente a aclamação e juramento que para Vossa Majestade se fez na vila de São Paulo Capitania de São Vicente aonde preguei o sermão daquele ato tratando-se da sustância, que o castelhano havia de fazer sobre esse Reino, responderam muitos lhe tiraremos o brio como lhe tomaremos o 163 serro de Potosi

As consequências da notícia da aclamação de Dom João IV em Pernambuco e em São Paulo foram bastante distintas. E mais distinto ainda foi o que sucedeu na Bahia. Os três exemplos discorridos aqui mostram que o Marquês de Montalvão não poupou esforços para reconhecer o novo rei e fazer com que as outras capitanias seguissem o mesmo caminho. Mas tanto empenho não teve o desfecho esperado. Na verdade, segundo Ruy, ao mesmo tempo em que Dom João IV despachou a carta noticiando o episódio de 1º de dezembro, enviou secretamente outra carta com o jesuíta Francisco de Vilhena, certamente por recear que Montalvão ficasse do lado dos filhos, partidários de Felipe IV.164 A missiva serviria como cautela e deveria ser usada caso o vice-rei não o aclamasse.165 Conta Ericeira em sua História de Portugal Restaurado, que 162

Bentes Monteiro, “A rochela do Brasil...”, p.25. AHU, Luiza da Fonseca, cx. 8, doc. 949 [15 de Janeiro de 1642]. 164 Ruy, História Política e Administrativa..., p. 175. Sobre isso, Wolfgang Lenk afirma que Jerônimo de Burgos interceptou cartas enviadas pela mulher do vice-rei, Francisca de Vilhena, dando conta do posicionamento dos filhos após a Restauração e que tal fato teria impulsionado o golpe. Wolfgang Lenk, “Guerra e pacto colonial: exército, fiscalidade e administração colonial na Bahia (1624-1654)” (Tese de doutorado), Unicamp, Campinas, 2009, pp.156-157. 165 A carta, entretanto, não expressa claramente essa ordem; certamente elas foram dadas diretamente ao seu portador, que deveria então verbalizá-la caso fosse necessário. Segue a transcrição da carta, feita por Affonso Ruy: “Meus juízes, vereadores e mais oficiais da Câmara da cidade da Bahia: eu El Rei vos envio muito saudar. De minha restituição a coroa mandei-vos avisar nesse Estado, logo que ela se efetuou, por não dilatar a tão bons vassalos a certeza de terem Rei natural, e posto que creio que a nova seria recebida com as demonstrações devidas, e que estarei aclamado e obedecido por Rei, com efeito me parece mandá-la duplicar por esta via, e nomear para governadores desse Estado o Bispo 163

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Achando pois o Padre Francisco de Vilhena as demonstrações do Marquês tão contrárias ao que levava suposto, não lhe bastando esse desengano, usou da ordem da mesma sorte, que se o Marquês houvera tido o procedimento que El Rei se temia. Tanto que chegou ao Colégio, chamou os três governadores nomeados, e faltando neles a virtude de antepor a razão ao domínio, lidas as cartas d´El Rei, aceitaram os Governadores, e mandaram ao Padre Francisco Vilhena, que fosse logo entregar ao Marquês a carta [...]166

Ao tempo que Vilhena desembarcou em Salvador, uma caravela com a embaixada portadora da mensagem da Câmara já havia partido rumo a Lisboa há algum tempo. A comissão era composta por D. Fernando de Mascarenhas, padre Simão de Vasconcelos e Antônio Vieira, e tinha como objetivo levar ao rei o juramento de fidelidade de seus súditos. Embora os ventos tenham soprado para o reino boas notícias, na capital da colônia estava em curso um golpe contra o Marquês. Note-se, aliás, que a carta enviada por Dom João IV era endereçada aos camaristas e não deveria ser entregue aos três futuros governadores. Entretanto, como narrou Ericeira, mandaram logo que o jesuíta entregasse pessoalmente a carta a D. Jorge de Mascarenhas, que tão breve escutou sua leitura, entregou o seu governo.167 Recolheu-se no Colégio dos inacianos, e lá foi preso em 15 de abril e mandado para Portugal em junho, arcando com os custos da própria viagem. Já em Lisboa, Dom João tratou de recebê-lo com todas as honras e fez-lhe mercê do cargo de presidente do recém-criado Conselho Ultramarino. Esse tratamento nada mais foi do que uma maneira de recompensar o ex-governante por sua deposição. Ao triunvirato, que posteriormente teve seu governo contestado, seguiu o governo de Antonio Telles da Silva, não menos polêmico. Juntos, eles são o foco maior desse próximo tópico e pauta central desse capítulo.

4- As nuances da relação Igreja x Poder civil: as contendas entre um Governador e um Bispo

dele, ao mestre de Campo Luiz Barbalho Bezerra e Lourenço de Brito Corrêa, na forma que as Provisões que se lhes remetem, e fazendo-o saber por esta carta, para que o tenhas entendido e concorras com os Governadores ou qualquer deles, de modo que tudo se disponha como mais convém, estando certos que vol-o-hei [sic] de agradecer, conforme a importância do serviço, que espero receber de vós, fazendo-vos em tudo particular mercê e favor. Lisboa, 4 de março de 1641. Apud Ruy, História política e administrativa..., p.176 166 Ericeira, História de Portugal Restaurado..., p.146. 167 Ignacio Accioli de Cerqueira e Silva, Memórias históricas e políticas da Província da Bahia, Bahia, Imprensa oficial do Estado, volume II, 1925, p. 24.

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Primeiro Governador nomeado para administrar a América pela nova dinastia portuguesa, Antonio Telles da Silva chegou a Salvador em 1642, trazendo consigo sua vasta experiência militar. Descendente de umas das famílias mais ricas de Portugal e típico filho secundogênito, ele desistiu a carreira eclesiástica para seguir o caminho das armas. Como diz Virginia Rau, seguindo a lógica do período, Telles da Silva encontrou no amplo horizonte ultramarino a possibilidade de ascensão econômica. 168 Participou da armada que veio à Bahia em 1625 para lutar contra os holandeses e dez anos depois partiu em uma jornada para Índia.169 Em 1640 fez parte do movimento que aclamou Dom João IV como rei, inclusive lutando no dia 1º de dezembro no Paço junto com outros restauradores.170 Essas suas ações fizeram-no acumular mercês, como uma renda de 100$000 réis anuais pelo serviço no Oriente, o cargo de conselheiro de guerra em 1641 e a nomeação para Governador e capitão geral do Brasil em 1642. Não há consenso sobre o mês da chegada de Antonio Telles da Silva na cidade da Bahia. Affonso Ruy diz que foi em abril, ao passo que Cabral de Mello e Accioli afirmam que foi em agosto.171 Mais importante que a data de seu desembarque é compreender que seu grande objetivo na colônia era militar. A presença dos holandeses em Pernambuco e sua constante expansão para outras partes da costa representavam uma ameaça real ao ultramar português. Encontrou em Salvador uma defesa bastante vulnerável, como escreveu a Câmara em novembro de 1640: Pede esta Câmara [...] ponha Vossa Majestade os olhos de sua Real Clemência no que tem padecido e padece este Estado do Brasil e o muito que convém [...] tratar da conservação dele considerando o quanto se estende o empenho da Monarquia se se intentar a recuperação com cabedal que não seja muito suficiente e que o estar o inimigo ainda que poderoso receando sempre o poder de Vossa Majestade para que obriga a quem este seja tal que acabe de todo esta guerra e que não sirva a dilação de se fazerem senhores de tudo lembrando a Vossa Majestade de que o que aqui há não é o com que bem se pode defender esta praça e que será mais em quanto não vem o maior poder que pelo menos venha um socorro de muitos mantimentos armas e munições e ornativos.172

Às vésperas da aclamação do novo rei não só a defesa de Salvador, bem como de todo o território da América portuguesa estava ameaçada pelos inimigos batavos. E a separação 168

Rau, “Fortunas ultramarinas...”, pp.29-30. Idem, p.30 170 Cf. Ericeira, História de Portugal Restaurado, op. Cit. 171 Ruy, História política e administrativa..., p. 187; Mello, O negócio do Brasil..., p. 42. 172 Documentos Históricos do Arquivo Municipal, Cartas do Senado, vol. 1, p.11. 169

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dos reinos de Portugal e Espanha não alterou o quadro, como já foi discorrido anteriormente. Dessa maneira provavelmente se encontrava antes mesmo desse período. E não mudou durante o governo de Telles da Silva. Com efeito, assim que tomou posse do governo, tratou de fazer objeção ao desejo da coroa de manter apenas dois mil homens na guarnição da cidade. Expôs que

Esta praça se não poderá sustentar com dois mil homens: porque (senhor) estas coisas não tem meio. Se o holandês pode vir é muito pouca esta gente; e se não há de vir, tudo sobra. Que agora haja mais vigia, e que esteja esta praça fortificada de maneira, que o Inimigo perca as esperanças, e o que convém ao serviço de Vossa Majestade; porque é tão velhaco este vizinho, que vendo ocasião, se não há de descuidar. Bom exemplo é o que sucedeu no tempo do Conde de São Lourenço173: pois se Deus os não cegara, se perdera a Bahia, tendo muito maior número de soldados, e muitos de muita experiência. Os moradores vendo quanto convém para segurança desta praça, haver três mil homens, eles mesmos, se querem fintar para a sustentação deles, pelos meios mais suaves, de que ficam tratando.174

Apesar de haver certo exagero na declaração acima, parte da estratégia retórica da época, não se pode ignorar que ela revela a importância das armas para a sociedade colonial. Teles da Silva ainda afirmou que, mesmo que fossem dois mil homens em atividade na Praça da Bahia, seriam necessários os três mil, para casos de doenças e impedimentos, e também porque grande parte atendia às outras partes da capitania. Ao dar conta das reformas que realizou no exército por ordens do Rei, em novembro de 1642, o Governador afirmou que deixou “em pé três terços” e reduziu “cinquenta e um capitães que havia a vinte e sete”; as companhias passaram a ter cem homens e cada terço passou a ter apenas dois ajudantes.175 A certidão anexada por ele nesta carta, passada por Gonçalo Pinto de Freitas, atestou que

Na última mostra que se passou ao dito exército em oito de outubro próximo passado em presença do Governador e Capitão geral do dito Estado Antonio Teles da Silva. Apareceram dois mil e duzentos e trinta e oito soldados efetivos, e no hospital e quartéis se acharam cento e vinte e nove e no Rio Real estavam [...] oitenta e oito [...] os três números fazem dois mil quatrocentos e cinquenta e cinco que se podem ter por efetivos.176

173

Refere-se aqui ao governador geral Pedro da Silva. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 976 [23 de Setembro de 1642]. 175 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 994-995 [27 de Novembro de 1642]. 176 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 996 [27 de Novembro de 1642]. 174

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Wolfgang Lenk, ao tratar do exército na sua tese de doutorado, afirma que esse quantitativo do exército em geral não correspondia à realidade, muito em função das baixas e deserções.177 Afirma ainda que a infantaria de Salvador era sustentada pelas esporádicas remessas de tropas de Portugal, normalmente em uma ou duas centenas de soldados.178 Há muitos exemplos que denotam os esforços de Antonio Teles da Silva em favor da defensa do Brasil, sobretudo no que tangeu à sua capital e o recôncavo baiano. Sua ação traduziu-se na grande quantidade de cartas trocadas com o Reino sobre suas estratégias militares contra o holandês, como a construção de vinte e seis embarcações de remo para a defesa do Recôncavo, em 1646, “por ser a prevenção que pareceu mais pronta”, depois de ter sido alertado da possível chegada das armadas inimigas.179 Cabral de Mello narra a participação ativa do Governador, que enviou a Pernambuco André Vidal de Negreiros para observar o exército do inimigo “e sondar os ânimos dos próhomens da comunidade luso-brasileira” 180, certamente na esperança de arregimentá-los em prol da causa portuguesa. Ainda deslocou os índios liderados por Camarão para Sergipe, para combater os neerlandeses já presentes na região.181 Foi Telles da Silva o responsável por articular um levante contra o inimigo, e pelo seu sucesso militar foi mantido no governo após o fim do seu triênio.182 Outro exemplo foi o envio de suprimentos de artilharia para o Maranhão e Pará ainda em 1643. Animado com o sucesso dos moradores daquelas partes, por haverem “degolado todos os holandeses que ali acharam”, o Governador enviou um navio com dez quintais183 de pólvora, seis de bala e seis de murrão184, por julgar que “estariam faltos de munição”.185 Nesta carta, aliás, não deixa Teles da Silva de reclamar sobre o estado das tropas, que não tinham

177

Lenk, “Pacto colonial...”, pp. 67-68. Idem, p.68 179 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1191 [ 26 de Maio de 1646]. 180 Mello, O negócio do Brasil..., p.42. 181 Idem ibid. Para ver mais sobre a história de Sergipe colonial, cf. Luiz Mott, História de Sergipe Colonial & Imperial: religião, família, escravidão e sociedade, São Cristovão/Aracaju, Ed. UFS/Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. 182 Idem p.48. 183 Segundo o dicionário de Raphael Bluteau, 1 quintal equivale a 4 arrobas, que equivalem a 128 arráteis, por ser 1 arroba igual a 32 arráteis. Na unidade de medida brasileira, 1 arroba equivale a 14,746 quilograma, o que significa que 1 quintal equivale aproximadamente a 59 quilos. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 184 O significado dado por Bluteau é: “murrão de mosquete, arcabuz, etc. É uma corda de estopa bem pisada, que se acende, para se tirar com as ditas armas, e sempre traz fogo, tem se lhe apagar”. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 185 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1002 [30 de Janeiro de 1643]. Para saber mais sobre a ação dos moradores do Maranhão e Pará, ver documento 1003. 178

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ração para alimentá-las por falta de dinheiro. Nem a vintena paga pelos próprios moradores, citada anteriormente, era suficiente para a manutenção do exército. O problema econômico não estava dissociado dos apuros em que se encontrava o setor militar da colônia nesse período. O Governador em questão encontrou muitas dificuldades, principalmente no que diz respeito à falta de moeda para o comércio do “Estado do Brasil”. Logo em Setembro de 1642 Teles da Silva enviou uma carta ao Conselho Ultramarino informando a situação de Salvador. Relatou que

Com a muita saca de patacas para esse Reino, e a falta do Rio de Prata, está esta Praça tão falta de dinheiro, que obriga a Câmara a pedir-me que desse remédio, porque se o não desse se perderia esta Praça, visto os remédios, que poderia haver para se acabar, que não fossem patacas para esse Reino, se acha serem impossíveis, pois, por mais buscas que se deem as embarcações, as escondem de maneira, que parece impossível o evitar-se. E assim vem todos geralmente, que convém alevantar a moeda, e por a cruzado cada pataca: porque para se dar ração aos soldados, são necessários oitenta mil réis cada dia; e faltando dinheiro na Praça, como se poderá executar? E assim deve Vossa Majestade haver por bem que se acunhem as patacas, e valha cada uma um cruzado, dois vinténs para Vossa Majestade, e dois para os donos, para que os interesse do ganho os faça vim cunhar.186

A baixa da moeda, causada pela interrupção da comunicação dos portugueses com o Rio da Prata, principalmente, não teria resolução dada pela coroa por pelo menos dez anos. Segundo Angelo Alves Carrara, nesse período a pressão militar exercida pelos holandeses no Nordeste significou grande aumento das despesas militares no Brasil e uma queda nos rendimentos portugueses, pois os inimigos ocupavam a principal região de exploração econômica.187 O historiador afirma que “o que importava, afinal de contas para os senhores de engenho era a quantidade de moeda que recebiam”, então por isso houve no período seiscentista um grande debate em torno da escassez da moeda.188 Note-se que o documento transcrito acima foi feito pelo Governador do Brasil a pedido dos camaristas e vale lembrar que a maioria dos oficiais da Câmara fazia parte da elite açucareira. Se nas primeiras décadas do século XVII a falta de moeda já denotava uma crise na circulação monetária, a situação agravou-se após 1640, pelos motivos já narrados por Teles da Silva: os problemas com o Rio de Prata e Angola.189 186

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 979 [24 de Setembro de 1642]. Angelo Alves Carrara, Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil (século XVII), Juiz de Fora, Ed. UFJF, 2009, pp.77-78. 188 Idem, p.85. 189 Idem, p.86. 187

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Apesar do seu tom de urgência, o Governador teria que escrever mais algumas vezes para o Conselho Ultramarino sobre o tema em questão. No início de 1643 voltou novamente a informar sobre os problemas já descritos e sem obter resposta, em primeiro de Agosto deste mesmo ano reuniu-se com os camaristas e as “pessoas de respeito da República” e decidiram que

[...] com o exemplo de se ter levantado no Reino, foram todos de parecer que a moeda de prata se acrescentasse a cinquenta por cento como o Povo e Câmara pedem, vinte e cinco [por cento] para a Fazenda de Sua Majestade e outros vinte e cinco para os donos da moeda, e que destes vinte e cinco [por cento] dos donos se paguem os custos que serão com a maior moderação que possa ser a saber que as patacas que valiam trezentos e vinte réis valham quatrocentos e oitenta réis, e as meias patacas duzentos e quarenta réis, tostões velhos cento e cinquenta, e assim a mais moeda de prata reais, meios tostões e vinténs.190

Onze anos depois, entretanto, Dom João IV cobrou uma explicação para a sobredita medida, acertada sem nenhuma ordem sua. Afirmou que valiam os tostões velhos e os meios tostões mais do que no Reino, e logo se deveria voltar a cobrar por eles seis e três vinténs, respectivamente, pois “o levantar ou baixar a moeda pertence só aos Reis, por ser direito real”.191 A escassez da moeda foi pauta da preocupação das autoridades coloniais até finais do século XVII. Como afirma Carrara, apenas com a descoberta das minas as queixas sobre a baixa monetização diminuíram. A Casa da Moeda foi transferida para o Rio de Janeiro e as discussões passaram a ser majoritariamente em torno das técnicas de cunhagem da moeda.192 Dentro desse contexto, podemos afirmar que pelo menos no que diz respeito à defesa do Brasil Antonio Teles da Silva obteve êxito, embora as dificuldades econômicas oferecessem condições desfavoráveis para isso. Entretanto, nas suas relações com outras autoridades locais o Governador não teve grande sucesso. Sua administração esteve repleta de conflitos e de queixas dos seus desmandos. Atentemonos agora para elas, sobretudo para os problemas entre Teles da Silva e o Bispo Pedro da Silva Sampaio, objetivo maior desse capítulo. Já instalado na Bahia e com aproximadamente um mês de governo, Teles da Silva reclamou dos seus predecessores ao Conselho Ultramarino. Contou ele que, pouco 190

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 13, documento 1069 [9 de outubro de 1655]. Idem. 192 Carrara, Receitas e despesas da Real Fazenda..., pp. 87-91. 191

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antes de sua chegada à cidade, a Câmara criou uma finta para ajudar a sustentar os soldados, que se encontravam numa situação periclitante – da mesma forma que tudo o que estava relacionado à defesa da Bahia, como já vimos anteriormente. Porém, e sem nenhuma autorização real que permitisse tal ação, os governadores da junta provisória tomaram Nove mil cruzados para seus ordenados: fez a Câmara queixa de se lhe tomar este dinheiro: e como ainda que Vossa Majestade fosse servido que os ditos governadores tivessem ordenado havia de haver provisão de Vossa Majestade para a quantidade que haviam de levar e nunca poderia ser da finta que o povo fazia para sustento dos soldados, mandei notificar ao Bispo, e aos mais, que entregassem o dinheiro. O Bispo entregou: os mais o não tem feito.193

O Conselho da Fazenda também concordou com o Telles da Silva. Disse que:

Os governadores não podem levar mais ordenados que os que Vossa Majestade se serviu de lhes dar por suas provisões [...] e nunca em nenhum caso se podia pagar da finta que fez o povo para substrato dos soldados. O Bispo tem entregue os mais governadores devem entregar, com efeito.194

A questão foi pauta de mais correspondências do Governador, em 29 de Novembro do mesmo ano, relembrando ao Rei que

Ficava tirando devassa dos procedimentos dos governadores, e por haver tão pouco tempo que tomei posse do governo, e as ocupações dele tão grandes, e não tenho ainda acabado: o que farei logo enviando a Vossa Majestade tudo o que dela resultar, como Vossa Majestade me manda.195

Mas tudo indica que só em Janeiro de 1643 a devassa foi concluída. A missiva do dia 10 deste mês avisou que

Por carta do Conselho da Fazenda escrita a nove de Abril de 1642 se serviu Vossa Majestade de me mandar, que com o Ouvidor geral deste Estado tirasse devassa dos procedimentos, que os governadores passados tiveram no tempo de seu governo: em cumprimento da qual tirei, com o Ouvidor geral o

193

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 970 [10 de Setembro de 1642]. Idem. 195 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 994 [29 de Novembro de 1642]. 194

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processo de testemunhas, que envio a Vossa Majestade a cópia que será com esta, ficando em meu poder próprio.196

De acordo com Affonso Ruy, o Bispo, “resguardado pelas leis canônicas”

197

, escapou

de receber maior punição, ao contrário de Luiz Bezerra Barbalho e Lourenço de Brito Correia. Aquele foi obrigado a deixar a Bahia (mais tarde surge, já vimos aqui, como Governador do Rio de Janeiro), enquanto este foi preso em Lisboa.198 Fato é que se inicialmente houve uma relação amistosa entre o Governador e o Bispo, alguns meses depois o primeiro não poupou acusações ao clérigo – situação que se manteria daí pra frente. Dom Pedro da Silva e Sampaio assumiu o cargo de Bispo do Brasil em 1634 e permaneceu ali até sua morte, em 1649. Foi o sétimo a ocupar esse lugar. Seu bispado, contudo, caracterizou-se pelas dificuldades enfrentadas após a invasão dos holandeses na cidade oito anos antes e a constante ameaça que eles representavam à Bahia e ao Nordeste. À sua época a diocese estava numa situação bastante grave. Em Março de 1635, um ano depois de sua chegada, descreveu a realidade dos eclesiásticos da Bahia:

Achei que a clerezia e cabido tinham somente uma porção, que Vossa Majestade lhe manda dar da Fazenda Real que leva todos os dízimos deste Bispado, e que a porção mal lhes bastava no tempo presente para poderem sustentar a vida sequer com farinha de pão, e que não era possível podermos assim eles como eu que corro a mesma razão, e necessidade acudir com coisa alguma, nem os moradores desta terra mais do que com que acodem. Em tempos tão trabalhosos, e os Inimigos em casa, ou a porta, e que vem tomando, e destruindo as terras de Vossa Majestade neste Estado, e fazendo cessar os rendimentos e coisas de que o Bispo e os mais se ajudavam, e haviam de ajudar, e experimentei, e palpei estas necessidades, assim como o ver, como por não me chegar o pobre ordenado ao sustento natural, e que somente me podia ficar, e a clerezia, e ao povo o sentimento de não podermos ajudar com alguma coisa, mais de que os moradores de ordinário dão [...]199

Também sofria a própria edificação da Sé com dificuldades, que após a invasão holandesa ficou num estado de penúria. Dom Miguel Pereira, Bispo que precedeu Dom Pedro da Silva, já havia se reportado à coroa em 1629 sobre o problema, afirmando

196

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 999 [10 de Janeiro de 1643]. Ruy, História Política e Administrativa..., p. 187. 198 Idem ibid. 199 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 6, documento 682 [26 de Março de 1635]. 197

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Que a sua Sé da Bahia foi saqueada sem lhe ficar prata, nem ornamentos, nem órgãos, nem livros de Coro, nem missões, nem castiçais, e porque está em extrema necessidade como é notório e há mais de seis meses que pediu direito para se começarem a fazer ornamentos e se lhe não dá200

Pediu D. Miguel o envio urgente de dinheiro para atender as necessidades da dita Sé, mas tudo indica que o problema não foi resolvido com tanta urgência. Sua reforma e os problemas com os ornamentos só foram promovidos durante o bispado de Dom Pedro da Silva e foi um dos pontos da querela entre ele e o Governador Antonio Teles da Silva. Aliás, ao longo do seu governo episcopal, o Bispo em questão esteve envolvido em um litígio com outro Governador, Diogo Luiz de Oliveira, em 1635. Acusou-o de, sorrateiramente, durante a noite Trazer assim todas as cartas com estratagemas e escândalo universal, e tomou a abriu as que lhe pareceu, e as minhas. E a dúvida se lhe ficaram na mão ou se as enviou pelo que tornei a fazer outras do mesmo teor que são as inclusas [...]

E ainda contou que:

Mais desconsolada ficou esta cidade se mais o podia estar com esta tomada de cartas, ou vista delas, e os vassalos de Vossa Majestade atemorizados para nada escreverem e representarem aos pés de Vossa Majestade o que sentirem que importa ao seu Real serviço. 201

Dom Pedro da Silva foi um Bispo inegavelmente político, participando ativamente dos negócios do governo secular. Ressalte-se sua participação no governo provisório, em que predominou entre os outros dois participantes, assinando grande parte das correspondências. Mesmo antes, a propósito, ele já escrevia regularmente ao Rei sobre os mais diversos assuntos, inclusive sobre a guerra neerlandesa em curso. Segundo Pablo Iglesias Magalhães, o clero e os demais religiosos funcionaram como um serviço de inteligência e contra inteligência na guerra.202 E Dom Pedro da Silva não foi uma exceção. Mal chegou ao Brasil e já enviou uma carta ao Conselho da Fazenda pedindo socorro urgente à cidade da Bahia e a Pernambuco, bem como informando que o açúcar estocado em Itapagipe ficou infestado de insetos, pois os navios não deixavam 200

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 4, documento 474 [13 de Fevereiro de 1629]. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 5, documento 554 [12 de Abril de 1635]. 202 Magalhães, “’Equus Rusus’...”, p.95. 201

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o porto de Salvador.203 Em 1638, ano em que o Recôncavo baiano virou o principal alvo dos holandeses – que já haviam conquistado as terras da Paraíba a Sergipe Del Rey –, o então Governador Dom Pedro da Silva deu conta do empréstimo que ele, enquanto Bispo, fez à fazenda real de vinte cruzados para ajudar nas necessidades das trincheiras.204 E não pararia por aí. Dom Pedro da Silva, em 1641, relatou a vitória daquele ano à coroa: Fazemos saber que quando vai em quatro anos veio o Conde de Nassau com uma armada e pôs cerco a esta cidade por mar e terra [...] que nós por ser coisa muito necessária com nosso cabido e clero fortificamos [a cidade].205

A participação da instituição eclesiástica e de seus membros em Salvador foi certamente decisiva para a vitória contra o inimigo e, consequentemente, para a continuidade do domínio ibérico no Brasil, afirma Magalhães.206 Na sua tese de doutorado este autor relata minuciosamente a ação de Dom Pedro durante o sítio de Nassau, mostrando inclusive como ele, ao contrário de Dom Marcos Teixeira em 1624, ajudou a impedir, catorze anos depois, a fuga em massa e o abandono da cidade. Não há muitas notícias sobre o Bispo no que tange ao seu governo espiritual. As poucas obras que falam sobre ele tratam da sua intensa atuação no cenário político das guerras neerlandesas no Brasil. Frei Manoel Calado do Salvador, em seu Valeroso Lucideno, tratou da ocupação holandesa no Nordeste brasileiro e, como não podia deixar de ser, versou sobre a participação do prelado. Publicado em 1648, é um relato contemporâneo da guerra que aborda inclusive a participação do Bispo em questão, com severas críticas a ele. Ao falar da retirada de tropas de Pernambuco para a Bahia e da incursão nassoviana à Salvador e seu recôncavo, relatou o abandono em que ficaram os moradores daquelas partes. Frei Calado afirmou que eles

Se viam sobressaltados dos rigores do inimigo, a quem se viam sujeitos, e por outra suas Igrejas derribadas, e feitas estrebarias de cavalos; as imagens dos Santos feitas em pedaços; e o que mais é de lastimar, faltos de Sacerdotes, que lhes administrassem os Sacramentos da Santa Madre Igreja, e os doutrinassem, e corroborassem na perseverança da fé Católica, porque uns se foram [...] por temor do inimigo, que havia dado morte a alguns que pode achar e outros, porque ainda que a caridade Cristã, e o zelo da salvação 203

Idem, p. 101. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 7, documento 799 [12 de Junho de 1638]. 205 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 8, documento 947 [4 de Janeiro de 1642]. 206 Magalhães, “’Equus Rusus’...” p.106. 204

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das almas os obrigava a ficarem; todavia o Vigário Geral Manoel de Azevedo os obrigava a se retirarem; e lhe punha censuras para que o fizessem, e a alguns porque se haviam ficado mandou prender, e os molestou rigorosamente, dizendo que assim o mandava o Bispo Dom Pedro da Silva de Sampaio; e não sei eu com que razão e justiça [...]207

Frei Calado demonstrou claramente sua contrariedade à ordem do Bispo. Permaneceu em terras pernambucanas e por isso se envolveu em problemas com o clero local e o próprio Dom Pedro da Silva, que tratou de enviar papéis para o Santo Ofício, nos quais o Provincial da Ordem de São Paulo pedia que prendessem o frade apóstata.208 Na verdade, defende Magalhães, a medida era parte de uma estratégia arriscada do Bispo, que acreditava que a população, impedida de praticar o catolicismo, seguiria os clérigos e deixariam a Paraíba.209 Segundo Ronaldo Vainfas, não tardou para a Mesa de Consciência e Ordens desautorizar o prelado, dando permissão para que o clero católico permanecesse nas terras ocupadas pelo inimigo herege.210 Foram muitas as denúncias imputadas contra Dom Pedro da Silva no Valeroso Lucideno, inclusive de simonia, mas que podem ser postas em dúvida pelo desafeto do autor da obra com ele. Em que pese o questionamento acima, ainda sim o Valeroso dá indícios da forte personalidade do Bispo. Anos mais tarde os problemas entre ele e o Governador Antonio Telles da Silva denotariam isso. Se nos primeiros meses da administração de Telles da Silva não houve contendas explícitas entre os dois, lembrando inclusive do dinheiro das fintas que os governadores levaram pra si e que o prelado devolveu sem resistência, no início de 1643 o quadro se alteraria até a morte do Governador, em 1648. No último dia de janeiro do dito ano, Antonio Telles da Silva escreveu à coroa dando notícias do Brasil. Falou sobre o estado de sua defesa, a falta de moeda e de escravos e também investiu uma denúncia contra Dom Pedro da Silva. Disse:

Entre os ordenados que se pagam na folha ao Bispo deste Estado, leva cem mil réis que Vossa Majestade manda dar ao Vigário Geral de Pernambuco: leva mais duzentos mil réis cada ano que Vossa Majestade manda dar para a Sé havendo obras nela. Em tempo do Conde da Torre, se pôs dúvida a uma e outra coisa: e por se evitarem as excomunhões com que queria vir (por ter uma provisão de Vossa Majestade para ser executor de seus ordenados) se tomou por assento, que se desse conta a Vossa Majestade de que não tem 207

Frei Manoel Calado do Salvador, O valeroso Lucideno e o triumpho da liberdade, volume 1, Lisboa, Oficina de Domingos Carneiro, 1668, p.42. 208 Magalhães, “’Equus Rusus...’, pp. 168-169. 209 Idem, pp. 194-195. 210 Vainfas, Traição..., pp. 69-70.

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ainda vindo resposta: E porque nem na Sé se faz obra alguma, nem em Pernambuco há Vigário Geral e o Bispo se fica com tudo211

No mesmo ano o Bispo também seria protagonista de duas outras contendas; em junho durante, a procissão do Corpo de Deus, e em agosto contra o contratador dos dízimos, Matheus Lopez Franco, que envolvia indiretamente o problema narrado logo acima. Analisemos primeiramente o problema entre o prelado, a Câmara e o Governador durante a festa religiosa212. Durante elas não eram raros conflitos entre as mais diversas autoridades que a compunham. Queixosos, os camaristas escreveram: Por um grande excesso e insolência que na procissão de Corpos Christo deste presente ano fez o Bispo Dom Pedro da Silva saindo-se para fora da Sé sem dar tempo para sair a Procissão nem haver chegado a Câmara a acompanhar como é costume nem haver músicos ainda na Sé para irem nela nem gente da qualidade que convinha para levar o pálio tudo de propósito e sobre teima e por tanto que o mesmo Deão e outras pessoas eclesiásticas o advertiram que nem ainda era tempo de saírem nem havia os preparatórios convenientes para isso com tudo tomando o Senhor nas mãos saiu tão antecipadamente escandalosamente que fez força com a pouca gente que havia sair a procissão com toda esta descompostura [...]213

Como já foi rapidamente trabalhado no primeiro capítulo, havia uma geografia que compunha a procissão e demarcava o lugar de cada autoridade secular e eclesiástica no préstito. O descumprimento desse programa, vale ressaltar, era o principal motivador de conflitos. As procissões eram organizadas, pela ordem do sagrado, da seguinte forma: eram presididas por um eclesiástico com maior dignidade em exercício, que deveria caminhar sob o pálio. Este era obrigatório se o Santíssimo Sacramento ou as relíquias do Santo Lenho fizessem parte da celebração. Primeiro estavam os instrumentos musicais, seguidos pelas irmandades, confrarias e ordens terceiras. Depois vinham os religiosos regulares e seculares, seguidos, por fim, pelos leigos.214 O festejo começava com uma missa e depois seguia com uma procissão pelas principais ruas da cidade, e foi nesta passagem da missa para a rua que Dom Pedro da Silva protagonizou esta

211

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1003 [31 de Janeiro de 1643]. A procissão de Corpus Christi tem a data móvel, sendo sempre realizada onze dias após o Pentecostes. Criada no século XIII, logo ganhou corpo e tornou-se a mais solene de todo o Império português. Ela celebra a Divina Eucaristia, em memória ao sacrifício de Cristo, que após o Concílio de Trento constituiu o principal sacramento para os católicos. Sobre a procissão de Corpus Christi na Bahia ver Mendes, “Festas e procissões reais...”, pp. 47-51. 213 Cartas do Senado, vol. 1, p. 18. 214 Mendes, “Festas e procissões reais...”. pp. 82-83 212

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“vexação”. Antonio Telles da Silva, juntamente com os oficiais da Câmara, tiveram que correr para alcançar a procissão, e quando o fizeram o Bispo Largou o Senhor das mãos e saindo-se do pálio fora largando a Custódia ao Chantre com admiração de todo o povo e em... dele pegou em um vereador do ano passado e empurrou com o braço dizendo em altas vozes que se fosse com o Guião da Câmara que levava para diante com pena de excomunhão maior e o fez ir assim intimidado para onde iam as bandeiras e insígnias das mecânicas afrontosa e escandalosamente no que o Governador e a Câmara de portaram com toda a prudência e dissimulação por não se alterar o povo [...]215

A querela, portanto, era em relação ao lugar do guião (estandarte) da Câmara no préstito. Dom Pedro da Silva, baseado numa provisão que recebera anos antes, afirmava que a bandeira deveria ir à frente de todas as cruzes. Essa questão, aliás, não teve início nesta data e também não findou rapidamente. Em 1659 a Câmara escreveu sobre o assunto, pedindo que o rei pusesse termo à dúvida sobre o lugar do seu estandarte e contando como desde esse problema de 1643 os camaristas deixaram de levar sua bandeira nas procissões.216 Após protagonizar esse episódio na comemoração do Corpo de Deus, Dom Pedro da Silva voltou a ser alvo das denúncias de Telles da Silva no que dizia respeito ao seu ordenado. O problema desta vez envolveu o contratador dos dízimos eclesiásticos Matheus Lopez Franco e estava, de certa forma, ligado à acusação feita em Janeiro pelo Governador contra o prelado, de levar para si dinheiro que não o pertencia. Narrou Telles da Silva que

Havendo se levantado a moeda neste Estado, e querendo o contratador Matheus Lopez Franco pagar um quartel que devia da folha eclesiástica; o Bispo lho não quis aceitar por ser no dinheiro cunhado que corria, obrigando-o sem censuras a que lho desse por cunhar. Já o tem declarado, e ameaça toda esta cidade sem interditos, e excomunhões, levado da ambição dos avanços que lhe podiam resultar; sendo eles de pouca consideração, e opinião de todas as pessoas doutas, que lhes não deve como de tudo informara a Vossa Majestade o Padre Francisco Pirez da Companhia de Jesus, que nesta ocasião envio a essa corte. A causa de o Bispo exceder em tanta demasia é uma provisão que em tempo D´El Rei de Castela se lhe passou para ser executor de seus ordenados, com poder, da qual faz estas vexações aos contratadores. E porque não haja quem por temer delas, se 215 216

Idem. p.19. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 15, documento 1751 [22de Setembro de 1659]. Para compreender melhor o desenrolar desse problema sobre o lugar da bandeira nas procissões ver Mendes, “Festas e procissões reais...”, todo o capítulo 3.

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atreva a lançar nos dízimos, e por este respeito virá a perder muito a fazenda de Vossa Majestade me pareceu representá-lo a Vossa Majestade para que se sirva mandar considerar quanto convém que se lhe revogue a tal provisão, e se passe outra em contrário, pois só por este meio se evitarão estas alterações, e Vossa Majestade ficará servido como desejo.217

Os dízimos eclesiásticos foram tema de poucos trabalhos no Brasil. O principal deles foi escrito pelo Arcebispo de Mariana em 1964, Dom Oscar de Oliveira. Embora a obra tenha alguns problemas de parcialidade do seu autor, ela nos permite conhecer melhor todo o processo de arrecadação dos dízimos. Estes, portanto, eram a décima parte – ou outra porção pré-determinada – dos frutos ou dos lucros licitamente adquiridos, tributados para o auxílio do culto divino e dos ministros da Igreja. 218 A sua arrecadação pertencia à coroa, garantida pelo direito do padroado régio. Desse dinheiro eram pagas as côngruas do Bispo e do Cabido, bem como o ordenado dos párocos colados e as demais necessidades que existissem para a manutenção da Sé ou paróquias. Discorramos, de forma simples, sobre o processo de cobrança dos dízimos eclesiásticos. Havia um contrato, de valor estipulado pela coroa, que era posto em arrematação. Sabe-se que até 1735 todos os contratos da colônia eram rematados na capitania da Bahia e em geral eram trienais.219 Arrematado o contrato, cabia ao contratador a cobrança dos dízimos. Na Bahia, os proprietários de terra eram os principais taxados e o açúcar era o principal produto arrecadado. O próprio calendário da dizimação estava ligado ao ciclo da plantação e colheita do açúcar. Segundo Dom Oliveira, as cobranças eram realizadas em Agosto, quando tinha inicio a grande safra do açúcar220. Corrobora Schwartz ao afirmar que de inúmeras formas esse produto criou o contexto da vida baiana, inclusive a atividade dos clérigos, que dependiam dos dízimos.221 Recolhidas as décimas, os contratadores passavam à terceira etapa do processo: botavam os produtos em pregão e pagavam à Fazenda Real o valor que deviam do contrato, sendo deles o restante do lucro. Na prática, nem sempre o processo se cumpria rigorosamente e muitas vezes os contratos não eram devidamente pagos pelos contratadores.

217

AHU, Avulsos Bahia, caixa 1, documento 46 [21 de Agosto de 1643]. Dom Oscar de Oliveira, Os dízimos eclesiásticos do Brasil nos períodos da colônia e do império, UFMG, Belo Horizonte, 1964, p.15. 219 Idem, p.76. 220 Oliveira, Os dízimos eclesiásticos..., p. 73. 221 Schwartz, Segredos Internos..., p. 95. Para conhecer sobre a safra do açúcar e seu ciclo, ver especialmente o capítulo 5. 218

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O problema ainda perduraria por mais alguns anos, apesar da insistência do Governador sobre a necessidade urgente de resolvê-lo. Em 1644 Telles da Silva arrolou uma série de informações à coroa sobre as controvérsias de Dom Pedro da Silva e tornou a lembrar de que ainda não tivera resolução sobre tais casos. Falou sobre a questão dos ordenados e contou

Como o dito Bispo erigiu Paróquia uma ermida de Santo Antônio, orçando Vigário, de novo; e por mais instâncias que fez o Provedor Mor da Fazenda que então era Simão Alvarez de La Penha, mandou que sem embargo de qualquer dúvida se lhe lançasse em folha o ordenado222

E ainda afirmou que o Bispo, assegurado pela provisão que tinha de executar seus ordenados “cobra por meio dela com tanta violência dos contratadores, que teve excomungado a Matheus Lopez Franco, e por este respeito, não há quem se atreva a lançar nos dízimos”. Disse também que o prelado tinha outra provisão pela qual podia confirmar nos benefícios as pessoas que ele mesmo nomeava, tocando aos governadores gerais por isto fazer parte da jurisdição real. Segundo o Governador, Dom Pedro da Silva provia nos cargos da Sé “sujeitos incapazes de executá-los”.223 Por ordem real, na portaria de Outubro do mesmo ano, Antonio Telles da Silva ordenou ao Provedor Mor da Fazenda que

Faça pôr logo em arrecadação os trezentos mil réis que de sua Real Fazenda cobra todos os anos o Reverendo Bispo deste Estado a saber cento para o Vigário de Pernambuco, e duzentos para as obras da Sé arrecadando-se os cento desde que a Vila de Pernambuco está ocupada pelos holandeses e os duzentos do tempo que se não fazem obras na Sé224

Dessa forma, Sebastião Parvi de Brito emitiu um despacho ordenando que

Ponha as verbas necessárias no assento e folha por onde se faz pagamento ao Reverendo Bispo deste Estado Dom Pedro da Silva em como não pode haver pagamento dos cem mil réis que se lhe manda pagar ao Vigário geral das partes de Pernambuco e Paraíba pelo não haver nem se exercitar o tal ofício depois de ocupadas as ditas partes pelos holandeses e assim mais se pôr a verba no assento e folha dos duzentos mil réis aplicados da Fazenda Real para a fábrica das obras da Sé para de uma e outra coisa se não fazer 222

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1096 [1644]. Idem. 224 Idem. 223

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pagamento até ordem de Vossa Majestade para o tempo atrasado o Reverendo Bispo dará satisfação com efeito ao que tem recebido da fábrica de que não fez obra do dia que tomou posse deste Bispado e começou receber, e dos cem mil réis do dia que a capitania de Pernambuco foi ocupada e começou a receber225

A ordem foi logo executada pelo escrivão da Fazenda, que foi até a casa do Bispo e leu adverbum a portaria do Governador e o despacho do provedor. Entretanto Dom Pedro da Silva não acatou a ordem e recorreu ao provedor mor afirmando que podia “mostrar dentro em meio dia a Vossa mercê que sempre se fizeram obras e que se despendeu nelas mais do que se recebeu”. Disse ainda que ele não recebeu nenhum dinheiro e que isso ficava a cargo dos priostes226 e tesoureiros da Sé “e que de tudo deram conta e inteira satisfação e que a despesa foi feita com muita consideração e muito aproveito da Igreja e do serviço de Deus e Del Rei”.227 E, por fim, assegurou que sempre houve Vigário geral em Pernambuco durante seu Bispado, e não um, mas dois, por serem extensas aquelas terras e que, embora os holandeses tivessem-na ocupado, “ha[via] lá muitos católicos e igrejas” e, portanto, não podia abandoná-los sem um governo espiritual.228 Contudo, a palavra de Dom Pedro da Silva não foi suficiente para convencer as autoridades da Fazenda Real. Logo o provedor ordenou:

Notificará ao Reverendo Bispo se louve ou mande louvar por sua parte em pessoas que façam avaliação da obra feita na Sé desta cidade dentro em dois dias e o Procurador da Fazenda fará o mesmo de que se fará termo de juramento aos louvados e não nomeando o Reverendo Bispo se fará pelos louvados do Procurador da Fazenda e os papéis e provas que o Reverendo Bispo alega em sua petição os pode entregar ao escrivão dos autos no termo que alega para se deferirem autos apartados por nesta matéria ser mero executor com que hei por deferido a dita petição. Bahia oito de outubro de mil seiscentos e quarenta e quatro//Parvi.229

A notificação foi feita ao Bispo dois dias depois do despacho de Sebastião Parvi de Brito e em 11 de outubro o procurador da Fazenda, Antonio da Silva e Souza iniciou as averiguações nomeando duas pessoas para avaliarem as obras de carpintaria da Sé, outras duas para as obras de pedraria (Dom Pedro não quis também nomear 225

Idem. No dicionário de Bluteau encontra-se a seguinte descrição para prioste: o que cobra a renda da Igreja. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 227 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1096. 228 Idem. 229 Idem. 226

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avaliadores). Estas tiveram uma soma total de oitocentos e cinqüenta e sete mil e quatrocentos réis, enquanto os carpinteiros chegaram ao total de um conto cem mil e setecentos e vinte réis, perfazendo um montante de um conto novecentos e cinqüenta e oito mil e vinte réis.230Em resposta às avaliações, o procurador da Fazenda deixou claro que Todos [avaliadores] confessam que nem a obra de pedra e cal que nada se fez nem a de carapinas serve para prosseguir a traça da obra da Sé e sua Capela donde resulta que as tais obras se devem reputar por inúteis e como se nunca as houvera e assim deve o Reverendo Bispo ser executado pelos dois contos de réis recebidos por inteiro por que o mesmo é conforme o direito non esse ae inutiliter esse além de ser feito a dita obra sem esmola de seculares e eclesiásticos os quais há notícia que o Reverendo Bispo proíbem se declarem e as quantidades das esmolas: e quando pareça que se não deva proceder nesta forma sem se reescrever a Vossa Majestade a respeito da obra feita há de ser em advertência que se não retarde na execução de suas ordens a respeito dos anos que constar que se não fizeram obras na dita Sé, nem em sua Capela maior [...]231

Entre as pessoas que foram arroladas para estimar os gastos das obras da Sé foi consenso que tudo o que havia sido feito não seguiu o traçado elaborado por Domingos da Rocha, mestre de pedreiro, afirmando entre outras coisas que as paredes que existiam foram levantadas apenas para poder se rezar a missa. Disseram também que na construção quase nada era aproveitável, apenas as pedras, e que havia quatro anos e meio que nenhuma obra era feita na igreja. Portanto, concluiu o provedor mor, dessa quantia devia o Bispo novecentos mil réis referentes ao tempo em que as obras estavam suspensas. Além disso, ele também tinha que devolver um conto de réis do dinheiro do Vigário geral de Pernambuco, já que, ainda que tentasse provar, não podia afirmar que o despendia corretamente. Concluiu-se que Requera ao Reverendo Bispo Dom Pedro da Silva o que é de satisfação do um conto e novecentos mil réis que Vossa Majestade manda seja executado e não pagando ou nomeando penhores de ouro ou de prata no termo da lei em falta poderá nomear o Procurador da Fazenda.232

O prelado, não satisfeito por ter perdido a causa, enviou uma apelação indeferida pelo procurador da Fazenda por ela não ter sido feita da maneira tradicional, ou seja, o agravo não foi feito em audiência e o apelante não tinha procuração de Dom Pedro da 230

Idem. Idem. 232 Idem. 231

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Silva. Portanto, a apelação foi indeferida. Apesar de alguns dias depois o Bispo ter enviado seu procurador em uma audiência pública com uma procuração sua para recorrer novamente, Sebastião Parvi afirmou que não era de sua alçada, pois ele era um “mero executor das ordens de Vossa Majestade e do Governador e capitão geral” e dessa maneira não podia avaliar uma apelação de efeito suspensivo, mandando-o requerer isto a Antonio Telles da Silva. Por fim, já em novembro de 44, decidiu-se por abater dos “ordenados do Reverendo Bispo vencidos e que forem vencendo” a quantia devida – que concluíram não ser mais de um conto e novecentos mil réis e sim um conto (do Vigário de Pernambuco) e quinhentos e quarenta mil réis, já que abateram oitenta mil réis cada ano, por quatro anos, despendidos na fábrica da sacristia.233 Encerrado o caso na junta da Fazenda e condenado Dom Pedro da Silva a devolver o que supostamente tinha levado do dinheiro do Vigário geral e da fábrica da Sé, o problema ganhou grandes dimensões. O dito bispo resolveu enviar ao reino, em 1645, o tesoureiro da Sé para dar conta ao rei de todos os desmandos que Telles da Silva andava fazendo contra ele e contra outros oficiais da administração colonial. Ocorre que o Governador, ao passo que estava envolvido no processo contra o religioso, também entrou em litígio com os oficiais da Câmara de Salvador e o Ouvidor geral Manuel Pereira Franco, do qual trataremos brevemente adiante. A tudo o que foi feito e dito acima pelo Governador, provedor mor e procurador da Fazenda refutou o prelado. Sua defesa foi assentada em duas partes, cada uma tratando de uma das acusações que o Governador do Brasil fez contra ele. Vale ressaltar, contudo, que o documento que acompanharemos aqui não foi escrito pelo próprio Dom Pedro da Silva, mas narra o que foi dito por ele em duas cartas de fins de 1644.234 No início da missiva contou-se que o Bispo foi notificado por conta do dinheiro do Vigário de Pernambuco e das obras da Sé e que, “informando contra a verdade”, não lhe foi dado nem meio dia para que ele apresentasse provas a seu favor.235 Por acusarem-no de não despender os trezentos mil réis como devia, suspendeu-se esse dinheiro, bem como não se pagou o seu ordenado, visando satisfazer o um conto e quinhentos e quarenta mil réis. E isso tudo era coisa tão escandalosa de toda aquela cidade, por saberem o contrário de que o dito Governador escreveu que se pôs em grande contingência a quietação 233

Idem. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10 documento 1157 [26 de Outubro de 1644] e 1158 [17 de Outubro de 1644]. 235 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1096. 234

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daqueles vassalos, e particularmente vendo que o dito Governador absolutamente trata mal a ele Bispo, procurando que com seus agravos use para sua defensa do remédio que lhe dá o direito, o que ele Bispo sofre e tem sofrido

Inúmeras razões foram relacionadas no documento contra tudo o que acusou Telles da Silva e seus “sequazes” (o procurador e o provedor). Embora a querela sobre o Vigário de Pernambuco tenha sido tema menos abordado no documento, não foi deixado de lado. Reafirmou que Sempre depois que estava no Brasil tivera Vigário Geral e Provisor na Paraíba. E algumas vezes como de presente tinha outro em Sirinhaém, tudo em Pernambuco porque assim é na verdade, e consta do Instrumento que apresenta, e que lhe dessem pessoa sem suspeita para o ouvir, e não querendo foi com embargos; e porque são suspeitos a ele Bispo, e o Provedor sobredito por duas vezes o confessar em despachos seus, e se deitou de Juiz; teme que não alcançará justiça; e em Pernambuco há muitos católicos, e não podem estar sem Provisor e Vigário Geral, a que recorrer, e será grande dano de suas almas, e de nossa santa Sé católica; e o ordenado de Bispo é tão tênue que não lhe fica com que poder remediar isto.236

As nove testemunhas inquiridas sobre o tema – a maioria de ex-moradores de Pernambuco – corroboraram com o prelado. Contaram que, mesmo com a ocupação dos inimigos, sempre houve Vigários ali, e as vezes eram três, mas naquele ano de 44 eram dois: Manoel Rabello, de Sirinhaém, e Gaspar Ferreira, da Paraíba. Na obra de Frei Calado, aliás, esse último é citado diversas vezes, sendo inclusive um desafeto do autor.237 Magalhães também cita Manuel Rabello no conteúdo de uma carta escrita do Bispo para ele que foi interceptada pelos holandeses.238 Desta forma, possivelmente Dom Pedro da Silva tivesse razão neste caso. No que tange a Sé da cidade da Bahia foi exposto

Que vendo-se há muitos anos a Sé daquela cidade velha e arruinada se tratou de se fazer outra deixando a velha dentro para se dizer missa até se acabar a nova; e estando feito pouco mais que os alicerces; ocupando os holandeses a Bahia, e destruíram e roubaram a Sé, em forma que era grande indecência celebrarem-se nele os ofícios divinos; e as paredes eram umas taipas de barro; e o telhado de telha vã; e a sacristia uma logia [sic] que servia de Aljube; e o altar principal, e coro, muito apertado de baixo de uma abóbada, e a Sé em altos e baixos com entulhos, e totalmente indecente.239 236

Idem. Calado, O valeroso lucideno... 238 Magalhães, “Equus Rusus...”, p.150. 239 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1096. 237

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Para pagar as contas desta obra foi utilizado o rendimento da imposição do vinho, que depois passou a ser utilizado para fins de sustentar o presídio da cidade. 240 Quando da vinda de Dom Pedro da Silva para o Bispado do Brasil, lhe foi dada uma provisão oferecendo o pagamento dos duzentos mil réis para a fábrica (manutenção e reforma) da igreja, e obras e ornamentos, ficando a critério dele quanto se gastaria em cada coisa. Mas ao chegar em Salvador o prelado percebeu que seria necessário muito mais dinheiro do que tinha e muitos anos para terminar a Sé nova. Portanto reuniu os oficiais dali e acordaram que “se fizesse agora como convinha a necessidade presente, e que não se tratasse de ir continuando as paredes [...] que com poucas fileiras de pedra se gastaria muito dinheiro”.241

Então, com ajuda de outras pessoas, as esmolas dos

capitulares, com o ordenado da fábrica e mais sua fazenda ergueu ele a capela mor, a sacristia, o cruzeiro e a casa do Cabido. Quando o Governador passou a portaria para suspender o dinheiro da dita obra, o Bispo quis mostrar as contas das despesas que teve, mas o Provedor mor não quis vêlas e mandou seus avaliadores, como já narrado anteriormente.

E vendo o Bispo que não queriam avaliar a despesa feita nos ornamentos e cálices, e na fábrica ordinária, fez petição ao dito Provedor que não deixasse o sobredito fora da avaliação, porque a dita provisão de tudo falava. E deixava no alvidrio do Bispo o que se havia de gastar em cada coisa; e incluía nos duzentos mil réis concedidos para a fábrica de que se trata, oitenta mil réis que já tinha, e que cessaram sem se pagarem mais; e fazendo-se muita diligência pela Sé, andando os dela arrastados de uma para outra parte, até agora não no puderam alcançar; Porque o dito Governador, Provedor e Procurador da Coroa (que não fazem senão o que ele lhes manda) vendo que a verdade se descobre, e que não há causa alguma em dano da fábrica, senão em muito proveito, e que sendo a receita até agora quatro mil e quinhentos cruzados, e que a despesa são nove ou dez mil, inventam modos de molestar o Bispo e Cabido, e com que encubram a informação falta, e fora do que na verdade passava, que tem dado a Vossa Majestade e assim inventam que declarasse o Bispo e o Cabido, que esmolas deram, porque a seu parecer estas se haviam de gastar primeiro na fábrica, e ficar o dinheiro da Provisão. Tão pouco se disse como tudo se fazia muito a serviço de Deus e de Vossa Majestade; E a obrigação da Fazenda real que leva todos os dízimos, que este ano estão arrendados em perto de oitenta mil cruzados com propinas, com esta declaração; e o Pio e católico zelo de Vossa Majestade não permite a crueldade que o Governador e seus sequazes por ele 240

Segundo Bluteau, presídio significa “gente de guarnição; os soldados que estão em uma praça para a guardar e defender do inimigo”. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 241 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1096.

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intimidados, fazem contra a Igreja e Sé, contra o Bispo, Cabido, e mais ministros, a quem os senhores Reis antecessores de Vossa Majestade procuraram honrar e favorecer; e os hereges estão perto, e os judeus em Pernambuco, e todos se hão de gloriar disto. E é sem dúvida que oitenta mil réis, e vinte e cinco para os gastos da semana santa que a Sé se davam antes da dita provisão, ficaram incluídos nos duzentos mil réis dela, sem haver outro dinheiro para a fábrica ordinária, nem extraordinária, nem para ornamentos depois que o Bispo foi para seu Bispado, mais que os ditos duzentos mil réis de que a dita Provisão trata; e o Governador da Bahia e Provedor Mor não sabendo com que encobrir a informação menos certa, dada a Vossa Majestade, buscam novos modos, ficando mais agravado o caso, e mais necessitado o remédio.242

Finalmente, assegurou que vendo seus inimigos que não podiam prosseguir com as acusações, passaram a dizer que “as obras que se fizeram de madeira, e pedra não eram boas”.243 Embora acreditasse que não conseguiria alcançar a justiça, certamente sentindose perseguido por outros agentes do poder real (como era o caso do Governador geral e do provedor mor Sebastião Parvi de Brito), Dom Pedro da Silva requereu

a Vossa Majestade que lhe faça mercê mandar que as ditas verbas se levantem, e os embargos; e se dê a ele suplicante o que se lhe tiver levado e a Igreja; e que a Provisão dos duzentos mil réis da fábrica esteja em pé como nella se contém, e tudo o que ele Bispo levava pela provisão de seu ordenado, e que sejam restituídos, e o Bispo em tudo o que se lhes tiver levado, e logo, porque de outra maneira o aperto será grande, e o escândalo que já o é crescerá mais, e que Vossa Majestade seja servido mandar estranhar muito a quem semelhantes causas ordena, e que não dá verdadeira informação dellas.

Também não se pode deixar de notar que à época não havia Tribunal da Relação ali, suprimido em 1626, o que possivelmente contribuiu para a irresolução rápida do caso. Segundo Schwartz, foram inúmeras razões que levaram à extinção do Tribunal da Bahia, desde a necessidade de direcionar os gastos feitos com a justiça para a defesa do Brasil até a antipatia gerada pela instituição entre os colonos. 244 Mas se muitos eram contra, outros defendiam a presença da Relação, pois ela serviria de contrapeso aos excessos dos Bispos e mais poderosos da terra. Como diz Schwartz, “se havia faltado justiça enquanto o Tribunal Superior estivera no Brasil, sem ele a situação voltaria a ser caótica”.245 A falta dele ampliou a jurisdição e o poder de diversas autoridades na 242

Idem. Idem. 244 Schwartz, Burocracia e sociedade..., pp. 173-187. 245 Idem, pp. 183-184. 243

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colônia, pois não havia mais uma instituição de apelação. Os múltiplos conflitos que ocorreram ao longo do governo de Antonio Telles da Silva por certo são conseqüências também da ausência deste importante instrumento da justiça no Brasil. A falta de Relação na Bahia não impediu que outra instituição se envolvesse na querela. Por carta de 17 de Novembro de 1644 os camaristas, em nome dos moradores da cidade e do Recôncavo, escreveram à coroa:

O Bispo com seu zelo, cuidado e com o seu [dinheiro], na forma em que podia ser, pôs mãos a obras. Proveu de cálices, livros e de outras coisas precisamente necessárias; e de ornamentos a sacristia – foi acudindo a despesa corrente da Igreja; e fazendo nela a Capela mor, a Sacristia com seus caixões, casa do Cabido, e cruzeiro e ladrilhando a Sé toda com forma que se consola agora a gente de entrar nela. E quando esperávamos e os moradores da cidade e do Recôncavo que Vossa Majestade havia de por os olhos nos muitos e qualificados serviços do Bispo; e deste cuidado e zelo da Igreja para lhe fazer mercê vemos que o Governador Antonio Telles lhe fez tomar seu ordenado todo, sem lhe deixar coisa alguma, até dali repor o que lhes parecesse [...] sem o querer ouvir, nem lhe admitir requerimento [...]246

Os oficiais da Câmara, aliás, estavam também em litígio com o Governador geral. Acusavam-no de tomar e abrir cartas que seriam enviadas ao Rei por alguns deles relatando os excessos praticados por ele contra o Ouvidor geral Manuel Pereira Franco.247 Além dos vereadores, o Ouvidor e o Governador enviaram cartas relatando suas versões sobre o problema. Ocorre que Franco, em duas sentenças, agiu a contra gosto de Telles da Silva. A primeira delas foi sobre uma briga entre o conservador dos padres da Companhia de Jesus, Nicolau Viegas, e o cônego da Sé, Philipe Batista.248 Aquele acusou o cônego de tratá-lo mal e por isso o prendeu, pedindo um auxílio do “braço secular” a Manuel Pereira Franco. Entretanto o Ouvidor afirmou que não poderia dá-lo o dito auxílio, pois ele, conservador, era um juiz apostólico. Inconformado, Viegas tratou de excomungá-lo e por isso foi advertido pelo bispo Dom Pedro da Silva, que anulou a excomunhão. Todo este enredo, segundo Ouvidor, contrariou Antonio Telles da Silva, já que o conservador jesuíta era seu protegido.249 A segunda sentença, gota d’água para o Governador, foi sobre Philippe de Moura e o assassinato de sua mulher, rica e de “nação hebreia”, ou mais especificamente sobre sua herança. Defendia Telles da Silva que Franco deveria, antes de dar sentença a essa questão, mostrá-la ao 246

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1156 [17 de Novembro de 1644]. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1094 [2 de Setembro de 1644]. 248 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1079 [25 de Outubro de 1644]. 249 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1095 [26 de Setembro de 1644]. 247

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procurador da Fazenda, para que fossem tomadas as providências sobre a herança – pertencentes à Fazenda Real.250 Para ele, Manuel Pereira Franco não agiu conforme o desejava e sentenciou a causa sem apresentar nada ao procurador, sendo por isto preso em sua casa e suspenso do seu ofício. E quando questionado pelo Governador, o Ouvidor afirmou que estava julgando apenas a causa crime e não tratava dos bens da defunta por não ser de sua jurisdição.251 O Conselho Ultramarino, após analisar o caso, deu razão a Manuel Pereira Franco: [...] pareceu a este conselho que visto os julgadores nos despachos da justiça, não estarem obrigados a julgarem mais que conforme a direito, e o que dele julgam conforme sua consciência, sem nenhum superior dos inferiores, os poderem obrigar a dar despacho em contrário disto, que o Governador não tem razão de dar por culpa ao Ouvidor a sentença que deu, denegando o auxílio do braço secular ao conservador dos padres da companhia; por assim entender a ordenação de Vossa Majestade e em seu favor haver doutores que assim o dizem e como era em defensão da jurisdição de Vossa Majestade merecia mais favor de seus ministros, do que desfavor. E no caso da prisão do Ouvidor geral parece que pela mesma razão o Ouvidor não excedeu.252

Em Maio de 1645, entretanto, Manuel Pereira Franco ainda encontrava-se preso. Outra consulta do Conselho Ultramarino pedia que o mesmo fosse julgado com justiça e brevidade porque ele passava na “prisão muitas necessidades”253, e “para se sustentar esta[va] vendendo alguns móveis que levou deste Reino”254. Apenas em Julho uma carta régia colocaria termo aos conflitos envolvendo Antonio Telles da Silva. Dom João IV tratou de suspender a prisão de Franco e também restituí-lo no seu cargo de Ouvidor geral. Ainda mandou Dom Pedro da Silva notificar o conservador Viegas e julgá-lo conforme as normas tridentinas.255 Enfim, advertiu Antonio Telles da Silva, lembrandoo da sua

250

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 9, documento 1079. Sobre a querela entre o governador e o ouvidor ver Érica Lôpo de Araújo, “De golpe a golpe: política e administração nas relações entre Bahia e Portugal (1641-1667)” (dissertação de mestrado), UFF, 2011, pp. 74-86. 252 Idem. 253 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1112 [5 de Maio de 1645]. 254 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1128 [25 de Julho de 1645]. 255 O rei também mandou notificar os religiosos da Companhia de Jesus, dizendo para eles requererem seus direitos nas questões das desmarcações e sesmarias pela via ordinária, através dos ministros reais. Essa afirmação, aliás, leva a crer que o litígio entre o conservador e o cônego era uma disputa de terras. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1129 [sem data]. 251

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Obrigação precisa de evitar por todas as vias semelhantes discórdias entre os eclesiásticos e seculares pelo mau exemplo que causavam a vista do gentio e dos hereges tão vizinhos256

Desta maneira ficou resolvida a contenda entre o Governador, a Câmara, o Ouvidor geral, o conservador dos padres da Companhia e o cônego da Sé. Por certo essa resolução não garantia a paz entre estas autoridades nos anos seguintes, mas não foram encontrados mais documentos sobre o assunto após a carta régia. O mesmo não se pode dizer em relação à querela do Bispo com o Governador. Uma consulta de 17 de Agosto de 45 e um requerimento feito em nome de Dom Pedro da Silva dão a entender que nada foi resolvido, ficando o prelado “sem ter coisa alguma que comer nem gastar” e também sem poder acudir aos dois vigários gerais de Pernambuco.257 Até então esta é a última carta que se refere ao conflito nos arquivos pesquisados, dando a entender que não se determinou uma resolução para o problema. Podemos inferir que esta aparente cautela da coroa em analisar o caso foi parte do jogo político de um período conturbado como aquele, já que qualquer tipo de insatisfação contra Dom João IV poderia desandar a consolidação da frágil dinastia brigantina. Por certo a animosidade entre o Bispo e o Governador foi se construindo ao longo da convivência entre essas duas autoridades. Esse tipo de conflito entre a esfera civil e a eclesiástica foi consequência da congruência de personalidades fortes nos cargos mais altos das duas hierarquias. A contenda estudada neste capítulo ocupou lugares sociais diversos e representou principalmente uma disputa de poder e de jurisdição muito comum na sociedade do Antigo Regime. Embora os dois representassem instituições responsáveis pela administração portuguesa na América, e que normativamente sua relação fosse de cooperação, foram os conflitos que nos revelaram melhor a existência de limites entre o governo da Igreja e do Poder civil, representados aqui por essas duas personagens. Vale ressaltar que litígios entre essas duas esferas do poder não foram uma especificidade da colônia. José Pedro Paiva, ao trabalhar as relações entre a Igreja e o Estado no período pós-restauração, afirma que a interferência do rei cresceu ao longo da modernidade em função do aumento da centralização do poder régio. 258 A coroa, que se 256

Idem. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1133 [sem data]. 258 José Pedro Paiva, “As relações entre o Estado e a Igreja após a Restauração: A correspondência de Dom João IV para o Cabido da Sé de Évora”, Revista de História das Idéias, vol. 22, 2001, pp. 107174. 257

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encontrava em grave situação financeira nesse contexto de 1640, ordenou que o imposto da décima, criado para ajudar nas despesas militares, também fosse aplicado às rendas eclesiásticas do Arcebispado de Évora. Ordem semelhante foi enviada ao sobredito Bispo do Brasil, e também nesse assunto Antonio Telles da Silva interferiu, numa tentativa de constranger o religioso. Pediu o rei que ele emprestasse trinta mil cruzados para ajudar a Fazenda Real a socorrer a infantaria, e que ainda não tendo feito à época da carta, achou o Governador de ir ao Convento de São Francisco encontrar o Bispo para lembrar-lhe de suas obrigações enquanto “bom português e leal vassalo”259, corroborando com a assertiva de Paiva que o aumento do usufruto da coroa em relação aos bens da Igreja e o decréscimo dos rendimentos dela formaram uma tendência evolutiva conjuntural das relações entre os dois poderes no período moderno.260 Os casos de Évora assim como o narrado acima exemplificam bem isso. A tendência centralizadora na qual caminhou a monarquia portuguesa e a crescente subordinação da Igreja esteve presente na política de Dom João IV e aumentou ao longo das décadas. O conflito entre Antonio Telles da Silva e o Bispo D. Pedro da Silva revela qual tipo de relação se mantinha entre estes dois poderes na colônia. Mais do que isso, demonstram que essas duas esferas, antes de qualquer coisa, eram constituídas de homens dotados de interesses próprios que geravam muitas vezes atritos como esse narrado aqui. Além disso, estudar essa temática ajuda a compreender o cotidiano político numa sociedade de Antigo Regime, onde os litígios não eram fatos excepcionais. A necessidade de distinção estimulava a disputa de poder e se pode afirmar que elas faziam parte do sistema político administrativo português. Como expôs Schwartz, a contínua disputa jurisdicional na América, talvez inerente à natureza do governo português ou incentivado pelo mesmo, por certo foi exacerbada pelas personalidades individuais261. E, segundo Boxer, ainda que essas brigas não fossem estimuladas e não contribuíssem para uma harmonia administrativa, também não eram controladas pela coroa, posto que se encaixassem “no sistema colonial de verificações e balanços”, garantindo “a rápida chegada das notícias dos delitos e enganos cometidos”.262 Dessa maneira o rei português, representando a principal fonte solucionadora desses problemas, conseguia manter sob o seu controle a governança do ultramar. O próximo capítulo aborda outro conflito, no início do século XVIII, entre o 259

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 10, documento 1111 [15 de Abril de 1645]. Paiva, “As relações entre o Estado e a Igreja...”, pp. 128-129 261 Schwartz, Burocracia e sociedade... p.32. 262 Charles R. Boxer, A idade do ouro do Brasil... p.168. 260

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Ouvidor geral e o Arcebispo da Bahia, que, ainda que num contexto diferente, com a dinastia brigantina em vias de consolidação, testemunha uma questão jurisdicional com pitadas de disputas pessoais pelo poder e pela distinção.

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Capítulo III

O açougue eclesiástico: disputa de poder e conflito de jurisdição no início do século XVIII

O século XVIII foi, em toda a América portuguesa, um tempo de inquietações263. As convulsões internas tiveram início logo nos primeiros anos dos setecentos, com os problemas nas Minas dos emboabas. Na Bahia, mais especificamente em Salvador, não foi diferente. Na primeira e última década do século eclodiram revoltas ocasionadas por fatores diferentes, mas que revelaram um pouco do contexto da cidade mais pujante do ultramar americano. Interessa-nos aqui focar na revolta que teve como principal alvo o aumento do imposto sobre os gêneros de primeira necessidade. Aos 17 dias do mês de outubro de 1711 eclodiu uma revolta fiscal conhecida pela historiografia como o “motim do Maneta”264. A principal queixa dos seus participantes – soldados, oficiais dos terços da cidade, chatins, negociantes portugueses, padres, oficiais mecânicos – era a adição de 10% ao imposto sobre as mercadorias importadas e sobre os escravos que vinham da Costa da Mina e de Angola. Ademais, também reclamavam do aumento do preço do sal, gênero de absoluta importância para a conservação de mantimentos e do couro, que desde o ano anterior havia subido de 480$ réis para 720$ réis.265 Havia muito tempo que a população estava insatisfeita com o abastecimento do sal e os preços impostos pelos contratadores do gênero. Vinculado a isso, outros produtos começaram a escassear. A carne, por exemplo, passou a ser um gênero mais raro, pois os criadores, sem poder salgar os couros, deixavam de descer as

263

Laura de Mello e Souza, em O sol e a sombra, diz que sobre a América portuguesa pairava o duplo temor de ameaça externa (com os franceses e outros estrangeiros investindo no Brasil) e ameaça interna (os colonos sem peias, senhores de sua vontade, sobretudo aqueles que se deslocavam pras Minas) in Souza, em O sol e a sombra..., p. 81. 264 Cf. Luciano R. A. Figueiredo, “Revoltas, fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa. Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais (1640-1761)” (tese de doutorado), São Paulo, USP, 1996. 265 Idem, p. 82. Para ver um pouco mais sobre o assunto, cf. Luis Henrique Dias Tavares, História da Bahia, São Paulo/Salvador, Ed. Unesp/Edufba, 2001.

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boiadas.266 A razão da determinação do imposto de 10% foi o auxilio à manutenção dos navios de guerra do Brasil, necessários para garantir a segurança contra os contínuos ataques de corsários e franceses, que tinham se avultado naqueles tempos. Entretanto, a aceitação não se deu de maneira pacífica na Bahia. Liderados por João de Figueiredo Costa, conhecido como Maneta, os amotinados reuniram-se na Praça da Câmara para cobrar medidas do então Governador, Dom Pedro de Vasconcelos e Souza, Conde de Castelo Melhor, almejando que ele impedisse as medidas recentemente adotadas. Ficou então acertado com o juiz do povo – interlocutor do processo – que qualquer decisão seria tomada dali a três dias. Impacientes, os revoltosos voltaram a se reunir no amanhecer do segundo dia, e trataram de bater o sino da Câmara Municipal no intuito de mobilizar a população.267 Sem conseguir acordo com o Governador, a multidão partiu em direção à casa do contratador do sal, Manuel Dias Filgueiras, invadindo-a e jogando seus móveis pelas janelas. Repetindo o feito de destruição no armazém dele, que estava localizado logo abaixo da residência, abriram “as pipas e todas as mais vasilhas, que encerravam diversos líquidos, fazendo-os correr pelas ruas...”.268 Os sublevados logo seguiram para a casa do sócio de Manuel Filgueiras, Manuel Gomes Lisboa, e continuaram – afirma Accioli – com os distúrbios “sem que se dispersassem, quando o Arcebispo recorreu às armas da religião: munido de uma âmbula, que encerrava as Partículas Sagradas, acompanhado de alguns Cônegos e irmãos da confraria do Sacramento da Sé, apresentou-se àqueles perturbadores...”, pedindo que se recolhessem às suas casas...269. A tentativa de Dom Sebastião Monteiro da Vide obteve sucesso, mas não por muito tempo. Como afirma Figueiredo, passado o ritual religioso – também considerado um ritual de controle social – os revoltosos voltaram às reivindicações. Não demoraria muito tempo e o Governador cederia à pressão e aceitaria as exigências dos insurgentes. Aconselhado por Lourenço Almeida, seu antecessor, assinou uma portaria e um perdão generalizado aos insurretos, dando ordens ao provedor da Fazenda para suspender os novos impostos.270 O desfecho dessa história não é o essencial para o que propomos aqui. Na verdade, ela serve como pano de fundo para desenhar os contornos da sociedade baiana no início do século XVIII. O problema de outubro de 1711 é relevante em dois 266

Thales de Azevedo, O povoamento da cidade de Salvador, Salvador, Ed. Itapuã, 1969, p. 350. Figueiredo, “Revoltas, fiscalidade...” pp. 81-82. 268 Accioli de Cerqueira e Silva, Memórias históricas e políticas..., p. 152. 269 Idem, p. 53. 270 Figueiredo, “Revoltas, fiscalidade...”, p. 86. Rocha Pitta também descreve o motim, do qual provavelmente foi expectador. Sebastião da Rocha Pitta, História da América portuguesa..., pp.83-86. 267

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aspectos: no que tange às realidades fiscais e econômicas de Salvador no período e, sobretudo, no que diz respeito à participação essencial do corpo eclesiástico (liderado pelo Arcebispo, uma das personagens principais desse capítulo) num problema não religioso, explicitando a importância do papel político desempenhado pela Igreja na América portuguesa. Contudo, e como já foram mostrados aqui nesse trabalho, nem sempre os interesses entre a Igreja e o Poder civil, com seus oficiais, convergiam. Nesse percurso encontramos uma tensão do início do setecentos entre duas figuras que assumiram cargos de extrema relevância na hierarquia de poderes da sociedade do Antigo Regime ultramarino. A existência de um açougue separado para os clérigos na cidade de Salvador foi ponto chave do conflito entre o Ouvidor Geral e Provedor da Comarca, Miguel Manso Preto, e o Arcebispo da Bahia, Dom Sebastião Monteiro da Vide. Querelas envolvendo essas duas esferas de poder, que num sentido mais amplo representam a coroa e a Igreja no ultramar, não eram incomuns. Nesse caso, para além de uma disputa de poder, um problema de abastecimento da cidade tornou-se questão central de um litígio. O caso do açougue dos eclesiásticos chamou-nos atenção devido ao seu prolongamento no tempo (durou treze anos) e por ter abarcado, direta e indiretamente, diversos oficiais reais. Neste sentido, esse litígio nos fez perceber que um estudo mais aprofundado poderia revelar o tipo de relação que se estabelecia entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia, bem como compreender um pouco mais do cotidiano político de Salvador enquanto sociedade do Antigo Regime, onde a hierarquia e os privilégios indicavam a harmonia e o equilíbrio social. A existência de um açougue separado para os clérigos na cidade de Salvador desde o final da década de 1620, criado para distinguir os eclesiásticos dos demais grupos sociais, culminaria em uma querela no início do século seguinte, opondo o Ouvidor Geral ao Arcebispo da Bahia271. Em 1705 Miguel Manso Preto fez uma denúncia contra Dom Sebastião Monteiro da Vide a fim de impedir a continuidade de práticas consideradas por ele como abusivas. A questão girava em torno do monopólio real do comércio da carne verde que, segundo Avanete Pereira de Sousa, era comum em todo o Império português.272 A Câmara Municipal de Salvador era a responsável pela

271

Existiram também açougues separados para outros corpos sociais, como os desembargadores da Relação, os religiosos do Carmo, a Misericórdia e o Senado da Câmara. 272 Sousa, “Poder local e cotidiano...”, p.155.

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sua execução e tinha nela uma das suas principais fontes de renda. 273 Cabe aqui atentarmos mais para a função desse poder local, que segundo Lara formava uma teia na qual se sustentava a política metropolitana274.

1- A Câmara Municipal e o abastecimento da cidade de Salvador

As Câmaras, na América Portuguesa, foram órgãos fundamentais no gerenciamento de boa parte do comércio, dos tributos e dos donativos impostos pela metrópole275. Em nome do bem comum da república, elas eram responsáveis pela organização e provimento dos núcleos urbanos, como, por exemplo, regulamentar o abastecimento da cidade ou vila ou mesmo cuidar da organização de festas reais e procissões religiosas276. Em meio ao processo de fundação da cidade, em 1549, foi erguida a Câmara de Salvador. Como as demais construções do período, o edifício foi levantado com materiais disponíveis no local: palha, madeira e taipa.277 Portanto, foi num sobrado que começou a funcionar o coração administrativo da cidade. Mas a construção não permaneceu tão rústica por muito tempo, tendo sido várias vezes refeita. A atual Casa da Câmara de Salvador foi iniciada pelo Governador Francisco Barreto de Menezes, nos anos 60 do século XVII.278 As Câmaras municipais, em todo Império português, equilibravam autonomia e submissão ao poder central. Embora por bastante tempo alguns historiadores tenham defendido uma centralização excessiva do governo lusitano, é necessário reconhecer a capacidade de negociação que as Câmaras tiveram em todo o Império279. Raymundo Faoro, por exemplo, acredita que a implantação dessa estrutura administrativa tipicamente portuguesa na colônia foi uma forma do soberano mantê-la sob rédeas 273

Idem. A terça parte da renda auferida pertencia à Coroa. Lara, Fragmentos Setecentistas..., p. 31. 275 Maria Fernanda Bicalho, “As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de Janeiro”, Revista Brasileira de História, 1998, vol.18, n. 36, p.251-280. 276 Em toda sua dissertação, Sousa trabalha com as atribuições que eram responsabilidades da Câmara de Salvador, sobretudo a partir do terceiro capítulo. Avanete Pereira de Sousa, “Poder local e cotidiano...”. 277 Affonso Ruy, História da Câmara Municipal... p.37 278 Idem, p. 38 279 João Fragoso, Maria de Fátima S. Gouvêa e Maria Fernanda B. Bicalho, “Uma leitura do Brasil colonial: bases da materialidade e da governabilidade no Império”, Penélope, n. 23, 2000, pp. 67-88. 274

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curtas.280 Entretanto, estudos posteriores caminharam no sentido contrário e defenderam uma posição mais autônoma da Câmara em relação à coroa, e aqui seguimos esta interpretação.281 A eleição do seu corpo de oficiais não estava vinculada ao rei. Era composta por dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador da Cidade, “eleitos anualmente pelas oitavas de dezembro por um corpo eleitoral, composto dos homens bons da cidade”, afirma Affonso Ruy.282 Até a criação do cargo de juiz de fora, no final do século XVII, o escrivão era o único de nomeação real.

283

Sua função era vitalícia e,

além de lavrar atas, era incumbido de cuidar do movimento financeiro do Concelho, sendo inclusive guardião da chave do cofre da Câmara.284A maior parte dos homens que assumiam cargos nessa instituição fazia parte da elite açucareira. 285 Era desta maneira que se inseriam na vida político-administrativa da cidade e no poder local, onde tinham certa liberdade para defender seus interesses. Eles exerciam a função durante um ano, quando novas eleições ocorriam. Esse modelo “eleitoral” evitava o que Boxer chamou de “auto perpetuação da oligarquia” – que ocorreu na América espanhola, onde em muitos cabildos os regedores (semelhantes aos vereadores) tinham cargo vitalício.286 As Câmaras tinham uma série de responsabilidades e todas elas envolviam elementos do cotidiano da população de Salvador, como a organização das procissões reais, questões relativas ao abastecimento da cidade, a urbanização, a alimentação e o fardamento das guarnições, dentre outros. Como afirma Lara, “com alçadas e privilégios confirmados pelo Reino, elas constituíam o centro da política local” e funcionavam como elos que mantinham os vários territórios ligados entre si e submetidos ao poder da coroa. Portanto eram mesmo, como afirma a historiadora, o coração do governo português287. 280

Como afirma o autor, “na verdade, o município (e suas Câmaras), na viva lembrança dos êxitos da monarquia, foi instrumento vigoroso, eficaz, combativo para frear os excessos da aristocracia e para arrecadar tributos e rendas”. Raymundo Faoro, Os donos do poder..., p. 170. 281 Para mais, conferir os trabalhos de Maria Fernanda Bicalho. Maria de Fátima Gouvêa e João Fragoso já citado nesse capítulo, bem como a obra de Charles Boxer sobre os concelhos de Goa, Macau e Bahia. Silvia Lara, na obra já citada aqui, também defende essa posição. 282 Ruy, História da Câmara... p. 40. 283 Segundo Graça Salgado, as atribuições de um juiz de fora consistiam, basicamente , em proceder contra os que cometerem crimes nos municípios de sua jurisdição, fiscalizar a atuação do alcaide-mor e dos alcaides pequenos, assinar licenças passadas pelo Senado, dar juramentos aos mais diversos cargos, etc. Cf. Graça Salgado, Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial, Rio de Janeiro, Ed. Nova Fronteira, 1985, pp. 261- 269. 284 Ruy, História da Câmara... pp. 42-43. 285 Boxer, Portuguese society in the tropics…, p. 73. 286 Idem, p. 77 287 Lara, Fragmentos setecentistas..., p 35.

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Segundo Sousa, “tanto em Portugal quanto em suas colônias, seguindo um direito costumeiro, advindo das tradições de organização local romana, devidamente expressa nas Ordenações do Reino, a organização e o provimento dos núcleos urbanos ficavam a cargo das Câmaras”.288 Dentre as atribuições que já foram citadas, estava a de cuidar do abastecimento de víveres de Salvador. Ela regulava todas as etapas do processo de venda, bem como era a única que podia autorizar o comércio de determinados produtos, como a farinha, a carne e o sal. “É justamente sobre estes que se concentrarão as maiores iniciativas do poder local, no sentido de prover satisfatoriamente a sua oferta à população”

289

, o que é explicado pelo fato de que esses

três produtos eram monopólios reais. A almotaçaria era o setor da Câmara responsável por tudo relacionado ao abastecimento. Segundo Charles Boxer, os almotacéis eram os oficiais designados para inspecionar todo tipo de comida que era trazida para vender na cidade. Verificavam se os preços seguiam as tabelas fixadas pela almotaçaria (na frente dos estabelecimentos deveria ter uma tábua onde os preços pudessem ser vistos) e asseguravam se os pesos e medidas estavam corretos.290 Como é dito nas Ordenações, “e estarão como for manhã, no açougue até a hora de terça (nove horas), não se indo daí, e fazendo dar a carne...” e “para saberem se os Carniceiros pesam bem a carne, ponhase a balança e pesos do Concelho, em que se pese, e vejam se é bem pesada, e os pesos fiéis...”, denotando a preocupação que havia sobre o comércio deste gênero291. No caso da farinha, até mesmo sua produção era regulamentada. A falta de interesse dos proprietários rurais em plantar certos gêneros alimentícios, ao longo do século XVII, em favor do plantio da cana de açúcar, fez com que a mandioca se tornasse o principal alimento da população.292 Assim, é perceptível ao longo de toda a documentação da Câmara, um esforço em prol do cultivo da mandioca. Já o sal, ao contrário dos outros dois gêneros acima citados, deixou de ser administrado pela Câmara a partir de 1690. Ele passou a ser regulamentado e controlado diretamente pela coroa, “em função da necessidade de preservar a indústria portuguesa de fabricação do sal, uma das mais importantes e prósperas da época, forçando a importação do produto, pelo Brasil, a 288

Sousa, “Poder local e cotidiano...” p. 137. Idem, p. 138. 290 Charles Boxer, Portuguese society..., pp. 318-340. Os preços almotaçados equivaliam aos preços máximos que o produto poderia ser vendido, existindo a possibilidade de serem comercializados à valores mais baixos. Para conferir mais sobre o assunto, ver Angelo Alves Carrara, Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas Gerais (1674-1807), Juiz de Fora, Ed. UFJF, 2007. Especialmente o capítulo 1. 291 Ordenações Filipinas, livro I, título LXVIII. 292 Sousa, “Poder local e cotidiano...”, p. 139. 289

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preços exorbitantes.293 Porém, aqui mais importa analisar de perto o abastecimento da carne, que também – junto com os outros dois – era imprescindível para a alimentação da população de Salvador. O estabelecimento de açougues públicos e o controle da venda da carne eram também atribuições camaristas e demonstram a forma como a Câmara administrava e organizava uma esfera importante da vida urbana294. Em Salvador, inicialmente, instalou-se apenas um açougue público anexo ao prédio da Câmara, mas, devido ao aumento populacional, depois foram construídos outros espalhados pelas freguesias da cidade295. No início do século XVIII eram dez no total, mas este número cresceu proporcionalmente ao aumento físico e populacional da urbe. Eles estavam subdivididos em talhos296, normalmente oito, que eram arrematados por particulares. Embora a venda da carne verde fosse um monopólio real – não só na Bahia, mas em todo Império português – a Câmara não cuidava de sua venda diretamente. Antes de tratarmos da comercialização da carne, devemos abrir um parêntese para entender melhor como se dava o processo da criação do gado. Como é de conhecimento comum, quando os portugueses se instalaram aqui inicialmente não havia animais domesticados conhecidos na Europa, tais como galinha, carneiro ou vaca. Porém, antes mesmo da chegada do primeiro Governador geral já havia na capitania da Bahia gado vacum.297 As primeiras zonas de criação foram estabelecidas nos arredores da cidade, com a construção de vários currais em Itapagipe, Itapuã e Tatuapara (atualmente Praia do Forte), todos de propriedade de Garcia d´Ávilla298. “Dali, afirma Azevedo, rico e poderoso, ia partir seu filho Francisco Dias d´Ávilla com a sua gente armada, os seus vaqueiros mamelucos e os seus rebanhos à conquista e povoamento do rio S. Francisco, aonde veio a dominar centenas de léguas de terras obtidas em sesmarias para o seu criatório”.299 A criação de feiras de gado era um das maneiras que a Câmara tinha para fiscalizar o abastecimento do produto. A principal delas no século XVIII era a do

293

Idem, pp. 162-163. Idem, p. 156. 295 Idem ibid. 296 No dicionário Raphael Bluteau, se encontra a seguinte descrição para a palavra talho: no açougue, é o cepo, ou o lugar, donde se corte, e se distribui a carne. Neste sentido se diz dar um talho ou ter um talho no açougue. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 297 Gado da espécie dos bovinos, próprio para o abate. 298 Sousa, “Poder local e cotidiano...” p. 155. Cf. Thales de Azevedo. O povoamento da cidade... pp. 320321. 299 Azevedo, O povoamento da cidade... pp.321-322. 294

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Capoame, a cinco léguas de Salvador (atual cidade de Dias D’ávilla), e que ocorria toda quarta feira.300 Lá ficavam concentradas as rezes que desciam do sertão para abastecer Salvador. Charles Boxer descreve que as viagens dos currais dos sertões da Bahia podiam durar semanas e até mesmo meses, e que não raro reclamava-se da magreza do gado.301 Um exemplo é o relato do viajante Dampier. Ele disse ter chegado a Salvador no tempo da quaresma e que não havia carne para comprar. Mas, contou, isso mudou na véspera da Páscoa, “quando um grande número de bois foi abatido imediatamente nos açougues da cidade; um bando de homens, mulheres e crianças seguiram para lá com grande alegria a fim de comprar, e uma multidão de cachorros, quase mortos de fome, os seguiu, e para eles a carne parecia apropriada, por ser magra”. 302 E desta maneira já chegavam às feiras, onde os criadores de gado ficavam submetidos aos preços determinados pela Câmara. Dali o gado era trazido para os currais da cidade, onde seriam abatidos. Aliás, o comércio da carne verde era tão importante para o Império português que as Ordenações Filipinas previam penas para quem descumprisse as normas de venda: “nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que seja, cortará carne fora dos açougues públicos, nem a maiores preços dos acima ditos” e a pena para quem o fizesse seria pagar “a valia do gado, a metade para quem o acusar, e a outra metade para os Cativos, e pagará vinte cruzados mais para o acusador, e será degredado dois anos para a África”.303 Vale ressaltar que geralmente havia uma grande distância entre a norma e a prática jurídica na época moderna, quando a lei servia como um limite máximo do que poderia ser feito e não um ideal a ser seguido a risca pela sociedade, como vivenciamos nos dias atuais. A carne chegava aos açougues públicos através dos atravessadores. 304 Eram eles que levavam o gado para a cidade para cortá-los. Por ordens do Senado, qualquer pessoa que chegasse com o animal deveria registrar-se na casa do Escrivão da Câmara, para que assim tivesse preferência o que chegasse primeiro.305 Havia dois locais que

300

Avanete Pereira de Sousa, “Poder local, cidade e atividades econômicas (Bahia, século XVIII)”(tese de doutorado), FFLCH-USP, São Paulo, 2003, p. 67. Esta tese foi recentemente publicada sob o título: A Bahia no século XVIII: poder político local e atividades econômicas, São Paulo, Alameda, 2012. 301 Charles R. Boxer, A idade de ouro do Brasil..., p. 251. 302 No original lê-se: “when a great number of bullocks were killed at once in the slaugtherhouses whitin the town, men, women and children slocking thither whit great joy to buy, and a multitude of dogs, almost starved, following them; for whom the meat seemed fittest, it was so lean”. Dampier, A new voyage…, p. 60. 303 Ordenações Filipinas, livro I, título LXVI. 304 Segundo Bluteau, marchante é o mercador de gado para o açougue. Consultado em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/edicao/1 305 Azevedo, O povoamento da cidade... p.329.

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funcionavam como matadouro: um estava localizada nas portas do Carmo e o outro nas portas de São Bento. Eram duas fábricas de currais, equipadas com negros para matar, esfolar e carregar a carne para o açougue. Além disto, ainda existiam lá outros equipamentos, como balanças, cepos e cordas, à disposição dos usuários.306 Dali, as carnes seguiam para os açougues, onde seriam compradas e consumidas pela população de Salvador. A arrematação do direito sobre o comércio da carne verde era um processo meticuloso. A Câmara escolhia alguns comerciantes que poderiam concorrer para o “gerenciamento” de um talho. Os marchantes, como eram chamados, passavam a ter direito de comercializar a carne verde através de um leilão público e de um contrato anual.307 Não era qualquer um que poderia dar lance num talho da cidade. Além de ser necessário um vultoso investimento inicial, o Senado exigia uma série de pré-requisitos, como a posse de bens e o aval de um fiador.308 A Câmara cercava-se de cuidados para garantir que apenas os licenciados comerciassem a carne verde, pois assim também ficava garantido que os direitos sobre a venda deste gênero seriam devidamente pagos a ela. A carne era sempre vendida às terças e quartas feiras e aos sábados, e para cada dia eram destinadas quarenta cabeças de gado.309 A arrematação dos talhos era uma importante fonte de renda para a Câmara de Salvador, que Sousa determinou serem de dois tipos: as rendas diretas, obtidas através das condenações e coimas, e as indiretas, obtidas nas concessões a terceiros de contratos e serviços de direitos e de atividade da coroa.310 As últimas eram a principal receita dos rendimentos desta instituição. Segundo a historiadora, durante a maior parte do século XVIII a arrematação dos açougues renovava-se anualmente, indicando um crescimento do consumo e por consequência um maior controle da atividade pelos camaristas por ser negócio rentável (gráfico 1).311 Gráfico 1

306

Sousa, “Poder local e cotidiano...”, p.156. Sousa, “Poder local, cidade e atividades econômicas...”, p. 207. 308 Idem, p. 158. 309 Azevedo, O povoamento da cidade... pp.330-331. 310 Sousa, “Poder local, cidade e atividades econômicas...”, pp. 181-232. 311 Idem, p. 208. 307

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Fonte: AMS, Arrematações da Renda da Câmara, 1698-1808 apud Avanete Pereira de Sousa, Poder local, cidade e atividade econômica (Bahia, século XVIII), tese de doutorado, FFLCH-USP, 2000, p. 214.

Os rendimentos oriundos da arrematação dos talhos públicos variaram ao longo do século XVIII por uma série de fatores, afirma Sousa. Entre eles, a oferta e a procura era o mais relevante, já que a demanda avultava o interesse dos criadores pelo aumento da criação e dos marchantes pela comercialização do gado.312 Por isso observa-se no gráfico que em geral, nos setecentos, o valor dos contratos manteve-se bastante elevado. Os períodos em que houve diminuição de valor coincidem com problemas de ordem física ou natural, como secas e enchentes.313 Portanto, a criação de um açougue para os eclesiásticos da cidade da Bahia significou uma convenção entre o poder local e o poder eclesiástico. Este acordo foi realizado de forma que não prejudicasse a Câmara e a Fazenda Real, já que as rendas provenientes do monopólio do comércio da carne eram de extrema relevância 314. E é 312

Sousa, “Poder local, cidade...”, p. 213. Idem, p. 214 314 Segundo Avanete Pereira de Sousa, o comércio da carne verde era uma das principais fontes de rendimento da Câmara, representando cerca de setenta por cento de todas as rendas. Avanete Pereira de Sousa, “Poder local e poder eclesiástico na Bahia setecentista: os matizes de uma convivência” in Bruno Feitler e Evergton Sales Souza (coord.), A Igreja no Brasil colônia: normas e práticas no tempo do arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, São Paulo, Unifesp, 2011, pp. 62-81. Há também uma carta do Senado da Câmara para o Conselho Ultramarino que explicita a importância do comércio da carne para a Fazenda Real: “Ordinariamente se costumavam rematar os talhos dos açougues desta cidade por oito, nove, e dez mil cruzados, cada ano hoje apenas chegam a cinco, e 313

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exatamente neste quesito que deitam as raízes da querela que daqui em diante será apresentada.

2- Problemas de jurisdição: querelas entre um Ouvidor e um Arcebispo.

Na consulta feita no dia primeiro de Março de 1683, o Conselho Ultramarino mostrou-se favorável a uma petição feita pelo Arcebispo da Bahia, Dom Frei João da Madre de Deus. Nela foi dito que:

O Arcebispo da Bahia Dom Frei João da Madre de Deus fez petição a Vossa Alteza por este Conselho, em que ele diz que as pessoas eclesiásticas daquela Cidade tiveram sempre açougue particular, aonde mandavam comprar o provimento de carne, e se lhe davam mais reverência do que nos açougues dos particulares, até que a entrada dos holandeses em Sergipe de El Rei faltou o gado, e cessou o corte dele. Depois sendo Governador daquele Estado o Conde de Autoguia, lhes concedeu de novo o dito açougue, respeitando a que nos dos particulares se lhes perdia o respeito, e se lhes fazia menos favor do que mereciam; e assim se conservaram muitos tempos tendo obrigados que livremente compravam o gado necessário, e o matavam onde lhes convinha pagando à Câmara os direitos que os demais açougues lhe pagavam, na forma da provisão que lhes mandou passar o dito Conde, de que oferece a cópia; e por outra de Vossa Alteza passada no anno de 674 de brevemente não haverá quem os remate, sendo que por irem os gados em crescimento não deviam estar Reduzidos a tão ínfimo valor; e porque presumimos que esta grande diferença procede, de que há anos a esta parte, deram os marchantes (pela grande conveniência que nisso tem) em vender nos currais em quartos toda a carne gorda que neles se matava pelo mais subido preço que podam e sai taxado nesta vereação, no que não só as Rendas de Vossa Majestade padecem uma diminuição muito grande, senão que também o povo experimenta um muito considerável prejuízo porque se todo o gado que se matar nos currais se vier cortar aos açougues comeria o povo a carne pelo preço taxado, e não pelo que lhes põem os marchantes e as rendas de Vossa Majestade poderão facilmente subir ao crescimento que tinham não sendo justo, que pela conveniência particular se veja prejudicado todo o bem comum. Pedimos com toda a submissão devida seja Vossa Majestade servido mandar que nenhuma pessoa, de qualquer privilégio e condição que seja, possa mandar aos ditos currais comprar Carne, e que toda se venha cortar inviolavelmente aos açougues públicos desta Cidade assim e da maneira que se pratica em Lisboa e em todas as mais partes do Reino, com pena de que a pessoa, ou pessoas, que [venderem] carne nos ditos currais, seja degredada para Angola, e pague duzentos mil réis para as obras da Cadeia desta Cidade que só desta sorte [se evita] o que de outra maneira não podemos Remediar, pela limitada condenação de seis mil réis, a que só se estende a jurisdição que este Senado [ilegível] que os ditos marchantes se livram, em agravando para a Relação deste Estado: e fiados no Recurso que nela acham, se animam a não fazer [ilegível] das penas, e condenações, com que o Senado costuma evitar os prejuízos do Povo: pelo que deve Vossa Majestade ser servido que desta condenação e execução, não haja apelação nem agravo para a dita Relação porque também tem natureza de Fazenda Real os mesmos talhos, por ter a Fazenda de Vossa Majestade na renda deles, a terça para sustento do presídio desta cidade. A Real pessoa de Vossa Majestade guarde nosso Senhor como todos seus vassalos desejamos. Bahia 30 de Julho de 1694”. Cf. AHU, Luiza da Fonseca, caixa 30, documento 3848 [30 de Julho de 1694].

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que também ajunta o registro houve Vossa Alteza por bem que os Desembargadores da Relação da mesma cidade pudessem ter um talho no açougue público dela, com pessoa obrigada a dar lhes a Carne necessária, pagando eles à Câmara o dito direito, a fiz como tinham o mesmo Senado, e os Clérigos açougue separado. E porque nestes termos deve Vossa Alteza conceder ao estado eclesiástico o dito açougue. Pede a Vossa Alteza lhe façam mandar passar Provisão para que na dita Cidade haja açougue separado dos clérigos, com as mesmas cláusulas, e declarações com que lha havia concedido o Conde de Autoguia. Da dita petição, e traslados das provisões referidas se deu vista ao Procurador da Fazenda, e respondeu que se fizesse justiça. 315

Tratava-se de um pedido para que o soberano português, à época ainda Príncipe Regente D. Pedro II, provisionasse os eclesiásticos de Salvador com um açougue separado dos particulares, no qual poderiam comprar a carne com o respeito e tratamento devidos, prática que vinha sendo frequentemente desconsiderada. Não tardaria para que o regente D. Pedro II enviasse uma provisão real acatando o pedido do Arcebispo. Em 15 de Março do mesmo ano, escreveu:

Eu o Príncipe como Regente Governador dos Reinos de Portugal e Algarves, faço saber que esta minha provisão virem que tendo respeito a vós Representantes D. F. João da Madre de Deus Arcebispo da Bahia do meu Conselho que o Conde de Atouguia sendo Governador do Brasil concedera as pessoas eclesiásticas daquela cidade açougue separado aonde mandavam comprar o provimento da carne. E se lhes davam com mais decência do que no dos particulares em que se lhe perdia o respeito, e se lhes fazia menos favor do que mereciam no que se conservaram muitos tempos, sendo obrigados que livremente compravam o gado necessário, e o matariam adonde lhes convinham, pagando a Câmara os direitos que os mais açougues pagavam na forma de provisão que lhes mandou passar o dito Conde, tendo a tudo consideração, e ao que respondeu o procurador de minha Fazenda a que se deu vista; hei por bem que na dita Cidade da Bahia haja açougue separado dos Clérigos, com as mesmas cláusulas e declarações com que havia concedido o Conde de Atouguia pelo que mando ao meu Governador e Capitão Geral do Estado do Brasil; e aos mais ministros e pessoas a que pertencer, cumpram e guardem esta provisão inteiramente como nela se contém, sem dúvida alguma e valerá como Carta sem embargo da Ordenação Livro 2, título 40 encontrarão e só passo por duas vias. Manuel Róis de [ilegível] a fez em Lisboa 15 de Março de 1683. 316

315

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 30, documento 3150 [1 de Março de 1683]. AMS, Provisões Reais 126.3, fl. 22. É possível perceber, no fundo das Provisões Reais do Arquivo da Câmara de Salvador, que a solicitação da confirmação da posse do açougue dos eclesiásticos era uma prática comum e por isso supomos que ela era feita por todo novo arcebispo que tomasse posse do cargo na Bahia. Há uma provisão semelhante pra Dom Sebastião Monteiro da Vide em 1702. Cf. Provisões Reais, 126.3, fls. 127-127v. 316

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Porém, a data de criação deste estabelecimento não é a mesma da consulta do Conselho. Logo nas primeiras reuniões após a expulsão dos holandeses, em 1625, os vereadores copiaram para as Atas da Câmara as posturas municipais que existiam antes da chegada do inimigo e que deveriam ser executadas como antes. 317 E entre elas há uma que assinala a existência do açougue eclesiástico antes da invasão:

que o marchante, que cortar carne no açougue dos clérigos, não venda carne alguma sem ser arrobada no peso da praça pública sob pena de seis mil reis ….......................................................... 6$000318

Podemos inferir, para tanto, que após a ocupação neerlandesa da cidade este estabelecimento foi fechado, sendo reaberto cinco anos depois. Uma provisão real de 24 de Agosto de 1629 expôs que

o cabido e o clero da cidade da Bahia de todos os santos e da capitania de Pernambuco do Estado do Brasil [...] não tem açougue onde lhe deem carne para si, e suas famílias, e nos açougues públicos das ditas partes onde provêm do necessário e muitas vezes não querem dar, pelo que pedem a Vossa Majestade seja servido passar Provisão para poderem ter Marchante e açougue separado onde [sejam] providos do necessário assim de carne como peixe pelos preços da terra319

Dom Felipe III atendeu à petição daqueles eclesiásticos. A partir de então eles poderiam

ter assim na dita cidade como na dita capitania açougue particular, e carniceiro que neles lhes corte a carne, que tiverem necessidade para sua sustentação pelos próprios preços nos que se corta na dita cidade e capitania320

Também na própria consulta encontramos um indício sobre o assunto. Como disseram, “as pessoas Eclesiásticas daquela Cidade tiveram sempre açougue particular, aonde mandavam comprar o provimento de carne”, mas este havia sido fechado devido

317

Atas da Câmara vol.1, p. 5. Idem, p. 9. 319 AMS, Provisões Reais livro 122.1, fls. 110-110v. 320 AMS, Provisões Reais, livro 122.2, fls. 158-159v. 318

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à falta de gado para o corte nos talhos da cidade.321 Tudo indica que não muito tempo depois de 1629 os problemas causados pelas sucessivas invasões dos holandeses no nordeste foram responsáveis pelos problemas no abastecimento da carne em Salvador e o conseguinte fechamento do açougue eclesiástico. A guerra contra esses inimigos na Bahia e no Nordeste entre os anos de 16241654 foi um período conturbado da história colonial. Como já vimos no capítulo anterior, desde 1623 os holandeses se preparavam para invadir a Bahia, logrando sucesso no ano seguinte. Durante um ano Salvador sofreu com as devastações feitas pelos inimigos e apenas em março de 1625 chegou a armada que iria expulsar o “herege rebelde” da cidade.322 Muitas foram as consequências desta ocupação para a população, mas o importante aqui é compreender que, se o açougue foi fechado, certamente foi durante esse período das guerras neerlandesas. A invasão e posse da maior parte do nordeste brasileiro – em 1637 os holandeses já tinham tomado todo território entre Sergipe e a Paraíba, formando o Brasil holandês – dificultou a comunicação entre a Bahia e Sergipe d´El Rey, principal região de abastecimento de carne bovina da cidade323. Fato é que se o açougue outrora esteve fechado, foi reaberto – como citam os conselheiros lá em 1683 – pelo Governador-geral, D. Jerônimo de Ataíde, 6º Conde de Atouguia, que em 1656

Concedera as pessoas eclesiásticas daquela cidade açougue separado aonde mandavam comprar o provimento da Carne. E se lhes davam com mais decência do que no dos particulares em que se lhes perdia o respeito, e se lhes fazia menos favor do que mereciam no que se conservaram muitos tempos, sendo obrigados que livremente compravam o gado necessário, e o matariam aonde lhes convinha, pagando a Câmara os direitos que os mais açougues pagavam324.

Os esforços empreendidos pelo Conde de Atouguia para que os clérigos obtivessem este privilégio denotam sua importância, na medida em que um estabelecimento separado representava mais um elemento de distinção destas dignidades eclesiásticas dentro da sociedade baiana. Vale ressaltar que outros corpos sociais que a compunham também tiveram um talho próprio. É o caso dos religiosos do 321

AHU, Luiza da Fonseca, caixa 30, documento 3150. J. Capistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial (1500-1800), 4ªed., Sociedade Capistrano de Abreu, 1954, pp. 149-150. 323 Abreu, pp. 161-163. 324 AMS, Provisões Reais, livro 126.3, fl. 22. 322

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Carmo, em 1629, e dos desembargadores da Relação.325 Estes últimos, aliás, fizeram uma petição com argumentos muito semelhantes ao dos prelados:

Pareceu-nos representar a Vossa Alteza que recebemos grande detrimento e descrédito na compra do sustento ordinário, porque para se nos vender a carne necessária no açougue público, é forçado mandá-la buscar com os criados que nos é de acompanhar a Relação, e ainda assim lhe dão tarde e da pior, e as vezes com descomposturas e a tempo que nos faltam acompanhamento, e se mandamos negros sós, não fazem caso deles. Isto se pode remediar fazendo-nos Vossa Alteza mercê mandar passar provisão para que no açougue público possamos ter um talho com pessoa que se nos obrigue a dar-nos a carne necessária de vaca, carneiro, e porco, pagando este à Câmara o direito que dos talhos se lhe paga. E manifestamos a Vossa Alteza que o que pedimos não é especialidade porque no mesmo açougue tem a Câmara talho particular, como tem os do Povo. E o que mais é, os clérigos tem açougue separado.326

A declaração dos desembargadores também deixa entrever que os próprios oficiais da Câmara tinham um talho no açougue público. Entretanto, e como se pode ver na citação acima, o caso dos clérigos era diferente, pois se tratava de um açougue separado e não um talho no açougue da cidade. Distinções a parte, cabe analisar aqui os argumentos dos eclesiásticos e dos desembargadores. Ambos afirmam que não são bem tratados quando vão ao açougue público se prover de carne, mas o problema estava longe de ser a falta de polimento. Eles precisavam ser tratados de acordo com seu status quo e de acordo com o que lhes convinha: buscavam carne da melhor qualidade e queriam ter prioridade em relação aos demais homens e mulheres que também se abasteciam naquele 325

O caso dos carmelitas não é muito semelhante ao dos eclesiásticos, pois pelo que está dito na provisão de 1629 subentende-se que um talho dentro do açougue da cidade tenha sido doado por Dom Felipe III para os ditos religiosos: “Eu El Rei faço saber aos que este Alvará virem que havendo respeito ao que o Prior e Religiosos do Mosteiro de Nossa Senhora do Carmo da Cidade do Salvador Bahia de Todos os Santos do Estado do Brasil me enviaram dizer pela petição atrás escrita e vistas as causas que alegam de sua pobreza, de que também constou por carta dos Oficiais da Câmara da dita cidade, que também me enviaram pedir, e por fazer mercê por esmola aos ditos religiosos hei por bem, e me pras de confirmar como por este confirmo, e lhe confirmada a licença, que os ditos oficiais da Câmara lhe deram para terem um talho no açougue da mesma cidade para nele mandarem cortar os gados como na dita petição fazem menção, e na forma da dita licença possam usar dela pela dita maneira, e mando aos ditos oficiais da Câmara, que ora são e pelo tempo adiante forem e as justiças, e mais oficiais da dita cidade da Bahia a que o conhecimento disto pertencer, que cumpram este alvará como se nele contem, o qual me pras que valha, assinada, sem embargo da Ordenação em contrário// Manoel do Rego o fez em Lisboa a quatro de fevereiro de 1629”. Cf. AMS, Provisões Reais 122.1, fls. 44-44v. 326 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 21, documento 2493 [27 de Agosto de 1672]. Ver também caixa 22, documento 2513 [28 de Novembro de 1672]. A provisão que concede o talho para os desembargadores é encontrada no AMS, Provisões Reais 126.1, fls 172-173v [21 de Março de 1675].

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estabelecimento. Afinal, era uma descompostura ser tratado da mesma maneira, ou pior que os criados e negros. As sociedades do Antigo Regime eram, por excelência, hierarquizadas e pautadas nas diferenças de estatuto jurídico entre os indivíduos. Os privilégios e honras tornaram-se, portanto, um modo de conseguir se diferenciar no meio social e tanto Portugal quanto o seu território d´além mar não foram uma exceção. As disputas e, sobretudo, as tensões criadas em torno das demonstrações públicas do poder não eram raras neste contexto. Um exemplo foi o litígio que levou anos para ser resolvido entre a Câmara de Salvador e o Cabido da Sé sobre a posição em que deveria ir a bandeira do senado em relação ao pálio na procissão do Corpo de Deus, que denotaria maior ou menor distinção, dependendo de sua colocação no séquito. Em outros momentos, até mesmo o simples fato de um pregador tomar vênia (uma reverência com a cabeça) aos representantes de uma instituição antes do início de um sermão era motivo de litígio, como demonstrou Evergton Sales, que ao estudar a construção da memória do padroeiro de Salvador cita inúmeras contendas entre Cabido e Câmara de Salvador.327 Silvia Lara também evidencia a importância da demonstração pública de um privilégio, ao contarnos sobre a maneira como se vestiam os juízes quando saíam às ruas para executar suas atribuições, portando varas brancas (para os de fora) e varas vermelhas (para os ordinários).328 Se numa sociedade do Antigo Regime obter e demonstrar um privilégio era, certamente, uma maneira de se distinguir, diversas eram as formas de angariar essas distinções. O sistema de distribuição de mercês era uma delas, como já foi dito no primeiro capítulo desta dissertação. A posse deste açougue pelos clérigos foi fruto de uma mercê concedida pelo soberano português, prática comum em sociedades modernas. Essa economia que girava em torno da “premiação” dos vassalos pelos serviços prestados ao rei tem sido objeto de atenção de muitos historiadores e cabe aqui abrir um parêntese para tratar desse aspecto tão importante para Portugal e seus domínios ultramarinos. Segundo António Manuel Hespanha, os deveres de gratidão no Antigo Regime faziam parte do núcleo duro dos valores morais e de justiça – o que quer dizer atribuir a 327 328

Sales Souza, “Entre vênias e velas...”, pp. 131-150. Silvia Hunold Lara, “Senhores da régia jurisdição. O particular e o público na vila de São Salvador dos Campos dos Goitacazes na segunda metade do século XVIII”, in Silvia Hunold Lara e Joseli M. N. Mendonça (org.), Direitos e justiças no Brasil. Ensaios de história social, Campinas, Ed. Unicamp, 2006, pp. 59-99.

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cada um o seu – e contribuíam para a manutenção da ordem. As distribuições das mercês régias era um caso típico do cumprimento desses deveres, remunerando os serviços que os vassalos prestavam ao seu soberano.329 Em Portugal, esse tipo de prática teve início no período da Reconquista, quando o rei concedia terras e privilégios como recompensa a serviços prestados. A partir da conquista de Ceuta, em 1415, tais práticas foram sendo transplantadas para o ultramar.330 Rodrigo Ricupero, no seu livro sobre a formação da elite colonial no Brasil, caminha no mesmo sentido e diz que a expansão ultramarina portuguesa permitiu à coroa condições ainda maiores de agraciar a nobreza, submetendo-a mais política e economicamente.331 O rei era a figura de onde emanavam as honras e mercês e isso transformava os “mais variados vassalos em permanentes servidores da coroa”332, já que prestar serviços não era negócio barato e demandava uma certa condição econômica. Anacronismos à parte, era como uma espécie de investimento, no qual nobres e outros mais despendiam sua riqueza para, posteriormente, conseguir mercês que lhes garantissem mais rendimentos, como casamentos, tenças, terras, direitos sobre o comércio e moradias, ou mesmo ser agraciado com um hábito de cavaleiro de determinada ordem militar. Como afirmaram Maria de Fátima Gouvêa, Maria Fernanda Bicalho e João Fragoso, a elite colonial se valeu de diferentes estratégias para garantir a sua posição no topo da hierarquia econômica e administrativa da colônia333. E sem sombra de dúvidas o sistema de mercês era o principal meio de alcançar seus objetivos. A mercê concedida aos clérigos da cidade da Bahia no início do século XVII e suas intermitências até sua reconcessão em 1656 implicou em um acordo trilateral entre a coroa, a Câmara Municipal e a Arquidiocese, já que os eclesiásticos deveriam pagar os direitos sobre o corte da carne à Câmara da mesma maneira que pagavam os particulares que possuíam um talho no açougue da cidade. E essa renda camarista compunha parte do que era destinado aos cofres da Fazenda Real. Quase cinquenta anos após a reabertura do estabelecimento, em 1705, rebentou uma querela entre o Ouvidor Geral e Provedor da Comarca, Miguel Manso Preto334, e o

329 Hespanha, “Las estructuras del imaginario de la movilidad social…”, pp. 21-41. 330 Fragoso, Gouvêa e Bicalho, “Uma leitura do Brasil colonial...”, pp. 67-88. 331Rodrigo Ricupero, A formação da elite colonial. Brasil c. 1530 – c. 1630, Editora Alameda, São Paulo, 2009, p. 44. 332Idem ibid. 333Fragoso, Gouvêa e Bicalho, “Uma leitura do Brasil colonial...”, p. 67.

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Arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide, em torno do açougue separado dos clérigos. E ela se desenrolaria de maneira conturbada por muitos anos. Em 1702, Miguel Manso Preto foi nomeado, pelo Rei, Ouvidor Geral e Provedor da Comarca da Bahia para administrar a justiça na cidade através de sentenças e mandados, executando penas de maneira eficaz sobre aqueles que não cumprissem suas decisões.335 Também como encontrado num livro de registro das mercês feitas por Dom Pedro II

Houve sua Majestade que bem havendo [ilegível][...] Bacharel Miguel Manso Preto e pela confiança que dele tem que em tudo o de que o encarregar o fará bem como sempre a seu serviço e a boa administração da Justiça como o fez no lugar de Juiz dos Órfãos da Vila de Santarém que serviu e de que deu boa residência. Há sua Majestade por bem fazer lhe mercê do cargo de Ouvidor e Provedor da Comarca da Cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos por tempo de três anos e alem deles o mais que houver336

Era parte de suas obrigações presidir audiências dos recursos das sentenças dos Ouvidores das capitanias (funcionando como uma corte de segunda instância) e visitar as diversas regiões para inspecionar a situação da justiça nesses locais. O cargo de Ouvidor geral era o mais alto cargo real depois do Governador geral337. Graça Salgado, em Fiscais e Meirinhos, afirma que o primeiro Ouvidor geral foi empossado em 1549, mesmo ano em que o governo geral foi criado. Segundo ela, não é possível afirmar quais eram as suas atribuições até 1628, data do primeiro regimento encontrado para o cargo.338 Entretanto, segundo Schwartz, no início da década de 1580 ficou claro que um só Ouvidor geral não dava conta de promover a administração da justiça de maneira adequada, o que desembocaria na instalação do Tribunal da Relação na Bahia. Segundo as Ordenações Filipinas, um Ouvidor deveria usar o mesmo Regimento que o Corregedor, e ter a mesma alçada que ele. Portanto, deviam cuidar da justiça, mandando 335

AMS, Provisões Reais, livro 126.3, fl. 123-123v. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Registo Geral de Merces de Dom Pedro II, livro 14, fl. 238v. (a provisão real da citação anterior é cópia desse registro) 337 Schwartz, Burocracia e sociedade..., pp. 28-31. 338 Salgado, Fiscais e meirinhos..., Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985, pp. 146-147. Para os autores do livro, há uma controvérsia em relação às funções do ouvidor geral à época da implantação do cargo. São citados dois autores como principais divergentes: Varnhagen, que afirma que o regimento do primeiro ouvidor geral Pero Borges é igual ao de 1628, salvo pelos dezoito primeiros artigos e a omissão dos cinco últimos e Capistrano de Abreu, que acredita que “o ouvidor geral ficou com o poder de entrar nas terras dos donatários por correição, e ouvir nelas por ações novas e velhas”. Sendo assim, defendeu que as alçadas dos capitães donatários foram restringidas, e que isso está no 21º artigo do regimento de 1628, diferindo, dessa maneira, da afirmação de Varnhagen. 336

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que o tabelião do lugar sob correição lhe enviasse “as culpas, querelas e estados (informações) de quaisquer pessoas, que sejam obrigadas à Justiça”.339 Mas não era só a população em geral que estava sob sua vigilância. Qualquer um, inclusive aqueles que possuíam cargos – como tabeliães, alcaides e juízes – estava sob o olhar punitivo de um Ouvidor. E vale ressaltar que quando o Tribunal da Relação da Bahia foi restabelecido, em 1652, o Ouvidor Geral passou a fazer parte do seu quadro de oficiais. Com o personagem aqui em questão não foi diferente. No exercício de suas funções, três anos após sua nomeação, em 20 de dezembro de 1705, Miguel Manso Preto escreveu uma carta a D. João V para denunciar o prelado. Iniciou sua missiva com um relato sobre as fontes de renda que tinha a Câmara da cidade:

A Requerimento do Cabido nesta Cidade no ano de 1656 sendo Governador deste Estado o Conde de Atouguia concedeu Provisão para o clero ter açougue, e talho separado, onde pudesse ser provido de sustento sem confusão, e mistura dos seculares. E ultimamente Vossa Majestade por Provisão de 10 de Fevereiro de 1702 foi servido conceder ao Arcebispo atual a conservação do mesmo talho, e açougue na conformidade que lhe fora concedido pelo dito Conde. Duas rendas tem a Câmara desta Cidade de que se compõe o seu principal rendimento; que é uma dos talhos do açougue, que anualmente se arrendam aos obrigados, e por cada um pagam a Câmara quatrocentos e cinquenta mil réis um ano por outro; e a outra renda é dos currais, e fábrica para a matança dos gados, que também se arrendam anualmente e um ano por outro a duzentos mil réis. E em uma e outra Renda, como em toda a da Câmara, tem Vossa Majestade a sua terça, e as duas partes que ficam para o Conselho, ainda são tão limitadas para o seu gasto ordinário, que sem o exceder, na conta, que lhe tomei do ano passado, ficou devedor ao Tesoureiro de quantia considerável.340

Em seguida Manso Preto principiou sua imputação contra Monteiro da Vide:

Aquela concessão não foi, não podia ser mais que para os eclesiásticos terem lugar, e talho separado, onde particularmente sejam providos de sustento; mas não tirou, nem podia tirar, ou prejudicar as Rendas da Câmara: antes expressamente se declarou haver de pagar o obrigado do talho eclesiástico à Câmara os mesmos direitos, que lhe pagavam os obrigados do açougue público, ou ao diante houvessem de pagar; e na mesma suposição, e conformidade for a concessão novíssima de Vossa Majestade Em Razão do que deviam os oficiais da Câmara arrendar o dito talho eclesiástico e

339 340

Ordenações Filipinas, livro I, título LVIII. AHU, Avulsos Bahia, caixa 5, documento 442 [17 de Setembro de 1706].

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contribuir-lhe o obrigado com a Renda da conformidade dos mais talhos, e seus obrigados. Porém os ditos oficiais da Câmara tanto o não fizeram, que antes faltando à obrigação do seu Regimento, deixaram usurpar os Arcebispos a renda do dito talho, e fazendo-se senhores dela, ocultamente o arrendavam cobrando mil cruzados por ano da renda dele, e ainda mais, como tem feito o Arcebispo presente e o Cabido na Sé Vacante fez sempre o mesmo.341

Os camaristas também foram alvo de suas denúncias. Acusou-os de serem negligentes neste caso e no do açougue da Misericórdia, criado para fornecer carne aos doentes:

Com semelhante negligência se houveram os mesmos oficiais da Câmara a Respeito da Casa da Misericórdia desta Cidade, a quem, com o pretexto das Carnes para provimento dos doentes, deixaram também outro talho, que a dita Misericórdia tem, e publicamente arrenda por quinhentos mil Réis por ano,e mais. E além de não haver Provisão alguma de Vossa Majestade sem a qual não pode haver talho, e açougue particular: não acaso tem necessidade mais que de ter provimento para os doentes em lugar, e talho certo; também a dita casa não necessita de semelhante esmola por ser Riquíssima, que há menos de oito anos tem de heranças um milhão.342

Ao finalizar sua carta, o Ouvidor tratou de relembrar da necessidade que tinha a Fazenda Real das rendas dos talhos para as obras públicas, como “calçadas, caminhos e fontes”, e também para o sustento da infantaria, já que a terça real era destinada a ela. Expôs ele que “a renda destes dois talhos, o eclesiástico e o da Misericórdia, é tão considerável que importa novecentos mil réis por ano, quando menos” e por isto, quando soube deste descaminho em sua correição mandou que os camaristas arrendassem estes estabelecimentos como era feito no açougue público. Desta maneira, Miguel Manso Preto afirmou que Monteiro da Vide e o Cabido monopolizaram as rendas deveriam ser destinadas à Câmara. Portanto considerou que a

possessão do açougue separado estava prejudicando as rendas camaristas e reais, deixando o Senado sem recursos para acudir às necessidades públicas e sustentar a Infantaria. Podemos compreender melhor o argumento do Ouvidor se entendermos as dificuldades econômicas enfrentadas pelo Império português em princípio dos setecentos. Segundo Sousa, neste período o reino passava por graves crises, tendo suas contas permanentemente deficitárias e gastava demasiadamente na guerra de sucessão espanhola (1702-1713) 343. Angelo Carrara, ao analisar a conjuntura econômica e fiscal da capitania da Bahia, afirma que nas primeiras décadas do século XVIII as receitas não 341

Idem. Idem. 343 Sousa, “Poder local e poder eclesiástico na Bahia...”, p. 80. 342

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foram suficientes para cobrir as despesas. Tal situação levou a coroa a incorporar definitivamente, em 1713, às receitas de sua Fazenda Real as rendas administradas pela Câmara, como o contrato do subsídio do vinho, o das aguardentes da terra e vinho de mel, a taxa do embarque das caixas de açúcar e do estanco do sal. 344 O autor nada fala sobre as rendas da arrematação dos talhos, mas infere-se com desenrolar da contenda que elas não foram integradas como as citadas acima. Ademais dos problemas das rendas da Fazenda Real na Bahia, desde meados do século anterior a Câmara passava por severas crises econômicas. Como mostra Boxer, ela, ao longo de sua história, sempre esteve em dificuldades, agravadas pelo fato de que os vereadores, majoritariamente envolvidos com o negócio do açúcar, eram “gastadores”. Quase todo tempo estavam endividados e não se importavam em gastar dinheiro de outras pessoas.345 A arrecadação de impostos e taxas sobre a venda de produtos, pagamentos pelo uso de armazéns e abatedouros municipais e outros mais que compunham a renda do Conselho não vinham sendo suficientes para “cobrir as expensas do Conselho, incluindo a manutenção de trabalhos públicos” 346. Dessa maneira, nenhuma fonte de arrecadação poderia ser dispensada. Manso Preto procedeu as suas queixas contra o Arcebispo embasado sobretudo no argumento econômico e fiscal, mas não eram apenas estes fatores que o preocupavam. Acreditava, certamente, que Monteiro da Vide estava alargando sem freios sua alçada de poder e controle sobre assuntos que não eram parte de sua jurisdição. Como o Ouvidor pontuou, o prelado estava se prestando a um papel que não era seu, arrecadando os direitos em lugar da Câmara, e consequentemente tomando essas rendas para si. Porém, a reação do Arcebispo não tardou. O arcebispado de D. Sebastião Monteiro da Vide, quinto do Brasil, foi marcado pelo dinamismo e por um claro esforço de normatização das resoluções tridentinas, que tem na redação das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, de 1707, seu maior exemplo347. Nascido em 1643, na vila de Monforte, Bispado de Elvas, desde novo ingressou na vida religiosa, ordenando-se sacerdote em 1671 e chegando ao cargo de vigário geral do arcebispado de Lisboa em 1697348. Em 1701 foi apresentado por D. 344

Angelo Alves Carrara, Receitas e despesas da Real Fazenda no Brasil, século XVIII: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Juiz de Fora, Ed. UFJF, 2009, pp. 72-74. 345 Boxer, Portuguese society... p.78. 346 Idem, p.79. 347 Bruno Feitler e Evergton Sales Souza (Eds.), Constituições primeiras do arcebispado da Bahia, São Paulo, Edusp, 2010, pp. 8-36. 348 Idem, p. 9.

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Pedro II para ocupar o cargo de Arcebispo da Bahia, tendo tomado posse no ano seguinte. Ao longo de vinte anos (faleceu em 1722), Monteiro da Vide “dedicou-se com afinco à sua missão pastoral, ao engrandecimento da Igreja na sua diocese – através de uma série de construções e reformas que deram continuidade ao trabalho de seus antecessores”.349 O seu governo espiritual também esteve repleto de ações políticas, como os seus esforços para construir o palácio episcopal, para criar novas paróquias e sua participação no governo interino formado por ele, pelo mestre de Campo João de Araújo e Azevedo e pelo chanceler Caetano de Brito e Figueiredo350. Contudo, tais qualidades não impediram o Ouvidor de acusá-lo de querer manter um controle excessivo de tudo em sua diocese, ultrapassando os limites de sua jurisdição. Esse é outro ponto importante para a discussão do problema. Os conflitos de jurisdição não são raros numa sociedade hierarquizada e pautada nos privilégios e poderes de cada um. Não é sem razão que numa rápida busca pelos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino referentes à Bahia são encontrados despachos que tratam de informar aos mais variados oficiais reais qual jurisdição lhes cabe, bem como queixas de terem ultrapassado os seus limites.351 De acordo com Sílvia Lara, cada funcionário ou oficial do rei exercia jurisdição sobre tudo e todos, deixando claro que a forma de governo no Ancien Régime baseava-se na administração de instituições, alçadas e jurisdições. 352 Quando esses limites eram desrespeitados, as tensões estavam postas. Schwartz, ao analisar os conflitos entre magistrados e outros oficiais, afirma que se as contendas “provinham da má definição das alçadas, intencionalmente promovida pela coroa com o fim de evitar autonomia excessiva, ou se eram falhas acidentais do sistema administrativo, é um problema que fica aberto para debate. Não importando a causa, algumas vezes estes conflitos se transformavam em batalhas pessoais e institucionais”.353 Atualmente, há uma posição predominante na historiografia brasileira que defende que essa superposição de alçadas era sim incentivada pela coroa, num

349

Idem, p. 9. AHU, avulsos Bahia, respectivamente caixa 5 documento 445 [27 de Outubro de 1706], caixa 8 documento 705 [19 de Dezembro de 1712] e caixa 12 documento 1069 [15 de Janeiro de 1720]. Sobre o tema conferir o estudo introdutório feito por Feitler e Sales Souza em As constituições primeiras do Arcebispado da Bahia (vide nota 85). 351 São dois exemplos o despacho feito pelo Conselho Ultramarino ao vice-rei do estado do Brasil para que informe ao juiz de fora e do crime de suas respectivas jurisdições e a queixa do vice rei do Brasil acerca do excesso dos bispos na jurisdição do seu governo. AHU, avulsos Bahia, respectivamente caixa 49, documento 4353 [13 de Novembro de 1734] e caixa 17, documento 1493 [17 de Abril de 1723]. 352 Lara, “Senhores da régia jurisdição...”, p. 61. 353 Schwartz, Burocracia e sociedade..., p. 32. Grifo nosso. 350

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intuito também de reforçar a autoridade real, já que a resolução de qualquer litígio apenas era dada pelo soberano. Uma tática que outrora já foi chamada de disfunção do Estado português354, hoje é analisada como uma estratégia política de centralização do poder bem sucedida, já que a resolução dos litígios cabia sempre ao rei. O caso do açougue insere-se nesse contexto e seu desfecho é parte do jogo promovido pelo governo central. Para defender-se das denúncias, Monteiro da Vide escreveu ao Rei em 28 de fevereiro de 1706, argumentando que Miguel Manso Preto procedeu sem razão ao acusá-lo:

Foi Vossa Majestade servido conceder pela provisão cuja cópia remeto inclusa que houvesse açougue particular para os clérigos desta cidade da Bahia, como sempre tiveram de muitos anos a esta parte. Esta graça liberal concessão de Vossa Majestade, e a pacífica posse em que até o presente esteve o eclesiástico perturbou agora o Ouvidor da Comarca Miguel Manso Preto em despique de eu recorrer a Vossa Majestade pelo fato dele haver preso a um Pároco, que acabava de dizer Missa, como a Vossa Majestade será presente pelos autos que remeti aos pés de Vossa Majestade, aonde espero achar a justiça, que daqui anda tão ausente por meus pecados. Recolhendo-me agora da visita dos Ilhéus, e mais vilas do sul, que é a mais trabalhosa de todo este Arcebispado, achei que o dito Ouvidor da Comarca sem mais causa do que vexar ao eclesiástico mandou pontencioza [sic], e absolutamente proceder contra o obrigado do açougue dos clérigos, e sem querer dar-lhe vista, nem ouvi-lo o fez penhorar por dois mil cruzados, que entende se deviam a Câmara, sendo que pela certidão do Escrivão dela inserta nos autos juntos consta manifestamente não dever o dito obrigado ao Senado da Câmara coisa alguma.355

Esta era a quantia que o Ouvidor acusava o Cabido de dever à Câmara e por esta razão o dinheiro da penhora deveria ser remetido a ela. O contra-argumento do Arcebispo foi objetivo, quando afirmou que na certidão do Escrivão da Câmara constava que os eclesiásticos não deviam direito algum ao Senado. E disse mais em sua carta:

354

A tese historiográfica de que o caos administrativo era uma marca do governo português foi, principalmente e primordialmente, defendida por Caio Prado Júnior. Mais tarde ele foi seguido de perto por Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda. Cf., respectivamente, as obras A formação do Brasil contemporâneo, Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro e Raízes do Brasil. 355 AHU, avulsos, Bahia, caixa 5, documento 442.

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Tudo o referido se mostra dos ditos autos que remeto nos termos em que estão, e os achei, e suposto pendem legítimos embargos a tão nulo, e inaudito procedimento, deles nem espero melhoramento, nem despacho, por que como o dito Ouvidor tem feito conventículo com Chanceler João de Souza, e com os Desembargadores dos Agravos Manoel Freire da Silva, Belchior de Souza Vilas Boas, Christovão Tavares de Morais, e Belchior Ramirez de Carneiro sem dúvida é que ou hão de espaçar a determinação da causa de maneira que não tenha fim, ou desprezar totalmente a justiça dela, como já fizeram em outras [...]356

Esta, aliás, não seria a única acusação contra o Ouvidor e alguns ministros da Relação. No ano seguinte, certo Cosme Rolim de Moura, morador do Recôncavo, fez uma petição a Dom João V por acreditar que o dito Ouvidor era indigno da mercê feita pela coroa357, qual seja, a permanência de Miguel Manso Preto por mais três anos no seu ofício. Segundo Cosme Rolim de Moura, o Ouvidor

excedeu e abusou mal do que dispõe a Lei, e usurpou aos escrivães, e mais oficiais de justiça das vilas de sua comarca os seus emolumentos, não guardando seu regimento, ampliando-o só a fim de acrescentar os seus interesses, levando as partes o que lhe não era devido358

E ainda, afirmava o denunciante, Manso Preto mantinha estreita amizade com alguns desembargadores (provavelmente os mesmos a quem Monteiro da Vide se refere) e o Chanceler João de Souza – nome que aparece na relação do Arcebispo –, comendo e bebendo com eles para granjear suas amizades e estreitar tais laços. Por fim, pedia que o sindicante da questão não fosse ministro da Relação, ponto no qual foi atendido, tendo o rei enviado um encarregado para investigar a questão. Partindo da mesma perspectiva que Cosme Rolim de Moura, D. Sebastião Monteiro da Vide acreditava que haveria demora na resolução da causa, ou mesmo que ela não seria encerrada por causa das relações conspiratórias que o Ouvidor mantinha com alguns oficiais do Tribunal. Defendeu o Arcebispo que Manso Preto não tinha

[...] outro o intento mais do que intimidar as pessoas que podiam ser obrigadas, a fim de que não talhem no açougue do eclesiástico e de frustrar totalmente a mercê que Vossa Majestade lhes fez, em cuja posse se conservam pacificamente há mais de cinquenta anos.359 356

Idem. AHU, avulsos Bahia, caixa 5, documento 456 [5 de Fevereiro de 1707]. 358 Idem. 359 AHU, Luiza da Fonseca, caixa 5, documento 442. 357

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Em anexo a consulta do Conselho Ultramarino de Setembro de 1706 estava a provisão real que confirmava a Monteiro da Vide a posse do açougue separado e os autos da causa onde estava demonstrado que nada se devia à Câmara. Os conselheiros, então, deram seu parecer acompanhando o parecer do Procurador da coroa:

Que esta queixa do Arcebispo ainda que parecia justificada, pelo que se mostrava da cópia dos autos, que enviou, pois o Ouvidor da Comarca tinha procedido neles com alguma paixão, contudo não se lhe podia definir por esta ira, porque como o negócio estava em juízo contencioso não se devia tirar dele, e se o Ouvidor faltar a vista supriria a Relação com ela, nem era de crer o contrário, sem embargo do que devia o Arcebispo, que também falava com paixão; e seria porém conveniente, que se advertisse ao Ouvidor, que neste negócio procedesse de maneira que não mostrasse paixão nem desse ocasião a semelhantes queixas, que não são sem fundamento. E ao Arcebispo se devia escrever que se abstivesse de levar os direitos do seu açougue, porque estes pertencem à Câmara na forma da mesma Provisão, e a Ela só o privilégio de o ter separado do comum da Cidade e da mesma sorte se devia ordenar a Câmara pusesse em arrecadação os ditos direitos [daqui em] diante[...].360

O açougue dos clérigos não foi o único alvo das denúncias de Miguel Manso Preto. Em 27 de Dezembro de 1705, apenas sete dias depois de sua carta sobre o açougue, o Ouvidor remeteu outra missiva à coroa. O conteúdo dela, contudo, pode apenas ser inferido através da resposta do rei e do Conselho Ultramarino enviada para o Governador geral, Luís César de Menezes:

Eu El Rei vos envio muito saudar. O Ouvidor Geral e Provedor da Câmara [certamente há um equívoco na transcrição desta palavra; a correta é Comarca] dessa Cidade o Doutor Miguel Manso Preto, me deu conta em carta de 27 de dezembro do ano passado, em como o Arcebispo levava lutuosas por falecimentos dos clérigos, que não eram Párocos nem Beneficiados, em grande prejuízo dos seus herdeiros, proibindo-se o poderse usar de música nas festas e celebridades dos Santos, sem Provisão sua pondo-lhes a estes a pensão de 2$500 réis por cada festa, sendo também exorbitantes os salários, que os Oficiais do Juízo Eclesiástico levam das partes [...]. E pareceu-me ordenar-vos (como por esta faço) me informeis acerca do que o dito Ouvidor refere, ouvindo ao Procurador da Coroa dessa Relação, e dando juntamente parte ao Arcebispo, para que ele responda se lhe parecer. [22 de Setembro de 1706]361

360 361

Idem. Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Consultas do Conselho Ultramarino, vol. 34, p.273.

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A lutuosa era uma taxa cobrada pela mitra episcopal sobre os bens deixados em testamento pelos clérigos, prevista pelas Constituições do Arcebispado da Bahia. Entretanto, ao Arcebispo cabia apenas cobrar a taxa dos clérigos beneficiados e não, como acusou o Ouvidor, dos beneficiados e não beneficiados. O Governador geral, após averiguar a questão, respondeu ao Rei em 1708:

Mandando insinuar ao Reverendo Arcebispo deste Estado, pelo Secretário dele, esta carta de Vossa Majestade, para que tendo que dizer, o fizesse; respondeu se conformava com o que sobre este particular dissesse o Procurador da Coroa: e o que eu posso nele informar a Vossa Majestade é, que todos os Clérigos, que morrem neste Arcebispado, pagam indistintamente lutuosas seus herdeiros; porém se este estilo é ou não jurídico, e suficiente para a tal solução, deve Vossa Majestade ser servido mandá-lo ponderar.362

Esta questão sobre as lutuosas, bem como a dos músicos, só tornariam a ser discutidas em 1718. A mesma carta, aliás, também trataria sobre a querela do açougue eclesiástico, mas só nos atentaremos a ela mais adiante. Ao contrário dos dois outros pontos denunciados por Manso Preto, o açougue foi intensamente discutido entre 1707 e 1710, quando a Câmara colocou-o em arrematação. Centremo-nos, a partir de agora, nesse período. Na “mesa de vereação” de 4 de Julho de 1707, os vereadores debateram uma carta enviada pelo Rei:

[...] pelo dito Doutor Corregedor foi apresentada uma carta de Sua Majestade que lhe viera a Sua mão como Juiz de Fora, escrita aos Oficiais deste Senado, em que ordenava se pusesse em arrecadação os direitos do talho do Açougue Eclesiástico, cuja diligência ele dito Doutor Corregedor lhe havia por muito encarregado, para que com todo o cuidado, e diligência pusessem os ditos direitos em arrecadação na forma que o dito Senhor ordena na dita Sua carta; e logo tendo em vista, e lida a dita carta de Sua Majestade pelos ditos vereadores, resolveram que se desse execução logo com todo o cuidado, e diligência, e sem demora alguma, observando-se na dita execução a melhor forma de direito; e que antes de se proceder na dita execução, que se escrevesse ao Excelentíssimo Arcebispo, mandando-se-lhe a cópia da carta do dito Senhor, para que ele se pudesse resolver, se a quisesse pagar sem execução o que havia recebido da dita renda, e quando assim o não fizesse, se fazer execução, procedendo primeiro a demonstração da Cortesia da dita carta, a qual se mandou registrar no livro azul do registro das cartas, e provisões do dito Senhor […]363 362 363

Idem, pp. 273-274. Atas da Câmara, vol.7, pp. 329-330.

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Para tanto, logo dois dias depois se escreveu a Monteiro da Vide. Os camaristas pediram que ele os “apadrinhe a licença de Vossa Ilustríssima” para que com ela pudessem cumprir “a obediência de vassalos”, sem faltar-lhe respeito.364 O Arcebispo, contudo, não se deu por satisfeito. Em resposta, no dia 8 de Julho, disse:

É bem notório que agora faz cinco anos algumas autoridades e logo se registraram as provisões que Sua Majestade foi servido mandar fazer e entre elas foi a de ter talho separado para o Eclesiástico, pagando o seu obrigado a Câmara [...]. Também é sem dúvida que neste particular não [deviam] coisa alguma, assim continuou na mesma forma que [faziam] meus antecessores e somente se falou nesta matéria quando o Ouvidor da Comarca Miguel Manso Preto fez segunda correição; e informando então deste negócio soube que os obrigados do açougue eclesiástico pagava os direitos ao Senado, e que lhe não devia coisa alguma pois não tinha mais direitos que de fato declarou [...] Bem mostra esta carta no que supõem, que a informação que se deu foi muito alheia de verdade sincera com que se deve falar as Majestades, porque supõem em este Senado tão culpável descuido como é não arrecadar por espaço de tantos anos uma renda considerável do Conselho, tendo ele tão poucas que não pode perder nem é bom que perca, coisa alguma delas; e supõem que no Arcebispo há [ilegível] pouca atenção a sua obrigação [...] de que lhe não toca este particular as rendas do Conselho em que sua Majestade tem a 3ª, quando a nenhum particular levaram nenhum vintém indevidamente.365

Afirmou ainda que a execução desta ordem real apenas deveria ser feita se a causa não estivesse decidida; porém, quando a carta chegou tudo já tinha sido resolvido pela Relação a favor do clero e então os direitos não deveriam ser arrecadados, tendo em vista que tudo já estava resolvido366. Esta resposta dada pelo prelado foi tema de outra mesa de vereação, em 9 de Julho:

E logo na mesma Vereação foi proposto pelo dito procurador deste Senado, que havendo se resolvido na Vereação passada que se escrevesse ao Excelentíssimo Arcebispo, mandando-se-lhe cópia da carta de Sua Majestade em que resolvia se cobrassem as rendas do Açougue Eclesiástico, até a decisão da causa que sobre elas estava pendendo; se escrevera com efeito; o qual respondera que na forma da dita carta de Sua Majestade se não devia tratar da execução dela, sem se dar parte ao dito Senhor; porquanto sendo a resolução dela que se cobrassem as ditas rendas enquanto a dita causa decidisse, estava esta decidida por Sentença da Relação deste Estado,e 364

AMS, Carta dos Eclesiásticos (1685-1805), folha 9v. Idem, fl. 10. 366 AMS, Carta de eclesiásticos (1685-1805), fls. 9v – 10v. 365

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Ministro da Real coroa, a seu favor dele, na qual se mandava que ele fosse conservado na posse em que estava por si, e por seus antecessores, a cuja sentença se pusera o cumpra-se neste Senado; e que outrossim, os obrigados do Açougue Eclesiástico, haviam sempre pago a este Senado os direitos que lhes tocava, que eram os fatos, em cujos termos suplicava que se desse primeiro parte ao dito Senhor como mais largamente se mostra da Carta que se mandou copiar no Livro dos registros; e que assim o requeria a ele dito Procurador se resolvesse este negocio com a atenção que pedia a gravidade dele[...].367

De tal maneira mandavam os vereadores que se escrevesse o mais depressa possível para o Rei informando tudo o que havia se passado e mandando a carta “nos primeiros navios” para que se pudesse resolver a “dúvida”.368 A tréplica escrita pelo Rei não foi encontrada, mas podemos subentender, através de uma correspondência da Câmara com ele, na qual ordenou o arrendamento do açougue dos clérigos. Os vereadores contaram que Prontamente obedecemos a ordem de Vossa Majestade mandando por em praça o dito talho como consta da Certidão do Escrivão da Câmara, que apresentamos, e como é passado mais de meio ano e está tão pronta a partida da Frota não houve até aqui quem lançasse por cuja razão não podemos fazer presente a Vossa Majestade a conclusão deste negócio segurando a Vossa Majestade que nem a nossa vontade nem a nossa diligência hão de faltar na execução das Reais Ordens de Vossa Majestade.[3 de Agosto de 1708]

367

Atas da Câmara, vol. 7, pp. 331-332. O cumpra-se que os vereadores informam na ata acima foi escrita em 1706: “Aos vinte e três dias do mês de Março de mil setecentos e seis anos nesta Cidade de Salvador Bahia de todos os Santos nas Casas da Câmara estando em Mesa de Vereação os Oficiais da Câmara abaixo assinados, trataram do bem comum despachando todas as petições e diferiram a todos os requerimentos de que mandaram fazer este termo que assinaram; E na dita vereação se resolveu que na vereação acima se pôs o cumpra-se na Sentença do Acordão da Relação em que mandam conservar na possa ao Eclesiástico de que há Escrivão o guarda mor, e mandaram os ditos Oficiais da Câmara a mim Escrivão fizesse declaração no provimento que fez o Corregedor, e Ouvidor da Comarca, em que ordena se ponha o dito Talho em praça, o que se fez, e para a todo o tempo constar mandaram fazer este termo que assinaram”. Atas da Câmara, vol. 6, pp. 291-292. 368 Idem. A carta enviada pelo Senado para o Rei tem o seguinte conteúdo: “Senhor, informando a Vossa Majestade o Ouvidor Geral da Comarca desta cidade que a este Senado se não pagavam as rendas do açougue Eclesiástico, e que mandando-as ele por em arrecadação o defendera o Arcebispo e movera sobre isso pleito que ficava pendendo Ordenou Vossa Majestade por carta sua do primeiro de abril deste ano se cobrassem as rendas que se vencessem até decisão da causa, e se não omitissem as vencidas que o Arcebispo houvesse recebido. Chegou porém a carta de Vossa Majestade a tempo que estava decidida a causa a favor do Eclesiástico por sentença da Relação deste Estado já passada em causa julgada, e mandada cumprir pelos Vereadores do ano passado nossos antecessores, em cujos termos advertindo-nos que na mesma carta manda Vossa Majestade se observe a decisão da dita causa, e que esta se não pode observar executando-se aquela cobrança nos pareceu suspender nela ate Vossa Majestade resolver se se há de fazer contra a dita sentença, e nos mande declarar no caso que resolva se faça, que rendas são as que se hão de todo o gado que nele se corte pagaram sempre os obrigados do Eclesiástico aos rendeiros deste Senado, e ignoramos quais sejam as outras rendas. Vossa Majestade resolverá o que for servido e em tudo será a nossa obediência fiel desempenho da fidelidade com que nos reconhecemos Vassalos de Vossa Majestade cuja real pessoa nos guarde Deus Bahia e Câmara aos vinte de julho de mil sete centos e sete anos”. Cf. Cartas do Senado, vol. 5, pp. 118-119.

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O processo de arrematação de uma renda da Câmara, a exemplo de um talho, era meticuloso. Segundo os procedimentos consuetudinários e legais, a renda deveria “andar em pregão” por trinta dias, o que quer dizer ser anunciada pelo pregoeiro (função exercida pelo porteiro do Senado). Depois era escolhido um dia para que os lances fossem apurados em praça pública e até o último momento o pregoeiro intervinha para tentar elevar o valor da arrematação.369 Findado o processo de pregão, um ramo verde era colocado na mão do maior lançador, indicando a finalização do arremate. Em seguida, o arrematante ia para a Câmara encontrar o juiz de fora, vereadores, procurador e escrivão para que assinassem o contrato, quando eram exigidos os fiadores e o pagamento antecipado da renda em moeda corrente.370 Segundo Sousa, especificamente em relação à arrematação dos talhos, antes da abertura da licitação, a Câmara definia os candidatos habilitados para apresentar propostas e concorrer à arrematação.371 Mas, ao que parece, todo este processo foi em vão durante os anos de 1708 e 1709, e nenhum lance foi dado pelo açougue eclesiástico. A demora na arrematação do açougue pareceu deixar o Rei desgostoso, pois na provisão real do ano seguinte (catorze de junho de 1709) Dom João V deixou clara sua insatisfação:

Oficiais da Câmara da cidade da Bahia. Eu El Rei vos envio muito saudar. Vi o que escrevestes em carta de 5 de Agosto do ano passado em como mandando pôr em pregão, na forma das minhas ordens, o açougue do eclesiástico, não houve quem nesse lançasse [ilegível] o não haveria pelas razões que representastes. E parece me ordenar [...] que não havendo quem lance no dito açougue e o arremate, que não consistais por modo algum, que é causa indigna e bem cavilosa, que haja quem lance para pagar o Arcebispo mas não para pagar a minha Fazenda [...].372

De nada adiantou a provisão, pois o açougue eclesiástico continuou em pregão durante todo o ano de 1709, como atestou o Porteiro da Câmara João da Silva Fernandes. Afirmou que durante o tempo que o açougue esteve em pregão não houve quem desse lance até aquela data (16 de Novembro).373 Somente em 1710 o açougue dos clérigos e o da Misericórdia tiveram seu direito arrematado: 369

Sousa, “Poder local, cidade e atividade econômica...”, p. 209. Idem, p. 210. 371 Idem ibid. 372 AMS, Provisões Reais, livro 126.3, fl. 171. 373 Atas da Câmara, vol. 6, pp.399-400. 370

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Com a carta que Vossa Majestade escreveu a este Senado sobre os talhos dos açougues eclesiástico, e Misericórdia, se deu logo cumprimento aos mandados de Vossa Majestade, e pondo-se em praça o talho eclesiástico se arrematou por preço de cento e sessenta mil réis, e não houve pessoa alguma que desse maior lance fazendo-se todas as diligências necessárias, e chamando-se muitas pessoas para que se arrematasse por maior preço e não houve quem desse maior lance também se arrematou o talho do açougue da Misericórdia por duzentos mil réis, fazendo-se as mesmas diligências para subir a maior preço e não houve quem desse mais pelo dito talho [...].374

Em 1712, o então Ouvidor Geral João Barbosa Maciel informou a coroa sobre como aumentaram os valores da arrematação dos dois açougues:

Informando-me se nas arrematações que se fizeram no ano de setecentos e dez dos talhos que foram do clero, e Misericórdia, houvera algum contos e achei que a causa de não darem mais que cento e sessenta mil réis para o do eclesiástico, e duzentos para o da Misericórdia fora por ser a primeira vez que destes se fez rematação pública, principalmente o que foi do clero, e logo nos anos seguintes subiram a maiores preços, como foi o ano passado que deram por este duzentos e trinta e cinco mil réis, e neste duzentos e cinqüenta mil réis, e para o da Misericórdia o ano passado deram duzentos e trinta mil réis, e neste foi rematado por quatrocentos mil réis, e em nenhuma das ditas rematações achei haver-se conluio algum.375

Em 1716, contudo, Dom Sebastião Monteiro da Vide, insatisfeito com as determinações feitas anteriormente, escreveu uma carta para recorrer ao Rei com tudo que estava ao seu alcance. Surpreendentemente ele não fez nova representação sobre o açougue. Disse:

Sobre o açougue particular não faço nova representação a Vossa Majestade porque importa pouco que os clérigos da Bahia tenham essa prerrogativa, ou isenção meramente [ilegível] Provisões de Vossa Majestade e dos senhores Reis seus antecessores não fiquem irritas e revogadas [ilegível] por aquelas causas por onde as concessões régias se podem revogar; e também para apurar a vinda da [ilegível] cobrei os direitos que pertence ao Senado da Câmara, como erradamente informares a Vossa Majestade o Ouvidor Geral da Comarca Miguel Manso Preto, e o Juiz de Fora Fernão Pereira de Vasconcelos.

374 375

Cartas do Senado, vol. 5, p.131. AHU, Avulsos Bahia, caixa 8, documento 631 [20 de Maio de 1712].

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Senhor: a verdade é que eu nunca cobrei tais direitos, e sempre os arrendou, e cobrou o Senado da Câmara, por cuja razão tive nesta Relação sentença a meu favor, que passou em causa julgada, e nela pôs o cumpra-se o mesmo Senado, confessando que sempre tinha cobrado do talho do eclesiástico os direitos que lhe pertenciam, e de declarar a dita sentença, e isto mesmo representou o dito Senado a Vossa Majestade na carta (cuja cópia remeto) sem embargo da qual, e da dita sentença, mandou Vossa Majestade em carta de primeiro de Abril de 1707 que o dito talho se arrematasse, ordenando juntamente ao Procurador da Coroa que interpusesse agravo da dita sentença, e remetesse os autos ao [ilegível] da Coroa da Corte; e que o dito talho se rematasse até decisão da causa. Assim se fez, porem até a hora presente (que eu saiba) se tem findado a dita causa, nem findará nunca, porque em chegando as mãos de alguns Ministros (será por suas muitas ocupações) se esquecem totalmente dos tais autos, e assim não é possível se findar, e por essa causa pedia a Vossa Majesttade nas ditas razões que mandando ver os autos decidisse como fosse servido: porque esperar que haja sentença para ter lugar a revista, me parece que em minha vida o não poderei conseguir pelos vagarosos passos em que tem andando em oito anos, que já conta depois que foi para a Corte.376

O Arcebispo estava mais inconformado com outras duas causas: sobre a cobrança indevida das lutuosas e contra a proibição de que nenhum músico cantasse nas festas particulares sem licença do mestre de capela. Justificou que as lutuosas eram ofertas pias e louváveis, e que se praticava em todos os Bispados Ultramarinos, como de costume. Ainda afirmou que era grande o prejuízo dos prelados e suas igrejas com a ordem de que os músicos que cantassem nelas fossem escolhidos pelos mordomos das irmandades, por não ser isto coisa da jurisdição secular. E a pensão dada aos mestres da capela da música da sua diocese servia para ajudar no sustento dos ministros de sua catedral, pois viviam necessitados. Por fim, findou sua missiva de forma incisiva:

Senhor, nestes termos peço e rogo a Vossa Majestade com instantíssima súplica que estes dois pontos de direitos, um tirado aos bispos, qual é o das lutuosas, e o outro adjudicado aos leigos qual é o das músicas (que a mesma carta confessa que é de direito eclesiástico) se dividam e declarem por Juiz competente, qual é o Sumo Pontífice, por que só a este Juiz e de nenhum modo aos ministros de Vossa Majestade, pode pertencer o julgá-los; e dando-me Vossa Majestade licença recorrerei a Suprema Cabeça da Igreja, e com sua decisão se findarão pleitos. A Real Pessoa de Vossa Majestade guarde Nosso Senhor por dilatados anos.377

Essa tentativa de apelo ao papa por Monteiro da Vide não foi ignorada. Ao ter sinalizado suas intenções, fossem elas verdadeiras ou não, o Arcebispo envolveu uma 376 377

AHU, Avulsos Bahia, caixa 11, documento 955 [7 de Janeiro de 1718]. Idem.

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questão muito mais ampla, que envolve o direito do Padroado Régio concedido aos reis portugueses desde o século XV. Diante da possibilidade de evangelizar outras regiões e aumentar o alcance de seus braços, a Santa Sé nomeou o soberano de Portugal patrono da Igreja nos seus territórios do ultramar e, posteriormente, grão mestre da Ordem de Cristo, que havia sido fundada para substituir a Ordem dos Cavaleiros Templários e à qual estavam relegados a jurisdição espiritual sobre os lugares que foram ou seriam descobertos pelos portugueses.378 Desde a concessão do direito de Padroado sobre os territórios descobertos e conquistados, ficava sob a competência da coroa funções como a ereção das Igrejas e sua conservação, a nomeação e o provimento dos eclesiásticos, o recolhimento dos dízimos, a escolha do inquisidor mor, entre outros. Como afirma Paiva, “este mútuo apoio entre a Igreja e o Estado era visto como algo essencial quer para a ação evangelizadora, quer para a própria dominação e preservação política dessas áreas por parte da coroa”.379 É comum, no entanto, que essa noção de interpenetração da Igreja e da coroa leve a uma sensação equivocada de que ambas as instituições defendessem harmoniosamente as mesmas ideias e interesses. O padroado tornou a coroa parte fundamental da Igreja e vice-versa; aproximou as duas esferas de poder, mas não resultou numa simbiose completa. Paiva demonstra que, quando se tratava da relação Coroa/Igreja, os limites de jurisdição não eram tão claros, tendo o governo secular um enorme poder sobre assuntos religiosos, bem como o catolicismo servia para legitimar o poder real e ajudar na manutenção da ordem social. Quando se tratava do ultramar português, essa divisão era ainda mais problemática. Os inúmeros conflitos entre essas instituições na Bahia são exemplos latentes da debilidade da “linha” que separava os seus campos de ação. Antes de tudo, devemos nos lembrar de que tanto a Igreja quanto a coroa eram compostos de oficiais que nem sempre pensavam e agiam de maneira homogênea. Como afirma Paiva – embora tratando de confrontos internos na esfera eclesiástica – os principais focos de litígio eram as disputas de recurso materiais, a definição de competências jurídico-legais, questões de cerimonial, etc.380 Pelo que percebemos na pesquisa, essa afirmação vale também para conflitos que envolvem oficiais de instituições de poder diferentes.

378

Boxer, p. 225. José Pedro Paiva, “A Igreja e o poder”..., p. 142. 380 Idem, p. 136. 379

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O poder espiritual concedido aos reis portugueses não impediu que, no início do século XVIII, o Arcebispo da Bahia, prelado mais importante de toda a América portuguesa, acionasse um argumento que punha em questão um direito outorgado por Roma. Ao pedir licença para recorrer ao Sumo Pontífice, Monteiro da Vide ao mesmo tempo reconhecia e ameaçava indiretamente o poder da coroa portuguesa em relação à Igreja católica no seu Império, afirmando explicitamente que os ministros reais não tinham competência para julgar os casos das lutuosas e dos músicos. Aos olhos dos membros do Conselho Ultramarino o prelado estava questionando o poder real e por tal atitude deveria ser prontamente chamado atenção, razão pela qual achavam que Monteiro da Vide devia ser informado de que seus papéis foram vistos atentamente, não deixando de reparar que

Sendo ele um prelado de tantas letras, e zeloso do sossego e quietação do Reino não se acomode com as sentenças e assentos tomados legitimamente sobre os dois pontos que se queixa e que assim espera Vossa Majestade dele se contenha não usando do meio que intenta porque será de grande perturbação este exemplo, porque com ele todos os mais eclesiásticos que não ficarem satisfeitos das sentenças e recursos proferidos em tribunais, recorram a Roma contra as concordatas e privilégios deste Reino e Bula de Paulo 3º, que Vossa Majestade não pode, nem deve consentir em prejuízo de seus vassalos, e que achando-se o Arcebispo gravado nas sentenças, recursos e assentos poderá usar dos meios que tiver dentro do Reino.381

Aos conselheiros, responsáveis por analisar ponto a ponto as representações do Arcebispo, pareceu o seguinte:

Sem embargo de que reconhece o recurso deste prelado verte em três pontos, sobre os quais já houve resoluções de Vossa Majestade e é de parecer, que como o dito prelado modestíssimamente representa de novo e com novos fundamentos a paixão e ainda falta de verdade com que o Ouvidor geral da Bahia, Miguel Manso Preto informou a Vossa Majestade, sobre os ditos três pontos, fica sendo da real grandeza de Vossa Majestade ouvir as justas queixas do mesmo prelado e mandá-lo socorrer com justiça atentas as disposições de direito em tais casos, e sem que obste a dizer-se que depois de serem estes casos julgados, não fica lugar mais que o do meio de revista, para este prelado recorrer no em que se sente agravado, porque como o procedimento que com ele se tomou foi fundado só nas ordens que emanaram deste Conselho extorquidas pela cavilação e maldade do dito 381

Documentos Históricos da Biblioteca Nacional, Consultas do Conselho Ultramarino, vol. 97, pp.8990.

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Ouvidor geral toda a razão persuade que pela mesma via por onde Vossa Majestade (mal informado) mandou proceder contra o Arcebispo por essa mesma, informando Vossa Majestade da verdade o mande restituir, poupando-lhe a este prelado a laboriosa fadiga de uma revista em negócio a que ele não deu causa, em o qual mostra justiça reconhecida.382

Depois desta apresentação, os membros do Conselho Ultramarino trataram de analisar os três pontos separadamente. A respeito do açougue dos eclesiásticos, eles, assentados na certeza da intenção de Manso Preto de enganar a coroa, se colocaram a favor da conservação da posse do açougue pelo cabido e clero de Salvador. Aos eclesiásticos cabia pagar aos marchantes e os obrigados à Câmara (tributo dos fatos das rezes), como antes faziam.383 Ficava, portanto, conservada essa mercê do início do século XVII. Sobre as lutuosas, afirmaram que embora a Relação da Bahia tenha sido a favor das denúncias do Ouvidor, tirando a posse das lutuosas de Monteiro da Vide, eles pediam que a sentença fosse alterada, pois ela foi fundada nos “falsos informes” de Manso Preto e desprezou “as razões de direito que assistem ao Arcebispo e posse de sua mitra”.384 Com o terceiro ponto, o dos músicos, não foi diferente. O Conselho sugeriu que o rei mandasse restituir a posse “tão fundada e fortalecida de direito” ao Arcebispo.385 Finalmente, concluíram, o Ouvidor Geral Miguel Manso Preto deveria ser suspenso do serviço real e também deveria explicar as razões que teve para “fabricar estes enganos”. Depois de ser ouvido, então, o rei chegaria a uma resolução necessária para tais atitudes. Ressalte-se que o monarca concordou com os pareceres do Conselho Ultramarino.386 No ano de 1718, data desta consulta, Manso Preto não ocupava mais o lugar de Ouvidor geral e Provedor da Comarca da Bahia. Já estava em Portugal e embora não seja possível precisar desde quando, sabemos que em 1717 ele ocupou o cargo de Desembargador da Relação do Porto. No ano seguinte já era Ouvidor do Crime na mesma cidade e em 1728 foi nomeado juiz da Coroa.387 Deste longo período entre 1718, quando foi Ouvidor do Crime, e 1728 podemos levantar duas suposições. A primeira delas, e mais óbvia, é que ele ocupou aquele cargo por dez anos, quando foi nomeado para exercer outro ofício. A segunda é que o parecer do Conselho Ultramarino para que

382

Idem, p.90. Idem, p. 92. 384 Idem, p.94. 385 Idem, p.95. 386 Idem, ibid. 387 Biblioteca Nacional de Lisboa, F1240, fl. 294v. Cf. também ANTT, Registo Geral das Mercês de Dom João V, livro 9, fls. 225 e 225v. Agradeço ao professor Evergton Sales Souza por comunicar-me essa fonte. 383

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fosse suspenso do seu serviço e chamando-o para prestar esclarecimentos tenha surtido efeito. Esta pesquisa, contudo, não nos permite apontar um caminho preciso. Talvez não tenha existido qualquer elucidação dos fatos pela Coroa, ou se houve ela não alcançou grandes proporções. O conflito tinha um cunho econômico e isto está bem claro na documentação e nas justificativas de Manso Preto, sobretudo no que diz respeito ao açougue eclesiástico. Entretanto, se era também responsabilidade do Senado da Câmara cuidar do erário régio da Coroa em Salvador e as ações do Arcebispo estavam a prejudicá-la, por que os camaristas não se pronunciaram em favor do Ouvidor? Nem mesmo quando o litígio fora deflagrado a Câmara se envolveu nele para confirmar as acusações de Miguel Manso Preto ou defender Monteiro da Vide. Apenas cumpriu um dos seus papéis, o de cuidar da comunicação entre a cidade e o reino e o de executar as ordens régias. Não há também qualquer declaração ou interferência feita pelo Governador geral. Até então, nada na documentação nos permite enveredar por esses caminhos. A querela entre o Ouvidor e o Arcebispo em nada envolvia questões espirituais. A materialidade da disputa em torno de um estabelecimento destinado a vender carne verde aos eclesiásticos de Salvador, em torno da arrecadação das lutuosas e da participação dos músicos em festas particulares é clara. Uma questão controversa em que a economia foi evocada como principal problema, mas na qual, certamente, as disputas pessoais foram colocadas em primeiro plano. Aliás, é acusando o Ouvidor de ter procedido mal ao prender um pároco “que acabara de rezar missa”, no que foi desautorizado por ele, que Monteiro da Vide inicia sua defesa ainda em 1706. A afirmação do prelado só reafirma que as questões pessoais estavam na essência das acusações de Manso Preto. Trazer à tona uma disfunção causada por Monteiro da Vide que oferecia danos à fazenda real, como fez Miguel Manso Preto, é também torná-la uma questão de bem comum e um problema para o bom funcionamento da República. Fazia parte da estratégia retórica do Antigo Regime. Embora no fim o Conselho Ultramarino tenha dado razão a Monteiro da Vide, não é isto o mais importante. Para nós importa compreender como esses conflitos ajudam a elucidar o cotidiano das relações políticas em Salvador no século XVIII, revelando a maneira como se dava a convivência entre oficiais reais e agentes eclesiásticos ou, em última instância, as relações entre o poder civil e a Igreja no mundo português.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia ao longo de todo o período colonial oscilaram entre a colaboração e o conflito Os numerosos litígios que existiram entre seus representantes revelam que embora os governadores, bispos, ouvidores, provedores e arcebispos servissem – no fim e ao cabo – à Coroa, nem sempre eles tinham interesses comuns. A sociedade do Antigo Regime era profundamente hierarquizada e pautada na diferença de estatuto jurídico entre os indivíduos. A ascensão econômica nem sempre significava mobilidade social. Um nobre continuava a ser nobre, mesmo se não possuísse mais um grande poder aquisitivo. Quando transpomos o Atlântico e observamos a realidade da América portuguesa, as características primordiais desta sociedade moderna não se modificam na sua essência. Certamente, a questão da ascensão social não funcionou exatamente como no reino, mas isto se explica pelo próprio caráter da formação da elite colonial, apoiada na iniciativa particular. Durante o século XVI e início do XVII uma parcela importante dessa elite foi formada em virtude da sua participação no governo da conquista. Consequentemente, esse processo permitiu a consolidação de um patrimônio, garantia de que as tarefas necessárias para a colonização seriam executadas.388 O sistema de distribuição de mercês era uma característica marcante da cultura política moderna. Ele era um alicerce fundamental do Estado Moderno. Poucos ou nenhuns vassalos serviam por puro amor ao príncipe, pois eram, antes de tudo, movidos por essa economia simbólica. Salientemos, aliás, que pedir, dar e receber era muito mais do que um ato mecânico. Havia um processo bem sistematizado, com fórmulas retóricas, na qual o vassalo suplicava a premiação dos seus serviços. Conhecida como mercê remuneratória, esse elo entre vassalo e rei funcionou muito bem para monarquia portuguesa, sobretudo como um auxílio para a administração do Império.389 Não podemos esquecer, contudo, do ponto de vista daqueles homens que serviam em troca de recompensa: investiam altas somas ao prestar os serviços para pedirem tenças, terras, 388

Ver a obra de Rodrigo Ricupero, A formação da elite colonial. Brasil c. 1530 – c. 1630, Editora Alameda, São Paulo, 2009. 389 Cf. Fernanda Olival, As ordens militares e o Estado Moderno: honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789), Portugal, Estar Editora, 2001.

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títulos nobiliárquicos, dentre outros, como remuneração e desta forma obterem prestígio, poder e distinção. Salvador era uma típica representante da sociedade do Antigo Regime, marcada pela desigualdade jurídica entre os indivíduos e pela pluralidade jurisdicional das autoridades que residiam ali. Constantemente, presenciavam-se demonstrações públicas de privilégio e, não raro, disputas de poder. Todas essas características narradas até aqui tencionava a convivência entre os diversos corpos sociais que a compunham, desencadeando inúmeros conflitos. Autoridades régias, instituições de poder local e até mesmo os eclesiásticos e religiosos das ordens religiosas envolviam-se em contendas que perturbavam a ordem da sociedade soteropolitana. Os conflitos de jurisdição foram frequentes na Bahia ao longo de todo período colonial. O caráter pluri-jurisdicional da organização administrativa e política da Coroa portuguesa no seu além-mar propiciou a superposição das alçadas dos diversos poderes presentes no Império ultramarino. Até mesmo as relações entre dois poderes com premissas diferentes, o secular e o eclesiástico, não foram poupadas. Embora os representantes de ambas as esferas respondessem diretamente ao rei, quando analisamos em uma escala menor vimos que quase sempre os litígios entre eles eram exacerbados por disputas pessoais. Buscamos, partindo dessa premissa, analisar dois casos contenciosos que envolviam diretamente governador geral, ouvidor, prelado episcopal e, indiretamente, outras instâncias de poder. Em contextos diferentes eles revelaram que em nome do bem comum essas autoridades buscavam impor limites jurisdicionais ao outro, procurando o tempo todo ampliar os seus próprios poderes. Durante o período pós-Restauração a Bahia, assim como todo o Império português, passava por dificuldades políticas, agravadas pela constante ameaça de invasão holandesa e consequente crise financeira. O momento inspirava cuidados e habilidade dos seus governantes. A própria política de Dom João IV demonstrava isso. Entretanto, todos esses gravames não impediram o governador geral do Brasil, Antonio Telles da Silva, de tomar um rumo diferente. Denunciado por seus desmandos pelo bispo do Brasil D. Pedro da Silva Sampaio, acompanhado pela Câmara e pelo ouvidor geral Manuel Pereira Franco, sua administração foi bastante conturbada. Por outro lado o próprio bispo já havia dado mostras da sua forte personalidade, quando se envolveu em um conflito com outro governador geral na década de 1630.

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No princípio do século XVIII, a administração de Salvador viu-se em meio a um novo conflito, dessa vez protagonizado pelo Arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide e pelo Ouvidor Miguel Manso Preto. No centro da disputava estavam as rendas do açougue dos eclesiásticos e das lutuosas dos prelados. Manso Preto insatisfeito com as ações supostamente desviantes de Monteiro da Vide, denunciou-o à Coroa no intuito de reduzir as alçadas do poder do eclesiástico. Acusava-o, sobretudo, de não pagar à Câmara o imposto sobre a venda da carne naquele estabelecimento. Por outro lado, o Arcebispo sentiu-se perseguido e afirmou que o Ouvidor estava “faltando com a verdade”. O estudo das relações de tensão e conflito entre o poder secular e o poder eclesiástico na Bahia colonial nos permitiu algumas reflexões. Em primeiro lugar é necessário salientar que havia limites na interpenetração e interdependência entre a Igreja e a Coroa em Portugal e nos seus domínios ultramarinos. Quase sempre eles eram impostos pelos diferentes interesses que esses dois poderes e seus agentes possuíam. Depois devemos compreender que a realidade ultramarina também impunha limites para uma administração mais direta da Coroa, havendo a necessidade de criar um complexo aparelho burocrático com tal finalidade e, nesta perspectiva, o choque de diferentes personalidades era inevitável. O próprio afastamento do centro emanador de poder concorreu para que muitas vezes os interesses pessoais fossem colocados à frente das necessidades políticas locais, o que por sua vez propiciou o surgimento de litígios entre as autoridades que residiam ali. Isso não significa que o poder real estivesse reduzido ou ameaçado. Se não podemos falar em incentivo das contendas pela Coroa, também não podemos dizer que ela procurou combatê-los ou evitá-los. Eles representaram, no Império português, uma estratégia política e administrativa bastante sagaz. Afinal, apenas do rei poderia emanar sua resolução. Só através do monarca se alcançaria a justiça.

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APÊNDICE I

Lista dos monarcas de Portugal (1600-1750)

Filipe III (1598-1621) Filipe IV (1621-1640) Dom João IV (1640-1656) Dom Afonso VI (1656-1667) Regência de Dom Pedro (1667-1683) Dom Pedro II (1683-1706) Dom João V (1706-1750)

Vice-reis e governadores gerais do Brasil (1600-1750)

Francisco de Sousa (1591-1602) Diogo Botelho (1603-1607) Diogo de Meneses (1608-1612) Gaspar de Sousa (1613-1617) Luís de Sousa (1617-1621) Diogo de Mendonça Furtado (1621-1624) Mathias de Albuquerque (1624-1625). Governou durante a ocupação holandesa na Bahia. Francisco de Moura Rolim (1625-1627). Nomeado por Matias de Albuquerque como capitão-mor da Bahia. Diogo Luís de Oliveira (1627-1635) Pedro da Silva (1635-1639) Fernando Mascarenhas, conde da Torre (1639) Vice-rei Jorge Mascarenhas, Marquês de Montalvão (1640-1641) Junta governativa (1641-1642) Antônio Telles da Silva (1642-1647) Antônio Telles de Meneses, conde de Vila-Pouca Aguiar (1647-1650) João Rodrigues de Vasconcellos e Sousa, conde de Castelo Melhor (1650-1654) Jerônimo de Ataíde, conde de Atouguia (1654-1657) Francisco Barreto de Meneses (1657-1663) Vice-rei Vasco Mascarenhas, conde de Óbidos (1663-1667) Alexandre de Sousa Freira (1667-1671) Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça, visconde de Barbacena (1671-1675) Junta interina Roque da Costa Barreto (1678-1682) Antônio de Sousa de Meneses (1682-1684) Matias da Cunha (1687-1688) 128

Junta interina (1688-1690) Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho (1690-1694) João de Lencastre (1694-1702) Rodrigo da Costa (1702-1705) Luís César de Meneses (1705-1710) Lourenço de Almeida (1710-1711) Pedro de Vasconcellos e Sousa, conde de Castelo Melhor (1711-1714) Vice-rei Pedro de Noronha, conde de Vila Verde e marquês de Angeja (1714-1718) Sancho de Faro e Sousa, conde de Vimieiro (1718-1719) Junta interina Vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, conde de Sabugosa (1720-1735) Vice-rei André de Mello e Castro, conde de Galvêas (1735-1749)

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APÊNDICE II

Lista de Bispos e Arcebispos da Bahia (1600-1750)

Bispos

D. Constantino Barradas (1602-1618) D. Marcos Teixeira de Mendonça (1621-1624) D. Miguel Pereira (1627-1630) D. Pedro da Silva Sampaio (1632-1649) D. Fr. Estevão dos Santos (1670-1672) Arcebispos

D. Gaspar Barata de Mendonça (1676-1681) D. Fr. João da Madre de Deus Araújo (1682-1686) D. Fr. Manuel da Ressurreição (1687-1691) D. João Franco de Oliveira (1691-1700) D. Sebastião Monteiro da Vide (1701-1722) D. Luís Álvares de Figueiredo (1724-1735) D. Fr. José Fialho (1738-1739) D. José Botelho de Matos (1741-1760)

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FONTES Fontes Manuscritas Arquivo Histórico Ultramarino (AHU)

Avulsos Bahia

CARTA do governo geral interino do Brasil formado pelo Arcebispo D. Sebastião Monteiro da Vide, mestre de campo João de Araújo e Azevedo e chanceler Caetano de Brito e Figueiredo ao Aires de Saldanha e Albuquerque referente as noticias de pirataria e diligências nas Costas do Brasil. 15 de Janeiro de 1720. Caixa 12 Documento 1069. CARTA do ouvidor e provedor João Barbosa Maciel ao rei D. João V referente a arrematação dos talhos do clero e da Santa Casa da Misericórdia da Bahia. 20 de Maio de 1712. Caixa 8 Documento 631. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva ao rei D. João IV sobre a necessidade de derrogar a provisão filipina ao Bispo da Bahia parece ser executor dos seus ordenados, com a qual ameaça o contratador dos dízimos, Mateus Lopes Franco, e outras pessoas com a interdição e excomunhão. Anexo: carta, despacho e parecer. 21 de Agosto de 1643. Caixa 1 Documento 46. CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre a conta que dá o vice rei do Brasil acerca do excesso dos bispos na jurisdição do seu governo e da vida escandalosa dos clérigos.Anexo: 2 docs. 17 de Abril de 1723. Caixa 17 Documento 1493. CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre as queixas de Cosme Rolim de Moura contra o procedimento do provedor e ouvidor da Bahia Miguel Manso Preto. Anexo: 4 docs. 5 de Fevereiro de 1707. Caixa 5 Documento 456. CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre o que escreveu o Arcebispo da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide em que se queixa de o privarem dos privilégios acerca de ter açougue separado do secular.Anexo: 5 docs. 7 de Janeiro de 1718. Caixa 11 Documento 955. CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre as queixas do Arcebispo da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide acerca do procedimento do ouvidor Miguel Manso Preto. Anexo: 4 docs. 17 de Setembro de 1706. Caixa 5 Documento 442. CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre o que informa o Arcebispo da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide acerca das dificuldades que tem para edificar aposento para sua vivenda e de seus sucessores. 27 de Outubro de 1706. Caixa 5 Documento 445. DESPACHO do Conselho Ultramarino determinando que o juiz da Relação da Bahia informe com o seu parecer sobre o que contém a carta do Arcebispo da Bahia D. Sebastião Monteiro da Vide acerca da criação da paróquia do Pilar, ouvindo por escrito o prior do convento do Carmo.Anexo: 2 docs. 27 de Maio de 1712. Caixa 8 Documento 705. DESPACHO do Conselho Ultramarino ordenando ao vice rei e capitão general do estado do Brasil, conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Meneses que informe 131

ao Juiz de Fora e do crime de suas respectivas Jurisdição. 13 de Novembro de 1734. Caixa 49 Documento 4353. REQUERIMENTO de Manuel de Brito ao rei D. José solicitando licença para o uso de traje e espada alegando nobreza. Anexo: 10 docs. Ant. 19 de Dezembro de 1750. Caixa 104 Documento 8242.

Luiza da Fonseca

CARTA dos desembargadores da Relação da Bahia, para S. A. sobre ser conveniente haver juiz de fora naquela cidade. 21 de Agosto de 1677. Caixa 23 Documento 2780. CARTA do governador D. João de Lencastre, para S. Majestade, sobre as negras e mulatas que se vestiam de seda, mais ricas que as filhas das casas que serviam, provocando desonestidade e distração de muitos eclesiásticos simples. 24 de Julho de 1695. Caixa 32 Documento 4101. CARTA do ouvidor desembargador Manuel Pereira Franco sobre as desordens e desconcertos do clero; diz que dos oito capitulares da sé só seis vão ao Cabido, que são idiotas sem letras, que põem excomunhão por casos levíssimos, e que os amancebados vivem em tanta quietação como os casados. 11 de Dezembro de 1652. Caixa 12 Documento 1533. CARTA do chanceler da Relação da Bahia Manuel Carneiro Sá para S. Majestade queixando-se do arcebispo governador não repartir com ele as propinas que leva nos contratos. 15 de Julho de 1689. Caixa 28 Documento 3549. CARTA da Relação da Bahia para S. A. sobre a carne que se vende no açougue, e maneira como são tratados os criados dos desembargadores quando vão às compras. 27 de Agosto de 1672. Caixa 21 Documento 2493. CARTA do Senado da Câmara da Bahia para Sua Majestade pedindo que ninguém possa vender carne fora do açougue público pelo dano que resulta à Fazenda Real. 30 de Julho de 1694. Caixa 30 Documento 3848. CARTA do governador do Brasil Antonio Teles da Silva para S. Majestade comunicando a morte do governador do Rio de Janeiro, Luís Barbalho Bezerra, atribuída a desgosto que teve por causa de um motim que se levantou contra ele, querendo-lhe tirar de casa o cofre do dinheiro do cunho da moeda; trata ainda da segurança da praça do Rio de Janeiro, de naus da armada dos holandeses, da falta de munições, etc. 4 de junho de 1644. Caixa 9 Documento 1060. CARTA de frei Manuel de Santa Maria para S. Magde, dizendo ser filho de um pai dos mais perseguidos do reino, por amor de D; Antonio e informando acerca do estado de coisas no Brasil; refere-se ao sermão que pregou em S; Paulo na ocasião da aclamação, em que alguns moradores disseram que se o rei espanhol “quisesse bulir com D. João IV” eles lhe tirariam o serro de Potosí, parte do qual ficava na coroa de Portugal, conforme dizia um sertanista; refere-se ainda a ataques dos holandeses e queixa-se do governador do Brasil. 15 de Janeiro de 1642. Caixa 8 Documento 949. CARTA do governador do Brasil Antonio Teles da Silva para S. Magde sobre a ordem régia que teve pelo Conselho da Fazenda, para ter dois mil homens efetivos para defesa da cidade. Diz que acha poucos homens se o holandês ali for, e se não for, tudo sobra. Mostra a necessidade de se fortificar a Bahia de modo que o inimigo perca a esperança. Diz das fortificações que achou, e que os moradores se fintaram para terem três mil homens para a defesa da Cidade. 23 de Setembro de 1642. Caixa 8 Documento 976.

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CARTA ao governador do Brasil, Antonio Telles da Silva, para S. Magde., sobre a falta de patacas, licença dos moradores para plantarem gengibre e anil e navegá-lo livremente para o reino, estado da galé e embarcações que fez o Marquês de Montalvão, devassa que se ficava tirando dos três governadores do Brasil, terras de canas que tem o Conde de Linhares, cujos bens foram confiscados no reino, dinheiro da obra pia, licença que tem os jesuítas para tirar o pau Brasil, sustento da infantaria, estado de penúria em que os governadores deixaram os cofres do governo; louva o procedimento do Provedor Sebastião Parvi de Brito. 29 de Novembro de 1642. Caixa 8 Documento 994. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre a falta de patacas e de escravos, causada pela ocupação de Angola, pelos holandeses, e do Rio de Prata pelos espanhóis, pede que se levante a moeda, envie a relação dos soldados, trata do estado da galé e mais embarcações. 29 de Novembro de 1642. Caixa 8 Documento 995. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre os ordenados que levam os governadores, da finta que o povo fez para sustento dos soldados. 10 de Setembro de 1642. Caixa 8 Documento 970. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre a falta de escravos de Angola e de dinheiro de prata, pedido que fez para se levantar o preço das patacas e bater moeda de prata dos moradores, negócio do pau Brasil dos jesuítas, comércio que procura com os castelhanos do Rio da Prata, etc. 30 de Janeiro de 1643. Caixa 9 Documento 1002. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre a falta de prata e de escravos, paga da infantaria, diligências que vai fazer para abrir de novo o comércio com os castelhanos do Rio da Prata, notícia que teve dos moradores do Pará terem dado no Maranhão, e degolado todos os holandeses, ordenado do Bispo, etc. 31 de Janeiro de 1643. Caixa 9 Documento 1003. CARTA de Francisco de Vila Gomes para S. Magde., sobre a sua ida a Bahia, com ordem de ir a Torre de Garcia de Ávila, o que não conseguiu por imperícia do piloto, naufragando a nau e perdendo-se tudo, salvando-se apenas a bandeira. 20 de Fevereiro de 1638. Caixa 7 Documento 779. CARTA do Bispo D. Pedro da Silva para S. Magde. queixando-se do governador Antonio Telles da Silva, que com “ódio capital” busca molestá-lo, informa das obras da Sé e dinheiro que tem custado. 26 de Outubro de 1644. Caixa 10 Documento 1157. CARTA dos oficiais da Câmara da Bahia para S. Magde sobre chegada do Bispo D. Pedro da Silva, fábrica da Sé, atraso das obras, etc. 17 de Novembro de 1644. Caixa 10 Documento 1156. CARTA do Bispo D. Pedro da Silva para S. Magde. queixando-se de que há três anos sofre do governador Antonio Telles da Silva, moléstias e vexações que este lhe faz e à Sé, impedindo as obras. 17 de Outubro de 1644. Caixa 10 Documento 1158. CARTA do governador Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre as 26 embarcações de remo que mandou fabricar para defesa do recôncavo. 26 de Maio de 1646. Caixa 10 Documento 1191. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva para S. Magde., sobre uma devassa. 10 de Janeiro de 1643. Caixa 8 Documento 999. CARTA do governador do Brasil Antonio Telles da Silva, para S. Magde., sobre a saca de prata para o reino e a falta do comércio do Rio da Prata, pelo que é necessário levantar a moeda. 24 de Setembro de 1642. Caixa 8 Documento 979. CARTA régia para o governador Antonio Telles da Silva, sobre as questões deste com o Ouvidor Manuel Pereira Franco, com Nicolau Viegas, conservador dos jesuítas do 133

colégio de S. Paulo da Bahia, com o Bispo D. Pedro da Silva e com o cônego Fillipe Batista. 25 de Julho de 1645. Caixa 10 Documento 1129. CARTA do ouvidor geral Manuel Pereira Franco para S. Magde., sobre os excessos praticados pelo governador Antonio Telles da Silva. 26 de Setembro de 1644. Caixa 9 Documento 1095. CARTA dos oficiais da Câmara da Bahia para S. Magde., acusando o governador Antonio Telles da Silva, de abrir e ler cartas de particulares, e de prender o ouvidor geral Manuel Pereira Franco. 2 de Setembro de 1644. Caixa 9 Documento 1094. CARTA do Bispo Dom Pedro da Silva para S. Magde. sobre os prelados que nomeou quando chegou ao seu bispado, em Janeiro de 1634, e estado do clero. 26 de Março de 1635. Caixa 6 Documento 682. CARTA de D. Pedro, bispo do Brasil, para S. Magde., acusando o governador de abrir as cartas dos particulares, o que dera ocasião a se perder o comércio por os moradores temerem escrever e mesmo queixar-se a V. Magde., refere-se a recontros com os holandeses em Pernambuco. 12 de Abril de 1635. Caixa 5 Documento 554. CARTA dos oficiais da Câmara da Bahia para S. Magde., sobre a provisão que o Bispo D. Pedro levou ao Brasil, pela qual se ordena que nas procissões vá a bandeira real diante de todas as cruzes, estando até então em posse de ir atrás do pálio, causa por que não levaram. Pedem a S. Magde. lhes ordene o lugar em que deve ir. 22 de Setembro de 1659. Caixa 15 Documento 1751. CERTIDÃO passada por Gonçalo Pinto de Freitas, escrivão da Fazenda do Brasil, e matrícula da gente de guerra, do número de soldados que se acham no Brasil e são: 2.238 soldados efetivos, 129 no hospital e quartéis, e no Rio Real 88, num total de 2.455. 27 de Novembro de 1642. Caixa 8 Documento 996. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre Sebastião de Matos de Sousa, como procurador do arcebispo da Bahia, que pede preferência para o navio em que este embarcar com a família de Angola para o Brasil. 20 de Março de 1692. Caixa 29 Documento 3688. CONSULTA do Conselho Ultramarino o desembargador Manuel Pereira Franco, ouvidor da Bahia, que foi preso pelo governador Antonio Telles da Silva, e pede para ser julgado, pois o Conselho tem informações de que passou muitas necessidades na prisão. 5 de Maio de 1645. Caixa 10 Documento 1112. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre a carta falsa que o governador do Brasil Antonio Telles da Silva remeteu a S. Magde., pela qual se concedia a Catarina de Oliveira e ao seu marido Domingos Antunes, licença para que só eles pudessem vender garapa na cidade da Bahia. 26 de Agosto de 1644. Caixa 9 Documento 1069. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre arcebispo do Brasil D. Frei João da Madre de Deus, que pede que haja açougue separado na Bahia para os clérigos. 1 de Março de 1683. Caixa 30 Documento 3150. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre a queixa que faz o licenciado Manuel Pereira Franco, ouvidor geral do Brasil, contra o governador Antonio Telles da Silva, que o suspendeu e prendeu, a mesma queixa fazem os oficiais da Câmara da Bahia. 25 de Julho de 1645. Caixa 10 Documento 1128. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre Sebastião de Mattos de Sousa, como procurador do Arcebispo da Bahia, que pede preferência para o navio em que este embarcar com a família, de Angola para o Brasil. 20 de Março de 1692. Caixa 29 Documento 3688. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre os oficiais da Câmara pedirem para aquela cidade privilégios iguais aos da cidade do Porto. 3 de Março de 1646. Caixa 10 Documento 1176. 134

CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre o que escreve o governador Antonio Telles da Silva, acerca do empréstimo de 30.000 cruzados que se pediu ao bispo D. Pedro da Silva. 15 de Abril de 1645. Caixa 10 Documento 1111. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre a prisão e suspensão que o governador do Brasil Antonio Telles da Silva fez no ouvidor geral Manuel Pereira Franco. O governador acusava o ouvidor de proceder sem justiça num caso com os jesuítas e na morte Filipe de Moura deu a sua mulher, rica e de nação hebrea. 25 de Outubro de 1644. Caixa 9 Documento 1079. INFORMAÇÃO do governador do Brasil e mais papéis relativos ao ordenado do Bispo, obras e fábricas da Sé, e dinheiro para o vigário geral de Pernambuco. 1644. Caixa 9 Documento 1096. PARECER do procurador da coroa sobre o estado da cidade da Bahia, e do que lhe convém dar. 26 de Fevereiro de 1646. Caixa 10 Documento 1177. PARECER de Salvador Correia de Sá sobre o cativeiro dos índios e as religiões poderem ter a administração de uma aldeia que não passe de 100 casais, em cada mosteiro, para benefício de sua fazenda, e os mais índios que se descerem sejam para as aldeias. Sem Data. Caixa 34 Documento 4361. REQUERIMENTO de Manoel Rodrigues, que há mais de quarenta anos teve mercê do ofício de contador geral do Brasil, que não foi exercitado por fica porteiro no Conselho d Fazenda; pede licença renunciar aquele ofício em Antonio de Sousa de Andrade, que está na cidade da Bahia. 4 de Janeiro de 1642. Caixa 8 Documento 947. REQUERIMENTO do bispo contra o governador Antonio Telles da Silva que não o ouve nem lhe paga. 17 de Agosto de 1645. Caixa 10 Documento 1133. REQUERIMENTO do Bispo Dom Miguel Pereira pedindo dinheiro para restaurar a sede da Bahia que foi saqueada pelos holandeses e ficou sem pratas, ornamentos, órgão, livros de coro, missais, e sem castiçais. 13 de Fevereiro de 1629. Caixa 4 Documento 474.

Castro e Almeida

REPRESENTAÇÃO do Cabido da Bahia queixando-se de diversas considerações práticas pelo Juiz de fora e vereadores da Comarca sobre as festividades e procissões, que por ordem régia se celebravam com assistência do cabido e Senado. Anexos: 3 docts. 30 de agosto de 1755. Caixa 11 Documento 2010.

Arquivo Público da Bahia (APB)

Setor de Microfilmagem, Ordens Régias, volume 2.

Arquivo Municipal de Salvador (AMS)

Cartas do Senado aos Eclesiásticos (1685-1804) 135

Provisões reais, Livros 122.1 (1624-1642), 122.2 (1626-1655), 126.1 (1641-1680), 126.3 (1680-1712).

Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)

Registo Geral das Merces de Dom Pedro II, Livro 14 Registo Geral das Merces de Dom João V, Livro 9

Fontes impressas ALMEIDA, Cândido Mendes de, Codigo Philippino ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d'El-Rey D. Philippe I, 14ª Edição, Rio de Janeiro, Tipografia do Instituto Filomático, 1870. ANTONIL, Andre João, Cultura e Opulência do Brasil por suas drogas e Minas. 1711. São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1982. ATAS DA CÂMARA, Documentos Históricos do Arquivo Municipal, Salvador, Prefeitura do Município de Salvador. 11 volumes.

CARDIM, Fernão, Narrativa Espistolar de uma viagem e Missao Jesuitica, Lisboa, 1847. CARTAS DO SENADO a Vossa Majestade, Documentos Históricos do Arquivo Municipal, Salvador, Prefeitura do Município de Salvador, 6 volumes.

DAMPIER, William, A new Voyage around the world, Londres, 1703.

ERICEIRA, Luis de Meneses, Conde de, História de Portugal Restaurado, vol. 1, Lisboa, Oficina de Domingos Rodrigues, 1759. FRANÇA, Gonçalo Soares da. “Dissertações da História Eclesiástica do Brasil” - 1761, In: José Aderaldo Castello, O Movimento academicista no Brasil (1641-1820/22), São Paulo, Conselho Estadual de Cultura, 1969, volume 1, tomo 5. FREZIER, Amédée F., Relation Du Voyage de la Mer du Sud aux côtes du Chily et du Perou, fait pendant les anées 1712, 1713 et 1714, Amsterdam, 1717. FROGER, Fraçois, Relation d´un Voyage de La mer Du sud detroit de Magellan, brésil, cayenne e les isles antilles, Amsterdam, 1715.

LOBO, Francisco Rodrigues, Cortes na aldeia e Noites de Inverno, Lisboa, Ed. Presença, 1991. 136

MONTALVÃO, D. Jorge de Mascarenhas, Marques de, Cartas que escreveo o marquez de Montalvam sendo Viso Rey do Estado do Brasil, ao Conde de Nassau, que governava as armas em Pernambuco dandolhe aviso de felice acclamação de sua Magestade o Senhor Rey Dõ João o IV nestes seus Reynos de Portugal, é reposta do Conde de Nassau. Com outra carta que o Marichal seu filho trouxe para apresentar cõ ella a sua Magestade, Lisboa, Officina de Domingos Lopez Rosa, 1642, p.6. Consultado em http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01202700. PITTA, Sebastião da Rocha, História da América Portuguesa, São Paulo, W. M. Jackson Inc., Clássicos Jackson, 1950. PEREIRA, Juan Solorzano, Politica Indiana, Madrid, Diego Diaz de la Carrera, 1648. “REGIMENTO da Relação da Bahia”, in José Roberto Monteiro de Campos Coelho e Sousa, Systema ou Collecção dos Regimentos Reaes, Lisboa, Oficina de Francisco Borges de Sousa, 1783, tomo VI. “REGIMENTO do Conselho Ultramarino de 1642”, in José Justino de Andrade e Silva, Collecção Chronologica da Legislação Portuguesa (1640-1647), Lisboa, Imprensa de F. X. de Souza, 1856.

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