AS MORTES POR ARMAS DE FOGO NO RIO DE JANEIRO, 1980 A 2014

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As Mortes por Armas de Fogo no Estado do Rio de Janeiro

O Estatuto do Desarmamento foi assinado no fim de 2003. Ele colocou nas mãos das polícias, das Secretarias de Segurança Pública e dos governadores, instrumentos importantes para reduzir as mortes por armas de fogo, em geral, e os homicídios, em particular. Em alguns estados o Estatuto foi bem usado, mas na grande maioria não. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais (durante oito anos), Pernambuco e, mais recentemente, o Espírito Santo, fizeram bom uso do Estatuto. Os resultados se medem estatisticamente, mas essas cifras frias significam vidas salvas ou vidas perdidas. Soares e Cerqueira mostraram que, no Brasil como um todo, aproximadamente 121 mil vidas foram salvas no Brasil pelo Estatuto.[i]

Porém, as armas de fogo castigaram o nosso Estado. Entre 1980 e 1995 cresceram aceleradamente: cada ano houve 425 mortes a mais do que no ano anterior. Essa é a média do período. No início, em 1980, houve 1.429 mortes; no fim, em 1995, houve 2.665. Mais de mil e duzentas mortes a mais. Nesses 16 anos foram mortas 84.427 pessoas com armas de fogo no Rio de Janeiro. Uma carnificina!




Mudamos a série em 1995 acompanhando o sistema de classificação, mas a matança continuou: de 1996 a 2003, quando foi assinado o Estatuto, as mortes por armas de fogo continuaram a crescer, ainda que a um ritmo menos acelerado, de 115 mortes a mais por ano.


Em 2004 o Estatuto mudou o panorama: as mortes, que haviam crescido tendencialmente durante 23 anos, baixaram de 2004 a 2014. Em 2003 (antes do Estatuto) foram 7.090; em 2014, foram 2.228. Vitória da vida!

Qual a tendência? Cada ano, 436 mortes a menos do que no ano anterior. Uma bem-vinda inversão! Em 2014, voltamos ao patamar de 1987, quase trinta anos antes!
A Figura 3 mostra essa tendência: como entre 1996 e 2003 as mortes por homicídio aumentavam e, a partir de 2004, passaram a diminuir. Só no primeiro ano foram salvas 551 vidas, 115 que não foram somadas mais 436, que foram subtraídas à morte. Em onze anos, mais de trinta mil vidas salvas (30.100) graças à combinação de políticas de segurança inteligentes e as facilidades oferecidas pelo Estatuto.

Os ganhos em vidas humanas podem ser aquilatados comparando a projeção da tendência anterior ao Estatuto com os dados reais posteriores ao Estatuto. São visíveis nas Figuras 4 e 5.
Porém, as vidas poupadas se concentraram a partir de 2007: somente nesses oito anos foram salvas 28.624 vidas, 95% do total. A previsão era de quase 62 mil mortes, mas morreram 33 mil. A junção entre políticas de segurança inteligentes e o Estatuto tem benefícios multiplicativos. Como diferente do Brasil como um todo, no Rio de Janeiro as mortes por armas de fogo decresceram e não voltaram a crescer. 
Ainda falta. Desde 1980 morreram 190 mil por armas de fogo. Muitos de nós convivemos, durante anos, com o fantasma de uma guerra nuclear. A devastadora bomba atômica, lançada sobre Hiroshima, deixou perto de 70/80 mil mortos. As armas de fogo mataram mais do que duas bombas atômicas no Rio de Janeiro, e nós não vimos.
Clique no link abaixo para ver a Figura 6 
https://docs.google.com/file/d/0B44DEp8KMzphNW5JU2wydFVTTjA/edit

Concluindo: o Rio de Janeiro vive vários paradoxos. De um lado, políticas inteligentes, que usaram os benefícios do Estatuto, salvando 30 mil vidas, já são referência na Criminologia internacional; do outro, nova tentativa do lobby da bala em acabar com o Estatuto pelo mais torpe dos motivos: dinheiro. De um lado, instituições, como as UPPs, que salvaram muitas vidas nas comunidades, como demonstraram Cano, Borges e Ribeiro[ii]; do outro, uma campanha do próprio tráfico, anunciada há mais de três anos, para retomar o território perdido, usando violência contra a polícia e descrédito contra as UPPs; de um lado, um Estatuto que salva vidas, do outro lado, uma legislação e práticas judiciais medievais que permitem que homens jovens, até crianças, circulem com armas cortantes e perfurantes, assaltem e matem cidadãos, práticas indefensáveis que permitem que alguém com quinze passagens pela polícia por assalto, trafico e roubo estivesse solto, livre para matar. E matou.
Quem se responsabiliza pela morte de Jaime Gold? E pela dor incomensurável que seus familiares e amigos sentirão durante anos e anos?
Contradições do Rio de Janeiro.




[i] Estatuto do Desarmamento – um tiro que não saiu pela culatra. Insight-Inteligência, n.68, 78-86. 
[ii] Os Donos do Morro, FBSP/LAV, 2012.


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