As Duas Faces da Petrobras: a Persistência Dinâmica da Empresa Estatal no Arranjo Institutional Brasileiro

June 8, 2017 | Autor: Lucila de Almeida | Categoria: Oil and Gas Law, Oil and gas, Economic Law
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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO DO ESTADO DE SÃO PAULO

AS DUAS FACES DA PETROBRAS: a persistente dinâmica da empresa estatal no arranjo institucional brasileiro

LUCILA GABRIEL DE ALMEIDA

SÃO PAULO – SP 2011

LUCILA GABRIEL DE ALMEIDA

AS DUAS FACES DA PETROBRAS: a persistente dinâmica da empresa estatal no arranjo institucional brasileiro

Dissertação

apresentada

no

Programa

de

Mestrado em Direito e Desenvolvimento da Escola de Direito do Estado de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Orientador: Prof. Dr. Mario Gomes Schapiro

SÃO PAULO – SP 2011

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ALMEIDA, Lucila Gabriel de. AS DUAS FACES DA PETROBRAS: a persistente dinâmica da empresa estatal no arranjo institucional brasileiro / Lucila Gabriel de Almeida. - 2011. 162 f. Orientador: Mario Gomes Schapiro Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo. 1. PETROBRÁS. 2. Empresas públicas -- Brasil -- Relações com o governo. 3. Empresas públicas – Administração - Brasil. 4. Brasil – Política e governo. I. Schapiro, Mario Gomes. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Direito de São Paulo. III. Título. CDU 35.07(81)

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LUCILA GABRIEL DE ALMEIDA

AS DUAS FACES DA PETROBRAS: a persistente dinâmica da empresa estatal no arranjo institucional brasileiro

Trabalho Apresentado à Banca Examinadora no Programa de Mestrado da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito e Desenvolvimento. DATA DE APROVAÇÃO: ___ /___ /___ BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Mario Gomes Schapiro (orientador)

Prof. Dr. Diogo Rosenthal Coutinho

Prof. Dr. Mario Engler Pinto Junior 3

O senhor... mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão. (João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, aos professores da UFRN vinculados ao núcleo de pesquisa de petróleo e gás – PRH-ANP/32 –, em especial, o Prof. Otacílio dos Santos Silveira Neta, que me introduziu ao apaixonante tema dessa dissertação ainda durante a graduação e me auxiliou na elaboração do projeto de pesquisa que me fez ingressar no mestrado em Direito & Desenvolvimento da Direito GV. Ao Prof. Mario Gomes Schapiro, meu orientador, pela sua notável paciência com meus titubeios de pesquisadora iniciante, pelos seus comentários imprescindíveis para a estruturação da dissertação, pela sua disponibilidade de tempo e pelas suas atentas leituras do trabalho. Ao Prof. Mario Engler Pinto Junior, pela sua disposição para compor as bancas de qualificação e de defesa e pelas suas relevantes sugestões. Ao Prof. Diogo Rosenthal Coutinho pela sua também disponibilidade para compor as bancas de qualificação e de defesa e por me aceitar como aluna especial na disciplina de “Desenvolvimento: racionalidades, ferramentas e arranjos jurídicos”, ministrada na USP, momento em que pude suscitar e debater o tema desta dissertação por diversas vezes. Aos professores da Direito GV e de outras instituições de ensino que me ouviram pacientemente falar sobre esta pesquisa, fosse durante as aulas ou durante os intervalos: Ronaldo Porto Macedo Junior, Carlos Ari Sundfeld, Oscar Vilhena Vieira, John Ohnesorge, Edmilson Moutinho dos Santos, Danilo Borges de Araújo, Marta Machado e Marilda Rosado de Sá Ribeiro. Aos meus amigos do mestrado e da vida que fizeram da minha estadia em São Paulo uma experiência mais agradável: Arivaldo S. de Souza, Tais Fernandes Duarte, Guilherme Texeira Pereira, Cristiane Samária Gomes da Silva, em especial, Ângela Donaggio, pela leitura do trabalho, Renata Belmonte e Fátima Nunes. Às minhas revisoras, Tammy Arnaud, amiga de infância, e Adriane Piscitelli. Por fim, e mais importante, à minha família. Ao meu irmão, Luciano Gabriel de Almeida, pelo incondicional carinho e companheirismo. Aos meus país, Marino Eugênio de Almeida e Elizabeth F. Gabriel de Almeida, que se fizeram presentes dos meus momentos de angústia aos de euforia, sempre disponíveis a me ouvir e a me aconselhar. 5

RESUMO

A presente dissertação analisará a persistente dinâmica da Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras – no arranjo institucional brasileiro. O objetivo é identificar se essa permanência foi acompanhada de mudanças na estrutura macro e microjurídica da empresa estatal que promoveram a sua adaptação às alterações da relação Estado e mercado promovidas por reformas institucionais. O trabalho parte do pressuposto de que, na recente evolução histórica brasileira, quatro correlações de forças promoveram reformas jurídicas que alteraram a relação Estado e mercado em quatro diferentes períodos: (i) da Era Vargas ao governo Juscelino Kubitschek; (ii) do golpe militar ao processo de redemocratização; (iii) do governo Fernando Collor ao término do governo Fernando Henrique Cardoso; e (iv) do início do governo Lula até o momento da elaboração deste trabalho. Para desenvolver esse precedente, o primeiro capítulo analisará o modo e a intensidade da intervenção direta do Estado no setor produtivo para identificar as características da relação Estado e mercado nos períodos. Os capítulos subsequentes se deterão à análise da estrutura da Petrobras na esfera microjurídica – organização societária – e macrojurídica – articulação da empresa estatal com outros agentes públicos e privados – em cada um dos quatro períodos delimitados no capítulo anterior. O segundo capítulo descreverá institucionalmente a Petrobras durante seus primeiros dez anos. O terceiro capítulo identificará as mudanças institucionais promovidas na empresa estatal durante o regime militar. O quarto capítulo disporá sobre as alterações jurídicas na Petrobras promovidas pela Reforma do Estado. Por fim, o quinto capítulo tratará das mais recentes mudanças institucionais da empresa estatal decorrente da descoberta da vasta reserva de petróleo denominada pré-sal.

PALAVRAS-CHAVE: Petrobras, correlação de forças, arranjo institucional, estrutura microjurídica, estrutura macrojurídica.

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ABSTRACT

This dissertation will analyze the dynamic performance of Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras – within the Brazilian institutional arrangement. Its objective is to identify if this public owned company’s performance was accompanied by changes in its macro and micro legal structures, which resulted in the adaptation of Petrobras to changes in the relationship between the state and market, promoted by institutional reforms. The main premise of this study establishes that in the recent history of Brazil, four main ideologies influenced legal reforms that altered the relationship between the state and the market within four different periods: (i) from the Era Vargas to the government of President Juscelino Kubitschek; (ii) from the military coup to the redemocratization process; (iii) from the government of President Fernando Collor to the end of President Fernando Henrique Cardoso’s term; and (iv) from the beginning of President Lula’s term until the time this research was conducted. The first chapter explains the direct interventions of the state in the productive sector, their characteristics, and how they affected the relationship of the state with the market during these four periods. The subsequent chapters aim at analyzing Petrobras’ configuration in the micro legal field – corporate organization – and macro legal – link between the public owned company and other public and private agents – in each of the four periods. The second chapter describes Petrobras through a legal viewpoint during its first ten years. The third chapter identifies the legal changes that affected Petrobras during the military regime. The fourth chapter analyzes the legal changes undergone by Petrobras during the State Reform. Finally, the fifth chapter discusses the most recent legal alterations suffered by Petrobras as a consequence of a vast oil reserve discovery, also known as Pré-Sal

KEY WORDS: Petrobras, dominant ideologies, institutional arrangement, micro and macro legal structures.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................. 11   1.  AS  EMPRESAS  ESTATAIS  NO  ARRANJO  INSTITUCIONAL:  AS  CORRELAÇÕES  DE  FORÇAS   INFLUENCIANDO  NA  INTERVENÇÃO  DIRETA  ESTADO  BRASILEIRO ................................................................ 19   INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................19   1.  DO  ESTADO  LIBERAL  AO  ESTADO  DESENVOLVIMENTISTA  BRASILEIRO:  A  INTERVENÇÃO  DIRETA  NO  DOMÍNIO   ECONÔMICO .........................................................................................................................................................20  

1.1.  O  Estado  interventor  e  o  Estado  desenvolvimentista:  o  fenômeno  da  estatização  europeia  e   a  imprescindibilidade  da  industrialização  periférica  como  a  razão  da  intervenção  por  meio  de  empresas   estatais ........................................................................................................................................................23   2.  AS  EMPRESAS  ESTATAIS  NO  ARRANJO  INSTITUCIONAL  BRASILEIRO  A  PARTIR  DO  ESTADO  DESENVOLVIMENTISTA:  A   INTERVENÇÃO  ESTATAL  DIRETA  NO  SETOR  DE  PRODUÇÃO  DE  BENS  E  SERVIÇOS ..................................................................27  

2.1.  O  Estado  desenvolvimentista  de  Vargas  a  JK:  as  empresas  estatais  na  execução  das  políticas   públicas........................................................................................................................................................28   2.2.  O  Estado  desenvolvimentista  durante  o  regime  militar:  a  dualidade  entre  a  concretização  de   políticas  públicas  e  a  busca  da  rentabilidade  financeira ...........................................................................32   2.3.  O  neoutilitarismo  dos  anos  1990:  a  ineficiência  das  empresas  estatais  para  a  produção  de   bens  e  serviços  ao  mercado ........................................................................................................................39   2.4.  O  novo  Estado  desenvolvimentista:  o  retorno  das  empresas  estatais  como  instrumentos  de   políticas  públicas .........................................................................................................................................48   3.  CONSIDERAÇÕES  FINAIS ...........................................................................................................................54   2.  A  FACE  ESTATAL:  A  PETROBRAS  DURANTE  O  ESTADO  DESENVOLVIMENTISTA  DE  VARGAS  A   KUBITSCHEK ................................................................................................................................................. 56   INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................56   1.  O  CONTEXTO  PRECEDENTE:  O  SETOR  PETROLÍFERO  ANTES  DA  PETROBRAS .........................................................57   2.  O  ARRANJO  INSTITUCIONAL  DA  PETROBRAS  NO  ESTADO  DESENVOLVIMENTISTA  DE  VARGAS  A  JK.........................61   2.1.  A  estrutura  microjurídica:  a  participação  acionária  maciça  do  Estado  e  o  crescimento   dependente  dos  recursos  financeiros  públicos ...........................................................................................62   2.2.  A  estrutura  macrojurídica:  a  intervenção  direta  da  Petrobras  e  a  intervenção  indireta  do   CNP ..............................................................................................................................................................65   2.2.1.  A  articulação  entre  a  Petrobras,  o  CNP,  a  CINPE,  a  Abdib  e  a  indústria  nacional  de  bens  de  capital   para  alcançar  os  objetivos  definidos  no  Plano  de  Metas ........................................................................................ 68  

3.  CONSIDERAÇÕES  FINAIS:  A  PREDOMINÂNCIA  DA  FACE  ESTATAL  NOS  DEZ  PRIMEIROS  ANOS  DE  PETROBRAS ..............71  

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3.  A  FACE  ESTATAL  E  A  FACE  EMPRESARIAL:  A  PETROBRAS  DURANTE  O  ESTADO   DESENVOLVIMENTISTA  DO  REGIME  MILITAR ............................................................................................... 73   INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................73   1.  A  ESTRUTURA  MICROJURÍDICA:  A  CONTINUIDADE  DA  PARTICIPAÇÃO  ACIONÁRIA  MACIÇA  DO  ESTADO  E  O   ESGOTAMENTO  DOS  RECURSOS  FINANCEIROS  PÚBLICOS ................................................................................................74  

2.  A  ESTRUTURA  MACROJURÍDICA:  ENTRE  A  BUSCA  PELO  AUTOFINANCIAMENTO  E  A  CONSECUÇÃO  DE  POLÍTICAS  PÚBLICAS ..........................................................................................................................................................................77   2.1.  O  tripé  petroquímico:  fortalecimento  do  capital  nacional ......................................................82   2.2.  A  intensificação  dos  programas  de  exploração  em  plataformas  submarinas  para  substituir  a   importação  do  petróleo  cru ........................................................................................................................88   3.  CONSIDERAÇÕES  FINAIS:  A  CONCOMITANTE  ATUAÇÃO  DA  FACE  ESTATAL  E  DA  FACE  EMPRESARIAL .........................97   4.  A  FACE  EMPRESARIAL:  A  PERSISTENTE  DINÂMICA  DA  PETROBRAS  À  REFORMA  DO  ESTADO.......... 99   INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................99   1.  A  PETROBRAS  E  OS  PLANOS  NACIONAIS  DE  DESESTATIZAÇÃO ........................................................................100   2.  A  ESTRUTURA  MICROJURÍDICA:  A  REVOGAÇÃO  DA  LEI  Nº  2.004/1953  E  A  GOVERNANÇA  CORPORATIVA ............103   3.  A  ESTRUTURA  MACROJURÍDICA:  A  LIBERALIZAÇÃO  E  A  REGULAÇÃO  PARA  UM  REGIME  DE  LIVRE  CONCORRÊNCIA ....108   3.1.  A  criação  da  ANP  como  agência  reguladora..........................................................................110   3.2.  A  articulação  estratégica  entre  a  Petrobras,  a  ANP,  o  Cade,  as  empresas  privadas  de   petróleo  para  alcançar  a  competitividade  e  a  eficiência  econômica. .....................................................114   4.  CONSIDERAÇÕES  FINAIS:  A  PREVALÊNCIA  DA  FACE  EMPRESARIAL ...................................................................123   5.  A  FACE  EMPRESARIAL  E  A  FACE  ESTATAL:  A  PETROBRAS  NO  NOVO  ESTADO  DESENVOLVIMENTISTA ...................................................................................................................................................................125   INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................................125   1.  A  ESTRUTURA  MACROJURÍDICA:  O  RETORNO  DAS  POLÍTICAS  PÚBLICAS  E  A  PETROBRAS  COMO  EMPRESA  OPERADORA   ÚNICA ...............................................................................................................................................................126  

1.1.  O  pré-­‐sal  e  a  contra  Reforma  do  Estado ................................................................................128   1.1.1.  A  intervenção  do  CNPE  e  a  perda  da  autonomia  decisória  da  ANP ............................................... 133   1.1.2.  A  articulação  estratégica  entre  a  Petrobras,  a  ANP,  o  CNPE,  a  PPSA,  as  empresas  privadas  de   petróleo  para  estimular  a  indústria  nacional ........................................................................................................ 135  

2.  A  ESTRUTURA  MICROJURÍDICA:  O  AUMENTO  DA  PARTICIPAÇÃO  DO  ESTADO  NA  COMPOSIÇÃO  ACIONÁRIA  DA   PETROBRAS ........................................................................................................................................................142   3.  CONSIDERAÇÕES  FINAIS:  O  RETORNO  DA  FACE  ESTATAL ...............................................................................147   CONCLUSÃO .....................................................................................................................................149   REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................................................154  

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SIGLAS Abdib – Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis b/d – Barris por dia BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico Cade – Conselho Administrativo de Defesa Econômico Cenpes – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras Cepal – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CNP – Conselho Nacional do Petróleo CNPE – Conselho Nacional de Política Energética EPE – Empresa de Pesquisa Energética IOCs – International Oil Companies IUCL – Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes NOCs – National Oil Companies Opep – Organização de Países Exportadores de Petróleo PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A. PITCE – Política Industrial de Desenvolvimento Tecnológico e de Comércio Exterior PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PND – Programa Nacional de Desestatização PPSA – Pré-sal Petróleo S.A. PQU – Petroquímica União S.A. Procap – Programa de Capacitação Tecnológica em Águas Profundas Sermat – Serviço de Materiais da Petrobras SPE – Setor Produtivo Estatal

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APRESENTAÇÃO O TEMA, A PERGUNTA, A HIPÓTESE E A ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Cada período histórico possui sua própria consciência das estreitas relações entre direito e economia. O modo de produção capitalista, destaca Eros Grau, é um modo essencialmente jurídico, ou seja, o direito é um elemento constitutivo desse modo de produção. O direito do modo de produção capitalista é racional e formal, caracterizandose pela universalidade abstrata das formas jurídicas e pela igualdade formal perante a lei, refletindo a universalidade da troca mercantil e buscando garantir a previsão e a calculabilidade de comportamentos. O mercado não é uma ‘ordem espontânea’, natural, embora o discurso liberal sustente essa visão, mas é uma estrutura social, fruto da história de decisões políticas e jurídicas que servem a determinados interesses, em detrimento de outros. (Gilberto Bercovici, O ainda indispensável Direito Econômico)

1. SOBRE O QUE É ESTA DISSERTAÇÃO?

Cada período da história possui sua própria e consciente relação com o direito. Um período histórico é delimitado quando uma correlação de forças, servindo a um determinado interesse em detrimento de outros, implica na escolha de alternativas jurídicas que alteram o arranjo institucional1. Quando se modificam certas condições materiais, abre-se a possibilidade para a formação de uma nova correlação de forças, alterando, assim, a coerência nas decisões jurídicas e, por sua vez, também o arranjo institucional.

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Instituições são restrições estabelecidas pelo homem que limitam suas interações no campo político, econômico e social. Existem dois tipos de instituições: (i) as formais, sendo as normas constitucionais, as leis ordinárias, os decretos, as regulamentações, os contratos etc.; e (ii) informais, as quais incluem comportamentos, valores, costumes, tabus, crenças, religiões etc. NORTH, Douglass C. Institutions. The Journal Economic of Perspectives, V. 5, nº 1, 1991, p. 95. Para este trabalho, o termo “instituições” é aplicado unicamente como referência às instituições formais.

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Em uma organização econômica capitalista, a correlação de forças de um determinado período pode ensejar na escolha de alternativas institucionais que interferem na relação entre o Estado e o mercado2, ou seja, na relação entre o ente público e as atividades econômicas. Dependendo dos interesses dominantes, as alterações no arranjo institucional refletem em mudanças na organização do sistema econômico, ora tendendo-a para uma organização de comando, na qual o Estado interfere na escolha das prioridades de produção, ora para uma organização de mercado, na qual essas prioridades são determinadas unicamente por entidades autônomas3. Essa influência das correlações de forças na relação Estado e mercado é nítida na recente evolução histórica brasileira. Observando o arranjo institucional desde o aparecimento do Estado interventor desenvolvimentista, na década de 1930, havia dois meios que habilitavam o Estado a intervir na organização do sistema econômico: a intervenção indireta, através de instrumentos normativos; e a intervenção direta, através da atuação de agentes de mercado constituídos pelo ente público4. A partir desse recorte temporal da história até o presente momento, percebe-se que quatro correlações de forças alteraram a forma e a intensidade da intervenção direta e indireta do Estado na organização econômica brasileira, impactando, assim, o arranjo institucional. A primeira correlação de forças se deu na Era Vargas e perdurou até 1960. Desde a década de 1930, uma revolução industrial e nacional esteve em curso, no qual o Estado assumiu a função de propulsor do desenvolvimento, entendendo desenvolvimento como um processo de substituição de importação. Coube ao ente público, além de planejar a economia, atuar como agente de mercado para intervir diretamente na atividade econômica produtiva.

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A relação Estado e mercado, para este trabalho, corresponde à imbricada relação que o Estado estabelece com as atividades economias de titularidade do setor privado, as quais Celso Antônio Bandeira de Mello e Eros Roberto Grau denominam de intervenção nas atividades econômicas em sentido estrito e Alberto Venâncio Filho chama de intervenção no domínio econômico. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta. São Paulo: RT, 1973, p. 21-22; GRAU, Eros Roberto. Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90-92; VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico: o direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 69-71. 3 Sobre a dicotomia de uma relação de comando e de mercado, veja TRUBEK, David. Toward A Social Theory of Law: An Essay on the Study of Law and Development. Yale Law Journal, 82:84, 1972. 4 Para Alberto Venâncio Filho, as ferramentas jurídicas da intervenção indireta correspondem ao Direito Regulamentar Econômico e as ferramentas jurídicas da intervenção direta correspondem ao Direito Institucional Econômico. VENÂNCIO FILHO, op. cit.

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Por essa razão, o Estado adquiriu um papel desenvolvimentista a partir de um arranjo institucional cuja organização econômica era essencialmente de comando. A segunda correlação de forças surgiu a partir do golpe militar e perdurou até a década de 1980. Nesse período, o Estado continuou com a função de promover o desenvolvimento nacional, todavia, com alterações relevantes na intensidade da intervenção pública na esfera econômica. Tanto os instrumentos normativos de intervenção indireta como os agentes estatais de intervenção direta assumiram a atribuição de suplementar a iniciativa privada nas atividades produtivas. Coube ao ente estatal fortalecer, sobretudo, o capital nacional, a haste fraca de uma relação tríplice formada também pelo capital estatal e pelo capital estrangeiro. Com isso, não obstante o Estado tenha mantido seu papel desenvolvimentista, o arranjo institucional conferiu-lhe a obrigação de fomentar uma organização econômica de mercado. A terceira correlação de forças apareceu no início da década de 1990, decorrente da crise fiscal do Estado, e perdurou até os primeiros anos do século XXI. Essa coalizão dominante anuiu com os pressupostos neoclássicos de que os agentes políticos são capturados por grupos de interesses, resultando na alocação ineficiente de recursos quando o Estado interfere nas relações de mercado. A ideia, então predominante, provocou um movimento contrário à intervenção estatal na economia que culminou em uma ampla reforma no arranjo institucional, conhecida com a Reforma do Estado. Esta repercutiu sobremaneira na relação Estado e mercado, a qual impeliu o ente público a não mais interferir no setor de produção de bens e serviços para o mercado, deixando a condução das relações de trocas apenas a mercê da racionalidade dos agentes privados. Nesse sentido, a mudança no arranjo institucional, diferente dos dois períodos históricos precedentes, perpetuou uma organização econômica essencialmente de mercado. A quarta correlação de forças, ora em curso, baseou sua formação a partir dos resultados insatisfatórios da Reforma do Estado e da vitória do partido de oposição nas eleições presidenciais de 2002. Os índices econômicos e sociais apurados após as mudanças institucionais da década de 1990, muito aquém das expectativas, enfraqueceram os argumentos sobre a ineficiência do Estado e justificaram o resgate das ideias desenvolvimentistas. Nesse cenário, contemporâneo a esta dissertação, mudanças institucionais vêm retomando a intervenção do Estado na economia através da constituição de novos agentes empresariais e da edição de planejamentos econômicos que estipulam diretrizes aos agentes públicos e privados. Muito embora as reformas institucionais não tenham atingido 13

uma amplitude universal, a escolha das alternativas jurídicas setoriais é suficiente para sustentar a afirmação de que um novo arranjo institucional se forma, o qual remete a economia novamente para uma organização de comando. Não obstante as correlações de forças interferirem na relação Estado e mercado, uma evidência empírica salta aos olhos de um observador. No curso da recente evolução histórica brasileira, mesmo quando as mudanças nas escolhas institucionais alteraram a forma e a intensidade da intervenção do Estado nas relações econômicas, uma instituição jurídica persistiu atuando como uma empresa estatal5. Esta foi a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras. Constituída em 1953 no segundo governo do presidente Getúlio Vargas, a Petrobras surgiu como uma sociedade de economia mista com a finalidade de exercer exclusivamente o monopólio da União às atividades de pesquisa, lavra, refino e transporte marítimo ou por meio de condutos de petróleo e seus derivados. A escolha da alternativa institucional de uma empresa estatal para atuar no setor petrolífero, em detrimento à iniciativa privada precedente, foi plenamente coerente com o arranjo institucional então vigente. O Estado assumiu a responsabilidade da industrialização nacional, assim como o papel desenvolvimentista. Apesar de nascida no seio do movimento nacionalista “O petróleo é nosso”, a Petrobras persistiu atuando como uma empresa estatal, apesar das subsequentes mudanças na correlação de forças. Durante o regime militar, a companhia não apenas se manteve ativa, mas também ampliou sua esfera de atuação para setores produtivos não monopolizados pela União, tornando-se uma verdadeira holding. Por sua vez, durante a crise fiscal do Estado nas décadas de 1980 e 1990, a Petrobras perdurou também como empresa estatal, não obstante a intervenção do Estado no setor produtivo ser alvejada por críticas embasadas na ineficiência econômica dos agentes públicos. Por fim, nessa última década, a Petrobras continuou uma trajetória positiva sem sofrer alterações em sua personalidade jurídica, mesmo quando a maior reserva de petróleo da história brasileira foi descoberta nas áreas do pré-sal. Em razão da evidência empírica da persistente trajetória da Petrobras como empresa estatal, mesmo após mudanças no arranjo institucional que alteraram a relação Estado e mercado, o presente trabalho pretende responder, sob um viés estritamente jurídico, como isso

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ocorreu. Ou seja, como a Petrobras persistiu como empresa estatal às correlações de forças que alteraram o arranjo institucional brasileiro e, por sua vez, que alteraram a relação Estado e mercado?

2. A HIPÓTESE

A hipótese deste trabalho é que, apesar das mudanças nas correlações de forças, a Petrobras persistiu como empresa estatal em decorrência de reformas nas esferas macrojurídicas e microjurídicas. Reformas na esfera macrojurídicas são alterações institucionais que modificam a relação estratégica entre a Petrobras e outros agentes públicos – órgão da administração direta, agências reguladoras etc. – ou agentes privados – indústria de bens de capital, empresas de exploração e produção de petróleo etc.6 Por sua vez, reformas na esfera microjurídicas são alterações institucionais que modificam a organização societária da Petrobras. Estão incluídas nesse rol as regras que estabelecem a forma de escolha dos membros do Conselho de Administração e dos Diretores, a composição acionária e as alternativas de financiamento dos investimentos. Conjuntamente, as reformas macrojurídicas e microjurídicas permitiram a adaptação da Petrobras às alterações na relação Estado e mercado, cristalizadas no arranjo institucional, mas sem a necessidade de migrar para outro modelo de organização, persistindo, assim, como empresa estatal. Com isso, a Petrobras, durante sua trajetória, adquiriu uma dinâmica de atuação bifronte, formada por uma face estatal e uma face empresarial. Dependendo do arranjo institucional de um determinado período histórico brasileiro, a Petrobras ora assumiu uma face estatal, tendo sua atuação conduzida a concretizar objetivos macroeconômicos

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Para fim metodológico, faz-se necessário esclarecer que a expressão “empresas estatais”, para este trabalho, abrange tanto sociedades de economia mista, cujo Estado aparece como acionista controlador, quanto empresa pública unipessoal. 6 As reformas macrojurídicas se assemelham ao que Diogo Rosenthal Coutinho chama de Direito como arranjo institucional. COUTINHO, Diogo Rosenthal. Linking Promises to Policies: Law and Development in an unequal Bazil, The Law and Development Review, V. 3, nº 2, 2010, p. 21-22.

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inseridos às políticas públicas, ora uma face empresarial, tendo sua atuação voltada à busca da rentabilidade financeira de seus investimentos, ou, ainda, ora assumiu ambas as faces7.

3. A ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

O presente trabalho parte do pressuposto de que a relação Estado e mercado é dinâmica em decorrência da aprovação de mudanças no arranjo institucional. Nesse sentido, ora o sistema econômico tende a uma organização de comando, ora tende a uma organização de mercado. A partir dessa ideia, é possível identificar, na recente evolução histórica brasileira, diferentes períodos mediante a identificação de reformas institucionais que interferiram no modo da intervenção do Estado na atividade econômica. Sendo as empresas estatais uma ferramenta dessa intervenção, o objetivo do primeiro capítulo é identificar tais períodos a partir das mudanças institucionais que estas sofreram e, para isso, está dividido em duas partes. A primeira parte descreverá, brevemente, como se deu a formação do Estado desenvolvimentista brasileiro, na primeira metade do século XX, a partir da conscientização sobre as falhas de mercado e a imprescindibilidade da atuação pública direta nas atividades econômicas produtivas. A segunda parte se deterá a analisar a relação das empresas estatais no arranjo institucional brasileiro desde a formação desse Estado desenvolvimentista. O intuito é, com isso, criar uma linha condutora a qual identificará as mudanças nesse modo de intervenção na atividade econômica que resultaram na delimitação de quatro períodos históricos: (i) da Era Vargas ao governo Juscelino Kubitschek; (ii) do golpe militar ao processo de redemocratização; (iii) do governo Fernando Collor ao término do governo Fernando Henrique Cardoso; e (iv) do início do governo Lula até o momento da elaboração deste trabalho.

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A analogia entre a figura mitológica do Jano Bifronte e a empresa estatal, tendo essa uma face estatal e uma face empresarial, é extraída da literatura em ciência políticas, sobretudo das obras de Sergio Henrique Abranches e Edelmira del Carmen Alveal Contreras. ABRANCHES, Sergio Henrique. A Empresa Pública como Agente de Políticas do Estado: fundamentos teóricos do seu papel, inclusive em face de nossas relações com o exterior. In:_______, A Empresa Pública no Brasil: uma abordagem multidisciplinar: coletânea de Monografias. Brasília: IPEA, 1980. p. 10-15; CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal. Os Desbravadores: a Petrobrás e a construção do Brasil industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 43-57.

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Delimitado os períodos históricos a partir da relação Estado e mercado, prevista no arranjo institucional, os capítulos subsequentes se deterão à análise da Petrobras. O trabalho terá como objeto de pesquisa as instituições que interferiram na empresa estatal durante sua trajetória, desde sua constituição, em 1953, até os dias atuais. O objetivo é identificar se a persistente atuação da Petrobras como empresa estatal ocorreu mediante alterações na sua esfera macrojurídica e microjurídica, as quais, conjuntamente, permitiram a sua adaptação às modificações na relação Estado e mercado de cada período da recente evolução histórica brasileira. Para isso, a trajetória institucional da Petrobras será estudada a partir do mesmo recorte temporal estabelecido no primeiro capítulo. Nesse sentido, serão quatro fases. Em cada uma delas, a análise se focará nas instituições da esfera macrojurídica da Petrobras, as quais moldaram a relação estratégica entre a empresa estatal e outros agentes públicos ou privados; e nas da esfera microjurídica, que estabeleceram a organização societária da companhia. Seguindo este viés de pesquisa, o segundo capítulo analisará a esfera macro e microjurídicas da Petrobras durante a primeira fase. Primeiramente, será descrito o contexto jurídico do setor petrolífero precedente ao estabelecimento do monopólio da União e criação da Petrobras para, então, adentrar na análise do primeiro arranjo institucional da empresa estatal promulgado pela Lei no 2004/1953, chamada também de marco institucional inicial. O objetivo é, com isso, identificar se essa lei decorreu da acomodação da Petrobras como empresa estatal a uma organização econômica essencialmente de comando formada pelo arranjo institucional do período. O terceiro capítulo observará as mudanças na esfera macro e microjurídicas da Petrobras na segunda fase, decorrentes da reforma administrativa de 1967 e da convalidação da idéia de desenvolvimento através de um capitalismo associado. Propõem-se, assim, averiguar se a Petrobras acomodou-se como empresa estatal a uma organização econômica que, muito embora de comando, é voltada a fomentar uma organização de mercado. O quarto capítulo analisará as mudanças na esfera macro e microjurídica da Petrobras na terceira fase, provenientes de uma ampla reforma institucional desenhada pela Lei do Petróleo. Objetiva-se, com isso, perceber se essas mudanças permitiram à Petrobras se adaptar como empresa estatal a um arranjo institucional adverso à intervenção do Estado nas

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atividades produtivas de bens e serviços e implantado por um abrangente plano de Reforma do Estado. Por fim, o quinto capítulo tratará das recentes mudanças macro e microjurídicas da Petrobras na quarta fase, justificadas pela descoberta de uma vasta reserva de petróleo na região denominada pré-sal. A finalidade é identificar se essas modificações resultam na adaptação da Petrobras, como empresa estatal, a uma organização econômica de comando que vem se consubstanciando através de reformas setoriais promovidas nesta última década, como no setor financeiro e no setor elétrico.

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1. AS EMPRESAS ESTATAIS NO ARRANJO INSTITUCIONAL: AS CORRELAÇÕES DE FORÇAS INFLUENCIANDO NA INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO BRASILEIRO

De fato, o importante a reter teoricamente é o movimento pelo qual se constituem as possibilidades históricas através de rede de interesses e oposições entre classes, frações de classes e grupos sociais. Esta trama de relações não se tece a partir de agentes estaticamente dados. (Fernando Henrique Cardoso, As ideias e seu lugar)

INTRODUÇÃO

Desde o advento do capitalismo como modo de produção, as correlações de forças interferem no arranjo jurídico-institucional no sentido de estabelecer um padrão à relação Estado e mercado, mas sem, com isso, resultar na substituição do sistema econômico. Dependendo da posição ideológica dominante, ora a organização econômica tende a ser de mercado, na qual o Estado restringe-se a garantir os direitos de propriedade e o cumprimento dos contratos, ora a organização tende a ser de comando, na qual o Estado intervém nas variáveis de preço, de oferta ou de demanda. A contar da derrocada do liberalismo com a crise de 1929, a intervenção pública no domínio econômico fez-se necessária para restabelecer o equilíbrio que os agentes privados, por si só, foram incapazes de restabelecer. Desde então, os Estados, antes harmonizadores dos direitos individuais, ampliaram sua atuação mediante a inserção de instrumentos jurídicos de intervenção econômica ao arranjo institucional. Nos Estados Unidos, epicentro do crash, o direito serviu como uma ferramenta para o Estado corrigir as falhas de mercado. Todavia, nos países europeus e nos países periféricos, o direito extrapolou sobremaneira essa mera finalidade, fornecendo instrumentos para o Estado tanto planejar quanto atuar na atividade econômica. Nesse contexto, eis que as empresas estatais surgiram como alternativa institucional para que o ente público atuasse na esfera econômica de titularidade do setor 19

privado. Com elas, o Estado deixou de ser apenas um agente normativo para agregar a figura de agente empresarial8. No Brasil, as empresas estatais foram criadas com maior intensidade a partir da década de 1940. Nesse período, o arranjo institucional convalidava a intervenção estatal direta para o exercício das atividades produtivas monopolizadas pela União ou para eliminar os entraves no processo de industrialização nacional, condição sine qua non ao desenvolvimento. Por essa razão, o Estado brasileiro desse período foi denominado Estado desenvolvimentista em razão das novas funções que alteraram a sua relação com o mercado. Muito embora as empresas estatais tenham sido ferramentas jurídicas de intervenção desde a consolidação do Estado desenvolvimentista, circunstâncias estruturais ou eventuais alteraram a correlação de forças. A cada coalizão dominante, reformas jurídicas alteraram o modo e a intensidade da intervenção direta do Estado no domínio econômico, interferindo, consequentemente, nas empresas estatais. Partindo desse referencial, o objetivo do presente capítulo é identificar, na recente evolução histórica brasileira, as mudanças no arranjo jurídico-institucional que refletiram na atuação das empresas estatais. Para alcançar o objetivo pretendido, o capítulo está dividido em duas partes. A primeira descreverá, brevemente, como se deu a formação do Estado desenvolvimentista brasileiro, na primeira metade do século XX, a partir da conscientização sobre as falhas de mercado e a imprescindibilidade da atuação pública como agente empresarial no domínio econômico. A segunda se deterá a analisar a intervenção estatal direta através das empresas estatais, desde a formação do Estado desenvolvimentista até o presente momento, contemporâneo a esta dissertação. A finalidade é identificar, na trajetória do arranjo institucional brasileiro, diferentes períodos históricos com sua própria e consciente relação com o Estado e com o mercado, chamados também neste trabalho de fases.

1. DO ESTADO

LIBERAL AO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA BRASILEIRO: A INTERVENÇÃO DIRETA NO DOMÍNIO ECONÔMICO

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O termo “agente empresarial” é utilizado por Alberto Venâncio Filho. VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 383.

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Predominante entre os autores da Escola Clássica9 e ideologicamente dominante durante os séculos XVIII e XIX, a concepção liberal da economia política compreendeu o mercado como o conjunto de relações sociais reguladas por leis próprias e oriundas de uma ordem natural. Os princípios da racionalidade e da eficiência, inerentes aos interesses dos indivíduos, resultavam na evolução espontânea da economia, descrita como a mão invisível do mercado. Nesse cenário, a não intervenção na economia era corolário da natureza do Estado. Cabia a este apenas definir os contornos do direito à liberdade e à propriedade10, uma patente demonstração da incompatibilidade entre a esfera pública e privada. Depois de dois séculos de liberalismo como posição ideológica dominante, a estrita separação entre Estado e economia foi interrompida na Primeira Guerra Mundial (19141918)11. O esforço bélico desprendido pelos países envolvidos requereu uma mobilização do Estado nas esferas econômica e social, organização que se convencionou chamar de economia de guerra. Entretanto, a estrutura do discurso liberal foi posta em cheque, apenas e definitivamente, pela primeira crise estrutural do capitalismo. A crença de uma ordem natural do mercado que manteria o equilíbrio da vida econômica decaiu diante da depressão de 1929, possibilitando a transição do sistema econômico para uma nova forma de organização12. KEYNES, então, em A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, identificou falhas de mercado inerentes ao sistema capitalista: a possibilidade da existência de um desemprego involuntário; a carência de equidade na

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A Escola Clássica corresponde ao pensamento econômico desenvolvido na Inglaterra, entre fins do século XVIII e meados do século XIX. A esse respeito, António José Avelãs Nunes cita como autores e obras mais representativas: “Adam Smith (1723-1790) – An inquiry in the nature and causes of the wealth of the nations (1976); David Ricardo (1772-1823) – Principles of political economy and taxation (1817); Thomas Robert Malthus (1776-1863) – Essay on the principles of population as it affects the future improvement of society (1798); John Stuart Mill (1806-1873) – Principles of Political Economy (1848), todos ingleses”. NUNES, António José Avelãs. Uma Introdução à Economia Política. São Paulo: Quartar Latin, 2007, p. 378. 10 COMPARATO, Fabio Konder. O Indispensável Direito Econômico. In: ______. Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 455. 11 “[...] com a implementação do Estado de Direito, novas bases se assentaram na relação entre autoridade e cidadão. Liberdade e propriedade se tornaram direitos subjetivos públicos, constituindo um espaço de autonomia frente à atuação governamental. A consagração constitucional dos direitos do indivíduo resultou em severa restrição à interferência estatal.” SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 9-10. 12 “A bem verdade, a regulação pública da economia já se havia mostrado como alternativa virtuosa durante a Primeira Guerra Mundial, quando o esforço bélico desmontou a crença liberal dos livres mercados e as economias vivenciaram uma primeira experiência de planejamento. No entanto, foi com a crise financeira norteamericana de 1929 que a necessidade e as virtudes desta intervenção pública entraram em cena de maneira

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repartição de riquezas e do rendimento arbitrário; e a importância da atuação pública para promover ações anticíclicas em períodos de depressão no quadro macroeconômico13. Assim, rompendo com o ideário da autorregulação dos mercados, a inovadora proposição do keynesianismo consubstanciou em princípios teóricos a filosofia moderna da intervenção estatal14. A partir dessa concepção se consolidou um Estado atuante no domínio econômico. Este, que antes se limitava a garantir os direitos individuais, adquiriu a obrigação de harmonizá-los com projetos a serem implantados coletivamente. Incorporou, assim, objetivos como o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades, a proteção do meio ambiente e a preservação do patrimônio histórico15. Muito embora a construção histórica desse Estado interventor tenha sido deflagrada em todos os países capitalistas, este assumiu variantes endógenas às heterogêneas realidades econômico-sociais dos países, apresentando particularidades no estilo e na intensidade da intervenção. Aparece, então, o Estado regulador americano, o Estado interventor europeu e o Estado desenvolvimentista, abrangendo este último os países periféricos16. Os norte-americanos, na tentativa de conter os efeitos da Grande Depressão e expurgar as causas, promulgaram um conjunto de instituições jurídicas planejadoras e regulatórias

definitiva [...]”. SCHAPIRO, Mario Gomes. Novos Parâmetros na Intervenção do Estado na Economia. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 132-133. 13 Sintetizando as proposições de Keynes, Fábio Nusdeo estabelece que “o grande economista inglês Lord Keynes mostrou ser perfeitamente possível haver o equilíbrio em subemprego, ou seja, em determinadas condições, contrariamente ao que se acreditava, não haveria forças automáticas de mercado aptas a levar a economia a sair do subemprego e voltar a se aproximar do pleno emprego”. E continua para descrever a teoria sistemática dos deficit públicos: “em épocas de depressão, o governo deve lançar na economia mais recursos do que arrecada, pois esses recursos adicionais estimularão a atividade econômica, fazendo-a sair gradativamente do fundo do vale recessivo. Nas épocas de euforia, pelo contrário, o governo deveria, por varias formas, retirar recursos, para evitar excesso de atividade, prejudicial à estabilidade monetária”. NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 2005, p. 144-145; NUNES, António José Avelãs. O Keynesianismo e a Contra-Revolução Monetarista. Coimbra: Coimbra, 1991; KEYNES, John Maynard. The General Theory of Employment, Interest and Money. Disponível em: < http://www.marxists.org/reference/subject/economics/keynes/general-theory/>. Acessado em: 6 de fevereiro de 2010. 14 Para Dênio Nogueira, a teoria keynesiana “consubstanciou em princípios teóricos a filosofia moderna da intervenção estatal na atividade econômica, com o fim de suplementar as forças econômicas que, como supunham os clássicos, tendiam automaticamente a restabelecer o equilíbrio, numa posição correspondente à ocupação plena”. NOGUEIRA, Dênio, 1953 apud VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 11-12. 15 SUNDFELD, op. cit., p. 14. 16 A nomenclatura e, por sua vez, a classificação das diferentes espécies de Estados interventores foram introduzidas por Mario Gomes Schapiro, em SCHAPIRO, op. cit., p. 132-139.

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jamais vistas na economia deste país, que foi o New Deal. Iniciado em 1933 pelo presidente Roosevelt, este programa conjugou políticas industriais e agrárias para controlar o excesso de oferta no mercado e, consequentemente, o aumento dos preços relativos. Além disso, incorporou dispositivos regulatórios com a finalidade de estabelecer limites aos agentes do sistema financeiro americano, responsáveis pela irradiação da crise de Wall Street17. Nada obstante a formação do Estado regulador norte-americano, na Europa e nos países periféricos, a forma e a intensidade da intervenção no domínio econômico conferiram um significante sobrepeso à mão visível do Estado.

1.1. O Estado interventor e o Estado desenvolvimentista: o fenômeno da estatização europeia e a imprescindibilidade da industrialização periférica como a razão da intervenção por meio de empresas estatais

A intervenção estatal na Europa e nos países periféricos excedeu sobremaneira limites de uma ação governamental objetivada a corrigir apenas as falhas de mercado. Além das ferramentas jurídico-institucionais de regulação, com as quais o Estado assume um papel de agente normativo das regras e condutas da vida econômica, esse mesmo Estado passou a editar planejamentos econômicos e a assumir uma forma institucional com a finalidade de suplementar – ou até mesmo suplantar – os atores privados nas relações de troca. Eis, pois, que surgem as empresas estatais, proporcionando ao Estado um status de agente de mercado: o Estado empresário.

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Sobre os programas de planejamento econômico do New Deal, Mario Gomes Schapiro estabelece que “[...] a intervenção pública com o New Deal refutou os imperativos de uma economia de mercado concorrencial. Desde a sua primeira fase, verificam-se iniciativas evidentes de planejamento econômico, notadamente com duas das mais propaladas de suas iniciativas legislativas, ambas de 1933: (i) o National Industry Recovery Act (NIRA) e (ii) o Agricultural Adjustment Act (AAA). Ambas as leis tinham em conta que os setores industriais e agrários enfrentavam turbulências decorrentes do excesso de oferta, o que redundava em uma manutenção dos preços relativos em patamares inferiores às expectativas dos empreendedores e produtores”. Em seguida, continua o autor tratando, também, dos dispositivos regulatórios. “No campo dos atos de controle, cuja finalidade foi de impor limites a uma economia ainda desregulada, importam [...] os casos dos Securities and Exchange Act e do Glass Steagell. Ambas as legislações, ao tratarem do funcionamento do sistema financeiro, lidaram justamente com uma das áreas mais vulneráveis da economia norte-americana e que havia sido o epicentro da dos problemas de 1929.” SCHAPIRO, ibid., p. 134-135.

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Dentre os Estados intervencionistas europeus, partiram da Itália, da França e da Inglaterra as primeiras experiências de estatização na Europa Ocidental18. Na Itália, a mera regulação dos atores privados não restou para revigorar o equilíbrio da economia após a crise de 1929, agravada pelo isolamento do país em função da hostilidade ao fascismo. O Estado, imbuído da responsabilidade de emitir uma resposta institucional mais vigorosa ao mercado, criou o Instituto per La Ricostruzione Industriale (IRI). Este, constituído em 1933, assumiu, inicialmente, o controle acionário dos três principais bancos privados que se tornaram insolventes e, posteriormente, tornou-se a brain policy de um enorme conglomerado19 que incluiu, além da participação acionária em bancos, as indústrias petrolífera, naval, automotiva, entre outras. A França e a Grã-Bretanha, por sua vez, com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), iniciaram uma extensa política de estatização. A libertação da França, em 1945, requereu do Estado francês investimentos públicos sob a forma de participação societária para robustecer o esforço de reconstrução do país e romper possíveis obstáculos à produção nacional. Tal política governamental encontrou plena fundamentação legal nos dispositivos do preâmbulo da Constituição francesa da IV República, de 27 de outubro de 1947, a qual dispunha que toda empresa cuja exploração tem ou adquire características dum serviço público nacional ou de um monopólio de fato deve tornar-se propriedade da coletividade20. No mesmo período, as pretensões inglesas de estatização foram sintetizadas pelo manifesto do Partido Trabalhista Inglês para as eleições gerais de 1945, Let us Face the Future, o qual pregava que a propriedade e a gestão pública eram consequências naturais para indústrias básicas que estavam maduras21. A vitória do partido resultou na transcrição dessa posição ideológica na legislação que regulava os Atos de Estatização de 1946/1951. Com efeito, procedeu-se a estatização do Banco da Inglaterra e da aviação civil em 1946, os correios em 1947, e os setores de transporte e eletricidade em 1948.

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DAIN, Sulamis. Empresa Estatal e Capitalismo Contemporâneo: uma análise comparada. Campinas: UNICAMP, 1980, Tese (Doutorado) – Pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, p. 182-183. 19 Para Sergio Henrique Abranches, o IRI funcionou, desde o início, como um policy brain de um enorme conglomerado de empresas estatais. Atestando essa informação, Sulamis Dain inclui dados comprobatórios da Itália que corroboram com tais conclusões: em 1976, as empresas estatais investiram 47,8% do total de formação de capital e empregaram 25,1% do total da população ocupada do país. ABRANCHES, Sergio Henrique. Empresa Estatal e Capitalismo: uma análise comparada. In: MARTINS, Carlos Estevam (org.). Estado e Capitalismo no Brasil, São Paulo: Hucites: CEBRAP, 1977, p. 29; DAIN, op. cit., p. 189. 20 VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 13. 21 Let us Face the Future era o slogan do Manifesto do Partido Trabalhista Inglês, o qual foi vitorioso nas eleições gerais de 1945. DAIN, loc. cit.

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Assim como o Estado intervencionista europeu, o Estado desenvolvimentista dos países periféricos intensificou as empresas estatais ao arranjo jurídico-institucional para intervenção no domínio econômico, no entanto, as razões eram destoantes. Enquanto nos países capitalista e desenvolvidos a intervenção econômica justificava-se pela estratégia político-econômica de estatizar empresas privadas deficitárias ou por opção política, nos países em desenvolvimento, esta decorreu do despertar de uma consciência mais viva do fenômeno do subdesenvolvimento22. Na América Latina, pouco a pouco, o subdesenvolvimento não era mais compreendido como um estado prévio em um processo evolutivo do desenvolvimento. Era, sim, uma condição encravada em uma estrutura econômica e social agroexportadora dependente. A permanência dos países latino-americanos como vendedores de matérias-primas e compradores de produtos industrializados reproduzia uma relação de contínua deterioração dos termos de troca23, alargando ainda mais as diferenças dos países do centro e os da periferia. A consciência das causas do subdesenvolvimento desencadeou no questionamento de como revertê-lo em desenvolvimento, compreendendo, então, desenvolvimento como um processo de acumulação de capital que gera melhorias na renda e nos padrões de bem-estar. Como o subdesenvolvimento, em suas raízes, era um fenômeno de dominação, ou seja, de

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Sobre as razões que motivaram a constituição de empresas estatais nos países em desenvolvimento e nos países desenvolvidos, Mario Engler Pinto Junior estabelece a distinção que: “Nos países em desenvolvimento ou economias de transição, o surgimento da empresa estatal procura preencher a lacuna deixada pelo setor privado, que normalmente não é capaz de mobilizar capitais para investimentos na indústria de base e em projetos de infraestrutura [...] O avanço do processo de industrialização nacional depende essencialmente do investimento público, combinado com a oferta de linhas de financiamento em condições favoráveis à iniciativa privada [...] Nos países de tradição capitalista e estágio mais avançado de desenvolvimento, a estatização de setores específicos da economia decorre normalmente por opção política ou é motivada por razões estratégicas”. PINTO JUNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal: função econômica e dilemas societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10. 23 As ideias sobre a deterioração dos termos de troca contestam os preceitos da teoria das vantagens comparativas. Formulada inicialmente por David Ricardo, estabelece que o comércio internacional leva à especialização da produção por países de acordo com os custos relativamente menores dos fatores de produção – trabalho, capital e terra –, os quais garantem melhores ganhos de produção para todos. Todavia, como a teoria das vantagens comparativas sustenta uma troca estabelecida entre a venda de produtos primários pelos países subdesenvolvidos e a compra de produtos industrializados pelos países desenvolvidos, os ganhos de produção dos subdesenvolvidos serão deteriorados pelo valor agregado dos produtos industrializados dos desenvolvidos. Isso faz que o distanciamento dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos se reforcem ao longo do tempo. Sobre o debate contemporâneo dos efeitos da teoria das vantagens comparativas, veja LIN, Justin; CHANG, HaJoon. Should Industrial Policy in Developing Countries Conform to Comparative Advantage or Defy it? A debate between Justin Lin and Há-Joon Chang. Development Policy Review, 2009, 27(5): 483-502.

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natureza cultural e política24, uma ação de ruptura interna e externa tornava-se primordial para romper com a arraigada estrutura agroexportadora25. Nesse contexto, os Estados latinoamericanos assumiram a função de não apenas estimular, mas também de exercer as atividades industriais internas, tornando-os conhecidos como Estados desenvolvimentistas26. No Brasil, especificamente, a crise da Bolsa de Nova York, em 1929, foi o epicentro do desmoronamento do sistema agroexportador cafeeiro, que foi agravada com a consequente política de manutenção da taxa cambial empreendida pelo governo Washington Luís27. Com isso, houve o enfraquecimento da correlação de forças predominante desde a proclamação da República e o robustecimento de outros grupos de interesse que reivindicavam mudanças nas organizações políticas e sociais. Nessa conjuntura, com a eclosão da revolução de 1930, uma nova coalizão de forças tornou-se dominante, disseminando uma ideologia que pregava o nacionalismo econômico. Este, pouco a pouco, revelou-se como uma decisão de criar um capitalismo nacional manifestado a partir da ideia de desenvolvimento – como objetivo – e industrialização interna e independência do centro – como meio28. Eis, pois, que o Estado desenvolvimentista brasileiro deu seus primeiros passos, assumindo a função de implementar o capitalismo nacional e, consequentemente, o desenvolvimento.

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BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 53. 25 FURTADO, Celso. Introdução ao Desenvolvimento: enfoque histórico-estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 26-30. 26 Gilberto Bercovici explica a diferença entre o Estado desenvolvimentista da América Latina e os Estados sociais europeus e americanos: “É, justamente, a condição do Estado desenvolvimentista como Estado periférico, na realidade, que exige que ele seja algo mais do que o Estado Social tradicional. A estrutura do Estado Social europeu e as intervenções keynesianas na economia são insuficientes para a atuação do Estado na América Latina. A teoria de Keynes valoriza, também, os centros nacionais de decisão para a obtenção de pleno emprego. Entretanto, se a luta contra o desemprego exige a atuação do Estado, está é muito mais necessária para promover as modificações estruturais necessárias para a superação do subdesenvolvimento”. BERCOVICI, Gilberto. O Estado Desenvolvimentista e seus Impasses: uma análise do caso brasileiro. Boletim de Ciências Econômicas, XVLI, 2004, p. 17-18. 27 Sobre a derrocada da estrutura econômica e social da República Velha (1889-1930), veja VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 32. 28 De acordo com Octavio Ianni: “Pouco a pouco, o nacionalismo econômico revelou-se como uma manifestação de ideia de desenvolvimento, industrialização e independência, em face dos interesses econômicos dos países dominantes. A ideia de economia nacional implicava na nacionalização das decisões sobre política econômica. Portanto, o nacionalismo econômico compreendia a ideia e a decisão de criar um capitalismo nacional”. Veja IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971, p. 69-70. Complementando essa ideia, Maria da Conceição Tavares interpreta o movimento da economia brasileira na década de 1930 como um processo de industrialização nacional caracterizado pela substituição de importação principalmente dos bens de consumo e de capital. TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro: Ensaios sobre a Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1974, p. 75-76.

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Para uma industrialização nacional, era necessária a aglutinação de grande massa de capital nacional para investir na indústria de base, caracterizada pela sua vasta escala e grande interdependência. Na ausência desse capital e de soluções naturais e espontâneas para resolver a lacuna no sistema produtivo, o arranjo institucional foi reformado para permitir a intervenção direta do Estado nas atividades econômicas29. Ou seja, o ente público assumiu a responsabilidade de suprir uma lacuna indispensável no processo de industrialização, a qual o mercado não foi capaz de fazer por si só. No contexto brasileiro, diferentemente dos países europeus, as empresas estatais foram criadas como uma alternativa jurídica de intervenção direta na atividade econômica para exercer funções produtivas imprescindíveis à industrialização nacional e, consequentemente, ao desenvolvimento. É nesse período histórico, pois, que as empresas estatais são inseridas ao arranjo institucional do Estado desenvolvimentista brasileiro.

2. AS EMPRESAS ESTATAIS NO ARRANJO INSTITUCIONAL BRASILEIRO A PARTIR DO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA: A INTERVENÇÃO ESTATAL DIRETA NO SETOR DE PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS

As empresas estatais, sejam empresas públicas ou sociedades de economia mista, são alternativas jurídicas institucionais de intervenção estatal direta no domínio econômico. Em razão de sua personalidade jurídica privada, são ferramentas institucionais adequadas para exercer atividades econômicas no sentido estrito, esfera de titularidade do setor privado. No entanto, podem também ser criadas com a finalidade de prestar serviços públicos30. A primeira experiência de empresa estatal no arranjo jurídico-institucional brasileiro remonta a 1808, com a criação do Banco do Brasil S.A., uma sociedade de economia mista

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Sobre os entraves na industrialização nacional, veja COUTINHO, Luciano G. e REICHSTUL, Henri Philippe. O Setor Produtivo Estatal e o Ciclo. In: MARTINS, Carlos E. Estado e Capitalismo no Brasil, São Paulo: Ed. HUCITEC, 1977, p. 61. 30 Concepções sobre a intervenção econômica em sentido estrito e serviço publico é diferenciado por Eros Roberto Grau: “Pretende o capital reservar para sua exploração, como atividade econômica em sentido estrito, todas as matérias que possam ser, imediata ou potencialmente, objeto de profícua especulação lucrativa. Já o trabalho aspira atribui-se ao Estado, para que este as desenvolva não de modo especulativo, o maior número possível de atividades econômicas (em sentido amplo). É a partir desse confronto – do estado em que tal confronto se encontrar, em determinado momento histórico – que se ampliarão ou reduzirão, correspectivamente, os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito e dos serviços públicos”. GRAU, op. cit., p. 108.

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cujo controle acionário pertencia à Coroa portuguesa. No entanto, resgatar um passado demasiadamente longínquo em nada acrescenta às explicações do fenômeno da estatização das atividades produtivas no século XX. Ou seja, as razões de adoção das empresas estatais na década de 1940 não coincidem com as causas da criação em períodos precedentes. Essas – mais recentes – decorreram do recrudescimento da intervenção do Estado na atividade econômica, sobretudo nos setores produtivos de bens e serviços, com a finalidade de suprir a deficiência da iniciativa privada nos setores indispensáveis para o processo de industrialização nacional. Muito embora as empresas estatais tenham adquirido extraordinário desdobramento no arranjo institucional brasileiro a partir da década de 1940 e 1950, circunstâncias conjunturais e estruturais provocaram o enfraquecimento da correlação de forças desse período e o fortalecimento de outros grupos de interesses. Uma nova coalizão, então, emergiu e alterou o arranjo institucional, afetando as empresa estatais o suficiente para interferir nas práticas e condutas dessa modalidade de intervenção direta. Essa dinâmica do arranjo institucional, provocada pelo movimento contínuo e linear das correlações de forças – que ora se fazem, ora se desfazem – permite a divisão da recente evolução histórica brasileira em diferentes fases. Seriam períodos temporais em que mudanças no arranjo jurídico se cristalizam, interferindo na relação do Estado e mercado e, consequentemente, na atuação das empresas estatais. Esse, pois, será o objetivo da segunda parte deste capítulo: identificar as diferentes fases do arranjo institucional brasileiro sob o enfoque institucional que envolve as empresas estatais que atuaram na atividade econômica em sentido estrito.

2.1. O Estado desenvolvimentista de Vargas a JK: as empresas estatais na execução das políticas públicas

Desde a Revolução de 1930, o desejo de novas formas de organização política e econômica se exacerbara. O declive do modelo do Estado liberal na conjuntura internacional influenciou a formação de uma nova correlação de forças formada pela burguesia industrial,

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trabalhadores e a burocracia pública, que ficou conhecida como aliança nacionaldesenvolvimentista31. Essa iniciou um amplo esforço de elaboração legislativa para modificar o arranjo institucional então vigente. Novos códigos foram aprovados – tratando sobre o regime de águas, minas e energia – que se afastaram claramente das disposições privatistas e deram ao Estado poderes mais amplos, capazes de transformar algumas relações de direito privado em relações de direito público. A Constituição Federal de 1934 representou o pioneiro molde constitucional dessa nova organização econômica de comando, instituindo que a ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida social (art. 115) e que a União pode monopolizar indústria e atividade econômica, desde que por motivo de interesse público (art. 116). Com a instalação do Estado Novo (1937-1945) pelo presidente Getúlio Vargas, outra constituição foi promulgada, mantendo as inovações já inseridas na ordem econômica e adicionando considerações relevantes. A Constituição Federal de 1937 acrescentou ao texto normativo a expressão intervenção, estabelecendo as suas condições e modos. Primeiramente, prescreve que a intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção. No mesmo artigo, complementa que a intervenção no domínio econômico poderia ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta (art. 135). Concomitante às reformas constitucionais da década de 1930, sobretudo durante o Estado Novo, as linhas gerais de uma política industrializante foram definidas32. A chamada estratégia nacional-desenvolvimentista começou a adquirir mais forma e face, passando o Estado a planejar os requerimentos, os projetos e as prioridades necessárias para fomentar a

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Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, a correlação de forças era formada pela burguesia industrial, os trabalhadores, os burocratas e segmentos da velha oligarquia (especificamente os que estavam no negócio de substituição de importação como os criadores de gado do Rio Grande do Sul). Acrescenta, ainda, que essa coalizão lutou contra o imperialismo e a oligarquia agroexportadora. “It argued that, under the aegis for Getúlio Vargas, a national-populist political coalition had been formed that brought together the industrial bourgeoisie, the workers, the public bureaucracy and segments of the old oligarchy (the one that was in the business of import substitution, such as beef ranchers in Rio Grande de Sul) to fight against imperialism and the agro-exporting oligarchy – principally the coffee planters”. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. From the NationalBourgeoisie to the Dependency Interpretation of Latin America. Latin American Perspective 2011, 38:40, p. 46-47. 32 COUTINHO; REICHSTUL, op. cit.

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industrialização nacional33. Nesse contexto, autarquias se proliferam extraordinariamente com finalidades variadas, entre elas, a de atuar diretamente em atividades econômicas de produção e serviço34. Entretanto, as entidades autárquicas logo se revelaram inadequadas para essa função, cedendo espaço para a constituição de empresas estatais, primeiramente na forma de sociedade de economia mista e posteriormente como empresa pública35. Assim, no início dos anos 1940, as empresas estatais se inseriram no arranjo institucional brasileiro como instrumento jurídico de intervenção do Estado vinculadas à Presidência da República para executar diretamente as atividades produtivas, principalmente da pesada indústria de base. Em 9 de abril de 1941, o decreto-lei no 3.002 criou a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN como uma sociedade de economia mista, sendo a primeira empresa estatal de inúmeras outras constituídas durante o Estado Novo. Depois dela, fundou-se a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942; a Fábrica Nacional de Motores e a Companhia Nacional de Álcalis, em 1943; a Acesita, em 1944; e, finalmente, a Chesf, em 1945. Com a queda do Estado Novo no final de 1945, o movimento de redemocratização, embora mais inerte à atuação do Estado na industrialização nacional, não criou óbice aos projetos das empresas estatais constituídas durante o Estado Novo36. Inclusive, na Constituição Federal de 1946, foram reiterados os dispositivos normativos sobre a intervenção estatal no domínio econômico e a possibilidade da União monopolizar determinada indústria ou atividade (art. 146)37. Essa persistência da norma constitucional importou para o Estado

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Para Mario Gomes Schapiro, “foram realizadas diversas análises e proposições de políticas voltadas a garantir uma coordenação pública das atividades produtivas e, assim, favorecer uma transição do modelo de desenvolvimento. Foi esse o caso da reforma administrativa realizada, em 1937, pelo governo Vargas, que culminou na criação de um corpo burocrático profissional, no âmbito do DASP, da missão Cooke, de 1942, do Relatório Simonsen, de 1944, e do Plano Salte, de 1948, dedicados a realizar diagnóstico, apresentar propostas e estabelecer medidas condizentes com o desafio da industrialização”. SCHAPIRO, op. cit., p. 97. 34 Alberto Venâncio Filho descreve as variadas atividades exercidas pelas entidades autárquicas a partir da década de 1930. Entre elas, o autor cita “as autarquias industriais destinadas aos serviços industriais mantidos pelo Estado, tais como o Lóide Brasileiro, Administração de Portos do Rio de Janeiro, o Serviço de Navegação do Amazonas e a Administração do Porto do Pará”. Essas seriam atividades econômicas no sentido estrito. VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 411-412. 35 Ibid., p. 387-388. 36 COUTINHO; REICHSTUL, loc.cit. 37 Alberto Venâncio Filho ressalta que, na promulgação da Constituição Federal de 1946, surgiu um debate jurídico sobre a interpretação do art. 146. A dúvida pairava especificamente sobre a redação da norma: “A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade”. Alguns defendiam que a intervenção só era permitida em setores monopolizados, enquanto outros interpretavam

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retornar a sua função de demiurgo da industrialização com a volta de Getúlio Vargas à Presidência pelo voto popular, em 1950. Primeiramente, em 1953, criou-se a Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A., empresa estatal destinada a atuar nas atividades monopolizadas da indústria de petróleo. Em seguida, a partir do ano de 1954, os investimentos efetuados pela Petrobras e pelas empresas estatais precedentes começaram a se avolumar, sobretudo as empresas que integravam o Setor Produtivo Estatal – SPE38, chegando a uma extraordinária expansão entre 1956 e 1961 em razão da execução do Plano de Metas. Promulgado no primeiro ano do governo Juscelino Kubitschek, o Plano de Metas foi o pioneiro instrumento jurídico que coordenou a atuação pública para o cumprimento de objetivos previamente estabelecidos. Para isso, quatro setores prioritários foram selecionados – energia, transporte, alimentação e indústria de base – e trinta metas específicas foram firmadas e para serem cumpridas deveriam envolver articuladamente os agentes públicos e privados, incluindo as empresas estatais39. Para o cumprimento das metas vinculadas às empresas estatais, o próprio Plano de Metas previu as transferências – direta ou indiretamente – de vultosos montantes de recursos financeiros públicos. Esses vieram tanto do orçamento público federal, inclusive de fundos vinculados; do orçamento público estadual, incluindo de fundos especiais; e do financiamento de entidades públicas como o Banco do Brasil e o recém-criado BNDE – Banco Nacional de

de forma mais ampla, que o Estado poderia intervir na economia, como também monopolizar. Citando San Tiago Dantas, Alberto Venâncio Filho esclarece que a interpretação restritiva não tem guarida na melhor doutrina. VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 55-56. 38 O setor produtivo estatal é formado pelas empresas estatais que se caracterizam por investir na base produtiva pesada do sistema industrial, citando-se como exemplo a indústria siderúrgica, de hidroeletricidade e petrolífera. CONTRERAS, op. cit. 39 As trinta metas envolviam os setores de energia elétrica, energia nuclear, carvão mineral, produção e refinação de petróleo, ferrovias (reaparelhamento), ferrovias (construção), rodovias (pavimentação e construção), portos e drenagem, marinha mercante, transporte aeroviário, produção de trigo, armazéns e silos, armazéns e frigoríficos, matadouros industriais, mecanização da agricultura, fertilizantes, siderurgia, alumínio, metais não ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha, exportação de minério de ferro, indústria automobilística, construção naval, indústria de material elétrico pesado e de mecânica pesada e formação de pessoal técnico. Veja os dispositivos do Plano de Metas em PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Programa de metas do Presidente Juscelino Kubitschek: estado do Plano de Desenvolvimento Econômico, em 30 de junho de 1958. Rio de Janeiro: A Presidência, 1958, p. 17-19.

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Desenvolvimento Econômico40, então autarquia federal que exercia a função de agente financeiro41. Com o suporte de recursos e financiamentos públicos para a garantia dos investimentos, as empresas estatais assumiram a importante função de viabilizar as políticas públicas inscritas no Plano de Metas. Pode-se afirmar, então, que de 1941 a 1961 as empresas estatais foram inseridas ao arranjo institucional brasileiro como instrumentos de intervenção direta na economia, principalmente na produção de bens e serviços, possuindo como objetivo único e exclusivo o cumprimento de políticas públicas juridicamente delimitadas pelo planejamento econômico. Em razão da elevada dependência dos investimentos – públicos e privados – às receitas públicas do Estado, a estrutura tributária relativamente estreita e rígida tornou-se insuficiente para cobrir o volume de gastos, obrigando o governo a fazer a emissão primária de material circulante. Além do aumento da dívida pública, terminando o quinquênio do Plano de Metas, uma forte desaceleração de investimentos conjugada com uma crescente inflação comprometeu o poder de compra real da receita governamental42. Diante do cenário econômico negativo que se consolidou durante os anos 1962 e 1963, uma nova correlação de forças substituiu a enfraquecida coalizão nacional-desenvolvimentista, implementando reformas institucionais que afetaram sobremodo as empresas estatais.

2.2. O Estado desenvolvimentista durante o regime militar: a dualidade entre a concretização de políticas públicas e a busca da rentabilidade financeira

Encerrado o Plano de Metas, a estagnação econômica e a inflação desenfreada subsequentes justificaram incisivas reformas institucionais dedicadas a reestruturar o modus operandi do sistema de política econômica governamental. Nos primeiros anos do governo Castello Branco (1964-1967), logo após o golpe militar, o sistema tributário foi reformado

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, op. cit., p. 10. Entre 1957 e 1963, o BNDE concentrou as suas operações financeiras principalmente nos setores de energia elétrica e siderúrgica, ambas representadas por empresas estatais atuantes na indústria de base. Mario Gomes Schapiro demonstra que, nesse período, 48,6% do total das operações do banco eram destinadas ao setor siderúrgico, e 33,4% ao setor energético. SCHAPIRO, op. cit., p. 101. 41

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para recompor a disponibilidade financeira do Estado43. Houve, assim, uma sensível elevação da carga tributária incidente sobre o valor agregado, assegurando a vinculação da receita fiscal do Estado com a flexibilidade dos preços de mercado. Além disso, o Banco Central foi constituído (Lei no 4.595/1964) para substituir o antigo Sumoc, órgão responsável pela elaboração de políticas monetárias, e para regular o sistema financeiro que haveria de expandir com a institucionalização do mercado de capitais e dos bancos de investimento (Lei no 4728/1965)44. No mesmo ano, as reformas institucionais que visavam reestruturar a política econômica também marcaram profundamente as empresas estatais. Essas, que cresceram na década de 1950 à custa de volumosos deficit operacionais, eram indicadas como as causas primárias da inflação no início da década de 1960, posto que a manutenção de suas operações exigia subsídios e transferências extraorçamentárias. O plano para as empresas estatais era, então, implantar a idéia de eficiência operacional à sua gestão, de modo a assemelhar-se às empresas privadas. Para isso, durante o regime militar, mudanças institucionais alcançaram a organização administrativa do Estado. A primeira mudança foi a implementação da autonomia financeira nas empresas estatais. O Ministério do Planejamento, então administrado por Roberto Campos e Otavio Bulhões, incorporou a política da verdade dos preços como uma prioridade de governo45. Essa se tratava do apoio às reformas institucionais que garantiram a precificação das tarifas e produtos – pelos órgãos da administração direta – de forma compatível com os custos operacionais e as necessidades de investimentos das empresas estatais. Com isso, o intuito era assegurar a vitalidade financeira delas, tornando-as mais independentes da transferência de recursos financeiros públicos46.

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Sobre as causas da desaceleração econômica e do aumento da inflação nos anos de 1962 a 1967, veja COUTINHO; REICHSTUL, op. cit., p. 68-69. 43 TAVARES, op. cit., p. 218-219; COUTINHO; REICHSTUL, op. cit., p. 69-70. 44 SCHAPIRO, op. cit., p. 103-104. 45 Além do apoio às reformas institucionais, o Ministério do Planejamento ainda adotou medidas de gestão com a intenção de sanear os elevados custos operacionais das empresas estatais, tais como: a eliminação do empreguismo nas folhas de pagamento, a racionalização dos estoques e a reconstituição do capital de giro. COUTINHO; REICHSTUL, op. cit., p. 71-72. 46 Ressalta-se que a política da verdade dos preços é diferente de uma política de liberalização dos preços. Na primeira, o Estado continua estabelecendo os valores a serem cobrados por serviços ou produtos, entretanto, esse valor deve respeitar o custo operacional e a necessidade de investimentos da empresa. Por sua vez, na política de

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A segunda mudança foi a implementação da descentralização de competências que resultou na autonomia de gestão das empresas estatais. Nos dispositivos do decreto-lei no 200, de 25 de dezembro de 196747, as empresas estatais foram classificadas como entidades da administração indireta e, em vez de permanecerem vinculadas à Presidência da República, foram transferidas para a esfera de competência dos Ministérios (art. 4o, § 1°). Diante dessa decisão de descentralização, os mecanismos de controle, tais como, coordenação e supervisão setorial, foram formalmente deslocados aos ministérios (art. 8o, § 2°, e art. 19, respectivamente). Além da descentralização, optou-se por estabelecer, taxativamente, que as empresas públicas e as sociedades de economia mista funcionariam em condições idênticas às empresas do setor privado (art. 27, parágrafo único)48. Tal reforma institucional do decreto-lei no 200/1967, prescrevendo sobre a descentralização da administração pública e a imposição de uma gestão privada às empresas estatais, ensejou, implicitamente, na concessão de uma autonomia de gestão para as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Ou seja, o vínculo das empresas estatais aos ministérios restringiu-se a um controle de resultados, inexistindo qualquer relação de subordinação quanto aos atos de gestão49. Como o nível de tecnicidade das atividades econômicas, principalmente do setor produtivo estatal, eram elevados, faltou aos ministérios a expertise necessária para exercer uma função fiscalizadora.

liberalização dos preços, o preço do produto comercializado é definido única e exclusivamente pelas regras da oferta e demanda do mercado. 47 Sobre a aliança de forças antecedentes à reforma administrativa de 1967 e os princípios insculpidos no arranjo legal, veja SALINAS, Natasha Schmitt Caccia. Reforma Administrativa de 1967: a reconciliação do legal com o real. In: MOTTA, Carlos Guilherme e SALINA, Natasha Schmitt Caccia. Os Juristas na Formação do Estado-Nação Brasileiro: 1930-dias atuais, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 453-482. 48 Gilberto Bercovici, retratando as alterações das empresas estatais decorrentes do decreto-lei no 200/1967, acrescenta a informação de que o marechal Castello Branco, então presidente da República, já havia manifestado o interesse em ver as empresas estatais operando como empresas privadas: “As empresas estatais, para os formuladores do decreto-lei no 200/1967, deveriam ter condições de funcionamento e de operações idênticas às do setor privado [...] Essa concepção havia sido defendida, inclusive, pelo próprio marechal Castello Branco, que afirmou em sua mensagem ao Congresso Nacional, de 1965, que desejava, com a reforma administrativa, ‘obter que o setor público possa operar com a eficiência da empresa privada’”. BERCOVICI, Gilberto. O Direito Constitucional Passa, O Direito Administrativo Fica: a persistência da estrutura administrativa de 1967. In: TELES, Edson; SAFATLE, Vladmir (org.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo: Boitempo, 2010a, p. 83. 49 Sobre a teoria dos recursos de poder em um processo decisório, veja BENSON, J. Keneth. The interorganizational network as a political economy. Administrative Science Quartely, nº 29, 1975; CONTRERAS, op. cit., p. 45-46.

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Nesse sentido, as empresas estatais que conseguiram atingir uma relativa autonomia financeira – concedida pela política de realismo tarifário – e autonomia de gestão – decorrente da reforma da administração – passaram a concentrar os dois recursos de poder necessários em um processo decisório: dinheiro e liberdade para alocá-lo50. Com isso, sem um controle centralizado de órgão da administração direta, o resultado foi a fragmentação da estrutura administrativa do Estado51. Cada empresa estatal adquiriu autossuficiência para elaborar seus próprios planos estratégicos de crescimento, os quais desembocaram na escolha de investimentos mais rentáveis para sustentar fortalecimento da organização empresarial. Entretanto, é válido salientar que, paralelo a essa inserção de objetivos microeconômicos na esfera institucional das empresas estatais, os governos militares não abriram mão de manter o planejamento da economia sobre os olhos ávidos do Estado. Semelhante ao período entre o governo Vargas e Juscelino Kubitschek, os governos militares mantiveram os planejamentos econômicos como instrumentos jurídicos para conduzir o desenvolvimento52. Todavia, esse desenvolvimento não era mais trilhado pela aliança nacional-desenvolvimentista. O golpe militar de 1964 resultou em uma nova correlação de forças formada entre os tecnocratas do Estado, os empresários da indústria e as multinacionais53. Por essa razão, o Estado deixou de fomentar um desenvolvimento baseado na organização capitalista nacionalista e passou a estimular um capitalismo associado, no qual ocorreu a associação do ente estatal com a iniciativa privada. Com isso, o Estado voltou-se

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Sobre o vínculo das empresas estatais com o Ministério, veja BERCOVICI, 2010a, loc. cit. Embora sejam frequentes as descrições do decreto-lei no 200/1967 como um arranjo institucional que priorizou a modernização da máquina estatal e implantou recursos para a agilização do processo operacional público, essa reforma não foi imune aos críticos. Para eles, a reforma na administração pública resultou, a longo prazo, na perda da centralidade decisória do Estado e na balcanização, feudalização ou fragmentação da estrutura administrativa estatal. Nesse sentido, Gilberto Bercovici prescreve que “o decreto-lei no 200/1967 propiciou uma espécie de ‘feudalização’, do Estado: as várias partes que o integram passaram a ter existência própria e autônoma, com interesses, inclusive, conflitantes entre si. Esse processo teria sido acelerado com a introdução da lógica empresarial como prática administrativa, que estaria em constante choque e contradição com os interesses coletivos”. BERCOVICI, Gilberto. Petróleo, Recursos Minerais e a Apropriação de Excedente: a soberania econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Tese apresentada no concurso de Professor Titular do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário, 2010b, p. 165. 52 Para José Reinaldo de Lima Lopes, a leva de reformas promovidas pelo governo militar estabelece que “o modelo institucional de inspiração das reformas é claramente negocial e norte-americano, compatível com a ideia de um Estado liberal para garantir a propriedade privada, mas suficientemente forte para determinar um ‘interesse nacional’”. LOPES, José Reinaldo de Lima. “Apresentação”. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2002, p. XIII. 53 Sobre a coalizão de forças durante o período militar, veja BRESSER-PEREIRA, op. cit., p. 19-20. 51

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para as empresas privadas, assumindo a função de fortalecer o capital privado nacional – haste fraca do tripé – e de unir-se ao capital multinacional, tendo formado, assim, uma tríplice aliança54. Nessa nova conjuntura desenvolvimentista, outras reformas institucionais que repercutiram precipuamente nas empresas estatais foram aprovadas. A primeira mudança foi no texto constitucional. Ambas as Constituições Federais, 1967 e 1969, asseguraram às empresas privadas a competência para organizar e explorar as atividades econômicas com o apoio e o estímulo do Estado (art. 163, caput). Complementariamente, no mesmo artigo, previu-se que a intervenção direta do Estado na atividade econômica se limitaria a um caráter suplementar da iniciativa privada (art. 163, § 1º). Ou seja, as empresas estatais poderiam atuar na atividade econômica apenas para auxiliar ou complementar a atuação dos agentes privados, excetuando os monopólios legais e os monopólios naturais (art. 157, § 8º). Ademais, ocorrendo essa circunstância, as empresas públicas, as autarquias e as sociedades de economia mista obedeceriam as normas aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao direito do trabalho, as obrigações jurídicas (art. 163, § 2º) e o regime tributário (art. 163, § 2º). Nesse sentido, observa-se que o Estado ditatorial garantiu aos agentes privados a titularidade na produção de bens e serviços ao mercado e, além disso, impôs ao ente público a função de apoiá-los para o exercício dessa função. Em consequência a essa escolha institucional, as empresas estatais que atuavam em regime de livre concorrência com a iniciativa privada não puderam mais se beneficiar de um regime jurídico menos custoso ou promover uma gestão que prejudicasse a organização de mercado. Além da disposição constitucional, subsequentes planejamentos econômicos foram promulgados. Em 1964, foi editado o PAEG – Programa de Ação Econômica do Governo –, que vigorou entre os anos de 1964 a 1966. No governo seguinte, o ministro do Planejamento Helio Brandão apresentou o PED – Plano Estratégico de Desenvolvimento – para os anos de 1968 a 1970. Na sequência, três Planos Nacionais de Desenvolvimento – PNDs – foram

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O termo tríplice aliança foi primeiro utilizado por Peter Evans, em trabalho dedicado a analisar como ocorreu a associação do capital multinacional com o capital nacional e o Estado no Brasil. EVANS, Peter. A Tríplice Aliança: as multinacionais, as estatais e o capital nacional no desenvolvimento dependente brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. Como também, merece destaque o já citado trabalho de Fernando Henrique Cardoso. CARDOSO, Fernando Henrique. As tradições do Desenvolvimento-Associado. Estudos CEBRAP nº 08, 1974, p. 41-75.

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moldados: o I Plano Nacional de desenvolvimento, de 1972-1974; o II Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1975-1979; e o III Plano Nacional de Desenvolvimento, de 1980198555. Em diversas passagens dos planejamentos econômicos, empresas estatais são citadas como instrumentos jurídicos para a concretização de políticas públicas. Em síntese às mudanças jurídicas implantadas pela correlação de forças do regime militar, pode-se afirmar que as empresas estatais foram inseridas a um arranjo institucional que lhes proporcionou uma função dual: ao mesmo tempo em que era exigida uma atuação semelhante às empresas privadas, mormente na busca de uma autossuficiência financeira, era atribuído, também, o papel de concretizar políticas públicas gerais e setoriais do Estado56. Essas alterações institucionais permitiram a acomodação da empresa estatal em um contexto onde a prioridade do Estado era apoiar a acumulação do capital privado na órbita privada. Apesar da consolidação do arranjo institucional do regime militar nas décadas de 60 e 1970, a estratégia do desenvolvimento dependente-associado começou a mostrar-se enfraquecida no início da década de 1980. Em decorrência do súbito recrudescimento dos preços do barril de petróleo – as crises do petróleo – e a conjuntura econômica recessiva das economias capitalistas avançadas, ocorreu uma redução brusca no nível de exportação do Brasil. A baixa exportação mais a dependência na importação de petróleo resultou em um fugaz desequilíbrio na balança comercial, já patente em 197657.

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Além desses cinco planejamentos econômicos, existiu uma tentativa frustrada de implantar um plano de longo prazo, que abrangeria os anos de 1967 a 1976: o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. No entanto, o Plano foi abortado em razão de ter um período de abrangência superior a um mandato governamental. 56 Sobre o caráter dual das empresas estatais, Sérgio Henrique Abranches diz: “Uma questão recorrente nos debates em torno do papel da empresa estatal em economias de mercado refere-se a ambiguidade inerente à sua ação, que caracteriza em comportamento oscilante entre sua face estatal – que a leva a realizar objetivos políticos e de natureza macroeconômica – e sua face empresarial – que privilegia interesses particulares, que se poderia considerar microeconômicos. Por certo, esta ambigüidade é fonte, por vezes, de importantes contradições entre interesses mais gerais, vinculados ao papel do Estado em apoio à acumulação de capital na órbita privada, e os interesses particulares das empresas do Estado, muitas vezes obrigadas a apresentar resultados avaliados com base em critérios de eficiência e rentabilidade próprios à empresa privada”. ABRANCHES, 1980, p. 10. 57 De 1974 a 1976, a balança comercial brasileira já acumulava um deficit de 10,5 bilhões dólares. Para Paulo Davidoff Cruz, “este resultado reflete, em primeira instância, as condições adversas, observadas no comércio internacional, dada à inflexão verificada nas taxas de crescimento das economias capitalistas avançadas e à quadruplicação do preço do petróleo ocorrida em fins de 1973. Nos anos de 1974 e 1975, há uma clara deterioração dos termos de intercâmbio e uma queda no ritmo de crescimento do volume exportado da economia brasileira, ambos decorrentes da conjuntura recessiva vivida pela economia industrializada”. CRUZ, Paulo Davidoff. Notas sobre o Endividamento Externo Brasileiro nos Anos Setenta. In: BELLUZO, Luiz Gonzaga; COUTINHO, Renata. Desenvolvimento Capitalista no Brasil nº 2: ensaios sobre a crise, São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 65-66.

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Agravando ainda mais as circunstâncias macroeconômicas não favoráveis, no início dos anos 1980, o Federal Reserve aumentou a taxa de juros, prejudicando fundamentalmente os países em desenvolvimento que sustentaram seu processo de crescimento no endividamento externo, entre estes, o Brasil. A subida exponencial da dívida externa acompanhada por uma desenfreada conjuntura de inflação justificaram, na experiência brasileira, a criação da SEST – Secretaria de Controle das Empresas Estatais, vinculada à Secretaria de Planejamento da Presidência da República, a SEST foi constituída com o intuito de submeter as empresas estatais a uma instância de controle unificado. A restrição aos investimentos das empresas estatais, que então se sucedeu, causou uma desaceleração das taxas de crescimento econômico e, consequentemente, um salto rumo à recessão. Somadas às limitações de expansão, as tarifas cobradas pelas empresas estatais serviram como instrumento anti-inflacionário ou como meio para a aplicação de políticas distributivas, ambas as finalidades frequentemente desassociadas a qualquer racionalidade financeira. A crise fiscal do Estado, que apenas se agravou nos anos 1980, provocou um contexto político e econômico desfavorável ao próprio regime militar. A inércia da inflação e da depressão econômica culminou no enfraquecimento da ditadura e da correlação de forças até então dominantes. Em 8 de maio de 1985, o Congresso Nacional aprovou as eleições diretas para Presidência da República, pondo um fim aos 21 anos de ditadura. Juntamente com a derrocada do regime autoritário, a crise fiscal também ensejou no declive do Estado desenvolvimentista e no fortalecimento da concepção neoutilitarista58 sobre a relação Estado e mercado. Foi essa a base filosófica que sustentou a posição ideológica dominante da década de 1990.

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Muito embora seja comum a utilização do termo neoliberal para identificar um conjunto de pensamentos e teorias que embasaram a correlação de forças das décadas de 1980 e 1990, esta dissertação opta por denominá-la de neoutilitarista por uma razão metodológica. A base filosófica dessas teorias, chamadas de neoclássicas, decorre de um viés utilitarista para analisar as relações econômicas, que é completamente diferente da base filosófica da teoria econômica clássica, a qual embasou o pensamento liberal do século XVIII e XIX. Sobre a economia neoclássica, veja NUNES, 2007; MILL, John Stuart. Da definição de Economia Política e do Método de Investigação Própria a ela. São Paulo: Abril Cultura, 1979, p. 291-315; BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Economia Formal e Economia Política. Disponível em < http://www.bresserpereira.org.br/papers/1970/90-EconomiaFormal_EconomiaPolitica.pdf>. Acessado em 5 de fevereiro de 2011, p. 11.

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2.3. O neoutilitarismo dos anos 1990: a ineficiência das empresas estatais para a produção de bens e serviços ao mercado

Embora o processo de redemocratização tenha promulgado uma Constituição que reiterou

os

dispositivos

intervencionistas,

sinalizando

a

continuidade

do

Estado

desenvolvimentista, tal modelo não persistiu aos primeiros anos da década de 1990. Nesse período, a posição ideológica neoutilitarista59 tornou-se maciçamente dominante na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, inclusive no Brasil. Para os neoutilitaristas, havia dois pressupostos básicos: (i) a racionalidade humana; e (ii) a ineficiência do Estado. Primeiramente, o neoutilitarismo caracteriza-se por resgatar da economia neoclássica do século XIX a concepção sobre a racionalidade humana, em que o homo economicus é um ser naturalmente racional porque, atuando em condições de livre mercado, tende a alocar recursos de acordo com o nível de escassez de um determinado bem econômico. Quanto maior a escassez de um produto ou serviço em relação à demanda, maior será o seu grau de utilidade e, por sua vez, maiores serão os incentivos para os agentes econômicos explorá-lo60. Em razão dessa racionalidade, a conduta do homem gera a maximização da utilidade das relações de troca, extraindo, com isso, um resultado ótimo para ambas as partes envolvidas na relação61. Nesse sentido, a maximização da utilidade torna-se um fim em si mesmo, sendo a

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O termo neoutilitarista é usado por Peter Evans para identificar os teóricos que nas décadas de 1970 e 1980 utilizaram os pressupostos neoclássicos para explicar a economia política, ou seja, as relações macroeconômicas entre o Estado e o mercado. EVANS, Peter. Embedded Autonomy: States and Industrial Transformation. Princeton: Princeton University, 1995, 1995, p. 25-26. 60 Lionel Robins, com base no raciocínio marginal, desenvolveu a lei da escassez e da conduta econômica. Para ele, a abundância ou a escassez de um determinado bem econômico é o que altera o seu grau de utilidade, entendendo como bens econômicos aqueles que existem em quantidade limitada relativamente às necessidades por eles satisfeitas. NUNES, 2007. 61 Tendo em vista que este trabalho se propõe a fazer um estudo de caso no setor petrolífero brasileiro, nada melhor que o próprio setor para explicar a concepção dada ao termo maximização da utilidade. O petróleo é um bem econômico, pois a ele se atribui um preço; como também é um bem escasso, porque a oferta é limitada quando comparada com a demanda. Nos últimos 50 anos, a história presenciou um aumento substancial nos preços do barril de petróleo (de 2,20 dólares, em 1973, para, aproximadamente, 100,00 dólares, em junho de 2011). Em um livre mercado – sem a existência de cartéis – o valor do petróleo corresponde ao preço ofertado pelo consumidor para a compra de um barril. Quanto menor for a oferta e maior for a demanda pelo petróleo, maior será o seu grau de utilidade. Por sua vez, quanto maior for o seu grau de utilidade, o homo economicus terá mais incentivo para explorar e produzir reservas de petróleo para diminuir a escassez. Ocorrendo isso, haverá a maximização da utilidade, ou seja, ambas as partes sairão satisfeitas da relação de troca: o consumidor tem acesso ao bem escasso e o produtor aumenta seu ganho. Ademais, é válido acrescentar à explicação uma situação hipotética. Suponha que, nos próximos anos, se criem automóveis movidos à água. Isso gerará a

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utilidade entendida também como satisfação, prazer, bem-estar psicológico e, sobretudo, eficiência. Segundo, partindo do pressuposto de que os agentes de mercado são eficientes para alocar recursos, os neoutilitaristas defendem que o Estado é ineficiente62. Isto é, o Estado tem o poder de intervir nas relações econômicas e alterar as condições naturais do livre mercado. Todavia, esse mesmo Estado é representado por agentes políticos vinculados aos partidos que possuem custos de operação, custos para manter a organização e, principalmente, custos para competir às eleições. Sob esse aspecto, os grupos de interesses que procuram se beneficiar com os atos de intervenção – chamados de rent seeking – podem capturar os agentes políticos desde que arquem com dois elementos essenciais para os partidos: votos e recursos financeiros. Assim, os grupos de interesses podem capturar o Estado mediante o custeio de partidos políticos e, em troca, serão beneficiados por atos intervencionistas63. Apesar da relação de troca entre grupos de interesses e partidos políticos culminar na utilidade marginal para as partes envolvidas, os benefícios ficam muito aquém do prejuízo causado ao resto da sociedade. Por essa razão, a intervenção do Estado nas atividades econômicas é ineficiente por que não gera uma ótima alocação de recursos. Partindo destes dois pressupostos – racionalidade humana e ineficiência do Estado –, os neoutilitaristas associaram a causa da crise fiscal dos países latino-americanos ao gigantismo do Estado desenvolvimentista. Argumentavam que o modelo do Estado

diminuição da demanda pelo barril de petróleo, e, por sua vez, o valor que o consumidor estará disposto a pagar por ele, diminuindo seu grau de utilidade. Todavia, isso não significa que não haverá mais a maximização da utilidade. O que ocorre é que o homem não terá mais tantos incentivos para lutar contra a escassez porque os seus ganhos foram diminuídos. 62 Um artigo que obteve relevante repercussão sobre o tema foi publicado por George Stigler, em 1971, intitulado The theory of economic regulation. O autor explica a captura do Estado a partir do binômio econométrico oferta e procura. Segundo Richard Posner, esse método de análise foi fundamental para tornar revolucionário o trabalho de Stigler, influenciando uma abrangente massa de economistas nos anos seguintes. STIGLER, George. The Theory of Economic Regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, V. 2, nº 1, 1971, p. 12; POSNER, Richard. Teoria da Regulação Econômica. In: MATTOS, Paulo (coord.). Regulação Econômica e Democracia: o debate norte-americano, São Paulo: 34, 2004, p. 49-80. 63 Stigler também menciona sobre os limites na concessão de benefício. Para ele, os partidos políticos precisam manter o controle de monopólio sobre a máquina governamental, já que o sistema político é multipartidário, e, por esse motivo, não podem tornar-se excessivamente extorsivos. “If a political party has in effect a monopoly control over the government machine, one might expect that it could collect most of the benefits of the regulation for itself. Political parties, however, are perhaps an ideal illustration of Demstez’s theory of natural monopoly. If one party becomes extortionate (or badly mistaken in its reading in effectives desiring) it’s possible to elect another party, which will provide the governmental services at a price more closely proportioned to costs of the party”. STIGLER, op. cit., p. 12-13.

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concentrador das decisões, imperado nos países periféricos, provocou um longo período de alocação ineficiente de recursos. Logo, esse Estado máximo que interferia na economia de forma mais intensa, quando comparado com o Estado regulador norte-americano e o Estado interventor europeu, foi condenado como o responsável pelo colapso financeiro e, até mesmo, pela estagnação dos países periféricos na etapa do subdesenvolvimento. Nesse sentido, uma espécie de convergência de opiniões sobre a causa e as soluções da crise fiscal na América Latina se deu, principalmente, entre os representantes do FMI e do Banco Mundial. Tal consenso foi, então, sintetizado e denominado de Washington Consensus, termo que passou a ser associado às concepções econômicas, políticas e jurídicas propagadas por essas instituições. De acordo com o Consenso de Washington, duas eram as causas da crise: (i) o excessivo crescimento do Estado traduzido em uma regulação que extrapolou os limites da mera correção das falhas de mercado, como as ações protecionistas, as normas reguladoras e um elevado número de empresas estatais ineficientes; e (ii) o populismo econômico, definido pela incapacidade de controlar o deficit público e de manter sob o controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto de setor público64. Sendo essas as causas, o Consenso de Washington ainda dispunha de uma estratégia para o desenvolvimento dos países pobres. Eram medidas econômicas e jurídicas de aplicação universal nitidamente direcionadas a reduzir a atuação do Estado ao mínimo possível e liberalizar os mercados. a) disciplina fiscal visando eliminar o deficit público; b) mudança das propriedades em relação às despesas públicas, eliminando subsídio e aumentando gastos com saúde e educação; c) reforma tributária, aumentando os impostos se isso for inevitável, mas a “base tributária deveria ser ampla e as taxas marginais deveriam ser moderadas”; d) as taxas de juros deveriam ser determinadas pelo mercado e positivas; e) a taxa de câmbio deveria ser também determinada pelo mercado, garantindo-se ao mesmo tempo em que fosse competitiva; f) o comércio deveria ser liberalizado e orientado para o exterior (não se atribui prioridade à liberalização dos fluxos de capital); g) os investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; h) as empresas públicas deveriam ser privatizadas; i) as atividades econômicas deveriam

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BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A Crise na America Latina: Consenso de Washington ou Crise Fiscal? Pesquisa e Planejamento Econômico, 21(1), abril 1991, p. 6.

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ser desreguladas; j) o direito de propriedade deve ser tomado mais seguro. [grifos meus]65

As ideias propositivas do Consenso de Washington foram amplamente difundidas entre os países da América Latina através do ativismo do Banco Mundial e do FMI. A crise fiscal, praticamente generalizada, carecia cada vez mais recursos externos, os quais eram condicionados à adoção de políticas estruturais baseadas no consenso66. No Brasil, além do Banco Mundial e do FMI, ressalta-se a fundamental participação das elites brasileiras para o transplante da doutrina neoutilitarista ao território nacional. Elas apoiaram as proposições constantes do Consenso de Washington, introduzindo no cenário interno o discurso sobre a ineficiência do Estado67. Sendo

o

neoutilitarismo

a

posição

ideológica

dominante,

a

coalizão

desenvolvimentista dependente – já fragilizada – se rompeu e uma nova correlação de forças se consolidou. Essa, identificando a face estadista e concentradora do Estado desenvolvimentista como o principal vilão da crise fiscal68, promoveu uma série de reformas institucionais intencionadas a diminuir o papel do Estado e a implementar uma organização econômica essencialmente de mercado. Para a consecução dessa agenda de transformação, o arranjo institucional do direito administrativo e econômico brasileiro foi sensivelmente afetado, sobretudo as ferramentas jurídicas de intervenção.

65

BRESSER-PEREIRA, loc. cit. Joseph Stiglitz descreve como o FMI e o Banco Mundial, vinculados ao G-7, serviram como instrumentos de difusão das políticas estruturais. Para fazer isso, sistematiza as funções dessas duas organizações internacionais desde suas Constituições até o Consenso de Washington. STIGLITZ, Joseph. A Globalização e seus Malefícios: a promessa não comprida de benefícios globais. São Paulo: Futura, 2003, p. 37-44. 67 O importante e paradoxal apoio das elites brasileiras às reformas neoutilitaristas é ressaltado por Bercovici: “O apoio das elites brasileiras às políticas neoliberais do ‘Consenso de Washington’ gera o paradoxo, segundo José Luiz Fiori, de um discurso liberalizante proveniente dos grandes beneficiários da ‘ineficiência estatal’. Ao fazer isto, confundem a reforma do Estado com a simples redução do tamanho do setor público, destruindo o aparato estatal e abandonando a perspectiva de internalização dos centros de decisão econômica pela associação subordinada ao mercado internacional”. BERCOVICI, 2010b, p. 213-214. 68 O recorte entre o governo José Sarney e o governo Fernando Collor como o momento que se inicia uma nova conjuntura político-jurídica é ressaltado por Eli Diniz: “O fim do governo José Sarney assistiu a configuração de um consenso negativo em torno da rejeição do antigo formato estatista-concentrador”. DINIZ, Eli. Crise, Reforma do Estado e Governabilidade: Brasil 1985-1995. Rio de Janeiro: FGV, 1999. 66

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O primeiro fato que ocorreu com as reformas jurídicas foi as privatizações69. Muito embora tenham se iniciado nos governos Figueiredo e José Sarney, as privatizações da década de 1980 não tiveram motivação ideológica ou pressões externas. Elas apenas decorreram da desestatização de empresas privadas que haviam passado ao controle do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES70 e algumas subsidiárias de empresas estatais. As privatizações foram apenas assumidas efetivamente como uma política de governo a partir do Programa Nacional de Desestatização – PND, aprovado durante o governo Fernando Collor. Essas foram incluídas ao ordenamento como objetivos jurídicos por nítidas razões ideológicas que pregavam a diminuição da atuação do Estado como uma meta a ser alcançada. No PND, aprovado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, o interesse em reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público, foi transcrito no texto normativo (art. 1o, I). Além disso, a nova lei instituiu a Comissão de Diretoria para gerir o programa (art. 5o), cujos membros seriam aprovados pelo Congresso Nacional e subordinados à Presidência da República. Isso concedeu ao executivo a prerrogativa de incluir ou excluir empresas estatais do planejamento para privatização, reduzindo sobremodo o custo político da operação. Sob essa insígnia legal, ao final do governo Collor, foram totalizadas 16 privatizações e uma arrecadação de 3,9 bilhões de dólares. Mesmo depois do seu impeachment e da sucessão por Itamar Franco, em 29 de dezembro de 1992, o PND continuou a surtir efeitos, contudo, com menor voracidade à privatização de empresas estatais.

69

Para este trabalho, entende-se como privatização a ação pública de vender ações de propriedade do Estado em empresas estatais – empresas públicas ou sociedades de economia mista – com o intuito de eliminar por completo o ente público da participação acionária da empresa ou torná-lo um mero acionista minoritário. Essa definição é importante porque, no Programa Nacional de Desestatização, tanto as empresas estatais quanto as empresas privadas com participação minoritária do Estado foram alvos. Contudo, não se pode dizer que estas últimas foram “privatizadas”, no sentido da palavra aqui empregada, se o Estado sobre elas não exercia controle. 70 Sobre o aspecto não ideológico das privatizações nos governos Figueiredo e Sarney, veja os comentários da cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida: “Sob o último governo militar e a primeira administração democrática, a privatização restringiu-se à venda de empresas privadas que haviam passado ao controle do Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES e de pouquíssimas subsidiárias de empresas públicas. Nada se assemelhava a um programa amplo de alienação de grandes empresas do Estado. A privatização não era uma política de governo, ainda que contasse com a adesão de alguns ministros e técnicos do escalão intermediário, da administração direta e do BNDES, preocupados em racionalizar o Estado desenvolvimentista herdado dos militares”. ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Negociando a Reforma: a privatização de empresas públicas no Brasil. Revista de Ciências Sociais, V. 42, nº 3, Rio de Janeiro, 1999.

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Concomitante às privatizações, medidas concernentes à liberalização71 da economia também ocuparam a agenda de reformas de 1990 a 1994, sobretudo reformas quanto à abertura do sistema financeiro nacional. Cita-se como exemplo a criação do Anexo VI, o qual passou a disciplinar o investimento estrangeiro direto no incipiente mercado de capitais brasileiro72. Apesar da liberalização e das privatizações conduzidas nos governos Itamar Franco e Fernando Collor, nenhuma delas é comparável ao impacto das reformas estruturais promovidas no governo Fernando Henrique Cardoso. Elas cristalizaram um abrangente arranjo institucional que atendia aos interesses dos neoutilitaristas no Brasil. Sobre o papel do Estado, uma extensa reforma foi implementada, principalmente quanto houve a intervenção do Estado na atividade econômica – a qual inclui a atividade econômica em sentido estrito e os serviços públicos73. Essa se deu a partir de ideias transcritas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, um documento elaborado em 1995 pelo Ministério da Reforma do Estado, órgão da administração direta criado especificamente para esta finalidade: reformar o Estado. O propósito desse documento foi lançar as bases para rediscussão do Aparelho do Estado brasileiro, distinguindo-o em quatro setores: NÚCLEO ESTRATÉGICO. Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É portanto o setor

71

O termo liberalização pode ser entendido em dois sentidos por este trabalho. Liberalizar pode significar abrir o mercado doméstico para investimentos estrangeiros, diretos ou indiretos, em bens ou serviços. Como também, em outro sentido, liberalizar pode corresponder à substituição de mercados antes monopolizados pelas empresas estatais por um regime de livre concorrência. 72 Para Daniela Magalhães Prates, o eixo central da abertura financeira foi a flexibilização da entrada de investidores estrangeiros. “Como já mencionado, um dos eixos centrais da abertura financeira na década de 1990 foi a flexibilização das regras de entrada dos investidores estrangeiros no mercado financeiro brasileiro, o que constituiu uma dimensão das inward trasnations [...] O primeiro passo rumo à abertura do mercado financeiro brasileiro na década de 1990 foi a criação – pela Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) no 1.832/91 – do Anexo IV à Resolução no 1.289/87, a qual disciplina os investimentos estrangeiros em títulos e valores mobiliários à companhia aberta. Ao contrário dos demais anexos dessa Resolução, que exigem a constituição de sociedade ou fundo de investimento para o ingresso no país, o Anexo IV não está sujeito a critério de composição, capital mínimo inicial e período de permanência, e permite a entrada direta de investidores institucionais estrangeiros no mercado acionário doméstico, definidos como fundos de pensão, companhias de seguros, instituições financeiras estrangeiras, fundos de investimento constituídos no exterior etc.” PRATES, Daniela Magalhães. Investidores de Portfólio no Mercado Financeiro Doméstico. In: FREITAS, Maria Cristina Penido (org.). Abertura do Sistema Financeiro no Brasil nos anos 90, São Paulo: FAPESP. 1999. 73 O gênero atividade econômica divide-se em duas espécies, atividade econômica em sentido estrito e de serviços públicos. Essa divisão é proposta por Eros Roberto Grau, a qual será adotada por este trabalho. GRAU, op. cit.

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onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde ao Poder Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas. ATIVIDADES EXCLUSIVAS. É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, etc. SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS. Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem “economias externas” relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus. PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO. Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessário no caso de privatização, a regulamentação rígida.74

Como o plano explicita, a produção de bens e serviços para o mercado é caracterizada pela atividade econômica voltada para o lucro e, por essa razão, corresponde à área de atuação das empresas privadas. O Estado, que interveio diretamente nessa atividade no passado, deveria, dentro de uma nova conjuntura econômica, privatizar as empresas estatais que

74

BRASIL. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília, DF. 1995, p. 41-42.

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atuavam na esfera de titularidade dos agentes privados75, incluindo nesse rol as empresas de infraestrutura. Com base nas disposições da reforma gerencial do Estado, seguiram-se mudanças substanciais na ordem jurídica que acarretaram mudanças no papel dos setores públicos e privados na economia num grau não previsto nos estágios anteriores76. Primeiramente, emendas constitucionais foram aprovadas para acabar com o monopólio público nas telecomunicações, na distribuição de gás por dutos, no setor petrolífero e no setor de resseguros, permitindo à concessão das atividades econômicas produtivas aos agentes privados (EC no 5, 6 e 9 de 1995 e 13 de 1996). Além das reformas constitucionais, a promulgação da Lei de Concessões de serviços públicos (Lei no 8.987/1995) concedeu base institucional para a desestatização de empresas estatais prestadoras de serviços públicos envolvidas em produção de bens e serviços para o mercado. Chegou, então, a vez de serem privatizadas gigantes empresas estatais, as quais foram incluídas em um novo plano nacional de desestatização. Em 9 de setembro de 1997, a Lei no 9.491 aprovou o II PND, o qual revogou o PND de 1990 e inseriu algumas significantes inovações. Dentre essas, cita-se a constituição do Conselho Nacional de Desestatização, formado por ministros de Estado, para substituir o Comitê Operacional, o que retirou do legislativo a prerrogativa de aprovar os membros do órgão gestor do programa. Também incluiu aos objetos da desestatização os serviços públicos que eram objetos de concessão, permissão ou autorização (art. 2o, III), através da transferência dessa atividade à iniciativa privada (art. 2o, § 1, b). Por fim, o II PND ainda extinguiu as restrições ao investidor estrangeiro nas aquisições de ativos das empresas estatais. O que antes

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Luiz Carlos Bresser-Pereira, então ministro da Reforma do Estado, elaborou de forma mais minuciosa às ideias do plano de reforma na obra Reforma do Estado para a cidadania. “Por outro lado, ficou claro que a atividade empresarial não é própria do Estado. Além do controle pelo Estado ser ineficiente, quando comparado com o mercado, o controle estatal tem ainda o problema de submeter à operação das empresas a critérios políticos muitas vezes inaceitáveis, e a confundir a função da empresa, que é ser competitiva e ter lucros, com a do Estado, que na área econômica, pode ser distribuir renda.” [grifos meus] BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania: reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. Brasília: ENAP, 1998, p. 98. 76 Sobre as diferenças da reforma do Estado de Fernando Henrique Cardoso e as políticas de privatizações precedentes, veja PINHEIRO, Armando Castelar; GIAMBIAGI, Fabio. Os Antecedentes Macroeconômicos e a Estrutura Institucional da Privatização no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castelar; FUKASAKU, Kiichiro (org.). Privatização no Brasil: o caso dos serviços de utilidade pública, Rio de Janeiro: BNDES-OCDE, 2000, p. 27-35.

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era limitada à compra de 40% das ações com o direito de voto (art. 13, IV, da Lei no 8.831/1990), passou a ser ilimitada com a Lei no 9.491/1997. Dessas reformas institucionais, foram privatizadas ou esvaziadas – de suas atribuições – diversas empresas estatais, citando entre elas as companhias de energia elétrica, como a Light, a Telebras e a Eletrobras. Além dessas empresas estatais prestadoras de serviços públicos, empresas do setor produtivo estatal também não foram poupadas, como a polêmica privatização da Companhia Vale do Rio Doce – CVRD77. A despeito das privatizações, vale salientar que algumas empresas estatais persistiram por razões diferentes: ou por terem sido excetuadas pelo legislativo no próprio texto do II PND – como a Petrobras e o Banco do Brasil – ou por não terem sido incluídas no planejamento de desestatização por uma decisão política – como a Embrapa. Contudo, as reformas econômicas voltadas ao mercado não as deixaram incólume, sobretudo as que estavam inseridas em um regime de monopólio e passaram a atuar em livre concorrência. Essas assumiram um perfil de empresas competidoras tanto no mercado interno quanto no externo, adotando para isso padrões de governança corporativa com a finalidade de levantar recursos no mercado de capitais para financiar seus planos de expansão. Afinal, diante da escassez das receitas financeiras públicas e das limitações jurídicas ao endividamento bancário,

as

empresas

estatais

deveriam

escolher

alternativas

institucionais

de

78

financiamento . Por fim, além das privatizações, nos setores estratégicos foram criadas agências reguladoras79, figuras jurídicas antes inexistentes no ordenamento jurídico pátrio. De acordo

77

Sobre as causas das privatizações e as empresas privadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, veja PINHEIRO; GIAMBIAGI, op. cit., p. 27-35. 78 Sobre as vantagens do mercado de capitais para as empresas estatais, Mario Engler Pinto Junior explica que “o mercado de capitais pode ser útil à empresa estatal e ao acionista controlador público, pois é capaz de viabilizar o levantamento de recursos para investimentos ou expansão de atividades, mormente em conjunturas de escassez e de outras fontes de financiamento. O endividamento bancário é fortemente controlado no setor público, inclusive para as empresas autossuficientes sob o ponto de vista financeiro e atuante em mercados competitivos. Com a abertura do capital, a sociedade de economia mista passou a ter maior facilidade para emitir outros tipos de valores mobiliários representativos de dívida (e.g. debêntures, notas promissórias, bonds, securitização de recebíveis), que não estão submetidos ao mesmo constrangimento regulatório”. PINTO JUNIOR, op. cit., p. 7374. 79 As agências reguladoras no Brasil foram constituídas com uma característica fundamental para a finalidade que se propõe: autonomia. Para as escolhas dos dirigentes das agências reguladoras, o Executivo os indicaria e o Senado sabatina e aprova. Uma vez nomeados, iniciaria o exercício do mandato, o que garantiria a autonomia – autonomia do Executivo e autonomia do Legislativo, ambientes de atuação do poder político e, por sua vez, dos

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com o Plano de reforma do Aparelho do Estado, essas serviriam para regular a atividades econômicas naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado seria impossível. Entretanto, na reforma jurídica aprovada nos anos 1990, a regulação também se estendeu às atividades que se manifestaram oligopolistas, independente da persistência ou não da atuação das empresas estatais no setor. Nesse sentido, o conceito de regulação, termo antes não comum ao vocábulo jurídico brasileiro, filia-se a um comportamento novo do Estado na economia na década de 1990. Necessariamente, deve ser associado a dois fenômenos recentes: a redução da intervenção direta do Estado na economia e o crescimento da concentração econômica80. Isso justifica a denominação do Estado desse período como Estado regulador, o qual atua na economia para corrigir as falhas de mercado através da formulação de regras jurídicas, diferentemente do Estado desenvolvimentista precedente, o qual interfere diretamente nas variáveis de mercado – oferta, demanda e preço – com a finalidade de atingir um fim politicamente determinado. Apesar das reformas institucionais partirem do pressuposto neoutilitarista da eficiência do homo economicus e da ineficiência do Estado nas atividades econômicas, os dados econômicos expuseram a vulnerabilidade dos argumentos da correlação de forças da década de 1990.

2.4. O novo Estado desenvolvimentista: o retorno das empresas estatais como instrumentos de políticas públicas

Nos primeiros anos do século XXI, uma geração entusiasmada por presenciar a virada de um século não mais olhava com o mesmo entusiasmo as ideias das reformas institucionais. Os países da América Latina que conduziram as alterações aos arranjos jurídicoinstitucionais, baseadas nos pressupostos neoutilitaristas, apresentaram resultados pífios ou até negativos quanto ao crescimento econômico e às melhorias sociais. Somado a esses

partidos. Carlos Ari Sundfeld, muito embora reconheça que “a defesa apaixonada de um modelo de agências independentes pode carregar, no mínimo, uma forte carga de ingenuidade ainda acrescenta alguns comentários”, esse pode funcionar. Contudo, “cada instituição comporta um lento e dolorido processo de criação e depuração”. SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços Públicos e Regulação Estatal. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito Administrativo Econômico, 2007, p. 25.

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índices nada otimistas, quando os países em desenvolvimento que aderiram à reforma foram comparados com os países que não aderiram à reforma, os bons resultados dos que não aderiram tornou ainda mais patente os equívocos dos pressupostos neoutilitaristas. Além do fracasso das reformas institucionais em promover o crescimento econômico, outros eventos recrudesceram a rejeição ao neoutilitarismo. Esses eventos foram: a eleição de políticos nacionalistas de esquerda na América Latina, o desastre político da Guerra do Iraque, a crise financeira dos Estados Unidos de 2007 e 2008 e, finalmente, a difusão do eixo econômico do mundo dos Estados Unidos para a Ásia81. Diante de todos esses fatos, os argumentos teóricos restaram enfraquecidos. Muitas foram as críticas ao arranjo jurídico-institucional cristalizado na década de 1990, algumas direcionadas, especificamente, aos pressupostos neoutilitarista e outras mais focadas em criticar a maneira como as reformas institucionais foram implantadas nos países em desenvolvimento. Peter Evans82, assumindo uma postura antagônica aos pressupostos neoutilitaristas ortodoxos, alega que a teoria é cínica e utópica. É cínica por negar a importância do espírito público. A partir do momento que o neoutilitarismo acusa a atuação do Estado de ser capturada por grupos de interesses que ofertam recursos e votos aos partidos políticos, esse exclui qualquer possibilidade do ser humano trabalhar por fins coletivos. A essência do homem econômico, para os neoutilitaristas, seria ser egoísta, o que não corresponde à realidade. Cotidianamente, pode-se ver atitudes altruístas nas relações sociais83. Quanto à teoria neoutilitarista ser utópica, Evans embasa sua crítica na refutação da ideia que o

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SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Atividade Econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001, p. 15. 81 Luiz Carlos Bresser-Pereira elenca tais eventos como as causas que levaram o “neoliberalismo e o globalismo” a perderem a predominância que gozaram nas duas décadas anteriores. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Globalização e Competição: por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 41-42. 82 EVANS, Peter, op. cit., p. 25-26. 83 Diogo Rosenthal Coutinho, sintetizando os argumentos de Amitai Etzioni, exemplifica atitudes em que os homens são altruístas e não egoístas: “As pessoas pulam na água para salvar quem se afoga, dão presentes sem esperar retorno, economizam para os seus descendentes e não abordam seus cônjuges doentes. Todas as sociedades argumenta Etzioni, seguem códigos morais e, em toda parte, somente os indivíduos desviantes são exclusivamente voltado para si mesmo (self-interested)”. COUTINHO, Diogo Rosenthal. Regulação e Redistribuição: a experiência brasileira de universalização das telecomunicações. São Paulo: FADUSP, Tese (Doutorado) - Pós-graduação em Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2003, p. 50.

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mercado substitui o Estado por alocar eficientemente os recursos. Primeiro, a alocação eficiente pressupõe um homem racional, o que é uma figura utópica. O homem, mesmo em situações com pleno acesso às informações, atua de maneira completamente ilógica84. Segundo, o comportamento maximizador da utilidade não produz uma maximização do bemestar dos consumidores, muito menos conduz a economia ao equilíbrio competitivo85. Além das críticas aos pressupostos do neoutilitarismo, vários autores adotaram uma postura opositora às reformas institucionais. Segundo Joseph Stiglitz, os programas de ajustes estruturais pecaram por não tratarem com cautela questões como sequenciamento – a ordem nas quais as reformas ocorrem – e cadenciamento. Ou seja, as reformas institucionais forçaram a liberalização das economias dos países em desenvolvimento antes que redes de seguranças fossem instaladas, antes que houvesse uma estrutura regulamentar adequada, antes que esses pudessem suportar as consequências adversas das súbitas mudanças no sentimento do mercado, que são parte integrante do capitalismo moderno86. Nesse sentido, o autor defende que a abertura abrupta dos mercados à livre concorrência, sem antes estabelecer instituições fortes, geram consequências nefastas e cita como exemplo as instituições financeiras. A inserção da concorrência antes do país instaurar instituições financeiras fortes acarreta na destruição de empregos de forma mais rápida do que novos empregos são criados, causando uma situação de desemprego estrutural87. Foi exatamente o que ocorreu nos países em desenvolvimento. Diante das críticas aos pressupostos neoutilitaristas e, sobretudo, à liberalização sem a precaução de questões como o sequenciamento, iniciou-se um amplo movimento em sentido contrário à reforma. Se houve a abertura do mercado antes do tempo, qual seriam as alternativas para fortalecer as instituições que suportam o capitalismo moderno? Eis que o

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Novamente, Diogo Rosenthal Coutinho, sintetizando os argumentos de Amitai Etzioni, exemplifica atitudes em que os homens são ilógicos e intuitivos: “Escovamos os nossos dentes, mas não usamos cinto de segurança, fumamos mesmo sabendo que cigarros fazem muito mal à saúde. Em outras palavras, mesmo com informação disponível, os homens, grosso modo, têm dificuldade em relacionar causa e efeito e muitas vezes não sabem o que é de fato o melhor a ser feito”. COUTINHO, D., loc. cit. 85 No mesmo sentido de Peter Evans, Ha-Joon Chang também aponta como erros do neoutilitarismo a desconfiança no Estado (mistrust of the State) e a confiança excessiva do homem racional (trust in individual entrerprerneurship). CHANG, Ha-Joon. Globalization, Economic Development and the Role of the State. London: Zed Books, 2004, p. 33-34. 86 STIGLITZ, op. cit., p. 107. 87 Ibid., p. 45.

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Estado reaparece como solução, sendo o agente indutor desse processo. Como um país em desenvolvimento, o Brasil é um exemplo claro desse movimento. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, os resultados da ampla reforma do Estado na década de 1990 foram muito aquém do esperado pelos seus idealizadores. O tão prometido crescimento econômico não aconteceu. De 1995 a 2002, a variação média do PIB esteve abaixo da variação média mundial, não obstante o grande fluxo de poupança externa ocorrida na década de 199088. Além do ritmo lento da economia, a dívida líquida do setor público aumentou exponencialmente89, a taxa de desemprego cresceu e alcançou os dois dígitos90 e, enfim, a variação do coeficiente de Gini foi tímida91 para o que prometia as políticas de redistribuição de renda do governo Fernando Henrique Cardoso financiadas pelo aumento da arrecadação via tributação. Os índices, patentemente negativos, resultaram no enfraquecimento da correlação de forças que se cristalizaram no Brasil. Somado aos fatores estruturais negativos, as eleições presidenciais, ocorridas em 2002, ensejaram na vitória do partido da oposição, o Partido dos Trabalhadores – PT. Com isso, surgiu uma oportunidade para a formação de uma nova correlação de forças, com base em outros pressupostos de desenvolvimento e capazes de mover o pêndulo da economia política para o sentido oposto. Existiam duas possibilidades naquele momento. O governo do PT poderia estreitar os laços com a correlação de forças precedente, mantendo o status quo e desperdiçando a oportunidade de formar uma nova correlação de forças ou, por sua vez, formar uma nova correlação de forças baseada em um renascimento do Estado desenvolvimentista92.

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Entre os anos 2000 e 2002, o crescimento médio anual do PIB foi de 2,76%, um índice baixo quando comparado com o crescimento médio mundial, que foi de 3,46% durante o mesmo período. Não obstante a quase estagnação econômica, o fluxo de poupança externa aumentou substancialmente, passando de 0,76% do PIB brasileiro, em 1993, para 4,10% do PIB em 2001. Dados extraídos do trabalho BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Macroeconomia da Estagnação: crítica da ortodoxia convencional no Brasil pós-1994. São Paulo: 34, 2007, p. 155-15. 89 A dívida líquida do setor público cresceu de 24,9% do PIB, em janeiro de 1995, para 50,5% do PIB, em dezembro de 2002. Dados extraídos do Ipeadata. 90 A taxa de desemprego cresceu de 7,90%, em janeiro de 1995, para 11,40%, em dezembro de 2002. Dados extraídos do Ipeadata. 91 O coeficiente Gini é um índice que mede a desigualdade na distribuição de renda de um país. Ele varia entre 1 e 0, no qual, quanto maior for o índice, maior será a desigualdade de renda. Entre 1995 e 2002, o Gini do Brasil variou aproximadamente 0,1 ponto, caindo de 0,601 para 0,589. Dados extraídos do Ipeadata. 92 Luiz Carlos Bresser-Pereira elabora, de forma mais complexa e levando em consideração temas políticos, as alternativas do PT após a vitória nas eleições de 2002. “Em termos políticos, significa a eleição de Luiz Inácio

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Atualmente, após dois mandatos do governo Luiz Inácio Lula da Silva – Lula – e os primeiros meses do governo Dilma Rousseff, um rol de reformas setoriais podem ser elencadas: mudanças no setor energético, setor bancário, setor petrolífero, entre outros. Dessas, três são destacadas93: (i) uma nova política industrial; (ii); um corpo de coordenação público-privado (iii) e um novo papel do agente estatal no sistema financeiro. Quanto à política industrial, em março de 2004, o governo publicou a PITCE – Política Industrial de Desenvolvimento Tecnológico e de Comércio Exterior94, que teve como objetivo orientar as ações de agentes públicos para melhorar o patamar de produtividade da indústria brasileira e seu grau de competitividade. Em sequência, em maio de 2008, a PDP – Política de Desenvolvimento Produtivo – retomou a política industrial da PITCE, contudo, aumentando suas pretensões no sentido de abrangência, profundidade, articulações, controles e metas95. Quanto ao corpo de coordenação público-privada, a ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – foi criada com a finalidade de coordenar a atuação de ministros de Estado, empresas estatais, representantes do setor privado, entre outros. Como elo central entre a relação de agentes públicos e privados, a ABDI tornou-se um instrumento de orientação dos investimentos em pesquisas tecnológicas e setores industriais. Quanto ao sistema financeiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que atuou durante dez anos sob o mantra de que a melhor política industrial

Lula da Silva uma mudança no pacto? Acredito que sim. Tenho dúvidas, entretanto, se será popular-nacional, burocrático-nacional ou mera reprodução do Pacto Burocrático-Liberal. As origens operárias do presidente, as bases sindicais do PT e os compromissos ideológicos desse partido apontam na direção de um pacto popular. O fato, porém, do PT ser um partido principalmente de classe média, como demonstrou de forma definitiva Leôncio Martins Rodrigues, sugere que poderá ser um pacto burocrático. Pela história do Lula, seria de esperar que esse pacto, popular ou burocrata, fosse nacional, ou seja, estivesse comprometido com a defesa do trabalho e do capital nacionais.” BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Desenvolvimento e Crise no Brasil: História, Economia e Política de Getúlio Vargas a Lula. São Paulo: 34, 2003, p. 398. 93 As três reformas destacadas são identificadas por David Trubek, em esforço coletivo com outros pesquisadores brasileiro, o qual vem elencando as mudanças institucionais para compreender o novo papel do Estado brasileiro na última década. TRUBEK, David. Developmental State and Legal Order: towards a new political economy of development and Law. Univ. of Wisconsin Legal Studies Research Paper no 1075. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1349163, p. 26-27. 94 Mario Gomes Schapiro ressalta que a PITCE não foi estipulada por documento normativo, mas foi promulgado um conjunto inicial de três leis que construíram seus macrofundamentos jurídico-institucionais: a Lei da Inovação (Lei no 10.973/2004), a Lei da ABDI (Lei no 11.080/2004) e a Lei do Bem (Lei no 11.196/2005). SCHAPIRO, op. cit., p. 243-246. 95 Sobre o PDP, veja DIEESE (2011).

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é não ter política96, desde 2005, vem incorporando medidas de incentivo para a indústria brasileira embasadas nos documentos de política industrial. Analisando a empresa estatal, Mario Gomes Schapiro identificou duas mudanças na política operacional do Banco para favorecer o financiamento de inovações. Primeiro, o BNDES alterou a sua política operacional, o que implicou, em 2005, na reorganização interna do Banco com a criação da Área de Mercado de Capitais, fundamental para tonificar as operações de renda variável em empresas emergentes. Segundo, em 2007, constitui-se o projeto Criatec, um novo fundo de investimento voltado ao mercado de elevado risco das empresas semente, um estágio empresarial ainda inferior às empresas emergentes97. Além da atuação mais positiva do BNDES, empresa pública do sistema financeiro nacional, é importante incluir a iniciativa do governo na criação de novas empresas estatais. Primeiramente, o Estado aprovou, em 2004, a criação da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia S.A. – Hemobras – e, em 2008, o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. – Ceitec, ambas as empresas estatais destinadas a atuar em atividades produtivas, a primeira focada na produção de medicamentos e a segunda na produção de chips. Acrescentam-se ainda a constituição de mais quatro empresas estatais: Empresa Brasileira de Telecomunicação – EBS, o Banco Popular do Brasil – BPB98, a Empresa de Pesquisa Energética – EPE – e a PPSA – Pré-sal Petróleo S.A. Apesar das reformas institucionais não apresentarem uma completa coerência das incipientes alterações, já se pode extrair uma evidência. O Estado que ora surge, diferentemente do Estado regulador da década de 1990, retoma o seu papel de propulsor do desenvolvimento. Todavia, diferentemente do Estado desenvolvimentista brasileiro das décadas entre 1940 e 1980, procura instituir novas formas de políticas industriais e arranjos institucionais a partir da colaboração entre os agentes públicos e privados. Com isso, pode-se dizer que o atual arranjo jurídico-institucional brasileiro aparenta incorporar novos objetivos a ser alcançados pelo Estado: (i) dividir os riscos com agentes privados; (ii) investir em

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Expressão usada por Pedro Malan, então Ministro da Fazenda durante os dois mandatos do governo Fernando Henrique Cardoso. SCHAPIRO, Mario Gomes, op. cit., p. 244. 97 SCHAPIRO, op. cit., 245-246. 98 O BPB, apesar de criado em 2003, foi incorporado pelo Banco do Brasil em 2008, instituição financeira estatal que já era responsável pela sua gestão.

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pesquisas em tecnologia e inovação; (iii) e aumentar a capacidade industrial, sobretudo em setores competitivos no mercado global99. As empresas estatais, sendo agentes públicos por excelência, passam a atuar em parceria – colaboração – com as empresas privadas para, juntas, satisfazerem os objetivos juridicamente determinados pela política pública industrial. Nesse sentido, pode-se dizer que as empresas estatais são reinseridas em sua função pública, a qual foi adormecida durante o Estado regulador.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Identificar as diferentes fases da relação Estado e mercado no arranjo institucional brasileiro que impactaram as empresas estatais importa para esta dissertação por duas razões. Primeiramente, é relevante para desenvolver o referencial teórico deste trabalho. A pesquisa parte do pressuposto que a correlação de forças de um determinado período altera as instituições para formar um Estado compatível com a sua posição ideológica. Sendo as empresas estatais ferramentas jurídicas que habilitam o Estado a intervir na economia, essas também são afetadas, com maior ou menor intensidade, mas mesmo assim afetadas. Partindo desse pressuposto, a dissertação identifica que, desde a formação do Estado desenvolvimentista brasileiro, circunstâncias estruturais ou eventuais condicionaram mudanças no arranjo institucional das empresas estatais. Nesse sentido, foram identificadas quatro fases: (i) da Era Vargas ao governo Juscelino Kubitschek; (ii) do golpe militar ao processo de redemocratização; (iii) do governo Fernando Collor ao término do governo Fernando Henrique Cardoso; e (iv) do início do governo Lula até o momento de elaboração deste trabalho. Além de o primeiro capítulo corresponder a um referencial analítico desta dissertação, ele também estabelece um referencial temporal no qual o objeto de pesquisa será estudado: o arranjo institucional da Petrobras. O presente trabalho se propõe a analisar se a persistência da Petrobras no arranjo institucional brasileiro como empresa estatal decorreu de adaptações

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Trabalho de Diogo Rosenthal Coutinho e Paulo Mattos, citado por TRUBEK, 2010.

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macro e microjurídicas a uma posição ideológica dominante. Para isso, é necessário identificar as reformas jurídicas que reproduziram posições ideológicas dominantes e, por sua vez, impactaram nas empresas estatais. Sendo identificadas quatro diferentes fases do arranjo institucional brasileiro, os capítulos subsequentes pretendem estudar a Petrobras em cada uma dessas fases, dedicando, assim, um capítulo a cada uma delas. Inicia-se com a criação da Petrobras em meio ao segundo governo Getúlio Vargas, passando pelo regime militar, pela reforma do Estado, e se encerra nos dias atuais, tempos em que uma vasta reserva de petróleo inaugura uma nova fase do setor petrolífero nacional. Eis a construção desta dissertação para observar o seu objeto de pesquisa.

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2. A FACE ESTATAL: A PETROBRAS DURANTE O ESTADO DESENVOLVIMENTISTA DE VARGAS A KUBITSCHEK

INTRODUÇÃO

Na década de 1930, com o enfraquecimento da posição ideológica liberal, o Estado desenvolvimentista brasileiro começou a se consolidar desde o primeiro governo Getúlio Vargas. Reformas institucionais foram aprovadas para permitir que o Estado, antes mero garantidor dos direitos individuais, pudesse agir positivamente na economia para promover o desenvolvimento, entendendo desenvolvimento como um processo de ruptura da estrutura agroexportadora e do fomento de uma industrialização nacional imune ao interesse imperialista do capital estrangeiro. Por essa razão, a correlação de forças que se formou nos anos 1930 e que perdurou até o governo Juscelino Kubitschek é denominada de nacionaldesenvolvimentista. Em 3 de outubro de 1953 surgiu a Petróleo Brasileiro S.A – Petrobras, empresa estatal nascida no seio dessa coalizão nacional-desenvolvimentista. Essa decorreu de uma posição ideológica dominante na qual o Estado responsabilizava-se por fomentar a indústria de base e a infraestrutura, setores indispensáveis ao processo de industrialização e que o capital privado nacional se mostrava deficiente perante os vultosos investimentos necessários. Nesse sentido, a Petrobras assumiu a competência de atuar nas atividades monopolizadas pelo Estado no setor petrolífero, emblemático por fornecer o principal insumo da industrialização: petróleo, ou seja, energia. Diante da conjuntura em que a Petrobras foi constituída, o objetivo do presente capítulo é identificar as estruturas macro e microjurídicas da empresa estatal para averiguar as similitudes destas com a relação Estado e mercado cristalizado pelo arranjo institucional de Vargas a Kubitschek. Para isto, o capítulo está dividido em duas partes. A primeira (i) fará uma breve descrição do contexto político e jurídico do setor petrolífero brasileiro antes da constituição da Petrobras. A segunda (ii) pretende analisar as instituições macrojurídicas e de atuação. 56

1. O CONTEXTO PRECEDENTE: O SETOR PETROLÍFERO ANTES DA PETROBRAS

As atividades do setor petrolífero suscitam, sem paralelo a qualquer outro recurso natural, fervorosos debates que permeiam entre argumentos antagônicos, de um discurso de intervenção estatal direta e monopolista aos ideais de eficiência do livre mercado. Não diferentemente, no Brasil, tais argumentos são postos em debate no meio acadêmico e político mesmo antes da extração dos primeiros vestígios de petróleo em território nacional100, todavia, sob uma forte convicção da existência do ouro negro. Como o Brasil não teria Petróleo? Indagava Pedrinho em O poço do Visconde, de Monteiro Lobato. O México tinha o poço de Petróleo de Cerro Azul, Venezuela, Peru, Colômbia, Equador e Bolívia haviam achado petróleo. Para o autor, ou faltava decisão ou estaríamos sendo enganados101. Em resposta a tais inquietações, o regime autoritário do Estado Novo instituiu o decreto-lei no 395, de 29 de abril de 1938102, declarando de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo – produção, importação, exportação, transporte, distribuição, refino e comércio de petróleo e derivados. Sob essa insígnia, no mesmo texto normativo foi constituído o Conselho Nacional de Petróleo – CNP –, organismo autônomo e vinculado diretamente à Presidência da República, com o objetivo de planejar o desenvolvimento da indústria petrolífera brasileira103. Para tanto, couberam diversas atribuições ao CNP

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, entre

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DIAS, José Luciano de Mattos; QUAGLINO, Maria Ana. A questão do Petróleo no Brasil: uma historia da Petrobras. CPDOC/SERINSET, Fundação Getúlio Vargas – Petróleo Brasileira S.A., 1993. 101 A referência à Monteiro Lobato é perfeitamente utilizada por Carlos Lessa para ilustrar a indignação nacional diante da não descoberta de petróleo em território nacional. LESSA, Carlos. “Prefácio”. In: PEROLLA, Sergio Xavier; METRI, Paulo. Nem Todo o Petróleo é Nosso. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2006. 102 Anteriormente, o decreto-lei no 366, de 11 de abril de 1938, inseriu ao Código de Minas de 1934 os primeiros dispositivos que tratavam especificamente sobre o petróleo e gás natural, mas não estabelecia nenhum planejamento vinculativo. 103 “Segundo Fleury da Rocha, como o Brasil não era produtor de petróleo, os objetivos do Conselho Nacional de Petróleo teriam que ser atingidos gradualmente. Em um primeiro momento, o objetivo seria proteger refinarias nacionais das companhias internacionais, permitindo-se o capital estrangeiro apenas na importação e na distribuição de petróleo e derivados. O monopólio estatal não seria estabelecido de imediato, como na nacionalização mexicana, que havia acabado de ocorrer, mas toda a indústria do petróleo seria declarada de utilidade pública, devendo ser desenvolvida a partir do que fosse planejado pelo Conselho Nacional de Petróleo. Finalmente, o Conselho deveria impor preços uniformes para todos os derivados de petróleo no país, unificando os vários tributos em um imposto único, cujas receitas financiariam a expansão da malha rodoviária e favoreceriam a integração nacional”. BERCOVICI, 2010b, p. 106-107. 104 As atribuições do CNP foram estabelecidas pelo decreto-lei no 538, de 7 de julho de 1938.

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elas: (i) autorizar, regular e controlar a importação, exportação, o transporte, incluindo a construção de oleodutos, a distribuição e o comércio de petróleo e seus derivados no território nacional; (ii) opinar sobre a conveniência da outorga de autorização de pesquisa e concessão de lavra de jazidas de petróleo e gás natural requeridas ao governo federal; (iii) autorizar a instalação de quaisquer refinarias ou depósitos, decidindo sua localização, assim como a capacidade de produção de refinarias, a natureza e a qualidade dos produtos de refinação; e (iv) estabelecer, na defesa dos interesses da economia nacional, os limites máximos e mínimos dos preços de venda dos produtos refinados. Além da constituição de um órgão de intervenção indireta, ainda durante o Estado Novo, o Executivo promulgou o decreto-lei no 3.236, de 7 de maio de 1941, para determinar o domínio exclusivo da União, em caráter imprescritível, das jazidas em território nacional. Ademais, o decreto-lei inseriu mais duas inovações institucionais: atribuiu ao CNP a competência de fiscalizar e autorizar a pesquisa e a lavra desses hidrocarbonetos; e restringiu as atividades extrativas de petróleo105 e de refino às sociedades organizadas no país e cujos sócios ou acionistas fossem brasileiros (art. 4o). Apesar do regime de concessão especial, o decreto-lei não retirou da União a autorização de exercer atividade concorrente a essas empresas nacionais, podendo fazê-lo por intermédio do próprio CNP (art. 28, caput). As escolhas jurídico-institucionais do decreto-lei no 3.326/1941, inseridas pelo Estado Novo para o setor petrolífero brasileiro, traduziram as premissas inerentes ao regime autoritário de Vargas. A constituição de um órgão público de controle vinculado à Presidência da República atestou a mudança na relação entre o Estado e o mercado, calcada na politização de decisões econômicas. Essa alternativa institucional nada mais foi que um reflexo setorial de uma prerrogativa já concedida ao Estado pela Constituição Federal de 1934 e reiterada na Constituição Federal de 1937. Em ambos os textos normativos, o Estado habilitou-se a intervir de forma mediata e imediata, revestindo a forma de controle ou gestão direta (art. 135 da CF de 1937). Acrescenta-se ainda o prestígio à elite empresarial nacional concedido pela

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Embora teóricos relatem que a restrição das atividades petrolíferas de lavra e pesquisa à elite empresarial nacional representava uma ironia, tendo em vista o pleno desinteresse das companhias internacionais de petróleo, os fatos contradizem as alegações. Em 1940, a Standars Oil Company of Brazil encaminhou, ao então presidente Getúlio Vargas, uma proposta de participação na exploração de petróleo no Brasil, a qual foi rechaçada por meio do Oficio no 3.006. Sobre o tema, veja FONSECA, Gondin de. Que Sabe Você sobre o Petróleo. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1955.

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política protecionista, expurgando das atividades do setor petrolífero qualquer empresa estrangeira. Com isso, o CNP assumiu a figura de protagonista na ação deliberativa sobre uma política nacionalista do petróleo106. Além de o órgão desenvolver, diretamente, atividades exploratórias em Alagoas e na Bahia, celebrou 35 contratos de concessão com empresas nacionais para a exploração de petróleo entre 1942 e 1950, o que representou uma queda brusca de concessões celebradas quando comparado com o período entre 1937 e 1941. Nessa fase, quando inexistiam restrições às empresas estrangeiras, 70 contratos foram celebrados107. Além das atividades extrativas, o CNP também autorizou a manutenção de uma refinaria no Rio Grande do Sul, a Ipiranga, e a instalação de novas refinarias em São Paulo e no Rio de Janeiro pela burguesia nacional, sendo essas últimas as refinarias Manguinhos e União. Muito embora os resultados razoavelmente favoráveis, o desempenho do CNP nas funções técnicas do cotidiano era eivado de formalismo, ineficiência e falta de recursos materiais e humanos108. Isso tornou o CNP vulnerável às críticas, que recrudesceram ainda mais com o enfraquecimento do Estado Novo. Devido à crescente pressão da demanda doméstica de derivados do petróleo sobre a balança comercial, reações hostis ao modelo nacionalista bracejaram dentro do próprio Estado. O então presidente do CNP elaborou a Exposição de Motivos no 2.558, de 6 de maio de 1945, recomendando a revisão da política nacional do petróleo com o fim de atrair capital estrangeiro109. Para Cohn110, esse documento era a matriz de orientação das tentativas subsequentes de alterar a política do petróleo. Por meio da Mensagem no 62, de 4 de fevereiro de 1948, o governo Dutra encaminhou ao Congresso Nacional a proposta para alterar a legislação do petróleo. O projeto conhecido como o Estatuto do Petróleo visava adaptar a legislação ordinária ao art. 153 da Constituição Federal de 1946, a qual previa a pesquisa e

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O primeiro presidente do CNP, General Horta Barbosa, foi um personagem importante nesse processo de consolidação do órgão. 107 Veja dados de desempenho do CNP em DIAS; QUAGLINO, op. cit., p. 23-26. 108 COHN, Gabriel. Petróleo e Nacionalismo. São Paulo: DIFEL, 1968. 109 Exposição de Motivos no 2.558, de 6 de maio de 1945: “Recomenda: que se adote uma política de atração de capitais externos para o aproveitamento do nosso petróleo, dentro das seguintes diretrizes: [...] 3o Impedir qualquer monopólio nas autorizações para a pesquisa e a lavra de petróleo, gases naturais, rochas betuminosas e pirobetuminosas. 4o Admitir a participação de capitais externos na pesquisa e lavra do petróleo gases naturais, rochas betuminosas e pirobetuminosas, bem como no beneficiamento e refinação”. BERCOVICI, 2010b, p. 119120.

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desenvolvimento de recursos minerais sob a forma de concessão às empresas organizadas no Brasil111. Nesse sentido, a ideia-chave era cristalizar a interpretação constitucional de abertura do setor para o capital privado estrangeiro, desde que subscrito em companhias brasileiras. Os debates que se seguiram no Parlamento Nacional, decorrentes do conteúdo excessivamente restritivo à atuação do Estado no setor petrolífero, levaram o Estatuto do Petróleo a ter uma tramitação lenta e polêmica112. A ausência de consenso entre os parlamentares foi suscetível à mobilização de estudantes, sindicalistas, intelectuais, militares e integrantes de outras camadas sociais através de uma campanha opositora à aprovação do projeto de lei. Sob lema “O petróleo é nosso”113, em 1949, a campanha popular evoluiu para um movimento organizado, transformando-se então no Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional – CEDPEN –, e atuou intensamente para o desfecho do Estatuto do Petróleo, o qual foi arquivado. Da disseminação nacional da campanha “O petróleo é nosso” à eleição de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 3 de outubro de 1950, o contexto apresentava um cenário favorável a uma alternativa nacionalista. Em 6 de dezembro de 1951, foi encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional o Projeto de Lei no 1.516, por meio da Mensagem no 469. Elaborado pela Assessoria Econômica da Presidência, a proposta previa a criação de uma sociedade de economia mista, cuja União deteria o controle acionário. Todavia, a mesma era omissa quanto ao monopólio estatal e a participação do capital estrangeiro, razões que desagradaram a face mais extremista do governo sob o argumento de incompatibilidade entre o Projeto de Lei e a política nacional do petróleo inscrita na Mensagem no 469, de cunho nacionalista114.

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COHN, Gabriel, op. cit., p. 76-77. A redação introduzida pela Constituição Federal de 1946 (art. 153, §1o) possibilitou a autorização e a concessão “a brasileiros ou a sociedades organizadas no país” para o aproveitamento de recursos minerais. Com a adoção de um preceito mais amplo, a Constituição Federal permitiu que estrangeiros pudessem participar desses investimentos, desde que sócios ou acionistas de empresas constituídas no Brasil. CARVALHO, Getúlio. Petrobras: do monopólio aos contratos de risco. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1976, p. 30-32. 112 Para Alberto Venâncio Filho, “a celeuma causada pelo Estatuto do Petróleo, que apresentava um ponto de vista excessivamente restritivo ao encarar a atuação do Estado neste campo, levou que o Estatuto do Petróleo tivesse sua tramitação retardada no Parlamento Nacional”. Veja VENÂNCIO FILHO, Alberto, 1998, p. 206-207. 113 Sobre uma detalhada narração histórica da memorável campanha “O petróleo é nosso”, veja DIAS; QUAGLINO, op. cit.; VENÂNCIO FILHO, op. cit., p. 95-104. 114 Houve duas críticas dos nacionalistas ao Projeto de Lei. Primeiro, (i) a sociedade de economia mista, como proposta, não fazia nenhuma menção às pessoas físicas e jurídicas que poderiam ser acionistas minoritárias. Com isso, o capital estrangeiro poderia ser incorporado ao setor petrolífero brasileiro, ideia que desagradava ao grupo 111

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Buscando eliminar tais incongruências, em 28 janeiro de 1952, foi apresentado o Projeto de Lei no 1.595 como substituto, o qual reforçou o controle do Estado sobre a empresa estatal, reduziu os direitos dos acionistas minoritários, sempre brasileiros, e proibiu a instituição de novas organizações e novas autorizações ou concessões com objetos idênticos, correlatos ou afins da empresa a ser constituída ou de suas subsidiárias. Apesar de implícita, essa última emenda consumou o monopólio estatal na maioria das atividades do setor petrolífero. Muito embora as tentativas concretas de alterar o Projeto de Lei, o modelo de sociedade de economia mista resistiu aos debates hostis no Congresso, tendo sua redação final aprovada em 21 de setembro de 1953 e assinada pelo presidente Getúlio Vargas em 3 de outubro do mesmo ano. O projeto, que veio a ser a Lei no 2.004, foi um ato legal que autorizou a constituição da Petróleo Brasileiro S.A., a Petrobras.

2. O ARRANJO VARGAS A JK

INSTITUCIONAL DA

PETROBRAS

NO

ESTADO

DESENVOLVIMENTISTA DE

Relatar o contexto histórico precedente à Petrobras importa para a compreensão de quais eram as posições políticas à época e, dessas, qual foi a dominante, imprimindo sua concepção às decisões jurídicas. No processo de criação da Petrobras, entre os grupos de interesse que defenderam a abertura do setor petrolífero ao livre mercado, inclusive às empresas estrangeiras, e os que exigiram o fechamento do setor petrolífero em um regime de monopólio operado pelo Estado, o segundo tornou-se vitorioso. Essa alternativa institucional nada mais foi que uma manifestação da coalizão nacional-desenvolvimentista, dominante desde a Era Vargas. Ou seja, como o capital nacional se mostrou incapaz de desenvolver as atividades petrolíferas sob a intervenção indireta do CNP, optou-se pela intervenção estatal direta na economia por duas razões: para fomentar a indústria petrolífera, fundamental no processo de industrialização; e para mantê-la sob o

do governo. A segunda crítica (ii) diz respeito à omissão do texto ao monopólio estatal. Veja BERCOVICI, p. 136).

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domínio do capital nacional, afastando os interesses escusos do capital estrangeiro de um setor estratégico. A Lei nº 2.004/1953 estabeleceu o monopólio da União nas atividades de pesquisa, lavra, refino e transporte marítimo ou por meio de condutos115. Para o exercício desse monopólio, duas instituições foram designadas: o já existente CNP, órgão diretamente ligado à Presidência da República, para orientar e fiscalizar a política nacional de petróleo; e a Petróleo Brasileiro S.A. como órgãos de execução (art. 1o). Assim surgiu a Petrobras, empresa em que o próprio nome resgata, perspicazmente, os sentimentos mais nacionalistas que orientaram sua criação. Para analisar o desenho institucional em que a Petrobras foi inserida no ato de sua constituição e que perdurou até o fim do governo JK, é plausível analisar a empresa estatal através de uma lupa com maior grau, com o intuito de identificar separadamente a sua estrutura micro e macrojurídica.

2.1. A estrutura microjurídica: a participação acionária maciça do Estado e o crescimento dependente dos recursos financeiros públicos

Sob os moldes estruturais de uma sociedade anônima, instituição do direito privado, a Petrobras foi constituída como uma empresa de economia mista, cuja União deteria não menos de 51% do capital votante (art. 11). Quanto aos outros acionistas ordinários, o direito se restringiu à (i) pessoa jurídica de direito público interno; (ii) pessoa física brasileira ou naturalizada há mais de cinco anos e residente no país, desde que, se casada com estrangeiro, não houvesse comunicação dos bens; e (iii) pessoa jurídica cujos sócios fossem pessoas físicas que se enquadrassem no item anterior (art. 18). As mesmas restrições à participação estrangeira na composição acionária da Petrobras eram reiteradas para as suas subsidiárias.

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Para Eros Roberto Grau, as atividades econômicas em sentido estrito, embora de titularidade do setor privado, podem ser exploradas pelo Estado, inclusive sob o regime de monopólio. Para ilustrar sua ideia, utiliza o setor nuclear como exemplo, o que é perfeitamente aplicável ao setor petrolífero: “Exploração de serviço e instalações nucleares de qualquer natureza e exercício de monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e o comércio de minérios nucleares e seus derivados seguramente não constitui serviço público. Trata-se, aí, de exploração, pelo Estado, de atividade econômica em sentido estrito, em regime de monopólio”. GRAU, op. cit., p. 126.

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Além do conteúdo nacionalista dos dispositivos da estrutura de propriedade da Petrobras, os cargos da Diretoria Executiva e do Conselho de Administração eram privativos a brasileiros natos. Nomeados diretamente pelo presidente da República, a Diretoria Executiva era composta por um presidente e três diretores. Os diretores possuíam mandatos estáveis de três anos e o presidente poderia ser substituído a qualquer tempo116. O Conselho de Administração, por sua vez, era composto pelo presidente, que acumulava as funções de presidente da Diretoria Executiva e do Conselho de Administração, pelos três diretores e por, no máximo, mais cinco conselheiros eleitos pelos outros acionistas ordinários que, poderiam ser pessoas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas. Contudo, para que esses acionistas minoritários elegessem membros do Conselho de Administração, precisariam de 7,5% do capital votante para indicar cada conselheiro. Muito embora a composição mista do Conselho de Administração, o seu presidente possuía o direito de veto sobre as decisões do próprio Conselho de Administração ou da Diretoria Executiva117. Como o presidente da República poderia demitir discricionariamente o presidente da companhia a qualquer momento, existia uma forte possibilidade do Estado interferir nos atos de gestão da Petrobras, tamanho era o poder do presidente da República em influenciar nas decisões da Diretoria Executiva ou do Conselho de Administração. Não obstante a estrutura jurídica de propriedade da Petrobras aceitar a participação do capital privado nacional, a composição acionária da Petrobras durante os dez primeiros anos

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Quanto à Diretoria Executiva nomeada pelo presidente da República, o decreto-lei no 688, de 1969, alterou o art. Art. 19, § 1o, da Lei no 2.004/1953, para aumentar a quantidade de diretores para um número flexível de três a seis. 117 Art. 19 da Lei no 2.004: A Sociedade será dirigida por um Conselho de Administração, com funções deliberativas, e uma Diretoria Executiva. § 1º O Conselho de Administração será constituído de: a) 1 (um) Presidente nomeado pelo presidente da República e demissível ad nutum com direito de veto sôbre as decisões do próprio Conselho e da Diretoria Executiva; b) 3 (três) Diretores nomeados pelo Presidente da República, com mandato de 3 (três) anos; c) Conselheiros eleitos pelas pessoas jurídicas de direito público, com exceção da União em número máximo de 3 (três) e com mandato de 3 (três) anos; d) Conselheiros eleitos pelas pessoas físicas e jurídicas de direito provado, em número máximo de 2 (dois) e com mandato de 3 (três) anos, cada parcela de 7,5 % (sete e meio por cento) do capital votante da Sociedade, subscrito pelas pessoas mencionadas nas letras c e d do § 1º. § 2º O número dos Conselheiros será fixado na proporção de um para cada parcela de 7,5% (sete e meio por cento) do capital votante da sociedade, subscrito pelas pessoas mencionadas nas letras c e d do § 1º. § 3º A Diretoria Executiva compor-se-a do Presidente e dos 3 (três) Diretores nomeados pelo Presidente da República. § 4º E privativo dos brasileiros natos o exercício das funções de membro do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal. § 5º Do veto do Presidente ao qual se refere a letra ‘a’ do § 1º, haverá recurso ex-oficio para o Presidente da República, ouvido o Conselho Nacional do Petróleo. § 6º Os 3 (três) primeiros diretores serão nomeados pelos prazos de respectivamente, 1 (um), 2 (dois) e 3 (três) anos, de forma a que anualmente termine o mandato de um Diretor. [grifos meus]

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de sua atuação não se mostrou tão heterogênea. Inicialmente, coube à União garantir o aumento de capital de, no mínimo, 150% até 1957118, nem que para isso precisasse subscrever a totalidade do capital previsto na lei. Para capitalizar a Petrobras, a Lei nº 2.004/1953 previu transferência vinculada de receitas públicas oriundas do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes – IUCL (art. 13), dos impostos incidentes na importação de automóveis e na respectiva remessa de valores para o exterior (art. 14). Somada as receitas públicas, foi estabelecido um inovador instrumento de integralização de capital compulsório para todo cidadão brasileiro proprietário de automóveis terrestres, aquáticos e aéreos, tornando-o, automaticamente, subscritor de uma cota de ação da companhia (art. 15). Todavia, a receita advinda dessa integralização compulsória representava uma pequena parcela dos investimentos da Petrobras e durou até o exercício de 1957119. Além do capital advindo da União e dos proprietários de automóvel terrestre, é importante salientar que a Petrobras era beneficiária de isenções fiscais, meio indireto de financiamento das atividades produtivas. A mesma lei que a criou também outorgou a isenção tributária nas importações de bens de consumo como maquinário, ferramentas, instrumentos e materiais destinados à construção, ampliação ou manutenção de suas instalações (art. 23). Ademais, o Imposto de Renda não incidia aos rendimentos da empresa estatal e os dividendos da União eram integralizados como aumento de capital, garantindo mais receita para a Petrobras reinvestir em sua própria atividade120. Logo, partindo dessa estrutura microjurídica, a Petrobras iniciou efetivamente suas atividades em 10 de maio de 1954, após receber do CNP um acervo estimado em cerca de 165 milhões de dólares, o qual incluiu equipamentos utilizados nas atividades de exploração e a refinaria de Cubatão, já operada pelo Estado. Apesar de considerado modesto o montante121, os recursos financeiros garantidos pela Lei no 2.004/1953, em especial as receitas públicas

118

A Petrobras teve o capital inicial de 4 bilhões de cruzeiros e, até o ano de 1957, foi garantido o aumento de capital para, no mínimo, 10 bilhões de cruzeiros (art. 9o, § 1º, da Lei nº 2004/1953). 119 De 1955 a 1957, a integralização de capital compulsório representou 18,5% do capital investido em 1955, 9,9% em 1956 e 4,5% em 1957. MACEDO E SILVA, Antonio Carlos. Petrobras: a consolidação do monopólio estatal e a empresa privada. Campinas: Dissertação (Mestrado) no Instituto de Economia na Universidade Estadual de Campinas, 1985, p. 314-315. 120 A sujeição da Petrobras à cobrança de imposto de renda ocorreu apenas em 1975, quando uma Lei exigiu tanto a Petrobras quanto a CVRD o recolhimento do imposto a partir do exercício de 1976, com uma alíquota de 30%. CONTRERAS, 1994, p. 161. 121 CARVALHO, op. cit., p. 79-80.

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vinculadas do IUCL ao aumento de capital122, permitiram à Petrobras o início de uma caminhada afirmativa assegurada pela transferência de recursos vinculados123. Nesse sentido, a participação do capital nacional privado na Petrobras, como em outras sociedades de economia mista, era irrisório, mantendo-se a União praticamente como única proprietária124. Isso foi fundamental para que, nessa primeira fase, a Petrobras atuasse com a finalidade de concretizar as políticas públicas sem a obrigação de buscar uma rentabilidade financeira para atrair o capital privado nacional, já que dele não necessitava para viabilizar seus planos de investimento.

2.2. A estrutura macrojurídica: a intervenção direta da Petrobras e a intervenção indireta do CNP

O desenho jurídico-institucional consolidado pela Lei no 2.004/1953 fornece algumas evidências sobre sua estrita vinculação com a posição ideológica dominante nacionaldesenvolvimentista que merecem ser ressaltadas. Foram essas as opções de (i) instituir um monopólio legal; de (ii) criar uma empresa estatal para atuar de forma exclusiva nas atividades monopolizadas; e de (iii) manter um órgão da administração direta para orientar e fiscalizar a empresa estatal. Primeiramente, a lei estabeleceu o monopólio de algumas atividades da escala de produção da indústria petrolífera à União – pesquisa, lavra, refino e transporte marítimo e por meio de condutos –, o que antes eram apenas consideradas de utilidade pública desde o decreto-lei no 395/1938. Essa opção demonstrou a escolha do Estado em utilizar a figura jurídica do monopólio legal, já inserida aos textos constitucionais desde a Constituição

122

A transferência do UICL como uma receita vinculada constituiu uma parcela significativa do financiamento da Petrobras, principalmente nos primeiros anos. De 1953 a 1956, 25% da arrecadação do IUCL foi dirigido para o aumento de capital da empresa. Muito embora a Lei nº 2.975/1956 tenha reduzido esse percentual para 15%, o repasse ainda se manteve elevado, o que durou até 1961. REICHSTUL, Henri Philippe. O Financiamento do Setor Energético e a Questão da Autonomia das Empresas Estatais. Estudos Econômicos, no especial/97121, 1981, apud CONTRERAS, 1994, p. 158. 123 O recurso inicial da Petrobras era considerado modesto quando comparado com a empresa estatal Petróleo Mexicana S.A. – Pemex, a qual recebeu do governo mexicano um montante de 500 milhões de dólares para iniciar suas atividades no setor petrolífero. CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal. Evolução da Indústria Brasileira de Petróleo. Rio de Janeiro: COPPEAD-IEU/UFRJ, 2003, p. 5.

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Federal de 1934, para exercer um absoluto controle das atividades produtivas cujo interesse público é inconteste. A extração do petróleo e o seu refino já era uma atividade relevante em 1953 diante de sua expressiva participação na matriz energética nacional, que avançava no sentido de substituir a lenha e o carvão vegetal como principal fonte de energia125. Segundo, a escolha da Petrobras como uma empresa estatal para exercer as atividades produtivas monopolizadas de forma exclusiva representou uma opção desenvolvimentista e nacionalista. Anterior à constituição da Petrobras, empresas privadas nacionais atuavam nas atividades de pesquisa e refino sob regime de concessão ou autorização. Contudo, a atuação era insuficiente para atender a demanda que crescia consideravelmente a cada ano. Com a promulgação da Lei nº 2.004/1953, as concessões de pesquisa foram revogadas de plano e as autorizações de refino foram mantidas, mas com severas limitações. Apesar de não ter havido a desapropriação das refinarias privadas em funcionamento até 30 de junho de 1952, essas foram impedidas de aumentar sua capacidade de refino (art. 44, 45 e 46). Assim, foi garantida à Petrobras uma significante reserva de mercado. Com isso, o Estado continuou a intervir diretamente no setor produtivo petrolífero, como já o fazia antes através do CNP, mas optou por fazer através de uma empresa estatal e fora do regime de livre concorrência. A Lei nº 2.004/1953 estabeleceu um arranjo institucional que suplantou qualquer iniciativa privada, seja ela nacional ou estrangeira, sob o argumento de que o capital privado nacional era insuficiente para fomentar essa custosa e fundamental indústria de base para o processo de industrialização. Por essa razão, a Petrobras representou uma opção nacionalista por impedir qualquer participação de capital estrangeiro, contudo, eivada de uma considerável ampliação do setor público, por excluir também a iniciativa privada nacional.

124

Sobre a composição acionária das empresas estatais antes do regime militar, veja COUTINHO; REICHSTUL, op. cit.. 125 Sobre uma perspectiva histórica da evolução da matriz energética brasileira, Maurício Tolmasquim, Almicar Guerreiro e Ricardo Gorini relatam que “o uso de energia no Brasil começou a apresentar incrementos elevados a partir do término da Segunda Guerra Mundial, impulsionado pelo expressivo crescimento demográfico, por uma urbanização acelerada, pelo processo de industrialização e pela construção de uma infraestrutura de transporte rodoviário de característica energia-intensiva. Entre 1940 e 1950, com uma população de cerca de 41 milhões de habitantes, dos quais 69% se concentravam no meio rural, o consumo brasileiro de energia primária era de apenas 15 milhões de tep”. TOLMASQUIM, Maurício; GUERREIRO, Almicar; GORINI, Ricardo. Matriz Energética Brasileira. Novos Estudos, nº 29, novembro de 2007, p. 50.

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Terceiro, o CNP foi uma instituição jurídica que precedeu à criação da Petrobras e permaneceu atuando em conjunto com a empresa estatal. Constituído pelo decreto-lei no 395 de 1938 e regulado pelo decreto-lei no 538 do mesmo ano, o CNP era um órgão da administração autônomo, subordinado ao presidente da República, composto por oito conselheiros, sendo oito representantes de ministérios – Ministério da Guerra, da Marinha, da Fazenda, da Agricultura, da Aviação, de Obras Públicas e da Aeronáutica – e dois representantes de entidades de classe – da Indústria e do Comércio (art. 1o). Com a promulgação da Lei nº 2.004/1953, o CNP continuou atuando como órgão de orientação e fiscalização das atividades no setor petrolífero (art. 2o, I), mas lhe foi retirado a prerrogativa de atuar diretamente, competência que foi repassada a Petrobras. Cabia a esse, portanto, intervir indiretamente na economia, superintendendo as medidas concernentes ao abastecimento nacional de petróleo, entendendo como abastecimento nacional a produção, a importação, a exportação, a refinação, a distribuição e o comércio do petróleo bruto e de seus derivados. Muito embora a função do CNP tenha sido prescrita na Lei nº 2.004/1953 como órgão orientador e fiscalizador, já nos primeiros anos da trajetória da Petrobras, deu-se início a um processo de esvaziamento do CNP por duas razões. Com a vitória de Juscelino Kubitschek à presidência, o governo editou um detalhado planejamento econômico setorial, o que incluiu metas a serem alcançadas pela Petrobras. Com isso, a discricionariedade do CNP para exercer sua função orientadora foi restringida em decorrência da vinculação do órgão aos objetivos estabelecidos no Plano de Metas pela presidência da República. Além do planejamento econômico, a relativa autonomia financeira da Petrobras, garantida pela transferência de recursos financeiros vinculados, permitiu a empresa estatal deixar de consultar o CNP para praticar várias decisões estratégicas, o que resultou no questionamento dessas medidas em 1958. A apuração dos fatos por uma comissão concluiu pela veracidade das alegações do CNP. Contudo, o então presidente Juscelino Kubitschek decidiu pelo afastamento dos presidentes de ambas as instituições como forma de solucionar a disputa. O desfecho desse conflito sem uma repreensão efetiva à empresa estatal culminou

67

pela opção ipso facto por uma maior flexibilidade gerencial, transferindo a responsabilidade pelo planejamento do setor petrolífero em parte à Presidência da República e, em parte, à própria Petrobras126. Restou ao CNP a função de estabelecer o limite mínimo e máximo dos preços de vendas dos produtos derivados do refino, papel relevante no desenho institucional macrojurídico da Petrobras. Interferindo no preço do produto ofertado pela Petrobras, o CNP influenciou o equilíbrio econômico e financeiro da empresa estatal. Identificando os agentes públicos que configuraram o arranjo institucional da Petrobras – presidência da República e CNP –, cabe a este trabalho identificar como eles, juntamente com os agentes privados, se articularam para alcançar os objetivos incrustados no Plano de Metas.

2.2.1. A articulação entre a Petrobras, o CNP, a CINPE, a Abdib e a indústria nacional de bens de capital para alcançar os objetivos definidos no Plano de Metas

Como o planejamento do setor petrolífero era, em parte, responsabilidade da presidência da República, o presidente Juscelino Kubitschek o assumiu verdadeiramente quando publicou o Plano de Metas de seu governo. Editado para vigorar entre os anos de 1956 a 1961, tinha como principal objetivo a concretização da política de substituição de importações em todos os setores da indústria e, especificamente no setor petrolífero, estabeleceu como principal propósito a autossuficiência no refino do petróleo127. Sendo o instituto normativo de planejamento econômico uma representação de um objetivo juridicamente determinado, o Plano de Metas inspirou, efetivamente, as atividades da Petrobras. Na primeira década de atuação da empresa estatal se lastreou pela percepção de desenvolvimento convalidada no apelo de crescer “50 anos em 5”. A partir do Plano de Metas, a Petrobras deveria cumprir dois objetivos: (i) a substituição de importação dos derivados do petróleo obtidos pelo processo de refino, explícito nos dispositivos do

126 127

Sobre o desfecho do conflito entre a Petrobras e o CNP, veja CARVALHO, Getúlio, op. cit., p. 106-112. BERCOVICI, 2010b, p. 149.

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planejamento128; e (ii) a substituição de importação de bens de capital utilizados no processo de produção da Petrobras que, muito embora não explicitado no plano, estava implícito no objetivo central destinado a todos setores. Na meta de autossuficiência no refino do petróleo, a pretensão macroeconômica era clara: substituir a importação de derivados do petróleo, os quais eram produtos com alto valor agregado. Ou seja, a Petrobras, em vez de importar a gasolina ou o óleo diesel, resultados do refino, deveria importar o petróleo bruto e processá-lo em suas próprias refinarias. Além dos fins macroeconômicos, priorizar a indústria de refino na cadeia produtiva do setor petrolífero era estrategicamente favorável à Petrobras. Como a Lei nº 2.004/1953 impôs o dever de executar as atividades de exploração, produção, refino e transporte marítimo ou por meio de condutos, a Petrobras deveria abranger atividades produtivas em diferentes fases da indústria petrolífera. Sendo a atividade de refino o elo central na linha de produção vertical, ocupando a posição estratégica entre as fases do upstream (exploração e produção do óleo cru) e do downstream (transporte, distribuição e comercialização dos derivados do petróleo), a melhor estratégia para a verticalização da Petrobras era começar com o fortalecimento do setor de refino129, o que foi feito. Para desenvolver a atividade de refino, viu-se a Petrobras diante do primeiro desafio para o seu crescimento: a inexistência de uma indústria nacional de bens de capital e o acesso restrito às divisas para promover importações dos equipamentos. Para ultrapassar essa limitação, a Petrobras se engajou na constituição da Comissão da Indústria Pesada (CINPE) –

128

O objetivo inscrito no Plano de Metas buscou elevar o nível de produção até suprir a demanda. Por essa razão, diz-se que a meta era de autossuficiência. “A capacidade ascenderá, em 1960, a 308 mil barris diários, cabendo 252 mil barris à Petrobras e 56 mil a empresas privadas”, assegurava o Programa de metas do presidente Juscelino Kubitschek. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, op. cit., p. 37. 129 O Complexo industrial petróleo-petroquímico é formado por seis fases produtivas, organizadas verticalmente. As duas primeiras, conhecidas como upstream, correspondem à exploração e produção. A (i) exploração, também denominada de pesquisa, é o conjunto de atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo. Uma vez encontradas, a fase de (ii) produção, ou também conhecida como lavra, se inicia. Nela, ocorre a operação de extração do petróleo de uma reserva e o preparo para a sua movimentação. Finalizada a fase do upstream, (iii) o refino ou refinação se posiciona no elo central entre esse e o downstream. O refino nada mais é que o processo de transformação do óleo cru em derivados do petróleo, que podem ser a gasolina, o óleo diesel, o GLP, o óleo combustível, a nafta petroquímica ou o querosene. Após a transformação da matéria bruta em produtos derivados, a fase do upstream começa com o transporte, seguida da distribuição e comercialização. O (iv) transporte é a movimentação dos derivados de petróleo às áreas de interesse geral. Por sua vez, na (v) distribuição, os mesmos derivados são comercializados à rede varejista ou aos grandes consumidores. Por fim, a (vi) comercialização corresponde à fase final da cadeia produtiva, sendo a atividade de venda a varejo. CARDOSO, Luiz Cláudio. Petróleo: do poço ao posto. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

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órgão do Estado voltado para os problemas da indústria de bens de capital –, e patrocinou a criação da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). O incentivo ao nascimento da Abdib inaugurou uma política de compra da Petrobras, que favoreceu a nacionalização dos setores de bens de capital130, alinhando essa atuação da Petrobras ao objetivo central e universal do Plano de Metas – a substituição de importação. Para atingir tal objetivo, a política de compras da Petrobras, operada pelo Sermat – Serviços de Materiais –, preteria os bens de capital estrangeiros pelos produzidos por indústrias instaladas no Brasil, até mesmo quando os custos financeiros destes eram superiores para a empresa estatal. Como incentivo aos investimentos privados, financiava as atividades produtivas através do pagamento antecipado à entrega dos equipamentos. Todo esse esforço da Petrobras, juntamente à Abdib, resultou na instalação de um polo industrial de bens de capital nacional como nenhuma outra empresa o fez131, alcançando, em 1965, o índice de 89,1% na aquisição de materiais e equipamentos do país no total de compras efetuadas pela companhia (Tabela 2.1). O sucesso da política de substituição dos bens de capital possibilitou à Petrobras alcançar o objetivo do setor petrolífero prescrito no Plano de Metas: a substituição de importação de derivados de petróleo obtidos através do refino132. Nos três primeiros anos de atividade, a Petrobras demonstrou um notável desempenho. A capacidade de refino cresceu de 118 mil para 160 mil barris, decorrente das refinarias de Cubatão, em 1955, e a expansão da capacidade de Mataripe, em 1956. Mantendo-se sob o trilho dos bons resultados, a entrada em funcionamento da refinaria de Duque de Caxias, em 1961, com a espantosa capacidade de 150

130

“O que pode, sim, ser afirmado sem margem de erro, é que ao longo da década de 1950 a Petrobras aperfeiçoou sua organização interna e seus quadros técnicos, tornando-se cada vez mais capaz de intervir ativa e eficazmente sobre o processo de nacionalização (de que participava também as firmas de engenharia e os fornecedores de bens de capital). Exemplo disso são os trabalhos de cadastramento das empresas e padronização de materiais.” MACEDO E SILVA, op. cit., p. 260-270. 131 Ibid., p. 314-315. 132 Segundo Gilberto Bercovici, os objetivos de substituição de importação de derivados do petróleo obtidos através do refino e de substituição de importação de bens de capital estão interligados entre si, um completando o outro. Para o autor: “O Plano de Metas tem como um de seus objetivos a auto-suficiência no refino do petróleo [...] a Petrobras vai adotar uma política de substituição de importações de bens de capital na aquisição de equipamentos necessários para a ampliação da capacidade de refino no país. Essa política irá fortalecer a Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Indústrias de Base (ABDIB), fundada em 5 de maio de 1955. A política de promoção da indústria brasileira de bens de capital será constante a partir dos anos 1950, gerando o estabelecimento de vários ramos industriais no país e favorecendo a geração de empregos e desenvolvimento tecnológico. O resultado imediato dos investimentos foi que, em 1961, pela primeira vez no Brasil, a capacidade instalada do parque de refino superou o consumo”. BERCOVICI, 2010b, p. 149.

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mil barris de petróleo, contribuiu para, no mesmo ano, tornar o Brasil autossuficiente em derivados do petróleo, como o Pano de Metas assim planejou.

Tabela 2.1 Compra de materiais e equipamentos pela Petrobras no país e no exterior (%) Ano

Compras no país

Compras no exterior

1958

32,6

67,4

1959

62,9

37,1

1960

61,4

38,6

1961

65,3

34,7

1962

66,7

33,3

1963

81,5

18,5

1964

86,3

13,7

1965

89,1

10,9

Fonte: Relatório de atividade da Petrobras (MACEDO E SILVA, 1985)

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A PREDOMINÂNCIA DA FACE ESTATAL NOS DEZ PRIMEIROS ANOS DE PETROBRAS

Os dez primeiros anos da Petrobras coincidiram com os últimos anos da correlação de forças nacional-desenvolvimentista. Nesse período, o arranjo institucional foi modificado para permitir o Estado intervir na economia direta e indiretamente com a finalidade de promover uma industrialização baseada no capital nacional. Na inércia desse capital privado nacional para desenvolver a indústria de base, o capital estatal mostrou-se mais atuante, fomentando ele mesmo setores indispensáveis ao desenvolvimento através das empresas estatais. Nessa conjuntura institucional, as empresas estatais eram criadas com objetivos macroeconômicos bem definidos em suas leis constitutivas ou nas políticas públicas, com provisão orçamentária para a concretização das metas e sem uma obrigação jurídica de perseguir uma rentabilidade financeira. Considerando as estruturas micro e macrojurídicas da Petrobras nesse mesmo período, percebe-se que elas foram constituídas para que a empresa estatal cumprisse, prioritariamente,

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as políticas públicas estabelecidas no Plano de Metas. Ou seja, inexistia a obrigação jurídica para que a Petrobras perseguisse a rentabilidade financeira de seus investimentos. A estrutura microjurídica da Petrobras caracterizava-se pela predominância quase absoluta do Estado como acionista, tanto ordinarista quanto preferencialista, e também pelo elevado grau de interferência que a Lei nº 2.004/1953 concedeu ao presidente da República para nomear a diretoria executiva e os membros do Conselho de Administração. Somado a isso, os investimentos da Petrobras eram garantidos pela transferência vinculada de recursos financeiros públicos, previamente estabelecidos em lei. Com isso, inexistiam interesses conflitantes na empresa estatal, tendo em vista a irrelevância dos acionistas minoritários privados e a garantia de financiamento público aos investimentos. A estrutura macrojurídica, por sua vez, caracterizava-se pela execução do monopólio da União exclusivamente pela Petrobras, eliminando a livre concorrência, e pela articulação estratégica entre a empresa estatal, os agentes públicos – o CNP, a presidência da República e o CINPE – e os privados – a Abdib e as indústrias de bens de capital –, para a consecução de objetivos juridicamente determinados no Plano de Metas. Essas eram nada mais que políticas públicas com objetivos estritamente macroeconômicos: fomento da indústria de base e da indústria de refino. Por essa razão, a Petrobras, filha de uma correlação de forças nacionaldesenvolvimentista, nasceu com uma face estatal estampada, acomodada a um arranjo institucional essencialmente propício aos cumprimentos de políticas públicas.

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3. A FACE ESTATAL E A FACE EMPRESARIAL: A PETROBRAS DURANTE O ESTADO DESENVOLVIMENTISTA DO REGIME MILITAR

INTRODUÇÃO

Terminada a execução do planejamento econômico que prometeu o crescimento do país de “50 anos em 5”, os anos subsequentes foram acometidos por uma estagnação econômica e uma inflação desenfreada. Os bons resultados obtidos com o Plano de Metas foram baseados em uma política de desenvolvimento fortemente embasada no deficit público, ruindo com a disponibilidade financeira do Estado. Tal conjuntura econômica somada às circunstâncias políticas arrazoou o golpe militar de 1964133, provocado por uma coalizão de forças interessada em alterar o modo de atuação do Estado na economia. O Estado permaneceu planejando e atuando diretamente no sistema econômico, todavia não mais baseado em uma organização capitalista nacionalista, e sim em um capitalismo associado. Com isso, o ente público uniu-se à iniciativa privada – tanto o capital nacional quanto o capital estrangeiro. Contudo, foi necessária uma reestruturação da organização do Estado, principalmente quanto à operação das empresas estatais, que tiveram que adquirir uma atuação semelhante a das empresas privadas, passando a financiar seu próprio plano estratégico de crescimento. A Petrobras, após dez anos de amadurecimento apoiado na abundância de recursos financeiros públicos, teve seu arranjo institucional alterado para adaptar-se a essa nova relação entre Estado e mercado. Ao mesmo tempo que perseguiu os objetivos inscritos nos planejamentos econômicos, foi-lhe imposta uma atuação rentável para financiar seus investimentos. Por essa razão, diz-se que as mudanças jurídicas tornaram a Petrobras uma figura bifronte, que ora faz uso de sua face estatal para alcançar objetivos macroeconômicos, ora de sua face empresarial para alcançar objetivos microeconômicos.

133

BRESSER-PEREIRA, 2009, p. 14.

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Com o intuito de identificar tais modificações durante o regime militar, o presente capítulo está dividido em duas partes. A primeira (i) analisará a estrutura microjurídica da Petrobras. A segunda, por sua vez, (ii) focará na estrutura macrojurídica. Nesta segunda parte, especificamente, o trabalho irá descrever duas articulações estratégicas entre a Petrobras, os agentes públicos e privados, institucionalmente formados nesse período: a estratégia da indústria petroquímica e da exploração e produção em águas profundas.

1. A ESTRUTURA MICROJURÍDICA: A CONTINUIDADE DA PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA MACIÇA DO ESTADO E O ESGOTAMENTO DOS RECURSOS FINANCEIROS PÚBLICOS

A correlação de forças predominante no governo militar não promoveu alterações substanciais nos dispositivos da Lei no 2.004/1953 que tratavam sobre a estrutura microjurídica da Petrobras. Apenas algumas modificações pontuais foram dispostas pelo decreto-lei no 688, de 18 de abril de 1969, e pelo decreto-lei nº 755, de 11 de agosto de 1969. A composição da Diretoria Executiva – diretores e presidente da companhia – continuou sendo escolhida pelo presidente da República. Entretanto, diferentemente da redação originária da Lei no 2.004/1953, o decreto-lei nº 688/1969 alterou o número de diretores, podendo o chefe do Poder Executivo nomear de três a seis diretores. Quanto ao Conselho de Administração, o presidente da Diretoria Executiva continuou a acumular a função de presidente do Conselho de Administração e foram mantidos os seus poderes de veto sobre as decisões do próprio Conselho e dos diretores. Os outros membros do Conselho de Administração prosseguiram sendo os diretores da Diretoria Executiva e, no máximo, mais cinco membros eleitos pelos acionistas minoritários. Contudo, a mudança na composição do Conselho de Administração se deu com aprovação do decreto-lei nº 755/1969, que garantiu aos acionistas minoritários, independente de sua participação acionária, a representação mínima de um conselheiro para as pessoas jurídicas de direito público e de outro para as pessoas físicas e jurídicas de direito privado, devendo esses membros

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corresponder a um quorum de um terço do capital votante no Conselho de Administração (art. 19, § 2º)134. Apesar da inovação jurídica promovida pela reforma microjurídica da Petrobras, os esforços de compor um Conselho de Administração mais heterogêneo não propiciaram efetivamente em um equilíbrio maior entre o poder decisório do controlador e dos minoritários. De fato, a manutenção dos poderes de veto do presidente da Petrobras sobre as decisões dos diretores e do Conselho de Administração assegurou a autoridade desse sobre as decisões dos acionistas minoritários. Por sua vez, o direito do presidente da República de demitir o presidente da Petrobras ad natum manteve o canal aberto para interferências do Poder Executivo nos atos de gestão da empresa estatal. Com isso, a União – controladora – garantiu que seus interesses fossem soberanos na atuação da Petrobras. Além da composição da Diretoria e do Conselho de Administração, as restrições legais à composição acionária da Petrobras foram relativamente flexibilizadas. A União continuou tendo a obrigação jurídica de manter-se acionista controladora, não podendo deter menos que 51% das ações ordinárias, permanecendo a Petrobras uma sociedade de economia mista. Persistiu também o conteúdo nacionalista para a aquisição de ações. Poderiam adquiri-las apenas pessoas jurídicas de direito público (art. 18, I); órgãos da administração federal indireta ou sociedades de economia mista legalmente controlada por Estado ou município (art. 18, II); brasileiros natos ou naturalizados, não casados com estrangeiros sob regime de comunicabilidade dos bens (art. 18, III); ou pessoas jurídicas de direito privado compostas por brasileiros natos ou naturalizados (art. 18, IV e V). Contudo, tais restrições foram impostas apenas para a aquisição de ações ordinárias, eliminando qualquer restrição para a compra de ações preferenciais. Com isso, o Estado pretendeu criar uma via de capitalização da Petrobras através da subscrição de ações preferenciais pelo capital estrangeiro, diante da inércia do capital privado nacional. Apesar da garantia de assentos no Conselho de Administração aos acionistas minoritários e da flexibilização das restrições legais à composição acionária, não houve

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De acordo com o art. 19, § 2º, da Lei nº 2.004/1953, as pessoas jurídicas de direito público, de direito privado e pessoas físicas teriam direito a nomear cinco conselheiros na proporção de um a cada 5% do capital votante. Todavia, caso não fossem preenchidas tais condições, seria assegurada a representação mínima de um conselheiro para as pessoas jurídicas de direito público e um conselheiro para as pessoas jurídicas de direito privado e pessoas físicas, exigindo-se em qualquer hipótese o quórum de um terço do respectivo capital votante.

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alterações significativas na estrutura de propriedade da Petrobras. Mesmo com a permissão outorgada de registrar-se como uma sociedade de capital aberto no Banco Central da República em 1966, a participação do capital privado na composição acionária da Petrobras continuou inexpressiva. A subscrição de capital através do mercado de capitais não foi bem-sucedida. Em 1968, esse recurso contribuiu com somente 1% do total das necessidades de financiamento da Petrobras. Nos anos de 1971 e 1972, o aporte de capital através da subscrição de ações por agentes privados aumentou, respectivamente para 3,1% e 4,7% dos recursos da empresa estatal135. No entanto, em 1975, esse meio de financiamento se esgotou. O Conselho de Desenvolvimento Econômico – CDE – publicou, em março desse mesmo ano, uma resolução na qual proibia a Petrobras, a CVRD, a Eletrobras, o Banco do Brasil e o Banco do Nordeste a fazerem chamada de capital durante o respectivo ano, mas que acabou sendo estendida para os anos subsequentes136. Diante do impedimento da Petrobras de aumentar o capital através de oferta pública de ações, a União se manteve preponderante na composição acionária da Petrobras. Em 1985, já no final do regime militar, a União ainda detinha 85,72% das ações com direito a voto e 78,58% do total do capital social. Entretanto, vale salientar que, embora a União tenha mantido a propriedade de vultosa parcela das ações com direito a voto durante o regime militar, a transferência de recursos financeiros públicos e as isenções fiscais foram drasticamente reduzidas. Primeiramente, a transferência vinculada dos recursos financeiros obtidos pela arrecadação do IUCL foi reduzida de 25% do montante arrecadado pelo imposto para 14,4% em 1967. Em 1975, essa transferência foi extinta137. Nesse sentido, a receita pública vinculada não mais financiaria as atividades da empresa estatal. Além dessa suspensão de recursos públicos, a Lei nº 6.264, de

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Dados extraídos do trabalho de CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal, 1994, p. 160. Edelmira del Carmen Alveal Contreras explica que a publicação da resolução do CDE decorreu da pressão sobre o governo exercida pelos agentes privados do mercado acionário, que se queixavam do fato de as sociedades de economia mista retirarem a liquidez do mercado financeiro, suplantando a capacidade de financiamento de outras sociedades anônimas de capital aberto. Realmente, as alegações eram verídicas. Em 1974, as chamadas de capital de cinco estatais atingiram 555,6 milhões de dólares, enquanto o saldo do Fundo 157 representou, no mesmo ano, 375,4 milhões de dólares. CONTRERAS, loc. cit. 137 “No período de 1953 a 1956, 25% da arrecadação do UICL foram dirigidos ao aumento de capital da empresa, diminuindo esse percentual para 15% no período de 1957 a 1961. Em 1967, a legislação restabeleceu o 136

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18 de novembro de 1975, tratou da incidência de imposto de renda sobre o lucro apurado das sociedades de economia mista. Portanto, depois de anos de isenção, a Petrobras foi obrigada a recolher imposto de renda com a alíquota de 30% sobre o total do lucro apurado nas atividades não monopolizadas. Ademais, em agosto de 1976, foi suspensa a permissão da Petrobras e da CVRD de reter os dividendos da União e convertê-los em aumento do capital social, prática reiteradamente utilizada por ambas as empresas estatais138. As medidas restritivas de financiamento das atividades produtivas através do aumento de capital somadas à redução das transferências de receitas exigiram da Petrobras a adoção de alternativas institucionais para custear seus investimentos. Duas eram as possibilidades: através de operações de crédito ou através de autofinanciamento. Em decorrência da promulgação de uma estrutura macrojurídica favorável à autonomia de gestão e a autonomia financeira da Petrobras, percebe-se que foi possível a alternativa de autofinanciamento dos investimentos da empresa estatal. Nesse sentido, é válida a análise desse arranjo macrojurídico da Petrobras.

2. A

ESTRUTURA MACROJURÍDICA: ENTRE A BUSCA PELO AUTOFINANCIAMENTO E A CONSECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Os primeiros anos de atuação da Petrobras foram inscritos por um expressivo crescimento da empresa estatal, ancorado pela transferência vinculada de recursos financeiros públicos. No entanto, no início da década de 1960, a saúde financeira do Estado já apresentava sinais de debilidade. Um elevado deficit público, provocado principalmente pelos investimentos em infraestrutura e no setor produtivo estatal, justificou a adoção de um plano que alterou sobremaneira a estrutura macrojurídica das empresas estatais. Tais mudanças estavam intencionadas a imprimir um padrão de eficiência, permitindo a manutenção e até a expansão das empresas estatais através de suas receitas operacionais, ou seja, de sua própria

percentual de 14,4% para o mesmo fim”, o qual perdurou até 1975, quando foi extinto. CONTRERAS, 1994, p. 158. 138 Ambas as empresas – Petrobras e CVRD – foram obrigadas a recolher ao Tesouro Nacional os dividendos relativos ao exercício de 1975. CONTRERAS, 1994, p. 161.

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rentabilidade financeira139. Eis, pois, que o objetivo microeconômico foi inserido ao arranjo institucional da Petrobras. A primeira mudança foi introduzida pelo decreto-lei nº 200, de 25 de dezembro de 1967, o qual tratou da reforma administrativa. Com o objetivo de promover uma descentralização do controle aos órgãos da administração, tanto a Petrobras quanto o CNP tornaram-se instituições vinculadas à esfera de competência do Ministério de Minas e Energia140, não mais à presidência da República. Com isso, esse Ministério, constituído em 1960, assumiu a função de controlar os resultados da Petrobras141. Além da descentralização, o decreto-lei nº 200/1967 também explicitou a escolha institucional das empresas estatais funcionarem em condições idênticas às empresas do setor privado (art. 27, parágrafo único) e, para isso, concedeu-lhes autonomia administrativa, operacional e financeira (art. 26, IV). O resultado imediato dessa reforma jurídica para a Petrobras foi a concessão de uma autonomia de gestão, permitindo-a desenvolver seu próprio plano estratégico de crescimento, e a inserção da obrigação legal da empresa estatal praticar suas atividades com base na eficiência. Entretanto, o efetivo exercício dessa autonomia de gestão apenas foi possível em decorrência da autonomia financeira adquirida a partir da institucionalização da política da verdade dos preços142. Muito embora o processo de esvaziamento das atribuições do CNP tenha começado no governo Juscelino Kubitschek, durante os anos 1950 e início dos anos 1960, o órgão continuou a estabelecer os limites mínimos e máximos dos preços de vendas dos produtos refinados. Todavia, com a aprovação do decreto-lei no 61, em 21 de novembro de 1966, os preços dos produtos derivados do refino passaram a se vincular a critérios técnicos. Tais critérios levavam em consideração a apuração do custo e do lucro de um barril de petróleo processado, dados que eram repassados pela Petrobras.

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GIACOMONI, James. Empresas Estatais: ausência de controle e sacrifício da autonomia. Indicadores econômicos FEE, v. 19, p. 152-156, 1991, p. 152. 140 Apesar de o decreto-lei nº 200/1967 prescrever como objetivo a descentralização da administração pública, a oficialização da estrutura do Ministério de Minas e Energia com a inclusão do CNP e da Petrobras se deu apenas no decreto nº 63.951, de 31 de dezembro de 1968. 141 BERCOVICI, 2010b. 142 Sobre a relação da política da verdade dos preços e a estratégia de autofinanciamento da Petrobras, veja COUTINHO; REICHSTUL, op. cit., p. 86.

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Conforme o decreto-lei no 61/1966, a apuração do preço do barril do petróleo seria apurado a partir de quatro critérios: (i) custos em função dos preços do mercado internacional do petróleo bruto e de outros materiais de consumo importados, e da taxa de câmbio; (ii) custos em função das despesas com pessoal; (iii) outros custos variáveis com a conjuntura interna de preços no país; (iv) depreciação, amortização e remuneração dos capitais investidos (art. 2º). O mesmo instrumento normativo ainda dispunha sobre os pesos percentuais que cada critério exercia sobre o reajuste do preço do produto derivado do processo de refino. Por essa razão, o CNP tornou-se uma figura meramente técnica dentro da estrutura macrojurídica da Petrobras, tendo em vista que a função de estabelecer os preços dos produtos derivados do refino do petróleo deixou de ser um ato discricionário para ser um ato vinculado. O CNP foi, então, esvaziado como instrumento de intervenção e não mais ocupou um papel expressivo no arranjo jurídico. Já quanto à Petrobras, foi-lhe assegurada a tarifação de preços dos combustíveis compatíveis com seus custos operacionais e as necessidades de investimento. Ou seja, em um mercado cujo monopólio de produção e refino de petróleo foram mantidos, a reforma institucional permitiu à Petrobras a liberdade de autofinanciar seus investimentos mediante acumulação própria, suficiente para torná-la independe de subvenções do Tesouro e do orçamento público. Com isso, o arranjo institucional da empresa estatal disponibilizou os dois recursos de poder necessários no processo decisório – autonomia de gestão e financeira –, autorizando a Petrobras a dispor de um planejamento estratégico próprio de crescimento, independente do planejamento econômico editado pelo governo. Apropriando-se dessa autonomia, além das atividades monopolizadas, o arranjo macrojurídico da Petrobras foi alterado para autorizar a empresa estatal a intervir em outras atividades econômicas, extrapolando sobremaneira as atribuições inicialmente concedidas pela Lei nº 2.004/1953. Nesse sentido, foram constituídas subsidiárias para atuar em setores produtivos sob o regime de livre concorrência, nos quais os preços dos bens e serviços comercializáveis eram estabelecidos pelas leis do mercado: oferta e demanda. A primeira delas foi a Petroquímica S.A. – Petroquisa, criada em 28 de dezembro de 1967 com o objetivo de internalizar a produção industrial petroquímica. Em sequência, foi constituída a Petrobras Distribuidora S.A. – BR Distribuidora, em 1971, responsável por atuar nas operações de distribuição dos derivados de petróleo em território nacional. Nos anos subsequentes, mais duas empresas subsidiárias foram constituídas: a Petrobras Fertilizantes 79

S.A. – Petrofertil, em 23 de março de 1976, a qual assumiu a atividade de produção de insumos básicos para a agricultura; e a Petrobras Mineração S.A. – Petromisa, em 14 de fevereiro de 1977, para atuar nas áreas de pesquisa de potássio e enxofre. Além das subsidiárias com atuação no mercado doméstico, mais duas foram criadas para atuar no mercado internacional: a Petrobras Internacional S.A. – Braspetro, em 5 de abril de 1972, com a finalidade de atuar na exploração e produção de petróleo em reservas estrangeiras143; e a Petrobras Comércio Internacional S.A. – Interbras, em 19 de fevereiro de 1976, para promover a exportação e a importação de petróleo e derivados. Com isso, a Petrobras passou a ser a empresa controladora de outras seis empresas subsidiárias – Petroquisa, BR Distribuidora, Petrofertil, Petromisa, Braspetro e Interbras. A empresa estatal que antes atuava dentro das atividades monopolizadas pela União adquiriu uma estrutura macrojurídica semelhante a uma holding. Isso demonstra que, a partir do regime militar, com as reformas institucionais, a Petrobras adquiriu condições idênticas a das empresas privadas, organizando-se como um conglomerado empresarial e buscando uma rentabilidade financeira de seus investimentos para manter suas operações e seus planos de expansão. Todavia, vale salientar que, embora o arranjo institucional tenha inserido a rentabilidade financeira como um objetivo jurídico da Petrobras, o Estado preservou suas funções desenvolvimentistas. Continuou promulgando planejamentos econômicos e normas jurídicas que impuseram às empresas estatais a obrigação de concretizar políticas públicas. Desses objetivos macroeconômicos transcritos, duas metas de caráter multissetorial foram incorporadas ao arranjo institucional da Petrobras: (i) o fortalecimento da iniciativa privada; e (ii) a capacitação tecnológica do país.

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A consolidação de uma subsidiária em território estrangeiro inaugurou mais um processo de fortalecimento dos interesses microeconômicos de expansão da empresa estatal: a sua internacionalização. Em atividade fora do país, a gestão da empresas estatal brasileira se assemelhava às gigantes empresas multinacionais de petróleo, defendendo eminentemente interesses privados. Dois foram os países que a Braspetro mais expandiu: a Colômbia e o Iraque. Na Colômbia, a Braspetro realizou atividades exploratórias em algumas concessões adquiridas da empresa Tenneco. Por sua vez, no Iraque, a Braspetro realizou importantes descobertas, como os campos de Majnoon e Bahr Ums com reservas avaliadas em 10 bilhões de barris. O contrato, porém, foi renegociado por imposição do governo iraquiano, tendo a empresa estatal o devido ressarcimento dos investimentos e o direito de compra de petróleo iraquiano em condições facilitadas.

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A estratégia do fortalecimento do capital nacional como política pública foi explicitada com maior ênfase principalmente do I ao III PND144. Nos três planejamentos econômicos, a estratégia era aumentar a participação das empresas nacionais na produção interna de bens de serviços, face ao crescimento desenfreado das empresas estrangeiras nas atividades produtivas do mercado. Somada à orientação jurídica de incentivo ao capital nacional, outro objetivo macroeconômico despontou como prioridade no processo de desenvolvimento: a capacitação tecnológica. A conscientização sobre a importância dessa meta estava clara nos dispositivos dos PNDs, os quais estabeleceram a industrialização e a capacitação tecnológica como políticas públicas. Já no I PND, a implantação da Política Tecnológica Nacional foi inserida ao rol dos dez principais objetivos econômicos globais a serem alcançados a nível nacional e multissetorial. Esse enquadramento foi justificado no texto do próprio I PND, publicado pela presidência da República145: A revolução tecnológica, principalmente nas últimas duas décadas, repercute profundamente sobre o desenvolvimento industrial e o comércio internacional, passando o crescimento econômico a ser cada vez mais determinado pelo progresso tecnológico. Isso altera as vantagens comparativas entre os países, em diferentes setores [...] É preciso suplementar a importação de tecnologia com a adaptação tecnológica e o esforço de criação própria. O aumento do poder competitivo da indústria nacional, indispensável à expansão do mercado, interna e externamente, depende de maior esforço e elaboração tecnológica interna. [grifos meus]

Os PNDs subsequentes mantiveram a mesma racionalidade sobre a importância da capacitação tecnológica ao desenvolvimento, sobretudo o II PND146, que em diversas

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No I PND, no capítulo III, quando tratou da estratégia industrial, o inciso II estabeleceu como meta o fortalecimento da empresa privada nacional, em face às empresas estrangeiras. No II PND, no capítulo IV, quando tratou da estratégia econômica, especificamente quanto ao fortalecimento da empresa nacional e capital externo, o inciso I estabeleceu como meta a emergência de forte expressão da capacidade empresarial nacional. Por fim, no III PND, no capítulo V, quando tratou da política setorial industrial, dentre as metas do inciso IV, estabeleceu a preferência das empresas nacionais, mas, diferente dos planejamentos anteriores, especifica que essas serão dadas às pequenas, médias e microempresas nacionais. BRASIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND): 1972/1974. .Brasília: A Presidência, 1971, p. 23; BRASIL. II PND: II Plano Nacional de Desenvolvimento: 1975-1979. .Brasília: A Presidência, 1974, p. 50-51 BRASIL. III Plano Nacional de Desenvolvimento: 1980/85. Brasília: A Secretaria, 1981, p. 57. 145 BRASIL, 1971, p. 55. 146 BRASIL, 1974, p. 53; BRASIL, 1981, p. 70.

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passagens, ressaltou a Política Científica e Tecnológica como um objetivo macroeconômico do país.147. Por sua vez, o III PND, revelou a preocupação em compatibilizar as ações governamentais com as atividades de transferência e criação de conhecimento tecnológico148. Além das políticas públicas multissetoriais, que orientavam a atuação de todos agentes públicos, o arranjo institucional da Petrobras ainda previu objetivos setoriais. Dentre eles, dois se mostraram relevantes na estrutura macrojurídica da empresa estatal. O primeiro foi transcrito na lei que criou a Petroquisa, estabelecendo como meta o fomento da indústria petroquímica associado ao capital nacional. O segundo, por sua vez, foi explicitado no II PND e estabeleceu que a Petrobras deveria reverter seus investimentos para a pesquisa e lavra de petróleo offshore. Mesmo perseguindo tais objetivos macroeconômicos, a Petrobras não deixou de cumprir o objetivo microeconômico, mantendo-se economicamente eficiente. Por essa razão, diz-se que a Petrobras, durante o regime militar, apresentou um arranjo institucional que lhe proporcionou uma atuação bifronte, a qual procurava concretizar políticas públicas, mas sem ignorar a imprescindibilidade da rentabilidade financeira. Para tal constatação, é imprescindível descrever a estrutura macrojurídica formada para a concretização dos objetivos macroeconômicos sem a rendição do objetivo microeconômico e, para isso, duas atividades serão analisadas: (i) a indústria petroquímica; e (ii) a exploração e produção.

2.1. O tripé petroquímico: fortalecimento do capital nacional

Em 28 dezembro de 1967, o decreto-lei no 61.981 criou a primeira subsidiária da Petrobras, a Petroquímica S.A. – Petroquisa, com o objetivo de internalizar a produção

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Citam-se como exemplos o inciso III do capítulo III, no qual prescreve como objetivo um maior impulso ao desenvolvimento tecnológico industrial, inclusive como preocupação de evitar dispêndios excessivos nos pagamentos por tecnologia; e nos incisos I e II do capítulo XIV, os quais ressaltam a importância da transferência de tecnologia dos países desenvolvidos e a necessidade de incentivos para adaptá-la. BRASIL, 1974, p. 136-139. 148 O III PND, mesmo sendo menos extenso que o II PND, reservou a seção 1 do capítulo VI para tratar do tema ciência e tecnologia. BRASIL, 1981, p. 70.

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industrial petroquímica149 no país, um setor eminentemente lucrativo. Embora isso não constasse no rol das atividades petrolíferas monopolizadas pela União, o texto normativo do decreto-lei no 61.981/1967, nas considerações expressas, esclareceu que o governo não poderia descurar-se do recrudescimento da indústria petroquímica, quer pela iniciativa privada quer pela Petrobras. Sendo a empresa estatal produtora das matérias-primas essenciais ao processo produtivo desse setor petroquímico (petróleo, gás natural e derivados de petróleo obtidos no processo de refino), a norma impôs à Petrobras a obrigação jurídica de tornar-se o elo de integração entre o setor privado e o setor público no planejamento e diversificação das atividades da indústria petroquímica brasileira150. A partir desse objetivo macroeconômico, a Petrobras foi inserida a um pioneiro relacionamento jurídico que se estabeleceu na coalizão de interesses entre o capital estatal e o capital privado. A primeira iniciativa na formação corporativa por associação se deu na implantação da Petroquímica União – PQU, contemporânea à constituição da Petroquisa, empresa que associou o capital de uma multinacional ao capital de empresas privadas nacionais151. Dificuldades técnico-financeiras, combinadas às limitações institucionais da produção das matérias-primas, cujo monopólio era da União, abriram a oportunidade para a participação acionária da Petrobras via Petroquisa. A empresa estatal adquiriu 68% das ações da PQU, tornando-se, assim, a acionista controladora. Dessa associação, viabilizou-se o complexo Petroquímico de São Paulo, que envolveu a Petroquisa na participação direta em mais três empresas coligadas – a Poliolefinas, a Oxiteno e a Polibrasil –, cuja parcela da estatal variava entre 28% e 33% do capital votante152.

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A indústria petroquímica se propõe a transformar o gás natural, o petróleo e o óleo do xisto (naftas e gasóleos, gases residuais e resíduos de petróleo) em produtos industrializados, sendo os seguintes itens resultados desse processo: eteno (etileno), propeno (propileno), butenos (butilenos) e etino (acetileno), benzeno, tolueno xilenos (orto, meta e para-xileno) naftaleno, hidrogênio e misturas de hidrogênio e monóxido de carbono (gás síntese). 150 Nas considerações sobre do decreto-lei no 61.981/1967, a norma instituiu que “considerando a necessidade de estimular adequada a integração entre o setor privado e o setor público no planejamento e diversificação das atividades da indústria petroquímica no país, devendo o poder público incentivar a captação de recursos, no mercado de capitais e promover a associação da Petrobras com a iniciativa privada nessa atividade”. 151 O capital nacional estava representado pelo Grupo Capuava, formando pelo grupo financeiro Moreira Salles e pelo grupo Ultra, enquanto o capital estrangeiro estava representado pela empresa Phillips Petroleum. 152 No setor petroquímico brasileiro, grande parte das empresas eram monoprodutoras e operavam, em sua maioria, em uma única planta. Isso fez com que as negociações da Petrobras tendessem a uma estratégia de montagem de plantas centrais, intermediárias, e finais. As plantas centrais correspondiam às empresas controladas, nas quais a estatal possuía mais de 50% do capital votante. As plantas intermediárias, por sua vez,

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Sendo a PQU um projeto piloto bem-sucedido, a sua organização institucional se reiterou na constituição de outros polos produtivos da indústria petroquímica, iniciando dois padrões estratégicos do arranjo institucional: (i) a constituição de empresas coligadas com a pulverização da participação acionária entre o capital multinacional, o capital nacional e o capital estatal, compondo uma estrutura baseada na tríplice aliança153; e (ii) a transposição dessa mesma composição do tripé aos contratos de joint ventures154, nas quais os agentes desempenhavam atribuições previamente definidas no negócio155. A Petroquisa, haste estatal da associação, era subsidiária da fornecedora nacional de matérias-primas: a Petrobras. Por essa razão, exerceu uma função estratégica, pois controlava a oferta e os preços dos insumos básicos. Essa posição privilegiada não apenas garantiu uma notável presença da estatal na vasta indústria petroquímica, como também permitiu a manutenção do controle da Petroquisa sobre as empresas coligadas e, consequentemente, sobre as condições das joint ventures. Mesmo quando acionista minoritária, a estatal impôs cláusulas de unanimidade para definições de posições estratégicas no estatuto social ou em acordos entre acionistas. Por sua vez, o capital nacional privado se associou ao capital estatal para, juntos, financiarem os investimentos. Nesse caso, o elevado ritmo e a escala de crescimento da indústria petroquímica contribuíram para o fortalecimento e a permanência da elite empresarial nacional no empreendimento. Tal estratégia foi perfeitamente compatível com os interesses defendidos pela coalizão de forças do regime militar: promover uma política de desenvolvimento que incentivasse as empresas privadas a exercer atividades econômicas, se necessário, com o estímulo do próprio Estado.

eram estruturadas por empresas coligadas, onde a empresa controlada (da planta central) possuía entre 10% e 50% do capital votante. Por fim, as plantas finais correspondiam a empreendimentos associativos por joint ventures da empresa coligada com outras empresas. CONTRERAS, 1994, p. 120. 153 Sobre a formação da tríplice aliança no cenário brasileiro, veja EVANS, Peter, 1980. 154 As joint ventures são institutos jurídicos que suscitam, no meio acadêmico, um acalorado debate sobre sua natureza jurídica, a qual extrapola consideravelmente o tema e os objetivos de pesquisa da presente dissertação. Entretanto, para fins de delimitação dos pressupostos aqui adotados, entende-se como joint venture uma reunião de forças entre duas ou mais empresas do mesmo ou de diferentes países, com a finalidade de realizar uma operação específica (industrial, comercial, de investimento, produção ou comercialização externa). RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá. Direito do Petróleo: Direito do Petróleo: as joint ventures na indústria do petróleo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. 155 Para a Edelmira del Carmen Alveal Contreras, o esquema ideal de participação tripartite consistia na associação do capital tecnológico das multinacionais, do capital privado nacional e do capital financeiro das empresas estatais. CONTRERAS, 1994, p. 98.

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No que diz respeito à haste do capital internacional, a sua integração decorreu da aceitação das condições associativas estabelecidas pelo capital estatal. Foram esses fornecedores de conhecimentos tecnológicos a partir do full disclosure dos projetos de engenharia necessários no processo de produção da indústria petroquímica. Assim, as empresas multinacionais aportavam seu capital nas estruturas institucionais associativas através da transferência de tecnologia156. Com isso, um segundo objetivo macroeconômico foi atingido: a capacitação tecnológica. A Petroquisa, apropriando-se do poder decisório advindo de sua posição estratégica no tripé petroquímico, assegurou o controle de fluxo externo de tecnologia, tais como a obrigatoriedade da execução da engenharia de detalhamento no país, o estabelecimento de condições para a nacionalização de serviços de engenharia básica e a maximização no nível de compras no mercado nacional. A articulação desses instrumentos de controle nas associações promoveu, eficientemente, padrões de absorção, transferência e geração endógena de tecnologia157. Com isso, uma efetiva transferência de tecnologia foi incorporada ao processo produtivo petroquímico. Para isso ocorrer, o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras – Cenpes, criado em 1967, exerceu a função primordial em planejar, coordenar e gerenciar as atividades, potencializando a assimilação de tecnologia estrangeira. O processo que se iniciava com a produção em território nacional de bens de capital e full disclosure dos conhecimentos técnicos era, então, conscientemente impulsionado pelo Cenpes para alcançar a segunda fase158 no processo de capacitação tecnológica típica de países em processo de desenvolvimento: a imitação (Figura 3.1). Nessa etapa, a estrutura macrojurídica entre a empresa estatal e os agentes privados foi primordial para a conclusão do processo de transferência de tecnologia. A Petrobras, representando a haste estatal, obteve o conhecimento técnico através das joint ventures e as empresas privadas de engenharia consultiva e de montagem industrial reproduziram as plantas

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Ibid., p. 120. Ibid., p. 125. 158 A terceira e a quarta fase do processo de capacitação tecnológica, a adaptação e a inovação, ainda não eram aplicados na indústria petroquímica. Esses foram ativados quando a Petrobras voltou seus investimentos para as atividades de exploração e produção offshore. 157

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industriais para que a fabricação dos bens de capital fosse internalizada pela burguesia nacional159.

Figura 3.1 Petrobras – Processo de capacitação tecnológica (1ª e 2ª fases)

Com base no desenho institucional das joint ventures, o modelo da tríplice aliança foi replicado em diversas linhas de produção que forneciam diferentes produtos derivados do processo petroquímico. A prova da disseminação desse arranjo institucional é aparente quando constatada a abrangência que a indústria petroquímica nacional atingiu, utilizando-se da mesma forma associativa: capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro (Figura 3.2). Logo, percebe-se que as políticas públicas estabelecidas nos planejamentos econômicos, de fato, orientaram a atuação da Petrobras. O fortalecimento do capital nacional e a transferência de tecnologia eram metas que a Petrobras levou a cabo em suas atividades produtivas.

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Sobre o tema, veja o estudo de caso comparado que Annibal Villanova Villela desenvolveu entre os sistemas Siderbras, Eletrobras, Petrobras e Telebrás. Com o objetivo de analisar a política de transferência de tecnologia que foi praticada na esfera da indústria petroquímica, o autor identifica, além da participação da empresa estatal, o ativo envolvimento das empresas de engenharia consultiva e as empresas de montagem industrial. VILLELA, Annibal Villanova. Empresas do governo como instrumento de política econômica: os sistemas Siderbras, Eletrobras, Petrobras e Telebrás. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1984, p. 97-99.

86

Figura 3.2 Sistema Petrobras

Fonte: CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal (1999, p. 101).

87

Todavia, observa-se que o alcance do objetivo macroeconômico não inviabilizou o objetivo microeconômico da empresa estatal: a rentabilidade financeira. A Petrobras, através da alternativa jurídico-institucional da tríplice aliança na composição associativa, reduziu a dependência de créditos externos nos investimentos, os quais financiavam a importação de bens de capital160. Esses endividamentos foram substituídos pela função do capital estrangeiro. Com isso, o arranjo institucional garantiu uma relativa autonomia financeira à Petrobras, fundamental para a manutenção da eficiência econômica. Conclui-se, portanto, que no fomento das atividades petroquímicas, a concretização das políticas públicas não suplantou a rentabilidade financeira, permanecendo a empresa estatal com a capacidade de autofinanciar seus investimentos.

2.2. A intensificação dos programas de exploração em plataformas submarinas para substituir a importação do petróleo cru

No início da década de 1970, os cenários econômicos nacional e internacional apresentaram mudanças bruscas e abruptas. No palco internacional, em 1973, a primeira crise do petróleo entrou em cena. Os membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – Opep161 – orquestraram uma escalada vertiginosa dos preços do barril de petróleo, passando de um patamar de 2,66 dólares o barril, em setembro de 1973, para 11,65 dólares, em dezembro do mesmo ano162. Ainda na mesma década, não obstante o aumento em mais de

160

Como exemplo, o esquema de financiamento do polo petroquímico do nordeste teve apenas 16,7% de recursos de financiamento externo. Quando comparado com a indústria siderúrgica, os investimentos externos foram da ordem de 48%. Essa dependência é, em boa parte, justificada pela importação de bens de capital. Enquanto a indústria petroquímica importava 50% dos bens de capital, a indústria siderúrgica importava 75%. Dados extraídos de CONTRERAS, 1994, p. 122. 161 A Opep, fundada em 1960 em Bagdá, foi constituída com a finalidade de fortalecer os países com grandes reservas de petróleo frente às gigantes multinacionais exploradoras de petróleo, as International Oil Companies (IOCs), incorporadas nos Estados Unidos, na Inglaterra e nos Países Baixos. No ano de sua constituição, a Opep era composta por cinco países: Venezuela, Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait. Em 1973, ano da primeira crise do petróleo, já haviam se juntado à Opep mais sete países: Argélia, Líbia, Nigéria, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Indonésia e Equador. 162 Sobre a articulação dos membros da Opep para a elevação do preço do barril de petróleo, o que ensejou na primeira crise do petróleo, veja GOMES, Marcos. “Petrobras: uma “oitava irmã” do petróleo?”. Em KUCINSKI, Bernardo. Petróleo: contratos de risco e dependência – ensaios e reportagens. São Paulo: Brasiliense, 1977. Com outro recorte de pesquisa para a análise da primeira crise do petróleo, Jorge Antonio Pedroso Júnior faz a relação da elevação dos preços com o papel desempenhado pelas National Oil Companies (NOCs). PEDROSO JÚNIOR, Jorge Antonio. A atuação transnacional das National Oil Companies. In:

88

300%, um segundo súbito aumento nos preços do barril do petróleo ocorreu, dessa vez, em decorrência da Revolução Iraniana. O valor, então, atingiu o robusto patamar de 32,00 dólares, fato que ficou conhecido como a segunda crise do petróleo. Nos limites territoriais brasileiros, os efeitos foram drásticos já a partir da primeira crise do petróleo. Desde a constituição da Petrobras, a empresa estatal sempre se beneficiou dos baixos preços do petróleo no comércio internacional. Esse contexto econômico fundamentou os objetivos macroeconômicos voltados ao setor petrolífero durante duas décadas. Na primeira década, priorizou-se a indústria de refino e, na segunda década, foi a vez da indústria petroquímica. O ensejo desses objetivos normatizados pelo direito foram os pífios resultados nas atividades de exploração e produção apresentados pela Petrobras. Em 1972, o Brasil só produziu o equivalente a 27,9% da demanda nacional163. No mesmo ano, a proporção dos investimentos da Petrobras aplicada nas fases de exploração e produção era de apenas 30%164. O evento incidental da primeira crise do petróleo, de imediato, gerou pressões inflacionárias e desequilíbrio considerável da balança de pagamento brasileiro, impelindo o governo a uma ação imediata. Se a abundância das reservas de petróleo, preditas por Monteiro Lobato antes mesmo de suas descobertas, existia, mas abaixo de ingratas lâminas de água de custoso acesso, era lá que a Petrobras deveria se focar. E, dessa forma, o governo deixou claro no planejamento econômico. O II PND, publicado para vigorar entre os anos de 1974 a 1979, estabeleceu expressamente como diretiva a intensificação dos programas de pesquisa, prospecção e exploração das possibilidades da plataforma submarina165. Com esse objetivo posto, o governo pretendia a mais rápida substituição de importação do petróleo bruto diante da patente dependência do mercado nacional às importações. Para isso, montou dois arranjos institucionais para alcançar o mesmo fim, ambos envolvendo a Petrobras como ferramenta de

RIBEIRO, Marilda Rosado de Sá (Org.). Novos rumos do direito do Petróleo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 415. 163 Dado extraído do trabalho de DIAS; QUAGLINO, op. cit. 164 Dado extraído do trabalho de CONTRERAS, 1994, p. 96. 165 Carlos Lessa, em estudo sobre o PND, destaca como diretiva do Estado “a intensificação dos programas de pesquisa, prospecção e exploração das possibilidades da plataforma submarina”. LESSA, Carlos. A estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso. Rio de Janeiro: UFRJ, 1978. Tese apresentada para concurso

89

intervenção: (i) a exploração a partir da adoção de contratos de risco; e (ii) a exploração e a produção de petróleo desempenhadas diretamente pela empresa estatal. Os contratos de prestação de serviço com cláusula de risco – contratos de risco – foram adotados no Brasil mediante autorização do então Presidente Ernesto Geisel 166. Eles correspondiam a um instrumento jurídico pelo qual uma empresa internacional de petróleo ou uma empresa privada brasileira se obrigava a prestar serviço técnicos e financeiros à Petrobras, sendo remunerada pelos serviços realizados de acordo com condições preestabelecidas167. Nestas, a Petrobras assumiu a função de fiscalizar o cumprimento das condições contratuais e a outra parte da relação, a contratante, assumiu o risco de todas as operações de exploração e prospecção do petróleo. Ou seja, caso as perfurações fadassem ao insucesso, os custos correriam a expensas da empresa contratante168. Nada obstante as críticas ao contrato de risco169, nenhum dos contratos celebrados ensejaram sequer na descoberta de petróleo, efetivamente170. Por essa razão, análises mais amplas sobre esse arranjo institucional são dispensáveis neste trabalho.

de professor titular – Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, p. 119. 166 Na noite de 9 de outubro de 1975, o presidente Ernesto Geisel anunciou, por cadeia de rádio e televisão, a decisão do governo de permitir a exploração de petróleo por empresas estrangeiras. O presidente esclareceu que “a análise meticulosa a que procedemos, inclusive debatendo o assunto com a Petrobras no âmbito da CDE e, hoje, de todo o Ministério, e levando em conta minha experiência pessoal como presidente da empresa, levounos a convicção de que o governo deve autorizar a Petrobras, sem quebra do regime de monopólio, a realizar contratos de serviço com cláusulas de risco por conta da empresa executora, em áreas previamente selecionadas”. E continuou sobre o mesmo tema: “A medida será posta em prática com base na experiência dos contratos já celebrados pela Petrobras no exterior, garantindo-se o princípio essencial do monopólio e definindose condições, níveis e prazos rigorosos para os investimentos a serem realizados, sempre sob o controle da Petrobras”. Para acessar o pronunciamento do presidente na íntegra, veja KUCINSKI, Bernardo. Petróleo: contratos de risco e dependência – ensaios e reportagens. São Paulo: Brasiliense, 1977, p. 201-212. 167 Detalhes sobre a natureza jurídica do contrato de risco, veja RIBEIRO, 2003, p. 303-307. 168 O modelo padrão do contrato de risco, adotado pela Petrobras, deixa explícito quais os riscos assumidos pela contratante, a área de exploração e o prazo para executar a prospecção. Para ver o modelo do contrato, na íntegra, veja KUCINSKI, op. cit., p. 219-248. 169 A crítica mais relevante sobre os contratos de risco alegava a sua incompatibilidade com ordenamento jurídico pátrio. Tendo em vista que a Lei nº 2.004/1953 concedeu o exercício do monopólio da União de exploração e produção de petróleo à Petrobras, não poderia a empresa estatal transferir esta atribuição a uma terceira pessoa jurídica. Para ser legitimo o contrato de risco, a Lei nº 2.004/1953 deveria ser alterada, o que não foi. Sobre esta crítica, veja RIBEIRO, 2003, p. 303-307. 170 Gilberto Carvalho indica duas causas para o insucesso dos contratos de risco. Na primeira, alega que as condições contratuais desencorajaram elevados investimentos das empresas contratantes, tendo em vista que arcariam com os custos do fracasso. Na segunda, a Petrobras, como agente responsável por controlar o contrato, concedeu apenas áreas com baixas chances de encontrar petróleo. Veja CARVALHO, op. cit., p. 194-195.

90

Além dos contratos de risco, o objetivo macroeconômico de investir na exploração e produção de petróleo em águas profundas também recaiu na esfera de obrigações da Petrobras. Constituída com a finalidade de exercer exclusivamente o monopólio das atividades de pesquisa e lavra, a empresa estatal ultrapassou seus vinte primeiros anos se dedicando ao setor downstream da indústria petrolífera. Com a imposição do II PND, a Petrobras foi requisitada a desbravar o upstream, sendo exigido que esta empenhasse suas atividades sobre as plataformas continentais. Neste sentido, a Petrobras, que já havia encontrado indícios da existência de petróleo na Bacia de Campos, intensificou as perfurações nesta região. Como resultado, em 1974, anunciou a confirmação de uma vasta reserva de petróleo depositada embaixo de uma lâmina de água de 100 metros, chamando-a de Campo de Garoupa. Muito embora tenha se descoberto mais reservas de petróleo na Bacia de Campos171, a profundidade em que o petróleo foi encontrado apresentava um grande desafio para a Petrobras. Nesse período, a produção e exploração de petróleo em águas profundas era uma atividade ainda incipiente na indústria petrolífera. Todas às empresas petrolíferas estavam na mesma condição, fossem elas NOCs ou IOCs, desbravando pioneiramente os mares com a oportunidade oferecida pelo aumento do preço do barril de petróleo. Além da quase inexistência de avanços tecnológicos nesse setor, as peculiaridades das correntes marítimas de região para região exigiam o uso de uma tecnologia mais adaptada às condições locais. Diante dessas barreiras técnico-produtivas, foi imprescindível à Petrobras a execução de um programa de capacitação tecnológica que fosse além das fases atingidas na indústria Petroquímica. Não bastava a imitação da tecnologia importada, deveria a capacitação tecnológica alcançar as fases da adaptação e até mesmo da inovação (Figura 3.3). Com isso, a Petrobras avançou na concretização da política pública definida nos planejamentos econômicos: a capacitação tecnológica.

171

Depois da descoberta de Garoupa, ainda se seguiram outras descobertas na Bacia de Campos. De 1974 a 1975, já se somava seis reservatórios: Tainha, Pargo, Garoupinha, Agulha, Bagre e Badejo e Namorado. Veja CARDOSO, Luiz Cláudio, op. cit., p. 30.

91

Figura 3.3 Petrobras – Processo de Capacitação Tecnológica (3ª e 4ª Fases)

Para consolidar um programa de capacitação tecnológica que abrangesse a terceira e a quarta fases, firmou-se um arranjo institucional que abrangeu agentes estatais e agentes privados: a Petrobras, a Braspetro, Instituições de Ensino e Pesquisa, empresas de engenharia consultiva e indústrias de bens de capital. A Braspetro – Petrobras Internacional – S.A., empresa subsidiária à Petrobras criada com a finalidade de atuar na exploração e produção de petróleo em reservas estrangeiras, teve sua estratégia de investimento modificada. Nas atividades internacionais, a Braspetro, através da associação por joint venture, financiou operações exploratórias offshore que lhe permitiu o acesso ao conhecimento técnico-científico do projeto de engenharia172. Desse ponto inicial, o Cenpes - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras procedeu com a fase da adaptação. As informações obtidas a partir do full disclosure dos projetos de engenharia obtidos pela Braspetro eram, então, imprescindíveis para adaptar os bens de capital importados às condições locais de produção através de um processo de

172

Sobre a estratégia da Braspetro, veja de CONTRERAS, 1994.

92

inovações incrementais173 e implantados por empresas de engenharia consultiva e indústrias de bens de capital. Nessa fase, a política de compras da Petrobras, operada pelo Sermat, já tinha abandonado a diretriz nacionalista, associada ao ciclo de substituição de importação da década de 1950 e início de 1960. Em seu lugar, a política de compras passou a ser orientada pelo critério de adequação tecnológica. Ou seja, a Petrobras induziu os fornecedores internos a desenvolver produtos tecnológicos adaptados às idiossincrasias da exploração e produção nacional, mas não vinculou as aquisições a nenhum critério de reserva nacional. As indústrias e as empresas de engenharia nacionais e internacionais concorreram como iguais, valendo como único critério a adequação tecnológica174. Essa iniciativa que envolveu a Petrobras, a Braspetro e a agentes privados – fossem estes nacionais ou estrangeiros – foi imprescindível para que, em 1981, a produção nacional de petróleo offshore iniciasse uma escalada positiva (Tabela 3.1).

Tabela 3.1 Participação relativa da produção nacional no consumo doméstico de petróleo (%) Ano

Participação

Ano

Participação

1972

27,90

1979

14,31

1973

21,56

1980

17,38

1974

21,75

1981

20,52

1975

20,32

1982

25,56

1976

17,50

1983

31,31

1977

16,28

1984

41,92

1978

15,27

1985

50,64

Esse processo de capacitação tecnológica, iniciado a partir da transferência do conhecimento técnico e adaptação, resultou no lançamento do maior programa de inovação da

173

Sobre a evolução dos processos de adaptação e inovação tecnológica, veja ORTIZ NETO, José Benedito; COSTA, Armando João Dallas. A Petrobras e a Exploração Offshore no Brasil: um approach evolucionário. RBE, V. 61, nº 1, 2007, p. 95-109. 174 CONTRERAS, 1994, p. 192-193.

93

indústria petrolífera de exploração e produção em águas profundas pela Petrobras: o Procap – Programa de Capacitação Tecnológica em Sistema de Exploração em Águas Profundas. Para alcançar a fase da inovação no processo de capacitação tecnológica, a empresa estatal constituiu o Procap, formado por aproximadamente cinqüenta agentes nacionais e trinta agentes internacionais175. Juntos, eles foram responsáveis pela implementação da quarta fase do Processo Capacitação Tecnológica. A meta inicial do PROCAP determinava o desenvolvimento de tecnologia para a produção em águas profundas de até 1.000 metros176, espessura em que jamais havia sido produzido. Os esforços da Petrobras para a capacitação tecnológica resultou primeiramente no aumento substancial da produção interna do óleo cru, chegando a suprir 50% da demanda interna no ano de 1985. Somada ao crescimento da oferta, as atividades destinadas à capacitação tecnológica renderam a Petrobras, em 1991177, a conquista do prêmio OTC Distinguished Achievement Award, conferida na Offshore Technology Conference para a empresa que mais contribuiu para o desenvolvimento tecnológico offshore. Considerando que a atuação da Petrobras na década de 1970 e 1980 decorreu de orientações previamente estabelecidas nos planejamentos econômicos – fomento da

175

No ano de 1989, os membros do Procap correspondiam entre agentes nacionais e internacionais. Entre os agentes nacionais, haviam doze centros de Ciência e Tecnologia - Coope/UFRJ, CTA, FBTS, IBGR, IPT, PUC, UERJ, UFRGS, UFSCar, UNICAMP, Universidade de Caxias do Sul e USP-; dez empresas de engenharia - A. Araújo, Dyna, Ductor, Geomecânica, Geomap, GGG, Mc Detmott, Norberto Odebrecht, Sondotécnica e Themag -; vinte e sete indústrias - Altona, Brascorda, Brasflex, Brasoldas, CBV, Cia. Massa Vetco, Ciba Geigy do Brasil, Cobafi, Cobrasma, Composite, Conage, Confab, Consub, Cosipa, Dow Química, Ficap, Honeywell, Hughes, Jaraguá, Nova Tração, Nuclep, Sist. Controle Soldas, Sodepro, Usimec, Usiminas, Villares e White Martins -; e ainda a Marinha do Brasil. Entre as instituições internacionais, haviam cinco centros de Ciência e Tecnologia – Corelab (EUA), Sintef (Noruega), Univ. de Pittsburgh (EUA), Univ. de Tulsa e Welding Institute (Inglaterra); dezesseis empresas de engenharia – Amoco/Ucla (EUA), Brasnor (Noruega), Canocean (Canadá), C.G. Dóris (França), ETPM-SOFRESID-GMH (França), Flúor/GVA (EUA/Suécia), Hudson Engineering Co (EUA), Imodco (EUA), Marine Contractor Serv. Inc. (EUA), Maurer Engineering (EUA), MER Engineering (EUA), PMB (EUA), SBM (Mônaco), Seaflo (EUA), Underwater Engineering Group (Inglaterra) e Weir Pumps (Escócia) –; quatro indústrias – Coflexip (França), Du Pont (EUA), GVA (Suécia) e Vetco Gray (EUA) -; e ainda duas operadoras – Marathon (EUA) e Shell (EUA). Dados extraídos dos anexos da obra ALVEAL CONTRERAS, 1994, p. anexos. 176 No PROCAP, a Petrobras adotou quatro diferentes formas de contratação com outros agentes privados para promover a transferência, adaptação e inovação de tecnologia. Foram estas: (i) 29 participações em projetos multiclientes; (ii) 22 acordos de cooperação tecnológica; (iii) 10 programas de transferência tecnológica; e (iv) 6 programas de estágio no exterior. Sobre os modelos de contratação utilizados pela Petrobras no âmbito do PROCAP 1000, veja FREITAS, Adriana Gomes; FURTADO, André Tosi. Nacionalismo e Aprendizagem no Programa de Águas Profundas da Petrobras. Revista Brasileira de Inovação, V. 3, nº 1, janeiro/junho 2004, p. 75-76. 177 ORTIZ NETO; COSTA, op. cit., p. 103.

94

exploração e produção offshore e a capacitação tecnológica –, pode-se dizer que os objetivos macroeconômicos fizeram parte do arranjo institucional da empresa estatal. Contudo, vale salientar que, apesar dos objetivos macroeconômicos, a rentabilidade financeira da empresa estatal não foi comprometida. A concepção de que o arranjo institucional deveria perseguir políticas públicas sem ignorar o objetivo microeconômico da Petrobras esteve patente no discurso do Presidente Ernesto Geisel, em julho de 1974:

A Petrobrás deve conduzir-se segundo os modelos da empresa privada, principalmente os de suas congêneres, propiciando lucros que remuneram os capitais dos acionistas [...] A Auto-suficiência na produção nacional de petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão básica da [...] porque pode exigir custos demasiadamente onerosos [...]. Se é difícil obter esta auto-suficiência, mas difícil ainda é mantê-la, dada a explosiva expansão do mercado de consumo, de um lado, e 178

a inexorável exaustão das jazidas do outro [...]

.

Para viabilizar economicamente as custosas e arriscadas atividades de explorações, desenvolvimento e produção, além do decreto-lei nº 61/1966, o II PND assegurou que os preços dos produtos derivados do refino seriam elevados com a finalidade de financiar tais investimentos da Petrobras179,180. Esta orientação do planejamento econômico se sustentou durante todo o regime militar, inclusive na década de 1980, período em que a política da verdade dos preços não mais existia. Ou seja, mesmo em tempos que a política antiinflacionária desencadeou na criação da SEST – Secretaria de Controle das Empresas Estatais –, foi garantido à Petrobras duas alternativas para a manutenção dos objetivos microeconômicos. Foram esses: a política de subsídios cruzados dos preços de derivados de petróleo e a venda da participação acionária da Petroquisa em empresa coligadas.

178

Discurso citado em GOMES, Marcos, op. cit., p. 99. A diretiva do Estado de aumentar os preços dos refinados foi identificada por Carlos Lessa, em estudo de caso sobre o II PND. LESSA, Carlos, op. cit. p. 119. 180 Observa-se que, diferentemente do desenvolvimento da indústria petroquímica, a empresa estatal não poderia beneficiar-se de arranjos institucionais semelhantes à tríplice aliança para fomentar a exploração e a produção. A interpretação restritiva da concepção de monopólio, estabelecida pela Lei no 2.004, obstava à adoção de joint ventures nas atividades de exploração e produção, muito embora essa figura jurídica já fosse amplamente empregada no comércio internacional de petróleo como Joint Operating Agreements (JOAs). Sobre o tema, veja RIBEIRO, 2003. 179

95

A política de subsídio cruzado consistia na demarcação dos preços dos produtos por um sistema de compensação de underpricing (preço abaixo comparados aos custos de produção) por overpricing (preços excessivos comparados aos custos de produção), ensejando em um saldo positivo, suficiente para financiar os investimentos da Petrobras. Determinados derivados do refino eram subsidiados, a exemplo do diesel, do GLP e do óleo de combustível, à custa de um elevado preço pago na comercialização de outros produtos, como a Gasolina181. Além da margem de lucro sobre os preços dos derivados do refina, a Petroquisa, subsidiária da Petrobras, vendeu participações acionárias em empresas controladas para os acionistas que representavam o capital privado nacional no tripé petroquímico. Essas medidas foram, enfim, fundamentais para que a manutenção da sustentabilidade financeira da Petrobras se assemelhasse com uma empresa privada. Assim, a receita operacional equivaleu a 90% dos recursos totais de 1980 a 1986 (tabela 3.2)182.

Tabela 3.2 Petrobras – Posição Relativa no SPE 1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

DISPÊNDIOS TOTAIS

38,0

39,0

40,0

44,8

41,1

37,1

33,0

Investimentos

31,8

25,1

30,7

32,1

28,2

29,5

33

Amortizações

5,4

7,1

9,9

10,8

12,1

10,2

7,1

Pessoal e Encargos

19,5

21,9

22,0

22,5

22,5

23,8

23,8

Encargos Financeiros

8,0

6,4

9,2

14,4

6,8

7,2

5,7

Outros Custeios

59,6

62,9

61,2

66,3

63,1

59,0

52,0

Operacional

52,2

56,0

56,4

60,2

58,2

52,7

47,8

Recursos do Tesouro

3,1

2,2

0,6

0,7

0,1

0,1

0,4

Operações de Créditos

6,5

7,7

10,5

10,3

2,4

1,2

2,8

RECEITAS

181

Edelmira del Carmen Alveal Cantreras faz uma analise do sistema de peso e contrapeso da política de subsídio cruzado. Para ela, ocorreu com base no underpricing do Diesel, GLP, óleo combustível e Naftas e no overpricing da gasolina, querosene e querosene de aviação. Neste sistema, a gasolina exercia um contrapeso significativo aos derivados subsidiados. Veja em CONTRERAS, 1994, p. 155. 182 Dados e tabela extraídos de CONTRERAS, 1994, p. 167.

96

3. CONSIDERAÇÕES

FINAIS: A CONCOMITANTE ATUAÇÃO DA FACE ESTATAL E DA FACE

EMPRESARIAL

Concomitante

aos

anos

de

regime

militar,

reformas

institucionais

foram

implementadas para reestruturar o modus operandi da relação Estado e mercado. Primeiramente, a necessidade de fortalecer a haste fraca da tríplice aliança – o capital nacional – exigiu uma maior participação do capital estatal no financiamento das empresas privadas. Paralelamente, as empresas estatais que cresceram na década de 1950 com base nas receitas públicas foram incentivadas a adquirir uma atuação idêntica às empresas privadas, buscando a rentabilidade de seus investimentos para garantir seu autofinanciamento. Salienta-se, todavia, que o Estado continuou promulgando planejamentos econômicos que estabeleceram metas a serem cumpridas pelas empresas estatais. Isso significa que o arranjo institucional vigente durante o Período Militar impôs às empresas estatais um comportamento dual: ao mesmo tempo em que deveriam buscar a rentabilidade para manter autofinanciando seus investimentos, tinham a obrigação jurídica de concretizar políticas públicas juridicamente determinadas nos planejamentos econômicos. Após a descrição da estrutura macro e microjurídica da Petrobras, as evidências sobre a adaptação da empresa estatal ao arranjo institucional predominante durante o Período Militar podem ser ressaltadas. Primeiramente, a estrutura macrojurídica da Petrobras foi reformada para que a empresa estatal tivesse uma atuação em condições idênticas às empresas privadas. Neste sentido, normas jurídicas foram alteradas para proporcionar autonomia de gestão e autonomia financeira para a empresa estatal. O controle administrativo passou para o Ministério de Minas e Energia e os preços dos derivados do petróleo começaram a se basear nos custos operacionais e nas necessidades de investimentos da Petrobras. Com isso, a rentabilidade financeira foi inserida na esfera de objetivos, permitindo a empresa colocar em prática seu próprio plano crescimento com a criação de subsidiárias atuantes em setores não monopolizados. Todavia,

normas

e

planejamento

econômicos

continuaram

a

orientar

o

desenvolvimento econômico nacional, incluindo a Petrobras como instrumento jurídico para a promoção deste desenvolvimento. A empresa estatal assumiu a obrigação de fomentar a 97

indústria petroquímica em parceria com empresas privadas; a reverter uma parcela significativa de seus investimentos para as fases de exploração e produção; e promover a capacitação tecnológica. Com isso, as políticas públicas juridicamente determinadas prosseguiram sendo editadas que vinculava parte da atuação da Petrobras. Diante deste cenário, é possível concluir que a estrutura macrojurídica da Petrobras durante o governo militar requisitou uma atuação bifronte da empresa estatal. Ao mesmo tempo em que a Petrobras deveria preocupar-se com a eficiência econômica de suas atividades – a face empresarial, também estava atrelada ao cumprimento das metas estabelecidas pelos planos de desenvolvimento – a face estatal. A empresa estatal do setor petrolífero, então, absorveu a árdua tarefa de conciliar os objetivos macroeconômicos dos planejamentos econômicos com os objetivos microeconômicos estabelecidos pelo decreto-lei no 200/1967. Apesar das mudanças na estrutura macrojurídica Petrobras, quando observado apenas a sua estrutura microjurídica, percebe-se que a mesma permaneceu praticamente inalterada nesta segunda fase. Os membros da Diretoria Executiva e o Conselho de Administração continuaram a ser indicados pelo Presidente da República e 85% das ações ordinárias persistiram como propriedade da União, mesmo diante de pequenas mudanças pontuais na tentativa de atrair o capital privado. Essa constatação leva o presente trabalho a concluir que as mudanças acomodaram a Petrobras em uma nova relação institucional do Estado e mercado decorreram sobremaneira de mudanças na estrutura macrojurídicas da empresa estatal. Ou seja, para inserir o objetivo da rentabilidade financeira a Petrobras, não foi necessária aumentar a participação do capital privado, sendo suficiente a concessão das condições necessárias para tal.

98

4. A FACE EMPRESARIAL: A PERSISTENTE DINÂMICA DA PETROBRAS À REFORMA DO ESTADO

INTRODUÇÃO

Na década de 1980, uma crise fiscal sem precedentes lançou o Brasil em um longo período recessivo. O cenário macroeconômico era de plena estagnação: elevado deficit público, diminuição nas exportações, redução do produto interno bruto e uma inflação que ultrapassou os 1.500% em 1990. Decorrente das perspectivas negativas, no início dos anos 1990, a correlação de forças que sustentou o Estado desenvolvimentista foi enfraquecida e uma nova correlação de forças despontou. Influenciada pela concepção teórica neoutilitarista, a coalizão dominante logo apontou a intervenção do Estado como a principal causa do caos econômico-financeiro nacional, iniciando uma abrangente Reforma do Estado para alterar bruscamente a relação Estado e mercado. Para essa, a intervenção estatal direta em setores de produção de bens e serviços para o mercado era ineficiente quando comparada à empresa privada, considerada naturalmente mais eficiente por sua função de ser competitiva e de ter lucros. Apesar da prevalência da concepção neoutilitarista, a Petrobras persistiu no arranjo institucional brasileiro atuando no setor produtivo como empresa estatal. Mesmo diante de privatizações de gigantes empresas estatais como a Companhia Vale do Rio Doce, foi mantida a obrigação jurídica de a União continuar como acionista controladora da companhia. Contudo, a Reforma do Estado, na segunda metade da década de 1990, alterou sobremaneira as estruturas micro e macrojurídicas da Petrobras para que esta, embora permanecesse estatal, tivesse as mesmas funções inerentes a uma empresa privada: ser competitiva e ter lucro. Com isso, os objetivos microeconômicos passaram a predominar no arranjo institucional da Petrobras. Com o intuito de identificar as modificações no arranjo institucional que interferiram na Petrobras durante a fase neoutilitarista do Estado brasileiro, o presente capítulo está dividido em três partes. A primeira (i) analisará os Programas Nacionais de Desestatização e a 99

não inclusão da Petrobras como empresa estatal. A segunda (ii) observará as mudanças na estrutura microjurídica da Petrobras geradas pela ampla Reforma do Estado, promovida no governo Fernando Henrique Cardoso. A terceira, por sua vez, (iii) focará as mudanças na estrutura macrojurídica ocorridas durante o mesmo período.

1. A PETROBRAS E OS PLANOS NACIONAIS DE DESESTATIZAÇÃO

A Constituição Federal de 1988 representou o último suspiro do modelo de Estado desenvolvimentista, especialmente no setor petrolífero. Apesar da crise fiscal, a Assembleia Nacional Constituinte optou por manter o monopólio da União sobre as atividades de pesquisa, lavra, refinação, exportação, importação e transporte marítimo ou por meio de condutos de petróleo bruto ou de derivados básicos de petróleo (art. 177, I ao IV). Anteriormente, o monopólio era previsto apenas em normas infraconstitucionais183. Além disto, o constituinte ainda vetou a União de ceder ou conceder qualquer tipo de participação na exploração de jazida de petróleo ou gás natural (art. 177, §1º). Garantiu, assim, que a exploração e produção seriam exercidas apenas por agentes públicos. Muito embora a norma constitucional tenha reiterado os dispositivos da Lei nº 2.004/1953, dando sinais de continuidade da estratégia estatal e desenvolvimentista no setor petrolífero, não durou muito para que a estrutura macrojurídica da Petrobras fosse alvejada pela correlação de forças que então se formou na década de 1990. A posição ideológica dominante neoutilitarista começou a promover mudanças no arranjo institucional da Petrobras com o intuito de adaptá-la à alteração da relação Estado e mercado ocorrida durante o mesmo período. A primeira das mudanças decorreu do primeiro I PND – Programa nacional de desestatização, inscrito na Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990. O I PND, promulgado no governo Fernando Collor de Mello (1990-1992) e mantido durante o governo Itamar Franco (1992-1995), tinha como principal objetivo o saneamento das finanças públicas, devido um elevado deficit público acumulado nos anos anteriores, e a reordenação da relação Estado e

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mercado para devolver à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público (art. 1º, I e II). Observando as finalidades da norma, a comissão diretora do I PND184 incluiu ao programa de desestatização empresas que faziam parte do conglomerado que a Petrobras operava como holding, chamado também de Sistema Petrobras. Algumas empresas subsidiárias foram extintas. Essas foram os casos da Petromisa, empresa com atuação nas áreas de pesquisa de potássio e enxofre, e da Interbras, trading companing. Outra subsidiária foi praticamente esvaziada de suas atribuições. Esse foi o caso da Petrófertil, produtora de insumos básicos para a agricultura, que teve as ações de sua principal empresa controlada – Nitrofertil – transferida para a Petrobras no final de 1994. Além das extinções e esvaziamentos, o I PND ainda privatizou empresas em que a Petroquisa – atuante na indústria petroquímica – tinha participação majoritária nas ações ordinárias, mantendo-a apenas nas empresas em que já era minoritária185. O resultado do I PND para a Petrobras foi uma brusca redução do tamanho do seu conglomerado. Contudo, a Petrobras, em si, se manteve como uma empresa estatal por opção do próprio poder legislativo. De acordo com a Lei nº 8.031/1990, as ações representativas do capital social da União na Petrobras continuariam a reger-se pelo disposto no art. 11 da Lei nº 2004/1953 (art. 3º). Esse artigo trata exatamente da impossibilidade da União de deter menos de 51% das ações com direito a voto. Com isso, a comissão diretora não poderia tornar a Petrobras uma empresa privada, alienando o controle acionário da União. Apesar da reestruturação do sistema Petrobras pelo I PND, as relevantes alterações à estrutura macrojurídica da empresa estatal derivaram claramente das alterações institucionais inspiradas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, publicado durante o governo de Fernando Henrique pelo recém-criado Ministério da reforma do Estado. Este documento, muito embora sem valor legal, sintetizou o pensamento neoutilitarista dominante, exercendo

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A Lei no 2.004/1953 previu o monopólio nas fases de pesquisa, lavra, refino e transporte marítimo ou por meio de condutos. Por sua vez, o monopólio de importação e exportação de petróleo foi estipulado no Decreto no 53.337/1963. 184 O I PND, aprovado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, previu a criação de uma comissão diretora responsável por propor ao presidente da República a inclusão de empresas no programa de desestatização. 185 Sobre as empresas privatizadas do sistema Petrobras, veja PINHEIRO; GIAMBIAGI, op. cit., 2000; ALMEIDA, op. cit.

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uma patente influência sobre o conjunto de reformas institucionais que alteraram a relação Estado e mercado, conhecidas, por essa razão, como Reforma do Estado. O Plano de Reforma, tratando sobre a organização do Estado, identificou quatro setores de atuação do ente público e, um deles, era o setor de produção de bens e serviços para o mercado. Correspondendo às atividades econômicas voltadas para o lucro que permaneciam no aparelho do Estado, o plano sugeriu que as empresas estatais que atuassem em setores produtivos e que não fossem monopólios naturais deveriam ser privatizadas186. Esta sugestão se justificava pela ideia de que o controle estatal submeteria a operação das empresas aos critérios políticos muitas vezes inaceitáveis e a confundir a função da empresa, que é ser competitiva e ter lucros187. As atividades desenvolvidas pela Petrobras – exploração e produção de petróleo, refinação, indústria petroquímica, transporte e distribuição188 – não eram monopólios naturais, fazendo a empresa estatal parte do setor de produção de bens e serviços. Sendo assim, é incontestável que, dentro da racionalidade do Plano de Reforma do Estado, a Petrobras deveria ser privatizada189. Todavia, isto não ocorreu. Mesmo com a revogação do I PND no governo de Fernando Henrique Cardoso, o II PND, instituído pela Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, reiterou o dispositivo sobre a manutenção da União como acionista controladora da Petrobras (art. 2º, § 2º). Tal alternativa institucional impediu o conselho nacional de desestatização – órgão que substituiu a comissão diretora – de recomendar a alienação de 51% das ações ordinárias da Petrobras. Nesse sentido, a Petrobras persistiu no arranjo institucional brasileiro como empresa estatal, atuando em atividades produtivas monopolizadas e não monopolizadas pela União.

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BRASIL, 1995, p. 41-42. O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira foi o Ministro da Reforma do Estado durante o primeiro mandato presidencial Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Fazendo parte da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o economista publicou um livro intitulado Reforma do Estado para a Cidadania, no qual elabora teoricamente as proposições do Plano de Reforma. Veja BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 98. 188 Das atividades desenvolvidas pela Petrobras, a única que tinha características de um monopólio natural era o transporte por meio de conduto de petróleo bruto, seus derivados e gás natural. Essa atividade, vale salientar, tinha uma pequena relevância dentre outros investimentos realizados pela empresa estatal. 187

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Tal persistência, entretanto, foi acompanhada de reformas nas estruturas macro e microjurídicas da empresa estatal empenhadas em proporcionar à empresa estatal as mesmas funções de uma empresa privada: ser competitiva e economicamente eficiente.

2. A

ESTRUTURA MICROJURÍDICA: A REVOGAÇÃO DA LEI Nº

2.004/1953

E A GOVERNANÇA

CORPORATIVA

As principais mudanças na estrutura microjurídica da Petrobras ocorreram a partir da promulgação da Lei no 9.478, de 6 agosto de 1997, convencionalmente chamada de Lei do Petróleo. Nesse texto normativo, uma clara opção foi feita: revogam-se as disposições em contrário, inclusive a Lei nº 2.004/1953 (art. 83). Ou seja, foram revogados não apenas os artigos da Lei nº 2.004/1953 que eram conflitantes com a Lei do Petróleo, mas a lei por completo. Nisso, incluiu os artigos que limitavam a estrutura microjurídica da Petrobras: (i) a composição do Conselho de Administração; (ii) a diretoria; e (iii) a estrutura de propriedade. Inexistindo as restrições legais, o estatuto social da sociedade de economia mista pode assemelhar-se aos estatutos sociais de uma sociedade anônima privada. Quanto à estrutura de propriedade, a Lei nº 9.478/1997 ratificou o compromisso de manter a Petrobras como uma empresa estatal, quando reiterou a participação mínima da União em 50% das ações ordinárias mais uma (art. 62). Ou seja, foi garantido o controle da Petrobras ao Estado. Já a restrição a outros acionistas, a norma legal não repetiu o conteúdo nacionalista da Lei nº 2.004/1953. Essa abertura permitiu que qualquer pessoa, física ou jurídica, brasileira ou estrangeira, residente ou não no país, se tornasse acionista ordinarista ou preferencialista, dado incorporado ao estatuto social (art. 12). Ainda sobre a Lei do Petróleo, o art. 61, inciso IV, previu a constituição e o funcionamento dos Conselhos de Administração e Fiscal com a participação de acionistas minoritários. Muito embora o Conselho de Administração já existisse, os membros eram

189

O presente trabalho não pretender adentrar ao recente debate que inflamou a eleição presidencial de 2010 – Fernando Henrique Cardoso teve a intenção ou não de privatizar a Petrobras? -, posto que para obter uma resposta é necessário uma minuciosa pesquisa histórica, a qual não é objetivo deste trabalho.

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nomeados predominantemente pelo presidente da República. Com a revogação da Lei nº 2.004/1953, a Lei das S.A. – Lei no 6.404/1976190 – passou a vigorar imediatamente para a Petrobras, tendo a empresa estatal alterado seu estatuto social em 1999 para adequá-lo às mudanças. Com isso, a Assembleia Geral dos acionistas passou a eleger os membros do Conselho de Administração, os quais teriam mandatos de até três anos. Uma vez eleitos, os conselheiros se reuniriam para eleger os membros da diretoria. Assim, os diretores deixaram de ser membros do Conselho, o presidente do Conselho deixou de ser o presidente da companhia e o presidente da República deixou de ter interferência direta na esfera de decisão estratégica da Petrobras. A adaptação do estatuto social da Petrobras aos dispositivos da Lei das S.A. serviu para preparar a empresa estatal para as ações subsequentes do governo Fernando Henrique Cardoso. No ano seguinte, em agosto de 2000, o conselho nacional de desestatização, seguindo as orientações do II PND191, procedeu com a oferta pública das ações minoritárias que excediam a participação mínima da União no capital votante da Petrobras. O ente público, então detentor de 84,04% das ações ordinárias, vendeu um bloco minoritário de cerca de 180 milhões de ações, diminuindo a participação da União para 55,7% do capital votante, uma porcentagem próxima ao limite legal192. Quanto aos acionistas minoritários que adquiriram as ações, observa-se que nenhum deles comprou uma porcentagem maior do que 5% do capital votante, tendo a alienação ocorrida mediante a pulverização das ações, como sugeria a Lei nº 9.491/1997 (Figura 4.1).

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Muito embora a própria Petrobras tentasse induzir o investidor a pensar que as mudanças no estatuto social da empresa decorreram de suas próprias iniciativas, essa é uma visão distorcida da realidade. De fato, como a Lei do Petróleo revogou a Lei nº 2.004/1953, essa passou a se submeter aos dispositivos da Lei das S.A., os quais foram então inseridos ao estatuto social. Essa intenção da Petrobras é nitidamente perceptível na comunicação do fato relevante, publicado pela companhia em 30 de dezembro de 2002, intitulada Petrobras impossibilitada de aderir ao nível 2 da Bovespa. “Foram atingidas varias metas traçadas e a companhia se orgulha de estar na vanguarda do processo de adoção de práticas modernas de governança corporativa. A primeira grande reforma estatutária ocorreu em 1999 e introduziu profundas alterações no padrão de governança da empresa, tais como: a) a diretoria passou a ser nomeada pelo Conselho de Administração e este pela Assembleia Geral de acionistas; b) foram eliminadas todas as restrições à detenção de ações ordinárias por minoritários; c) os Diretores deixaram de pertencer ao Conselho e o presidente do Conselho deixou de ser o presidente da Companhia”. 191 A lei nº 9.491/1997 também incluía como ato de desestatização a alienação da participação acionaria pública, mesma que esta não resultasse na venda do controle (art. 4º, I). 192 Dados comparados entre o IAN – Informações Anuais – de 2000 e de 2001.

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Figura 4.1 Composição Acionária da Petrobras – Ações Ordinários

Muito embora alguns autores interpretassem a venda de ações minoritárias das empresa estatal como uma privatização parcial, um melhor termo para descrever o fenômeno é empregado pela literatura francesa: respiration do setur publique, traduzido como oxigenação do setor público193. A abertura do capital da Petrobras não consistiu na transferência da empresa do setor público para o setor privado, pois o capital público permaneceu majoritário. Ocorreu, na verdade, uma introdução de um sistema de pesos e contrapesos, em que a participação maior do acionista minoritário no Conselho de Administração impôs limites ao acionista controlador. Os minoritários, assim, incentivaram uma atuação mais economicamente eficiente da empresa estatal quando estes defendiam seus interesses. Depois da venda do bloco minoritário pela União, compromissos foram voluntariamente aderidos pela Petrobras, que resultaram na adoção de determinados padrões

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“A venda pelo Estado, de um importante bloco de ações minoritárias das empresas estatais é uma operação que vem sendo usada com bastante freqüência, em todo o mundo, no processo de reforma do Estado. Os analistas estão de acordo em que, se normalmente há embutida mais que uma simples venda de ações – pois o investimento minoritário de valor elevado deve ser atraído e protegido por meio de abertura da chamada ‘caixa preta’ da empresa estatal -, não se trata de privatização, pois a empresa segue na orbita pública. Na França utiliza-se, para descrever o fenômeno, expressão bastante significativa: ‘oxigenação do setor público’”. SUNDFELD, Carlos Ari, 2006, p. 276.

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contábeis e financeiros que valorizavam o princípio da transparência, o que são chamados de melhores padrões de governança corporativa194. Eis alguns exemplos. Em 10 de agosto de 2000, a Petrobras obteve o registro na New York Stock Exchange (NYSE) para a emissão de ADR – American Depositary Receipt – ordinária (PBR) e, em 22 de abril de 2001, para a emissão de ADR preferencial (PBRA), ambas listada no Nível III. Com isso, a Petrobras assumiu a obrigação de adequar os demonstrativos financeiros da empresa aos princípios contábeis norte-americanos (US GAAP) e obedecer às exigências da SEC – Securities and Exchange Comission. O cumprimento desses princípios implicou no disclosure das informações financeiras da empresa estatal195, um grau de transparência necessário para a atração do capital internacional. Com a possibilidade de emissão de ADRs na NYSE, em julho de 2001, o conselho nacional de desestatização procedeu com uma segunda oferta pública de ações. Em julho de 2001, 41 milhões de ações preferenciais foram vendidas, sendo 81% destas comercializadas na NYSE, o que aumentou sobremaneira a participação do capital estrangeiro no capital total da Petrobras. Ao término da oferta pública, 26,4% do capital social da Petrobras correspondiam à ADRs196. Além dos padrões contábeis norte-americanos, outros padrões de governança corporativa foram introduzidos às normas do Estatuto Social. O objetivo era atender a maioria dos critérios de governança exigidos no Nível I e Nível II da Bovespa – Bolsa de Valores de

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Governança corporativa é a tradução literária do termo anglo-saxão corporate governance. Apesar de não haver a intenção de adentrar nas teorias que são vinculadas à governança corporativa, faz-se necessário defini-la. Para Alexandre Di Miceli da Silveira “o tema pode ser definido como o conjunto de mecanismos que visam fazer que as decisões corporativas sejam sempre tomadas com a finalidade de maximizar a perspectiva de geração de valor de longo prazo para o negócio”. SILVEIRA, Alexandre Di Miceli. Governança Corporativa no Brasil e no Mundo: teoria e prática. São Paulo: Campus/Elsevirer, 2010, p. 3. 195 Sobre as exigências da ADR Nível III, ver Daniela Magalhães Prates. “O ADR de Nível III, por sua vez, envolve oferta pública de valores mobiliários no mercado americano – emissão primaria de ações – representando levantamento de capital adicional por parte da empresa estrangeira. Nesse caso, é necessário o registro de tais valores na Securitites and Exchange Commission (SEC), o que exige a adequação aos princípios de contabilidade vigentes nos Estados Unidos e a elaboração de relatórios abrangentes. Do ponto de vista da empresa emissora, esse mecanismo de financiamento permite a captação de considerável volume de recursos através da emissão de ações, dadas as maiores dimensões do mercado de valores americano em termos de volume de negócio e número de investidores”. PRATES, Daniela Magalhães, op. cit., p. 72. 196 BARBASSA, Guilherme Almir. 9ª Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais. 9ª Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais. Painel 4, 18 de junho de 2007.

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São Paulo, mesmo a Petrobras tendo permanecido no segmento tradicional em decorrência de restrições legais197. Assim, em março e junho de 2002, o estatuto social da Petrobras foi reformado para: reduzir os mandatos dos conselheiros para um ano (art. 18); conceder aos preferencialistas o direito de eleger e destituir um conselheiro (art. 19, II), desde que esses somem 10% do capital social, o que é o caso da Petrobras; e transferir à Câmara de Arbitragem do Mercado a competência para decidir sobre as disputas e controvérsias que envolvam a companhia, seus acionistas, os administradores e os conselheiros fiscais, tendo por objeto a aplicação de normas jurídicas ou obrigações constantes em contratos celebrados pela Petrobras com a Bolsa de Valores ou outras entidades (art. 58). Somada às reformas na organização societária da Petrobras, não poderia se deixar de mencionar uma outra alteração promovida pela Lei do Petróleo: o aumento das participações governamentais. Anteriormente, a Lei no 2004/1953 obrigava a Petrobras, como empresa monopolista, a repassar ao Estado 5% do valor do recurso mineral extraído à titulo de royalties. Com a aprovação da Lei do Petróleo, além de se aumentar a percentagem desses royalties para 10%, ainda foram instituídos mais três espécies de participações governamentais: o bônus de assinatura, a participação especial e o pagamento pela ocupação

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Apesar da Petrobras atender a maioria dos critérios de governança corporativa do Nível I, Nível II e Novo Mercado, a empresa estatal ainda continua listada no segmento tradicional da Bovespa. A Petrobras justifica a não adesão aos outros segmentos pelas restrições expressas na Lei do Petróleo, que impedem a empresa a assumir o rol de obrigações exigidas incondicionalmente. Ver justificativa da Petrobras à Revista Capital Aberto. “Novo Mercado: uma das exigências para a listagem no Novo Mercado é que ‘a empresa deve ter e emitir exclusivamente ações ordinárias, tendo todos os acionistas o direito de voto’. Atualmente, a companhia possui os dois tipos de emissão, ações ordinárias (com direito a voto) e preferenciais (sem direito a voto), conforme previsto pela Lei do Petróleo (“o capital social da Petrobras é dividido em ações ordinárias, com direito de voto, e ações preferenciais, estas sempre sem direito de voto, todas escriturais”). A União detém 55,7% das ações ordinárias, garantindo, com isso, o controle da companhia, exigência também da Lei do Petróleo (“a União manterá o controle acionário da Petrobras com a propriedade e posse de, no mínimo, cinqüenta por cento das ações, mais uma ação, do capital votante”). No entanto, considerando o capital social total da companhia, a União detém apenas 32,2%, já que não possui ações preferenciais. Assim, caso as ações preferenciais fossem convertidas em ordinárias e ganhassem direito a voto, a União perderia o controle, o que estaria em conflito com a Lei do Petróleo; Nível 1: Apesar de a Petrobras cumprir praticamente todas as exigências para ingressar no Nível 1, alguns itens que tratam de alienação de controle não podem ser adotados pela companhia, já que a Petrobras é impedida de realizá-la devido à Lei do Petróleo; Nível 2: A Petrobras também adota diversas práticas exigidas para a adesão ao Nível 2. Porém, além dos motivos impeditivos para a adesão ao Nível 1, a exigência de respeitar a opinião dos preferencialistas ao conceder direito de voto restrito nas assembléias gerais que venham a decidir sobre determinados assuntos (fusão, cisão ou incorporação; reavaliação de ativos e escolha da avaliadora; e contratos entre partes interessadas) não pode ser cumprida pela Petrobras, por desrespeitar a Lei de Petróleo, que determina o controle total pela União”. Disponível em:

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ou retenção da área198. O aumento das participação governamental sobre as rendas obtidas na extração do petróleo resultou na redução do capital disponível para reinvestimento, o que reforçou a obrigação da empresa estatal de otimizar sua eficiência econômica. Observa-se, assim, que as reformas institucionais da década de 1990 influíram significativamente na estrutura microjurídica da Petrobras. Embora tenham mantido-a como uma empresa estatal, as alterações abrangeram a forma de eleição do Conselho de Administração e da diretoria, a composição acionaria e, principalmente, os padrões de governança corporativa. Isso possibilitou a atuação da empresa de forma economicamente eficiente, e, consequentemente, mais competitiva.

3. A ESTRUTURA MACROJURÍDICA: A LIBERALIZAÇÃO E A REGULAÇÃO PARA UM REGIME DE LIVRE CONCORRÊNCIA

Além da estrutura microjurídica, a estrutura macrojurídica da Petrobras também foi objeto de reformais institucionais para tornar a empresa estatal competitiva e economicamente eficiente. Observando a estrutura macrojurídica da Petrobras na década de 1990, percebe-se três alterações relevantes em seu arranjo institucional: (i) o não planejamento econômico; (ii) a liberalização; e (iii) a regulação. O não planejamento econômico alterou a estrutura macrojurídica da Petrobras pela omissão, e não pela aprovação de alguma norma. Desde a constituição da Petrobras, objetivos macroeconômicos eram previamente estabelecidos em instrumentos normativos com a finalidade de orientar a atuação da empresa estatal dentro de um processo de desenvolvimento. Com isso, elegendo setores prioritários, a alocação de recursos da Petrobras

. Acessado em: 3 de maio de 2011. 198 Participação Governamental corresponde à participação da união, dos estados e dos municípios sobre os resultados da exploração de petróleo ou gás natural. Os “royalties” correspondem ao pagamento de uma percentagem do valor do recuso mineral extraído, baseado no BRENT do mercado commodities. O “pagamento pela ocupação ou pela retenção área” corresponde a um valor fixo pago anualmente por quilometro quadrado ou fração de superfície do bloco exploratório. A “participação especial” corresponde a uma porcentagem da produção cobrada apenas em casos de grande rentabilidade obtida pela empresa produtora. Por fim, o “bônus de assinatura” corresponde ao valor ofertado pela empresa na fase da licitação que será considerada para a seleção

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era interferida pela administração direta, agentes exógenos à estrutura empresarial. Contudo, na década de 1990, os planejamentos econômicos deixaram de ser editados, retirando da esfera macrojurídica da Petrobras a prévia e clara definição de políticas públicas. As decisões de alocação de recursos foram, assim, internalizadas, sendo decididas unicamente pelo corpo empresarial. A liberalização, por sua vez, decorreu primeiramente da aprovação da Emenda Constitucional no 9, de 9 de novembro de 1995. Essa alterou o texto constitucional para permitir a União conceder ou autorizar a execução de atividades monopolizadas do setor petrolífero às empresas privadas. Com isso, o §1º do art. 171 passou a dispor da seguinte forma: a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei199. O resultado dessa alteração constitucional foi a perda de eficácia do dispositivo da Lei no 2.004/1954, que indicava a Petrobras como o único agente habilitado a executar as atividades monopolizadas pela União (art. 2º, II). Apesar da Emenda Constitucional nº 9 prever a liberalização do monopólio da União para outras empresas além da Petrobras, a alteração constitucional não surtiu efeitos imediatos. Precisaria da aprovação de lei estipulando as condições em que seriam feitas as contratação (art. 177, § 2o, II da CF) e a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União (art. 177, § 2o, III, da CF). Para suprir a exigência constitucional, a Lei do Petróleo foi instituída. A Lei no 9.478/1997 promulgou a mudança mais incisiva no setor petrolífero: a regulamentação das atividades. Caberia as atividades serem reguladas por três motivos. Primeiro, a exploração, o desenvolvimento e a produção de petróleo e gás natural200, além de

da proposta vencedora. Veja COSTA, Maria de Assunção. Comentários à Lei do Petróleo: lei federal no 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Revista Atlas, 2008, p. 241-258. 199 As atividades previstas nos incisos I a IV do art. 171 foram mantidas, sendo estes a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos (I), a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro (II), a importação ou a exportação do petróleo, gás natural ou outros hidrocarbonetos e dos produtos deles derivados (III), e transporte marítimo e por meio de condutos de petróleo e seus derivados, como também o transporte por meio de condutos do gás natural (IV) 200 A Lei 7.478/1997 optou por dividir a indústria petrolífera upstream em três fases: (i) exploração ou pesquisa, correspondendo ao conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural; (ii) Desenvolvimento, correspondendo ao conjunto de operações e investimentos destinados a viabilizar as atividades de produção de um campo de petróleo ou gás; e

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serem atividades legalmente monopolizadas, envolvem a extração de bens exclusivos de União, sendo estes recursos minerais do subsolo (art. 20, IX, da CF) e recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva (art. 20, V, da CF). Portanto, não podem ser explorados pelo livre arbítrio de particulares. Segundo, tanto as atividades anteriores quanto as de importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda e comercialização de petróleo, seus derivados básicos e produtos, e gás natural e condensado são consideradas atividades de utilidade pública201 por lidarem com produtos que representam praticamente metade da matriz energética do país. Terceiro, para o setor petrolífero atuar efetivamente sob o regime da livre concorrência depois de quadro décadas de monopólio, seria necessário um agente público responsável por conceder ou autorizar a execução das atividades mediante um processo transparente e que estipulasse condições idênticas aos agentes de mercados, sejam estes empresas estatais ou empresas privado. Apenas, assim, um regime concorrencial poderia efetivamente ser implantado. Somada a regulação, a Lei do Petróleo ainda autorizou o poder executivo a editar um procedimento licitatório simplificado para a aquisição de bens e serviços pela Petrobras (art. 67), o qual foi disposto pelo decreto no 2.745, de 24 de outubro de 1998. O intuito do legislador foi, com isso, imprimir uma atuação mais ágil e competitiva à empresa estatal, imprescindível após a liberalização do mercado202.

3.1. A criação da ANP como agência reguladora

(iii) produção ou lavra, correspondendo ao conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação. 201 A Lei no 7.846/1997 não específica quais seriam as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo. As espécies de atividades foram, posteriormente, previstas na Lei no 9.847/1999. 202 Embora a Lei do Petróleo tenha sido explicita sobre a possibilidade da edição de um procedimento licitatório simplificado, o Tribunal de Contas da União determinou a Petrobras se abster de aplicar o Decreto no 2.745/1998. Por essa razão, a Petrobras impetrou um Mandado de Segurança com pedido de liminar (MS 26.410 MC/DF) para garantir o direito da empresa estatal beneficiar-se do procedimento licitatório, simplificado o qual foi deferido liminarmente pelo Min. Ricardo Lewandowski. Atualmente, o Mandado de Segurança ainda encontra-se em trâmite, estando concluso ao relator desde 23 de fevereiro de 2010. Veja COSTA, op. cit., p. 323-327.

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Para implementar um regime concorrencial nas atividades de exploração e produção, cuja Petrobras aplicava a maior porcentagem de seus investimentos desde o início dos anos 1980, a Lei no 9.478/1997 criou a Agencia Nacional de Petróleo – ANP. Para o exercício de suas atribuições com boa dose de autonomia frente à estrutura tradicional de poder político203, garantiu-se mandato de quatro anos para os diretores da ANP (art. 13, § 3°) e uma considerável autonomia financeira (art. 50, § 2°, I). O orçamento para o exercício de suas atribuições foi garantido pela transferência vinculada de recursos públicos previstos na própria Lei do Petróleo. Seria uma porcentagem da arrecadação de participações especiais, uma espécie de participação governamental cobrada às concessionárias de exploração e produção de petróleo e gás natural. Dentro do plano de racionalidade de agência autônoma, o art. 8o da Lei no 9.478/1997 previu um extenso rol de atribuições, dentre os quais cita-se os mais relevantes para este trabalho: II - promover estudos visando à delimitação de blocos, para efeito de concessão das atividades de exploração, desenvolvimento e produção; [...]; IV - elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução; V - autorizar a prática das atividades de refinação, processamento, transporte, importação e exportação, na forma estabelecida nesta Lei e sua regulamentação; […] VII - fiscalizar diretamente, ou mediante convênios com órgãos dos Estados e do Distrito Federal, as atividades integrantes da indústria do petróleo, bem como aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas em lei, regulamento ou contrato; […] IX - fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, dos derivados e do gás natural e de preservação do meio ambiente; […] XII consolidar anualmente as informações sobre as reservas nacionais de petróleo e gás natural transmitidas pelas empresas, responsabilizando-se por sua divulgação.

Dentre as suas atribuições, a ANP passou a ser responsável por promover estudos para (i) delimitar os blocos exploratórios; (ii) elaborar editais e promover as licitações para a concessão de exploração e produção; e (iii) fiscalizar a execução do contrato. Essas atividades

203

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico (2006, p. 18).

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eram necessárias para garantir que, de fato, fossem implantadas as condições para a existência de um ambiente concorrencial. Como a liberalização das atividades da indústria upstream, os estudos geológicos para a delimitação de blocos de exploração recaíram sobre as atribuições da ANP, o que antes eram de responsabilidade da Petrobras. Por essa razão, a Lei do Petróleo obrigou à Petrobras transferir para a ANP todos os dados e informações geológicas acumulados durante seus 44 anos de existência (art. 22, § 1o). Ademais, a mesma lei possibilitou a ANP disponibilizar essas informações para empresas privadas nacionais e multinacionais que desejassem participar dos certames. Essa previsão teve a nítida finalidade de fazer com que a Petrobras participasse das licitações em paridade com os concorrentes, sem usufruir de nenhuma vantagem advinda do privilégio de ter sido a empresa monopolista no passado. Quanto à elaboração dos editais e das licitações para as concessões, a Lei no 9.478/1997 exigiu que as regras do jogo fossem claras sobre os critérios para habilitar um concorrente no certame e para escolher o vencedor da licitação. Ou seja, os critérios mínimos exigidos para habilitar os concorrentes na licitação deveriam ser previamente delineados e expostos no edital (art. 37, III) conforme requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP (art. 25). No mesmo sentido, a escolha da proposta vencedora decorreria tão somente dos critérios estipulados em edital. Além dos critérios estabelecidos discricionariamente pela ANP, a Lei do Petróleo também incluiu condições que deveriam ser obrigatoriamente consideradas na avaliação das propostas: a análise do programa geral de trabalho; as propostas sobre as atividades de exploração, os prazos, os volumes mínimos de investimento, os cronogramas físicofinanceiros; e, principalmente, a proposta ofertada pelo bônus de assinatura204 (art. 41, I e II). Desde já, é possível visualizar a preocupação que a Reforma do Estado teve em criar um processo licitatório transparente para que houvesse, de fato, um regime de concorrência205.

204

O bônus de assinatura terá seu valor mínimo estipulado no edital e corresponderá ao pagamento oferecido pelo licitante na proposta para a obtenção da concessão. Assemelha-se a um lance em um leilão, com a diferença que não é apenas o lance que irá definir o ganhador e o perdedor. 205

Analisando a forma que o processo licitatório de concessão de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo foi moldado, é possível perceber uma nítida proximidade deste com a teoria do franchise auctoning, proposta por Harold Demsetz, em 1968. Para o autor, em um monopólio natural, o monopolista poder ser escolhido por meio de um leilão, sendo vencedor o que oferecer o preço mais baixo pela prestação de serviço.

112

Quanto à fiscalização, teria a ANP o dever de observar o cumprimento das cláusulas contratuais de concessão. Deveria o concessionário, vencedor da licitação, obedecer todas as condições, como os prazos de duração da fase de exploração (art. 43, I), o programa de trabalho e o volume de investimentos previstos (art. 43, II). A descrição das finalidades da ANP importa para atestar que, dentre essas – definir blocos, licitar e fiscalizar –, nenhuma condição favorável era concedida a Petrobras em razão de sua natureza estatal, todavia, nenhuma obrigação foi-lhe imposta que a tornasse menos competitiva nos processos concorrenciais. Tanto a empresa estatal como qualquer outra empresa privada do setor petrolífero tiveram os mesmos direitos e obrigações. Além da ANP, a Lei no 9.478/1997 constituiu outro órgão de intervenção indireta na economia: o CNPE – Conselho Nacional de Política Energética – órgão vinculado à presidência da República e presidido pelo Ministro de Minas e Energia (art. 2o). Suas principais finalidades eram propor ao presidente da República políticas nacionais e medidas específicas destinadas à promover o aproveitamento racional dos recursos energéticos do país (art. 2o, I); assegurar o suprimento de insumos energéticos (art. 2o, II) principalmente em áreas mais remotas e de difícil acesso; e estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e de seus derivados (art. 2o, V). Definidas as diretrizes da política energética, caberia, então, à ANP implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo e gás natural, contida na política energética nacional (art. 8a, I). Apesar da Lei do Petróleo ter instituído a criação do CNPE, a estrutura e a maneira de funcionamento do órgão apenas foram dispostas pelo decreto no 3.520, de 21 de junho de 2000, três anos após a promulgação da Lei do Petróleo. Ou seja, a omissão do Poder Executivo em dispor sobre a organização do CNPE ensejou a inexistência do órgão de fato,

Essa competição pelo mercado (em contraposição ao termo competição no mercado) seria uma forma de maximizar os benefícios ao consumidor. Na licitação do setor petrolífero, por sua vez, as idéias empregadas são semelhantes, mas como algumas diferenças. Ao invés dos participantes oferecerem o preço mais baixo pelo serviço, deveriam oferecer o preço mais alto pelo direito à concessão e, ao invés de beneficiar o consumidor, iria beneficiar o próprio Estado, que maximizaria seus lucros com a venda de suas riquezas naturais. Outra diferença com a teoria de Demsetz: no setor petrolífero, quem conduz o processo licitatório são as agências reguladoras, órgãos intencionalmente imunes ao poder político. DEMSETZ, Harold. Why Regulate Utilities? Jornal Law and Economics, vol. 11, n. 11, p. 55-65. Sobre a teoria e de Harold Demsetz, ver também COUTINHO, D., 2002, p. 37-38.

113

muito embora sua criação formal pela lei. Ademais, além de sua inserção retardada no arranjo institucional do setor petrolífero, nos anos subsequentes de 2001 a 2002, período em que a posição ideológica neoutilitarista ainda era mantida como dominante, das poucas resoluções publicadas pelo órgão, nenhuma tratava sobre o setor petrolífero. Neste sentido, mesmo após a estruturação do CNPE, o próprio órgão da administração direta se omitiu no cumprimento de suas atribuições. Tais omissões justificam a não inclusão deste órgão na estrutura macrojurídica da Petrobras.

3.2. A articulação estratégica entre a Petrobras, a ANP, o Cade, as empresas privadas de petróleo para alcançar a competitividade e a eficiência econômica.

Sendo a Petrobras a empresa estatal que atuava nas atividades de produção de bens e serviços e a ANP o órgão regulador, resta identificar como estrutura macrojurídica arquitetou a articulação estratégica destes agentes públicos com os agentes privados. Assim, é possível observar se, de fato, o regime concorrencial foi efetivamente implementado, o que levaria à empresa estatal a adotar uma maior eficiência econômica. De acordo com a Lei no 9.478/1997, a ANP, a Petrobras e os agentes privados puderam articular-se institucionalmente de duas formas nas atividades de exploração e produção de petróleo. As empresas privadas nacionais e multinacionais puderam (i) atuar como concorrentes da Petrobras no certame licitatório para a concessão de blocos; ou (ii) como consorciadas à Petrobras para, juntas, concorrerem ao contrato concessão. Na primeira função, empresas privadas nacionais e empresas multinacionais atuavam como concorrentes da Petrobras sob a garantia de um regime de livre concorrência (Figura 4.2). Essa foi uma das finalidades da Reforma do Estado: a liberalização das atividades petrolíferas nacionais. Para que essa fosse efetiva, não meramente formal, algumas medidas foram previstas pela Lei do Petróleo.

114

Figura 4.2 Licitação dos Blocos para Concessão de Exploração (Petrobras como licitante) ANP

Concorrente A

Petrobras

Concorrente B

Primeiramente, a Lei no 9.478/1997 prescreveu, explicitamente, que as atividades desenvolvidas pela Petrobras ocorreriam em caráter de livre competição com outras empresas (art. 61, § 1o) e, caso a ANP tomasse conhecimento de fato que configurasse ou pudesse configurar infração da ordem econômica, teria a obrigação de comunicá-lo ao Cade206 – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para que esse adotasse as providências cabíveis (art. 10). Essa normatização ratificou o compromisso da empresa estatal e da agência reguladora com os princípios da ordem econômica - livre iniciativa e concorrência -, ressaltando a importância da autarquia, o Cade, que passou a fazer sentido no arranjo institucional do setor petrolífero depois da liberalização das atividades antes monopolizadas. Garantida a concorrência, a iniciativa dos agentes privados dependeu do livre acesso desses às concessões das atividades de exploração e produção e, sobretudo, da liberalização dos preços207. Para isso, a Lei do Petróleo previu como alternativa institucional a licitação.

206

Tendo suas atuais atribuições e natureza jurídica redefinidas na Lei no 8.884/1994, o Cade, uma autarquia federal, tem como a principal finalidade decidir sobre a existência de infração a ordem econômica e as penalidades previstas em lei (art. 7o, I). Sendo os princípios da ordem econômica a livre iniciativa e a concorrência, as atividades monopolizadas pela União e executadas exclusivamente pela Petrobras antes da Lei do Petróleo não eram de competência do Cade, tendo em vista que inexistiam tais princípios. Entretanto, com a promulgação da Lei do Petróleo, o Cade foi incluído a estrutura macrojurídica da Petrobras. Segundo a Nota Técnica da Comissão de Acompanhamento de Decisões do Cade (CAD/Cade) no 54/2001, verificada a existência de hidrocarbonetos em quantidades comerciais, a concessão deverá ser imediatamente submetida à apreciação de autoridades competentes pelas empresas envolvidas, sob o risco de sofrerem as penalidades previstas no § 5o, art. 54, da Lei Antitruste. Com isso, o Cade estipulou que, enquanto os contratos de concessão estiverem na fase exploratória, não cabe ao órgão apreciar as condições do contrato. Isso apenas ocorre quando a concessão vence a fase exploratória para iniciar a efetiva produção. 207 Assim estabelece Mário Possas: “A concorrência perfeita implica a igualar o preço a custo marginal: que dizer, em concorrência perfeita, supõe-se que as pressões competitivas vigentes no mercado levem o preço ao nível do custo marginal. Portanto, sempre que o preço está acima do custo marginal, supõe-se que exista alguma imperfeição do mercado, mesmo havendo concorrência, caso em que seria uma concorrência imperfeita”. Ver

115

Como anteriormente mencionado neste capítulo, com a devida cautela para não torná-lo redundante, os contratos de concessão decorreram de processos licitatórios nos quais todos os critérios de habilitação dos participantes e de seleção do vencedor eram absolutamente transparecidos nos editais de convocação. Finalizada a concorrência, os contratos de concessão eram celebrados nos seguintes termos: a concessão implica, para o concessionário, a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural em determinado bloco, conferindo-lhe a propriedade desses bens, depois de extraídos (art. 26)208. Se a propriedade do petróleo e do gás natural era do concessionário, um agente de mercado, este poderia usar e gozar como base, unicamente, nos seus próprios critérios de conveniência e oportunidade. Poderia vendê-lo ou permutá-lo, exportar ou comercializar internamente, pelo preço marginal que o mercado estipular, já que se pressupõe a racionalidade de sua conduta econômica. É valido considerar que a Lei do Petróleo não tratou explicitamente da liberalização dos preços do petróleo bruto, mas esse direito estava implícito no art. 26, tanto que, de fato, não houve

em PASSOS, Mário. Regulação e Incentivo à Competição, In: SARAVIA, Enrique (org.), Defesa da Concorrência e Concessões. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, p. 60. 208 O art. 26, da Lei do Petróleo, estabeleceu que a propriedade do petróleo e do gás natural, quando extraídos do subsolo, passaria da União para o concessionário. Como a Constituição Federal de 1988 convalidou os recursos naturais do subsolo e plataformas continentais como bens da União, a Lei nº 9.478/1997 foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, impetrada pelo governador do Paraná, Roberto Requião. A ADIN, sob no 32739/DF, questionava a alienabilidade do petróleo por ser um bem público de uso especial. O STF, na ocasião, decidiu, por maioria dos votos, pela constitucionalidade da lei. Nesse sentido, o ministro Eros Grau justificou seu voto por entender que o petróleo, com um bem público dominical, poderia ser transferido para as concessionárias, sem resultar na quebra do monopólio da União sobre a atividade. Mesmo após a decisão da ADIN, pode-se ver que o tema ainda não foi solucionado no meio político e no acadêmico do direito. No meio político, cita-se como exemplo o longo debate travado no congresso na votação do projeto de lei sobre a partilha de produção do pré-sal, o qual será tratado no próximo capítulo. No meio acadêmico, por sua vez, cita-se também o recente trabalho de Gilberto Bercovici, no qual o autor percorre toda a história do setor petrolífero e de mineração brasileiro para justificar que o petróleo e os recursos minerais são, sim, bens públicos de uso especial e, por isso, inalienáveis. É válida a citação de um trecho relevante da obra: “A concessão para a exploração de recursos minerais é uma concessão de uso, não uma concessão de direito real de uso, prevista para o uso do solo e do espaço aéreo sobre a superfície de terrenos públicos ou particulares. A concessão de direito real de uso envolve um direito real resolúvel, depende de autorização legislativa expressa e de concorrência pública e tem por finalidade propiciar meios para a urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social. O petróleo e os recursos minerais são bens públicos de uso especial, bens indispensáveis cuja destinação pública está definida constitucionalmente: a exploração e o aproveitamento de seus potenciais. A exploração do petróleo e dos recursos minerais está vinculada aos objetivos fundamentais dos artigos 3o, 170 e 219 da Constituição de 1988, ou seja, o desenvolvimento, a redução das desigualdades e a garantia da soberania econômica nacional. Trata-se de um patrimônio nacional irrenunciável” [grifos meus]. BERCOVICI, op. cit., p. 261-262.

116

nenhum ato normativo do Estado que objetivasse o controle dos preços do produto adquirido da lavra209. Cristalizado o arranjo institucional onde a empresa privada nacional e a empresa multinacional são concorrentes da Petrobras, resta tratar da segunda função desses agentes: quando assumem a figura de consorciado da empresa estatal (Figura 4.3).

Figura 4.3 Licitação dos Blocos para Concessão de Exploração (Petrobras como parte do consórcio licitante) ANP

Concorrente

Consórcio

A

(um dos consorciados como operador)

Concorrente B

Petrobras

Consorciado A A A

Consorciado B

A

A Lei nº 9.478/1997 autorizou a Petrobras a formar consórcios com empresas nacionais ou estrangeiras, na condição ou não de empresa líder, objetivando expandir atividades, reunir tecnologias e ampliar investimentos aplicados à indústria do petróleo (art. 63). Apesar da redação da lei induzir a percepção de que apenas a posteriori de sua publicação a Petrobras passou a formar consórcios, está não expressa à verdade. Ocorre que a empresa estatal já somava uma larga experiência adquirida na indústria petroquímica, onde sua expansão decorreu, basicamente, da reprodução de joint ventures acordadas entre as

209

A Lei do Petróleo, muito embora não trate sobre os preços do petróleo bruto, não é omissa quanto ao preço dos derivados. Nos Dispositivos Transitórios, art. 69, a lei estabelece que durante um período de transição de, no máximo 36 meses, os reajustes e revisões dos preços dos derivados básicos de petróleo e do gás natural seriam efetuados segundo diretrizes e parâmetros específicos estabelecidos, em ato conjunto, pelos Ministros de Estado da Fazenda e de Minas e Energia. A lei no 9.990/2000 ainda prorrogou este prazo para mais um ano, data em que, definitivamente, os preços dos combustíveis foram liberalizados.

117

hastes da tríplice aliança210. A diferença do contexto anterior para o contexto pós-reforma é que, antes, as parcerias eram restritas aos setores não monopolizados e, depois, como a ampla liberalização, a Petrobras pôde consorciar-se a outros agentes sem provocar uma quebra do monopólio211. Com a redação da lei, não restou qualquer dúvida sobre a possibilidade da Petrobras e das empresas nacionais e estrangeiras formarem consórcios para, juntas, concorrerem na licitação como se fosse uma só. Assim, a empresa estatal mais, no mínimo, outra empresa puderam conjugar seus interesses através de uma associação de esforços e recursos sem que dela surgisse uma nova personalidade jurídica, tendo seu instrumento constitutivo efeito em relação a terceiros212. Nota-se, a partir dessa concepção, um aspecto fundamental sobre o que é o consórcio: a conjugação de interesses. A Petrobras e as consorciadas deveriam estar unidas pelas mesmas razões e, sendo a empresa privada um agente racional de mercado em sua essência, não permitiria uma conduta do consórcio que não fosse orientada por razões econômicas. Havendo, efetivamente, o interesse na formação do consórcio, a Lei no 9.478/1997 estabeleceu algumas exigências. Era necessário, primeiramente, que as empresas manifestassem seus interesses em formar uma associação através de um compromisso, público ou particular, subscrito entre as partes (art. 38, I), o qual seria entregue durante o processo licitatório. Nesse mesmo documento, uma delas deve ser indicada como a empresa líder, responsável pelo consórcio e pela condução da operação (art. 38, II). Por essa razão, é comum a utilização do termo empresa operadora, ou seja, empresa responsável por executar, efetivamente, as atividades de exploração e produção. Quanto às outras empresas

210

No Brasil, até o advento da Lei no 6.404/1976, conhecida como a Lei das S.A., não se dispensava tratamento uniforme ao termo consórcio empresarial, sendo este também utilizado em sua terminologia anglo-saxão joint venture. Para Marilda Rosado de Sá Ribeiro, pelas palestras que antecederam à edição da lei, “denota-se que o legislador societário vislumbrou a possibilidade que se abriu para o empresário nacional participar de join ventures, criando-se o consórcio justamente na vertente contratual da joint venture e justificando-se o caráter limitado a um determinado empreendimento assumido na disciplina do consórcio”. Com isso, a autora defende que os contratos de consórcio correspondem à internalização dos instrumentos de joint venture celebrados no cenário internacional, sendo em vão as tentativas de diferenciar ambos os instrumentos jurídicos. RIBEIRO, 2003, p. 411-412. 211 Ou seja, o direito da Petrobras de consorciar-se a outros agentes de mercado não decorreu da autorização da Lei do Petróleo, mas sim da própria liberalização do mercado, tendo ocorrido mesmo se a Lei fosse omissa quanto ao tema.

118

consorciadas, muito embora isentas da execução direta do empreendimento, são solidariamente responsáveis por qualquer ação ou omissão do consórcio (art. 38, II), não se aplicando a regra geral de não presunção de responsabilidade prevista na Lei nº 6.404/1976. Caso a proposta das empresas compromissadas fosse a vencedora, a outorga da concessão era condicionada ao registro do instrumento constitutivo do consórcio (art. 38, V), na forma do art. 279 da Lei das S.A. Observa-se, portanto, que as empresas privadas nacionais e as empresas multinacionais - fossem como concorrentes ou fossem como consorciadas da Petrobras -, exerceram um papel importante na estrutura macrojurídica da empresa estatal para torná-la competitiva e economicamente eficiente. Quando concorrentes, as empresas privadas nacionais e as multinacionais, indiretamente, impeliram uma gestão economicamente eficiente à Petrobras para que essa elaborasse propostas mais competitivas, em outras palavras, ofertasse bônus de assinatura e condições mais vantajosas para vencer o processo licitatório. Por sua vez, quando consorciadas, as empresas privadas nacionais e as multinacionais estavam associadas pelo interesse conjugado de implantar uma gestão eficiente, porque custos adicionais afetariam diretamente o empreendimento e a rentabilidades de todos os consorciados. Por essa razão, entende-se que tanto os consorciados quanto os concorrentes serviram como um contrapeso para que o controlador da Petrobras – a União – não desvirtuasse o objetivo da empresa conforme os preceitos neoutilitarista: ser competitiva e eficientemente econômica. Descrito o desenho da estrutura macrojurídica – uma estratégia de atuações entre a ANP, o Cade, a Petrobras, as empresas privadas nacionais e as empresas multinacionais –, resta identificar como sua implantação ocorreu até o fim do ano de 2002. Efetivamente, as empresas privadas responderam positivamente as mudanças institucionais e participaram das licitações? Para isso, é importante descrever como foram promovidas as Rodadas de Licitação, que começaram com a Rodada Zero e tiveram mais três Rodadas de Licitação até o final de 2002.

212

ROCHA, João Luiz Coelho. Conta de Participação, Consórcio e Parceria: forma associativa não personalizada. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro, Rio de Janeiro, v. 36, n. 105, jan/mar 1997, p. 37-42.

119

A Rodada Zero, assim como se convencionou chamar, correspondeu ao cumprimento da exigência da Lei do Petróleo em adaptar as atividades de exploração e produção da Petrobras aos moldes dos contratos de concessão. Para isso, a empresa estatal informou todos os blocos em fase de produção, os quais foram ratificados seus direitos sobre cada um dos campos (art. 32); como também informou os blocos em que havia iniciado os investimentos em exploração e desenvolvimento. Nesses últimos, a ANP avaliou a capacidade de investimento da companhia para, então, ratificar ou não o direito de manter a atividade exploratória (art. 33). Terminada a apuração dos blocos, os quais a Petrobras continuaria atuando, elaborou-se uma dispensa de licitação e esses passaram a ser objeto dos contratos de concessão assinados entre a ANP e a empresa estatal. Depois da Rodada Zero, seguiram-se mais quatro rodadas anuais de licitações. Na primeira Rodada, ocorrida em 1999, os resultados ficaram aquém das expectativas: dos 27 blocos disponibilizados para proposta, apenas doze tiveram interessados. Na apuração do resultado final, a Petrobras se tornou vencedora em cinco diferentes blocos exploratórios: em quatro blocos a Petrobras venceu como empresa associada a um consórcio, sendo em dois deles como empresa operadora e em outros dois como não operadora; e em um bloco a Petrobras venceu como concessionária única213. Ou seja, já na primeira rodada, a Petrobras venceu utilizando-se de todas as oportunidades convalidadas pelo novo arranjo institucional: (i) como única contratante – concessionária –, (ii) como consorciada e empresa operadora e (iii) como simples consorciada. Tal comportamento se tornou padrão nas licitações subsequentes. Na segunda Rodada, ocorrida em 2000, os resultados foram mais expressivos, em parte por razões dos preços do petróleo, que haviam se elevado no mercado de commodities, e em parte pela redução do patrimônio líquido mínimo exigido às empresas participantes de 10 milhões de reais para 1 milhão de reais214. Dos 23 blocos licitados, apenas dois blocos não

213

A Petrobras como concessionária: BM-C-6. A Petrobras como consorciada e empresa operadora: BM-C-3 (Petrobras com 40%, Agip Oil do Brasil com 40% e YPF com 20%); e BM-CAL-1 (Petrobras com 50% e YPF com 50%). A Petrobras como consorciada sem ser empresa operadora: BM-S-3 (Amerada Hess com 45%, Kerr McGee do Brasil com 30% e Petrobras com 25%); e BM-FZA-1 (BP com 30%, Esso com 25%, Petrobras com 20%, Shell com 12,5% e British Borneo Oil & Gas com 12.5%). Disponível em: < http://www.anp.gov.br/brasilrounds/round1/HTML/Menu1_pt.htm>. Acessado em: 06 de maio de 2011. 214 POSTALI, Fernando Antônio Slaibe. Renda Mineral, Divisão de Riscos e Benefícios Governamentais na Exploração de Petróleo no Brasil, São Paulo: FEAUSP. Dissertação (Mestrado) – Pós-graduação em

120

receberam propostas. Particularmente, quanto à Petrobras, a empresa estatal foi vencedora em oito blocos, nos quais: dois era a empresa concessionária, cinco estava associada ao consórcio como empresa operadora e um estava associada ao consórcio com empresa não operadora215. Na terceira Rodada, ocorrida em 2001, já foram 53 blocos licitados, dos quais 35 receberam propostas. Desses, a Petrobras venceu em quinze: sete como concessionárias; seis como consorciada e empresa operadora; e dois como consorciada e empresa não operadora216. Por fim, na quarta Rodada, ocorrida em 2002, dos 54 blocos licitados, apenas 21 receberam propostas. A Petrobras venceu em sete, no quais: três como concessionária; e quatro como consorciada e empresa operadora217. Analisando o resultado das quatro rodadas de licitação, conclui-se que, além da revogação do monopólio legal da Petrobras, o monopólio de fato na execução das atividades de exploração e produção também foi quebrado. Empresas privadas nacionais e, principalmente, empresas multinacionais com vasta capacidade alocação de recursos – citando com exemplos a Shell, a BP, a Esso e a State Oil – confiaram nas normas regulatórias brasileiras quanto à liberalização do setor petrolífero, fato notório pela maciça participação dessas em todas as rodadas de licitação.

Economia na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, 2003, p. 91. 215 A Petrobras como consorciada sem ser a empresa operadora: BM-S-7 (Chevron com 65% e Petrobras com 35%). A Petrobras como consorciada e empresa operadora: BM-S-8 (Petrobras com 50%, Shell com 40% e Petrogal com 10%); BM-S-9 (Petrobras com 45%, BG com 30% e YPF com 25%); BM-S-10 (Petrobras com 50%, BG com 25% e Chevron com 25%); BM-S-11 (Petrobras com 65%, BG com 25% e Petrogal com 10%); e BM-SEAL-4 (Petrobras com 60% e Amerada Hess com 40%). A Petrobras como concessionária: BT-POT-4. Disponível em: . Acessado em: 06 de maio de 2011. 216 A Petrobras como concessionária: BM-CE-1; BM-J-1; BM-BAR-1; BM-CE-2; BM-S-24; BT-ES-12; e BMC-12. A Petrobras como consorciada e empresa operadora: BM-S-17 (Petrobras com 50%, Enterprise Oil como 25%, Den Norske Stats com 25%); BM-CAL-5 (Petrobras com 45%, Queiroz Galvão Perfuração com 18,34%, Petroserv com 18,33% e El Paso CGP com 18,33%); BM-S-21 (Petrobras com 80% e Petrogal com 20%); BMES-5 (Petrobras com 65% e El Paso CGP com 35%); BM-S-12 (Petrobras com 70% e Queiroz Galvão Perfurações com 30%); e BM-CAL-6 (Petrobras com 45%, Queiroz Galvão Perfuração com 18,34%, Petroserv com 18,33% e El Paso CGP com 18,33%). A Petrobras como consorciada sem ser empresa operadora: BM-ES-9 (Esso com 40%, Petrobras com 30% e Kerr-McGee com 30%); e BM-C-14 (Total Fina Elf com 30%, Petrobras com 25%, Enterprise Oil com 22,5% e Shell com 22,5%). Disponível em < http://www.anp.gov.br/brasilrounds/round3/index.htm>. Acessado em: 06 de maio de 2011. 217 A Petrobras como concessionária: BT-ES-15; BT-POT-8; e BT-SOL-1. A Petrobras como consorciada e empresa operadora: BM-C-25 (Petrobras com 40% e Shell com 60%); BM-J-3 (Petrobras com 60% e State Oil com 40%); BM-POT-11 (Petrobras com 60% e El Paso CGP com 40%); BM-POT-13 (Petrobras com 40%, Unocal com 30% e El Paso CGP com 30%); BM-SEAL-9 (Petrobras com 85% e Partex Oil do Gás com 15%). Disponível em: . Acessado em: 06 de maio de 2011.

121

Observando-se as mudanças na estrutura macrojurídica da Petrobras, conclui-se que a empresa estatal foi adaptada a um arranjo institucional que funcionava sob as bases da liberalização dos mercados e da regulação. Com isso, a empresa estatal, mesmo sendo uma instituição alienígena ao Plano de Reforma do Estado, incorporou uma conduta de valorização da eficiência econômica e competitividade, assim como um agente privado.

Tabela 4.1 Medidas de Avaliação de Desempenho Financeiro 2000

2001

2002

2003

2004

EVA*

7.588.287

9.051.987

8.284.919

18.079.614

14.103.476

Lucro Econômico*

7.730.144

8.920.527

7.660.592

13.913.894

12.286.533

CVA*

6.767.981

8.003.534

8.247.945

17.553.968

14.388.052

Lucro Operacional (EBIT) *

14.306.694

14.337.390

13.172.123

25.587.482

25.856.319

EBITDA*

16.657.158

16.503.539

16.588.445

28.353.320

29.581.013

NOPAT*

11.563.823

12.712.911

12.457.846

20.193.417

19.712.854

MVA*

94.596.834

113.718.420

102.090.58

224.034.582

172.836.716

Fluxo de Caixa Operacional*

13.686.937

15.547.260

20.067.982

22.505.543

25.948.791

Lucro Líquido*

10.159.370

10.293.890

9.803.754

17.524.706

17.754.171

Lucro por Ação ($)

9,35

9,48

9,03

15,98

16,19

* em milhões de dólares Fonte: (KRAUTER & SOUSA)

Um forte indício que a Petrobras perseguiu a eficiência econômica após a reforma do setor petrolífero é o resultado positivo colhido nos anos seguintes. Praticamente, todas as medidas de avaliação financeira de uma empresa – EVA, Lucro Econômico, CVA, EBIT, EBITDA, NOPAT, MVA, Fluxo de Caixa operacional, Lucro Líquido e Lucro por Ação apresentaram um acentuado crescimento entre os anos de 2000 e 2004 (Tabela 4.1). Esses diferentes índices, tendo bases de cálculo distintas entre eles, são utilizados pelo mercado com a finalidade de avaliar o desempenho econômico das empresas e auxiliar os investidores nas

122

suas decisões218. Na Petrobras, ver-se que, em média, todos os índices dobraram em um período de cinco anos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A PREVALÊNCIA DA FACE EMPRESARIAL

A correlação de forças da década de 1990 incorporou um consenso sobre a ineficiência do Estado para intervir diretamente na esfera econômica. Imersos à essa ideia, um novo arranjo institucional mostrou seus contornos, os quais foram consumados pelas amplas reformas que mudaram a relação Estado e mercado. Como estipulou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o Estado não mais deveria atuar em setores de produção de bens e serviços para o mercado. Seguindo essa instrução, empresas estatais foram privatizadas, monopólios foram extintos, agências reguladoras foram constituídas e regimes concorrências foram estabelecidos em setores antes monopolizados por empresas estatais. No setor petrolífero brasileiro, a Petrobras resistiu às privatizações como uma empresa estatal. Entretanto, essa persistente trajetória lhe custou uma reestruturação jurídicoinstitucional para adaptar-se a concepção dominante sobre o papel do Estado no mercado. Primeiramente, na estrutura macrojurídica, (i) o Estado se omitiu na publicação de planejamentos econômicos, revertendo o eixo decisório de alocação de recursos da Petrobras unicamente para o Conselho de Administração e membros da direção da Petrobras. Ademais, (ii) inseriu a empresa estatal em um ambiente de livre concorrência, passando a ser regulada pela ANP e a participar de rodadas de licitação em condições idênticas às empresas privadas. Nessas circunstâncias, a Petrobras foi inserida a um arranjo institucional que lhe exigiu ser competitiva para manter-se atuante dentro de um regime concorrencial.

218

Os Resultados financeiros da Petrobras foram extraídos da pesquisa de pesquisa de Elizabeth Krauter e Almir Ferreira Sousa, a qual teve como objetivo identificar que as diferentes medidas de avaliação financeira de uma empresa podem ter variáveis significantes e que um investidor deve escolher a medida se adéqua mais aos seus critérios de escolha. Para mostrar este trabalho, os autores fazem um estudo de caso da Petrobras. Muito embora as variações de índices entre uma medida financeira e outra seja patente, observa-se, todavia, que todas demonstram que, entre os anos de 2000 e 2004, os resultados financeiros da Petrobras melhoraram substancialmente. Este dado é o que ora importa. Ver em KRAUTER, Elizabeth e SOUSA, Almir Ferreira. Medida de Avaliação de Desempenho Financeiro e Criação de Valor para o Acionista: um estudo de caso, Disponível em , Acessado em: 03 de maio de 2011.

123

Além das mudanças na estrutura macrojurídica da Petrobras, as estrutura microjurídica também foi amplamente reformado. (iii) A Lei do Petróleo suplantou a Lei no 2.004/1953, possibilitando mudanças no Estatuto Social. Com isso, o Conselho de Administração e a direção executiva passaram a ser eleitos unicamente pelo acionistas, não mais diretamente pela presidência da República. Além disso, todas as restrição da composição acionária aos investidores estrangeiros foram extintas, podendo esses adquirir ações com ou sem o direito de voto. Em seguida, (iv) a União oxigenou a composição acionária da Petrobras com a venda de ações ordinárias e preferências no mercado de capitais. Por fim, (v) práticas de governança corporativa foram adotadas com a intenção de implantar uma melhor eficiência econômica. Pode-se dizer, portanto, que o conjunto de reformas, refletidas tanto na estrutura macrojurídica quanto na microjurídica da Petrobras, resultou na adaptação institucional dessa - mesmo como empresa estatal - à relação Estado e mercado impressa no arranjo jurídico da década de 1990. Muito embora a empresa estatal tenha persistido no arranjo institucional, esta passou a atuar de maneira identifica às empresas privadas, inclusive sem a definição de objetivos macroeconômicos para serem concretizados. Como o Estado foi omisso na edição de planejamentos econômicos, os objetivos microeconômicos conduziram a atuação da empresa estatal. Isso fez com que, durante o período ora estudado, a Petrobras mostrasse sua face empresarial, conveniente à conjuntura que estava imersa.

124

5. A FACE EMPRESARIAL E A FACE ESTATAL: A PETROBRAS NO NOVO ESTADO DESENVOLVIMENTISTA

INTRODUÇÃO

Nos primeiros anos do século XXI, críticas aos pressupostos neoutilitaristas emergiram, tendo como argumento fatos concretos. Diferentemente do que pensavam os idealizadores da Reforma do Estado, o equilíbrio e o crescimento econômico não ocorreram. O que desencadeou foi um cenário de estagnação: aumento na taxa de desemprego, manutenção da desigualdade de renda e queda nas exportações. Além dos negativos índices econômicos e sociais, o partido da oposição venceu as eleições presidenciais ocorridas em 2002. Essas duas circunstâncias foram fundamentais para enfraquecer a correlação de força da década de 1990 e, por sua vez, para surgir uma nova coalizão. Apesar das reformas institucionais impulsionadas por essa nova coalizão ainda estar em curso, o conteúdo das mudanças já implementadas fornecem indícios de que a correlação de forças que está se cristalizando retoma a função do Estado desenvolvimentista para orientar políticas públicas de caráter econômico. Dentre as reformas institucionais, o setor petrolífero brasileiro não é excetuado. Já nos primeiros anos, após a vitória do partido de oposição, o CNPE - Conselho Nacional de Políticas Energéticas - e o Poder Executivo começaram a editar políticas públicas para o setor petrolífero envolvendo a Petrobras como um agente público atuante. Ademais, com a descoberta de uma vasta reserva de petróleo em águas profundas da plataforma continental, chamada de pré-sal, uma ampla reforma institucional foi aprovada, a qual alterou significativamente a configuração do arranjo institucional da Petrobras nas esferas macro e microjurídicas. Dentro desse contexto, o presente capítulo pretende identificar as reformas no arranjo institucional da Petrobras nessa fase mais recente da história. Para isso, o capítulo está divido em duas partes. A primeira (i) descreverá as alterações na estrutura macrojurídica da Petrobras; e a segunda (ii) analisará a estrutura microjurídica da empresa estatal.

125

1. A

ESTRUTURA MACROJURÍDICA: O RETORNO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E A

PETROBRAS

COMO EMPRESA OPERADORA ÚNICA

Desde o ano de 2003, o Conselho Nacional de Políticas Energéticas - CNPE, que antes era omisso, adquiriu voz e começou a intervir indiretamente no setor petrolífero. Constituído pela Lei do Petróleo, o CNPE é um órgão colegiado da administração direta, formado essencialmente por diferentes ministros de Estado219 e vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Como sua própria nomenclatura já antecipa, sua principal função é editar as políticas públicas que interferem para o setor energético, o que incluí o setor petrolífero e a Petrobras. Em 21 de julho de 2003, o CNPE publicou a resolução no 8, que estabeleceu como política energética nacional a expansão da produção de petróleo e gás natural com o objetivo de atingir e manter a autossuficiência do país (art. 1o). Com isso, o CNPE retirou da ANP a discricionariedade da escolha dos blocos exploratórios para as Rodadas de Licitação e, ainda, vinculou a escolha desses blocos às condições da oferta e da demanda doméstica. As novas concessões de explorações dependeriam do consumo nacional: enquanto houvesse a necessidade de importação de óleo cru, o número de concessões seria ampliado. Para vincular a política energética nacional às variáveis da oferta e da demanda doméstica de petróleo – autossuficiência do país –, a Lei no 10.847, de 15 de março de 2004, autorizou a criação da EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Essa, sendo uma empresa pública, foi instituída com a finalidade de elaborar pesquisas sobre os dados da oferta e demanda de insumos energéticos no mercado nacional. Uma vez apurados, os dados deveriam embasar as decisões do CNPE, devendo o órgão autorizar a licitação de novos blocos de acordo com a demanda do consumo interno de petróleo.

219

Decreto Lei nº 3.520/2000 dispôs sobre a composição do CNPE. Esse deveria ser formado por: o Ministro de Estado de Minas e Energia, que o presidirá; o Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia; o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão; o Ministro de Estado da Fazenda; o Ministro de Estado do Meio Ambiente; o Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; o Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República; o Ministro de Estado da Integração Nacional; o Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; um representante dos Estados e do Distrito Federal; um representante da sociedade civil especialista em matéria de energia; um representante de universidade brasileira, especialista em matéria de energia; o Presidente da Empresa de Pesquisa Energética – EPE; e o Secretário-Executivo do Ministério de Minas e Energia.

126

Além do objetivo da autossuficiência, a mesma resolução no 8/2003 exigiu que a ANP fixasse um percentual mínimo de conteúdo nacional para as Rodadas de Licitação (art. 2o, I). O conteúdo nacional corresponde a uma porcentagem mínima, estipulada em edital, que obriga a concessionária a adquirir bens e serviços de indústrias e de prestadoras de serviços instaladas em território nacional. Anteriormente, no ato de entrega das propostas, a ANP exigia que os licitantes, discricionariamente, estabelecessem o percentual mínimo de conteúdo nacional, o qual seria levado em consideração na seleção do vencedor. Todavia, com a resolução do CNPE, o conteúdo nacional passou a ser decretado pelo Estado, devendo o percentual ajustar-se de acordo com a evolução da capacidade de produção da indústria nacional e os seus limites tecnológicos. O conteúdo nacional nada mais é do que uma alternativa institucional que transfere a obrigação do cumprimento de uma política industrial para a concessionária. A partir do momento que o Estado estabelece um percentual mínimo de bens e serviços a serem adquiridos ou fornecidos por empresas brasileiras, a concessionária se obriga a estimular a indústria nacional para garantir a satisfação de sua própria demanda. Ressalta-se, todavia, que a obrigação foi inserida nos editais e nos contratos de concessão de forma indiscriminada, independente do caráter estatal ou privado da empresa ou do consórcio contratado. Contudo, em março de 2004, com a promulgação da Política Industrial de Desenvolvimento Tecnológico e Comércio Exterior – PITCE, o planejamento econômico voltou a ser definido pelo Poder Executivo, incluindo a Petrobras como agente público executor de objetivos macroeconômicos. Em decorrência da abrangência limitada da PITCE, a empresa estatal foi requisitada apenas para estimular o mercado de bicombustíveis220. Entretanto, foi com a publicação da Política de Desenvolvimento Industrial – PDP que a Petrobras passou a figurar em diversas esferas da política industrial. A PDP foi lançado em maio de 2008 para substituir a PITCE, compreendendo um raio de atuação maior e mais complexo quanto à articulação de agentes públicos e privados. Nesse, foram atribuídas à Petrobras funções eminentemente de caráter público envolvendo quatro diferentes agendas de ação: (i) biodiesel; (ii) bioetanol; (ii) indústria naval; e (iv) Petróleo, Gás Natural e Petroquímica. Citam-se como exemplos de metas imputadas à Petrobras pela

127

221

PDP: a construção de alcoodutos – dutos para o transporte do álcool combustível –

; a

222

inserção de micro e pequenas empresas na cadeia produtiva de petróleo e gás

; e o

investimento em pesquisa e desenvolvimento de biocombustíveis de segunda geração, com elevado grau de pureza223. Além da inclusão de objetivos macroeconômicos no arranjo institucional da Petrobras, recentemente, uma ampla reforma jurídica foi aprovada pelo Congresso Nacional que resultou na modificação do marco regulatório da década de 1990. Tal reforma se iniciou em razão da descoberta de uma vasta reserva de petróleo, a qual foi posteriormente denominada de pré-sal.

1.1. O pré-sal e a contra Reforma do Estado

Os primeiros indícios de uma abrangente modificação no arranjo institucional da Petrobras decorreram da publicação da resolução no 6/2007 pelo CNPE, a qual excluiu 41 blocos da nona Rodada de Licitação. Essa decisão baseou-se na descoberta do mega campo de Tupi, situado no Bloco BMS-11, concedido ao consórcio formado pela Petrobras (65%) – como empresa operadora –, pela Britsh Gas (25%) e pela Petrogal (10%) na segunda Rodada de Licitação. Depois da descoberta do campo de Tupi, o consórcio perfurou mais 15 poços no mesmo bloco. Testando oito deles, a análise e a interpretação dos dados geofísicos e geológicos permitiram a previsão de que entre as Bacias de Espírito Santos, de Campos e de Santos poderia existir uma vasta reserva de petróleo. O que antes surgiu como uma mera hipótese foi se confirmando mediante sucessivas perfurações financiadas pela ANP e pelas concessionárias, sobretudo a Petrobras. Os resultados das perfurações ensejaram a delimitação de uma área de 149 mil quilômetros

220

ABDI. Balanço PITCE. 2005, p. 18. Disponível em: . Acessado em: 4 de junho de 2011. 221 BRASIL. Programa para Consolidar e Expandir a Liderança: bioetanol. Disponível em: . Acessado em: 07 de maio de 2011. 222 BRASIL. Programa para Consolidar e Expandir a Liderança: petróleo, gás natural e petroquímica. Disponível em: . Acessado em: 07 de maio de 2011.

128

quadrados, denominada de província ou camada pré-sal. Esse nome decorreu da existência de uma espessa camada de sal entre a lâmina de água e o petróleo, que chega até sete mil metros de profundidade224. O volume exato de petróleo do pré-sal é impossível de ser precisado, mas pode ser estimado. Apenas o Campo de Tupi tem reservas recuperáveis entre cinco a oito bilhões de barris de petróleo, o equivalente à metade das reservas brasileiras comprovadas antes do présal, que eram de treze bilhões de barris de petróleo. Estima-se que, das áreas do pré-sal que haviam sido licitadas em rodadas anteriores, 60 bilhões de barris de petróleo são recuperáveis225. A esse cálculo não está incluso as reservas não licitadas, que equivalem a uma área de 107 mil quilômetros quadrados do pré-sal, ou seja, 73% de toda a superfície delimitada226. Se 60 bilhões de barris de petróleo é a reserva estimada em 27% da área pré-sal, é possível deduzir o tamanho da riqueza que esse pedaço do oceano brasileiro reservou para a geração atual e futura. Diante da descoberta da acumulação de petróleo leve na plataforma continental brasileira, um longo debate se seguiu entre os que defendiam duas posições dicotômicas. Uns acreditavam que o marco regulatório cristalizado na década de 1990 não poderia – nem precisaria – ser alterado, utilizando como argumento o compromisso regulatório227 assumido com as empresas privadas nacionais e multinacionais que venceram as rodadas de licitação e investiram no Brasil. Em contrapartida, outros defendiam que, sim, o arranjo institucional

223

BRASIL. Programa para fortalecer a competitividade: Biodisel. Disponível em: . Acessado em: 07 de maio de 2011. 224 PETROBRAS. Perguntas e Respostas: dez perguntas para você entender o pré-sal. Disponível em: . Acessado em: 07 de maio de 2011. 225 Dado extraído de apresentação do Deputado Pedro Eugênio, então presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados. EUGÊNIO, Pedro. O Potencial das Novas Reservas e a Lei do Petróleo. outubro de 2008. Disponível em: , Acessado em: 15 de maio de 2011. 226 PETROBRÁS, op. cit., 2011. 227 A expressão compromisso regulatório é utilizada para definir o compromisso que o Estado assumiu com os investidores privados quando definiu as condições no ato da liberalização e da regulação de seus mercados, ou seja, as regras do jogo. Diogo Rosenthal Coutinho revela as duas faces da moeda quando se trata desse tema: “Trata-se, enfim, de uma situação delicada e frágil: as regras de compromisso regulatório podem ser violadas sob pena de aniquilar a credibilidade de um país perante investidores estrangeiros – não apenas que atuam nos mercados regulados. Por outro lado, a regulação que se segue à privatização pode revelar – é natural que assim seja – a necessidade de alteração de regras que constam desse compromisso. Essas necessidades podem ser

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poderia ser alterado, utilizando como fundamento a soberania nacional e o interesse público. Dentro desse segundo grupo, ainda havia uma subdivisão: os que alegavam que as alterações institucionais deveriam abranger as áreas licitadas e não licitadas do pré-sal, devendo os contratos de concessão assinados ser adaptados ou rescindidos228; e os que defendiam que a segurança jurídica dos contratos assinados deveria ser mantida, devendo a reforma valer apenas para áreas ainda não licitadas. Dessas posições, a citada resolução no 6/2007 do CNPE cristalizou o posicionamento moderado da nova correlação de forças. No documento normativo, o órgão determinou que o Ministério de Minas e Energia avaliasse as mudanças no marco legal que contemplariam um novo paradigma de exploração e produção de petróleo e gás natural, surgido pela descoberta da nova província petrolífera (art. 4o). Contudo, assegurou rigorosas observações dos direito adquiridos e dos atos jurídicos perfeitos relativos às áreas concedidas e arrematadas em leilões anteriores (art. 3o). O posicionamento emitido pelo CNPE demonstrou, precocemente, como seria a relação Estado e mercado no arranjo institucional que estava se formando. O Estado excluiu as reservas do pré-sal das licitações, mas garantiu o cumprimento dos contratos previamente celebrados. Isso representou um sinal positivo aos agentes privados no sentido de que, muito embora o Estado estivesse retomando suas funções desenvolvimentistas – semelhante à década de 1950 a 1980 -, esse não abandonaria os princípios que garantem a propriedade privada e o cumprimento dos contratos – semelhante à década de 1990. Tranquilizado os ânimos, sobretudo, das empresas privadas nacionais e multinacionais concessionárias na exploração e produção de petróleo, iniciou-se então um segundo debate: qual seria o arranjo jurídico institucional que vigoraria para os contratos do pré-sal?

constatadas em países em desenvolvimento pelo fato de que uma privatização pragmática e precipitada não foi capaz de gerar as informações suficientes para uma regulação adequada”. COUTINHO, D., 2002, p. 141. 228 As centrais sindicais eram as entidades relevantes que defendiam a posição mais extremista. A CGTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil – chegou a publicar uma nota defendendo a revogação da Lei do Petróleo e o retorno da Lei no 2004/1953. Boletim Eletrônico da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil – Secção São Paulo (CGTB-SP). Milhares ocupam as ruas em defesa da Petrobrás e pela volta da Lei 2004, Ano II, no 39, 23 de junho de 2009. Disponível em: < http://www.estudiobr.net/boletimsp/boletimsp39/boletimsp39.html>. Acessado em: 15 de maio de 2011.

130

Para isso, em 17 de julho de 2008, foi instituída uma Comissão Interministerial229 com a finalidade de estudar e propor as alterações institucionais no sentido de atender às premissas previamente estipuladas. Eram essas:

(i) permitir o exercício do monopólio da União de forma apropriada, tendo em vista o elevado potencial petrolífero do pré-sal; (ii) introduzir nova concepção de gestão de recursos petrolíferos do Estado; (iii) otimizar o ritmo de exploração dos recursos do Pré-sal; (iv) aumentar a apropriação da renda petrolífera pela sociedade; (v) manter atrativa a atividade de exploração e produção do país; (vi) contribuir para o fortalecimento da posição internacional do país; (vii) contribuir para a base econômica e industrial brasileira; (viii) garantir o fornecimento de petróleo e gás natural do país; e (ix) evitar distorções macroeconômicas resultantes da entrada de elevados volumes de recursos relacionados à exportação dos hidrocarbonetos produzidos no pré-sal230.

Os nove pressupostos estabelecidos para a elaboração da reforma institucional transpareceram qual era a preocupação do Estado perante um novo paradigma das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. Tornando-se o Brasil um exportador de petróleo com uma significativa participação deste recurso natural na balança comercial, o país estaria diante de uma situação com duas facetas opostas: a extração e a exportação do abundante petróleo gerariam um crescimento econômico, tendo em vista o aumento produto interno bruto; porém, o elevado fluxo de capital estrangeira na economia doméstica poderia causar um fenômeno macroeconômico chamado de doença holandesa. O fenômeno da doença holandesa foi primeiramente diagnosticado nos Países Baixos, na década de 1960, onde a exportação de uma vasta reserva de gás natural causou uma apreciação cambial que ameaçou destruir toda a indústria manufatureira do país. Esse fenômeno econômico pode ser definido como uma sobreapreciação crônica da taxa de

229

A Comissão Interministerial foi formada pelos Ministros de Estado de (i) Minas e Energia, (ii) Chefe da Casa Civil da Presidência da República, (iii) do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, (iv) da Fazenda e (v) do Planejamento, Orçamento e Gestão, e pelos (vi) Presidentes do BNDES, da (vii) ANP e da (viii) Petrobras. 230 Veja a Exposição de Motivos do Projeto de Lei no 5.938/2009, o qual dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré-sal e em áreas estratégicas.

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câmbio231 de um país, causada pela exploração de recursos naturais baratos e abundantes, cuja produção comercial é compatível com uma taxa de câmbio claramente mais apreciada que a taxa média de câmbio que torna os setores de bens comercializáveis economicamente viáveis. A doença holandesa é uma falha de mercado que cria obstáculo à industrialização ou, até mesmo, gera a desindustrialização232. Nesse sentido, os patentes riscos da doença holandesa requereram da Comissão Interministerial o desenho de um arranjo institucional que, quando tratada da execução propriamente dita das atividades de exploração e produção do pré-sal233, o Estado pudesse exercer um maior controle sobre o ritmo e as condições da produção. Ele deveria cadenciar o ritmo da produção à capacidade da indústria nacional de fornecer bens e serviços para as atividades produtivas234. Sob esse aspecto, a Comissão Internacional propôs três Projetos de Lei – PL – que alteraram a estrutura jurídico-institucional da Petrobras: (i) o PL 5.938/2009, que dispôs sobre o contrato de partilha; (ii) o PL 5.939/2009, que dispôs sobre a cessão onerosa; e (iii) o PL 5.941/2009, que dispôs sobre a criação de uma empresa pública. O PL 5.938/2009 dispôs sobre a exploração e a produção de petróleo mediante a realização de contrato de partilha de produção. No contrato de partilha, o contratante poderia ser a Petrobras ou um consórcio no qual a sociedade de economia mista seria, obrigatoriamente, a empresa operadora. Ou seja, a Petrobras deteria a exclusividade de todas as operações de exploração e produção do pré-sal. Segundo a Exposição de Motivos, o arranjo

231

Para Luiz Carlos Bresser-Pereira, em países que sofrem da Doença Holandesa existem duas taxas de câmbio diferentes: as taxa de câmbio de equilíbrio corrente, que é a taxa de mercado, e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial, que é a taxa que viabiliza os produtores de bens comercializáveis e tecnologicamente sofisticados entrarem no mercado competitivo. Como a exportação da commodity, ocorre um fluxo de capital externo para a economia doméstica do país exportador. Quando o recurso tem uma grande representatividade na balança comercial, esse fluxo passa a ser intenso, inundando a economia de moeda estrangeira e causando a sobreapreciação da taxa de câmbio de equilíbrio corrente, desfavorecendo os setores industriais com capacidade de tornarem-se competitivos no mercado internacional. BRESSER-PEREIRA. 2009, p. 147-150. 232 Luiz Carlos Bresser-Pereira, além de conceituar a Doença Holandesa, acrescenta que este é um fenômeno estrutural comum aos países em desenvolvimento, tendo em vista que muitos possuem suas economias baseadas na exportação commodities. BRESSER-PEREIRA. 2009, p. 141-142. 233 Quando se trata da execução das atividades de produção e exploração de petróleo, propriamente dita, a esta se exclui as decisões governamentais de caráter arrecadatório, como as participações governamentais. 234 Em entrevista ao Valor Econômico, José Sergio Gabirelli, presidente da Petrobras de 2003 aos dias atuais, menciona a necessidade de cadenciar a produção à capacidade da indústria nacional de bens e serviços. “Se você acelera muito isso [a produção de petróleo], impossibilita que a indústria nacional se habilite para ser

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institucional da PL 5.938/2009, quando desenhado, teve o objetivo claro de (i) fortalecer o complexo produtivo da indústria de petróleo. O PL 5.941/2009 dispôs sobre a criação de uma empresa pública que se consorciaria à Petrobras ou ao consórcio vencedor nos contratos de partilha. A empresa pública teria a finalidade de exercer a gestão do contrato, cumprindo, assim, com a premissa de (i) aumentar o controle do Estado sobre o ritmo e as condições da produção. Por sua vez, o PL 5.939/2009 dispôs sobre a autorização da União de ceder onerosamente à Petrobras o exercício das atividades de exploração e produção em áreas do pré-sal, no limite de cinco bilhões de barris de petróleo. Do arranjo institucional proposto pela Comissão Interministerial, o Congresso Nacional aprovou o conteúdo dos três projetos sem alterações relevantes. Esses resultaram na promulgação de três leis: (i) a Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010, que dispõe sobre a cessão onerosa; (ii) a Lei nº 12.304, de 2 de agosto de 2010, que dispõe sobre a criação da empresa pública; e (iii) a Lei nº 12.351, que dispõe sobre o contrato de partilha.

1.1.1. A intervenção do CNPE e a perda da autonomia decisória da ANP

O pré-sal foi uma oportunidade para se cristalizar uma tendência comportamental do Estado que vinha ocorrendo desde 2003, resultado da nova correlação de forças: uma intervenção mais ativa da administração direta nas atividades do setor petrolífero. Nesse sentido, a reforma institucional das atividades de exploração e produção no pré-sal ampliou a esfera de competência do CNPE, órgão da administração federal direta. O CNPE adquiriu funções mais relevantes, inclusive, atraindo certas competências decisórias que antes eram da ANP. Conforme a Lei nº 12.351/2010, a qual estabeleceu sobre contrato de partilha, compete ao CNPE propor à presidência da República:

fornecedora. Então aumenta o risco de doença holandesa”. JORNAL VALOR ECONÔMICO. Licitação acelerada do pré-sal pode levar à desindustrialização. A16, 6 de dezembro de 2010.

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I – o ritmo da contratação dos blocos sob o regime de partilha de produção, observando-se a política energética, o desenvolvimento e a capacidade da indústria nacional para o fortalecimento de bens e serviços; II – os blocos que serão destinados à contratação direta com a Petrobrás sob o regime de partilha de produção; III – os blocos que serão objetos de leilão para a contratação sob o regime de partilha; IV – os parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha de produção [...].

Além do CNPE definir os blocos a serem licitados, como já havia estabelecido a resolução no 6/2003, o órgão passou a decidir sobre a forma de contratação e os parâmetros técnicos e econômicos dos contratos de partilha de produção. Dentre esses critérios, incluemse tanto as condições técnicas e financeiras para a aceitação de um licitante no certame quanto à definição do conteúdo nacional mínimo e outros critérios relacionados ao desenvolvimento da indústria nacional. A ampliação da competência do CNPE resultou, por sua vez, na diminuição da autonomia decisória da ANP. Com as reformas institucionais no setor petrolífero para as atividades de exploração e produção no pré-sal, coube à ANP, apenas, promover estudos técnicos sobre os blocos exploratórios e elaborar a minuta dos contratos de partilha (art. 11, II e II), submetendo-os à apreciação do Ministério de Minas e Energia; promover as licitações de acordos com os critérios estipulados pelo CNPE (art. 11, III); e fiscalizar as atividades realizadas sob o regime de partilha (art. 11, VI). Comparando as atribuições da ANP promulgadas pela Lei do Petróleo e as alterações promulgadas pela Lei do contrato de partilha, percebe-se, efetivamente, uma redução da esfera de poder decisório da agência reguladora. No arranjo institucional promulgado pela Lei do Petróleo, cabia à ANP promover estudos geológicos para a definição de blocos exploratórios; definir quais os blocos que seriam licitados; estabelecer as condições para a qualificação do licitante e seleção da proposta; conduzir os certames licitatórios; e fiscalizar o cumprimento dos contratos. Dessas atribuições, com a Lei do contrato de partilha, apenas as atribuições com características meramente técnicas foram mantidas: a promoção dos estudos geológicos; a condução do processo de licitação e a fiscalização dos contratos. Além da inserção fática do CNPE na estrutura macrojurídica da Petrobras e a reformulação da ANP, a Lei do contrato de partilha e a Lei da cessão onerosa alteraram

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profundamente o desenho do arranjo institucional em que a Petrobras estava inserida. Para isso, o presente trabalho descreverá a estratégia de articulação desenhada pelas normas entre a Petrobras, os agentes públicos e os agentes privados em ambas as modalidades contratuais aprovadas: o contrato de partilha e a cessão onerosa.

1.1.2. A articulação estratégica entre a Petrobras, a ANP, o CNPE, a PPSA, as empresas privadas de petróleo para estimular a indústria nacional

Um dos objetivos da reforma institucional promulgada em 2010 foi a substituição da modalidade de contratação das atividades de exploração e produção nas áreas do pré-sal. Na década de 1990, quando a Constituição Federal de 1988 foi alterada para permitir a União contratar tanto a Petrobras como também empresas privadas, a Lei do Petróleo estabeleceu a concessão como a única espécie de contrato. Com a descoberta do pré-sal, o Congresso Nacional aprovou mais duas espécies contratuais: (i) o contrato de partilha; e (ii) o contrato de cessão onerosa235. Em ambas as espécies de contrato, o CNPE assumiu a competência de estabelecer a porcentagem do conteúdo nacional mínimo estipulado nas cláusulas contratuais. Na resolução no 6/2003, o órgão já havia requisitado à ANP para estabelecer taxativamente tal obrigação nos editais. Todavia, como o CNPE assumiu a competência de determinar as condições dos editais e dos contratos, a Lei no 12.351/2010 e a Lei no 12.276/2010 dispuseram sobre a obrigatoriedade do órgão da administração direta estabelecer a cláusula de conteúdo nacional conforme sua conveniência e oportunidade. A estipulação de um percentual mínimo de conteúdo nacional, por si só, é um estímulo aos agentes privados a alocar recursos na indústria de base do setor petrolífero. Todavia, se estabelecidas metas ousadas, devem os contratantes ater-se a capacidade produtiva da indústria nacional para suprir a sua própria demanda e evitar estrangulamentos nas atividades de exploração e produção. Com isso, o limitador às importações de bens e

235

Para a execução de atividades em blocos exploratórios nas áreas do pré-sal, as contratações estão vinculadas a essas novas modalidades de contratos. Por sua vez, para a contratação de atividades em blocos extravagantes à área do pré-sal, o CNPE pode escolher discricionariamente a espécie do contrato que será celebrada.

135

serviços resulta na transferência aos contratantes da obrigação de fomentar um complexo industrial nacional que atenda as suas próprias necessidades. O critério de conteúdo nacional mínimo possui uma forte semelhança com os programas de substituição de importação da década de 1950 e 1960, pois estabelece um mecanismo jurídico que impede as importações de bens e serviços mediante a criação de uma barreira de proteção à indústria nacional e garante uma demanda em plena ebulição. Entretanto, diferentemente da década de 1950 e 1960, para haver o processo de substituição de importação dos bens e serviços prestados às atividades de exploração e produção, uma condição sine qua non é a inovação. O pré-sal, atualmente, corresponde à área exploratória com maior profundidade do mundo, chegando até sete mil metros. Além da profundidade, as condições do solo rochoso pré-sal e pós-sal exigem o desenvolvimento de uma tecnologia adequada às adversidades da produção. Isso faz com que a estipulação do conteúdo nacional mínimo exija, também, um elevado investimento em ciência e tecnologia para viabilizar uma produção pioneira no mundo. Se a estipulação do conteúdo nacional pelo CNPE transferiu os objetivos macroeconômicos da política pública industrial aos contratantes, pode-se dizer que, em decorrência das características dos contratos de partilha e cessão onerosa, essa política industrial foi transferida à Petrobras.

(I) CONTRATO DE PARTILHA

O contrato de partilha pode ser celebrado de duas formas: (i) mediante licitação; ou (ii) mediante a dispensa de licitação. De acordo com a Lei no 12.351/2010, o CNPE poderá propor à presidência da República a dispensa da licitação, desde que, nesse caso, a contratante seja unicamente a Petrobras (art. 8o, I). Sendo assim, é dedutível que a empresa estatal seja a empresa operadora das atividades de exploração e produção. Além da contratação por dispensa de licitação, o contrato de partilha também pode decorrer de um processo concorrencial, mediante a licitação sob a modalidade de leilão (art. 8o, II). A Petrobras, as empresas privadas nacionais e multinacionais de petróleo podem habilitar-se a concorrer por um determinado bloco exploratório no pré-sal por meio de um leilão, no qual o conteúdo nacional mínimo é previsto em edital (art. 15, VIII). A proposta

136

vencedora será aquela que ofertar uma maior porcentagem do excedente óleo para a União (art. 18)236. Se a licitante vencedora for uma empresa privada nacional ou multinacional, essa será obrigada a constituir um consórcio com a Petrobras com duas condições: que a participação mínima da empresa estatal no consórcio seja de 30% (art. 10, III, c); e que esta seja a empresa operadora dos blocos exploratórios (art. 4o). Ou seja, a Petrobras pode concorrer nas licitações, mas caso uma terceira empresa vença, mesmo assim, a estatal será a empresa operadora das atividades de exploração e produção. (Figura 5.1)

Figura 5.1 Leilão dos Blocos para Contrato de Partilha CNPE ANP

Petrobras

Consórcio Petrobras (operadora)

A Consorciado

Consorciado

A

B

A

A

Conclui-se, portanto, que a forma de contratação do regime de partilha retirou a livre concorrência do arranjo institucional da Petrobras, instituída durante a Reforma do Estado. Uma reserva mínima de mercado foi garantida à Petrobras, criando benefícios à empresa estatal não concedidos às empresas privadas.

236

O excedente óleo corresponde à parcela de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartidos entre a União e a contratada, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo óleo – investimentos financeiros realizados para custear as atividades de exploração e produção -, aos royalties e, quando exigível, à participação de que trata o art. 43 da Lei no 12.351/2010.

137

Além de eliminar a figura da empresa concorrente na estrutura macrojurídica da Petrobras, a Lei no 12.351/2010 ainda instituiu uma segunda inovação. Em ambas as alternativas institucionais de contratação do regime de partilha de produção - seja via licitação ou dispensa dela - a Petrobras (art. 19) ou o consórcio formado com a Petrobras (art. 20) se obriga a constituir ou a incluir a PPSA - Pré-sal Petróleo S.A - como empresa consorciada (Figura 5.2). Conforme os dispositivos da Lei no 12.304/2010, a PPSA é uma empresa pública sob a forma de sociedade anônima (art. 1o). Ou seja, a União é a única acionista. Esse agente público, dentro do contrato de partilha, terá a atribuição de gerir o contrato (art. 2o), que o fará através de um comitê operacional.

Figura 5.2 Consórcio formado com a PPSA Contratação direta ou empresa vencedora

Consórcio vencedor

Petrobras (operadora)

Petrobras (operadora)

A Consorciado

Consorciado

A

B

A

A Consórcio

Consórcio

Petrobras

Petrobras

(operadora)

(operadora)

Consorciado A

Consorciado

A

PPSA (Consorciada)

A

B

PPSA

A

(Consorciada)

A

Uma vez formalizada a associação entre a Petrobras, a PPSA e/ou a empresa privada nacional ou multinacional, a Lei do contrato de partilha estipulou que a administração da consórcio caberá a um comitê operacional formado por membros indicados pelos consorciados (art. 22 e 23). É de responsabilidade desse comitê decidir sobre os planos de

138

exploração (art. 24, I); os planos de avaliação de descoberta de jazida (art. 24, II); os programas anuais de trabalho e produção (art. 24, IV); e aprovar os orçamentos relacionados às atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção previstas no contrato (art. 23, V). Sendo o comitê operacional composto por representantes dos consorciados, a PPSA indicará metade integrantes do comitê operacional, inclusive o seu presidente (art. 23, parágrafo único) que terá o direito de veto e voto de qualidade, conforme previsto no contrato de partilha de produção (art. 25). Embora esse comitê de gestão tenha uma participação maciça de membros indicados pela PPSA, a Lei no 12.351/2010 deixa claro que a empresa pública não assumirá os riscos e não responderá pelos custos e investimentos inerentes às atividades de exploração e produção decorrentes dos contratos de partilha (art. 8o, § 2o). A PPSA será uma consorciada com privilégios na composição do comitê operacional, entretanto, não assumirá nenhum risco inerente ao negócio. Descrever a função da PPSA no consórcio importa para constatar que, apesar da empresa pública ser gestora do contrato de partilha, ela não assumirá nenhuma responsabilidade no caso de descumprimento da cláusula de conteúdo nacional. Havendo penalidade pecuniária, os custos recairão única e exclusivamente sobre a Petrobras e a empresa privada, quando esta for consorciada. Ademais, sendo a Petrobras a empresa operadora única, ela se responsabilizará por conduzir todas as atividades de exploração e produção, inclusive contratar as empresas prestadoras de bens e serviços237. Diante de tal estrutura macrojurídica, é possível afirmar que a Petrobras assume a obrigação de cumprir com a cláusula de conteúdo nacional só, quando contratante única, ou dividindo os riscos com uma empresa privada, quando em consórcio. Com isso, a empresa privada nacional ou multinacional permanece na estrutura macrojurídica da Petrobras, mas não como concorrente, e sim como parceira para dividir os riscos do empreendimento.

237

A Petrobras conceitua a empresa operadora como a empresa que “conduz as atividades de exploração e produção de petróleo e gás [...]. a operadora providencia os recursos humanos e materiais para a execução das atividades. Deve, por exemplo, viabilizar a utilização de novas tecnologias e implementar as contratações necessárias à execução das operações, seja de forma direta ou por meio de suas afiliadas”. PETROBRAS. op. cit.

139

Apesar de, até o presente momento dessa dissertação, nenhum contrato de partilha ter sido efetivamente celebrado, o contrato de cessão onerosa fornece boas evidências empíricas sobre a inserção da política industrial como objetivo macroeconômico assumido pela Petrobras.

(II) CONTRATO DE CESSÃO ONEROSA No contrato de cessão onerosa, estipulado pela Lei no 12.276/2010, a União pôde ceder onerosamente à Petrobras o exercício das atividades de exploração e produção de petróleo em áreas do pré-sal no limite da extração de cinco bilhões de barris de Petróleo. Nessa estrutura macrojurídica, a Petrobras é a única contratante (art. 4o), e, por esse motivo, também é a empresa operadora. Além disso, a empresa estatal não tem a obrigação de constituir consórcio com a PPSA, inexistindo o comitê operacional, como ocorre no contrato de partilha. Em 3 de setembro de 2010, o contrato de cessão onerosa foi celebrado entre a União e a Petrobras, relacionando seis áreas exploratórias como objetos da cessão: Florim, Franco, Sul de Guará, Entorno de Iara, Sul de Tupi, Nordeste de Tupi. Apesar da lei não prever um percentual mínimo de conteúdo nacional, o CNPE o incluiu entre as cláusulas contratuais no ato de celebração do contrato, transformando-o em uma obrigação jurídica. Com isso, o órgão determinou um percentual de conteúdo nacional mínimo na ordem de 65%, consideravelmente alto quando comparado com o que se vinha praticando nos contratos de concessão. Tendo a cessão onerosa como referencial, já se pode observar uma mudança na atuação da Petrobras. Diante da obrigação jurídica de adquirir bens e contratar serviços com empresas nacionais no percentual mínimo de 65% de todas as compras, a Petrobras vem optando por alternativas institucionais que objetivam incentivar a ampliação da produção da indústria nacional. Em entrevista ao Jornal Valor Econômico, o atual presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, explica quais foram as medidas já adotadas pela Petrobras e as justifica. A primeira medida é a transparência das informações aos fornecedores. Todos os projetos de investimentos da empresa estatal, até 2014, são detalhados, atualizados e 140

divulgados trimestralmente, estimulando, assim, os agentes privados nacionais a investir, por si só, na produção de componentes necessários para as atividades de exploração e produção238. Além da transparência, a Petrobras elaborou um planejamento de incentivos aos fornecedores de acordo com as características do produto comercializado. O primeiro grupo seria formado pelas indústrias que já atingiram os níveis de competitividade satisfatório no comércio internacional em razão de sua escala, tecnologia, gestão e outros fatores. A eles, não seria demandado nenhum esforço da empresa. O segundo grupo seria formado por aqueles fornecedores que dificilmente vão atingir escalas e condições competitivas no horizonte de um mercado globalizado. A eles, explica o presidente da Petrobras, não existe interesse da empresa estatal em promover incentivos. O terceiro grupo, por sua vez, seria formado pelos fornecedores que, embora não sejam competitivos no mercado internacional, comungam as condições para ser competitivos desde que incentivos sejam a eles concedidos. Os fornecedores deste terceiro grupo são os agentes em que a Petrobras tem interesse em incentivar. Para isso, a empresa promove licitações por pacote, ao invés de fazer por unidade, onde cada pacote permite ao fornecedor aumentar sobremaneira sua escala de produção239. Somado a isso, a Petrobras lançou, recentemente, em 6 de junho de 2011, um programa chamado Progredir. O Progredir está baseado na parceria entre a Petrobras e os seis maiores bancos de varejo do país: a Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, HSBC e Santander. O objetivo é criar um ambiente favorável para a concessão de crédito, lastreado nos recebíveis ainda não executados em cada um dos contratos firmados entre os participantes da cadeia. Assim, qualquer fornecedor que participe dessa cadeia está, em princípio, apto a integrar o Progredir e poderá antecipar uma parcela de até 50% dos seus recebíveis por meio dos bancos integrantes do programa.

238

Trecho da entrevista de Sergio Gabrielli ao Valor econômico que trata da transparência: “Os nossos projetos de investimento são detalhados. A nossa demanda está identificada em 3.200 componentes, atualizada trimestre a trimestre, até 2014. Quando entra um novo projeto, a demanda é atualizada. Por exemplo: o fornecedor de parafuso sextavado (com seis faces) sabe que vamos precisar de 25 mil unidades e para o terceiro trimestre de 2010”. JORNAL VALOR ECONÔMICO, op. cit. 239 Durante a entrevista, Sergio Gabrielli cita como exemplo o pacote de componentes licitado com sete navios sondas, o qual teve como empresa vencedora a Estaleiro Atlântico Sul, formada pelas empresas Camargo Correia e a Queiroz Galvão.

141

Observando a estrutura macrojurídica dos contratos de cessão e sua nítida influência no padrão de comportamento da Petrobras, pode-se concluir que a determinação pelo Estado de um conteúdo nacional mínimo transferiu para a Petrobras um objetivo macroeconômico: o fomento da indústria nacional de petróleo.

2. A

ESTRUTURA MICROJURÍDICA: O AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA

COMPOSIÇÃO ACIONÁRIA DA PETROBRAS

Não obstante as alterações institucionais decorrentes da adoção de um novo modelo contratual para as atividades de exploração e produção, o Estatuto Social da Petrobras se manteve inalterado. O Conselho de Administração permanece sendo eleito pelos acionistas, os quais, por sua vez, elegem a diretoria. Quanto ao controle, a União continuou – obrigatoriamente – como acionista controladora, persistindo a Petrobras como uma empresa estatal. Quanto aos acionistas minoritários, qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, prosseguiu plenamente habilitado para tornar-se um detentor de ações ordinárias ou preferências. Apesar do Estatuto Social não ter sofrido alterações relevantes, não se pode dizer o mesmo quanto à composição acionaria. Os elevados investimentos necessários para a exploração e a produção de Petróleo na área do pré-sal, mormente a condição de empresa operadora única, levaram o Conselho de Administração a aprovar um Plano de Negócios 2010-2014 com a provisão do vultoso investimento de 224 bilhões dólares240. Para a capitalização da empresa, uma das alternativas seria a oferta pública de ações ordinárias e preferenciais via mercado de capitais, a qual foi submetida e aprovada pela Assembleia Geral, conforme previsto no art. 4o, § 2o, do Estatuto Social da companhia. Ressalta-se que nessa votação a União se absteve de votar, deixando a decisão a cabo dos acionistas minoritários. Contudo, optando-se pelo aumento de capital social da empresa estatal, a União não poderia eximir-se de subscrever a quantidade de ações mínimas necessárias para manter-se

240

PETROBRÁS. Fato Relevante: Plano de Negócios 2010-2014. 2010. Disponível em: . Acessado em: 7 de maio de 2011.

142

como empresa controladora. Diante desse impasse entre a imprescindibilidade de capitalização da Petrobras e a obrigação da União de manter-se como acionista controladora, eis que foi proposta a cessão onerosa como uma alternativa institucional. A Lei no 12.276/2010, aprovada em 30 de junho de 2010, autorizou a União ceder onerosamente à Petrobras, dispensada a licitação, as atividades de exploração e produção nas áreas do pré-sal, não podendo esta produção exceder cinco bilhões de barris de Petróleo (art. 1o, § 2o). Como contrapartida pela cessão, a mesma norma determinou o pagamento dos barris de petróleo extraídos pela Petrobras à União prioritariamente em títulos da divida pública mobiliário federal, precificados a valor de mercado (art. 1o, § 2o). Autorizando a União antecipar o usufruto dos benefícios representados pelo pré-sal, ainda nem sequer extraídos da plataforma continental, a cessão onerosa permitiu o acionista controlador de participar da capitalização da Petrobras sem comprometer o orçamento público federal. A União pode integralizar as ações subscritas através dos mesmos títulos da dívida pública mobiliária federal emitidos pela Petrobras na compra dos barris de petróleo da cessão onerosa (art. 9o). A partir desta prerrogativa legal, um longo debate surgiu para que o preço do barril do petróleo fosse firmado de forma equânime para as partes interessadas: a União e a Petrobras; o acionista controlador e os acionistas minoritários. O valor do barril de petróleo, objeto da cessão onerosa, importava para quantificar o montante que seria transferido da empresa estatal à União para satisfazer a obrigação contratual. Nesse sentido, haviam interesses conflitantes em cena: de um lado a União era tendenciosa a valorizar sua riqueza natural e, no lado oposto, a Petrobras, principalmente seus acionistas minoritários, eram tendenciosos a pagar um preço mais barato pelo barril para maximizar seus lucros. Diante dos interesses conflitantes, além do laudo técnico de avaliação das áreas cedidas, obtido pela ANP, conforme previu a Lei no 12.276/2010, a Petrobras também contratou uma entidade certificadora independente. Foram essas a Gaffney Cline and Associates, contratada pela ANP para representar a União, e a MacNaughton, contratada pela Petrobras. Ambas as empresas fizeram estimativas dos recursos contingentes241 e, em alguns

241

Recursos contingentes são “as quantidades estimadas de petróleo, que a partir de uma determinada data, apresentam o potencial de serem recuperadas em acumulações conhecidas, com a aplicação de projetos de

143

casos, dos recursos prospectivos242 nessas áreas, utilizando a metodologia do fluxo de caixa descontado para calcular o valor presente do barril de petróleo equivalente243. Apesar de semelhante a metodologia, os resultados dos laudos técnicos apresentaram uma expressiva discrepância. A empresa contratada pela ANP estimou o preço médio do barril de petróleo nas áreas cedidas em 7,43 dólares por barril, enquanto a empresa financiada pela Petrobras avaliou o mesmo barril de petróleo por 9,52 dólares por barril. Apresentando uma diferença que variava em média de 20% entre um laudo e outro, a União e a Petrobras entraram no consenso de estabelecer o preço do barril de petróleo a partir da média ponderada entre os dois certificados, o que ficou estabelecido em 8,51 dólares por barril de óleo equivalente. Este valor, multiplicado por cinco bilhões barris cedidos, alcançou a cifra de 42,533 bilhões de dólares, equivalente a 74,808 bilhões de reais, montante que seria pago à União em LFT – Letras Financeiras do Tesouro – pela Petrobras (Tabela 5.1). Após o acordo entre a Diretoria da Petrobras e a União dos valores dos barris de petróleo, restava ainda a anuência do Conselho de Administração para a concretização da cessão onerosa, de acordo com os dispositivos da Lei das S.A. Na oportunidade, observa-se que, para analisar as condições da cessão onerosa, o Conselho instituiu um comitê do conselho, composto por representantes dos acionistas minoritários e preferencialistas244, que foi assessorado pela empresa de consultoria Braclays Capital. O objetivo, com isso, foi averiguar se, durante o processo de capitalização, tais acionistas seriam prejudicados em seus direitos.

desenvolvimento, mas que atualmente não são consideradas comercialmente recuperáveis devido a uma ou mais contingências” (definição estabelecida no documento Petroleum Resources Management System – PRMS da Society of Petroleum Engineers - SPE) 242 Recursos Prospectivos são “quantidades de petróleo, estimadas a partir de determinada data, como potencialmente recuperáveis, em acumulações não descobertas”. 243 “A DeGolyer (DeGolyer and MacNaughton, 2010) considerou as seguintes premissas no cálculo dos valores das áreas cedidas: taxa de desconto de 10%; preços do petróleo Brent e do gás natural em 2010 iguais a US$ 79,23/b e US$ 4,27/mil pés cúbicos, respectivamente. Já a Gaffney,Cline (Gaffney,Cline and Associates, 2010) adotou os seguintes parâmetros: preço do petróleo fundamentado na curva de preço futuro do petróleo Brent da NYMEX, ajustada para a qualidade esperada do petróleo (preço médio do Brent de US$ 81,04/b em 2011 com elevação para US$ 92,58/b em 2018); inflação de 2% depois de 2018 e presumiu que todas as estimativas de custo sofram 2% de inflação ao ano a partir de 2011; imposto de renda baseado em depreciação linear de 20 anos para os FPSO’s 8 e 10 anos para os outros ativos”. SOUSA, Francisco José Rocha. A Cessão Onerosa de Áreas do Pré-sal e Capitalização da Petrobras. Brasília: Consultoria Legislativa, 2011. 244 No código de boas práticas da Petrobras, é previsto a formação de um Comitê do Conselho com representantes dos acionistas minoritários quando uma determinada decisão pode vir a prejudicá-los.

144

Apurados os dados da capitalização e tendo o comitê ad hoc anuído com a operação, o Conselho de Administração autorizou a capitalização em 1o de setembro de 2010, finalizando, assim, os trâmites para a aprovação do aumento do capital dentro da Petrobras. É valido acrescentar que a União também se absteve de votar no Conselho de Administração, assim como tinha agido na votação ocorrida em Assembleia Geral.

Tabela 5.1 Volume e Valores de Áreas da Cessão Onerosa Volume da Cessão Área do Contrato

Onerosa (milhões de

Valor do Barril

barris)

Valoração da Cessão Onerosa (US$)

Florim

467

9,01

4.207

Franco

3.058

9,04

27.644

Sul de Guará

319

7,94

2.534

Entorno de Iara

600

5,82

3.489

Sul de Tupi

128

7,85

1.005

Nordeste de Tupi

428

8,54

3653

5.000

8,51

42.533

Total

Iniciada em 24 de setembro de 2010 e concluída em 1o de outubro de 2010, a oferta pública da Petrobras capitalizou a empresa estatal em 120,25 bilhões de reais. Desses, 79,79 bilhões de reais foram incorporados diretamente pela União através do Tesouro Nacional (42,9 bilhões de reais) e por instituições por ela controlada: o BNDES e o BNDESpar (24,71 bilhões de reais); e o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE) (12,18 bilhões de reais)245. Os outros 40,46 bilhões de reais foram incorporados pelo próprio mercado e permaneceram no caixa da Petrobras. (Tabela 5.2)

245

A oferta pública de ações compreendeu a emissão de 2.369 milhões de ações ordinárias e 1.901 milhões de ações preferenciais. PETROBRAS. Anuncio de Encerramento de Distribuição Pública Primária de Ações

145

Tabela 5.2 A Composição Acionária da Petrobras Antes e Depois da Capitalização Após a Oferta

ON

%

PN

%

Total

%

União Federal

3.991

53,6%

66

1%

4.057

31,1%

BNDES/BNDESpar

398

5,4%

1.344

24%

1.742

13,4%

FFIE

344

4,6%

162

2,9%

506

3,9%

ADR Nível 3

1.521

20,4%

1.444

25,8%

2.964

22,7%

Estrangeiros (Resolução no 2.689 CMN)

387

5,2%

747

13,3%

1.134

8,7%

Outros

801

11%

1.840

32,8%

2.641

20,2%

7.442

100%

5.602

100%

13.044

100%

Total Antes da Oferta União Federal BNDES/BNDESpar FFIE ADR Nível 3

ON

%

PN

%

Total

%

2.819

55,6%

0

0%

2.819

32,1%

98

1,9%

574

24%

673

7,7%

0

0%

0

0%

0

0%

1.261

24,9%

1.274

34,4%

2.535

28,9%

Estrangeiros (Resolução no 2.689 CMN)

251

4,9%

511

13,8%

762

8,7%

Outros

644

12,7%

1.342

36,83

1.986

22,6%

5.073

100%

3.701

100%

8.774

100%

Total

Os valores integralizados pela União foram pagos através com parte das LFTs recebidas pela cessão onerosa. O saldo remanescente das LFTs, que somava 31,9 bilhões de reais, foi mantido como receita no caixa do Tesouro Nacional, os quais resultaram no aumento significativo do superávit primário. Com isso, o governo conseguiu cumprir com a meta anual. Por sua vez, os valores integralizados pelo BNDES e BNDESpar decorreram da concessão de empréstimo de até R$ 30 bilhões em títulos públicos do Tesouro Nacional, aprovada pelo Congresso Nacional através da MP 505/2010246. Por fim, os valores integralizados pelo FFIE derivaram de títulos públicos que já estavam na carteira do fundo desde dezembro de 2008.

Ordinárias e de Ações Preferenciais da Petróleo Brasileira S.A. – Petrobras. Disponível em: . Acessado em: 5 de maio de 2011. 246 “De acordo com a MP, o custo financeiro da operação para o BNDES terá como base a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), e não o índice de indexação dos títulos que vai receber. A TJLP é o custo básico das operações de financiamento do banco para o mercado e costuma ser fixada abaixo da taxa Selic – atualmente, a TJLP está em 6% ao ano, contra 10,75% ao ano da Selic. A MP estabelece que a instituição poderá pagar o empréstimo com bens e direitos de sua propriedade”. AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Aprovada MP que autorizou empréstimo do Tesouro para BNDES comprar ações da Petrobras. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/193962.html>. Acessado em: 20 de maio de 2011.

146

Através dessas operações, a União e suas partes relacionadas aumentaram suas participações no capital societário da Petrobras em ações ordinárias e ações preferenciais. Juntas, estas passaram a deter 63,6% das ações ordinárias e 48,4% do capital total, o que antes da oferta pública correspondiam a apenas 57,9% e 39,8%, respectivamente. Com o aumento da participação dos agentes públicos, em contrapartida, ocorreu a diminuição da participação dos acionistas minoritários, notadamente de acionistas brasileiros e estrangeiros via ADRs nível III. Todavia, mesmo considerando tais dados, é inegável que a manutenção de 51,6% das ações na mão dos acionistas minoritários impede a Petrobras de atuar contra seus interesses. Com isso, a obtenção de rentabilidade financeira continua como um objetivo jurídico da Petrobras, persistindo, assim, o conteúdo da face empresarial da empresa estatal na estrutura microjurídica da Petrobras.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O RETORNO DA FACE ESTATAL

Desde 2003, a vitória do partido de oposição na eleição à presidência da República foi acompanhada de mudanças institucionais graduais. Em 2004, instrumentos de políticas públicas voltaram a ser editados pelo Estado com o intuito de orientar a atuação dos agentes públicos e privados para a concretização de objetivos macroeconômicos previamente definidos. Ademais, empresas estatais foram criadas no setor produtivo, em contraposição à década de 1990, a era das maciças privatizações. A partir dessas mudanças no arranjo institucional da relação Estado e mercado, uma característica se sobressai de forma patente: o retorno de uma maior intervenção estatal no mercado. Entretanto, essa decorre a partir de instrumentos jurídicos que unem o capital público e o capital privado em parceria, resultando no compartilhamento do risco de empreendimento relevante para o desenvolvimento nacional. Na Petrobras, as alterações jurídicas foram semelhantes. Primeiramente, quanto a estrutura macrojurídica, o Estado voltou a publicar os planejamentos econômicos, incluindo a empresa estatal como agente público responsável pela concretização das políticas públicas previamente determinadas. Além dos planejamentos econômicos, a cláusula do conteúdo nacional nos contratos de partilha e cessão onerosa resultou na transferência para a Petrobras 147

da obrigação de estimular a indústria nacional para satisfazer a sua própria demanda nas atividades de produção e exploração de petróleo no pré-sal. Paralelo às políticas públicas, foi garantida a Petrobras o benefício de ser operadora única dos blocos exploratórios do pré-sal, uma prerrogativa que criou vantagens à empresa estatal não concedidos às empresas privadas. Apesar dos objetivos macroeconômicos e dos benefícios concedidos à Petrobras, essa continuou podendo constituir consórcio com as empresas privadas nos contratos de partilha. Além dos consórcios, na estrutura microjurídica, a participação de agentes privados também foi mantida na composição acionária, considerando que os acionistas minoritários permaneceram com mais de 50% da composição acionária da Petrobras mesmo após o aumento do capital social. Com isso, pode-se concluir que a Petrobras retomou sua função de implementar políticas públicas, readquirindo sua face estatal diminuída na fase neoutilitarista. Todavia, os agentes privados continuaram a fazer parte da estrutura macrojurídica – empresas consorciadas – e microjurídica – acionistas minoritários – da Petrobras. Esses, dividindo os riscos da exploração e produção do pré-sal, funcionam como contrapeso na relação com o agente público, incentivando a empresa estatal a continuar financeiramente rentável. Por essa razão, é possível concluir que nesses primeiros anos do século XXI, assim como no Regime Militar, a Petrobras passa a atuar tanto com sua face estatal e sua face empresarial, adaptando-se ao novo arranjo institucional da relação Estado e mercado. Mas como o atual contexto político-econômico e institucional é diferente das décadas de 1960 a 1980, não se pode deduzir que essa nova fase é igual ao período da ditadura. Nessa fase mais recente, uma nova relação do capital estatal e capital privado se forma com suas particulares nuances. O Estado atua diretamente na economia conforme as regras do jogo do mercado, mas o capital estatal não funciona mais como uma haste de apoio ao capital nacional. Esse, ora suficientemente fortalecido, se une ao capital estrangeiro e ao capital estatal em condições paritárias na tríplice aliança, assumindo e repartindo os mesmos riscos do empreendimento.

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CONCLUSÃO A ADAPTAÇÃO DA PETROBRAS AO ARRANJO INSTITUCIONAL BRASILEIRO

A persistente dinâmica da Petrobras como empresa estatal no arranjo institucional brasileiro já soma 57 anos. Constituída em 3 de outubro de 1953, a Petrobras foi criada no seio do movimento nacional-desenvolvimentista da segunda Era Vargas e perdura até os dias atuais, permanecendo ativa mesmo após mudanças de correlações de forças que alteraram sobremaneira a relação Estado e mercado. Embora a notável constância da atuação Petrobras, não é possível dizer que a empresa estatal da década de 1950 é idêntica a do século XXI. Reformas na sua estrutura macro e microjurídica foram aprovadas para adaptar a Petrobras à posição ideológica dominante sobre a relação Estado e mercado, cristalizada no arranjo institucional pátrio. Eis a confirmação dessa adaptação conforme apurado na presente dissertação. Os dez primeiros anos da Petrobras coincidiram com os últimos anos da correlação de forças nacional-desenvolvimentista. Nesse período, o arranjo institucional foi modificado para permitir o Estado intervir na economia direta e indiretamente com a finalidade de promover uma industrialização baseada no capital nacional. Nessa conjuntura institucional, as empresas estatais eram criadas com objetivos macroeconômicos bem definidos em suas leis constitutivas ou nas políticas públicas, com provisão orçamentária para a concretização das metas e sem uma obrigação jurídica de perseguir uma rentabilidade financeira. Nesse mesmo período, a estrutura microjurídica da Petrobras caracterizava-se pela predominância quase absoluta do Estado como acionista e também pelo elevado grau de interferência do presidente da República para nomear a diretoria executiva e os membros do Conselho de Administração. Somado a isso, os investimentos da Petrobras eram garantidos pela transferência vinculada de recursos financeiros públicos. A estrutura macrojurídica, por sua vez, caracterizava-se pela execução do monopólio da União exclusivamente pela Petrobras, eliminando a livre concorrência, e pela articulação estratégica entre a empresa estatal, os agentes públicos – o CNP e a CINPE – e os privados – a Abdib e as indústrias de bens de capital –, para a consecução de objetivos juridicamente determinados no Plano de Metas. 149

Considerando as estruturas micro e macrojurídicas da Petrobras nesse primeiros dez anos, percebe-se que elas foram constituídas para que a empresa estatal cumprisse, prioritariamente, as políticas públicas estabelecidas no Plano de Metas. Inexistia a obrigação jurídica para a Petrobras perseguir a rentabilidade financeira de seus investimentos devido a irrelevância dos acionistas privados na composição acionário e a garantia de recursos financeiros públicos. Por essa razão, a Petrobras, filha de uma correlação de forças nacionaldesenvolvimentista, nasceu com uma face estatal estampada, acomodada a um arranjo institucional essencialmente propício aos cumprimentos de políticas públicas. Passado os dez primeiros anos de atuação, o golpe militar representou o marco temporal de uma nova coalizão de forças. Reformas institucionais foram implementadas para reestruturar o modus operandi da relação Estado e mercado. Primeiramente, a necessidade de fortalecer a haste fraca da tríplice aliança – o capital nacional – exigiu uma maior participação do capital estatal no financiamento das empresas privadas. Paralelamente, as empresas estatais foram incentivadas a adquirir uma atuação idêntica às empresas privadas, buscando a rentabilidade de seus investimentos para garantir o seu autofinanciamento devido o esgotamento da transferência dos recursos financeiros públicos. Todavia, o Estado continuou promulgando planejamentos econômicos que estabeleceram metas a serem cumpridas pelas empresas estatais. Isso significa que o arranjo institucional vigente durante o Período Militar impôs às empresas estatais um comportamento dual: ao mesmo tempo em que deveriam buscar a rentabilidade para manter autofinanciamento dos seus investimentos, tinham a obrigação jurídica de concretizar políticas públicas juridicamente determinadas nos planejamentos econômicos. Nesse mesmo período militar, a estrutura macrojurídica da Petrobras foi reformada para que a empresa estatal tivesse uma atuação em condições idênticas às empresas privadas. Neste sentido, normas jurídicas foram alteradas para proporcionar autonomia de gestão e autonomia financeira para a empresa estatal. O controle administrativo passou para o Ministério de Minas e Energia e os preços dos derivados do petróleo começaram a se basear nos custos operacionais e nas necessidades de investimentos da Petrobras. Com isso, a rentabilidade financeira foi inserida na esfera de objetivos da Petrobras, permitindo a empresa colocar em prática seu próprio plano crescimento com a criação de subsidiárias atuantes em setores não monopolizados. Entretanto, normas e planejamento econômicos continuaram a orientar o desenvolvimento econômico nacional, incluindo a Petrobras como instrumento 150

jurídico para a promoção deste desenvolvimento. A empresa estatal assumiu a obrigação de fomentar a indústria petroquímica, a reverter uma parcela significativa de seus investimentos para as fases de exploração e produção e promover a capacitação tecnológica. Diante deste cenário, é possível concluir que a estrutura macrojurídica da Petrobras durante o governo militar requisitou uma atuação bifronte da empresa estatal. Ao mesmo tempo em que a Petrobras deveria preocupar-se com a eficiência econômica de suas atividades – a face empresarial –, também estava atrelada ao cumprimento das metas estabelecidas pelos planos de desenvolvimento – a face estatal. Encerrado o regime militar e iniciado o processo de redemocratização, uma terceira correlação sobrepôs à anterior. Essa, na década de 1990, incorporou um consenso sobre a ineficiência do Estado para intervir diretamente no setor produtivo. Imerso à essa ideia, um novo arranjo institucional mostrou seus contornos, os quais foram consumados pelas amplas reformas que mudaram a relação Estado e mercado. Como estipulou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, o Estado não mais deveria atuar em setores de produção de bens e serviços para o mercado. Seguindo essa instrução, empresas estatais foram privatizadas, monopólios foram extintos, agências reguladoras foram constituídas e regimes concorrências foram estabelecidos em setores antes monopolizados por empresas estatais. Nessa mesma década, a Petrobras resistiu às privatizações como uma empresa estatal. Entretanto, essa persistente trajetória lhe custou uma reestruturação jurídico-institucional. Na estrutura macrojurídica, o Estado se omitiu na publicação de planejamentos econômicos, revertendo o eixo decisório de alocação de recursos da Petrobras unicamente para o Conselho de Administração e membros da direção da Petrobras. Ademais, inseriu a empresa estatal em um ambiente de livre concorrência, passando a ser regulada pela ANP e a participar de rodadas de licitação em condições idênticas às empresas privadas. Além das mudanças na estrutura macrojurídica, as estrutura microjurídica da Petrobras também foi amplamente reformado. A Lei do Petróleo suplantou a Lei no 2.004/1953, possibilitando mudanças no Estatuto Social. Com isso, o Conselho de Administração e a direção executiva passaram a ser eleitos unicamente pelo acionistas, não mais diretamente pela presidência da República; todas as restrição da composição acionária aos investidores estrangeiros foram extintas; a União oxigenou a composição acionária da Petrobras com a venda de ações ordinárias e preferências; e práticas de governança corporativa foram adotadas com a intenção de implantar uma melhor eficiência econômica. 151

Pode-se dizer, portanto, que as reformas na estrutura macro e microjurídica da Petrobras na década de 1990 resultaram na adaptação institucional dessa - mesmo como empresa estatal - à relação Estado e mercado impressa no arranjo jurídico da década de 1990. Muito embora a empresa estatal tenha persistido no arranjo institucional, esta passou a atuar de maneira identifica às empresas privadas. Como o Estado foi omisso na edição de planejamentos econômicos e o Conselho de Administração também não estabeleceu os objetivos macroeconômicos, os objetivos microeconômicos conduziram a atuação da empresa estatal. Isso fez com que, durante o período ora estudado, a Petrobras mostrasse sua face empresarial, conveniente à conjuntura que estava imersa. Por fim, a vitória do partido de oposição na eleição à presidência da República de 2002 foi acompanhada de uma nova correlação de forças e de mudanças institucionais graduais. Em 2004, instrumentos de políticas públicas voltaram a ser editados pelo Estado com o intuito de orientar a atuação dos agentes públicos e privados para a concretização de objetivos macroeconômicos previamente definidos. Ademais, empresas estatais foram criadas no setor produtivo, em contraposição à década de 1990, a era das maciças privatizações. A partir dessas mudanças no arranjo institucional da relação Estado e mercado, uma característica sobressai de forma patente: o retorno de uma maior intervenção estatal no mercado. Entretanto, esta decorre a partir de instrumentos jurídicos que unem o capital público e o capital privado em parceria, resultando no compartilhamento do risco de empreendimento relevante para o desenvolvimento nacional. Na Petrobras, as mais recentes alterações jurídicas foram semelhantes. Primeiramente, quanto a estrutura macrojurídica, o Estado voltou a publicar os planejamentos econômicos, incluindo a empresa estatal como agente público responsável pela a concretização das políticas públicas previamente determinadas. Além dos planejamentos econômicos, a cláusula do conteúdo nacional nos contratos de partilha e cessão onerosa resultou na transferência para a Petrobras da obrigação de estimular a indústria nacional para satisfazer a sua própria demanda nas atividades de produção e exploração de petróleo no pré-sal. Paralelo às políticas públicas, foi garantido à Petrobras o benefício de ser operadora única dos blocos exploratórios do pré-sal, uma prerrogativa que criou vantagens à empresa estatal não concedidos às empresas privadas. Apesar dos objetivos macroeconômicos e dos benefícios concedidos à Petrobras, essa continuou podendo constituir consórcio com as empresas privadas nos contratos de partilha. Além dos consórcios, na estrutura microjurídica, a participação de 152

agentes privados também foi mantida na composição acionária, considerando que os acionistas minoritários permaneceram compondo mais de 50% do capital social da Petrobras mesmo após o aumento do capital social. Com isso, pode-se concluir que recentemente a Petrobras retomou sua função de implementar políticas públicas. Todavia, os agentes privados continuaram a fazer parte da estrutura macrojurídica – empresas consorciadas – e microjurídica – acionistas minoritários – da Petrobras. Esses, dividindo os riscos da exploração e produção do pré-sal, funcionam como contrapeso na relação com o agente público, incentivando a empresa estatal a continuar financeiramente rentável. Por essa razão, é razoável dizer que a Petrobras retoma sua face estatal – voltando a ter a obrigação de cumprir com políticas públicas previamente definidas – e sua face empresarial – voltada a manter a rentabilidade financeira para adquirir financiamento para seu plano de negócios. A partir da constatação que a estrutura macro e microjurídica da Petrobras foram modificadas, a pergunta de pesquisa desta dissertação foi respondida de forma positiva. Sim, a Petrobras persistiu no arranjo institucional como empresa estatal mesmo após a modificação da correlações de forças, contudo, teve suas estruturas macro e microjurídicas alteradas para adaptar-se a relação Estado e mercado cristalizada em diferentes períodos. Isso fez com que a Petrobras adquirisse, ao longo de sua história, uma dinâmica institucional bifronte: ora a empresa estatal esteve vestida com sua face estatal – direcionada a concretizar políticas públicas –; ora com sua face empresarial – voltada a busca pela rentabilidade financeira –; ora com ambas as faces – perseguindo a rentabilidade financeira, mas com a obrigação de concretizar políticas públicas claramente definidas.

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