As injustiças do Fator Previdenciário e o mito do ‘rombo’ da Previdência [2010]

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As injustiças do Fator Previdenciário e o mito do ‘rombo’ da Previdência1

João Telésforo 12 de setembro de 2010

No dia 4 de maio deste ano, o Congresso Nacional, atendendo a reivindicação uníssona das centrais de sindicatos dos trabalhadores e diversos outros movimentos sociais, aprovou por amplíssima maioria o fim do fator previdenciário, mecanismo que em geral reduz a aposentadoria de quem se aposenta por tempo de serviço, tendendo a punir os trabalhadores mais pobres e menos especializados. O Presidente da República, porém, vetou a derrubada do mecanismo, alegando não haver condições orçamentárias para suprir o aumento de R$ 10 bilhões nas despesas com aposentadoria que seriam geradas em 2010. O veto foi aplaudido pela maioria dos órgãos de imprensa, que vinha “alertando” que o fim do fator previdenciário aumentaria ainda mais o suposto “déficit” da Previdência. O episódio configura-se, assim, como uma boa oportunidade para desvelar o caráter falacioso desse discurso e explicar por que não há “déficit” ou “rombo” na Previdência Social, uma vez que se assumam as premissas da Constituição Federal de 1988. A conta que fazem para falar em “déficit bilionário” da Previdência é simples: tomam o valor com que contribuem os próprios segurados e subtraem daí o quanto se gasta para manter o sistema. Cálculo tão simplório quanto equivocado, pois o aporte dos trabalhadores não é a única fonte financiadora da Previdência: a Constituição estabelece um regime tripartite, sustentado pelos empregados, sim, mas também pelos empregadores e pelo próprio Estado. Ou seja, o governo, ao aportar recursos, está simplesmente cumprindo sua responsabilidade constitucional, e não cobrindo qualquer “déficit”. 1

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Há duas razões importantes para que o valor das contribuições dos trabalhadores não seja suficiente para cobrir sozinho o total de custos da Previdência Social. A primeira é que, ao longo da história, o Estado desviou recursos da Previdência para outros fins, como a construção de Brasília, da ponte Rio/Niterói, o financiamento da Companhia Vale do Rio Doce, da Companhia Siderúrgica Nacional, etc. A segunda é que a Constituição de 1988 incorporou como beneficiados da Previdência milhões de trabalhadores, especialmente rurais, que nunca tinham contribuído para ela. A Previdência é parte do sistema constitucional de seguridade social, e tem sido um instrumento muito importante de redução da pobreza e das desigualdades no país. Não faz sentido chamar de “déficit” ou “rombo” a necessidade de financiamento desse sistema. Seria como falar em “déficit” da educação ou “rombo” da saúde pelo fato de o Estado ter de investir nesses setores. Além disso, se ampliou direitos à Previdência, a Constituição também estabeleceu tributos que garantiriam os recursos. Quando contabilizada essa fonte, verifica-se que na verdade a Previdência é superavitária – tanto é que o governo costuma desviar parte da arrecadação dessas tributos vinculados à Previdência para pagar juros da dívida pública. Outro engano do senso comum conservador normalmente veiculado na mídia é supor que o único caminho para reduzir a necessidade de financiamento da Previdência pelo Estado (o “déficit”) é reduzir benefícios ou aumentar o tempo de contribuição dos segurados. Na verdade, os problemas da Previdência radicam, em grande parte, fora dela: no mercado de trabalho. Graças a altas taxas de informalidade, desemprego e rotatividade, grande parte da força de trabalho está excluída da Previdência – o que é ruim tanto para eles, que ficam privados de benefícios, como para o financiamento do sistema. O melhor caminho para combater o chamado “rombo da Previdência” é investir no crescimento do trabalho formal e estável. Evidência disso é que em 2009, a seguridade social urbana fechou o ano com superávit de R$ 3,6 bilhões, como fruto do crescimento econômico e da geração de empregos nos últimos anos, apesar da crise; houve “déficit” somente na previdência rural, de R$ 40 bi, causado em grande parte pelo aumento do valor do salário-mínimo nos últimos anos, o que tem sido fundamental à redução da pobreza no campo, que traz

consigo também o desestímulo ao êxodo rural, ao inchaço das cidades, e o incentivo à produção de alimentos. O real e ainda gigante déficit do nosso país é social. Déficit de moradia, educação, saúde, alimentação adequada, transporte… Esse é o verdadeiro rombo que devemos combater, e para isso devemos reivindicar a destinação de mais recursos públicos para a seguridade social – em especial para a saúde, extremamente subfinanciada no país –, e não o contrário.

O que é o fator previdenciário e por que ele gera injustiças

Quando um trabalhador se aposenta por tempo de contribuição (35 anos no caso dos homens, e 30, para as mulheres), o benefício a que tem direito é quase sempre reduzido, devido ao “fator previdenciário”. Criado em 1999, esse mecanismo estabelece que quanto menor o tempo de contribuição e a idade do trabalhador e maior a expectativa de vida da população brasileira, menor será o benefício do segurado do Regime Geral de Previdência Social. Ou seja, quanto mais cedo alguém começa a trabalhar, mais anos será forçado a permanecer na ativa, se não quiser ser prejudicado pelo fator: uma pessoa que começa a contribuir para a Previdência aos 30 pode se aposentar sem perder nada aos 65; já alguém que começa aos 18 tem sua aposentadoria severamente reduzida, caso se aposente aos 53. A lógica é que quem se aposenta mais cedo tenderá a receber a contribuição por mais tempo, e portanto faria jus a valor menor de aposentadoria. Seu propósito é incentivar o trabalhador a postergar sua aposentadoria, prolongando o tempo de contribuição. Os maiores prejudicados pelo fator previdenciário são os trabalhadores mais pobres e menos especializados. Em geral, precisam começar a trabalhar mais jovens, e assim podem atingir mais cedo o tempo de contribuição necessário para a aposentadoria. Porém, ao fazê-lo, são penalizados pelo fator previdenciário. Além disso, a alternativa de manter-se na ativa até uma idade mais avançada é mais difícil para eles, pois tem mais dificuldades de conseguir empregos estáveis após os 50 anos de idade, e portanto de se manterem como

contribuintes da Previdência. Ou seja: o fator previdenciário tende a incidir predominantemente as aposentadorias que já são menores, reduzindo-as. A idade mínima de aposentadoria exigida para que não haja impacto negativo do fator deverá seguir aumentando nos próximos anos, com o contínuo aumento da expectativa de vida dos brasileiros,. Mas, a que ritmo? O segurado não tem como prever o valor da sua aposentadoria com antecedência razoável, pois não pode adivinhar o crescimento da expectativa de vida da população. Além dos problemas já apontados, esse elemento de incerteza no cálculo do fator dificulta o planejamento de sua vida profissional e pessoal.

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