As Novas Tecnologias e a Literatura Infantil e Juvenil - Cenários e Desafios

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As Novas Tecnologias e a Literatura Infantil e Juvenil: Cenários e Desafios ENSAIOS

Sérgio Guimarães de Sousa Evandro Morgado (org.)

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Índice NOTA DE ABERTURA SE PINÓQUIO NASCESSE HOJE, SERIA UM CIBORGUE? LITERATURA INFANTIL: PROBLEMAS E DESAFIOS DA SOCIEDADE ATUAL RECURSOS DE PROMOÇÃO DA LITERACIA DIGITAL. FERRAMENTAS DIGITAIS NO DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA Quadro interativo NOVOS CENÁRIOS E SUPORTES DE LEITURA LITERATURA INFANTOJUVENIL: CONTRIBUTOS PARA A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS/JOVENS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS OS NOVOS CAMINHOS DO CONTO INFANTIL. A EXPERIÊNCIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA A MEDIAÇÃO LEITORA INTERCICLOS E AS TIC A MULTIMÉDIA AO SERVIÇO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA WWW.LITERATURAINFANTIL.PT TECNOLOGICAMENTE FALANDO DE LITERATURA INFANTIL A LITERATURA EM CONTEXTO TECNOLÓGICO: MESAS EDUCATIVAS E-BLOCKS

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NOTA DE ABERTURA Assistimos hoje, e desde há largas décadas (diga-se), a uma significativa mutação civilizacional e que se define pelo êxito irrestrito da tecnologia nas suas múltiplas modalidades. A prova de força da dominante tecnológica vê-se sem dificuldade na desmaterialização acelerada a que o digital sujeita o mundo (no e-commerce e no ebusiness, passando por noções como Inteligência Coletiva, rede social, ou por matérias de nítido pendor pós-humano, como é o caso dos conteúdos biocibernéticos e de boa porção da investigação a cargo da tecnociência). A esta Era Digital não é, como sabemos, imune a literatura, que teve (ou tem) forçosamente de adequar a diversidade comunicativa e performativa do seu discurso ao da linguagem tecnológica. Seria pouco menos que impossível que o avanço tecnológico, com tudo o que exige e supõe, não desencadeasse uma reformulação não pouco notória do campo literário (e-book, dispositivos ficcionais hipertextuais, nova ecologia da leitura, redefinição drástica – leia-se: dessacralização – da noção de autor, textos gerados automaticamente, etc.). Esta redefinição do fenómeno literário nas suas variadas vertentes abrange o texto infantojuvenil, como é evidente. O conjunto de textos que agora se apresenta ao leitor, sob a forma e e-book, resulta de um colóquio (O Literatic, I Congresso de Literatura Infantojuvenil e Novas Tecnologias, realizado no auditório do Parque de Exposições de Braga nos dias 7 e 8 de maio de 2011) que pretendeu justamente pensar a tecnologia em contexto escolar e literário. O mesmo é dizer, analisar o modo como as novas linguagens e literacias digitais e tecnológicas interagem com as (e se incorporam nas) narrativas infantojuvenis. Mais especificamente: verificar a maneira como (e em que contextos) a literatura (privilegiadamente) destinada a crianças e jovens é capaz de dialogar com objetos tecnológicos, com consequências muito assinaláveis nos domínios da legibilidade e da arquitetura dos conteúdos lúdico-literários, sem esquecer esse aspeto crucial que consiste na renovação dos cenários e suportes de leitura. Pela qualidade dos autores coligidos, estamos certos de que os estudos aqui reunidos constituem um pertinente contributo para pensar não apenas a literatura infantojuvenil na sua interação com as práticas tecnológicas, mas também, por extensão, para perspetivar a leitura e o ensino; e isso num momento em que o que nos foi ensinado e dado a ensinar já está, não se duvide, longe de corresponder ao que hoje se entende por (re)produção do conhecimento. Sérgio Guimarães de Sousa Evandro Morgado

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SE PINÓQUIO NASCESSE HOJE, SERIA UM CIBORGUE? Alberto Filipe Araújo Universidade do Minho – Instituto de Educação, Braga, Portugal Resumo Neste estudo inspiramo-nos nas Aventuras de Pinóquio e problematizamos na perspetiva da pedagogia a relação entre literatura e novas tecnologias, a fim de desmistificarmos o encantamento, senão mesmo o feitiço, desse tipo de tecnologias e mostrar que elas não podem substituir, mesmo aceitando algumas das suas qualidades, aquilo que o humano tem de mais original – o pensamento, o livre-arbítrio e a arte de criar o belo. Neste sentido, evocamos a figura de Pinóquio para discutirmos a questão da tecnologia e a resistência crítica ao seu uso e, sobretudo, ao modo como essa mesma tecnologia nos usa ou instrumentaliza. Compreende-se assim que falemos num primeiro momento, influenciados por Oswald Spengler, André Taguieff e Neil Postman, da Tecnologia como um novo deus. Num segundo momento, falaremos da necessidade de resistir ao feitiço de que as Novas Tecnologias tudo podem, e isso será feito a partir do exemplo de Pinóquio e da sua resistência à Escola. Palavras-chave: Pinóquio, técnica, tecnologia, transformação, educação

“uma educação sem símbolos face a símbolos sem educação, eis para onde tende a nossa cultura se nós não nos acautelarmos.” Olivier Reboul

1. Introdução1 Pinóquio é uma figura emblemática no imaginário da literatura infantil e juvenil que convoca simultaneamente “poder, desejo, utopia” para evocarmos aqui o título sugestivo da obra de Fernando Azevedo (2011): poder de transformação, desejo de ser um outro e a utopia procurada numa Terra da Brincadeira2. Paralelamente Philippe Meirieu chama a nossa atenção para “o bom uso da literatura em pedagogia” ao ponto de afirmar que o estudo pedagógico dos textos literários se afirma como um exercício essencial na formação dos educadores (1999: 14-18; Bernardinis, 2006: 124-128). Neste estudo inspiramo-nos nas Aventuras de Pinóquio e problematizamos na perspetiva da pedagogia a relação entre literatura e novas tecnologias, a fim de desmistificarmos o encantamento, senão mesmo o feitiço, desse tipo de tecnologias e mostrar que elas não podem substituir, mesmo aceitando algumas das suas qualidades, aquilo que o humano tem de mais original – o pensamento, o livre-arbítrio e a arte de criar o belo. Neste sentido, evocamos a figura de Pinóquio para discutirmos a questão da tecnologia e a resistência crítica ao seu uso e, sobretudo, ao modo como essa mesma tecnologia nos usa ou instrumentaliza. Mais pela literatura infantil, nomeadamente lendo Pinóquio e a sua história, nós podemos ir mais longe na compreensão do Mesmo e do Outro, na compreensão das 1

O presente estudo enquadra-se no Projeto Coletivo Educação e Imaginário inscrito no Centro de Investigação em Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho (CIEd/IE/UM). 2 Consulte-se o 3º Capítulo Desejo e Utopia na Literatura Infantil e Juvenil de Poder, Desejo, Utopia onde o autor trata das relações entre o desejo e a utopia, pp. 67-93.

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contradições da condição humana naquilo que esta tem de mais fundo: temor-esperança, finitude-infinitude, amor-ódio, medo-coragem, crença-não crença, paz- violência... educar para a liberdade e autonomia e vertigem pela dominação e modelação. Por isso, torna-se importante através do caso singular de Pinóquio captarmos a universalidade da condição humana e aquilo que a sua figura literária contribui para uma educação resistente à nova ordem da Tecnopolia (Neil Postman). Diz-nos Philippe Meirieu: É provavelmente nesses textos [refere-se às obras de Ovídio, de Goethe de Musil, entre outros], bem mais que nos numerosos ensaios eruditos que nós encontramos expressas, içadas à perfeição formal mais densa, as tensões fundadoras do ato educativo: a vontade de proteger aquele que vem e o cuidado de não o asfixiar, a incompreensão, enfim, e a solidão diante dos atos e dos seres que inevitavelmente nos escapam (1999: 14.)

Neste contexto compreende-se que tratemos num primeiro momento, influenciados por Oswald Spengler, André Taguieff e Neil Postman, da Tecnologia como um novo deus. Num segundo momento, falaremos da necessidade de resistir ao feitiço de que as Novas Tecnologias tudo podem, e isso será feito a partir do exemplo de Pinóquio e da sua resistência à Escola.

2. A Técnica e o Mito de Fausto O problema da técnica, e das suas implicações na cultura ocidental, mereceu por parte de Oswald Spengler reflexões aprofundadas em O Declínio do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes), publicado nos finais de 1918, onde fala do “homem faustiano” como o protótipo do homem ocidental caracterizado pela sua vontade de potência e pela paixão do espaço infinito. Porém, é a sua obra intitulada O Homem e a Técnica (Der Mensch un die Technik), publicada em 1931, que merece da nossa parte maior atenção, pois nela o autor evidencia a dimensão do progresso técnico-científico como uma tentativa “faustiana” do homem, com a ajuda da técnica, dominar a natureza. Deste modo, assume-se como um deus no mundo, mas também com um escravo da técnica e destruidor da própria vida: O homem, como criador, tem ultrapassado os limites da Natureza, cada uma das suas criações mais se distancia e se apresenta hostil para a Natureza. Assim se compõe a sua ‘História Universal’, narrativa de uma cisão fatal, que progressivamente se vai acentuando, entre o Homem e o Universo, narrativa da ação de um rebelde que, liberto dos elos maternais, chega a levantar a mão contra sua própria Mãe (1980: 71). Construir, pois, por si-mesmo, um mundo – ser, então, um deus – tal é o sonho dos inventores da era Fáustica. Foi a partir desse sonho que jorraram as formas sucessivas e inumeráveis das nossas máquinas, concebidas e modificadas sem cessar, sempre como o objetivo de chegar o mais perto possível desse limite inacessível que é o perpetuum mobile. Assim, a ideia que o animal predador tem da sua presa estende-se, na sua latitude, até ao extremo limite. Não é apenas esta ou aquela realidade parcelar do universo – tal o caso de Prometeu ao apoderar-se do fogo celeste – mas o próprio Universo, com o seu segredo energético; esta é a presa a atingir com a criação da nossa Cultura. Mas aqueles que não sentiam em si essa Vontade de Domínio sobre a Natureza atribuíram, necessariamente, a este projeto uma virtualidade diabólica. De facto, sempre houve quem considerasse as máquinas como invenção do Demónio (1980: 108-109).

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Spengler diz-nos que paradoxalmente a civilização fáustica será forçosamente vítima do seu próprio sucesso, visto que a civilização moderna, ao privilegiar a mecanização, a organização e a exploração, está comprometendo todas as formas de vida, incluindo obviamente a humana: O senhor do mundo está a caminho de vir a ser o escravo da Máquina, que a força a seguir na sua trajetória. O triunfador, abatido, é condenado a morrer espezinhado pelo galope de seus cavalos [...]. Todos os seres orgânicos sucumbem perante a crescente mecanização. Um mundo artificial invade o mundo natural, envenenando-o gradualmente. A Civilização converteu-se, por si-própria, numa máquina que faz, ou tenta fazer, tudo mecanicamente. [...] Através da sua multiplicação e do seu requinte cada vez mais acentuado, a máquina começa a provocar consequências inversas aos objetivos para que foi construída (1980: 113-114, 117-119.)

Enquanto no mito de Prometeu é a conquista de conhecimento, da ciência e do domínio da natureza que assumem um lugar de destaque, já no mito de Fausto3 aquilo que é preponderante é o fascínio da ação, da técnica e do domínio técnicocientificizante do homem. Numa palavra, é a vontade de potência e de domínio do mundo que desempenha um papel crucial neste mito, também ele heroico, à semelhança do mito de Prometeu. Fausto não é meramente um novo Prometeu como pretendiam os marxistas, ele, como nos diz Gilbert Durand, não é titanesco, mas demoníaco. É um Prometeu amputado (derivação por amplificação e por empobrecimento na terminologia durandiana), pois a filantropia prometeica não é mais apanágio de Fausto: “Fausto é solitário e egoísta, Prometeu é solitário mas é social” (1998: 106). Do ponto de vista do género utópico, o mito de Fausto abre para o tempo em que as utopias são simultaneamente científicas e sociais e que permitem, graças ao conhecimento e à técnica científicos, transformar, mais ou menos, a ordem social e a própria natureza humana. Se é verdade que a crença ilimitada no progresso técnico-científico e industrial (como benfeitor da humanidade em ordem à realização da felicidade universal na terra), e a fé no homem ainda modelam o mito de Fausto, estas facetas assumem, contudo, contornos diferentes daqueles que tinham no mito de Prometeu: “o pensamento cientificista crê reconhecer nele, à maneira de Prometeu e às vezes juntamente com este (como em H. Hango, Faust und Prometheus, 1895), a figura ideal da humanidade moderna que aspira à liberdade, à ação, ao progresso” (Dabezies, 1998 : 337; 1988: 324). Expliquemo-nos: enquanto Prometeu, pelas suas qualidades, estava absolutamente convicto de que o progresso, simbolizado pela arte do fogo, libertaria a humanidade da escravidão e das trevas, já Fausto, na sequência do seu pacto com o demónio, estava condenado à perdição porquanto a aspiração “ao Conhecimento e ao Amor faz toda a grandeza do homem, mas ela deve também conduzi-lo inelutavelmente a estender suas pretensões além dos limites da humanidade, empurrando-o desse modo para a ruína, para o fracasso e o desespero” (1998: 340). A fé no homem converte-se mais na fé que ele deposita no pacto que estabelece com o demónio Mefistófeles para obter poderes 3

Em termos simples o mito de Fausto conta-se assim: Deus e o Diabo estão em guerra pelas almas da terra. Para equilibrar a disputa, decidem aliciar a alma de Fausto que é um brilhante alquimista. Durante uma praga, Fausto desespera e queima todos os livros, depois de não conseguir parar a Morte. O Diabo envia à Terra Mefisto para aliciar Fausto, primeiro com o tratamento para a praga, depois com a promessa de juventude eterna. Fausto vende a alma ao diabo, em troca dessa juventude. Para um maior aprofundamento deste mito, veja.-se, por exemplo, André Dabezies (1988). Le mythe de Faust. Paris: Armind Colin.

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extraordinários de transformar a natureza humana, nomeadamente conferindo o poder de rejuvenescer à humanidade. Deste modo, o pacto diabólico “exprime o quanto a liberdade humana é capaz de empenhar-se a fundo no mal, ao ponto de ligar-se a ele, e até mesmo a ponto de encerrar-se dentro dele e de alienar-se inteiramente ela mesma. É, por sinal, o desejo mais profundo do homem (desejo de eternidade, impaciência com os limites ou vontade de afirmar-se) que o impele a essa tentação radical” (1988: 340-341). Daí que o “homem faustiano” encarne a vontade de potência, o entusiasmo pela ciência, a felicidade e o desejo de viver do homem. A imagem mítica de Fausto ressurge impetuosamente na segunda metade do século XX, até aos dias de hoje, confirmando a tese de Gilbert Durand sobre a permanência do mito, quando afirma: “Creio, efetivamente, que um mito nunca desaparece – ele pode adormecer, pode definhar, mas está à espera do eterno retorno [...] porque a semente mítica pode sempre germinar de novo” (1998: 111).

3. Ciência, Técnica e a Tecnopolia Não obstante o diagnóstico atrás desenhado, Spengler defende que os arautos e artesãos da Civilização fáustica, face a uma artificialização crescente e a uma violentação dos recursos naturais sem precedentes, acabarão paulatinamente por recuar diante da obra repulsiva que ajudaram a criar: “O pensamento Fáustico começa a sentir náuseas da máquina. Está a propagar-se uma lassitude, uma espécie de pacifismo na luta contra a Natureza. Os homens viram-se para modos de vida mais simples e próximos da Natureza” (1980: 121). Face a um crescente “desencantamento do mundo” (Max Weber), causado pela civilização técnica e mecanicista, começam paulatinamente a surgir movimentos de opinião (os movimentos ecologistas, autores individuais, veja-se o caso de Al Gore) que defendem que este paradigma civilizacional não poderá, e muito menos deverá, seguir a conceção linear de um progresso sem fim. Contudo, e apesar de um aumento de consciência ecológica, influenciados pelo autor do Homem e a Técnica, pensamos que a hora está hipotecada ao pessimismo, pela simples razão de que não há grandes motivos nem para a esperança, nem para a salvação no meio dos despojos da Civilização Fáustica. O paradigma civilizacional técnico-científico e industrial, anteriormente focado, erigiu como seu dogma principal, para não dizermos mesmo fundamental, a ideia de progresso científico como condição necessária e suficiente quer para o aperfeiçoamento do homem, quer para instaurar na terra um reino de felicidade absoluta mediante o poder da ciência e da técnica: uma espécie de reino milenarista com um novo tempo, uma nova terra e com “homens novos”, senão mesmo uma espécie de V Império com ressonâncias de Paraíso terreal ou mesmo de “Idade de Ouro”. Uma crença no progresso indefinido que levou os homens a materializar as palavras de Descartes, ou seja de se tornarem “mestres e possuidores da natureza”. Por outras palavras, o homem assume-se como senhor do seu destino de costas voltado para a Providência: Esta visão antropológica, na qual o homem se erige como único possuidor. Organizador e explorador de uma natureza que somente existe para seu proveito, é a condição de possibilidade da emergência dos pensamentos da História como caminho de salvação aqui na terra. [...] Mas o Progresso envolve também um conjunto de promessas, dado que ele responde ao desejo de paz e de prosperidade. Post tenebras lux: a saída das trevas está em curso, o triunfo da Luz é para amanhã. Eis aquilo que

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permitirá aos pobres homens não mais desesperar, de viver num ‘horizonte de expectativa’ cheio de promessas de felicidade, de justiça, de liberdade. Sem esquecer a saúde. Nem o prolongamento da vida. Esta redução propriamente moderna à imanência da histórica operou-se certamente sob o signo de Prometeu [e de Fausto, acrescentamos nós], mas segundo uma orientação utilitarista: a revolta contra os deuses, se ela se acompanha do desejo de dominar o destino pelo conhecimento, o seu sentido último reside no facto de tornar possível a felicidade aqui na terra, e de assegurar aos homens um bem-estar sem limites (Taguieff, 2001: 41-42).

Ora a felicidade na terra conseguida por um bem-estar ilimitado do ser humano somente é possível no contexto de uma “Cidade Ideal”, ou seja, de uma cidade modelada à semelhança da utopia tecnocêntrica da Nova Atlântida de Francis Bacon, cuja cidade era Bensalém (Ruyer, 1988: 169-173; Servier, 1982: 158-162; Jonas, 1998ª: 267-272): “a ciência e a cidade radiosa estão estreitamente ligadas no pensamento dos utopistas” (Servier, 1982: 365). Nessa obra, Bacon diz-nos aquilo que se pode esperar do aumento do saber e também aquilo que se espera do domínio da técnica, que tem a ver com a ação manipuladora e transformadora da natureza humana e dos recursos naturais: Prolongar a vida. Devolver, em qualquer grau, a juventude. Retardar o envelhecimento. Curar as doenças reputadas de incuráveis. [...] Aumentar a força e a atividade. [...] Transformar a estatura. Transformar as feições. Aumentar e desenvolver as zonas cerebrais. Metamorfose de um corpo noutro. Fabricar novas espécies. Transplantar uma espécie numa outra. [...] Tornar os espíritos joviais e criar-lhes boa disposição (1995: 133-134.)

Vê-se então por aqui que o acesso à felicidade, que constitui a finalidade da ação técnica, depende da “libido sciendi” na medida em que a ciência e a técnica são encaradas como os únicos meios de restaurar a felicidade edénica originária. Daí Bacon ter pensado o referido acesso “como um retorno à condição dos homens antes da queda, neste éden onde o género humano incarnado por Adão reinava soberanamente sobre todos os seres naturais” (Taguieff, 2001: 45). Assim, a “cidade ideal” que tem em Jerusalém Celeste o seu modelo por excelência, enquanto cidade supra-histórica, visa alcançar a felicidade, a paz, a concórdia e o maior bem-estar possível no espaço terreno. Tanto mais que a sua conceção de tempo aponta para a instalação do Reino divino na terra (o reino milenarista), graças precisamente aos poderes da técnica e da ciência. Por outras palavras, Bensalém, tendo em conta o que atrás se disse, é já um modelo possível e realizado de “cidade ideal” encarada não já como uma “imago Dei”, mas antes como uma substituição, e não dizemos inversão, do “Jardim do Éden” ou da “Idade de Ouro”4. Na verdade a Nova Atlântida (1627) de Francis Bacon prefigura bem a Tecnopolia (1992) desenhada por Neil Postman, só que enquanto a primeira faz a apologia do par ciência-tecnologia ao serviço de um cultura da razão, do progresso indefinido, da perfetibilidade humana e de uma felicidade na terra, a segunda 4

O mito da “Cidade Ideal” conserva ainda traços dos dois mitos referidos, nomeadamente o desejo de instaurar um reino de abundância portador de felicidade. Porém, a diferença entre eles é substancial no tocante ao modo como eles encaram a realização concreta desse mesmo reino, levando Jean-Jacques Wunenburger a afirmar que a utopia apresenta-se muitas vezes como uma inversão do imaginário mítico-religioso do paraíso, isso porque o tempo cíclico é substituído por um tempo linear, tomado de empréstimo ao judeo-cristianismo, e o décor natural é sujeito a constrangimentos vários, urbanos, industriais, tecnológicos, científicos, a fim de melhor se proteger de uma natureza agreste e desordenada.

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desmistifica a tecnologia por ela abrir as portas não só à desumanização da sociedade e à perca da identidade cultural, como também pelo facto de a cultura se render à tecnologia e, muito especialmente, às novas tecnologias sempre reféns do mito de Fausto: A tecnopolia é um estado de cultura e também um estado mental. Consiste na deificação da tecnologia, o que significa que a cultura procura a sua credibilidade e descobre as suas satisfações na tecnologia e recebe dela as suas ordens. Isto exige o desenvolvimento de um novo tipo de ordem social e essa necessidade conduz à rápida dissolução de muito daquilo que está associado às crenças tradicionais: os que sentem mais à vontade na tecnologia são os que estão convencidos de que o progresso técnico é a suprema realização da humanidade e o instrumento pelo qual os nossos dilemas mais profundos podem ser resolvidos. Também acreditam que a informação é uma bênção pura, que, através da sua produção e disseminação contínua e incontrolada, oferece uma acrescida liberdade, criatividade e paz de espírito. O facto de a informação não realizar nada destas coisas – antes pelo contrário – parece alterar pouco as opiniões, pois tais crenças inamovíveis são um produto inevitável da estrutura da tecnologia. Em particular, a tecnopolia floresce quando as defesas contra a informação caem por terra (Postman,1994: 69.)

Algo que é preciso perceber é que as chamadas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs), além da robótica e protética, redes neurais, nanotecnologia, manipulação genética e vida artificial, são um cântico da sereia, isto é, uma espécie de voz de Mefisto do Fausto de Goethe (1806 – 1833) que, ao possibilitarem o surgimento da “sociedade da informação”, mesmo de uma “sociedade do conhecimento” em que este escorre através das redes telemáticas, destroçam as defesas tradicionais (Postman, 1994: 69-85) de que falaremos no nosso último ponto.

4. O deus da Tecnologia Neil Postman toma deus como sinónimo de uma grande narrativa credível5, complexa e dotada de um poder simbólico tal que permita a cada sujeito organizar a sua vida em função dela: “Sem uma narrativa, a vida não faz sentido. Sem sentido não há finalidade para a aprendizagem” (2002: 22). Ainda que o deus tecnológico pertença à categoria daqueles que falham (2002: 54-68), o autor dedica-lhe, contudo, uma atenção particular afirmando que ele “oferece um vislumbre do Paraíso” (2002: 24) e que, ao contrário da ciência somente oferece poder, enquanto a ciência oferece simultaneamente ciência e poder. A tese do autor é que a crença tecnológica, que oferece eficiência, padronização e otimização, substituiu a crença religiosa tradicional na medida em que a maioria das pessoas transferiu a sua crença no divino para a divina tecnologia. Daqui resulta que confia no seu poder e nas suas promessas, e quando não a possui, ou lhes é negado o seu acesso, sente-se frustrada, desorientada e mesmo despojada. Pelo contrário, o sujeito na posse da tecnologia mais performativa sente-se radiante, encantado ao ponto de tudo alterar na sua vida para a servir como se um deus (leia-se ídolo) se tratasse. Por outras 5 Neil Postman entende por narrativa “uma história da humanidade que dá significado ao passado, explica o passado e fornece orientação para o futuro, e cujos princípios ajudam uma cultura a organizar as suas instituições, a desenvolver ideais e a encontrar autoridade para as suas ações”. Salienta igualmente que não há nenhuma civilização sem narrativas de transcendente origem e poder, nomeadamente cita a religiosa, a política, a filosófica e a científica (1994; 152-153).

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palavras, a adoração tecnológica substituiu paulatinamente, e mesmo de forma insidiosa, a crença religiosa, satisfazendo quase de forma paradoxal as suas necessidades e cumprindo as suas funções, nomeadamente a função de religar. Os partidários da utopia tecnológica colocam, graças ao uso do computador, o acesso de informação por parte dos alunos como a prioridade máxima da Escola, ora quando uma sociedade atribui à escola a sagrada função de distribuir, leia-se transmitir, só e unicamente informação cremos que está confundindo a árvore e a floresta. Ou seja, existe a ilusão de que os conteúdos programáticos mediados pelo computador assumiriam uma experiência de aprendizagem salvífica e osmótica para o aluno. Porém, esquece-se que os problemas de aprendizagem não podem ser somente encarados como se de um problema tecnológico se tratasse, pois eles têm especialmente a ver com questões psicossociais, culturais e existenciais de grande complexidade. A questão que obriga a pensar é a seguinte: “o problema não é ter acesso a uma aula de álgebra bem estruturada, mas antes o que fazer com toda a informação de que dispõe durante o dia, bem como durante as noites de insónia” (2002: 60). Existe um peso e uma sobre-excitação de informação na escola e fora dela que o tempo de pensar e o tempo dedicado àquilo que Gaston Bachelard designa de “devaneio poético” se torna escasso senão mesmo inexistente. Assim, pergunta-se se ainda há lugar para um tipo de Escola que realize o dito de Montaigne de que “Mais vale uma cabeça bem-feita do que uma cabeça cheia” – que Edgar Morin atualizou em duas das sua obras recentes (2002, 2002ª) –, e que não confunda a natureza de uma educação tecnológica com um manual de instruções sobre como utilizar o computador para o processamento de informação. Deste modo, a questão que Postman coloca já não é tanto de se saber utilizar os meios tecnológicos, e particularmente o computador, mas sobretudo de perceber o modo como eles nos usam a nós. Sob o efeito da utilização do computador e do fascínio, enquanto objeto de culto e símbolo de salvação, que o mesmo exerce sobre o sujeito escolar teme-se, na verdade, que o seu abuso o aliena radicalmente daquilo que é importante, a saber: a vida e os seus desafios (valores sociais e éticos), o ensinar as crianças a viver em grupo, o tema da autonomia responsável, a sensibilidade e a responsabilidade para com os outros, o sentido da partilha. Numa palavra, trata-se aqui daquilo que o autor designa por processo de “formação de indivíduos civilizados” (2002: 65). Além disso, questiona-se a ilusão daqueles que defendem ou que acreditam que a tecnologia informática venha a nivelar as oportunidades de aprendizagem independentemente das disparidades económicas. Correlativamente temos também que admitir que o uso tecnológico não seja por si só capaz de contribuir para a formação “civilizada” do indivíduo no sentido, por exemplo, axiológico. Neste sentido, do mesmo modo que é de uma grande ingenuidade pedir à escola que tudo faça, nomeadamente tratar de problemas da pobreza, da alienação e depressão psicológica que atingem os alunos, da solidão, dos maus-tratos infantis e na adolescência, da crise familiar, da violência escolar, não o será menos esperar que os problemas agora enunciados sejam resolvidos pela informática avançada e performativa. O que se pretende dizer é que a escola é frequentada por alunos que são indissociáveis dos seus percursos familiares e sociais e não por meras crianças inventadas “para nos mostrar como os computadores podem enriquecer as vidas das mesmas” (2002: 67). Ainda que a Escola seja imperfeita, porque condicionada, senão mesmo quase asfixiada, pelas sucessivas e inúmeras diretivas do Ministério da Educação, dependente 10

do computador, enfeitiçada pela magia da estatística, dominada pela quantificação, chamada a substituir-se a colmatar as lacunas de ordem psicológica, social, assistencial dos alunos6, o certo é que ainda não foi sido inventada uma melhor maneira de introduzir os jovens no mundo da aprendizagem.

5. Pinóquio – um romântico resistente Se o Pinóquio nascesse hoje, moldado pelas Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, dificilmente seria de madeira e para não estar “out”, e na qualidade de aspirante a tecnófilo irrepreensível, seria certamente um fã da internet alta velocidade com os seus streaming e podcasting, do messenger, do facebook, do skype, de blogs e do twitter para comunicar com os seus amigos Arlequim, Palito e mesmo com a sua Fada e o seu pai Gepeto. Igualmente trocaria de boa vontade o “País da Brincadeira” pelas tecnologias digitais de captação e tratamento de imagens e de sons e pelas tecnologias de acesso remoto (sem fio ou wireless), pois estas traziam-lhe simplesmente o “País da Brincadeira” onde todas as semanas são constituídas por seis sábados e um domingo e onde todos eram felizes, e já não teria mais a maçada de se deslocar na carruagem puxada por burrinhos. Pinóquio para vender e seduzir os adoradores dos “novos deuses”, de que as Novas Tecnologias são devedoras, jamais poderia ser um simples boneco de madeira, ainda que bem articulado, mas antes uma espécie de ciborgue com os seus implantes biónicos ou robóticos. Um androide, qual organismo cibernético performativo, que muito provavelmente desconheceria os temas do livre-arbítrio, do sentido da existência, o uso da tecnologia avançada para fins totalitários e bélicos, entre outros. Quanto às suas experiências de aprendizagem e existenciais, o Pinóquio, agora convertido ao culto Todo-Poderoso das Novas Tecnologias e na qualidade de ciborgue, não entenderia o pedido que lhe é feito pela Fada, de que deveria ser bondoso e estudar na escola para se transformar num “rapaz como deve ser”, por achá-lo simplesmente ininteligível. Estudar numa escola? Para quê? Se poderia ficar em qualquer lugar ligado, via world wide web, a programas científicos ou comunicar por videoconferência, se poderia, ao simples alcance de um clique, entrar em laboratórios, museus e bibliotecas virtuais. Tornar-se humano e bondoso para quê se o mundo humano está hoje ajoelhado e rendido ao “deus da Tecnologia” (Neil Postman), aceitando, em troca dos seus serviços, esvaziar-se da sua humanidade, tal como o mito de Frankenstein nos ensinou: ao humano em vez de suceder, como queria Platão no final do seu Protágoras, um humano mais justo, melhor e mais sábio, apenas ficaria o vazio da Criatura, o desnorte de um Golem! Daí a necessidade de se re-pensar uma Escola que traga de novo Pinóquio não na qualidade de um ciborgue, mas apenas como um rapaz humano demasiado humano! 6 António Nóvoa referindo-se à Escola diz que ela conhece uma espécie de “transbordamento” dada a infinidade de tarefas que lhe são imputadas: “Começou pela instrução, mas foi juntando a educação, a formação, o desenvolvimento pessoal e moral, a educação para a cidadania e para os valores... Começou pelo cérebro, mas prolongou a sua ação ao corpo, à alma, aos sentimentos, às emoções, aos comportamentos... Começou pelas disciplinas, mas foi abrangendo a educação para a saúde e para a sexualidade, para a prevenção do tabagismo e da toxicodependência, para a defesa do ambiente e do património, para a prevenção rodoviária... Começou por um ‘curriculum mínimo’, mas foi integrando todos os conteúdos possíveis e imaginários, e todas as competências, tecnológicas e outras, pondo no ‘saco curricular’ cada vez mais coisas e nada dele retirando...” (2009: 50).

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É precisamente neste contexto que importa recordar a figura de David que, na Inteligência Artificial de Steven Spielberg (2001), reedita, na sua condição de androide em forma de uma criança, o desejo de Pinóquio de tornar-se, também ele, um menino de verdade com o auxílio da Fada Azul, na linha d’As Aventuras de Pinóquio que ele tinha ouvido da boca da sua mãe adotiva (Mónica Swinton). Mas infelizmente tal não acontece (estando o clímax da desilusão desesperante e da impotência total da realização do desejo simbolizada no momento em que a Fada Azul se desintegra no fundo do mar), sendo antes reconfortado por androides altamente performativos que lhe permitirão viver um dia com Mónica depois de a clonarem a partir de uma madeixa do seu cabelo. Daqui constata-se, entre outras ilações, que mesmo um ser mecânico altamente aperfeiçoado, dotado de uma inteligência artificial ao serviço de um projeto específico, criado pelo Professor Hobby pode desejar tornar-se um menino de verdade. A assunção deste desejo coloca complexas questões, desde as filosóficas até às cosmológicas, não sendo a menor delas a natureza e os limites da técnica, ainda que altamente performativa, e o fascínio que a condição humana, mesmo que na sua finitude mais tangível, desperta em androides que quase que sentem e vivem essa mesma condição.

5.1. Para uma Escola que faça regressar de novo Pinóquio A ideia de uma Escola que ensina a aprender, a conhecer, a fazer, a ser e a aprender a viver juntos em ordem a uma “sociedade educativa” não seria um programa que fizesse muita inveja a Pinóquio. Mesmo tratando-se de um programa ambicioso que visa uma “educação integral” Pinóquio sempre preferiu, pelo menos durante uma fase significativa da sua existência, a vida para além da escola: “Pinóquio vende a cartilha para poder ir ver o teatrinho de fantoches” (2004: 37-39) e “Pinóquio vai com os companheiros de escola até à beira-mar para ver o terrível tubarão” (2004: 119: 122). Para motivar Pinóquio a regressar à escola urge reeditar o espírito da obra de Adolphe Ferrière intitulada Transformemos a escola (1920) na linha daquilo que tanto António Nóvoa como Neil Postman o fazem ainda que de modos diferentes mas complementares: ambos procuram uma redefinição do valor da Escola. Deste modo, se aceitarmos que as duas grandes finalidades atribuídas ao trabalho escolar são, como defende António Nóvoa, “a transmissão e apropriação dos conhecimentos e da cultura e “a compreensão da arte do encontro, da comunicação e da vida em conjunto” (2009: 62), estamos certamente a contribuir para trazer de volta Pinóquio ao trabalho escolar e ao espaço educativo. Porém, a explicitação destas finalidades não significa, contudo, que as mesmas não tenham em conta as circunstâncias que envolvem a vida pessoal e social das crianças. Mas uma coisa é tê-las em consideração, outra coisa é cair-se na utopia de que a Escola atual, mesmo que ajudada pelo “deus” das Novas Tecnologias, possa a todos educar integralmente. Deste modo, não se estranha que António Nóvoa lucidamente exija o reforço de um “novo” espaço público educacional com as especificidades que ele lhe aponta (2009: 47-68), pois, como ele o próprio reconhece, há que fazer opções que passam necessariamente pela resposta às seguintes questões: “Queremos uma escola que faça tudo, arriscando-se a nada fazer bem, ou estamos dispostos a chamar toda a sociedade ao trabalho de educação e formação?” (2009: 64). António Nóvoa responde sugere o antídoto de “mais aprendizagem, mais sociedade, mais comunicação” (2009: 64). Deste antídoto, filtraremos tão-somente 12

aquilo que mais diretamente tem a ver com a nossa questão de fundo, e recordamos, como é que as Novas Tecnologias nos usam ou instrumentalizam e como a elas resistir critica e lucidamente. Assim sendo, aceitamos que uma Escola centrada na aprendizagem, ao implicar a “diversificação pedagógica”, possa escolher e usar as Novas Tecnologias caso a caso e não implementá-la uniformemente como se do seu uso dependesse a aprendizagem; a Escola enquanto sociedade trabalha e pratica no seu quotidiano uma cidadania crítica, responsável e politizada; a comunicação cidadã, que faz das Novas Tecnologias um meio e nunca um fim em si mesmo, reclama-se de uma comunicação mais política que seja capaz de afirmar a Escola num “novo” espaço público. Face ao exposto, não resistimos a cruzar o enfoque de António Nóvoa com o olhar de Neil Postman na Tecnopolia (1992), onde explica como a cultura se rende à Tecnologia e fala de “defesas destroçadas” (1994: 69-85)7. Na sua perspetiva, quando uma sociedade é vencida pela informação gerada pela tecnologia cai num logro trágico de tentar “empregar a própria tecnologia como um meio de lhe fornecer uma orientação clara e um propósito humano” (1994: 70), e aí cai na armadilha clássica de estar convidando o lobo para dentro do próprio rebanho. Expliquemo-nos, quando as instituições sociais enfraquecem e declinam nas suas funções tradicionais de organizarem, por exemplo, perceções e juízos, a burocracia tecnológica, que faz o papel de lobo, torna-se implacável “em controlar a informação e assim prover-se de inteligência e ordem” (1994: 85). Assim, uma sociedade tecnopolista que ceda a esta tentação está servindo um deus que não fala de justiça, de bondade, de misericórdia e de graça, mas sim um deus que se exprime através da eficácia, da precisão e da objetividade que exclui o universo moral: “O pecado e o mal desaparecem porque não podem ser medidos nem objetivados e, portanto, é impossível serem tratados pelos peritos” (1994: 85).

5. 2. Pinóquio teima em não ser um ciborgue, mas apenas um rapaz como deve ser Para Pinóquio não querer ser um ciborgue, mas apenas um “rapaz como deve ser”, como a sua história nos conta (Collodi, 2004: 115-118), muitas peripécias e provações tiveram que ocorrer para que ele, como nos é narrado no último capítulo, deixasse de ser um mero boneco de madeira e se transformasse num rapaz (2004: 195-208). Assistese assim a uma transformação de Pinóquio desenrolada no quadro de uma iniciação que é crucial nos ritos de passagem ao longo das suas aventuras. Daí o seu parentesco com o género de “romance de formação” cujo espírito pode ser condensado nas seguintes palavras de Georges Gusdorf: A intenção educativa em vez de se projetar sobre o plano do discurso, organiza-se segundo um eixo cronológico, marcado pelas experiências de uma vida. O Bildungsroman traça um itinerário iniciático onde a formação, a constituição das estruturas do ser, interessa mais do que a informação no sentido restrito do termo. A iniciação não se termina de uma só vez, uma vida comporta uma série de 7

Aparentemente parece que o contributo de Postman não tem grande coisa a ver com o do António Nóvoa, porém ambos convergem, ainda que por caminhos diversos, na defesa de uma maior aprendizagem, de uma sociedade mais crítica e na defesa da comunicação interdisciplinar como uma mais-valia em direção a uma reforma do pensamento e de uma “cabeça bem feita” para evocarmos aqui as preocupações de Edgar Morin (2002).

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limiares, transpostos uns atrás dos outros, o mais temível é o último de todos, a provação suprema da morte (1993: 850; Bancaud-Menen, 1998; Berman, 1983: 141-159; Cohn-Plouchart, 1990: 157-169; Gennari, 1997; Moretti, 1999).

A narrativa de Pinóquio, ao contrário de “alguns deuses que falham” (Postman, 2002: 35-77) que corroem os símbolos e os deixam exaustos (1994: 146-159)8, permite uma abordagem de cariz mitológico, em que o cenário iniciático desempenha um papel especial: os exemplos da sua transformação num “burrinho a sério” e a sua devoração pelo terrível tubarão que tinha a alcunha de Átila atestam os motivos iniciáticos por excelência (Araújo; Araújo, 2010: 57-84). Deste modo, não é de descurar a “eficácia simbólica” das Aventuras de Pinóquio que é de outra ordem daquilo que muito na moda agora se designa por “tecnologias de aprendizagem”. Assim sendo, percebe-se que essa eficácia gera uma narrativa pregnante simbolicamente e, consequentemente, instauradora de uma visão do mundo, diríamos resistente a uma mudança na tradição entendida como “o reconhecimento da autoridade dos símbolos e a relevância das narrativas que lhes deram o ser” (Postman, 1994: 151-152). Se é verdade que uma narrativa fornece significado, através de dado contexto e feixe de símbolos, então não é nada indiferente que Pinóquio se inscreva numa modernidade, onde ainda havia espaço para o gesto e a voz humanos, ou numa pósmodernidade envolta numa rede interativa tecnologicamente avançada onde o destino humano seja pura e simplesmente substituído por uma espécie de destino digital. Daí que possamos dizer com Neil Postman: Neste vazio entra a história da tecnopolia, que, com a sua ênfase no progresso sem limites, direitos sem responsabilidade e tecnologia sem custo, não tem um suporte moral. Em seu lugar coloca a eficácia, o interesse e o avanço económico, prometendo o céu na terra através das conveniências do progresso tecnológico. Põe de lado todas as narrativas e símbolos tradicionais que sugerem estabilidade e ordem, e em seu lugar fala de capacidade, de perícia técnica e do êxtase do consumo (1994: 158).

Neste contexto, face à desmitologização criada pelo avanço da tecnopolia restanos opor o património da simbologia tradicional no qual Pinóquio tem o seu lugar na qualidade de “resistente romântico” (1994: 160-175). Um resistente (natureza – utopia – princípio de prazer – rebeldia – consagração da infância) porque não aceitou, apesar de todas as peripécias, obstáculos, percalços, ilusões, alegrias e tristezas, seguir os conselhos de Gepeto, do Grilo-Falante e da linda menina dos cabelos azul-turquesa (Fada), a fim de se tornar num “rapaz como deve ser” (cultura – distopia – princípio de realidade – submissão – desaparecimento da infância). Neste sentido, percebe-se que Philippe Meirieu tenha escrito um texto muito sugestivo – Pinóquio, ou as facetas 8 Mas o que entende Postman pela “exaustão dos símbolos”? A sua resposta é significativa: “ Os símbolos que retiram o seu significado de contextos tradicionais religiosos ou nacionais devem assim ser tornados impotentes o mais depressa possível – isto é, esvaziados das conotações sagradas ou mesmo sérias “ (1994: 147) Faz parte da natureza da tecnopolia banalizar os símbolos culturais significativos, na medida em que, por um lado, os símbolos não são inexauríveis e, por outro, “quanto mais frequentemente forem usados, menos potente é o seu significado” (1994: 147). A este respeito, Gilbert Durand já nos tinha alertado para que o uso e o seu abuso dos símbolos pelas revoluções gráfica e tecnológica contribuiria inevitavelmente para o empobrecimento do imaginário com as consequências que ele próprio esboçou (1969: 15-45). O que se pretende, pois, dizer é que as referidas revoluções banalizaram a produção das imagens visuais, símbolos e ícones de diferentes culturas ao ponto dos “símbolos religiosos e nacionais tornarem-se lugares-comuns, gerando indiferença, se não necessariamente desprezo” (1994: 147). 

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imprevistas de uma marioneta impertinente (1996: 28-33), que lhe serve de pretexto para discutir a natureza do ato educativo em torno dos ideologemas (Araújo; Silva, 2003: 353): fabricação, formação, decisão, ação, imposição, modelagem, manipulação, mesmidade e alteridade: Mas Pinóquio não era tão ridículo como isso quando era uma marioneta. Ele tinha simplesmente dificuldade em viver, em “encontrar o seu caminho “ou, como se diz por vezes, a “afirmar--se como eu’ como se deveria dizer. Porque ‘afirmar-se como eu” não é fácil, sobretudo quando se é uma mera marioneta, um objeto fabricado na mão do homem e que tem a vocação, precisamente, de ser manipulado. [...] Mas na realidade todas essas manipulações [refere-se à manipulação da Raposa e do Gato, do diretor do circo, da Fada, etc] não têm grande importância. No fundo elas só são possíveis porque Pinóquio é de algum modo manipulado a partir do interior. Prisioneiro dele próprio. Encerrado num dilema infernal que o faz sempre prometer e nunca cumprir, um dilema que o proíbe precisamente de ‘afirmar-se como eu’: ‘Dar prazer ao outro ou dar-se prazer a si próprio’” (1996: 30-31).

Finalmente, o sentido educacional do “afirmar-se como um eu” ganha uma espessura antropo-ontológica e ética pelo “segundo nascimento” de Pinóquio que nos é ilustrado pelo ritual iniciático da devoração deste pelo Tubarão (Araújo; Araújo, 2010. 66-80). Quando Pinóquio salva Gepeto de morrer prisioneiro nas entranhas do Tubarão assiste-se a uma mudança de registo: a marioneta transforma-se num ser com vontade própria e com uma consciência ética. Nas palavras de Meirieu já não se trata de alguém dependente (ainda que ora dócil, ora revoltado), já não se trata de alguém cedendo à excitação do momento ou à ilusão vã da liberdade e do prazer (veja-se a Terra da Brincadeira), mas de um ser em vias de cumprir a sua humanidade: “Vem comigo e não tenhas medo”, replicou Pinóquio a Gepeto no interior do Tubarão. Pinóquio com este gesto evidencia a sua vontade de mudar, deixando para trás o seu comportamento de marioneta com os seus queixumes, recriminações e acusações: “Ele ousa fazer um gesto que provém de algures, quer dizer, do seu íntimo, [um gesto] que provém dele... um gesto que não é ditado pelos outros, um gesto que ele ainda nunca fizera e que ele não sabe fazer, mas um gesto que é preciso que ele faça para aprender precisamente a fazer... Resumindo, um gesto em que ‘ele se afirme’” (Meirieu, 1996: 32). Com a assunção de tal gesto, Pinóquio reconcilia-se com a humanidade que em si agora irrompe e com ela assiste-se concomitantemente ao nascimento da liberdade de escolher e construir o seu destino. Com esta liberdade, Pinóquio poderá escapar ou mesmo recusar deixar-se modelar ou mesmo fabricar nas mãos de um educador. “Fabricar um homem”, tal como o mito de Frankenstein também nos ensinou, dá que pensar, pois estamos sempre predispostos, ainda que animados (quantas vezes!) das melhores intenções, de que o inferno está cheio, a fazê-lo quando nos lançamos na aventura educativa. A este respeito, importa retomar duas perguntas colocadas por Philippe Meirieu no seu Frankenstein pédagogue (2006): “Pode-se abandonar toda a veleidade de “fazer” o outro, e, se sim, não se cairá na impotência ou no fatalismo? Por outras palavras, pode-se ser educador sem ser Frankenstein?” (2006: 14). Porém, quando se fala de educar o outro, o significado da aprendizagem não deverá andar longe e, como tal, se não há aprendizagens ingénuas, pois elas contribuem sempre para a construção de narrativas que governam a nossa visão do mundo, devemos, na linha de um Edgar Morin, abalançarmo-nos para lidarmos com “os sete saberes” para uma educação ainda com futuro quer face às incertezas atuais (2002a), quer face à crescente

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desmotivação de estar na Escola cuja obra de Neil Postman, intitulada profeticamente O Fim da Educação. Redefinindo o Valor da Escola (1995), nos alerta. Como uma última palavra, Pinóquio faz-nos sempre pensar na aventura da educação como trans-formação do outro, independentemente de se tratar de pedaço precioso de mármore (Pigmalião), de um vulgar pedaço de madeira (Pinóquio), ou simplesmente de uma pedaço de terra vermelha (Golem), ou então, como o diz Meirieu, “aceder ao segredo da fabricação do humano” (1996: 34). Porém, pergunta-se se podemos ainda escapar numa “sociedade sitiada“ (Zygmunt Bauman) como a nossa, às garras asfixiantes da hubris tecnológica que em muito dificulta acompanhar, no sentido originário de ser pedagogo, o Outro a fim que ele se torne mais autêntico, se cumpra mais numa tensão sempre desafiante que o ato de ser “soi-même comme un autre” (Ricoeur, 1990) implica?

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LITERATURA INFANTIL: PROBLEMAS E DESAFIOS DA SOCIEDADE ATUAL Armindo Mesquita Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Paulo Pontes Agrupamento de Escolas das Pedras Salgadas Resumo Na atualidade, era do digital, a cultura ligada às novas tecnologias faz com que tudo que se relacione com tudo e o que se liga à tradição seja desvalorizado pelas novas gerações, com um progressivo desenraizamento cultural dos jovens. Para tentar inverter esta situação, julgamos que os textos da tradição têm ainda muito a ensinar aos jovens e podem servir para uma escola e uma sociedade renovadas, conscientes dos valores nacionais e orgulhosas das suas raízes.

Atualmente, fala-se muito da crise de valores, que é «apresentada como um sinal dos tempos e identificada com os fenómenos de mudança vertiginosa e de multiplicidade de pautas de conduta e ideais de vida que caracterizam os nossos dias.» (Parafita, 1999: 31). É que nunca se viveu num mundo com tantas potencialidades, em que a informática, a televisão e as tecnologias diversas fizeram o Homem progredir e tornar-se, verdadeiramente, “senhor” do mundo. Caminhamos rapidamente para a homogeneização social, em que já não se notam distinções claras entre cada um dos povos ocidentais. Nos últimos cem anos, a estrutura familiar modificou-se completamente, com as mães a terem de trabalhar fora de casa, bem como os avós, que eram uma das grandes bases da sociedade tradicional. As crianças e os jovens estão, agora, entregues a instituições como creches e ATLs, ou, na pior das hipóteses, sozinhas em casa, tendo de aprender a desenvencilhar-se o mais cedo possível. Depois de décadas a defender-se a especificidade da infância, a necessidade de proteção e carinho especiais, estamos a assistir a uma nova fase em que alguns jovens têm de crescer depressa, enquanto outros têm tudo ao seu dispor e podem continuar a ser crianças, até muito tarde. Acabou definitivamente o tempo dos serões à lareira, pois os campos (onde tal ainda era possível ocorrer) estão a ficar desertos, com uma sobrelotação das cidades, onde a vida progride a um ritmo tão frenético que não se tem tempo para nada, sobretudo para momentos de qualidade com os mais jovens. Os pais chegam a casa cada vez mais tarde dos empregos, onde as exigências são sempre mais acrescidas, sentem-se cansados e não têm paciência para jogos e histórias. Preferem colocar os filhos a ver televisão, momento durante o qual conseguem mantê-los em silêncio, ou então deixamnos jogar computador e Playstation durante horas, como forma de entretê-los e sentirem as consciências tranquilas. Os livros estão relegados para segundo plano, dado que o cinema, a televisão ou a internet oferecem um imediatismo com o qual o texto escrito não pode competir. Ninguém pode negar que vivemos na era do digital, com uma televisão que nos mostra, em segundos, os lugares mais díspares do planeta. «Na WEB, encontramos todo o tipo de saberes, bastando, para isso, carregar em um ou dois botões.» (Gomes, 2006: 18

36). Tanto a televisão como o computador têm de ser encarados como novas fontes de cultura, uma vez que estão disponíveis vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana e criam, sobretudo nos mais jovens, uma forte ilusão de realidade. Se todos têm tendência a crer mais naquilo que veem, tal é mais evidente nas crianças, que não têm ainda a capacidade de serem críticos em relação aos novos saberes que adquirem. E ninguém pode negar que os meios de comunicação não só constroem a realidade, mas também apresentam interpretações, atitudes e conclusões já feitas e elaboradas, com mensagens carregadas de ideologias e valores. A televisão tem-se tornado o principal agente de formação das crianças. Trata-se de uma «situação que é tanto mais grave quanto se sabe que esses meios não foram nem idealizados, nem instituídos para uma responsabilidade dimensionada a esse nível.» (Parafita, 1999: 31). No entanto, Pascuala Morote e Cristina Pons (2001:178) defendem que «la cultura tecnológica es una parte importante de la cultura atual y la técnica es inseparable de la cultura. [...] un buen ingeniero que lea a los clásicos está en una posición imbatible...». Assim, se seguirmos esta linha de pensamento, percebemos o que deveria ser claro para todos: dominar as novas tecnologias, sentir fascínio pelos meios de comunicação social, sobretudo no que respeita ao computador e à televisão, não pode significar que se ponham de parte as restantes formas de saber, nem que se deixe de dar valor às tradições que fazem de cada país ou região algo único. O caminho passa por integrar a tradição e a inovação, em todos os aspetos do nosso dia a dia. Tal empreendimento ainda será possível? Ou teremos entrado num caminho sem volta, em que a cultura tradicional irá deixar de existir e as gerações futuras não serão mais do que «analfabetos do audiovisual»? (Furtado, 2000: 225). Se olharmos para a realidade portuguesa, notamos que há um enorme desleixo na educação da grande maioria dos nossos jovens, que seguem as tendências mundiais e se deixam dominar por jogos de computador sangrentos, por programas de televisão nada educativos, desenhos animados estranhos, em que tudo se resolve com violência. De facto, esta é a palavra de ordem na nossa realidade: além dos telejornais sensacionalistas, temos as telenovelas em horário “nobre” que promovem a rebeldia e a alienação, bem como os jogos e desenhos animados já referidos. É que, como apontam diversos estudiosos, «a acumulação de bens de consumo, de informação multimédia, nem sempre é sinónimo de bem-estar, de liberdade, igualdade, fraternidade para todos os cidadãos...» (Traça, 1992: 125). Mas a verdade é que estamos cada vez mais habituados ao facilitismo, a não termos de efetuar um grande esforço para atingir os objetivos e essa mentalidade está já muito enraizada nas populações, sobretudo nos mais jovens, refletindo-se na falta de aproveitamento escolar e nas dificuldades cada vez mais prementes ao nível dos diferentes tipos de leitura. Temos, assim, consciência de que vivemos numa época de profunda crise do livro e da palavra escrita, em parte devido aos constrangimentos que referimos anteriormente, mas também por falta de iniciativas claras dos agentes educativos para combater os escassos hábitos de escrita e leitura dos nossos jovens. E quando falamos em educação, não se trata apenas da escola, mas de todo o meio que envolve a criança e participa, direta ou indiretamente, na sua formação, começando pelos pais. Como defende José Furtado, retomando as palavras de Umberto Eco, a informação transmitida pelos audiovisuais «reduz a vigilância do espectador, constringe-o a uma participação, induz nele uma compreensão intuitiva [...] uma modificação radical das relações entre os homens e o mundo que os circunda» (Furtado, 19

2000:243). Pelo contrário, a leitura gera intersubjetividade, liberdade de interpretações, numa construção progressiva e pessoal do saber. O problema é que se lê pouco em Portugal e existem posições ambíguas e contraditórias em torno deste problema. Se virmos bem, o nosso Governo oscila entre o reforço da leitura nos programas escolares, com o Plano Nacional de Leitura em marcha por todo o país, e a apologia frenética das novas tecnologias como forma de salvação da pátria. Um computador, por muito útil que seja para a realização de algumas tarefas, poderá resolver por si só os problemas das nossas crianças? Ou virá apenas acentuar o já largo fosso entre a cultura informatizada e a necessidade de repensar a nossa inserção no mundo, a urgência de recuperar hábitos de leitura e tradições que se perdem a cada dia que passa? O certo é que muitos estudiosos afirmam que a morte do livro está para breve, devido à crescente dominação da informática e da internet em particular. Para os defensores deste caminho, cada vez menos irá recorrer-se à folha de papel impressa, optando-se por edições eletrónicas cada vez mais sofisticadas e económicas. Do outro lado, estão os que apostam ainda na preservação do livro, acreditando que «alguns textos, como dicionários, enciclopédias, listas telefónicas, se tornarão obsoletos em suporte papel, mas as obras literárias manter-se-ão decerto, porque são mais práticas de transportar e se tornam mais baratas do que em suporte informático.» (Gomes, 2006: 37). Podemos, pois, chegar a um consenso, até porque partilhamos da opinião do especialista José Furtado, que acredita na «...coabitação, no interior do mesmo espaço social, da cultura do papel com a cultura eletrónica...», e refere mesmo que «dizer adeus ao livro, ao papel, hoje, seria um pouco como se um dia decidíssemos deixar de falar porque sabemos escrever.» (Furtado, 2000: 434/435). O triunfo de um meio de comunicação não implica necessariamente que o outro seja posto de parte. Neste caso, se bem integrados, acreditamos mesmo que os livros e as TIC possam fazer uma grande parceria na recuperação de valores importantes. Além de que não podemos esquecer que o computador assenta, igualmente, na linguagem escrita, de tal modo que pode ser uma ponte entre o aluno e os bons hábitos de leitura, se bem utilizado em contexto escolar e familiar. Só assim se conseguirá, finalmente, fomentar a tão desejada educação para a cidadania. Agora, interessa-nos focar, mais de perto, o facto de as crianças lerem pouco e dos pais privilegiarem outro tipo de atividades, esquecendo-se que cuidar do espírito infantil em crescimento é tão importante como cuidar do corpo. As palavras de Maria Emília Traça (1992:113) elucidam claramente as preocupações que pretendemos debater: A evolução social, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa saturados de mensagens provenientes de outros âmbitos culturais, acertaram um rude golpe nestas manifestações enraizadas no mais fundo da nossa existência como povo. Daí que todo o trabalho encaminhado para a revitalização desse tesouro nos pareça importante.

Ao refletirmos sobre estas palavras, verificamos que, pela crescente extensão da cultura escrita, mas sobretudo pelo domínio dos meios de comunicação de massas, tem vindo a perder-se muito da nossa memória coletiva, da tradição popular que contém os segredos mais profundos da nossa nacionalidade. Desta forma, é natural dizer-se que os jovens estão a caminho do desenraizamento, numa clara homogeneização, que leva a que todos os povos se tornem cada vez mais semelhantes, esquecendo as suas raízes

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nacionais, as diferenças de que deveriam orgulhar-se. Se não se tomarem medidas, num futuro mais próximo do que imaginamos, teremos perdido todo o nosso património oral. Poderemos perguntar o que tem a tradição popular a ver com a progressiva perda dos hábitos de leitura dos nossos jovens. Pois acreditamos que existe uma relação íntima entre os dois identificadores culturais: se uma criança não conhecer, desde a mais tenra infância, textos populares (sobretudo contos maravilhosos, mas não só), mais dificilmente será um leitor ativo quando crescer. Concordamos completamente com Alexandre Parafita quando profere as seguintes palavras: «Ignora-se que a literatura popular de tradição oral, as crenças e as superstições [...] são tão ou mais valiosas para o conhecimento e compreensão da história e etnopsicologia dos povos, do que as ruínas dos monumentos ou os fragmentos das inscrições.» (Parafita, 1999: 61). Por isso, é importante dar a conhecer o património oral às crianças, para que estas aprendam a integrar-se no mundo que as rodeia, ao mesmo tempo que respondem a questões mais íntimas, relacionadas com o seu crescimento físico e mental. A literatura para os mais jovens ajuda-os no seu desenvolvimento e que, na base desta, esteve a literatura tradicional. Assim, em vez de deixar dominar o cinema de animação – que poderá também ter um lugar ativo quando usado com método e mais rigor – deveria voltar a introduzir-se os contos, as lengalengas, as lendas, ou outros, nos hábitos infantis, mesmo antes de a criança dominar a leitura. As palavras de Maria Teresa Martins (2006:73) são ilustrativas das ideias por nós veiculadas: as crianças de hoje continuam a ter necessidade de alimentar o seu imaginário através das histórias que ouvem, as quais ajudam a que vão (re)construindo gradualmente a sua personalidade [...] Por isso, é relevante o contributo dado pela Literatura Infantil na construção de uma personalidade saudável, onde não se pode menosprezar o potencial educativo dos textos impregnados de fantasia, geralmente identificados com o maravilhoso.

É verdade que, numa sociedade em plena mudança, é legítimo questionar-se sobre a pertinência dos textos tradicionais nas leituras dos mais jovens, uma vez que a realidade sociocultural e mesmo económica dessas composições em nada se assemelha à de hoje, em que pretendemos integrar os nossos jovens. É um questionamento natural, embora não possamos esquecer que, mesmo vivendo num mundo diferente, o imaginário infantil continua a ligar-se ao maravilhoso. As crianças ainda gostam de uma boa história, desde que esta as liberte do mundo real e lhes permita desenvolver a fantasia, a imaginação. É por isso que muitas obras atuais para o público infantil vestem os antigos mitos de novas roupagens, contando lições importantes, bem como a magia milenar que os carateriza, mas adequando-os aos tempos modernos. Um bom exemplo é o mega sucesso da obra de J. K. Rowling, que soube criar uma Cinderela dos novos tempos, dando a Harry poderes mágicos, mas mostrando que, como todos os jovens, ele tem problemas de crescimento, que tem de enfrentar para se tornar mais forte e ser um adulto feliz. E também na literatura infantil portuguesa grassam exemplos de velhas histórias ou personagens reescritas, reinventadas para continuarem a maravilhar os mais pequenos. Pois, ...na sequência das mudanças do século passado que se viu em todos os campos [...] assistiu-se a uma reelaboração do texto tradicional, cujo objetivo é encarar as raízes culturais como fonte de inovação. [...] vemo-nos confrontados com uma série de novas versões e adaptações de contos tradicionais em que

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um mesmo episódio, um mesmo texto, se presta a interpretações diferentes e potencialidades renovadas. Isso corresponde à evolução de crenças, de costumes e de modos de vida. (Blockeel, 2006: 27)

Os autores atuais adaptam-se, então, às formas do conto, da lenda ou do mito e, assim, retomam, muitas vezes, as tradições. Reescrevem a fórmula inicial (Era uma vez...), mas, sobretudo, introduzem o maravilhoso num contexto moderno: metamorfoses, objetos cheios de poderes, intervenções mágicas, entre outros. E isto acontece, porque têm a noção de que, apesar da passagem do tempo, das mudanças sociais, culturais, económicas, a imaginação continua a ser um bem essencial ao desenvolvimento dos mais jovens e é necessário fomentá-la desde o berço. «Tire-se ao Homem a capacidade de sonhar, o poder da imaginação criativa e diga-nos o que resta dele. [...] Sonhar é preencher vazios, é criar condições terapêuticas para o impacto da realidade. É libertar-se enfim.» (Carvalho, 1989: 21). Esta autora mostra claramente como o sonho e a imaginação acompanharam o Homem desde o início dos tempos. Aliás, é pela interação da imaginação e da fantasia que a criança realiza o seu crescimento natural e intelectual. A criança gosta de estar no mundo mágico, porque as palavras têm enorme energia imaginativa e porque conseguem transformar o mundo real em mundo fantástico. Neste tipo de textos, o jovem leitor / ouvinte vai sempre buscar algo novo que o enriquece interiormente e o ajuda a integrar os pedaços do mundo exterior, muitas vezes difícil de compreender. Hoje em dia, vê-se claramente o contributo dos contos de fadas na construção de uma personalidade saudável, opondo-se à velha teoria de que os textos da memória coletiva não têm valor ou potencial educativo. E se os céticos referem que o que interessa não é sonhar e imaginar, mas conhecer o mundo real, integra-se nele o mais cedo possível, optando-se antes por histórias verosímeis e livros ou documentários em que a realidade surge nua e crua; contrariamos essa teoria com as palavras de George Jean, que são retomadas por Glória Bastos: «...o maravilhoso não se opõe à realidade, mas antes se alimenta de um quotidiano explícito em algumas situações.» (Bastos, 1999: 31). Pelo contrário, há uma íntima relação entre o real e a fantasia; a criança não fica desorientada com a visão fantástica do mundo. Aprende, através da imaginação, a integrar-se no real. Compreendemos, pois, que há na escrita contemporânea a preocupação constante em unir a tradição e a inovação, em benefício do próprio jovem. Existe, deste modo, uma panóplia quase infinita de livros, uns mais realistas, que exploram o universo; outros ligados ao meio ambiente e às preocupações ecológicas; outros ainda que abrem as portas a mundos invisíveis, fantásticos. Todos eles ajudam a desenvolver a curiosidade e o discernimento. Como ajudam a crescer, todos eles têm de ser considerados importantes. Depende dos pais construírem o contexto afetivo necessário para que a criança aprenda a gostar de livros mesmo antes de saber ler, através do contacto diário: o manuseamento das folhas, a visualização das ilustrações enquanto ouvem a história, tudo é importante. E sem esquecer que não se pode cair no inverso, ou seja, fazer do livro um instrumento tão presente que o jovem sinta ali um rival à atenção dos pais. Tudo tem de ser na justa medida. Conclui-se, assim, que, dependendo do contexto social em que se desenvolvem os jovens, poderão perceber que os contos, a música, a dança, o teatro, o cinema, a informática, etc. podem tornar o imaginário infantil inesgotável, na medida em que não se anulam uns aos outros, formando antes um todo de qualidade a que podemos chamar de verdadeira cultura. O que importa é que a criança descubra que ler ou ouvir um 22

conto, contemporâneo ou tradicional, pode ser um entretenimento tão ou mais gratificante do que ver um filme ou uma série de desenhos animados. Pode mesmo tornar-se uma aventura incrível. Como salienta José Matias Alves (1978:1), se «o leitor se entregar ao prazer inenarrável de descobrir todos os (im)possíveis segredos [...] com certeza se surpreenderá ao verificar os múltiplos trilhos com que a escrita se organiza texto». Por fim, queremos responder a mais uma questão, ligada à problemática da tradição: Porque não incentivar os nossos pequenos a conversar com os mais velhos, quer sejam da família ou não, para extraírem deles ensinamentos ainda válidos e valiosos para a nossa cultura? É certo que algumas escolas já tomam a iniciativa de pedir recolhas da tradição oral às crianças e jovens, mas muitas vezes não lhes é explicado o valor desse trabalho e eles encaram-no como mais uma tarefa, que têm de cumprir com aborrecimento, para não levarem “falta” ou terem uma “nota fraca”. Diz Vidigal que é preciso encontrar formas de «preservar a identidade nacional e (....) a articulação entre a escola e o meio e a formação pessoal e social dos alunos.» (Vidigal, 2006: 22) e que tal só é possível através do «desenvolvimento de métodos e técnicas de valorização da oralidade» (Vidigal, 2006: 22). Só fazendo compreender o valor dessas recolhas aos jovens eles passarão a encará-las não como uma obrigação, mas como mais uma forma de enriquecimento pessoal e social. E essa tarefa passa, mais uma vez, pela escola e pela família. No nosso caso, enquanto transmontanos, temos de ter a noção da especificidade da nossa cultura, que mantém grande parte da sua originalidade milenar devido ao isolamento da região durante séculos. As composições da nossa terra testemunham «o convívio do povo com o seu meio ambiente, retratando a simplicidade rústica, a expressão comovedora do sofrimento [...] quase sempre oferecido em fórmulas rítmica e rimadas, o que lhe permite assegurar espaço na memória das gerações [...] veículo eficaz de transmissão de saberes e valores» (Parafita, 1999: 34). É urgente que os nossos jovens tomem contacto mais profundo com essas raízes, na medida em que «dificilmente a cultura popular transmontana poderá furtar-se à ameaça que os tempos modernos representam. Os usos e costumes ancestrais, e com eles os saberes e a arte verbal que os fixou e consagrou, vão sendo abalados pelos fenómenos da modernidade.» (Parafita, 1999: 35). Não falamos apenas de contos ou de lendas, dado que existem já compêndios com este tipo de literatura, bastante divulgados não só a nível regional como nacional, graças a muitos escritores e estudiosos da matéria. Importa também conhecerem benzeduras, receitas, provérbios e outras tipologias textuais. Assim, poderão ter a noção da riqueza cultural da nossa zona e sentirem orgulho das suas terras, que não ficam nada a dever às metrópoles urbanas, onde estas maravilhas da oralidade já estão praticamente perdidas. Referências bibliográficas Alves, José Matias (1978): “O ensino do Português nas margens do texto”. In: O Jornal da Educação nº16. Bastos, Glória (1999): Literatura Infantil e Juvenil. Lisboa: Universidade Aberta. Blockeel, Francesca. (2006): “Leitura inteligente de mitos e formação da linguagem visual”. In: Mesquita, Armindo (Coord.): Mitologia, Tradição e Inovação: (Re) leituras para uma nova literatura infantil. Gaia: Gailivro, pp. 27-38.

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Carvalho, Bárbara Vasconcelos (1989): A Literatura Infantil – Visão histórica e crítica. São Paulo: Global Editora. Furtado, José Afonso (2000): Os Livros e as Leituras: Novas Ecologias da Informação. Lisboa: Editora Livros e Leituras. Gomes, Sandra Cristina Fernandes (2006): Uma perspetiva didática dos contos de Sophia de Mello Breyner Andresen para a infância. Dissertação de Mestrado policopiada. Vila Real: UTAD. Martins, Maria Teresa. (2006): «A Metamorfose nas Histórias do sono e do sonho de José Jorge Letria». In: Mesquita, Armindo (Coord.). Mitologia, Tradição e Inovação: (Re) leituras para uma nova literatura infantil. Gaia: Gailivro, pp. 73-80. Mesquita, Armindo (1999): «A Narrativa Folclórica no Imaginário Infantil». In Tellus Revista de Cultura Transmontana e Duriense, nº 31. Vila Real: Câmara Municipal de Vila Real. Mesquita, Armindo (1999): A estética da receção na literatura infantil. Vila Real: UTAD. Mesquita, Armindo (2002): “O conto maravilhoso: espelho mágico do universo infantil”. In: Revista Tellus, nº 37, novembro. Mesquita, Armindo (2006): «Como formar jovens leitores?). In Nuances: Estudos sobre Educação. São Paulo: UNESP – Universidade Estadual Paulista. Mesquita, Armindo (2007): «Para uma poética da leitura». In Azevedo, Fernando (Coord.): Imaginário, Identidades e Margens – Estudos em torno da Literatura Infantojuvenil. Gaia: Gailivro. Mesquita, Armindo (2008): «”Os tesouros da memória” na obra de Alexandre Parafita para a infância», In Cerrillo, Pedro e Sánchez Ortiz, César (Coord): La palabra y la memoria – Estudios sobre Literatura Popular Infantil. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha. Mesquita, Armindo (Coord.) (2001): O Maravilhoso no imaginário da criança. Vila Real: UTAD Mesquita, Armindo (Coord.) (2002): Pedagogias do Imaginário, Olhares sobre a Literatura infantojuvenil. Porto: Edições Asa. Mesquita, Armindo (Coord.) (2006). Mitologia, Tradição e Inovação: (Re) leituras para uma nova literatura infantil. Gaia: Gailivro. Morote Mágan, Pascuala y Pons, Cristina (2001): “Didática de la Literatura y Nuevas Tecnologías”. In: Cerrillo, Pedro, e Padrino, Jaime Garcia (Coord.): La Literatura Infantil en el siglo XXI. Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, pp. 177-192. Parafita, Alexandre (1999): A Comunicação e a Literatura Popular. Lisboa: Plátano. Parafita, Alexandre (2000): O Maravilhoso Popular – Lendas. Contos. Mitos. Lisboa: Plátano Editora. Pontes, Paulo Jorge (2000): “Minha Terra, minha aldeia, meu encanto”. Internet. Disponível em www.freguesiafranco.com (consultado a 15 de março de 2008). Pontes, Paulo Jorge Morais (2009): Literatura Oral Tradicional e Literatura Infantojuvenil – contributos da literatura oral tradicional transmontana. Dissertação de mestrado policopiada. Vila Real: UTAD. Soares, Mª Luísa de Castro (2003): Considerações gerais sobre a Literatura tradicional de transmissão oral: uma proposta de análise à versão portuguesa de "A Gata Borralheira". Vila Real: UTAD. Traça, Maria Emília (1992): O Fio da Memória – Do conto popular ao conto para crianças. Porto: Poro Editora. Vidigal, Luís (2006): A História Oral: o que é, para que serve, como se faz. Santarém: Escola Superior de Educação.

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RECURSOS DE PROMOÇÃO DA LITERACIA DIGITAL. FERRAMENTAS DIGITAIS NO DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA Carlos Alberto Martinho Vaz Agrupamento de Escolas das Dairas, Vale de Cambra, Portugal Resumo Compreensão e expressão escritas são competências basilares da aprendizagem inerentes não apenas à Língua Portuguesa como área disciplinar. São competências transversais que, por tradição, são trabalhadas prioritariamente nas aulas de Língua Portuguesa. Os novos programas de português não são alheios à evolução que se faz sentir no acesso à informação e à transmissão dos textos, preconizando-se o domínio de literacias múltiplas, adquirindo destaque as literacias relacionadas com as tecnologias de informação e comunicação. São diversas as ferramentas tecnológicas (hardware e aplicações digitais) que podem coadjuvar professor e alunos no desenvolvimento de competências de leitura e escrita. Caberá ao professor selecionar aquelas que melhor se adeqúem às suas competências e às suas necessidades. Palavras-chave: leitura, escrita, literacia digital

Compreensão e expressão escrita são competências basilares da aprendizagem inerentes não apenas à Língua Portuguesa como área disciplinar. São competências transversais que, por tradição, são trabalhadas prioritariamente nas aulas de Língua Portuguesa. Durante muito tempo, a escrita foi abordada, tanto nos manuais como em documentos orientadores (programas), “mais como “veículo de comunicação” do que propriamente objeto de ensino e de aprendizagem” (Pereira, 2003:3), adquirindo mais realce o produto do que o processo. Analisando os diversos tipos de propostas de produção escrita constantes nos manuais, conclui-se que se destaca o processo de redação, poucas vezes se referindo a revisão e a planificação (Carvalho, 1999:114-115). Um dos obstáculos a aulas mais ativas no tratamento da competência da escrita prendese com o tempo que é necessário despender para acompanhar o processo de desenvolvimento dos trabalhos de todos os alunos. Gradualmente, esta visão da produção escrita tem sofrido alterações. Nos novos programas de português do ensino básico, entende-se a escrita como o resultado de “processos cognitivos e translinguísticos complexos (planeamento, textualização, revisão, correção e reformulação do texto)” (Reis, 2009:16). Os novos programas de português não são alheios à evolução que se faz sentir no acesso à informação e à transmissão dos textos, preconizando-se que “a existência de novos cenários, linguagens e suportes para o acesso à informação exige o domínio de literacias múltiplas” (Reis, 2009:63), adquirindo destaque as literacias relacionadas com a tecnologia e com a informação pictórica. No que respeita à leitura, é importante que, desde cedo, a criança tenha a possibilidade de ouvir adultos lerem, uma vez que servirão de modelos de boa leitura. Aqui, as tecnologias também poderão constituir uma mais-valia, uma vez que permitem disponibilizar textos gravados que os alunos também poderão ouvir fora do contexto escolar. À medida que se vai evoluindo na aquisição de competências de leitura, poderá ser o próprio aluno a fazer um registo áudio da sua leitura e, assim, ir tomando consciência da sua evolução e dos aspetos a melhorar. À medida que evolui no seu percurso escolar, o aluno vai evoluindo de leitor para intérprete e divulgador,

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recorrendo, sempre que pertinente e possível, aos meios informáticos (Reis, 2009:102). Tal será acompanhado por uma evolução na competência da escrita. Ao apresentar os contextos e recursos de aprendizagem, o NPPEB enfatiza o recurso às TIC e o seu uso efetivo nos diversos domínios: oralidade (recorrência a suportes áudio e vídeo para aceder a textos orais diversos), leitura (gravação, audição e visualização), escrita ou conhecimento explícito da língua (com recurso a meios informáticos) (Reis, 2009:108). As tecnologias são, assim, reconhecidas como uma ferramenta que facilitará o desenvolvimento de multi-literacias. Além disso, poderão ser um “aliado” do professor na sala de aula ou fora dela, uma vez que o desenvolvimento de tarefas recorrendo às tecnologias é bastante mais atrativo para os alunos. As tecnologias da informação e comunicação trouxeram diversas mudanças nos domínios da educação, oferecendo ferramentas que tornam o ato de escrever mais atrativo e interativo. A recorrência às TIC no processo de escrita apresenta diversas vantagens. Tanto o produto como o processo de desenvolvimento podem ser facilmente armazenados, tanto em dispositivos específicos (discos USB, por exemplo) como online, permitindo não só a portabilidade como a rápida recuperação para edição e/ou continuação do trabalho. O trabalho em formatos digitais facilita a revisão e a reescrita, atendendo a que se pode deslocar, apagar, alterar texto. As ferramentas digitais de escrita permitem facilitam a verificação ortográfica e sintática do que se escreve, ajudando os alunos a tomarem consciência dos erros cometidos. No que respeita à acessibilidade, com as TIC é possível superar algumas barreiras a nível da motricidade fina e da visão. Para o processo de escrita, existem aplicações específicas suportam a elaboração de planos de trabalho (mapas conceptuais), que podem ser utilizadas num contexto colaborativo. A facilidade de integração do texto com diversos formatos média (áudio, vídeo, imagem,...) torna tanto o processo de escrita como o produto mais atrativos. Além disso, a transferência e a partilha de produtos é facilitada, podendo-se encarar os escritos numa perspetiva de socialização (Pereira, 2005: 10), não se restringindo o produto para um uso individual, confinando-o ao portefólio do aluno, mas divulgando-os, colocando-os à análise de pares, da comunidade.

As Tecnologias da Comunicação e Informação e o desenvolvimento de competências de escrita Conceder maior realce ao processo de escrita, face ao produto, permite criar aulas mais dinâmicas, atendendo a que o aluno não encarará a escrita como atividade isolada a ser corrigida pelo professor. Este poderá assumir uma postura de mediador do processo, acompanhando o desenvolvimento por parte dos alunos, apontando alguns caminhos e incentivando a processos de autocorreção. No entanto, esta metodologia pode tornar-se morosa e desmotivadora se se optar por acompanhar os trabalhos de todos os alunos em suporte de papel. A solução poderá passar por desenvolver trabalhos de grupo, em conjugação (ou não) com o recurso às TIC. No entanto, existem diversas ferramentas tecnológicas que, se utilizadas de forma eficaz, poderão simplificar e agilizar as diversas fases do processo de escrita, nomeadamente no que concerne ao trabalho cooperativo.

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Criar histórias digitais integrando diversos formatos Existem diversas ferramentas que podem ser utilizadas para complementar a escrita com imagem. Desde as ferramentas de apresentação multimédia ou de edição de imagem com as quais os alunos já estão familiarizados às ferramentas disponíveis na Internet, a variedade é grande, tal como as suas potencialidades. A utilização da imagem como recurso para a escrita criativa pode ser encarada de diversas perspetivas: como simples ilustração da história; como suporte ao desenvolvimento da história; como componente essencial da história, no caso de uma banda desenhada. Uma das dificuldades que se experimenta quando se trabalha a escrita na sala de aula (ou fora dela) é o bloqueio que sentem alguns alunos, a falta de ideias ou a incapacidade de estruturação lógica das mesmas, em sequências. Desta forma, o professor poderá recorrer a algumas técnicas “provocadoras” do processo de escrita. Uma técnica para ultrapassar este obstáculo é apresentar ao aluno um conjunto de imagens que poderão ser organizadas de forma a constituírem uma história, tendo o discente de organizar o texto em torno das imagens. Tal pode ser desenvolvido com imagens de narrativas já conhecidas como com imagens de histórias que os alunos desconhecem ou com as quais se pode estabelecer uma teia de relações de sentido. Uma ferramenta eficaz para este tipo de trabalho é o “Storybird” (http://storybird.com), uma aplicação online que permite a criação colaborativa de pequenos livros de histórias. Dispõe de uma enorme variedade de motivos artísticos que podem ser organizados por percursos temáticos. Os alunos podem escolher as imagens, dispô-las nas páginas e escrever a história. Outra possibilidade consiste em o professor fazer uma seleção prévia das imagens, organizando-as no livro. Os alunos apenas terão de elaborar o texto. Outra forma criativa de escrever a partir de imagens é recorrer “Five Card flickr” (http://5card.cogdogblog.com/). São apresentados cinco conjuntos com cinco imagens do sítio “Flickr”. Em cada conjunto dever-se-á escolher uma imagem. A partir das cinco imagens eleitas, escreve-se a história. Outra alternativa consiste em os alunos selecionarem imagens a partir de pesquisas na Internet. Num contexto de aula, poder-seá envolver toda a turma através da votação das imagens a selecionar. As nuvens de frequência de palavras poderão ser uma alternativa interessante para iniciar o processo de escrita, se se for criterioso na escolha dos textos que estarão na base na lista de palavras. Para tal, uma das aplicações disponíveis é o Wordle (www.wordle.net). Com esta ferramenta podemos criar nuvens de frequência de palavras, tendo como referência textos ou sítios da Internet selecionados pelo utilizador. A sua utilização é bastante simples e intuitiva: cola-se o texto numa janela (ou o endereço eletrónico do sítio) e a aplicação irá criar uma nuvem com as palavras mais frequentes no texto, destacando aquelas que aparecem mais vezes. A apresentação da nuvem é bastante agradável visualmente, podendo ser personalizada. Podemos utilizar o wordle para criar uma nuvem de palavras que servirão de ponto de partida para a elaboração de um texto. Nos exemplos que se apresentam a seguir, apresentam-se nuvens de frequência das palavras de "Balada da neve", de Augusto Gil e anedotas publicadas no sítio da VisãoJunior (Error! Reference source not found.) e a partir dos textos "Pedro das Malasartes" e "Adivinhas em Anexins" (Error! Reference source not found.). Perante estas nuvens de palavras, os alunos foram desafiados a escrever livremente textos. 27

Figura 1

Figura 2

Quadro interativo O quadro interativo apresenta diversas potencialidades que podem ser bastante interessantes para o desenvolvimento colaborativo das competências da leitura e da escrita, associado a outras ferramentas, seja aplicações, seja hardware. O processo de escrita não será apenas voltado para um aluno ou pequeno grupo de alunos, como acontece quando se trabalho em contexto de trabalho individual ou de grupo. Com o quadro interativo, o aluno vê o seu trabalho exposto e debatido pela turma, seja escrevendo diretamente no quadro (mais adequado à fase de planificação), seja projetando o produto final ou parcial, com a ajuda de digitalizador ou visualizador de documentos. Na planificação do texto, o quadro interativo poderá ser utilizado de diversas formas. Sempre que for pertinente, as atividades deverão ser suportadas por modelos de documentos. É o caso dos mapas conceptuais, da banda desenhada ou dos storyboards. A criatividade do professor condicionará as atividades a desenvolver com o recurso ao quadro interativo. Apresentam-se algumas sugestões que se têm experimentado: – elaboração de mapa de ideais sobre o texto, em que os alunos vão destacando os aspetos mais importantes a focar. À medida que o mapa se vai construindo, é reorganizado. Os alunos poderão envolver-se na sugestão de ideias seguindo técnicas variadas: “chuva de ideias”, que poderá ser desenvolvida tanto oralmente, indo o professor escrevendo no quadro, como por escrito, no próprio quadro; utilização de mecanismos de resposta interativa, com função de escrita de texto. – apresentação de parágrafos introdutórios, imagens ou filmes que poderão servir de desbloqueio do processo, ponto de partida. No exemplo apresentado na figura 3, partido de um pequeno excerto de um texto de David Mourão-Ferreira, os alunos

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apresentaram as questões que surgem a partir das informações aí contidas. Tal constituirá o ponto de partida da elaboração de esquema de texto.

Figura 3

– desenvolvimento de histórias digitais em banda desenhada ou com integração de formatos diversos. O professor ou os alunos poderão selecionar um conjunto de imagens relacionadas com uma determinada temática ou conto, de modo a serem utilizadas como complemento à escrita. Existem alguns pacotes de recursos com as imagens direcionadas para histórias tradicionais específicas (poderão ser encontrados em www.prometheanplanet.com). Os alunos motivar-se-ão se se utilizarem fotografias de elementos da turma simulando situações de conversa, que serão utilizadas para legendar no quadro, com a colaboração de toda a turma. – nos processos de revisão e correção, o quadro interativo pode facilitar o envolvimento dos alunos, atendendo a que o produto poderá ser digitalizado e apresentado à turma, que terá oportunidade de tecer considerações sobre o mesmo. Uma alternativa interessante consiste na utilização de um visualizador de documentos. Com esta ferramenta, o professor poderá mostrar o trabalho desenvolvido, projetando-o no quadro, retendo aí uma cópia do mesmo e fazer, em conjunto com os alunos, uma correção (figura 4). Tal permite um envolvimento de toda a turma no processo de revisão. Além disso, um visualizador de documentos tem outras funcionalidades de câmara digital de vídeo e fotografia, que também ajudam a dinamizar atividades de escrita.

Figura 4

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Processador de Texto Utilizar o processador de texto na elaboração de textos apresenta algumas vantagens, destacando-se, face aos suportes tradicionais, as possibilidades de misturar e rever as ideias, fazer uma revisão ortográfica e sintática, incluir imagens. A principal desvantagem prende-se com a morosidade de escrita, não sendo esta tão “natural” quanto é quando o aluno escreve diretamente no papel, pelo que, se se considerar pertinente, o processo deve sempre passar pela fase de escrita em papel. Com a utilização de um processador de texto online, como é exemplo o GoogleDocs, é possível encetar um trabalho de escrita colaborativa, em que vários utilizadores, simultaneamente, trabalham e reveem o texto de forma síncrona ou assíncrona, independentemente do espaço em que se encontram, o que poderá conduzir a um maior grau de aperfeiçoamento face à escrita individual (Hayes, 2006: 48). Além disso, o professor vê o seu trabalho de correção e análise facilitado, pois poderá ir acompanhando o trabalho que se encontram a desenvolver, questionando as opções de escrita dos alunos e apresentando-lhes algumas sugestões.

Publicação Publicar os trabalhos dos alunos, além de divulgá-los junto da comunidade educativa, proporciona um acréscimo de confiança e autoestima nos autores. Existem diversas ferramentas para publicar o trabalho desenvolvido. Em primeiro lugar, deverá ser criado um espaço em que se agreguem as diversas ferramentas de publicação. Os mais comuns são blogues ou wikis, embora uma plataforma de gestão de conteúdos ou um website também possam ser alternativas. A publicação pode ser em diversos formatos, que podem estar conjugados: texto simples, livro eletrónico, podcast, vídeo, apresentações. Destes formatos, um destaque especial para os podcasts, uma vez que aumentam, no aluno, a precisão de leitura, atendendo a que se vão apropriando de palavras desconhecidas ou que poderão ter mais dificuldade em pronunciar, além o ajudarem a perceber a expressividade da entoação da leitura As ferramentas digitais disponíveis que podem ser um importante complemento no desenvolvimento de competências de escrita são diversas. Caberá ao professor selecionar aquelas que mais se adequam aos seus objetivos e às competências digitais dos utilizadores.

Referências bibliográficas Carvalho, J. (1999). O Ensino da Escrita: da teoria às práticas pedagógicas. Braga: Instituto de Educação e Psicologia – Centro de Estudos em Educação e Psicologia. Universidade do Minho. Hayes, M. & Whitebread, D. (2006). ICT in the Early Years, Maidenhead: Open University Press. Pereira, Maria Luísa A. (2003). “Para uma Didática da Escrita no Ensino Básico: teses, pressupostos e condições de possibilidade“, in Atas do IV Encontro Nacional de Didáticas e Metodologias da Educação – Percursos e Desafios. Évora: Universidade de Évora. Disponível em http://www.eseb.ipbeja.pt/sameiro/Didactica_da_escrita_Para_uma_didactica_da_escrita_no_ensino_basi co.pdf

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Pereira, Luísa Álvares, & Azevedo, Flora (2005). Como Abordar... A Escrita no 1º Ciclo do Ensino Básico. Porto: Areal Editores. Reis, C. (Coord.) (2009). Programas de português do ensino básico. Lisboa: Ministério da Educação/Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular.

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NOVOS CENÁRIOS E SUPORTES DE LEITURA Carlos Pinheiro Resumo O mundo do livro encontra-se numa fase de transição. O milenar livro códice, que durante séculos se manteve como o principal suporte de escrita, enfrenta, desde finais do século passado, a concorrência de novos formatos, resultantes do desenvolvimento das redes de informação e da progressiva digitalização da palavra impressa, dando origem a novos modelos de negócio, a novas formas de leitura e a novos suportes, num processo irreversível que obriga a redefinir a tradicional noção de livro. Os especialistas acreditam que 2011 será o ano do ebook, reforçando uma tendência que se acentuou em 2010, com as vendas a atingirem números inéditos, e reavivando receios antigos, expressos numa tecnofobia que sempre acompanha o aparecimento de novos meios de informação ou a reinvenção dos do passado. Neste breve artigo vamos procurar discutir as transformações que as tecnologias atuais estão a provocar no conceito de livro, nos seus aspetos conceptuais e formais, e como estas mudanças propiciam novas formas, tempos e espaços de leitura. Abordaremos o impacto que as tecnologias estão a produzir nos hábitos de leitura e as decorrentes implicações para professores, educadores, bibliotecários e outros profissionais que quotidianamente desenvolvem atividades de promoção da leitura junto de crianças e jovens. Palavras-chave: tecnologias, ebook, mercado de ebooks, hábitos de leitura, novas formas de leitura.

«Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens se sentiram senhores de um tesouro intacto e secreto.» Jorge Luis Borges, A Biblioteca de Babel

1. Fosso digital nas escolas O processo de digitalização da informação está praticamente concluído no mundo ocidental, onde toda a nova informação é atualmente criada em formato digital. De acordo com um estudo da revista Science recentemente tornado público, 2002 foi o ano de charneira, a partir do qual passou a haver mais capacidade de armazenamento em formato digital do que analógico. Nessa investigação chegou-se à conclusão que 2007 se encontrava já em formato digital 94% da informação mundial, correspondendo a 295 triliões de bytes. Ao pé deste volume, o que se guarda nos livros é mínimo. Entre 1986 e 2007, de acordo com a Science, a percentagem de informação guardada em papel desceu de 0,33 para 0,007 por cento9. Contudo, este é um processo que não tem tido reflexo imediato nos sistemas de ensino, mesmo nos dos países ocidentais. Nas escolas continua a vigorar a cultura do impresso, fruto de alguma resistência à mudança característica de todas as organizações humanas e das dificuldades da indústria editorial em abraçar um modelo de negócio baseado no digital, mas sobretudo da ausência de uma estratégia clara, por parte da administração educativa, de fomento da utilização de recursos educativos digitais, 9 Mesmo assim o papel não é menos raro em termos absolutos. A informação em papel passou de 8,7 para 19,4 milhões de gigabytes nesses 21 anos.

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muitas vezes em contradição com o discurso oficial, e que redunda no esvaziamento pedagógico das diversas incitativas de utilização das TIC na escola. Como exemplo deste predomínio da cultura do impresso, nas mais de 1200 bibliotecas que integram a Rede de Bibliotecas Escolares de Portugal, existe uma média de 6,91 documentos impressos por aluno; quanto aos documentos digitais, essa taxa não ultrapassa os 0,26, traduzindo uma relação de mais de 25 documentos impressos para cada documento digital.10 Todavia, paulatinamente, estas múltiplas formas de resistência começam a esbater-se, sobretudo nos Estados Unidos, onde, em muitas escolas11, já se assiste, por exemplo, à substituição de manuais escolares em papel pelos seus correspondentes em formato eletrónico e onde as potencialidades das tecnologias móveis em educação têm sido amplamente demonstradas em variadíssimas experiências pedagógicas. 2. Ebook: conceito, história e evolução O termo ebook tem sido utilizado para descrever duas realidades diferentes no que se refere aos livros em formato digital. Por um lado, alguns utilizam-no para designar um dispositivo de leitura, um objeto de hardware, criado especificamente para esse propósito, no qual se lê o texto digital com software de leitura apropriado. Neste artigo utilizaremos o termo e-reader para definir esse conceito, e adotaremos o termo ebook na sua outra aceção, a de um texto digital que se lê diretamente no PC ou num dispositivo eletrónico de leitura. Alguns ebooks foram criados originalmente como objetos digitais (nunca tiveram uma existência física), noutros casos trata-se de obras digitalizadas, isto é, versões impressas que foram convertidas em formato digital. A história do ebook começa há quarenta anos quando, em 1971, Michael Hart, da Universidade de Illinois, disponibiliza uma biblioteca gratuita de livros digitais com uma coleção de mais de dois mil exemplares de obras de domínio público, entre as quais se encontra um grande número de obras clássicas. Estes primeiros livros digitais destinavam-se sobretudo a ser lidos no ecrã de computador, pois os primeiros leitores de ebooks portáteis surgem apenas em 1996, com o lançamento do Rocket (ecrã a preto e branco, memória interna de 16 MB na versão mais avançada e um preço de 250 dólares). Em 1998-1999, surgem o eReader.com e o eReads.com, os primeiros locais de venda na Internet de ebooks, mas será já no século XXI que o mercado arrancará definitivamente, processo no qual Stephen King, o famoso autor de bestsellers norte-americano, desempenhará um papel importante ao disponibilizar on-line, em 2001, uma das suas obras, Riding Bullet, que vendeu meio milhão de exemplares a 2,25 dólares em apenas alguns dias. Outro marco decisivo na popularização dos ebooks foi a invenção da tinta eletrónica (e-ink), uma tecnologia que permite reproduzir texto no ecrã com uma resolução semelhante à do papel, com baixo consumo de energia e sem emissão de brilho, tornando a leitura muito mais confortável para os olhos. Inicialmente, a tecnologia e-ink apenas permitia a reprodução de níveis de cinzento, mas surgiu no final de 2010 uma primeira experiência de utilização de

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Base de dados RBE 2009/2010 disponível em http://w3.gepe.min-edu.pt/rbe. Ver «Apps in the classroom Textbook publishers experiment with iPad-based lessons» in http://www.boston.com/news/education/k_12/articles/2011/01/31/apps_in_the_classroom e «Escola dos EUA torna obrigatório uso de iPad pelos alunos» in http://lerebooks.wordpress.com/2011/01/26/escola-dos-eua-tornaobrigatorio-uso-de-ipad-pelos-alunos. 11

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cor12 (e-Ink Triton), que além de 16 níveis de cinzento, reproduz até 4096 cores, e que se encontra disponível em e-readers como o Hanvon. O Sony Reader, lançado em 2007, foi um dos primeiros casos de sucesso na utilização da tinta eletrónica. Nesse mesmo ano, quando a Amazon, a maior livraria online do mundo, lançou o Kindle, um e-reader de alta qualidade e de baixo preço, com ligação direta à sua loja e acesso a milhares de ebooks a preços muitos competitivos, o mercado do livro eletrónico conheceu um impulso significativo, sobretudo do outro lado do Atlântico. No ano de 2010 assistimos a dois outros episódios significativos na história do ebook: o lançamento do iPad, um tablet da Apple (que vai já na sua segunda versão e de que falaremos mais abaixo), e do Nook color, um e-reader a cores da grande livraria norte-americana Barnes & Noble, ambos utilizando a tecnologia LCD (e não e-ink) e que conheceram um tremendo sucesso como instrumentos de leitura.

3. Leitura na rede – o hipertexto Com o surgimento da World Wide Web, a leitura em ecrã conhece uma nova dimensão, potenciada pelo hipertexto. O hipertexto é um sistema de representação de informação não linear e de múltiplos caminhos, que agrega conjuntos de informação na forma de blocos de textos, palavras, imagens ou sons, cujo acesso se faz através de referências específicas denominadas hiperligações (hiperlinks), ou simplesmente ligações (links). O hipertexto pode ser definido também como um documento digital composto por diversos blocos de textos interligados através de links, que possibilitam o avanço da leitura de forma aleatória. O hipertexto apresenta uma estrutura não linear e não-hierarquizada similar ao pensamento humano, e tem por isso o potencial de favorecer a leitura: ler passa a ser algo mais interativo, mas também mais exigente, pois o leitor já não segue o caminho «obrigatório» traçado pelo autor, mas toma decisões a partir dos links disponíveis e que o levam para outros documentos ou outras partes do mesmo. A World Wide Web é hoje a grande metáfora do hipertexto, com milhões de computadores ligados entre si, partilhando triliões de bytes de informação, e cumprindo talvez o sonho de Borges enunciado na epígrafe deste artigo. Evidentemente, este novo paradigma está a originar novas formas de leitura, talvez mais adaptadas à maneira como o nosso cérebro lida com a informação, mas igualmente mais desafiantes do ponto de vista cultural e educativo, pois, tratando-se de um texto dinâmico, jamais se poderá falar de uma versão definitiva, estando sujeito a correções e atualizações constantes, e, ao incluir multimeios e elementos visuais, introduz uma maior quantidade de informação não-verbal na comunicação, com todas as implicações daí decorrentes. A hipertextualidade tem sido por isso olhada com um certo ceticismo por alguma comunidade científica, que vê nos seus fluxos não hierárquicos e não lineares potencial gerador de anarquia, na qual o hiperleitor, apanhado numa teia de constantes novos dados proporcionados pelas hiperligações, acaba irremediavelmente por se perder. E não sem uma certa razão, pois se por um lado este tipo de ação pode favorecer a pesquisa, o interesse pela leitura e a aquisição de novos conhecimentos, por outro, e sobretudo com as novas gerações em processo formativo, corre-se o risco de 12

http://www.nytimes.com/2010/11/08/technology/08ink.html.

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descontinuidade temática, de incoerência, de esvaziamento cultural. É por isso urgente uma pedagogia da leitura nestes novos ambientes.

4. Mercado de ebooks Em 2010, o mercado global de ebooks cresceu mais de 200%, ultrapassando os 90 milhões de unidades pagas13, o que representa um volume de negócio de cerca de 900 milhões de dólares. Para estes números contribuíram fundamentalmente os Estados Unidos, que dominam 80% de um mercado onde a Europa Ocidental detém apenas 10% e resto do mundo os outros 10%. As vendas de ebooks nos EUA representaram no ano passado 7% do mercado de venda de livros (crescendo de apenas 3% em 2009). Este extraordinário crescimento é, em primeiro lugar, fruto da estratégia de empresas como a Amazon, a Barnes & Noble e a Apple, que apostaram fortemente no mercado de ebooks, com preços muito competitivos (sobretudo no caso da Amazon), associada à comercialização de dispositivos de leitura (Kindle, Nook, iPad). Em 2010, por cada 100 livros em papel (paperback) a Amazon vendeu 115 ebooks e vendeu três vezes mais ebooks do que edições hardcover. E nestes números não são contabilizados os livros gratuitos, mas apenas os que foram adquiridos na loja da Amazon. Neste mercado global, um dos setores de maior crescimento foi o de livros para crianças e jovens adultos. Na HarperCollins, por exemplo, os ebooks em janeiro deste ano representaram 25% do total de vendas de literatura para jovens adultos, valor muito superior aos 6% do ano anterior. Na Europa, pelo contrário, os ebooks, salvo raras exceções, são ainda vistos, pelos grupos editoriais, mais como uma ameaça do que como uma oportunidade. Em Portugal, o mercado de ebooks tem tido particulares dificuldades em arrancar. Desde há vários anos que o Centro Atlântico14 disponibiliza algumas das suas edições na área das TIC em formato ebook e em 2010 a Leya, através da sua loja online Mediabooks15, começou igualmente a comercializar livros eletrónicos, contando já com uma ampla variedade de títulos. Contudo, não se conhecem dados quanto ao dinamismo do mercado de ebooks português, que presumivelmente representará uma parcela ínfima da venda global de livros.

5. Vantagens e desvantagens dos ebooks Como qualquer suporte de leitura, os ebooks apresentam vantagens e desvantagens. Como vantagens podemos enumerar a facilidade de acesso através da Internet (em qualquer momento, em qualquer lugar do mundo), uma portabilidade semelhante à dos livros (os dispositivos portáteis tendem a ser cada vez mais leves) a facilidade de armazenamento (ocupam pouco espaço nas memórias dos dispositivos de leitura), um preço mais baixo que os livros impressos (cerca de 30% em média), a diversidade de títulos disponíveis gratuitamente na Internet, especialmente obras clássicas, a facilidade de conversão em áudio (importante para as pessoas cegas ou com 13

http://www.futuresource-consulting.com/press.html. http://www.centroatl.pt/titulos/livrosdigitais/index.php3. 15 http://www.mediabooks.com/catalogo. 14

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graves problemas de visão) e várias outras funções além das literárias: formação profissional, rapidez na divulgação do conhecimento científico, partilha da informação facilitada, distribuição de múltiplas cópias. Podemos acrescentar as questões ecológicas: os 79 milhões de ebooks vendidos pela Amazon e iTunes no ano passado terão representado uma poupança de mais de um milhão de árvores e uma redução de 3400 toneladas de CO2 emitidas para a atmosfera. Para os autores, os ebooks também apresentam vantagens, nomeadamente a possibilidade de distribuição da obra a nível mundial, a facilidade de publicação a quem não tem acesso aos circuitos formais de edição, custos de publicação mais baixos e, percentualmente, possibilidade de uma maior remuneração dos direitos de autor. Sob o ponto de vista da edição, podemos destacar a possibilidade de distribuição das obras a nível global e em qualquer local, sem custos acrescidos, a possibilidade de edição à medida do mercado e uma redução de custos, pois são praticamente suprimidos os custos com papel, impressão, armazenamento, transporte, distribuição, etc. Quanto às desvantagens, os ebooks debatem-se ainda com diversos problemas, sendo que o mais importante é o da preservação. A mudança de meios e de formatos deixa no ar a interrogação da durabilidade dos ebooks. Será que o livro eletrónico de hoje se manterá legível daqui a 500 anos, como acontece atualmente com os incunábulos do século XV? A solução para este problema passa pela adoção de políticas ativas e consistentes de preservação e pela utilização de formatos abertos e estandardizados. Outra desvantagem importante é a pirataria; a analogia com a indústria discográfica, onde a pirataria foi de algum modo compensada com uma maior difusão das obras e dos músicos, e consequente obtenção de receitas em espetáculos e merchandising, é falaciosa porque dificilmente se aplica à indústria editorial. O DRM (Digital Rights Management), por outro lado, não constitui uma arma eficaz contra a pirataria, e penaliza sobretudo os consumidores que pagam pelos seus ebooks. Um último inconveniente, talvez o mais facilmente ultrapassável, é, por enquanto, a menor variedade de títulos do que a versão impressa.

6. Ebooks e hábitos de leitura Um estudo realizado junto de 1200 proprietários de e-readers Kindle, iPad e Sony (Fowler, 2010) revelou que 40% dos inquiridos lê mais agora do que quando lia apenas livros impressos, 58% afirmou que lia o mesmo, enquanto 2% disse ler menos que antes. Além disso, 55% dos participantes na sondagem achou que usaria o dispositivo para ler mais livros no futuro. Também uma sondagem informal realizada em Portugal pelo sítio Ler ebooks16 chegou a resultados semelhantes: 48% dos que leem ebooks afirma ler mais ou muito mais do que antes e uma percentagem semelhante afirma ler o mesmo. Cerca de 3% considera ler menos agora. A Amazon, o maior vendedor de livros eletrónicos, revelou recentemente que os seus clientes compram 3,3 vezes mais livros depois de comprar um Kindle, um valor que cresceu no último ano, em virtude da redução de preço do aparelho.

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http://lerebooks.wordpress.com/2011/02/21/impacto-dos-ebooks-nos-habitos-de-leitura.

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Um outro estudo conduzido pela iModerate Research Technologies e a Brock Associates, que envolveu 300 possuidores de MFD (multifunction devices, como, por exemplo, iPhone, iPad, Blackberry, dispositivos Android, etc.), e que foi apresentado na Digital Book World 2011 em Nova Iorque, demonstrou que 66% dos proprietários de dispositivos multifunções aumentaram os seus hábitos de leitura e 46% sentiram-se inspirados para ler mais livros impressos. O estudo concluiu que as três principais razões pelas quais os utilizadores de MFD preferem ler no seu dispositivo em vez da versão impressa são o maior conforto (80%), a facilidade na aquisição de ebooks (61%) e o ecrã retro-iluminado (41%). Apesar de ainda não existirem dados de investigação mais aprofundada que permitam comprovar uma relação de causa-efeito, parece não ser prematuro afirmar que o ebook está a fazer com que as pessoas leiam mais. E podemos acrescentar outro dado a reforçar esta tendência e que é o dinamismo do mercado de ebooks, sobretudo no mercado americano. Sem que se tenha registado uma queda correspondente nas versões impressas dos livros, a venda de ebooks tem conhecido um aumento extraordinário, sobretudo no último ano, como vimos atrás. Por outro lado, sempre que se fala de hábitos de leitura, temos tendência para pensar apenas na leitura de livros, quando a leitura em ecrã se refere a realidades muito diferentes, desde o âmbito profissional (investigação, procura de informação, consulta, estudo, fóruns de discussão, etc.) à leitura mais informal (redes sociais, blogues, navegar na Internet, ler correio eletrónico, revistas e jornais digitais, páginas web, etc.). Podemos pois falar de uma leitura mais intensiva (ebooks), mais profunda e reflexiva, e de outra mais extensiva, mais superficial e multimédia, que tira partido do hipertexto. E também aqui os ganhos têm sido imensos: no último ano, por exemplo, a leitura de imprensa online cresceu 40%, e a versão digital do jornal The New York Times soma já 21 milhões de leitores. Em 2010, pela primeira vez na História, nos EUA, a leitura de notícias na Web ultrapassou a leitura de notícias em jornais de papel. Para além de aumentar os índices de leitura, a leitura em ecrã está também a alterar os horários a que as pessoas leem. De acordo com dados recolhidos pela Read it later17 relativamente ao dispositivo iPad, a leitura ocorre sobretudo entre as 19h e as 22h, coincidindo com o prime time televisivo e supostamente roubando espectadores à televisão. Por outro lado, ao permitir que uma grande quantidade de livros esteja disponível num dispositivo portátil que podemos levar para qualquer lado (um tablet, um e-reader ou um smartphone), o ebook multiplica as oportunidades, tempos e espaços de leitura: numa sala de espera, num transporte público, na pausa de almoço... Outro impacto importante dos ebooks nos hábitos de leitura prende-se com a redescoberta dos clássicos, permitindo, sobretudo às novas gerações, um contacto com os clássicos da literatura, frequentemente títulos esgotados na sua versão impressa e que facilmente se encontram na rede de forma gratuita, pois na maioria dos casos trata-se de obras de domínio público. A este propósito, uma reportagem do jornal americano The New York Times de 4 de fevereiro de 201118 reproduz o fascínio de uma adolescente pelo clássico As Mulherzinhas, a primeira obra que descarregou e leu depois de ter recebido um e-reader como prenda de Natal. 17

http://readitlaterlist.com/blog/2011/01/is-mobile-affecting-when-we-read. «E-Readers Catch Younger Eyes and Go in Backpacks», http://www.nytimes.com/2011/02/05/ books/05ebooks.html. 18

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É habitual afirmar-se que a leitura no ecrã é distrativa e superficial, se comparada com a leitura em papel, mais reflexiva e potenciadora do pensamento crítico. Além da não linearidade e carácter fragmentário do hipertexto, mais recentemente tem-se apontado19 que a facilidade de leitura de e-readers «diz» ao nosso cérebro que as palavras não são importantes e, portanto, temos mais dificuldade em fixar na memória a informação veiculada por esses suportes. O neurocientista Jonah Lehrer20 descobriu que os leitores de ebooks em Kindle se lembram menos da informação do que os leitores de livros tradicionais, e isto apesar de a leitura no e-reader ser mais fácil e relaxante. Mas estes estudos e receios partem da noção que tínhamos da leitura em papel, e a verdade é que os novos hábitos de leitura produzirão inevitavelmente uma reconfiguração do pensamento que não será necessariamente inferior. Os nativos digitais que cresceram rodeados de ecrãs revelam maiores índices de literacia da informação e uma maior capacidade para o raciocínio complexo. A leitura no ecrã e o hipertexto constituem uma espécie de ginástica cerebral com fortes implicações neurológicas, e sabemos como é grande a capacidade de adaptação do nosso cérebro.

7. E-readers, tablets e novas formas de leitura A maior parte da leitura em ecrã faz-se hoje a partir de dispositivos móveis. Ao tradicional e já velhinho e-reader – dispositivo eletrónico destinado quase exclusivamente à leitura de ebooks – com diversas marcas e tamanhos disponíveis no mercado, veio juntar-se no ano passado o tablet, que inaugurou uma nova era de computação móvel e de que o exemplo mais paradigmático é o iPad. Aquando do seu lançamento, era difícil prever que este tablet da Apple, considerado por muitos como um telemóvel (iPhone) em ponto grande, conheceria o sucesso que alcançou. Com cerca de 15 milhões de unidades vendidas no ano do seu lançamento, e apesar das diferentes propostas concorrentes que entretanto surgiram, o iPad domina claramente o mercado com uma quota de mais de 95%. O iPad 2 (mais leve, mais rápido e com duas câmaras de vídeo) lançado em finais de março deste ano, está a conhecer um sucesso semelhante. Um dos fatores que mais contribuiu para o sucesso dos tablets foi sem dúvida as suas capacidades associadas à leitura. Os consumidores parecem preferir este tipo de equipamento para ler ebooks, em vez do e-reader baseado na tecnologia da tinta eletrónica, apesar de este último ser mais confortável para os olhos e consumir menos energia. O popularidade do tablet como instrumento de leitura deve-se ao facto de as suas capacidades multimédia permitirem o desenvolvimento de múltiplas aplicações que tornam a leitura das redes sociais, dos jornais e das revistas uma experiência absolutamente inovadora e amiga do utilizador. Associado ao iPad, surgiu também um novo conceito de livro e de leitura: o ebook como aplicação (app). Concebido como uma experiência interativa, um dos primeiros exemplos deste novo tipo de livro foi Alice for iPad21, que combina texto, som, imagem estática e em movimento e interatividade. Outras propostas dentro desta linha são o Vook22 cruzamento de livros 19

http://www.telegraph.co.uk/technology/amazon/8256899/E-readers-too-easy-to-read.html. http://www.wired.com/wiredscience/2010/09/the-future-of-reading-2. 21 Disponível na loja iTunes (http://itunes.apple.com/us/app/alice-for-the-ipad), com um preço de 8,99 dólares) 22 http://vook.com 20

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com conteúdos multimédia, e o Byook23 (combinação de texto com animação deliberadamente anacrónica, feita à base de recortes em papel). Mas os tablets são também equipamentos especialmente bem adaptados para a leitura dos ebooks «tradicionais». Equipados com software nativo ou mediante uma aplicação que pode ser facilmente instalada (iBooks24 no iPAd, o Aldiko25 nos tablets com SO Android, o Stanza26 para iPhone/iPad/iPod, etc., o iFlow27, etc.) e que apresenta todas as funcionalidades dos melhores e-readers (pesquisa, marcação de páginas, anotação, organização da biblioteca), os tablets têm ainda a vantagem de fornecerem acesso direto a lojas de ebooks mediante ligação à internet. De realçar que muitos destes softwares têm também versões para telemóvel e para PC, permitindo inclusive a leitura sincronizada entre diferentes equipamentos associados a uma mesma conta (como por exemplo o iFlow). Notícias recentes dão conta de que a Apple estará a preparar uma nova versão do iPad com uma tecnologia híbrida (LCD/e-ink)28 capaz de se adaptar automaticamente ao tipo de documento ou aplicação que se está utilizar, tendo já registado a patente, e que junta o melhor de dois mundos: o LCD para leitura de conteúdos multimédia, e a tinta eletrónica para leitura de texto estático, que proporciona maior conforto, menor consumo de energia e leitura em ambientes muito iluminados.

8. Tipo de ficheiros Um dos principais obstáculos a uma maior divulgação dos ebooks tem sido a diversidade de formatos e as incompatibilidades entre os mesmos. Os formatos mais comuns são txt (texto simples, sem formatação) HTML (acrónimo para a expressão inglesa HyperText Markup Language, que significa Linguagem de Marcação de Hipertexto), uma linguagem de marcação utilizada para produzir páginas na Web, azx, utilizado pelo e-reader Kindle da Amazon e baseado no standard Mobipocket, lit, o formato usado pela Microsoft no seu Microsoft Reader, pdf (acrónimo de Portable Document Format (ou PDF), desenvolvido pela Adobe Systems, e o ePub, um formato de ficheiro livre e aberto, derivado do xml, organizado por um consórcio de empresas chamado IDPF – International Digital Publishing Forum. De entre estes, os formatos comuns são o PDF e o ePub, com alguma vantagem para este último, que tende a tornar-se a norma em ficheiros de ebooks. Pode dizer-se que o ePub está para os livros como o mp3 está para a música. É um formato dinâmico e expansível, suporta texto, imagens e mesmo vídeos, e é reconhecido pela maioria dos equipamentos. Também pode ser lido no computador, instalando, por exemplo, o Adobe Digital Editions29 ou o Stanza, e mesmo no próprio browser (Firefox), através do EPUB Reader. O ePub apresenta muitas vantagens em relação a outros formatos, como por exemplo o pdf, pois possibilita o aumento do tamanho da fonte e o ajuste da dimensão das páginas de acordo com o dispositivo utilizado para leitura, adequando o ebook às necessidades do

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http://www.byook.com http://itunes.apple.com/us/app/ibooks/id364709193?mt=8&ign-mpt=uo%3D2 25 http://www.aldiko.com 26 http://www.lexcycle.com 27 http://www.iflowreader.com 28 http://lerebooks.wordpress.com/2011/04/08/apple-esta-trabalhar-num-hibrido-e-inklcd. 29 http://www.adobe.com/products/digitaleditions 24

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utilizador. Como desvantagens, tem sido apontada a sua fraca adequação a alguns tipos de livros, como a banda desenhada. 9. Pirataria de ebooks O Google recebe diariamente entre 1 500 000 e 3 000 000 de buscas por livros piratas, o que traduz a crescente dimensão de um fenómeno que é visto como o principal entrave à maior divulgação dos livros em formato digital. A forma utilizada pela indústria para combater o problema tem sido o DRM (Digital Rights Management), um sistema de encriptação que combina hardware e software com o objetivo de estabelecer os usos permitidos pelo titular dos direitos sobre uma obra digital e que determina quem pode aceder à obra e em que condições. É também um sistema que permite dispor em tempo real de estatísticas de acessos e usos de um arquivo digital, ajudando a determinar o seu valor. O DRM é, por exemplo, o método utilizado pelas bibliotecas para fixar o período de empréstimo de ebooks e por lojas como a Amazon para evitar a proliferação de cópias ilegais. Contudo, o DRM levanta vários problemas, sendo que o mais imediato é o de não assegurar com eficácia a principal função para o qual foi criado, isto é, evitar a pirataria, pois a encriptação é possível de ser quebrada mesmo por piratas amadores. Mas o mais grave inconveniente é a perda de privacidade associada ao DRM, como ficou patente no recente caso Amazon/Orwell30. Têm-se, por isso, multiplicado nos últimos tempos as iniciativas de leitores, bibliotecas e mesmo autores a favor da eliminação do DRM e da promulgação de uma carta de direitos dos leitores dos livros digitais31.

10. Novos caminhos para a leitura Aproveitando as possibilidades oferecidas pela Web 2.0, o ebook tem vindo a ganhar vida social, sendo possível partilhar os nossos comentários e opiniões sobre o livro com uma comunidade alargada de leitores, preservando, naturalmente, a integridade do texto. O leitor pode aceder ao texto original, às contribuições dos outros leitores e até às eventuais modificações introduzidas pelo autor, fruto do debate. Por detrás destas novas formas de leitura está conceito de leitura na nuvem (cloud reading) que pressupõe que o utilizador deixa de ser proprietário do livro, comprando simplesmente uma licença que lhe permite ler on-line as obras pretendidas. Embora se perca a relação física com a obra (que no fundo se diluíra já com o formato digital), este conceito abre novas perspetivas à promoção da leitura, ligando os livros a outras leituras com base no comportamento de outros leitores (o que já faz, por exemplo a Amazon com as «recomendações») ou a bases de dados que complementem a informação. São exemplos destes novos futuros para o livro os sítios Copia (http://www.thecopia.com), Musa a la 9 (http://www.musaalas9.com), 24symbols (http://www.24symbols.com) e Google Editions. 30

Após ter comercializado na sua livraria dois ebooks de Orwell dos quais não tinha os direitos de autor, a Amazon simplesmente acedeu aos dispositivos de leitura dos seus clientes e retirou-lhes a obra, creditando-lhes na conta o valor despendido na aquisição do ebook. 31 «The eBook User’s Bill of Rights» (http://librarianinblack.net/librarianinblack/2011/02/ ebookrights.html), e «Derechos de los lectores de libros digitales» (http://www.dosdoce.com/articulo/ opinion/3508/derechos-de-loslectores-de-libros-digitales)

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Está também em marcha a eclosão de um novo tipo de narrativas, mais curtas que um romance, mas maiores que o conto, de que são exemplo recente os Kindle Singles, que a Amazon passou a disponibilizar na sua Kindle Store – com textos entre 10 000 e 30 000 palavras, o que numa versão impressa corresponderia a cerca de 30 a 90 páginas. A não ficção está a seguir um percurso semelhante, com propostas como a The Atavist (http://atavist.net), que oferece reportagens mais extensas que o tradicional artigo de revista e com adição de elementos multimédia32.

Conclusão Alberto Manguel em Uma história da leitura lembra-nos que, no que diz respeito à natureza dos textos, cada mudança implica novos hábitos, não isentos de crítica e de receios. Um dos maiores receios é o de estarmos a caminhar para um mundo em que página de papel será progressivamente substituída pela edição digital, não por falta de mérito do formato códice, mas fruto de uma campanha orquestrada pela indústria da eletrónica, alicerçada na familiaridade das novas gerações com as tecnologias e na progressiva «ecrãcificação» da sociedade, e que teria como resultado a diluição da palavra numa linguagem fragmentada e multimédia e o fim da cultura escrita. Parece-nos que estes receios, fruto de uma certa tecnofobia mascarada de argumento cultural, são manifestamente exagerados. O que permitiu longevidade do livro códice foi a sua capacidade de responder com eficácia aos desafios culturais e civilizacionais do último milénio e o de ter permitido o acesso generalizado à cultura por parte de uma percentagem significativa da população do planeta. A preocupação principal dos agentes educativos e dos responsáveis pela promoção da leitura deverá ser a de compreender as transformações que as tecnologias atuais estão provocar nas formas de leitura, e assegurar que os suportes da palavra escrita, estes ou os que ainda não foram inventados, continuem a desempenhar a sua insofismável função educativa, não permitindo que a cultura digital cave novos fossos na sociedade. Até porque a cultura escrita, processo milenar de produção e acesso ao conhecimento, não desaparecerá sem que seja substituída por novas e melhores formas de satisfazer o anseio humano da biblioteca universal, seja qual for o significado que atribuamos a esta última. Referências bibliográficas Borges, Jorge Luís (2009). Ficções, Lisboa: Teorema. Cassany, Daniel (2006). Tras las líneas. Sobre la lectura contemporânea, Barcelona: Anagrama. Chartier, Roger (2003). Pratiques de la Lecture, Paris: Payot. Fowler, Geoffrey (2010). The ABCs of E-Reading New Devices Are Changing Habits, Wall Street Journal, agosto de 2010, disponível em http://online.wsj.com/article/ SB10001424052748703846604575448093175758872.htm. Furtado, José Afonso (2007). O papel e o pixel, Lisboa: Ariadne. García, Antonio Cordón, Díaz, Raquel Gómez e Arévalo, Julio Alonso (2011). Gutenberg 2.0. La revolución de los libros eletrónicos, Gijon: Ediciones Trea. Landow, George P. (1992). Hipertexto: La convergencia de la teoría crítica contemporánea y la tecnología, Barcelona: Paidós. Manguel, Alberto (2010). Uma História da Leitura, Lisboa: Editorial Presença, 3.ª ed. 32

http://lerebooks.wordpress.com/2011/04/02/the-atavist-uma-nova-forma-de-contar-historias.

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LITERATURA INFANTOJUVENIL: CONTRIBUTOS PARA A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS/JOVENS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS Emília Baliza Centro de Recursos TIC para a Educação Especial, Setúbal, Portugal Resumo No presente artigo, pretende-se refletir em torno do contributo que a literatura infantil pode ter para a educação das crianças/jovens com NEE. O recurso à tecnologia, seja o livro em papel, seja digital ou outras formas de aceder ao escrito, é da maior importância para a educação de todas as crianças/jovens. E se falarmos de literatura infantil estaremos na presença de um recurso fundamental para ensinar, aprender e incluir as diferenças proporcionando aos seus utilizadores formas lúdicas de crescerem psicologicamente e resolverem conflitos apropriando-se dos códigos sociais. É permitir o acesso aos alunos com NEE às experiências que os outros alunos têm. É reconhecida à literatura infantil a função de proporcionar prazer, de auxiliar no crescimento psicológico através do envolvimento intelectual, sensorial e emotivo, contribuindo para a inclusão por propiciar a aceitação da diferença. Palavras-chave: Necessidades Educativas Especiais, Literatura Infantil, Tecnologias de Apoio

Introdução No desenvolvimento da minha atividade profissional, como Professora de Educação Especial, tenho procurado metodologias e ferramentas de trabalho que me permitam responder aos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE). Os alunos com NEE apresentam limitações significativas ao nível da atividade e da participação, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social (Dec. Lei 3/2008), são alunos que “exigem adaptações das condições em que se processa o ensino/aprendizagem, isto é uma dificuldade significativamente maior em aprender do que a maioria dos alunos da mesma idade ou uma incapacidade que os impede de fazer uso das mesmas oportunidades que são dadas nas escolas a alunos da mesma idade” (Rosemary Davidson, 1994/95 citado por Niza, 1996: 146). A resposta à diversidade em educação passa pela implementação de “novos modelos pedagógicos de cooperação e de diferenciação” (Johnson, 1987; Visse, 1993 citado por Niza, 1996, p. 147). A diferenciação é entendida como “o processo pelo qual os professores enfrentam a necessidade de fazerem progredir no currículo uma criança em situação de grupo, ou através da seleção apropriada de métodos de ensino e de estratégias de aprendizagem e de estudo (Visser, 1993 citado por Niza, 1996: 147). A escola inclusiva tem como objetivo responder a todos os alunos independentemente da sua condição de deficiência ou não. A inclusão é assumida como o garante da equidade educativa e da igualdade de oportunidades, quer no acesso, quer nos resultados (Freire, 2003; Garcia Ponce, 2007 in Pérez, 2007). O ensino e a aprendizagem com a tecnologia para alunos com NEE sofreu um rápido desenvolvimento nas últimas décadas. Deu-se um grande investimento na

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utilização das TIC e nas políticas e práticas em Educação Especial que permitiram a criação de oportunidades e condições sem precedentes para a inclusão de todos os alunos em experiências de aprendizagem significativas (Florian, 2010: 7). Para os alunos com NEE, a utilização das tecnologias pode fazer toda a diferença permitindo ou vedando o acesso a atividades ou conhecimentos. A literatura infantil é um recurso que permite não só a diversificação de metodologias e práticas, assim como a compreensão do que se passa no seu inconsciente. Bettelheim (1998: 14) sustenta que “a criança precisa de compreender o que se passa no seu consciente de forma a que possa enfrentar o que se passa no seu inconsciente” e acrescenta, “é aqui que os contos de fadas têm um valor ímpar, porque oferecem à imaginação da criança novas dimensões que seria impossível ela descobrir só por si. Mais: a forma e a estrutura dos contos de fadas sugerem à criança imagens através das quais ela pode estruturar os seus devaneios, e com isso orientar melhor a vida, exatamente porque estes “começam onde a criança realmente está, no seu ser psicológico e emocional” (idem: 13). O autor refere que os contos de fadas têm a vantagem de trazer “à criança por múltiplas formas: que a luta contra as graves dificuldades na vida é inevitável fazendo parte da existência humana” (idem: 16). Esta viagem pelo mundo fabuloso é de grande importância para o desenvolvimento psicológico da criança. Podemos dizer que a literatura infantil tem o duplo papel de ajudar a desenvolver a linguagem oral e a personalidade, por permitir vivenciar sentimentos (de alegria, tristeza, raiva, rejeição) e ao mesmo tempo aprender a lidar com eles. Também Diez (2009: 1) refere que a linguagem oral se fundamenta nos aspetos intelectual, emocional e espacial, pelo que a criança/aluno deve ser motivado a expressar-se oralmente, nas diversas situações do dia-a-dia, dentro da sala de aula. Na perspetiva do autor à escola cabe o papel de propiciar situações significativas que estimulem a criança a expressar as suas ideias e sentimentos. Assim “Ler um conto [...] é viajar no mundo da fantasia e encontrar soluções para muitas indagações, que enquanto pequenos fazemos”. Um a um, todos os momentos do conto são recuperados, revividos pela nossa imaginação. E nesse momento, começam a surgir dentro de nós lembranças das nossas próprias experiências de vida” (Idem: 1). Diez adverte para a riqueza dos contos fantásticos e “que não se precisa de nenhuma capacidade especial, nenhum conhecimento intelectual específico para entender e trabalhar os contos, pois eles nos dizem algo sobre o ser humano que às vezes não sabíamos como formular e o dizem de maneira simples e espontânea (Idem: 2). Nos contos de fadas a criança tenta a identificação com as figuras que representam o bem (príncipes e princesas), nos de assombração enfrenta o medo procurando os recursos que lhe permitam ultrapassar ou resolver o problema. A literatura infantil pode em certo sentido ser considerada um meio de construção da educação inclusiva, porque permite a compreensão dos problemas e das diferenças valorizando-as.

1. Da Literatura Infantil A literatura Infantil é “tudo aquilo que, depois da sua aceitação, se fixou e se imortalizou através dela” (Carvalho, 1982, citado por Cristófano 2009: 4884), despertando, assim, os diversos estágios do desenvolvimento da criança e do 43

adolescente de grande importância para a formação da personalidade do futuro adulto. A sequência das fases evolutivas da inteligência é contínua e igual para todos, porém, dependendo da criança ou do meio em que vivem as idades é que podem variar (Idem: 4884). O leitor com idade compreendida entre os 10 a 14 anos “procura a sabedoria de um imaginário mítico e simbólico que sabe encontrar nas obras que fazem apelo a esse outro lado” (Silva; Diogo; Azevedo, 2008: 2), é ávido de outros conhecimentos que procura na literatura infanto-juvenil contemporânea (século XXI e finais de século XX) e está preparado para “interagir de forma disciplinada e enriquecedora com a literatura da revalorização mítico-simbólica, construindo, a seu modo mundos outros de significados” (idem: 6). Obras como Harry Potter “possibilitam a construção de outras realidades preparando-os para serem melhores leitores (idem, 4). Antes da escrita era na tradição oral que se suportava a estruturação do ser humano. É a partir da oralidade que as lendas têm a sua origem, ainda antes da escrita. Terá sido na China com os contos de fadas (ex: Cinderela) apoiados na tradição oral que a literatura infantil teve a sua origem, século IX DC. As fábulas reinventadas por Esopo no século VI AC, são aperfeiçoadas por Fedro no século I AC, mas só no século X é que são conhecidas. Já no Século XVII (1621/1692) Jean La Fontaine introduz a fábula na literatura ocidental. Algumas das fábulas de La Fontaine: O Leão e o Rato; O Leão; O Lobo e a Raposa; A corte do Leão, ainda hoje povoam o nosso imaginário. Charles Perrault (1628/1703) é o primeiro autor a escrever para crianças. São muito conhecidos os seus contos de fadas: A Bela Adormecida; O gato das Botas; O pequeno polegar. Seguiram-se os contos dos Irmãos Grimm (1785/1863) baseados nas histórias que as pessoas contavam e que fazem parte do imaginário de quase todos nós: Rapunzel; Branca de Neve, os Sete Anões; e Capuchinho Vermelho. Ainda no século XVIII (1805/1875) Hans Christian Anderson escreveu cerca de 156 contos de entre os quais: A roupa nova do Imperador; O patinho Feio; e a Pequena Sereia. A sociedade muda e a literatura adapta-se repetindo a época a que pertence e em que a linguagem observa a perspectiva /olhar dos mais novos. Durante a década de setenta, emergiram na literatura infantil portuguesa as temáticas: ambiental, multicultural e política que se consolidaram nos textos literários para os mais novos (Balça, 2008). Têm sido desenvolvidos projetos europeus que usam a literatura infantil para promover a educação intercultural através da análise de conteúdos das obras, e da troca de ideias que estas podem permitir (Morgado, 2010). Linguagem simples, clara, com abundantes diálogos ajustada ao ritmo da nossa sociedade, isto é literatura infantil, ou seja, retrata “o mundo em que vivem, sobretudo ao ritmo a que estão habituados (Magalhães & Alçada, 1990: 13 ). A literatura infantil está relacionada com o livro escolar, útil e funcional, donde “se pode dizer que a literatura infantil é um género literário vinculado com a escola, pois possui um critério didático pedagógico (Silva, 2007), com origem no século XVII consequência das primeiras preocupações com a educação das crianças pequenas. É um gênero literário que estimula os sentidos, veiculando o desenvolvimento sensorial, verbal e do imaginário auxiliando na aquisição da linguagem oral e como a “criança não tem ainda o domínio do código linguístico verbal, o que prende a sua atenção é o mundo imaginário, as figuras e todo o encantamento” (Luria e Leontiev, 1991, citado por Silva, 2007). 44

Silva (2007) refere que de acordo com o pensar de Lobato (1964) a literatura infantil teria que falar à imaginação dos leitores, e que aqueles que tivessem na infância o contacto com uma leitura prazerosa estenderiam o “progresso auto educativo” para a fase adulta. Mas pelo facto de uma criança aprender a ler, não quer dizer que o seu acesso a qualquer tipo de texto escrito esteja garantido, porque ela pode daí não passar associando a leitura quase exclusivamente ás suas obrigações escolares, sem criar gosto e prazer pelo ler. O contributo da literatura infantil para o desenvolvimento da leitura nas séries iniciais, envolvendo trinta alunos de uma escola das classes iniciais foi objeto de estudo por Silva (2007). A investigadora baseou a sua investigação na existência de cinco tipos de leitores e das características próprias de cada fase, de acordo com a revisão de literatura. A um tipo de leitor está associado um processo de letramento/aprendizagem, ou seja de apropriação das técnicas para a alfabetização assim como de convívio e hábito de utilização da leitura e da escrita. Apresentam-se a seguir as características de cada tipo de leitor: Pré leitor – as figuras equivalem a uma linguagem visual; Leitor iniciante – acede à Narrativa simples e curta; Leitor em processo – Narrativas maiores que equivalem a um nível maior de compreensão da estrutura e significado da linguagem; Leitor fluente – domínio da leitura, maior capacidade de abstração; Leitor crítico – consegue estabelecer a relação existente entre a leitura do mundo e os textos literários. Embora os resultados não permitam generalizações devido à dimensão da amostra, a autora concluiu que a literatura infantil leva a criança a mergulhar dentro de si, e trazer para fora todo o desejo de aprendizagem latente; o leitor compreende a obra dentro dos limites do seu momento. É a fusão de horizontes e a lógica da pergunta e da resposta (segundo Hans Robert Jauss citado por Silva, 2007). A literatura infantojuvenil é mesmo comparada a: – “janelas que se abrem sobre os modos de vida de outras pessoas”; – “portas que se permitem entrar e sair de quotidianos” e organizações sociais diferentes; – “pontes” que permitem atravessar de uma cultura para outra ou colocar-se entre ambas; – “espelhos que permitem a autocontemplação e confirmação da própria identidade”; – “Fronteiras que é necessário atravessar para que se possa ter uma nova visão de si próprio (Botelho e Rudman, 2009 citado por Morgado, 2010: 13). De acordo com o tipo de leitor, ou seja estádio de desenvolvimento e das necessidades sentidas pelo próprio, este procurará as obras que melhor lhe respondem uma vez que é possível pensar em quatro concepções atribuídas à literatura em geral e à infantojuvenil segundo os especialistas: Literatura como gozo/jogo – esta concepção remete-se ao estético e ao lúdico; Literatura e compromisso – inclui aspetos pedagógicos e utilitários;

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Literatura como catarse – concepção que atribui à tragédia função catártica como resolução das perturbações interiores onde a psicanálise se apoia; Literatura como evasão – concepção que remete para a ideia de refúgio no imaginário como solução para os problemas (Amaral, 1992, citado por Noronha, 2006). Uma outra abordagem da literatura infantil é dada pela biblioterapia enquanto técnica de aconselhamento e que consiste num programa de leitura orientada dirigido para cegos, planeado e conduzido para promover o ajustamento psicossocial, sob orientação de uma equipa multidisciplinar, em sessões de leitura individuais ou de grupo de obras selecionadas (inclui biografias, autobiografias, textos religiosos em braille e/ou gravação em áudio) (Pereira, 2002), com resultados positivos para os cegos que beneficiam do programa. Almeida, Cruz, Gressler e Grings (2005) analisaram os contributos das tecnologias digitais para a literatura destinada às crianças, tendo concluído que os sítios de literatura infantil no mundo digital“ em nada favorecem a criação de hábitos de leitura, apesar da alteração de meio. As narrativas disponibilizadas na sua maioria são pedagogizantes, moralizadoras e nada capazes de formar leitores emancipados” a que acresce a parca exploração dos recursos tecnológicos disponibilizados, e acreditam que uma página de literatura infantojuvenil “deve conseguir unir fantasias e interatividade, pois vai explorando a imaginação e formando leitores emancipados e críticos. Tal como o jogo a literatura infantil no trabalho com as crianças com NEE apresenta-se como um recurso importante para a evolução tanto psicossocial como intelectual dos mesmos, aspetos corroborados pelos trabalhos de Pereira com crianças cegas (2000: 1, Citado por Cristófano, 2009). Os benefícios decorrentes do conhecimento da literatura infantil por crianças/jovens é inegável, logo cabe à sociedade em geral e à escola em particular fomentar espaços e tempos para aceder ao mundo do sonho e da fantasia. Porque além do caráter formativo ou pedagógico, de poder proporcionar cenários de faz de conta, ajudar ao crescimento psicológico da criança/jovem e na resolução de conflitos, o trabalho com a literatura infantil remete-nos para o lúdico e vincula-se à linguagem do prazer.

2. Literatura Infantil/TIC e NEE – Uma agenda possível A escola Inclusiva é o reconhecimento a todos os cidadãos do direito à educação, à escolaridade obrigatória e ao sucesso, conforme está consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948, art.º 26.º) e na Declaração de Salamanca (1994). “O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todos os alunos devam aprender juntos sempre que possível, independentemente das diferenças que apresentam. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas diversificadas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas comunidades.” (Declaração de Salamanca, 1994: 21). Sabemos que a Educação dos alunos com NEE carece da introdução de metodologias e tecnologias/produtos de apoio que auxiliem no seu processo educativo.

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O Decreto-Lei 3/2008 prevê como medidas educativas (Capítulo IV, Artigo 16.º) a aplicar aos alunos com NEE: a) Apoio pedagógico personalizado; b) Adequações curriculares individuais; c) Adequações no processo de matrícula; d) Adequações no processo de avaliação; e) Currículo específico individual; f) Tecnologias de apoio. Os alunos com NEE, de acordo com o Dec Lei 3/2008 estão incluídos na escola com os restantes alunos. Pensar na educação dos alunos com NEE é pensar em igualdade de oportunidades e equidade no acesso e participação, estamos na presença duma mudança de paradigma, as mudanças no contexto escolar. Passámos a olhar para um aluno como os outros, diferente na sua condição, mas a que a escola tem o dever de responder sob pena de ser discriminatória. A inclusão é assumida como o garante da equidade educativa e da igualdade de oportunidades, quer no acesso quer nos resultados (Freire, 2003; Garcia Ponce, 2007 in Pérez, 2007). O objetivo principal da Inclusão é que os alunos tenham uma educação de qualidade de acordo com as suas características, logo o “uso das TIC favorece uma metodologia cada vez mais rica em que os elementos multimédia e interativos jogam um poderoso papel na individualização do ensino permitindo a apresentação dos conteúdos de forma dinâmica, atrativa e personalizada (Garcia Ponce, 2007 in Pérez, 2007). As tecnologias são transversais à existência humana e desde muito cedo foram integradas na educação para a apoiar e melhorar, sobretudo no desenvolvimento da resposta às NEE. Ao longo da história as tecnologias têm evoluído desde as mais simples às mais complexas. Quando falamos de tecnologias de apoio podemos também referir-nos a todos os utensílios, ferramentas, programas de computador, ou serviços de apoio que têm como objetivo aumentar as capacidades das pessoas que por qualquer circunstância não alcançavam os níveis médios de execução em função da sua idade, tendo por referência a população “normal” (López et all, 2002). Sendo o conceito de tecnologias de apoio plural, o foco tem de ser uma visão da tecnologia ao serviço das pessoas com a finalidade de permitir a efetiva equiparação de oportunidades. As TIC podem ser mesmo o elemento decisivo para normalizar as condições de vida dos alunos com NEE e em alguns casos, uma das poucas opções para aceder ao currículo que de outra forma lhes estaria vedado. Numa outra perspetiva, a influência das TIC na educação traduz-se na criação de novos cenários, que por sua vez geram novas oportunidades para os alunos com NEE (Pérez, 2007). As vantagens de utilização das TIC para os alunos com NEE foram identificadas por Cabero, 2004, in Pérez & Montesinos, 2007: – Ajudam a superar as limitações das pessoas com deficit cognitivo, Sensorial e motor. – Favorecem a autonomia. – Favorecem a comunicação síncrona e assíncrona das pessoas com NEE. – Apoiam a comunicação e a formação multissensorial. – Propiciam uma formação individualizada para o sujeito. – Evitam a marginalização na sociedade do conhecimento. – Facilitam a inserção sócio laboral dos sujeitos com NEE. – Proporcionam momentos de lazer. – Poupam tempo para a aquisição de habilidades e destrezas. 47

– Propiciam a aproximação dos sujeitos ao mundo científico e cultural. – Favorecem a diminuição do sentido de fracasso académico e pessoal. Contudo a tecnologia utilizada com as pessoas com deficiência só é efetiva (Beltrán, 2004 in Pérez & Montesinos, 2007) quando: – Parte de avaliações que determinam os programas de que necessitam. – Resulta adequada ao seu potencial: necessidades, forças e fraquezas. – A dificuldade da tarefa ajusta-se às suas capacidades e experiências. – Tem em conta a sua experiência linguística. – Fornece feedback imediato sobre o progresso do aluno. Assim sendo é recomendável escapar às “tecnologias exclusivas” para os alunos com NEE, ou seja, criadas exclusivamente para eles se realmente queremos caminhar no sentido da escola inclusiva, também as tecnologias que se utilizam nas aulas o devem ser. As tecnologias devem cumprir com as diretrizes do desenho para todos (Sánchez Montoya, 2006 citado por Pérez, 2007: 8). Mas quando pensamos nos alunos com NEE nem sempre equacionamos a utilização dum recurso fundamental, a Literatura infantil, invocando razões tais como: os alunos não saberem ler, não compreenderem o que ouvem, ou os textos serem de difícil acesso porque “a condição da deficiência ameaça, desorganiza, provoca uma hegemonia do emocional sobre o racional” (Amaral, 1992, citado por Noronha, 2006), e todos temos medo do desconhecido. O grande desafio do professor/educador reside no como proporcionar o prazer, o sonho e a fantasia que a literatura infantil oferece aos alunos com NEE quando muitos dos nossos alunos não conseguem descodificar o escrito. É provavelmente aqui que reside a essência da questão. Todos os alunos podem sonhar e experienciar o prazer ofertado pela literatura infantil. A leitura não é apenas a descodificação do texto escrito, pode ser também a leitura das imagens ou o despertar de sentimentos e emoções produzido pelas palavras ouvidas. Já ouvimos uma criança de quatro anos dizer-nos que gosta desta ou daquela história, fazendo a leitura das imagens, ou apreciando o efeito sonoro de outras. Quantas vezes não nos socorremos das gravações em áudio, DVD, livros digitais, banda desenhada, sequências de imagens, do desenho ou outro suporte que acompanha o escrito para possibilitar às crianças “ler”. Pouco a pouco a criança/jovem vai retendo informação significante para ela desenvolvendo competências de evocação da informação e posterior capacidade de reconto seja oral ou através da dramatização da mesma onde joga o “faz de conta”. A literatura infanto-juvenil é importante na educação das crianças/jovens incluindo as que têm NEE, porque pode ser um meio de ajudar a desenvolver a linguagem tanto oral como escrita e a personalidade através da vivência de situações associadas ao imaginário auxiliando-as na resolução de conflitos internos, porque não é apenas uma estratégia de ensino, constituindo-se como um recurso fundamental para ensinar, aprender e incluir as diferenças. O que fazer com a literatura infantil com os alunos com NEE? São conhecidos os benefícios decorrentes da utilização da literatura infantil na educação. O critério de seleção das obras, sejam contos de fadas ou histórias tem que estar sempre de acordo com os destinatários, ou seja tendo por referência a sua idade e nível de escolaridade. 48

O professor na Escola que se quer inclusiva pensa a aula para toda a classe e não apenas para alguns, logo a apresentação de uma obra de literatura infantil a uma classe/grupo de alunos/ou aluno deve ser pensada face a três níveis de intervenção (Fernández et Flavian, 2008: 18): Pré leitura; leitura; e pós leitura. Como as propostas podem ser múltiplas e variadas, enumeram-se de seguida algumas a título ilustrativo: Atividades de pré-leitura – se para os alunos sem NEE podemos explicar termos mais complexos, o género literário e dar informações sobre o autor/autores do mesmo, com os alunos com NEE estas atividades têm sempre que ser resultado do bom senso e da análise cuidada da proposta de trabalho a apesentar. As propostas de leitura com os alunos com NEE devem adaptar as atividades de leitura/conto à idade das crianças/alunos e ao nível de desenvolvimento, competências e gostos dos alunos porque acima de tudo a atividade deve ser prazeirosa para os alunos. Algumas das atividades de pré-leitura podem ser por exemplo (Boedo, 2008: 34): – motivar para a leitura; – ativar conhecimentos prévios; – estabelecer predições sobre o que se vai ler; – promover a reflexão sobre os temas a abordar na leitura; – relacionar o tema de leitura com a vida quotidiana; – criar objetivos de leitura. Outras atividades podem ser propostas aos alunos para que se apropriem da informação presente na(s) obras, dependendo estas do público alvo, dos seus conhecimentos, e competências/situações de leitor ou pré-leitor. Atividades de leitura – a leitura pode ser individual, em voz alta por um aluno, ou vários ou pelo professor; conseguir uma compreensão detalhada do texto; aceder aos livros digitais na internet quando não se é leitor; ler as histórias com símbolos do SPC, a escrita com símbolos, para os não leitores; ler Banda desenhada; utilizar ou adicionar histórias aos softwares educativos de que é exemplo a mesa educativa E_Blocks; em suma o grande objetivo é que as crianças/jovens se apropriem da ideia global e estabeleçam relações com outros textos através da atividade da leitura. Atividades de pós leitura – as atividades performativas são uma das possibilidades e que podem envolver mimar ou dramatizar uma história ou conto, reescrevê-lo, ilustrálo, compará-lo com outros; recontá-lo; mimar a história com gestos ou palavras; explicar o conto entre outras propostas. A utilização das tecnologias na educação pode fazer a diferença e no caso dos alunos com NEE ela pode constituir-se como o único meio que lhes é permitido para aceder à informação, comunicar, fazer escolhas, manifestar emoções ou sentimentos. Aos alunos sem oralidade ou não leitores, a utilização dos símbolos do SPC, ou os livros digitais são meios possíveis para aceder ao mundo fantástico que a literatura infantil permite. Muitas outras abordagens ou propostas de trabalho podem ser pensadas ou realizadas, e esse é como já referimos o grande desafio do professor/educador: como fazer progredir no currículo todos os alunos independentemente da sua condição. Ao

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professor é pedida imaginação e criatividade para permitir o acesso ao escrito àqueles que o não conseguem fazer naturalmente. Em boa verdade independentemente da sua condição às crianças/jovens deve ser permitido aceder a todos os recursos/metodologias/estratégias de ensino que os ajudem no seu desenvolvimento. A literatura infantil é um recurso que favorece o crescimento/maturação psicológica das crianças/jovens transportando-as ao mundo do sonho e da fantasia.

Referências bibliográficas Almeida; C.; Cruz, I.; Gressler, R.; Grings, E. (2005). A literatura infantil no meio digital. Consultado em fevereiro de 2011 em: www.ricesu.com.br/ciqead2005/trabalhos/02.pdf. Balça, Ângela (2008). Literatura infantil portuguesa – de temas emergentes a temas consoldados. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4668.pdf. Bettelheim, B. (1988). Psicanálise dos contos de fadas. Lisboa: Bertrand Editores (3.ª Edição). Boedo, J., S. (2008). Descubrir el placer de la lectura en las clases de espanñol en la escuela. Atas del XVI seminário de dificultades espcíficas de la ensiñanza del español a lusohablantes, p. 31-35. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://www.educacion.es/exterior/br/es/publicaciones/ seminarios/seminarXVI.pdf. Camargo, N. (2009). Nas trilhas da história: caracterizando a educação infantil. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://www.semar.edu.br/revista/pdf_ed2/ArtigoNataliaRevista.pdf. Cristófano, S. (2009). Os contos de fadas: o fantástico percurso para a integração de crianças com necessidades especiais. Faculdade de Letras Universidade do Porto. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://www.eselx.ipl.pt/curso_bibliotecas/infanto_juvenil/tema1.htm. Dec Lei 3/2008 (2ª Série). Normativo que define os apoios especializados para crianças e jovens com necessidades educativas especiais permanentes. Consultado em fevereiro de 2010 em: http://sitio.dgidc.min-edu.pt/especial/Documents/dl_n_3_2008.pdf. Diez, David de Prado (2009). Sem medo de Assombração. As histórias de assombração pouco a pouco ganham espaço na literatura infantojuvenil e revelam seu grande potencial. Revista RecreArte 10, p. 1-5. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://www.revistarecrearte.net/IMG/pdf/R10_-_1.G__Sem_medo_de_assombracao.pdf. Fernández, G. E.; Flavian, E. (2008). Un cuento aqui, otro más alilá. Atas del XVI seminário de dificultades espcíficas de la ensiñanza del español a lusohablantes, p. 15-25. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://www.educacion.es/exterior/br/es/publicaciones/seminarios/seminarXVI.pdf. Florian, L. (2003). Uses of Technology that Support Pupils with Special Educacional Needs. Consultado fevereiro de 2010 em: http://www.mcgraw-hill.co.uk/openup/chapters/033521195X.pdf Freire, Sofia (2008). Um olhar sobre a inclusão. Revista de Educação, vol. XVI, 1, p. 5-20. Magalhães, A. M.; Alçada, I. (1990) .Literatura infantil espelho da alma espelho do mundo. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/revistas/revistaicalp/ litinfantil.pdf. Morgado, M. M. (2010). As diferenças que nos unem: literatura infantil e interculturalidade. Instituto Politécnico de Castelo Branco Portugal. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://nevada.ual.es:81/alabe/index.php/alabe/article/viewPDFInterstitial/6/4. Niza, S. (1996). Necessidades Especiais de Educação: da exclusão à inclusão na escola comum. Inovação. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 9, 139-149. Noronha, Lucélia Fagundes, F. (2006). A representação da deficiência na literatura infantojuvenil nos tempos de inclusão. Dissertação de Mestrado. Paulino, G. (1999). Para que serve a literatura infantil? Consultado em fevereiro de 2011 em: http://cvc.instituto-camoes.pt/bdc/revistas/revistaicalp/litinfantil.pdf. Pereira, Marília M. G. (2002). Bibliotecas Baille, Educação e informação. Qualidade dos Serviços. (organ). Pereira, Marília M. G. (2002). Biblioterapia e leitura crítica para a formação da cidadania com os alunos do instituto dos cegos da Paraíba “Adalgisa Cunha”. Consultado em fevereiro de 2011 em: http://dici.ibict.br/archive/00000779/01/T128.pdf.

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OS NOVOS CAMINHOS DO CONTO INFANTIL. A EXPERIÊNCIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA F. Fernandes Secretaria Regional de Educação e Cultura, Funchal G. Faria Secretaria Regional de Educação e Cultura, DREER, DAATIC, Funchal DAATIC Divisão de Acessibilidade e Adaptação das Tecnologias de Informação e Comunicação Resumo A presente comunicação está dividida em três partes distintas. Sempre com o propósito de abordar a literatura infantil e a experiência da Região Autónoma da Madeira, numa primeira parte procurámos contextualizar a Região e identificar o leitor infantojuvenil, num segundo momento focamos o conto tradicional e apontamos o que consideramos serem as novas temáticas que devem nortear o conto infantil e terminamos com o relato de experiências destinadas a leitores especiais usando o como recurso as Novas Tecnologias.

1. O contexto regional A Região Autónoma da Madeira, com uma população de 250.000 habitantes e um território escasso, do qual dois terços é inabitável, por inacessibilidade ou por constituir reserva natural, apresenta uma densidade populacional de 350 habitantes por Km2, ou seja, o triplo da média nacional, uma população em envelhecimento (nascem hoje apenas 40% das crianças que nasciam nos anos 60 do século XX), uma base habilitacional baixa (quase 30% de analfabetos quando em 1974 sopraram os ventos da liberdade) e com uma habilitação parental a rondar o 1.º ciclo do ensino básico. No entanto, 65.000 jovens estão na escola, 7.500 são professores, 5.000 são funcionários das escolas ou dos serviços de educação e cultura, ou seja, um terço da população está em serviços relacionados com estas áreas, espalhados por 300 estabelecimentos de educação e ensino, públicos ou privados, que constituem a rede escolar das ilhas da Madeira e do Porto Santo. Mas porque estamos a falar em educação, acho que podemos afirmar que, se um em cada três madeirenses está na escola, os outros dois, provavelmente, saberão tudo sobre educação e sobre o que a escola deve ser ou fazer... Pese embora o discurso oficial de que a educação é responsabilidade das famílias, é à escola que se pede a intervenção para a alimentação saudável, para a prevenção das dependências, para a educação rodoviária, para o combate à obesidade e à diabetes, para a educação para o voluntariado, para a sexualidade, para os afetos, para evitar a gravidez na adolescência, para o combate ao tabagismo, para a prevenção do alcoolismo etc., etc. Mas não só! Também para a transmissão dos valores que, no passado, eram tarefa da família, desde o simples desejar ‘bom dia’ ou dizer ‘obrigado’, à transmissão da memória coletiva, património de gerações pela tradição oral e o conto.

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Assim se formou a geração que hoje se vê a braços com a tarefa de educar, por vezes não apenas os bebés, as crianças e os jovens que lhes são entregues às 8 horas da manhã e recuperados pelas famílias às 6 da tarde, mas também as próprias famílias. Conscientes de que o livro, e em particular o livro destinado a um público infantil e infantojuvenil, pode desempenhar um papel essencial para a prossecução destes objetivos houve que investir nas escolas, designadamente nas bibliotecas escolares das escolas básicas do 1.º ciclo, fazendo aí a sementeira para o livro, para a leitura e para a escrita criativa que, sendo bem feita, garantirá que, ultrapassada a fase de distanciamento que assola o período da adolescência povoada por outras seduções, fará com que os jovens, uma vez adultos, voltem ao convívio do livro A par do reordenamento da rede escolar, iniciado há 15 anos, e com a implementação no 1.º ciclo do EB do modelo a que chamámos Escola a Tempo Inteiro, concebido para que o enriquecimento curricular – Língua Estrangeira, Desporto, Expressão Artística, Tecnologias – ficassem a cargo de docentes (e como tal colocados e remunerados), havia que proceder a uma reestruturação das bibliotecas escolares, não só ao nível dos recursos bibliográficos disponíveis, mas garantindo um enquadramento técnico adequado. Nesse sentido conseguimos dotar cada biblioteca escolar do EB1 de um técnico superior, regra geral licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, com formação adicional específica de Animador Sócio-Cultural de Biblioteca, num total de 83 técnicos, os quais provocaram uma verdadeira revolução na forma como a biblioteca atua e intervém transversalmente na vida da escola. As Feiras do Livro acontecem em todas as escolas, os escritores marcam presença, o teatro, a dança, a poesia e a expressão plástica nascem na biblioteca e atravessam várias áreas disciplinares, criaram-se os concursos de leitura, a circulação dos livros, o baú de leitura, o triatlo literário, a edição de livros escritos e ilustrados por alunos, as histórias a várias mãos, etc. Não só por isso, mas por certo também por isso, os resultados escolares, ao nível das provas aferidas dispararam para a zona positiva. Mas no exterior das escolas os efeitos também se sentem: as livrarias ampliaram o espaço infantil, os editores estão muito recetivos a editar livros para crianças, os livros já são ‘presente’, para receber e para oferecer, os ilustradores encontraram um espaço profissional, surgiram novos autores. Uma menina de 10 anos, dizia-me há dias, a propósito de um livro e de um autor: ´Foi graças a escritores como este que troquei o McDonalds pela FNAC!”. Mais palavras para quê?

2. Contos tradicionais Nos processos de educação de infância, o conto tem um espaço de privilégio. Os estabelecimentos de educação e os seus agentes educativos preenchem o espaço outrora ocupado pela família. O embalo das crianças era feito da memória dos avós e dos pais, memória feita conto, canção, lengalenga, adivinha, transportando tradições, incutindo valores e criando imaginários. A popularização do objeto livro, a sua comercialização, o conto feito banda desenhada, filme, vídeo, CD, DVD, fez difundir um elenco de contos tradicionais infantis, muitos dos quais sem relação com a nossa própria tradição, nem com os

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valores que hoje pretendemos transmitir à geração que estamos encarregues de ajudar a educar. Citando a minha própria filha, de cinco anos de idade, que observava, num restaurante, entre duas garfadas de massa italiana, a senhora da mesa do lado, e dizia: – Pai, aquela senhora parece uma madrasta... Este comentário fez-me pensar. Creio que foi a Dr.ª Margarida Pinto Correia, líder da Fundação do Gil, que referindo-se a si própria, disse um dia: “Eu não só uma madrasta. Eu sou uma “boadrasta”. Resolvi observar com mais atenção os contos tradicionais que os meus filhos mais pequenos e o meu neto andavam a ler. Na maior parte das histórias, de facto, as madrastas, são feias, más e maltratam os seus enteados. Os padrastos também, mas em menor número. As velhas também são más e, geralmente, bruxas disfarçadas. Leia-se a Bela Adormecida, a Rapunzel, a Branca de Neve, a Gata Borralheiro, a Bela e o Monstro, Hansel e Gretel, etc. O Gato das Botas prova que a mentira compensa e, graças às mentiras do felino, o filho do moleiro fica nas boas graças do Rei, e casa com a princesa. O Pequeno Polegar e seus irmãos, entregues pelos pais à sua própria sorte, acabam na casa de um ogre que comia criancinhas. O mesmo hábito tinha a velha, lá está!, em Hansel e Gretel. O Pinóquio, mentiroso, quanto baste, mas herói. A Formiga, egoísta, não partilhou a despensa com a Cigarra, coitada, que passara o verão a animar as festas das Câmara Municipais e tivera o azar de guardar o cachet num daqueles bancos que se sabe..., digo eu. O Scar, irmão do Rei Leão, e seu putativo herdeiro, não só mata o titular do reino, como tenta desfazer-se do jovem Simba. A Joaninha, má cozinheira ao que parece, quer casar, mas por interesse. E os lobos? Sempre os maus da fita, quer estejam à caça de porquinhos, de meninas perdidas floresta ou das respetivas avós. Isto para já para não falar na Menina dos Fósforos, órfã de avó, e que more de fome e de frio. Mas não se pense que são só os contos tradicionais. Há uns anos encontrei numa feira do livro escolar, uma publicação infantil chamada “Por favor, dá-me um açoite!”. Ora vejam: “Num fim de tarde, Coco, o panda, passeia-se pelo caminho das avelaneiras ao lado do seu amigo Gugu, um esquilo muito pequenino. Falam, discutem e acompanham a tagarelice com gestos largos. De repente, o Gugu para e baixa as calças. – O quê? – pergunta o Coco. – Apanhaste um açoite? – Sim, amigo, e que grande açoite. Debaixo da cauda farfalhuda, mesmo no meio do rabinho, o esquilo mostra a marca da mão do pai. “Que sorte que ele tem!”, pensa o Coco.” Mas o que é isto?, pergunto eu. O ‘sado-masoc’ aplicado à literatura infantil?

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Admito que, nos contos nascidos no século XIX ou no início do século XX, não seria de esperar que se escrevesse sobre ambiente quando a poluição não tinha significado, sobre preservação da natureza quando se julgava que os recursos eram infinitos, sobre proteção a espécies ameaçadas (incluindo lobos!) quando o mundo estava ocupado a dizimá-las, sobre a aceitação da diferença quando a deficiência era escondida e considerada obra do demónio, sobre liberdade quando este era um conceito desconhecido, sobre desporto quando este era prática de elites, sobre intergeracionalidade quando os velhos eram trapos, sobre interculturalidade quando imperava o racismo e a xenofobia, sobre prevenção das toxicodependências quando ainda se andava com flores no cabelo a cantar San Francisco, sobre património edificado quando o alumínio e o plástico começavam o seu reinado, enfim, sobre tudo aquilo que hoje pode ser tema para a tal transmissão de valores quando faltam as histórias das avós e os pais lutam contra o bem mais escasso dos dias de hoje, o tempo. Daí que acho que temos estado, com ajuda dos autores e dos editores, a promover os novos valores, e alguns dos velhos valores, através do conto infantil e infantojuvenil. Estou convicto, embora não o possa quantificar, que para a nossa dimensão populacional, estamos a produzir o conto infantil com indicadores consideráveis, acompanhando assim todo o investimento já antes citado, no sentido da promoção das bibliotecas, do livro, da leitura e da escrita criativa. Nasceram, entre nós e já com alguma expressão e difusão nacional, contos sobre Amizade, Ambiente, Diferença e Liberdade, fábulas protagonizadas por peixes prateados e estrelas-do-mar; histórias de baleias, golfinhos, lobos-marinhos e tartarugas. Lançámos um novo olhar sobre os astros e a astronomia. Estrelas do céu que visitam a terra e estrelas-do-mar subiram ao céu. As tradições, a etnografia, as celebrações populares religiosas e pagãs, têm sido campo de escrita, e a aceitação das crianças não se fez esperar.

3. As Tecnologias ao serviço dos leitores especiais Hodiernamente os recursos tecnológicos disponíveis permitem a criação e a produção de conteúdos em formatos acessíveis de forma rápida e criativa. A produção ou adaptação de versões com diferentes formatos de um livro infantil facilita a promoção da leitura junto das crianças com necessidades especiais, assim como são um meio de divulgação das suas necessidades para aceder à literacia e das suas competências de aprendizagem. Se um livro inclui um CD áudio torna-se acessível às crianças cegas, com baixa visão, disléxicas ou com dificuldades motoras; se inclui um DVD multimédia pode tornar-se acessível a crianças com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais, crianças com deficiência auditiva assim como às crianças supracitadas. A interpretação em Língua Gestual Portuguesa (LGP) permite às crianças surdas o acesso à leitura em igualdade de oportunidades com as crianças ouvintes, visto que a LGP é a primeira língua para a maioria das crianças surdas. A transcrição com recurso à grafia Braille e aos relevos ou a ampliação com tratamento de imagem e texto permitem, respetivamente, às crianças cegas e com baixa visão, o acesso à leitura de forma autónoma em qualquer contexto. A legendagem com recurso a símbolos pictográficos para a comunicação pode ser uma alternativa à língua portuguesa escrita para crianças com perturbações do espetro 55

do autismo ou crianças com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais com problemas na leitura ou crianças que ainda não sabem ler. Um livro que – na versão escrita e na versão multimédia – reúna os formatos acessíveis às crianças com deficiência auditiva, visual, motora, dificuldades intelectuais ou desenvolvimentais ou dificuldades de aprendizagem, pode ser designado de livro inclusivo. No entanto, entre vários aspetos técnicos indispensáveis à elaboração de um livro inclusivo, podemos salientar, pela sua importância: o tamanho e tipo de letra, assim com o espaçamento e as margens; a seleção de imagens ou desenhos (cores, contrastes, formas, espessura da linha...); o tipo de narração; a seleção do texto para as legendas em língua portuguesa; o tipo de interpretação em LGP... Ressalvamos ainda a facilidade de criação de atividades interativas permitida pelos recursos tecnológicos disponíveis. Estas atividades são fundamentais para consolidar as aprendizagens das crianças com necessidades especiais de uma forma lúdica e adequada às suas competências. O Plano Nacional de Leitura inclui alguns livros disponíveis em formatos acessíveis, quer através da DGIDC, quer de editoras como a CERCICA (coleção 4 leituras). Uma editora que já editou livros com versões em SPC é a Kalandraka (coleção makakinhos)... Já existem livrarias com livros com versões em formatos acessíveis disponíveis, como por exemplo, a livraria “Os Cabeçudos”. A biblioteca sonora da CM do Porto disponibiliza a versão áudio dos livros solicitados para crianças cegas ou com baixa visão. Nas livrarias, após a versão escrita, a versão em formato áudio, os audiolivros, é a mais frequente, no entanto, para as crianças, o formato áudio deverá ser elaborado a partir do sistema Daisy. O sistema Daisy "Digital Accessible Information System", ou sistema digital de informação acessível, reúne várias aplicações que, além de possibilitar a sincronização da versão escrita e da versão áudio, permitem a criação de livros interativos, os livros podem ser sublinhados, acedidos apenas a partir do teclado, o fundo, o contraste e o tamanho da letra podem ser alterados entre muitas outras funcionalidades. Em diversos sítios na internet podem ser encontrados livros em formato digital, no entanto, a navegabilidade na internet é limitada para as crianças com necessidades especiais, atendendo a que a maioria dos sítios não possui os requisitos de acessibilidade que permitam uma utilização independente (sintetizador de voz, acesso por teclado, possibilidade de modificar o tamanho, o contraste e o fundo, interpretação em LGP, instruções inexistentes ou de difícil acesso, grande diversidade dos elementos de navegabilidade existentes em cada sítio...). Na Região Autónoma da Madeira podemos encontrar literatura infantojuvenil, em formatos acessíveis na Biblioteca Pública Regional e na Biblioteca especializada em necessidades especiais. De acordo com as necessidades dos alunos, nos serviços educativos de museus e outras entidades podem ser produzidas versões em formatos acessíveis na Divisão de Acessibilidade e Adaptação das Tecnologias de Informação e Comunicação de acordo com o Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. A Biblioteca Pública Regional disponibiliza online e nas salas de leitura o catálogo de obras em Braille e áudio. Nas salas de leitura infantojuvenil, especial e de acesso geral estão disponíveis equipamentos eletrónicos ou informáticos que facilitam o acesso à leitura de utilizadores cegos, com baixa visão ou com dificuldades na leitura.

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Os equipamentos informáticos e eletrónicos existentes na sala de leitura especial permitem a impressão em formato Braille e a produção de relevos. A Biblioteca especializada em necessidades especiais da Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação (DREER) disponibiliza online e em formato digital o catalogo de obras em Braille e áudio. A Divisão de Acessibilidade e Adaptação das Tecnologias e Informação e Comunicação da DREER produz conteúdos de apoio ao currículo em formatos acessíveis para alunos e outras pessoas com necessidades especiais assim como a outros serviços educativos da administração pública regional (museus, escolas profissionais, escolas secundárias...). O seu centro de recursos e avaliação disponibiliza aos alunos, tecnologias de apoio à leitura, entre outras, facilitadoras da sua autonomia escolar e social. A divulgação junto das escolas é realizada através de uma exposição e de apresentações multimédia de forma a sensibilizar os alunos e a restante comunidade para a importância dos livros acessíveis e dos equipamentos eletrónicos e informáticos e outros materiais que facilitam a leitura aos alunos com necessidades especiais. A formação a docentes e técnicos da DREER sobre tecnologias de apoio e construção conteúdos em formatos acessíveis aos seus alunos com necessidades especiais é uma das atividades da equipa da DAATIC. Os livros e outros conteúdos adaptados às necessidades dos alunos podem ser disponibilizados: impressos em Braille e/ou relevo com tratamento de texto nos Programas Winbraille ou Tiger; datilografadas em papel Braille ou papel vegetal e incluir Relevos Zyfuse; ampliados em formato A4 com tratamento de texto e imagem; em ficheiro com a interpretação em LGP em colaboração com o Núcleo de Multimédia; em formato áudio (voz gravada ou sintetizada); em ficheiro digital com recurso a diferentes tipo de software (Microsoft PowerPoint, Aprender a Ver, Boardmaker, Microsoft Word, GRID II Intellipics Studio; Escrita com símbolos, InVento...), de acordo com as necessidades em termos de acessibilidade do aluno; tabelas de comunicação, atividades didáticas e/ou lúdicas em formato digital, grelhas para teclados de conceitos de modo a facilitar o desenvolvimento e a aprendizagem de cada aluno. Para finalizar, salientamos a história do “Gato Amarelo” que integra o DVD multimédia “O Gato”, editado pela Direção Regional de Educação, dirigido aos alunos do ensino pré-escolar. Pretende ser um exemplo de uma história inclusiva multimédia adaptada a todas as crianças. As crianças sem dificuldades, surdas, cegas, com baixa visão ou com dificuldades na leitura têm acesso à história numa versão que reúne três formatos: escrita, áudio e LGP.

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A MEDIAÇÃO LEITORA INTERCICLOS E AS TIC Gisela Silva CIFPEC – Universidade do Minho, Braga, Portugal

“Um leitor inteligente descobre frequentemente nos escritos alheios perfeições outras que as que neles foram postas e percebidas pelo autor, e empresta-lhes sentidos e aspetos mais ricos.” Michel de Montaigne

Resumo Tendo em atenção uma cada vez mais significativa perda de leitores face à leitura de fruição, no que se reporta a determinadas comunidades interpretativa, nomeadamente os adolescentes, consideramos urgente o fomento sistemático do gosto pela leitura literária numa era que se dita já pelo digital. Sugerimos a aplicação, em contexto letivo, do Programa de Leitura Fundamentado na literatura e o uso das TIC para que a aula de Português seja, à luz das várias diretrizes ministeriais e determinados estudos académicos, cada vez mais um espaço polifónico e de enriquecimento dos alunos, permitindolhes somar aprendizagens através do Português. Compreendendo-os como seres sociais e de globalização, consideramos que a mediação leitora entre turmas, anos e ciclos é uma mais-valia para o desenvolvimento da competência literária dos alunos/leitores. Desta feita, atentos às suas necessidades e empatias, sugerimos propostas de mediação leitora capazes de ir ao encontro do carácter transversal que o ensino/aprendizagem da língua hoje exige, sobretudo quando pensamos em indivíduos cuja faixa etária solicita outras literacias que concorrem com o gosto pela leitura. Palavras-chave: Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, tecnologias da Informação e Comunicação, Mediação Leitora

Introdução Criar momentos de mediação leitora com crianças e jovens leva-nos hoje, mais do que nunca, a estar abertos à mudança e ganhar intimidade com programas de leitura e tecnologias de Informação e Comunicação que fomentem o gosto pela leitura, num âmbito de descoberta e participação. Assim sendo, tendo em conta o público leitor com o qual contactamos de mais perto (os pré-adolescente e adolescentes), cumpre-nos desde já referir a importância do uso das novas tecnologias associadas à aplicação do Programa de Leitura Fundamentado na Literatura (o “Literature-Based Reading Program”), que orienta a dinâmica da mediação leitora que temos vindo a pôr em prática e que defende uma abordagem holística da língua. Inspirado na corrente hermenêutico-teórica do “Whole Language Approach”, tutorado por Glenna Davis Sloan (1991) e posto em prática por muitos outros investigadores33, este programa objetiva uma correta promoção da leitura literária que se alicerça em três momentos diferentes: o antes, o durante e o após a leitura, de que 33 Cf. (Tompkins & McGee, 1993; Galda & Cullinan, 1998; Yopp & Yopp [1992], 2001; Azevedo, 2006; Azevedo & Simões, 2007; Simões, 2008; Silva; Macedo; Simões; Diogo & Azevedo, 2009a; Silva, 2009b).

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falaremos mais adiante. E se ele foi pensado para crianças, a fim de desenvolver a sua competência literária, ele é perfeitamente adaptável aos outros ciclos de escolarização cujos discentes são pré-adolescentes e adolescentes (Silva, 2008; 2009b; 2009c), pois permite-lhes realizar inferências cada vez mais significativas sobre as suas leituras. Ora, avaliando o sucesso das aprendizagens dos alunos com os quais nos preocupamos e configurando na prática a vontade de os motivar para a leitura (tornando-os também potenciais mediadores de leituras), consideramos que o Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, quando também suportado pelas novas tecnologias, torna-se uma ferramenta de trabalho fundamental que permite dar uma outra voz ao ensino/aprendizagem do Português, situando-o num patamar de diferenciação: o da língua enquanto património, noção à qual está presa a da linguagem globalizadora e do conhecimento (que muitos investigadores defendem34). De facto, muitas são as vozes que se têm erguido a favor desta tomada de consciência face ao poder globalizante do Português como língua do conhecimento (Reis; Dias; Cabral [et al.], 2009), pois só ela poderá motivar o professor de Português a querer tornar-se um “professor generalista” (Sim-Sim, 2008: 117). Um professor que, no âmbito do ensino/aprendizagem do Português, nomeadamente da leitura literária, vai ensinando os seus alunos (pré-adolescentes e adolescentes), a comprometerem-se com a noção do indivíduo ativo, num entusiasmo crescente. Referimos, pois, o indivíduo que “valoriz[a] a [...] língua como capital cultural de alcance identitário e como instrumento de comunicação ágil, fluente, criativo e inovador” (Reis, 2008: 10) e que, auxiliado pelo seu professor, se opõe ao princípio da “cabeça bem cheia” em detrimento da “cabeça bem-feita” como o destacou Michel de Montaigne a propósito da finalidade primeira do ensino. Por isso, é-nos de suma importância, enquanto mediadores de leitura, concretizar momentos onde a integração das tecnologias nas práticas de ensino (num ato de complementaridade) nos permita interagir de forma integradora com as necessidades/desejos dos nossos pré-adolescentes ou adolescentes, usando-as de uma forma cada vez mais intimista como se fossem uma qualquer outra ferramenta de ensino/aprendizagem de uso mais comum. Julgamos ainda que munidos deste outro saber (que nos aproxima mais da realidade dos nossos adolescentes) somos capazes de contactar com o texto literário revelando de uma outra forma a sua complexa organização semiótica (Lotman, 1975). O uso das TIC permite-nos, muitas vezes, concentrar as atenções, conquistando inclusive os alunos mais ‘fugidios’ que, assim ‘conquistados’ vão reagindo de uma outra forma às capacidades perlocutivas do texto, tomando-o paulatinamente como um espaço de transgressão em busca de outros sentidos. Desta feita, um dos requisito a exigir, caso nos apeguemos às demais ferramentas das novas tecnologias, será o de alterar a noção tradicionalmente concebida do que é uma aula de português, pois, como o atestam vários documentos do Ministério da Educação, como por exemplo Os Programas de Português para o ensino Básico (Reis; Dias; Cabral [et al.], 2009), o professor/mediador de leituras deve ser um “agente do desenvolvimento curricular” (Reis; Dias; Cabral [et al.], 2009: 9). Ou seja, ele deve saber tomar decisões de operacionalização que permitam ao aluno aprender através do 34

Cf. Clemente Linuesa & Domínguez Gutiérrez (1999); Cerrillo (2005:133-152; 2006: 33-44; 2007: 175192); Balça (2006: 231-244); Azevedo (2006a: 11-32; 2006b: 149-164; 2007a: 115-124; 2009: 225-240); Sim-Sim (2008: 117-120); Dias (2008: 121-125); Real (2008: 71-83); Reis (2008: 7-11; 237-243); Castro (1998; 2008: 127139); Gusmão (2008: 231-235); Faria (2008: 51-69); Ewers (2009).

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Português em vez de estudar Português. Ora compreende-se, desde já, a importância da tranversalidade atribuída ao ensino/aprendizagem da língua no que diz respeito à aquisição das demais competências que os alunos devem ir somando ao longo do seu desenvolvimento académico e às quais se adiciona um correto e funcional uso das TIC.

1. Como promover o gosto pela leitura literária? Conscientes de que todas as mudanças se socorrem da ‘conveniente’ resistência, não poderemos deixar de a referir. Com efeito, no que se reporta ao uso de aplicações dos meios informáticos em sala de aula ou biblioteca a situação torna-se ainda mais complicada quando já estamos habituados a determinadas planificações e formas de rentabilização do trabalho. Dar primazia às tecnologias da Informação e Comunicação, colocando repentinamente de parte aquelas estratégias de motivação com as quais “sempre segurámos a turma” ou “até motivámos os alunos” é, para muitos professores, algo de impensável; algo que parece quase querer romper com o processo de trabalho realizado ao longo de tantos anos. Não se trata aqui de pôr de parte o já realizado (e com sucesso) nem sequer ver as expectativas de anos defraudadas, mas questionar, de forma construtiva, se não se poderão criar momentos mais produtivos de fomento ao gosto pelo livro, no intuito de se angariar leitores pré-adolescentes e adolescentes, fazendo com que se sintam cada vez mais comprometidos com a leitura literária. Porventura, até, comprometidos com o ato da mediação leitora com outros ciclos, turmas ou anos de escolaridade! Como professores/mediadores e professores bibliotecários temos verificado, e em número crescente, que no âmbito desta comunidade interpretativa se têm registado fenómenos de grande diminuição da sua atividade leitora, sobretudo no que se reporta aos adolescentes do 9º ano de escolaridade que se vão afastando, cada vez mais, do encanto e do saber que as obras literárias guardam tão preciosamente. Afastando-se por várias razões da leitura literária, estes adolescentes ausentam-se cada vez mais dos momentos da criatividade, da imaginação e da sensibilidade que só uma obra literária comporta e fazem dos seus poucos momentos de leitura apenas momentos de estudo através do contacto com textos instrumentalistas que pouco ou nada abonam a favor da fruição leitora. Conscientes do problema, vários investigadores (Castro, 1998; Cerrillo; Larranaga & Yubero, 2002; Cerrillo, 2005; 2006: 33-46; 2007: 175-192; Azevedo, 2006a; 2006b; Lages; Liz; [et al.], 2007; Mendonza Fillola, 2007) têm vindo a preocupar-se com as leituras que os jovens fazem, efetivamente, a partir dos 13/14 anos de idade e que engrossam de forma falseada os valores estatísticos relativos ao aumento de leitores, sendo o ato da leitura voluntária suplantado por leituras de carácter obrigatório. Ora, se “[a] leitura pela leitura, por gosto, por prazer, por enriquecimento pessoal, por conhecimento do mundo já não constitui o objetivo básico da leitura [pois] lê-se com [...] uma clara finalidade instrutiva” (Cerrillo, 2006: 34), o afastamento relativamente ao verdadeiro ato leitor, que Felipe Garrido (2004: 14-19; 34-37) também refere, torna-se um perigo que temos de ter em conta, porque as leituras feitas com um carácter de obrigatoriedade (bem marcantes no percurso escolar dos adolescentes a partir desta faixa etária) sobrepõem-se significativamente à leitura de fruição, contribuindo para o efetivo afastamento dos jovens face à leitura voluntária. Logo, a leitura da curiosidade, dos tempos livres que é, na verdade, a que faz leitores literários é 60

realmente pouco significativa se estatisticamente comparada com as outras leituras, ditas de estudo, porque a falta de tempo e o acesso a outras literacias, bem ao alcance dos adolescentes, tornam a leitura de fruição cada vez menos presente, mesmo se não esquecida. Se todos sabemos que este desvio face ao prazer da imaginação e da criação, para a promoção da leitura, compromete seriamente a noção de uma adequada instrução que seja passível de permitir aos jovens saberem movimentar-se e integrar-se autonomamente na sociedade, cabe-nos, a nós, mediadores de leitura, promover momentos capazes de envolvê-los em leituras pluri-isotópicas na emergência de uma outra competência leitora que lhes permita atingir competências do tipo crítico. Surge, então, a questão que encabeça este ponto: “Como promover o gosto pela leitura literária?” A resposta, aparentemente fácil, exige a contemplação de três itens: um, balizado nos preceitos da dedicação, reflexão e consciencialização; outro comprometido com o incentivo/estímulo e o fomento da autoconfiança; outro, ainda, suportado pela determinação e a ousadia, e todos, julgamos, associados ao fascínio inquestionável que as TIC provocam nos jovens leitores. Ora, assim colocada, a tarefa parece facilmente realizável. Afinal, os alunos em contexto de sala de aula/biblioteca não são diariamente motivados para a leitura, usando, o professor de Português, de dedicação, consciencialização, determinação e ousadia? Acreditamos, contudo, que a questão é bem mais complexa, mas estamos cientes de que se os profissionais do ensino (contando-se com as entidades responsáveis), os encarregados de educação, os bibliotecários, os professores de língua materna, enfim, todos aqueles que têm um compromisso com o jovem leitor, assumirem como certos, e num único propósito, os benefícios da mediação leitora, como tem acontecido desde a década de 90 do século passado nos países onde o exercício da leitura se alicerça no Programa de leitura Fundamentado na Literatura35, o gosto pela leitura literária de fruição, nestes adolescentes, será cada vez maior. Assim, tal como o afirmam as investigadoras Hallie Kay Yopp e Ruth Helen Yopp, na sua obra Literature – Based Reading Activities (2001: vii), constataremos, progressivamente, que a literatura será sempre uma força motriz na vida e nos comportamentos dos homens, permitindo-lhes sentir, compreender e integrar-se valorativamente no mundo, caso esta seja assumida como essencial para o seu desenvolvimento psicossociológico. Estamos certos de que esta mensagem de incentivo à formação de leitores passará (mesmo se de forma lenta) para dentro da Escola, caso contrário, também estamos certos que o ensino/aprendizagem da língua estará condenado ao marasmo e que o desenvolvimento das competências das diferentes aprendizagens dos alunos estará seriamente comprometido, prejudicando-nos a todos. Considerando este momento sócio-cultural em que as novas tecnologias potenciam e facilitam o acesso a uma visão globalizadora do mundo, apontaríamos agora uma definição simples e abrangente do que é saber/querer ler, hoje. Segundo Pedro Cerrillo (2006: 33) “ler, uma vez adquiridos os mecanismos que nos permitem exercitar essa atividade, é querer ler, isto é uma atividade individual e voluntária”. Caso estivéssemos desatentos, depreenderíamos, que a leitura é então um ato solitário e de empreendimento pessoal, sem que se configure a presença do outro, isto, a partir de uma determinada idade. Ora, tal não é assim. O que se pretende, hoje e mais do que nunca, é 35

Destacam-se o Canadá, a Suécia, o Brasil e alguns estados dos Estados Unidos da América.

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que a leitura seja uma atividade que se faz do uso comum da leitura, seja ela individual e/ou coletiva; seja ela suportada por textos em suporte papel, de carácter digital ou outros, mas que se aprenda a ter o gosto pelo ato de leitura. Note-se a força semântica do verbo ‘querer’, usado pelo autor, à qual estão concomitantemente anexas as noções da vontade, da necessidade, da aprendizagem, da fruição e, com certeza, da partilha! Com efeito, só este encanto pela leitura poderá levar progressivamente o sujeito/leitor a estar cada vez mais “consciente acerca da [...] riqueza semiótica” da língua e a poder “exercit[á-la] na sua omnifuncionalidade tomando-a como instrumento de criação e de recriação do mundo” (Azevedo, 2002: 295). Logo, se isso acontecer toda a comunidade escolar e, mais tarde, a própria sociedade, sentirão, não o défice que os vários estudos levados a cabo pelo Ministério da Educação apontavam (2001; 2002; 2006), mas os benefícios de uma aprendizagem literácita e até orácita que se apoiou em programas de leitura e estratégias de promoção do conhecimento. Aceitar que as ferramentas tecnológicas disponíveis também são um aliado de potencial valor nesta conquista de leitores é, sem dúvida, considerar que os nossos préadolescentes e adolescentes são verdadeiros detentores desta outra forma de ler (os comummente chamados nativos digitais). É, igualmente, se não igualar-se a eles, pelo menos tentar, mesmo se de forma frágil, corresponder-lhes e mostrar-lhes que no domínio da mediação leitora também se consideram as palavras que Dominique Wolton (1999: 51) caracteriza de “mágicas” na captação da atenção do indivíduo e que são: “ciberespaço”, “realidade virtual”, “navegação interativa”, “autoestradas da informação”, “redes cibernéticas”, entre outras. No que a esta apresentação se reporta, mesmo se não avançamos para a divulgação de trabalhos onde tais palavras são primordiais na compreensão dos significados desta outra contemporaneidade, estamos atentos ao seu papel de inserção. Aqui, apenas divulgaremos momentos de mediação leitora, com alunos do 9º ano escolaridade, suportados pelo uso das ferramentas informáticas, no intuito de ‘contar’ experiências que para nós foram muito enriquecedoras e cujas vantagens se prenderam/prendem, direta ou indiretamente, com a introdução das TIC na consecução dos planos de aula. Este relacionamento com as tecnologias (que nem sempre é fácil), mas que nos tem sido de grande valia, permitiu-nos, em anos transatos e neste mesmo ano letivo, usar de um conjunto de aplicações que concretizaram momentos de mediação leitora muito favoráveis (onde a sala de aula se transformou num espaço agradável de aprendizagem), a custo zero (se não somarmos, claro, o tempo gasto) e que têm sido e continuarão a ser retomadas, o que é, sem dúvida, um outro aspeto a valorizar quando falamos delas.

2. O Programa de Leitura Fundamentado na Literatura e as TIC: um compromisso assumido com a leitura literária de partilha Gostaríamos de iniciar este segundo ponto com uma reflexão que se prende com o(s) procedimento(s) que enquadram o momento da leitura, pois, se a escola exige uma aprendizagem quotidiana da lingual (que deve reger-se pelo desenvolvimento da competência leitora dos alunos), é necessário que se reflita na forma “como se faz” e não apenas “[n]o que se lê” (Castro, 2005:12) visto não serem “as velhas respostas que servirão para responder a problemas novos” (2005:12). 62

Entendemos, por isso, que os professores de Português devem estar sistematicamente atentos com o que se passa do lado de fora dos portões da escola. Ou seja, devem tentar ‘levar para dentro da sala de aula/biblioteca’ outros recursos de ensino/aprendizagem que não somente os tradicionais e, quantas vezes, repetitivamente habituais, trazendo outros bem mais ‘condizentes’ com o estado ‘de atualidade tecnológica’ dos nossos jovens. Note-se, salvo raras exceções, que as aulas são mais colaborativas quando o recurso às TIC consta do plano de aula. Estes ficam mais embrenhados no ato de ouvir/falar e a aula em si decorre de forma mais produtiva, levando-os, até, a proferirem o “já?” quando o toque de saída se faz anunciar ou quando o professor dá a aula por terminada. Associado ao Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, o uso das TIC configuraria, a nosso ver, o que gostaríamos de ver acreditado na Escola, levando-nos a considerá-la cada vez mais como uma entidade capaz de “[...] reequacionar a forma como os textos estão na escola” para torná-los indubitavelmente atrativos para os jovens (Castro, 2005: 12). Tomados de uma outra forma, estes poderiam inclusive rivalizar, em situação de igualdade, com as demais literacias que aliciam os pré-adolescentes e os adolescentes. Cientes de que não se deve perder jovens leitores, mas, com vitalidade, conquistar e incentivar os pré-adolescentes e adolescentes à leitura, mostrando-lhes o quanto ela é fundamental para o seu crescimento, acreditamos que a solicitação à sua participação e reflexão, também a partir do uso partilhado das TIC, é um dos primeiros passos a dar mesmo que tudo se passe numa atitude de sedução aparentemente ingénua, mas que reconhecemos como absolutamente refletida na experiência do como ‘fazer leitores’, nomeadamente mediadores de leitura. Pelo facto de querermos ver postas em prática atividades que levem os préadolescentes e adolescentes a espelhar pelos textos a sua curiosidade e o seu saberfazer, temos vindo a desbravar terrenos e a trilhar outros caminhos a partir do Literature-Based Reading Activities (Yopp & Yopp, 2001 [1.ª edição, 1992]). Este é um programa que se alicerçou no “Whole Language Approach” e que tem por objetivo o de contrariar correntes de ensino/aprendizagem já desadequadas para a proficiência do gosto pela leitura literária, proporcionando às crianças e aos jovens leitores o desenvolvimento de estruturas mentais complexas e polifónicas. A fim de validar o programa que se propuseram desenvolver e, simultaneamente, provar o fomento das competências dos alunos através da leitura literária, as autoras referem na sua obra que este se encontra alicerçado em três correntes teóricas (Yopp & Yopp, 2001: 1-5), assumidamente anexadas à ideia de que só a participação de um leitor atento no processo da leitura poderá assegurar a diferenciação entre uma mancha tipográfica, registada numa página, e um texto literário. O que devem então fazer os professores que apadrinham este programa para que os seus alunos possam/saibam reagir aos estímulos dos textos literários? A resposta é bem simples, embora pareça momentaneamente irrefletida: deixá-los ir de encontro aos desafios propostos pelo texto, permitindo-lhes muitas oportunidades de resposta. Claro que as respostas não podem surgir com base numa estruturação caótica do pensamento, fundamentada por um anarquismo pessoal ou até coletivo dos alunos que apenas se limitam a responder sem qualquer reflexão. Logo, é vital que o professor seja um mediador de leitura e use, com correção, os materiais que selecionou para a sua aula. Os estudiosos que defendem este programa afirmam que os alunos devem poder construir, expressar e fundamentar as suas respostas a partir da interpretação do texto, a 63

fim de promover o que denominam de “aesthetic stance” (Yopp & Yopp, 2001: 3). Isto é, estabelecer com o texto uma relação inteira para que o foco da aprendizagem se centre na demonstração de sentimentos e emoções, imaginários, conexões e intertextualidades (Rosenblatt, 1994), preconizando-se a negação da rotinização das experiências semiótico-discursivas do texto. Por sua vez, os professores que se apoiam neste programa rejeitam a resposta única e prototípica, defendendo que só promovendo a leitura como uma experiência de reflexão e revisão de interpretações se evitarão respostas estereotipadas ou interpretações simplistas e/ou banais. As respostas devem, portanto, ter uma argumentação fundamentada nos sentidos e na significância para que, de facto, os alunos compreendam como responderam de forma estética à literatura, o que, muitas vezes, os leva a querer comparar as suas respostas com as dos seus pares, através de diálogos e trabalhos enriquecedores. Tendo referido de forma sucinta a base teórica fundamental deste programa de leitura para a promoção leitora, propomos, desde já, uma também breve abordagem sobre a forma como este deve ser implementado. A fim de intensificar essa interação com a literatura, para que o aluno adolescente abra o seu intelecto a outras possibilidades e realidades na compreensão do mundo, este programa divide a sua prática metodológica em três momentos fundamentais: as atividades a desenvolver “antes da leitura”; as atividades a pôr em prática “durante a leitura” e ainda as atividades a promover “após a leitura”, todas elas elaboradas com objetivos bem definidos e diferenciados36 (Yopp & Yopp, 2001: 6-12). As atividades que se reportam ao “antes da leitura” visam sobretudo a promoção de respostas pessoais por parte do leitor, estimulando-se a sua curiosidade e motivação para com a leitura a vir, através do fomento da afetividade e da emoção. Estas atividades pretendem ainda a ativação e construção de intervenções a partir de conhecimentos do mundo, bem como a compreensão dos objetivos a cumprir na consecução das atividades a desenvolver aquando a leitura. As atividades decorrentes do “durante a leitura” inscrevem-se no momento em que o professor/mediador presta auxílio ao leitor na compreensão do texto e nas relações que este estabelece com ele, a fim de lhe proporcionar momentos gratificantes ao nível da sua aprendizagem quando este puser em prática o que ouviu e fez durante estes dois momentos que antecedem o momento do após a leitura. Não menos importantes, as atividades do “após a leitura”, no intuito de facilitar a análise crítica e a interação, pretendem suscitar reflexões e promover respostas pessoais e coletivas, bem como, debates, discussões sobre temáticas, valores ético-formativos e dimensões sócio-ideológicas, referentes ao segundo momento da leitura. Assim sendo, como é fácil de perceber-se, todos os momentos que configuram a aplicação de um Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, como por exemplo o Literature-Based Reading Activities, também podem aliar à sua utilização as ferramentas digitais, tendo-se em atenção o momento da leitura propriamente dito e o que se pretende, explorar, ensinar, divulgar, proporcionar ou debater com os alunos. Os nossos trabalhos de mediação leitora, no desejo de fortalecer laços de apadrinhamento entre ciclos, turmas e anos de escolaridade (com o trabalho de mediação leitora dos 36

Para além do estudo apontado e para uma análise mais detalhada da mediação leitora integrada no Programa de Leitura Fundamentado na Literatura, cf. Cullinan (1987; 2003); Huck; Hepler & Hickman (1989); Cullinan & Galda (1994); Raphael; Pardo & Highfield (2002); Azevedo (2007: 261-268); Neves; Lima & Borges (2008); Moreno (2008); Simões (2008) e Silva, Macedo, Simões [et al.] (2009).

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próprios alunos), concretizam-se a partir destas atividades que nos têm permitido ir somando voluntários (professores, alunos e encarregados de educação) para o fomento do gosto pela leitura. Nos momentos relacionados com o “antes da leitura” e o “após a leitura”, comparativamente ao “durante a leitura”, podem ser usadas mais aplicações digitais, pois, se no primeiro momento se trata de envolver os alunos captando a sua atenção para o que irá acontecer no momento da leitura, solicitando-se a formulação de hipótese, no último momento, deseja-se, sobretudo se a turma for de mediação leitora, que esta elabore ferramentas capazes de transmitir conhecimentos e envolver a turma, o ano ou ciclo ‘apadrinhado’. Por razões que se prendem a questões de espaço e por tratar-se apenas de um breve apontamento sobre o que o uso das TIC pode proporcionar-nos, bem como o Programa de Leitura Fundamentado na Literatura (face à prática da leitura literária em contexto escolar), exporemos alguns casos de ‘apadrinhamento’ entre turmas, anos e ciclos, onde o 9º ano de escolaridade teve/tem um papel preponderante no que à mediação leitora se reporta. Desde o ano transato, com o projeto aglutinador “Beiriz adota um escritor – trocas e Baldrocas”, que integrou o Pré-escolar, o 1º, 2º e 3º ciclos, tem-se procurado cultivar uma ‘política’ de ‘apadrinhamento’ em prol da leitura37 entre turmas, anos ou ciclos. Estratégia, essa, aliás, que se deve inteiramente ao muito empenho e entusiasmo de uma turma de 9º ano que no ano de 2008/2009 fez parte de um Estudo de Caso sobre os benefícios da mediação leitora (Silva, 2009b) e apadrinhou uma turma do 3º ano de escolaridade para a ‘leitura’38 da obra O Último Grimm, de Álvaro Magalhães (2007), criando, para tal, atividades de mediação leitora que também foram suportadas pelas TIC. Contam-se essencialmente a elaboração de apresentações no programa “Programa Microsoft Powerpoint”, entre as quais a realização de uma apresentação interativa onde as crianças do 3º ano tinham de completar as ideias-chave propostas pela turma de apadrinhamento a fim de caracterizar as personagens, envolvendo-as, depois, em espaços e em histórias diferentes. O trabalho desenvolvido com essa turma foi retomado em 2009/2010 por duas turmas de 9º ano cujo trabalho foi supervisionado pelas diretoras de turma, pelas professoras de Português e de TIC e por mim própria, professora bibliotecária responsável pela mediação leitora. Assim sendo, parte deste trabalho foi reaproveitado para um novo ‘apadrinhamento’ que, desta vez, se reportou não só a uma turma, mas a várias, originado a realização de outras atividades com ferramentas tecnológicas, como foi o caso da construção do site “Escritores Portugueses” e da elaboração da apresentação animada “O Povo das Histórias”. Esta foi construída a partir de um miniconto, referente à segunda parte da obra, criado pela turma do ano anterior. Referimos que o site ganhou o 3º prémio na categoria Multimédia, no concurso municipal “Escola da Minha Vida”, e foi apresentado a toda a comunidade escolar na festa da leitura de final de ano “Anda COMIGO pràEscola” e que a apresentação animada “O Povo das 37 Este ano letivo, devido à necessidade de se atribuir igual importância às Ciências, ficou decidido em Conselho Pedagógico que se desenvolveriam projeto mais associados a essa área, estando contemplados trabalhos sobre a prevenção do meio ambiente. 38 Entenda-se ‘leitura’ como uma apresentação da segunda parte da obra que contempla “O Povo das Histórias”, onde a personagem principal reencontra as personagens que fizeram parte do seu imaginário infantil, como o Peter Pan, A Bruxa da Casa de Chocolate, A Rainha de Copas, Winnie The Pooh, etc. Salientamos, contudo, que houve alunos da turma do 3º ano de escolaridade que foram lendo a obra que tem um número significativo de páginas, 366 no total.

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Histórias” fez as delícias dos 3.º e 4.º anos na semana da leitura, proporcionando um momento de escrita criativa com as crianças, onde se destacou a importância da leitura das histórias39 do feérico, bem patente nos Clássicos da Literatura Infantil. Este momento de ‘apadrinhamento’ culminou com a entrega do Livro Andarilho: “O Povo das Histórias” onde os alunos do 1º ciclo, os seus encarregados de educação e professores deverão, até o mesmo estar completo, ir registando histórias do Povo das Histórias. Histórias, essas, que futuramente serão igualmente ‘trabalhadas’ com recursos digitais para a execução de um livro digital cujas ilustrações serão animadas. O trabalho anterior de mediação leitora com as turmas prendeu-se com uma motivação à leitura associada ao encantamento (não esqueçamos a faixa etária destes alunos), embora em momentos diferentes. Na turma que desenvolveu em primeiro lugar a mediação leitora junto de crianças, o “antes da leitura” teve lugar no 8º ano de escolaridade pois a turma participou no Concurso Nacional de Leitura, portanto no 9º ano esta já tinha lido a obra. Nas restantes turmas, que foram alvo de mediação leitora em 2009/2010, o momento “antes da leitura” prendeu-se com a utilização de “Guias de Antecipação Alargada” (Yoop & Yoop, 2001). Contudo, em todas turmas, o momento “durante a leitura” contemplou a aplicação dos “Círculos Literários” (Yoop & Yoop, 2001; Daniels, 1994; Silva, 2009b: 478-510; 522-546). Tal ferramenta de leitura solicitou, por parte das turmas, a leitura integral da obra e a seleção dos capítulos a ‘ler’/ilustrar quer na apresentação interativa: “O Povo das Histórias”, apresentado à turma do 3º ano em 2008/2009 quer na apresentação animada visualizada pelas turmas do 3º e 4º ano no ano letivo de 2009/2010. Ambos os momentos retrataram o momento “após a leitura”, que o momento “durante a leitura” proporcionou. A consecução do site também fez parte do Programa de Leitura Fundamentado na Literatura na medida em que todo o trabalho biobiográfico sobre o escritor foi realizado anteriormente por dois alunos da turma sujeita ao Estudo de Caso, que tinham a seu cargo a correção de trabalhos, bem como a investigação sobre o escritor e respetiva divulgação na “Pasta do autor”. Este ano letivo, integrado no projeto “aLer+ para Escrever Melhor”, o subprojecto “Escrever+.pt” engloba três turmas do 9º ano de escolaridade que têm vindo a realizar atividades de mediação leitora diferenciadas, mas complementares, a partir da obra 900 – História de um Rei, de Pedro Seromenho (2009). Auxiliadas pelas poderosas ferramentas das TIC, estas atividades de apadrinhamento entre turmas, divulgadas entre si, dizem respeito a várias aplicações tecnológicas. Referimo-nos ao blogue “Retrato de um Rei – para Ler+”, que foi construído por uma das turmas envolvidas e que serve para a divulgação de trabalhos de pesquisa e textos realizados a partir da leitura da obra; à criação de um vídeo de promoção leitora cuja narração de partes da história e representação das ilustrações é da responsabilidade de alunos e professores. Este, por sua vez, deu já origem ao trabalho “BD – Internet Segura”, onde a partir do tema da guerra/batalhas (patente na obra), associado às noções de perigo, inimigo e aliado, os alunos de várias turmas criaram diferentes bandas desenhadas na ferramenta online “Pixtoon”. Aí, manipularam espaços, personagens e diálogos conforme as suas emoções, conhecimento da obra e objetivo do trabalho (que se prendia com o Dia Europeu da Internet Segura).

39 Relembre-se que n´O último Grimm a energia vital do Povo das Histórias está gravemente enfraquecida porque esta alimenta-se das leituras feitas às crianças que, infelizmente, são cada vez menos.

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Este vídeo deu igualmente origem a um outro trabalho intitulado: “Retrato de um Rei”, inserido nas “artes visuais e performativas”, representativas da quarta base do programa “Ohio State University Program” (Fountas & Pinnell, 2002 [1ª edição, 1992]), também ele um Programa de Leitura Fundamentado na Literatura. A partir da sua visualização, uma das turmas envolvidas acordou, com a professora responsável pela disciplina de Educação Visual, pintar telas onde serão criados (no 3º período deste ano letivo) possíveis retratos de D. Afonso Henriques que representem um período da sua vida: a sua infância, juventude ou idade adulta. Para tal estão a ser usadas, pela turma, diferentes ferramentas digitais, como algumas apresentações criadas no “Programa Microsoft Powerpoint” e um site como jornal digital. Todas têm a funcionalidade de promover, junto dos alunos, a obra de pintores contemporâneos, ou não, como Van Gogh, Joan Miró, Salvador Dalí, Diego Velázquez, Pablo Picasso, Andy Warhol, José de Guimarães, etc. A partir da visualização/consulta destas ferramentas e pelo conhecimento que detém da obra e das suas ilustrações, os alunos deverão criar, neste terceiro período, telas que também tenham um elemento representativo de um dos quadros desses pintores, como, por exemplo, o cavalo do célebre quadro a “Salvação de Santo Antão”, de Salvador Dalí, que um dos alunos já elegeu para completar a caracterização de D. Afonso Henriques. Ao nível da mediação leitora por parte do professor de Português, o momento relacionado com a pré-leitura esteve intimamente ligado a um trabalho de intertextualidade com Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões [1572?] (1985) e O guardador de árvores, de João Pedro Mésseder (2009), obra desconhecida pelos alunos. A fim de dar início ao estudo do texto poético, mais propriamente à poesia alusiva ao génio de Luís Vaz de Camões e ainda relembrar alguns dos episódios d’ Os Lusíadas, o professor/mediador apoiou o início da aula numa apresentação produzida no “Programa Microsoft Powerpoint” com algumas ilustrações d’ O guardador de árvores. Tal atividade teve como primeiro intuito levar a turma a ‘ler’ as ilustrações apresentadas para depois aceder à noção do simbolismo que delas se desprende e que pode ser compreendido em episódios d’ Os Lusíadas. Note-se que pela técnica usada, o ilustrador cria desenhos figurativos onde a representação do real está intimamente associada à do imagético, do simbólico e até do mítico, criando uma espécie de utopia visual. Note-se ainda que a análise d’ Os Lusíadas solicita o ensino/aprendizagem de noções/questões mitológicas que, infelizmente, e muitas vezes, apenas se reportam a listagens sobre os nomes e características de deuses da mitologia grega e romana. Discutidas as ilustrações e a simbologia que elas detêm, o momento “durante a leitura” foi breve e comprometeu-se, essencialmente, com a leitura de alguns poemas da obra e o preenchimento de “Gráficos Organizadores” (Yoop & Yoop, 2001) que são fortes auxiliadores da compreensão leitora. Pretendia-se que a turma organizasse noções mítico-simbólicas e do empírico-factual para que da leitura dos textos resultasse a confirmação, ou não, do que estes tinham anteriormente ‘lido’ nas ilustrações. Pretendendo que os alunos interagissem com as estruturas textuais de ambas as obras, o momento de pós leitura ganhou forma com a realização de alguns poemas onde, efetivamente, se destacaram as leituras inferenciais destes alunos que enriqueceram, quer a sua competência literária quer o seu imaginário, o que mais uma vez confirmou a importância de programas de leitura desta natureza.

Conclusão 67

É consensual entre todos os que se relacionam com o mundo da educação e do ensino que é necessário transformar os sistemas educativos e alterar as práticas de ensino tradicionais, no sentido de melhor preparar os alunos para o seu sucesso pessoal e profissional. Logo, a implementação do Programa de Leitura Fundamentado na Literatura e o uso das tecnologias da Informação e Comunicação são uma peça central para a mudança de práticas dentro da sala de aula, constituindo-se como um poderoso auxílio dos professores/mediadores de leitura na melhoria das aprendizagens dos alunos, nomeadamente da sua competência literária. Como professores de Português (logo mediadores de leitura), relembramos o quanto é fundamental que se criem momentos de ensino/aprendizagem onde a noção de língua, como idioma de conhecimento, aconteçam de facto no nosso sistema de ensino. Se os alunos não sentirem, por parte do professor/mediador, firmeza, prazer e confiança na promoção da leitura, a magia presa ao livro desvanecer-se-á na densa multidão de produtos, na sua opinião, promotores do ‘verdadeiro conhecimento’. E os jogos de vídeo, das consolas, os telemóveis, os chats de conversação, etc. “levarão a melhor”. Será caso até para afirmar que, cada vez mais, os adolescentes se ausentarão do ato da imaginação porque não saberão mais acrescentar um ponto ao conto que ouviram quando eram ainda crianças. No entanto, se o ato mediador estiver presente na aprendizagem destes préadolescentes e adolescentes, permitindo-lhes confirmar que as obras literárias são espaços de (re)encontros, o professor terá edificado nas suas práticas o crescimento intelectual e vivencial dos alunos, na certeza do dever cumprido.

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A MULTIMÉDIA AO SERVIÇO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA Paulo N. M. Sampaio Madeira Interactive Technologies Institute (M-ITI) Universidade da Madeira (UMa) Evandro M. C. M. Morgado Agrupamento de Escolas Bento Carqueja Oliveira de Azeméis Resumo A multimédia tem sido amplamente utilizada em diferentes domínios de aplicação. O sucesso da multimédia deve-se a diferentes razões que vão desde a sua multimodalidade ao seu aspeto lúdico. Diferentes estudos e teorias têm emergido com o objetivo de investigar e de identificar o impacto da multimédia em diversas áreas de aplicação. Neste trabalho, apresentamos um estudo de alguns dos contributos relativamente à literatura e realizamos a categorização dos principais critérios para o impacto da multimédia em particular na educação e na cultura. De forma a ilustrar esse estudo, expomos algumas contribuições relacionadas à implementação de aplicações Multimédia e de Realidade Virtual realizadas na Universidade da Madeira. Palavras-chave: Multimédia, Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Educação, Cultura, Novas Tecnologias

1. Introdução A apresentação multimédia, por definição, está relacionada com a apresentação coordenada de diferentes tipos de informação (texto, imagens, áudio, vídeo, etc.), possivelmente suportando a interação do utilizador. A multimédia tem sido amplamente utilizada em diferentes domínios de aplicação, tais como o entretenimento, saúde, comércio, educação, cultura, etc. Diferentes razões podem ser apontadas para o sucesso da aplicação da multimédia nestas áreas, que vão da sua multimodalidade ao seu aspeto mais lúdico. É facto que a multimédia é uma ferramenta útil que proporciona a rápida compreensão do assunto abordado. Também foi provado empiricamente que o homem é mais recetivo às informações recebidas e constrói seus modelos cognitivos mais rapidamente se elas são transmitidas através de diferentes canais de informação. A Realidade Virtual (RV) representa uma nova interface gráfica que permite a apresentação da informação em 3D, permitindo, muitas vezes, que o utilizar se considere inserido no ambiente virtual apresentado. A RV é um recurso didático importante pois permite “transportar” o utilizador para ambientes em que ele não poderia fisicamente ser capaz de se inserir ou que poderia colocar em risco a sua vida. A integração da Multimédia na Realidade Virtual é uma possibilidade interessante e promissora no desenvolvimento de aplicações de RV. A multimédia cativa a atenção do utilizador dentro do ambiente virtual permitindo enriquecer a sua interação, promover o seu interesse e o envolvimento com o ambiente e aumentar a sua sensação de imersão. Neste trabalho, apresentamos uma breve discussão sobre o impacto da multimédia, em particular, na educação e na cultura. Para isso, são revisitadas algumas teorias apresentadas na literatura, orientadas à educação multimédia, e é proposta uma abordagem de forma a categorizar os principais fatores de impacto da multimédia. Na 71

continuidade deste trabalho, apresentamos também algumas das nossas contribuições realizadas na Universidade da Madeira de forma a promover o desenvolvimento de aplicações Multimédia e de Realidade Virtual orientadas à educação e à cultura. Este trabalho está organizado da seguinte forma: O capítulo 2 discute o impacto da multimédia na educação e cultura; O capítulo 3 apresenta a “UMa Virtual” relacionada ao desenvolvimento de soluções de forma a integrar apresentações multimédia em ambientes virtuais; O capítulo 4 introduz o “VirtualLabs@UMa”, um laboratório virtual e adaptativo de química; O capítulo 5 apresenta uma plataforma para a autoria intuitiva de ambientes virtuais; O capítulo 6 discute os principais aspetos de implementação do projeto “O Mistério da Rainha Roxa”, nomeadamente o desenvolvimento de uma aplicação de realidade aumentada para a literatura infantil; O capítulo 7 finaliza o trabalho com algumas conclusões.

2. Impacto da Multimédia na Educação e Cultura Para compreendermos o fenómeno do crescimento da multimédia na educação e na cultura, é importante entendermos como o homem processa a aprendizagem multimédia. A aprendizagem multimédia ocorre quando o homem constrói modelos cognitivos a partir da informação multimédia recebida, ou seja, representações mentais a partir de palavras (tais como o texto falado ou impresso), imagens (ilustrações, fotos, animações ou vídeo) e áudio. O processo de construção de representações mentais a partir de palavras e imagens foi o foco da teoria cognitiva da aprendizagem multimédia de Mayer, da teoria de carga cognitiva de Sweller e do modelo de integração baseado na compreensão do texto e imagem de Schnotz (Mayer, 2005). O impacto da tecnologia na arte (e vice-versa) é inquestionável e o impacto em particular das novas médias artísticas na tecnologia é inevitável. Estas, nos últimos anos, têm sido amplamente adotadas e diferentes universidades no mundo têm desenvolvido softwares de forma a dar apoio à criação de novas médias artísticas, orientados aos artistas que não são apenas utilizadores da tecnologia, mas que também participam do processo de criação. O impacto causado por este processo levou não só ao desenvolvimento de novas práticas artísticas, mas também à investigação de novas tecnologias (Jaimes & Jennings, 2004). O conteúdo multimédia e as tecnologias recebem atenção especial uma vez que despertam diretamente os nossos sentidos, levando-nos à reflexão sobre a distinção entre a realidade e a representação da realidade. Nesta reflexão, pensamos ser pertinente questionar alguns paradigmas, tais como: A utilização massiva da multimédia ajuda a reforçar as fronteiras e as diferenças culturais? A multimédia contribui com a definição de identidades culturais (consciência cultural) numa época em que se fala apenas de multiculturalismo? Como é que a arte e a cultura, que possuem muitos papéis multiculturais, podem utilizar uma mesma tecnologia que possivelmente leva às questões levantadas anteriormente? A utilização e a exibição de obras de arte multimédia representam um desafio para o artista que deve considerar as questões anteriores de uma forma inovadora, combinando as novas tecnologias e múltiplas médias, tais como a fotografia, vídeo, som, etc. Outras questões foram também levantadas quando a aprendizagem multimédia foi aplicada na educação. Até algum tempo atrás, os alunos eram considerados como 72

recipientes passivos de informação na educação académica. No entanto, com o passar do tempo e com o emergir de novas tecnologias, foi necessário desenvolver novos paradigmas educativos que permitissem aos alunos adquirir novas competências e lidar com problemas que não eram óbvios no seu dia a dia. Atualmente, dos licenciados das universidades esperam-se conhecimentos sólidos de técnicas e competências na análise e na síntese, assim como as competências necessárias para operar e gerir uma empresa moderna. Todos esses requisitos revelaram uma necessidade do desenvolvimento de novas formas de apresentar conteúdos e de realizar avaliações (Birenbaum, 1996). Boas práticas baseadas na investigação levaram em consideração aspetos pedagógicos, operacionais, tecnológicos e estratégicos na adoção de novas tecnologias e na utilização de avaliação baseada em computadores (Hirsh et al., 2004). Como exemplo, um modelo para o diagnóstico do conhecimento de um aluno foi proposto através de avaliações adaptativas em (Guzman & Conejo, 2004). Da mesma forma, teorias bem fundamentadas e suportadas empiricamente para serem aplicadas no desenvolvimento e avaliação das capacidades de pensamento crítico dos alunos foram apresentadas em (Lynch & Wolcott, 2001). A multimédia tem sido intensivamente aplicada na educação, em particular, na preparação de material educativo. Diversos estudos tentaram investigar a relevância da multimédia nesta área, por exemplo, com a proposta das teorias cognitivas (Sorden, 2005), com a identificação das possibilidades de interação (Oliver 1996), através da observação e análise da experiência do professor e dos alunos com um ambiente multimédia (Slack 1999), entre outras vertentes. Todos estes estudos permitiram-nos definir o conceito de impacto da multimédia, que determina as diferentes características da multimédia que influenciam o comportamento dos professores, a aprendizagem e a motivação dos alunos (Encheva et al., 2007). Antes de apresentarmos os diferentes critérios de impacto da multimédia, propomos a adoção de uma abordagem estruturada onde identificamos os principais componentes de uma aplicação multimédia, para então podermos apresentar como os critérios de impacto estão relacionados com os componentes de uma aplicação multimédia. Portanto, os componentes de uma aplicação multimédia são apresentados numa estrutura multinível (Sampaio, 2003): (i) Nível de Conteúdo, que descreve as informações associadas a cada componente da aplicação; (ii) Nível de Apresentação, que descreve como e onde cada componente da aplicação será apresentado; (iii) Nível conceptual, que descreve o comportamento da aplicação associado às relações lógicas e temporais entre os seus componentes; (iv) Interatividade, que descreve as âncoras e as ligações para a navegação hipermédia e outros métodos de interação, tais como a seleção, o controlo da apresentação e do ambiente e a entrada de dados. Uma vez que o utilizador é um componente chave na aprendizagem, também o consideramos como um quinto componente de uma aplicação de aprendizagem multimédia. Diferentes critérios de impacto multimédia foram identificados, podendo estes ser relacionados com um ou mais componentes da estrutura de uma aplicação multimédia. A Tabela 1 lista esses critérios identificados. Segue-se uma breve descrição dos critérios de impacto na aprendizagem identificados: Adaptabilidade – o conteúdo multimédia pode ser adaptado de forma a oferecer acessibilidade a um maior número de utilizadores (deficientes visuais e auditivos). Vários aspetos podem ser considerados, a saber: idioma, legendas, canais de áudio/texto alternados, etc. No nível da apresentação, a informação multimédia pode ser 73

apresentada de diferentes formas para adaptar-se a um dispositivo de apresentação em particular (layout). Tabela 1 – Critérios de impacto multimédia Estrutura Critério de Impacto Multimédia Conteúdo Adaptabilidade (acessibilidade, idioma) Simulação Apresentação Entradas visuais e auditivas Usabilidade (intuitividade) Adaptabilidade (dispositivo, layout) Conceptual Navegação temporal Navegação estrutural e hiperestrutural Interatividade Controlo da aprendizagem Anotação Colaboração Utilizador Público-alvo Aluno Passivo x Ativo Controlo do ritmo de aprendizagem Estilos de aprendizagem Preferências de aprendizagem Orientações de aprendizagem

Simulação – a informação multimédia pode ser utilizada para proporcionar a compreensão do aluno sobre assuntos difíceis de se compreender a partir de uma ilustração de um livro ou que poderiam colocar o aluno em risco de vida. Entradas visuais e auditivas – é um facto que o utilizador pode dividir a sua atenção por múltiplas fontes de informação quando uma instrução é apresentada através de canais visuais e auditivos (Mousavi et al., 1995). A Teoria da Codificação Duplicada sugere que o homem possui dois tipos de memória de trabalho, uma verbal e outra auditiva, e que aprendemos mais facilmente quando ambos os canais são utilizados simultaneamente de forma complementar, ao invés de um sobrecarregar o outro (Sorden, 2005). Usabilidade – é fundamental que a interface do utilizador seja o mais simples possível, de forma a diminuir a sobrecarga do aluno na aprendizagem da interface antes de concentrar-se no conteúdo estudado. Portanto, sugere-se a utilização de regras de design de forma a simplificar a criação de aplicações interativas. Navegação temporal – está relacionada com a possibilidade do aluno navegar para frente ou para trás na estrutura temporal do documento multimédia. Assim, os tópicos estudados podem ser revistos ou a sua apresentação pode ser acelerada se o aluno já dominar o tópico em causa. Navegação estrutural e hiperestrutural – o tipo de navegação na estrutura de um documento é importante para determinar não só o conteúdo estudado, mas também o contexto e o estilo de aprendizagem. Na navegação linear (ou estrutural), o aluno segue a estrutura original do documento multimédia, respeitando a ordem de apresentação do conteúdo (secção a secção, capítulo a capítulo). Na navegação hiperestrutural, o aluno não segue a estrutura original do documento e pode saltar o conteúdo apresentado para contextos diferentes a qualquer momento.

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Controlo da aprendizagem – o tipo de interação do utilizador pode determinar a eficácia da aprendizagem do aluno. Portanto, dois tipos de interação são identificados: interação funcional e de aprendizagem. A interação funcional está relacionada com o controlo das funcionalidades da aplicação, como por exemplo, o controlo do volume, controlo do áudio e vídeo, ferramentas de busca, navegação e configuração. A interação de aprendizagem visa um objetivo de aprendizagem específico, tais como exercícios baseados na simulação, ou mesmo animações interativas e diagramas. Anotações – a utilização de notas ou observações é importante no processo de envolvimento do aluno com o processo de aprendizagem. Os alunos aprendem melhor os conceitos estudados se são capazes de personalizar o conteúdo com as suas próprias observações. Colaboração – o trabalho colaborativo é importante em aplicações educacionais, uma vez que é dado o suporte à formação e ao controlo de grupos de utilizadores que podem comunicar entre si através de ferramentas síncronas (chat, videoconferência...) e assíncronas (correio eletrónico, blogs...). O aluno pode controlar e melhorar o processo de aprendizagem se ele for capaz de comunicar e colaborar com os seus colegas. Público-alvo – O conhecimento do público-alvo a quem a aplicação educacional multimédia é destinada é fundamental na conceção de conteúdos de aprendizagem. De facto, os autores de conteúdo educativo têm pouco ou nenhum controlo sobre as habilidades inatas de navegação e de aprendizagem dos alunos, mas, se o contexto e os objetivos de aprendizagem do grupo-alvo são conhecidos, mais facilmente será possível produzir um material multimédia educacional que atenda as necessidades educativas do grupo em causa. Aluno Passivo X Ativo – os papéis de aluno Ativo e Passivo estão diretamente associadas à distinção conceptual entre entrega/apresentação e exploração de conteúdo, respetivamente. No modelo orientado à entrega/apresentação de conteúdo, os alunos aprendem através do conteúdo entregue presencialmente ou à distância, participando de forma passiva no processo de aprendizagem. Na exploração do conteúdo, os alunos aprendem sob uma forma mais interativa (jogos, simulações, quizzes, entre outros), participando de forma ativa no processo de aprendizagem, o que leva a uma maior motivação e envolvimento do aluno. Controlo do ritmo de aprendizagem – a informação estudada é melhor assimilada, se o aluno poder controlar o ritmo de aprendizagem. Durante o estudo, o aluno necessita desenvolver processos cognitivos ao selecionar, organizar e integrar o conteúdo abordado (Sorden, 2005). A apresentação do conteúdo educativo multimédia deve permitir o aluno navegar ao seu ritmo acelerando ou realizando pausas de acordo com a sua necessidade. Estilos de aprendizagem – as características do controlo da apresentação multimédia devem suportar as diferentes habilidades e estilos de aprendizagem (Stemler, 1997). Portanto, é importante oferecer ao aluno diferentes experiências sobre o conteúdo estudado, ao invés de apenas uma única estrutura de apresentação. Diferentes estilos de aprendizagem são identificados por Kolb (Kolb, 1984) tais como Divergir (sentir e observar), Assimilar (observar e pensar), Convergir (fazer e pensar) e Acomodar (fazer e sentir). Preferências de aprendizagem – a variedade de tipos de médias permite que a informação seja apresentada de diferentes formas e que o aluno possa escolher a sua preferência de aprendizagem (Ativo, Passivo, Visual, Verbal).

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Orientações de aprendizagem – este critério é fundamental para a individualização do processo de aprendizagem (Martinez & Bunderson, 2000). Existem quatro tipos de orientações: Alunos Transformadores – o seu comportamento é definido através das suas maisvalias, esforço persistente, estratégias, expectativas positivas e aprendizagem intencional. Os alunos transformadores preferem ambientes de aprendizagem fracamente estruturado ou flexíveis que suportem ou motivem o improviso e a antecipação, especializações, experiências sujeitas a risco, tutoria, autoaprendizagem, resoluções de problemas e alcance de objetivos de aprendizagem pessoal. Alunos Orientados à Performance – o seu comportamento não é sujeito à risco, são conscientes, sistemáticos, capazes de utilizar os processos cognitivos na aprendizagem, são orientados a tarefas e ao resultado. Esses alunos trabalham para um objetivo, limitando esforços e evitando passos exploratórios além da tarefa de aprendizagem. Portanto, são alunos que preferem ambientes de aprendizagem semiestruturados com algum controlo na estrutura e ritmo de aprendizagem. Alunos Conformados – são alunos que aceitam a informação estudada de forma passiva, assimilando-a e reproduzindo-a de forma a completar uma tarefa. Eles não produzem pensamentos críticos, sintetizam feedback, resolvem problemas complexos, tomam decisões de forma independente e não produzem conhecimento significativo de forma a causar uma mudança pessoal ou no seu ambiente. Esses alunos esforçam-se menos e recebem direcionamento explícito durante a realização das tarefas. Portanto, eles preferem um ambiente de aprendizagem seguro, controlado, estruturado e orientado pela tutoria passo-a-passo. Alunos Resistentes – estes alunos não acreditam que o conhecimento académico e a aprendizagem de competências o permitirão alcançar objetivos e iniciar uma mudança positiva nas suas vidas. Em geral, o suporte empírico existente permite-nos concluir que a multimédia pode influenciar de forma positiva na aprendizagem e na cultura quando (Najjar, 1995): (i) a apresentação suporta a dualidade de código (a informação é apresentada através de um ou mais canais independentes); (ii) as médias apresentadas suportam-se umas as outras (apresentando informações complementares); (iii) a média ajuda o aluno a produzir modelos cognitivos construtivos; (iv) a informação é apresentada a um aluno com pouco ou nenhum conhecimento prévio sobre o assunto estudado. Nas próximas secções apresentamos algumas contribuições que ilustram o impacto da multimédia e da realidade virtual na educação e cultura.

3. UMa Virtual: Aplicação da Multimédia e da Realidade Virtual A Multimédia tem sido aplicada em diferentes domínios como uma ferramenta importante de forma a facilitar a compreensão do conteúdo apresentado. Diferentes estudos têm comprovado que o homem é mais recetivo a novas informações e é capaz de construir modelos cognitivos mais facilmente se a informação é apresentada em diferentes modalidades (Sorden, 2005; Mayer, 2005). A integração de conteúdos multimédia dentro de Ambientes Virtuais (AVs) representa uma tendência promissora no desenvolvimento de aplicações de Realidade Virtual (RV). A Multimédia captiva a atenção do utilizador dentro do ambiente virtual enriquecendo a interação, aumentando a imersão, promovendo o interesse do utilizador e facilitando o aprendizagem. 76

Alguns aspetos importantes devem ser considerados na integração de conteúdo multimédia dentro de AVs, tais como a especificação da sincronização temporal e lógica de diferentes objetos média (com pelo menos um áudio ou vídeo) a serem apresentados no AV e dos eventos (ex: a interação do utilizador) que serão aplicados para a comunicação entre os ambientes 3D e 2D respetivamente relacionados ao ambiente virtual e à apresentação multimédia. Infelizmente a maioria das linguagens existentes para a descrição de ambientes 3D – tais como VRML (VRML), X3D (X3D) ou Java3D (Java3D) – são monomédia e não interativos, uma vez que elas suportam apenas a apresentação de objetos média de forma isolada sem qualquer sincronização entre eles. A solução apresentada neste trabalho propõe a integração de conteúdo multimédia em AVs baseada no motor gráfico OGRE (OGRE3D). Para isto, foi implementando uma aplicação, chamada de OGRE-Multimédia, que permite a personalização de apresentações multimédia em qualquer ambiente virtual (AV) OGRE sem alterações adicionais no código do AV (de Freitas, 2007). OGRE (Object-Oriented Graphics Rendering Engine) é um motor gráfico orientado a cenários flexível proposto de forma a facilitar o desenvolvimento de aplicações baseadas em Realidade Virtual utilizado uma placa de aceleração gráfica 3D.

Figura 1 – Cenário Virtual desenvolvido com o OGRE

Além das diferentes funcionalidades deste motor gráfico para a criação avançada de ambientes virtuais realísticos, OGRE ainda suporta aplicações centradas em redes, a apresentação de conteúdo multimédia, a simulação de efeitos físicos, etc. OGRE possui uma arquitetura flexível que permite a integração de novas bibliotecas facilmente. Portanto, a equipa de desenvolvimento OGRE pode concentrar-se nos aspetos gráficos da implementação uma vez que esta tecnologia fornece uma alta qualidade gráfica, como está ilustrado na Figura 1. Na solução implementada, é possível a integração de qualquer tipo de objeto média no ambiente virtual, tais como vídeo, áudio, imagem, texto e animação. Além desses objetos, ainda é suportada a apresentação de outros objetos multimédia tais como RealPlayer (RealPlayer), GRiNs (GRiNS), de conteúdos Flash (Flash) ou de um navegador Web. A ideia principal consiste em apresentar um conteúdo multimédia como uma textura em qualquer espaço dentro do ambiente virtual de forma sincronizada. Assim, esta solução permite a criação de ambientes de aprendizagens virtuais personalizáveis. A seguir, o protótipo da aplicação OGRE-Multimédia é apresentado. Na aplicação desenvolvida foi implementado um mundo virtual descrevendo um edifício de três pisos onde as funcionalidades (rede, comunicação, física, inteligência artificial, texturas, emissão de partículas etc.) do OGRE foram exploradas. A Figura 2 apresenta uma visão global da aplicação desenvolvida (Cardoso, 2007). 77

(a) 1o Piso

(b) 2o Piso

(c) 3o Piso

Figura 2 – Edifício virtual com três pisos

A implementação do OGRE-Multimédia foi facilmente integrada à arquitetura do OGRE e a sincronização multimédia foi realizada de forma simples através de um ficheiro textual descritivo. Portanto, no edifício implementado, o primeiro piso foi reservado para a apresentação de conteúdo multimédia de forma sincronizada adotando o espaço virtual como uma sala de exposição. Este piso é representado por uma sala aberta e ampla, onde à frente das paredes encontra-se um púlpito sensível à interação (clique) ou aproximação do utilizador. Quando o utilizador interage com o púlpito, a apresentação multimédia correspondente é inicializada (Figuras 3a, 3b e 3c). Quando os objetos multimédia começam a ser apresentados, o seu nível de transparência é alterado gradualmente produzindo o efeito de “fade-in” e “fade-out”. Como podemos verificar na Figura 3(d), um navegador Web também é apresentado como uma textura multimédia. As Figuras 3(d), 3(e) e 3(f) ilustram a navegação na Web.

(a)

(b)

(c)

(d)

(e)

(f)

Figura 3 – Apresentação de conteúdo multimédia dentro do ambiente virtual

Todos os objetos média apresentados no ambiente virtual são sincronizados e geridos pelo OGRE-Multimédia que coordena o início e término de apresentação de todos os objetos de acordo com a configuração prévia no ficheiro textual de sincronização. OGRE-Multimédia permite a apresentação multimédia dentro do

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ambiente virtual tornando o ambiente mais realístico e interessante, e aumentando o interesse e a concentração do utilizador. OGRE-Multimédia pode ser aplicado a qualquer aplicação de realidade virtual OGRE uma vez que essa contribuição é baseada em uma arquitetura aberta e flexível, suportando a apresentação integrada de diferentes tipos de objetos média e também de conteúdos multimédia tais como navegadores web, conteúdos Flash, entre outros. Como podemos constatar, a combinação da Multimédia com a Realidade Virtual pode ser aplicada com sucesso em ambientes de aprendizagem mais robustos, de forma a que os alunos se sintam mais confortáveis e concentrados no ambiente virtual, o que promove o aumento da sua sensação de imersão facilitando a transferência de informação.

4. VirtualLabs@Uma: Laboratório Virtual 3D Nos últimos anos, os métodos de ensino têm sido adaptados e, consequentemente, evoluído com a utilização das novas tecnologias de forma a melhorar a aprendizagem e a aquisição de conhecimento. Essa evolução pode ser constatada ao considerarmos a transição dos antigos quadros negros, para os retroprojetores, até a utilização dos quadros interativos com os projetores e computadores atuais. No entanto, quando os alunos deixam a escola e vão para suas casas, o único suporte que possuem são os materiais impressos (ex. livros) e os digitais (ex. Internet). De facto, os recursos atuais para o estudo são mais teoréticos e baseados em livros ou manuais escolares, associados à utilização do computador. No entanto, quando consideramos cursos mais práticos como química ou biologia, temos que considerar que essas disciplinas dependem do suporte de um laboratório físico com uma infraestrutura mínima para que o aluno possa replicar com sucesso os exercícios e as experiências. Neste trabalho, é apresentado o desenvolvimento do VirtualLabs@UMa (Mendonça, 2010), um laboratório virtual desenvolvido na Universidade da Madeira (UMa), que pode ser personalizado facilmente com novas atividades e experiências, sendo acessível aos alunos independente da sua localização. Esta ferramenta é útil de forma a assistir os professores para que estes possam ajudar no desenvolvimento cognitivo de seus alunos. Portanto, os alunos são capazes de replicar em casa a experiência realizada na escola quantas vezes desejar, podendo obter uma melhor perceção de como a atividade deve ser executada corretamente, consolidando assim a sua aprendizagem. A principal vantagem de um laboratório virtual é que ele não depende da disponibilidade de tempo, espaço e recursos. Um laboratório virtual é um software de simulação que oferece uma variedade de alternativas para a execução de uma atividade, não restringindo o utilizador a uma única solução. Este tipo de aplicação oferece uma ampla disponibilidade e mobilidade, uma vez que o utilizador pode interagir com a aplicação quando ele desejar, independente da sua localização, hora do dia ou ritmo de aprendizagem. Estes três aspetos têm um maior impacto quando consideramos que o utilizador necessita de replicar uma experiência várias vezes até obter a compreensão completa sobre a mesma. Portanto, com esta aplicação o utilizador não fica limitado à falta de recursos materiais ou de infraestrutura. Nesta aplicação, utilizamos a plataforma de gestão de conteúdo Moodle de forma a disponibilizarmos o Módulo de Gestão de Protocolos, permitindo aos professores criar e configurar novos protocolos experimentais a serem aplicados no VirtualLabs@UMa 79

(Figura 4). Portanto, a partir das páginas Moodle é possível incluir ligações para protocolos experimentais e lançar a execução do VirtualLabs@UMa.

Figure 4 – Configuração de Novos Protocolos com a plataforma Moodle

O VirtualLabs@UMa foi implementado como um ambiente virtual de forma a oferecer uma interface mais intuitiva para o utilizador interagir, permitindo-o replicar no ambiente virtual as ações que normalmente deveria realizar no ambiente real. Essas ações podem ser de selecionar um objeto, movê-lo, despejar o seu conteúdo em outro recipiente e rotacioná-lo.

Figura 5 – Ambiente VirtualLabs@UMa

As Figuras 5 e 6 ilustram a utilização do VirtualLabs@UMa. Em particular, a Figura 5 ilustra a aplicação após a sua inicialização. Neste momento, todos os objetos e reagentes necessários para a realização do protocolo em causa estão disponíveis na estante. A partir deste momento, o utilizador é livre para escolher os objetos e reagentes que ele precisa manipular. Tal como no laboratório real, o utilizador deve levar esses objetos para o balcão de trabalho e, neste local, deve realizar todas as atividades previstas para a experiência (ex. misturar reagentes, selecionar quantidades, etc.). Da mesma forma, o utilizador pode reiniciar o experimento, se ele assim desejar.

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Figura 6 – Apresentação dos resultados do experimento no VirtualLabs@UMa

Quando comparado com outros laboratórios virtuais disponíveis na literatura, a aplicação desenvolvida difere pela sua flexibilidade e personalização. Todos os laboratórios considerados – como por exemplo, Howard Hughes Medical Institute Virtual Labs (BioInteractive, 2010), ChemCollective (ChemCollective, 2010), Virtual Laboratories (Virtual Laboratories, 2009) e VRLabQuim (Rodello, 2001) – suportam apenas uma atividade. No momento em que o professor necessita de novas atividades, um novo laboratório tem que ser desenvolvido. No entanto, no caso do VirtualLabs@UMa, uma vez que o professor cria um novo protocolo através do Moodle, a aplicação irá adaptar-se automaticamente para suportar esse novo protocolo. Outra característica importante do VirtualLabs@UMa é a possibilidade de registar todas as ações do utilizador durante uma sessão de trabalho. Uma vez que o aluno completou a experiência, é possível a geração automática de um relatório que pode ser enviado ao professor para avaliação ou ser arquivado para posterior utilização. Assim, a avaliação poderá não apenas ser baseada no resultado final da experiência, mas também será considerada a forma como o aluno o realizou. Claramente, essa característica permite aos professores acompanhar as atividades dos alunos, ajudando-os a melhorar a sua aprendizagem. Em resumo, as principais vantagens do VirtualLabs@UMa são: a sua capacidade de adaptar-se a novos protocolos experimentais; oferece ao utilizador a liberdade de realizar qualquer ação dentro do ambiente virtual, assim como no ambiente real; ele permite o registo de todas as ações do utilizador durante uma sessão, dado que pode ser utilizado para gerar um relatório de aproveitamento. Tal relatório pode ser utilizado pelos professores de forma a acompanhar individualmente as necessidades de aprendizagem dos seus alunos.

5. OGRE Creativity Labs: Ambiente para a Autoria de Aplicações de Realidade Virtual Atualmente, existem diferentes linguagens e ferramentas disponíveis para o desenvolvimento de ambientes virtuais. No entanto, as soluções existentes não são intuitivas e requerem um desenvolvedor com conhecimentos aprofundados dos componentes, representação e estrutura de forma a ser capaz de criar um ambiente virtual. Além do mais, a maior parte das soluções existentes ainda são limitadas na criação de ambientes mais complexos e realísticos com os seguintes elementos: alta qualidade gráfica, possibilidade de integração de conteúdo multimédia no ambiente virtual, o desenvolvimento de aplicações distribuídas que permitam a navegação remota

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ou ofereçam ferramentas de comunicação tais como o VoIP (Voice over Internet Protocol), chat, entre outras características avançadas. O objetivo desta contribuição é apresentar o desenvolvimento de uma solução que permita a autoria intuitiva de ambientes virtuais baseados na plataforma OGRE, o OGRE Creative Labs (OGRE-CL) (Teixeira, 2010). Outra importante contribuição apresentada neste trabalho é o desenvolvimento do OGRE-Coder (Fernandes, 2010), uma ferramenta que permite a geração automática do código de implementação utilizado pelo OGRE (C# – C Sharp) a partir da ferramenta de autoria OGRE-CL. O ambiente de autoria 3D desenvolvido (OGRE-CL/OGRE Coder) permite a rápida prototipagem das aplicações de ambientes virtuais, uma vez que os desenvolvedores OGRE têm o tempo dedicado ao design da interface gráfica da aplicação reduzido, permitindo-os dedicar-se aos aspetos de programação da dinâmica e das estratégias da aplicação. Dessa forma, o ambiente de autoria implementado permite a redução considerável do tempo de desenvolvimento de aplicações OGRE.

5.1. A Autoria de Cenários Virtuais OGRE Os requisitos de uma aplicação refletem as necessidades de um cliente a serem satisfeitas pela aplicação desenvolvida (Oberg et al., 2010). Esses requisitos servem de roteiro, e a maior parte do tempo, representam os objetivos a serem alcançados no desenvolvimento de um projeto. Os seguintes requisitos foram definidos para o desenvolvimento de OGRE-CL: Criar e gerir um cenário virtual (abrir, salvar, apagar, etc.). Configurar e editar um cenário virtual de acordo com um conjunto de funcionalidades e parâmetros, tais como: Cor ambiente do cenário; Sombra utilizada no cenário; Tipo de técnica de nevoeiro utilizada; Tipo de Luzes utilizadas (especular/difusa); Posição e direção da luz; Tipo de céu; Definição do plano; Valores da câmara; Adição/remoção de objetos 3D no cenário; Posição, escala e rotação dos objetos no cenário, e; Inserção e remoção de uma biblioteca de objects. Nesta secção, apresentamos algumas das funcionalidades de OGRE-CL.

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Figura 7 – Inicialização do OGRE-CL

Após a inicialização do OGRE-CL, o ecrã apresentado ao utilizador é composto de duas partes (Figura 7): (1) A coluna à esquerda onde toda a configuração do cenário pode ser realizada (área de configuração) e, na janela à direita, também chamada de Janela de Apresentação OGRE, onde o cenário virtual é apresentado.

Figura 8 – Configuração do Plano

Quando o utilizador cria um novo projeto (cenário virtual) com o OGRE-CL, uma janela de apresentação vazia é apresentada. Inicialmente, ao criar um novo cenário, é necessário configurar as principais características desse cenário (Configuração do Cenário). Figura 8 ilustra a configuração do Plano. Após configurar os valores do Plano e confirmar a entrada, a Janela de Apresentação irá “renderizar” o novo plano criado. A qualquer momento, os parâmetros de configuração podem ser atualizados de forma a personalizar o cenário.

Figura 8 – Configuração da cor da luz ambiente

Ao configurar a cor da luz ambiente, uma “palete” de cores é disponibilizada ao utilizador (o mesmo se aplica a qualquer configuração de cor no OGRE-CL), de forma

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que ele possa escolher a cor desejada, e então os respetivos valores de vermelho, verde e azul (RGB) são considerados (Figura 8).

Figura 9 – Escolhendo objetos 3D da biblioteca

Após configurar as principais características do cenário, podemos começar a compor o cenário adicionando os objetos 3D existentes na biblioteca de objetos. Para isso, podemos listar todos os objetos disponíveis e visualizá-los, como ilustrado na Figura 9. Se desejarmos, podemos também adicionar novos objetos à biblioteca.

Figura 10 – Movendo a posição do objeto no cenário

Após a criação do cenário, o utilizador poderá também manipular os objetos no cenário diretamente na janela de apresentação. Por exemplo, podemos mover o objeto de uma posição para outra. A Figura 10 ilustra a ação “Mover”. Quando um objeto é selecionado, o utilizador pode escolher movê-lo clicando nos seus respetivos eixos X (flecha vermelha), Y (flecha verde) ou Z (flecha azul).

Figura 11 – Alterando a dimensão de um objeto no cenário

Para alterar a dimensão de um objeto diretamente na janela de apresentação, o utilizador deve selecionar o respetivo objeto e então clicar e arrastar o eixo (X, Y ou Z) que deseja alterar. Da mesma forma, o utilizador também pode alterar as dimensões de um objeto na janela de configuração, selecionando o objeto desejado da lista de objetos, 84

escolhendo a opção “Dimensionar” e atualizando os valores respetivos de X, Y e Z. A Figura 11 ilustra o redimensionamento de um objeto.

Figura 12 – Aplicação da técnica de nevoeiro

A Figura 12 apresenta o cenário criado após a aplicação da técnica de nevoeiro. Neste caso em particular, a técnica FOG_LINEAR foi utilizada. Nesta técnica, é estabelecida a distância da posição do utilizador no ambiente virtual até o início do nevoeiro, seguindo após o seu início uma progressão contínua da densidade do nevoeiro. Os valores para a cor do nevoeiro também foram obtidos utilizando uma “palete” de cores disponível na aplicação.

Figura 13 – Clonando um objeto

Finalmente, OGRE-CL também permite a clonagem de um ou mais objetos no cenário simultaneamente. A Figura 13 apresenta outro cenário onde uma clonagem (cópia) de um objeto 3D é realizada. Como podemos notar, OGRE-CL é uma interface gráfica simples para a criação de aplicações OGRE. Com essa ferramenta os desenvolvedores OGRE podem conceber rapidamente os principais cenários virtuais de suas aplicações, sendo capazes de gerar posteriormente os respetivos códigos C# relacionados com os cenários virtuais criados.

6. Geração do Código OGRE Automaticamente O desenvolvimento de aplicações OGRE é em geral uma atividade de programação uma vez que todo o código da aplicação deve ser escrito em C++ ou C# (C Sharp). Por essa razão, o processo de desenvolvimento dessas aplicações é complexo para o desenvolvedor OGRE já que ele deve codificar primeiramente todos os cenários virtuais a serem utilizados na aplicação. Após isso, o desenvolvedor deverá concentrarse em todos os aspetos ditos dinâmicos da aplicação, tais como as suas estratégias (regras), gestão de eventos, inteligência artificial, etc. 85

De forma a facilitar o desenvolvimento de cenários virtuais OGRE, uma solução genérica foi proposta para promover a compatibilidade de diversas ferramentas de autoria OGRE, e posteriormente facilitar a geração automática do respetivo código OGRE para a implementação da aplicação OGRE. Essa solução consiste na descrição intermediária de todos os elementos do cenário através de uma linguagem neutra, chamada de OGREML (OGRE Markup Language) (Fernandes, 2010). Por exemplo, cenários virtuais podem ser criados facilmente com o OGRE-CL, e esta ferramenta exporta a descrição do cenário criado para OGREML. Para a geração automática do código OGRE (C#) relacionado ao cenário criado, a descrição OGREML poderá ser importada por outra ferramenta, o OGRE-Coder. A integração da ferramenta de autoria de cenários virtuais OGRE (OGRE-CL) com a ferramenta para a geração automática de código OGRE (OGRE-Coder) possibilita uma prototipagem muito mais rápida de aplicações OGRE (Figura 14).

Figura 14 – Geração automática de código C# com o OGRE-Coder

Como ilustrado na Figura 14, uma vez que o utilizador executa o OGRE-Coder e abre o ficheiro OGREML relacionado ao cenário virtual que ele deseja converter, a aplicação irá automaticamente gerar todo o código C# associado a esse cenário e também irá apresentar o cenário gerado em uma janela de apresentação OGRE, de forma que o utilizador possa verificar o resultado da geração. Por sua vez, a Figura 15 ilustra a execução do OGRE-Coder através da apresentação de um cenário virtual incluindo a integração de conteúdos multimédia.

Figura 15 – Visualização de um cenário virtual com o OGRE-Coder

OGRE-Coder também permite o utilizador navegar no ambiente virtual e interagir com todos os objetos 3D do cenário durante a sua apresentação. Além do mais, o utilizador também é capaz de interagir (clique) com certos objetos (conhecidos como “triggers”) cuja finalidade é de iniciar uma apresentação multimédia, como ilustrado nas Figuras 16(a) e (b).

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(a)

(b)

Figura 16 – Apresentação de conteúdo multimédia no cenário virtual através do OGRE-Coder

Pudemos constatar que o OGRE-Coder oferece um bom desempenho na geração de código C# e na visualização dos respetivos cenários virtuais. Quando aplicado conjuntamente com o OGRE-CL, essas ferramentas representam um ambiente representativo para a fácil autoria de cenários virtuais de alta qualidade gráfica suportando uma variedade de modelos 3D e texturas. O Projeto piloto realizado na integração das ferramentas desenvolvidas nos permitiu criar uma base para a interoperabilidade de ferramentas de autoria OGRE dado que foi também proposta uma linguagem intermediária que permite a completa descrição de cenários virtuais OGRE. A principal vantagem do ambiente de autoria desenvolvido é que ele permite a rápida e fácil prototipagem de cenários virtuais OGRE através da otimização do tempo de desenvolvimento das interfaces gráficas de aplicações OGRE. Dessa forma, os desenvolvedores OGRE podem concentrar-se na implementação dos aspetos dinâmicos da aplicação tais como as suas regras e estratégias. Outra clara vantagem identificada do ambiente proposto é a motivação para o trabalho em grupo uma vez que enquanto uma equipa de desenvolvedores concentra-se nos aspetos gráficos da aplicação, a outra equipa pode atuar diretamente na dinâmica da aplicação.

7. “O Mistério da Rainha Roxa”: Aplicação da Realidade Aumentada à Literatura Infantil Nesta secção, procuraremos ilustrar uma outra vertente da aplicabilidade da RV, nomeadamente os ambientes do contexto literário enriquecidos pela Realidade Aumentada (RA). Impõe-se, desde já, uma contextualização que enquadre a experimentação que agora será apresentada. A crise económica dos últimos anos fez com que algumas opções políticas, um pouco por todo o mundo, apontassem para o encerramento de muitos serviços de biblioteca. Neste cenário, a disponibilização de fundo documental, de produtos e de serviços em formato digital poderá ser um caminho para potenciar o acesso à informação e para agilizar o serviço público das bibliotecas. Espera-se que a demanda por livros digitais e multimédia vá continuar a aumentar, sem prejuízo, a médio prazo, do livro impresso como formato dominante. A tecnologia está, de uma forma irredutível, a provocar alterações significativas não só no paradigma de acesso à informação, mas também no próprio conceito de “livro”. A anteposição do “e” (electronic) ao book, donde resultou o e-book, foi apenas a abertura de uma porta para um inesgotável potencial que está a ser aplicado exponencialmente ao mundo editorial. Crescem diariamente as aplicações, pagas e gratuitas, que exploram a conjugação dos conceitos do “livro” e dos sistemas multimodais que a multimédia proporciona. 87

A par das aplicações, os dispositivos de acesso à informação, em geral, e ao livro digital e multimédia, em particular, estão a ser o mote para as múltiplas transformações e inovações que estão a ser impressas ao conceito de e-book. Este processo está a fazer com que o leitor, de uma forma ubíqua, perceba o livro não só na perspetiva de um dispositivo de saída, já que oferece informação, mas também de entrada, uma vez que o utilizador, de uma forma amigável, pode dar instruções ao livro pedindo-lhe aplicações com informação suplementar, jogos pedagógicos, fichas de leitura, entre outros. Esta inovação está a proporcionar ao leitor, concretamente ao potencial o consumidor de literatura infantojuvenil, uma atitude mais dinâmica e interativa o que consequentemente poderá eventualmente representar maiores índices de motivação e de predisposição para a leitura. Hoje, o livro afigura-se como uma página da Internet, cheia de hiperligações, conteúdos em diferentes meios (imagem, som, vídeo, cinestésico...) que o leitor explora para construir o conhecimento de uma forma participada. Neste contexto, interessa centrar, agora, o nosso foco na utilização de aplicações de Realidade Aumentada (RA) relativas a elementos de um determinado livro. De uma forma objetiva, estamos a apelar à utilização de aspetos lúdico-pedagógicos subjacentes a uma determinada narrativa. Neste caso em particular, apontaremos o trabalho desenvolvido para o livro “O Mistério da Rainha Roxa” (Morgado & Morgado, 2011). Este, dedicado às idades mais tenras, oferece um conjunto de recursos multimédia que exploram e potenciam o conteúdo do livro em formato papel. Destas fazem parte a aplicação de RA que aqui apresentamos, ilustrada nas Figuras 17 e 18.

Figura 17 – Apresentação da personagem “Regina” em RA sobre o seu marcador

A tecnologia de RA mistura a realidade com objetos virtuais gerados por computador, apresentando ao utilizador um novo ambiente mais rico. Neste novo cenário, o utilizador, utilizando as suas próprias mãos, poderá manipular objetos reais e virtuais neste ambiente misturado, sem a necessidade de equipamentos especiais. Assim, a RA, associada ao suporte de comunicação existente (Internet), participa de uma convergência de recursos multimédia que permite às pessoas, através de um acesso remoto, usufruírem de algumas das vantagens do trabalho presencial. Pelas experiências feitas com crianças dos 3 aos 11 anos de idade, a aplicação da RA a ambientes educativos contribui significativamente para perceção, interação e motivação do utilizador (Pessanha, 2010).

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Figura 18 – Apresentação da personagem “Pai” em RA sobre o seu marcador

Neste sentido, podemos evidenciar as seguintes mais-valias das aplicações de RA à literatura infantil: (i) uma interação e a participação ativa de um ou vários utilizadores; (ii) um envolvimento mais significativo em torno do livro e uma predisposição para a concentração relativamente às atividades; (iii) atividades com uma tecnologia complexa no ambiente simples e amigável; (iv) esta aplicação poderá ser apresentada no computador pessoal, com ou sem acesso à Internet, ou em grupo com o apoio de um quadro interativo; (v) traz mais magia à literatura infantil (as personagens e os ambientes ganham vida, proporcionando interação); (vi) atinge-se uma outra dimensão do livro e, consequentemente, outras práticas em à volta deste. A nossa perceção aponta para a crescente disponibilização de livros com a possibilidade de tirarem partido desta tecnologia.

Conclusões Este artigo apresentou o resultado do estudo dos principais fatores que apontam a importância da multimédia na educação e na cultura. São identificadas algumas das teorias que fundamentaram o desenvolvimento do paradigma da multimédia educacional. Baseado nessas teorias foi proposta a categorização dos critérios de impacto da multimédia e estruturados, seguindo uma abordagem multicamadas. A complexidade e diversidade de aspetos discutidos são apresentados orientados às necessidades relacionadas ao desenvolvimento de aplicações multimédia educativas. De forma a ilustrar os aspetos estudados, apresentamos algumas das principais contribuições desenvolvidas na Universidade da Madeira. Os trabalhos desenvolvidos representam uma mais-valia pois permitiram aos alunos do Mestrado em Engenharia Informática a aquisição de competências técnicas no desenvolvimento de aplicações multimédia e 3D, permitindo o desenvolvimento de aplicações simples e flexíveis, que podem ser utilizadas amplamente na aprendizagem. A partir desse desenvolvimento foram criadas sinergias com professores do ensino básico, secundário e especial, possibilitando a aplicação das tecnologias desenvolvidas e a multidisciplinaridade na sua aplicação.

Agradecimentos Agradecemos aos alunos da Licenciatura e Mestrado em Engenharia Informática da Universidade da Madeira pelas suas relevantes contribuições nos trabalhos

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apresentados neste artigo, nomeadamente: Gonçalo Cardoso, Roberto Freitas, Duarte Ornelas, Duarte Fernandes, Roberto Mendonça, Carlos Mendonça e Sofia Pessanha.

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WWW.LITERATURAINFANTIL.PT TECNOLOGICAMENTE FALANDO DE LITERATURA INFANTIL Rita Simões Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, Braga, Portugal Resumo Apresentando-se a mediação leitora, a nosso ver, como um dos maiores desafios da escola atual, de que forma é que um projeto que fomente e alimente o gosto e o prazer pela leitura pode contribuir para a construção/desenvolvimento de um leitor mais crítico e competente? Qual o papel do mediador neste processo? E qual o papel das novas tecnologias, mais concretamente do blogue, neste processo? Estas são algumas das perguntas que nos propomos debater nesta comunicação, em busca de algumas conclusões baseadas na observação e contacto diário com o contexto escolar. Palavras-chave: mediação leitora, leitor crítico, whole language approach, blogue.

“A biblioteca é a nossa reserva de saber, como um tesouro disponível.” (Chevalier and Gheerbrant, 1994: 121)

Introdução O novo milénio trouxe novos desafios aos mediadores de leitura que enfrentam a grande dificuldade de tornar o livro e a literatura infantil um atrativo tão desejado como qualquer consola de jogos cada dia mais interativa. Como conseguir colocar os nossos jovens leitores “dentro” da história que contamos ou que por eles é lida, de forma a fazê-los sentir que são parte dela, fazendo-os entender que ela precisa deles, enquanto máquina preguiçosa (Eco, 1994: 55), para constantemente se reescrever e reinventar? Este parece ser o grande e aliciante desafio lançado a todos os mediadores que percebem que ler supõe ser detentor de uma capacidade de interpretar criticamente a informação recebida, interrelacionando-a com a informação que já se possui (Raphael, Pardo & Highfield, 2002; Vogt & McLaughlin, 2005); que têm em atenção que a leitura não se adquire espontaneamente, não é uma atividade natural, inata, exige um ensino direto que não se pode ficar pela simples descodificação, necessária mas não suficiente; que veem a leitura como um ato de comunicação que nos permite partilhar pensamentos e emoções com indivíduos conhecidos ou desconhecidos, presentes ou ausentes, contemporâneos ou não, apresentando-se esta como um processo de descoberta, advindo dessas descobertas um dos grandes prazeres da leitura; que sendo mediadores de leitura competentes, na busca da formação de leitores autónomos e interventivos, se “atrevem” a acreditar que ler é jogar às escondidas com o texto, é tentar desvelar-lhe os sentidos, é exigir do leitor uma postura ativa, colaborativa e criativa fazendo do ato de leitura uma constante elaboração e testagem de hipóteses (Simões, 2008). A este respeito, Iser (1980) afirma que a leitura literária só é capaz de proporcionar prazer quando é ativa, criadora e criativa, abrindo ao leitor a possibilidade de se envolver colaborativamente num jogo imaginativo, sendo para tal necessário que o mesmo leitor seja capaz de estabelecer relações entre os significados do texto e o seu mundo de imaginação; por fim, mas não com menor importância, este é o desafio lançado a todos 92

os mediadores que, como afirma Maria da Graça Sardinha, estão “apaixonados” pela sua arte, pois ensinar a ler, motivar para a leitura terá que ser algo em que se acredita. [...] Ora a leitura é como o amor (2007: 6). A importância e mais-valia do contato precoce e continuado dos leitores-criança com textos literários de potencial receção infantil parece-nos ser uma premissa aceite por todos, pois estes constituem as suas primeiras experiências leitoras oferecendo um potencial formativo e formador muito relevante (cf. Zilberman, 2004, Mendonza Fillola, 2005, Colomer, 1999). Desta feita, parece-nos que os estudos conscientes e sistemáticos destes textos devem estar presentes em qualquer plano sério de formação de mediadores de leitura (docentes, bibliotecários, animadores, etc), no sentido de os ajudar/ preparar para uma problematização de situações de aprendizagem, nas quais se procurem formas eficazes de criar, junto dos leitores, ambientes estimuladores e enriquecedores suscetíveis de os motivarem para o gosto pela leitura e para a aprendizagem da língua na sua omnifuncionalidade semiótica. Desta feita, a mediação de uma obra literária não é um processo simples ou inato. Ele exige uma aprendizagem tendo em vista que esta mediação deve fomentar o desenvolvimento de um potencial crítico que permita que o leitor se envolva na história, relacionando-a com o seu mundo, pois é importante que as aprendizagens daí advindas sejam significativas para a criança leitora.

1. A mediação leitora e “As Aventuras de Leitura e Escrita” Foi abraçando com muita dedicação e entusiasmo este desafio da mediação leitora de que temos vindo a falar, e, consequentemente, da promoção do gosto pela leitura e pela escrita, que há dois anos lançamos, não a primeira pedra, mas o primeiro livro de um projeto intitulado “Aventuras de Leitura e Escrita”, na Biblioteca Escolar do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga, tendo como meta que os livros se apresentassem como objetos apetecíveis aos alunos, sobretudo àqueles que ignoram a porta aberta da biblioteca da escola que abriga o prazer da descoberta! (Silva, 2008: 56) Este é um projeto que tem como base uma visão holística da língua conceptualizada nas premissas da corrente teórica do “whole language approach”, que tem como figura central Glenna Sloan Davis (1991). Nesta perspetiva teórica, a linguagem não se aprende da parte para o todo, mas vice-versa, sendo que todas as suas funções se inter-relacionam e se desenvolvem em conjunto para que seja possível fomentar um efetivo desenvolvimento da literacia. A ser assim, a tónica deve ser colocada no como as competências serão desenvolvidas e no que proporciona esse mesmo desenvolvimento, pois a literacia genuína envolve o domínio rudimentar das competências básicas de leitura mas também, e de forma muito vincada, o desejo de ler, a fruição. Deste modo, a aprendizagem do falar, da leitura e da escrita devem ser integradas e centradas na criança, desenvolvendo-se em situações reais, e dependendo o ensino-aprendizagem da experiência efetiva de cada grupo de crianças, devendo estas procurar construir sentidos a partir de textos autênticos, ou seja, materiais de leitura genuínos (Sloan, 1991: 20-26; Cullinan, 2003). Estes últimos serão todos aqueles textos que ofereçam resistência, que deixem o leitor ler-se e viver dentro das suas entrelinhas, dos seus espaços em branco.

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Imbuídos deste espírito, todos os mediadores que se queiram envolver num projeto desta natureza devem perceber com clareza qual o seu papel neste processo. O mediador deve assumir-se como guia, facilitador, motivador e mentor, sendo-lhe quase que exigido que tenha abertura para seguir novos caminhos, que seja organizado, flexível, envolvido, interessado e entusiasmado (Sloan, 1991: 26-27). Dentro desta corrente teórica surgem os Programas de Leitura Fundamentados na Literatura, que nos fornecem bases de carácter mais prático para a execução em contextos de ensino-aprendizagem. Um deles, e aquele no qual nos baseamos, foi o desenvolvido por Hallie Kay Yopp e Ruth Helen Yopp (2006). Este seu programa de leitura divide-se em três momentos essenciais: as atividades antes da leitura, as atividades durante a leitura e as atividades depois da leitura, cada um com objetivos específicos (Yopp & Yopp, 2006: 6-12). De uma forma geral, com as atividades antes da leitura o mediador procurará adquirir informação útil acerca da preparação dos leitores com quem vai trabalhar. Estas atividades visam a promoção de respostas pessoais e afetivas, mostrando aos alunos que as suas experiências, ideias e conhecimentos são importantes. Com estas, pretende-se também ativar e construir conhecimentos do mundo e desenvolver a linguagem, estabelecendo objetivos para as atividades posteriores, procurando-se despertar a curiosidade e a motivação dos alunos para a leitura e formulação de hipóteses que verão ou não confirmadas. Por outro lado, as atividades durante a leitura têm como objetivo central que o aluno perceba o texto e as relações que estabelece com ele. Estas atividades deverão procurar facilitar a compreensão do texto, sem que isto signifique simplificá-lo mas antes munir os leitores de “instrumentos” que lhes permitam compreendê-lo, questioná-lo, focalizar a sua atenção, para que não se dispersem perante a presença de informações variadas. Estas atividades deverão também encorajar reações/participação/partilha para o surgimento de novas ideias e permitir respostas pessoais que surjam do cruzamento da informação textual com a informação do mundo factual, colaborando na construção de sentidos e interpretações. Por fim, as atividades realizadas após a leitura pretendem provocar reflexões, facilitando a análise e a síntese e promovendo respostas pessoais e conexões com ideias, temas e ideologias encontradas no livro, o que vai procurar promover o prazer da leitura e estimular uma relação efetiva com o texto, passando a leitura a ser vista como uma atividade significativa (Yopp & Yopp, 2006). Este nosso projeto realiza-se quinzenalmente na Biblioteca Escolar e envolve turmas do 1.º e 2.º Ciclos de Escolaridade, que se deslocam à Biblioteca Escolar para sessões que têm uma duração aproximada de uma hora. Com datas previamente combinadas com as professoras titulares das diferentes turmas, é preparado um trabalho com uma determinada obra selecionada de acordo com o nível etário e com o desenvolvimento cognitivo dos alunos das ditas turmas. Preferencialmente são escolhidos autores de Língua Portuguesa embora essa não seja uma premissa fundamental. Exemplos de algumas obras nas quais já nos “aventuramos” são: O menino escritor, de Rosário Alçada Araújo; O livro que só queria ser lido, A Ilha das Palavras e O Canteiro de Livros, de José Jorge Letria; A girafa que comia estrelas, de José Eduardo Agualusa; A Maior Flor do Mundo, de José Saramago; O Aquário, de João Pedro Mésseder; Histórias Pequenas de Bichos Pequenos e O Senhor do seu nariz, de Álvaro Magalhães; Histórias que me contaste tu, de Manuel António Pina; O camaleão preguiçoso, de Virgílio Alberto Vieira; Uns óculos para a Rita e Quem está aí?, de Luísa Ducla Soares; Ninguém dá prendas ao Pai Natal, de Ana Saldanha; A Bela desaparecida, de Rita Basílio, entre outros. 94

Estas nossas “aventuras” estruturam-se num sistema trifásico, como foi referido anteriormente, de atividades antes, durante e depois da leitura, sendo os alunos convidados a falar, comentar, opinar, a ouvir, a ler e, no final, a produzir textos. O projeto tem-se mostrado muito enriquecedor e frutífero e os alunos têm aderido com entusiasmo e demonstrado prazer nas atividades que realizam. As suas produções escritas resultaram já em algumas compilações de textos, como as “Histórias com cabeça, tronco e membros”, “Diário de Bordo”, “Histórias de girafas”, “Histórias ao contrário” entre muitas outras, e também em alguns trabalhos plásticos realizados espontaneamente pelos alunos após as sessões. São exemplo destes trabalhos algumas telas alusivas a obras lidas. Todas estas produções encontram-se em exposição na Biblioteca Escolar e podem ser consultadas por toda a comunidade.

2. As Aventuras em blogue No entanto, chegamos a um momento deste nosso projeto no qual nos apercebemos que a quantidade e a qualidade de produções que tínhamos entre mãos e o mérito dos seus autores mereciam uma maior projeção, bem como um envolvimento mais ativo dos encarregados de educação. Desta feita, resolvemos criar um blogue40 deste projeto acreditando que, tal como afirmou José Barbosa Machado, as novas tecnologias, ao contrário do que inicialmente se pensou, não assinaram a sentença de morte dos livros. Deram-lhe um novo impulso (2001: 1). Este blogue configura-se como um espaço de divulgação de atividades realizadas e a realizar no âmbito do projeto; de acesso a informação no campo da literatura infantojuvenil com apresentação de novas obras, recensões adequadas à faixa etária dos seus pequenos leitores e indicações de outros sítios da especialidade; de partilha de conhecimentos e opiniões acerca das atividades realizadas ou de livros lidos; de lançamento de novos desafios de leitura e escrita; de intercâmbio de experiências e opiniões entre escolas e alunos; de motivação para a leitura e para a escrita; e, acima de tudo, de reconhecimento e valorização dos trabalhos realizados por todos aqueles que participam nas sessões das “Aventuras de Leitura e Escrita”. Para tal, para além de apresentarmos descrições das sessões e fotografias das produções realizadas, resolvemos também digitalizar os “livros” produzidos pelos alunos e colocá-los on-line para que todos os possam consultar e comentar, com a vantagem de que todos aqueles que, por razões diversas, não se possam deslocar à Biblioteca Escolar (encarregados de educação, familiares, amigos, alunos de outras escolas, mediadores de leitura, etc) tenham a oportunidade de visualizar, comentar e partilhar novas ideias, e tendo em mente, à luz de João Pereira e Jorge Pimentel, que uma escola em contraciclo dificilmente poderá ser motivadora de aprendizagens e uma escola desperdiçadora de motivações ou recursos encontrará grandes dificuldades em ser uma mais valia cultural e formativa (2009: 169). Acreditamos que a utilização das tecnologias de informação e comunicação, trará41, sem sombra de dúvidas, diversos benefícios a este nosso projeto: a motivação 40

O blogue intitula-se Aventuras com Letras e pode ser acedido em: http://aventurascomletras. blogspot.com. Colocamos estas afirmações no futuro porque no momento da escrita deste texto o blogue tem apenas poucos “dias de vida” e os seus resultados ainda estão a começar a fazer-se sentir. Acreditamos que por altura da apresentação deste mesmo texto no Congresso já nos será possível fazer uma análise mais aprofundada, baseada em resultados mais concretos. 41

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dos pequenos leitores deverá ser ainda mais evidente, pois verão os seus trabalhos “publicados” numa rede que ultrapassa as limitações físicas do espaço escola e os lançará num espaço muito mais vasta onde lhes será reconhecida a autoria dos seus trabalhos, tendo a possibilidade de receber um feedback alusivo aos mesmos, bem como de partilhar as suas opiniões acerca de outros trabalhos e leituras realizadas. Para além de que os textos visionados no monitor de um computador são um fator de motivação a priori (Pereira e Pimentel, 2009: 171). É nossa convicção que os nossos alunos passarão a ser também leitores mais informados, mais críticos e autónomos aquando das suas escolhas, pois o acesso que lhes será dado a informação sobre produções literárias permitir-lhes-á ter uma maior capacidade de decisão. Por último, também o envolvimento dos encarregados de educação se poderá tornar mais visível, numa clara abertura para novos caminhos e valorização destas realidades ligadas à dinamização da leitura e da escrita. As nossas “Aventuras” partiram também já para outras paragens, na busca de um intercâmbio de saberes e experiências. Através de contactos estabelecidos pela professora bibliotecária do Conservatório, a professora Ivone da Paz Soares, peça fundamental para que a engrenagem deste projeto esteja sempre bem oleada, estabelecemos uma parceria com a Biblioteca do 1º Ciclo do Ensino Basico do Centro Escolar Monsenhor Elísio Araújo, no Pico dos Regalados, onde nos deslocamos quinzenalmente para realizar estas sessões que nos têm deixado orgulhosamente agradados e motivados para novas parcerias que poderão surgir através desta partilha realizada nesse tão vasto espaço que é a blogosfera. Terminamos refletindo acerca de uma questão colocada por José Barbosa Machado (2001: 8): se as crianças lerem uma obra (ou um trabalho literário por si ou por pares produzido) no ecrã do computador ou noutra maquineta eletrónica inventada ou a inventar e sentirem o mesmo que sentiriam se o fizessem através de um livro em papel, quem poderá dizer que a magia não se cumpriu? Afinal a grande magia da leitura literária não estará no prazer e na identificação do leitor com o lido? Não estará nas entrelinhas e nos espaços que preenchemos com os nossos sentimentos e vivências? Não estarão estas entrelinhas igualmente presentes em e-books quando estes apresentam textos de qualidade? Parece-nos que as respostas a estas perguntas estão bem à nossa frente assim que vemos os olhos de uma criança brilhar quando nos ouve contar uma história com um livro na mão ou fazendo uso de um quadro interativo. O importante parece-nos ser o texto (verbal e não-verbal) e não o seu invólucro, havendo lugar para todos neste mundo de fantasia.

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A LITERATURA EM CONTEXTO TECNOLÓGICO: MESAS EDUCATIVAS E-BLOCKS Susana Oliveira Agrupamento de Escolas de Valbom, Gondomar, Portugal Armando Oliveira Escola Secundária de S. Pedro da Cova, Gondomar, Portugal Resumo Pretende-se com este trabalho refletir sobre a utilização das tecnologias como forma de promover a literatura, dando igualmente uma perspetiva pedagógica sobre o seu uso. Será analisado um recurso tecnológico específico, as mesas educativas e-Blocks focando as vantagens da sua utilização e ilustrando situações concretas de como potenciar, desde pequenos, nos alunos, o gosto pela leitura, contribuindo deste modo para a construção dos seus próprios conhecimentos. Palavras-chave: e-Blocks, literatura, aprender, colaborar, interagir

Introdução Numa era de grandes desenvolvimentos tecnológicos em que a rapidez do dia a dia quase impede as pessoas de “mergulharem” no tradicional sossego e na profundidade da leitura de um bom livro, parece-nos deveras importante a reflexão sobre o papel das novas tecnologias numa área que, há já muito, não se encontra circunscrita ao papel, a literatura. Novas formas de ler, inovadoras formas de utilizar a literatura, novos meios e contextos tecnológicos que transportam, já, o ato de ler para além do papel, serão pontos essenciais a focar e analisar neste trabalho. No que diz respeito às Mesas Educativas e-Blocks espera-se abrir os horizontes de todos, apresentando vantagens e utilizações deste equipamento que potenciem, desde pequenos, nos alunos, o gosto pela leitura. Uma leitura provavelmente não tão linear nem objetiva como a dos livros tradicionais, mas que dá ao aluno a possibilidade de se envolver mais nas histórias, de aprender pelo erro e de, cooperando, contribuir para a construção dos seus próprios conhecimentos. 1. As tecnologias ao serviço da pedagogia Graças às novas tecnologias, os alunos têm, hoje em dia, acesso quase ilimitado à informação. Estas facilitam a comunicação, possibilitam a apresentação de ideias e produtos a públicos alargados e confrontam-nos com as mais variadas perspetivas, opiniões e críticas, mesmo de elementos exteriores à sala de aula e à comunidade escolar. A constante mudança e evolução, nos dias de hoje, em áreas como a medicina e a agricultura levaram a avanços radicais nestas áreas. Contudo, a educação continua estagnada, baseada em ideias com séculos de existência e, logo, desatualizada, sem aproveitar, de facto, a revolução tecnológica. Cabe a todos contribuir para a transformação da escola de hoje na escola do amanhã, possibilitando o acesso a instrumentos facilitadores do trabalho. Acreditamos

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que as novas tecnologias digitais à nossa disposição podem, e devem, transformar não apenas o modo como as crianças aprendem, mas também aquilo que as crianças aprendem e com quem o fazem. Há então que aproveitar também a predisposição para aprender das crianças nas idades mais jovens, para que estas se familiarizem com a utilização das novas tecnologias, preparando-as para as idades mais avançadas, em que poderão desenvolver as suas competências tecnológicas de forma mais intuitiva e imediata. De acordo com os princípios da aprendizagem ativa, o ideal será promover o equilíbrio entre a aprendizagem pela experiência e a análise cuidadosa e racional, de modo a que os alunos não vivam as suas experiências no vácuo e a sala de aula se torne num meio natural que possibilite uma vivência e aprendizagem conjuntas. Vital será, assim, também a aprendizagem cooperativa e colaborativa em que dois ou mais sujeitos constroem o seu conhecimento com base na discussão, na reflexão e na tomada de decisões, funcionando os recursos informáticos como intermediários do processo de ensino e aprendizagem. Segundo Silva, (2000), aprender em processo colaborativo implica “planear; desenvolver ações; receber, selecionar e enviar informações; estabelecer relações; refletir sobre o processo em desenvolvimento em conjunto com os pares, desenvolver a inter-aprendizagem, a competência de resolver problemas em grupo e a autonomia em relação à busca e ao fazer por si mesmo”. Por sua vez, num artigo do Projeto Minerva da Universidade de Évora (2000), afirma-se que, na aprendizagem colaborativa, “os sistemas computacionais podem suportar e facilitar os processos e as dinâmicas de grupo [...] o conhecimento é visto como um construto social, e, por isso, o processo educativo é favorecido pela participação social em ambientes que propiciem a interação, a colaboração e a avaliação”. Na perspetiva de Siemens (2006), será fundamental criar hábitos de utilização das TIC que facultem a criação de ambientes colaborativos que fomentem a diversidade, independência, abertura e interação, tornando-se elementos fundamentais de legitimação do conhecimento. Perante a imensa quantidade de informação disponível, graças às novas tecnologias em geral e aos computadores (Internet e softwares de referência) em particular, torna-se urgente possibilitar novas “alfabetizações”, novas formas de compreensão da realidade, para que assim sejam adquiridos hábitos sociais que conduzam à autonomia de indivíduos livres e esclarecidos, capazes de se orientar na teia imensa das novas tecnologias. Litto (1996) traduz na perfeição o ideal de uma sala de aula apoiada nas novas tecnologias: “o novo paradigma educacional, hoje em desenvolvimento, sugere que a escola tem que ser, antes de tudo, um ambiente "inteligente", especialmente criado para a aprendizagem, um lugar rico em recursos por ser um local privilegiado; um lugar onde os alunos podem construir os seus conhecimentos segundo os estilos individuais de aprendizagem que caracterizam cada um; onde em vez de filas de mesas e cadeiras ou carteiras, há mesas para trabalhos em grupo, sofás e poltronas confortáveis para leituras, computadores para a realização de tarefas académicas e para comunicações digitais locais, nacionais e internacionais; com uma linha telefónica em cada sala para permitir a interconexão com outras escolas por computador e videofones e que além de oferecer atividades pedagogicamente inovadoras permita a comunicação por voz entre o professor e os pais dos alunos; onde a avaliação é feita constantemente e serenamente na carreira do aluno, e a ênfase é colocada não na memorização de fatos ou na repetição de respostas "corretas", mas na capacidade de o aluno pensar e se expressar claramente, solucionar problemas e tomar decisões adequadamente”. 99

É pois vital, neste momento, realizar uma reflexão sobre o construtivismo enquanto uma das teorias de aprendizagem subjacentes ao uso das novas tecnologias para verificarmos o quanto esta se identifica com a aplicação destas ao ensino. Enquanto teoria de aprendizagem, o construtivismo defende que os aprendentes constroem os seus próprios conhecimentos e significados de forma ativa a partir das suas experiências. O elemento vital de todo o processo educativo é o aluno (e não o professor) que, graças à interação que desenvolve com o seu meio ambiente, compreende as suas características, constrói os seus conceitos e procura as suas próprias soluções para os problemas controlando assim a sua autonomia e independência (Thanasoulas, n. d.). Em termos históricos, a perspetiva construtivista não é nova na pedagogia em geral. Nomes como Piaget, Vygotsky e Dewey fazem parte do conjunto de teóricos do construtivismo que trouxeram contributos essenciais a esta teoria. Na sua vertente social, o construtivismo advoga que o conhecimento resulta da interação social e do uso da linguagem, e é, assim, uma experiência partilhada e não individual; é construído socialmente e resulta da coparticipação em práticas culturais (Doolittle, 1999). Enquanto no ensino tradicional há um conjunto de conhecimentos objetivos a serem transmitidos do professor para o aluno, na teoria construtivista a realidade é vista como um produto da mente a ser construída individualmente por cada aluno. Jonassen (2007) preconiza a interpretação e construção do próprio conhecimento, por parte dos alunos, baseadas nas suas experiências e interações; segundo os princípios construtivistas deste autor, o professor deverá seguir estratégias ativas capazes de promover a colaboração, a exploração e a reflexão por parte dos alunos. Para que um ambiente de aprendizagem possa ser construtivo (Örnberg, 2003) as atividades deverão centrar-se nos alunos, basear-se em problemas e serem situadas de modo a permitir a estes a tomada de responsabilidade sobre a sua própria construção do conhecimento. Tudo isto num contexto credível que potencie uma aprendizagem bem sucedida. Em todo o processo, o professor deverá manter-se na retaguarda, deixando para os alunos a maioria das responsabilidades, para que estes tenham assim a possibilidade de aplicar diferentes estratégias de aprendizagem às suas características, necessidades e gostos pessoais. Face aos novos desafios impostos à educação e às necessidades de desenvolvimento do pensamento e dos modos de aprender nos dias de hoje, será vital focar aqui também a Teoria da Cognição Distribuída (Hutchins, 1995) em que a memorização cede o seu lugar à participação, colaboração e interação e em que as TIC são encaradas como um meio auxiliador de todos os processos referidos, bem como da própria aprendizagem. Segundo Gouveia (2007) “A escola que trabalha com base numa cognição distribuída, fazendo uso das tecnologias, explora situações de aprendizagem colaborativas, onde todos participam, partilham e aprendem em conjunto. Estas são estratégias e princípios a seguir por todos os professores aquando da seleção e implementação das novas tecnologias no ensino. Certo será também que não se pode estagnar em temos de investigação e da sala de aula, é essencial estar sempre alerta e adequar todos os nossos métodos e instrumentos às características individuais dos nossos alunos de acordo com as especificidades das matérias a lecionar tentando ir mais além para, por exemplo, saber como aprender uma dada matéria em menos tempo. Em todo o processo de ensino e aprendizagem, há que considerar que, segundo Dunn e Dunn (1984), a eficácia da aprendizagem depende de múltiplos estímulos: ambientais, emotivos, sociológicos e físicos; e também que, de acordo com Gagné, 100

(1990, citado por Fernandes 2006) o processamento da informação segue um ciclo que vai da motivação ao feedback, passando pela atenção seletiva, memórias sensoriais, canal de capacidade limitada, codificação, memória a curto e longo prazo, expectativas, gerador de resposta e desempenho. Deste modo, perante a consciência que os professores devem ter destas características, é necessário promover esta eficácia através das nossas ferramentas de trabalho tecnológicas. De acordo com a Lei de bases do Sistema Educativo Português (1986), os objetivos gerais do ensino básico são: “Assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social”; “Assegurar que nesta formação sejam equilibradamente inter-relacionados o saber e o saber fazer, a teoria e a prática, a cultura escolar e a cultura do quotidiano”. As novas tecnologias são capazes de estimular todas estas capacidades de forma equilibrada, permitindo a aquisição do saber e possibilitando a “ação” que conduza ao saber fazer, integrando o mundo escolar no mundo do dia a dia. O pré-escolar e o 1º ciclo do Ensino Básico, é a altura ideal para começar a implementar a utilização de equipamentos tecnológicos e respetivos softwares educativos, uma vez que, é a partir desta altura que as crianças começam a ler e a escrever, assim, o recurso aos computadores e mesas interativas nestas idades precoces deverá ser um objetivo a atingir. Tomando em consideração que um dos objetivos do ensino básico, constante da Lei de Bases do Sistema Educativo Português é “criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos” será fácil compreender a relevância da utilização de computadores e ferramentas tecnológicas nas idades mais jovens. As vantagens da sua utilização são muitas e vão desde a contribuição que dão para a motivação dos alunos, à possibilidade destes realizarem uma aprendizagem pelo erro, passando pela contribuição que dão para a socialização e para o desempenho de um papel ativo no processo de ensino-aprendizagem. Relativamente aos programas educacionais on e off-line vocacionados para o ensino pré-escolar e primário, os mesmos deverão possuir algumas características específicas. Assim, segundo Fernandes (2006), para que a sua didática seja eficaz, o programa deve: ser escolhido de acordo com o programa oficial ou ajustado à realidade curricular da escola onde vai ser usado; permitir ao aluno seguir o seu próprio percurso explorando-o globalmente e procurando as respostas mais eficazes para ele. Para além disto, deverá também ser um misto de ensino programado do tipo estímulo-resposta, onde o aluno seja capaz adquirir competências imitando, repetindo e aprendendo através da observação de modelos e por tentativa e erro e ao mesmo tempo possuir uma estrutura construtivista, em que é o próprio aluno a elaborar o seu percurso, pesquisar, criar, inovar e transformar. As características ideais não se ficam por aqui e Fernandes (2006) continua, afirmando que os programas deverão recorrer a processos interativos e práticos, como simulações, questionários e exercícios permitindo a partilha de dúvidas com outros colegas e com o professor. Deverão também ser progressivos, isto é, com dificuldade crescente, para evitar a desmotivação do aluno e permitir que cada um vá ganhando confiança. Por outro lado deverão desafiar os estudantes a irem além do que está programado e a encontrarem soluções novas, tanto a nível individual como em 101

pequenos grupos. A última característica apresentada refere que deverão permitir a cada aluno uma avaliação contínua, de modo a que estes possam “medir” os conhecimentos por eles adquiridos até ao momento. Adiantando já um pouco o que será abordado mais à frente, referimos que a natureza de ferramentas como a mesa e-Blocks, e tudo aquilo que ela permite fazer com os mais variados programas instalados acompanha as características acima mencionadas, o que leva a que seja de cariz construtivista por excelência dado que, como os defensores do construtivismo preconizam, o melhor da aprendizagem é construído por cada um dos alunos, no seu próprio percurso, que vai descobrindo, assimilando e adaptando às suas próprias estruturas, transformando-as.

2. Literatura e tecnologias A sociedade dos nossos dias, em que os pais estão muito mais tempo fora de casa e os filhos têm muito menos tempo de convivência com estes e com os restantes familiares, tem pouco a pouco relegado para segundo plano a leitura e o hábito de ler. Se juntarmos a isto o avanço inexorável dos media, com especial destaque para a Internet, associada ao uso dos computadores e outros instrumentos tecnológicos, facilmente percebemos por que razão, o contacto com a literatura, quer oral, quer a dos livros, passa essencialmente e cada vez mais, pela escola. Aquando do aparecimento dos computadores, e com eles dos primeiros avanços tecnológicos, muitos foram aqueles que acharam que estes viriam substituir os livros em papel, somos no entanto da opinião que, como defende Machado, (2001), “As novas tecnologias, ao contrário do que inicialmente se pensou, não assinaram a sentença de morte dos livros. Deram-lhes um novo impulso.” Não terá isto acontecido porque vieram ocupar um lugar que os livros em papel não podem ocupar? Sem dúvida. A rapidez de acesso ao texto, a grande capacidade de armazenamento e a possibilidade de realizar alterações/aperfeiçoamentos a todo o tempo vieram complementar e enriquecer todo o tipo de literatura. A acrescentar a isto é importante também referir que, graças ao avanço das novas tecnologias, os livros têm melhorado muito em termos da qualidade gráfica, não apenas em termos de ilustrações, cores e tipos de letra, mas igualmente no que se refere aos próprios formatos dos livros que são cada vez mais criativos e variados. Assim, quando falamos de contar histórias o lugar que antes pertencia em exclusivo às pessoas, é agora partilhado, e muitas vezes ocupado, pela televisão, pelo rádio, pela Internet. É portanto necessário adaptarmos os nossos métodos à nova realidade que nos rodeia e aproveitarmos todas as oportunidades para promover nos alunos o tão importante gosto pela leitura. A realidade dos dias de hoje passa pela tecnologia, daí devermos aproveitar as ferramentas disponíveis para promover a literatura, com a garantia de ao mesmo tempo estarmos a promover o desenvolvimento integral das nossas crianças. Ferramentas como a mesa e-Blocks vão ao encontro disto mesmo. Não podemos reduzir o ato de ler à simples descodificação de signos linguísticos, na perspetiva Behaviorista-Skinneriana de estímulo-resposta. Há antes que encará-lo como um processo amplo de compreensão que envolve o leitor como um todo, numa perspetiva cognitivo-sociológica envolvendo não apenas componentes emocionais, intelectuais, fisiológicas, neurológicas, como também culturais, económicas e políticas, 102

(Picanço & Pereira, 2009). Ler não é apenas reproduzir um texto, contar uma história. Na perspetiva de Picanço e Pereira (2009) todo o leitor participa do processo de leitura com a sua experiência de vida e de linguagem que vai sendo enriquecido à medida que se domina a leitura cada vez mais, sendo para tal relevante proporcionar condições de leitura participativa e criativa. No entanto, na escola, as crianças habituam-se a encarar a literatura como algo aborrecido e cansativo que só é realizado com a intenção de fazer um trabalho ou uma tarefa. Esquecemos o carácter lúdico da leitura, esquecemos a magia do ato de ler, de descobrir algo de novo de forma inovadora. É por aqui que deve seguir o caminho da literatura, pela inovação, pela utilização da panóplia de recursos tecnológicos cada vez mais à disposição de professores e educadores e que, ao invés de serem encarados como competidores, deverão ser vistos e utilizados como mais valias, já que literatura e tecnologia estão indubitavelmente de mãos dadas! De referir aqui o esforço que tem sido realizado a nível nacional para a promoção da leitura nas escolas portuguesas, e consequente promoção da literatura enquanto instrumento de ensino. É objetivo do PNL – Plano Nacional de Leitura – promover a leitura, assumindo-a como fator de desenvolvimento individual e de progresso nacional, criando de igual modo um ambiente social favorável à leitura (Ministério da Educação, 2006). Igualmente consciente da ligação inevitável entre literatura e tecnologia, o Ministério da Educação português incluiu já nas linhas de estratégias do plano acima referido a inventariação e otimização de recursos e competências através do recurso às novas tecnologias de comunicação para promover o acesso ao livro e estimular a diversificação das atividades de leitura e a informação sobre livros e autores (Ministério da Educação, 2006).

3. Literatura infantil Sem dúvida que o paradigma do livro infantil está a mudar. Aquilo que até há pouco tempo era um objeto de papel estático é agora uma fonte quase inesgotável de usos e recursos que pensamos continuam a conseguir levar a criança ao mundo do maravilhoso e da fantasia. A magia de um livro pode agora ser sentida de uma forma que pensamos ser mais intensa, apelando a todos os sentidos e abrindo horizontes mais alargados. No entanto, o hábito de ler deve começar logo nos primeiros anos de vida antes da entrada das crianças na escola. Tanto a literatura infantil como a tecnologia atual, são indissociáveis da sociedade e da história. Na história da humanidade, a literatura infantil surgiu quando apareceu o conceito de infância. Após um passado em que a leitura era oral e coletiva, a invenção da impressora e a Revolução Industrial, quando se produziu papel em maior quantidade, levam a que esta passe a ser silenciosa e individual. Nos dias de hoje está já distante o tempo em que os pais eram obrigados a ler e reler vezes sem conta as histórias favoritas dos seus filhos, o computador já pode fazer isso por eles e para além disto a criança pode interagir com a história, enquanto a lê ou escuta realizando inclusivamente atividades de exploração da mesma e jogos educativos. E por que se contam histórias? Para enfatizar mensagens, para transmitir conhecimento, para disciplinar... as hipóteses são muitas mais! Uma história acalma, capta e prende a atenção, informa, socializa, educa. 103

Então, o que contar? Primeiro de tudo, é necessário levar em conta a faixa etária e os seus interesses. No pré-escolar até aos 3 anos temos a fase pré-mágica em que se deve privilegiar histórias curtas, simples com gravuras grandes e poucos detalhes versando bichinhos, brinquedos, objetos, seres da natureza humanizados e histórias de crianças com enredo simples e atraente e retratando situações o mais possível próximas das vivências da criança. Dos 3 aos 7 anos passamos para a fase mágica, trata-se aqui de histórias de repetição e acumulativas, histórias de fadas, histórias de crianças, animais e encantamentos, onde as imagens têm um papel central. É a idade do “conta de novo” e tudo deve girar em torno das vivências do quotidiano da criança que é agora criadora. É para o final desta fase que a criança começa a agir cooperativamente. Na fase escolar as crianças gostam das histórias da fase anterior, de encantamento, contos de fadas mas já com um enredo mais elaborado, é nesta fase que começam a revelar um sentido critico e é já possível utilizar uma grande variedade de técnicas para contar as histórias, no entanto os conteúdos das histórias devem continuar a ser ligados ao seu dia a dia para que seja mais fácil envolverem-se nelas. É nesta fase que a criança começa verdadeiramente a agir cooperativamente. 4. Uma nova tecnologia ao serviço da literatura e do ensino: Mesas Educativas e-Blocks As novas tecnologias, nos dias de hoje, são já inerentes ao mundo em que os nossos alunos vivem, são produtos do seu tempo, deste modo, será essencial acompanhar o seu desenvolvimento e perceber a melhor forma de as utilizar em contexto educativo. Mas para que isto seja possível teremos primeiro de garantir aos alunos igualdade de acesso à sua utilização, e onde melhor fazê-lo do que na escola? Cabe ao sistema educativo acabar com o fosso digital que ainda existe na nossa sociedade entre aqueles que por motivos económicos continuam a não ter acesso às novas tecnologias em suas casas e aqueles que têm a possibilidade de o fazer para além das suas escolas. Ultrapassado o fosso será então altura de potenciar as aprendizagens de acordo com cada nível etário e de ensino, sendo para tal essencial a utilização de materiais e a criação de ambientes de aprendizagem diferenciados e adequados a cada nível. Salientemos aqui Moran (1998), quando defende que, educar é procurar chegar ao aluno por todos os caminhos possíveis: pela experiência, pela imagem, pelo som, pela representação (dramatizações, simulações) ou seja pela multimédia. É exatamente aqui que as mesas educativas e-Blocks se encaixam com os seus princípios pedagógicos. O sistema e-Blocks, hoje já utilizado em mais de vinte países por todo o mundo, apresenta uma abordagem multissensorial na aprendizagem das línguas e da Matemática. A mesa educacional segue os princípios da aprendizagem cooperativa e do método de aprendizagem conhecido como TPR (Total Physical Response — Resposta Física Total) que promove a associação entre ouvir, ler e fazer. Ao estimular a aprendizagem pela interação e colaboração, valorizando os sentidos, e ao promover o contato direto e interativo com os conteúdos, esta ferramenta incentiva o aluno a desenvolver as suas capacidades e a vivenciar novas experiências de aprendizagem. As crianças aprendem vendo, ouvindo e fazendo o que contribui para o fortalecimento das suas capacidades cognitivas, psicossociais e motoras. Ao fazê-lo

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cooperativa e coletivamente estarão a desenvolver o seu espírito crítico e a construir os seus conhecimentos de forma mais eficaz. A mesa educacional e-Blocks é ideal para pequenos grupos e pode ser usada por até 6 crianças ao mesmo tempo, incentivando o espírito de colaboração. Estas mesas educativas fazem uso de imagens, músicas, animações e jogos para estimular a participação da criança, tornando este num método lúdico e interativo especialmente vocacionado para enriquecer e expandir o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa, da Matemática e da Língua Inglesa como segunda língua, foi já também alargado à Língua Espanhola. Este sistema foi desenhado para alfabetização de crianças, portadoras, ou não, de necessidades educativas especiais de jovens e de adultos e é constituído por um hardware, a mesa, acompanhado de 210 cubos com letras maiúsculas, minúsculas e formas geométricas (com Braile e relevo) e o software adequado a cada tipo de utilização e outros materiais de apoio. Os alunos identificam letras, soletram palavras, completam espaços, criam frases colocando os blocos de letras, números, cores e símbolos nos espaços do painel. Ouvem textos, lêm histórias, fazem jogos, produzem textos, tudo de forma intuitiva e manipulativa o que faz com que este seja um sistema acessível a todos uma vez que requer pouco ou nenhum conhecimento da tecnologia. Ao estimular os sentidos, promove mais e melhores aprendizagens, dado que os alunos aprendem ouvindo, vendo e fazendo. Todos os conteúdos baseiam-se num currículo aceite a nível internacional com a preocupação de atender aos diversos ambientes escolares de uma maneira lúdica e interativa. Ao professor é dada a possibilidade de inserção de novas palavras, arquivos de áudio, imagem e de textos e de criar atividades novas adaptadas às vivências e necessidades específicas de cada aluno ou grupo de alunos. Por outro lado, este sistema permite a configuração de atividades de avaliação, bem como o rastreio contínuo durante todo o trabalho e posterior apresentação das estatisticas relativas ao percurso realizado pelo aluno. O software Alfabeto possui diferentes níveis de dificuldade e abrange atividades de fonética, aquisição de vocabulário, leitura, jogos com palavras e experimentação das palavras em si, em contexto de histórias. Descrevendo agora um pouco mais o seu funcionamento, ao entrar no software Alfabeto somos confrontados com diferentes áreas de trabalho que vão desde a Sala de Aula, ao Aquário e à Casa de Doces, passando pelo Karaoke e pelo Programa de TV até chegarmos ao Castelo. As atividades do Castelo permitem aos alunos ouvir, ver, construir e trabalhar diferentes histórias animadas, contos populares, fábulas, adivinhas, ditos e trava-línguas, ao realizarem atividades de leitura, escrita e trabalho com o dicionário, ligadas a jogos, capazes de manter alto o nível de motivação dos alunos durante as aulas e deste modo construindo mais eficazmente as suas capacidades de leitura. Dentro do Castelo, entramos então na Biblioteca que se encontra dividida em quatro áreas: Sala de Cinema, Charadas e Charadinhas, Fábulas e Histórias e Ditos e Não ditos. Na primeira zona é possível ver filmes sobre temas diversos e atuais que vão desde o ecoturismo às casas históricas. Os alunos podem ver os filmes e escutar a narração ou então ler o texto com música de fundo. Associadas aos filmes aparecem seis diferentes tipos de tarefas a realizar sobre a leitura, são elas: o inseto, em que é pedido aos alunos que completem as vogais em falta nas palavras; a borracha, em que têm de completar desta vez as consoantes; o pião, que troca a ordem das letras das palavras para depois os alunos ordenarem; a joaninha brincalhona, em que deverão ser ordenadas desta vez as sílabas da palavra; a tesoura corta palavras, que retira palavras inteiras que 105

deverão depois ser reinseridas pelos alunos e o estojo porta-atividades, que junta no mesmo exercício atividades dos cinco tipos anteriores. Na zona intitulada Charadas e Charadinhas, sob o título, “o que é o que é” os alunos podem encontrar adivinhas e charadas para descobrirem. Já na parte dos Ditos e Não Ditos os alunos são confrontados com três níveis de dificuldade das atividades sobre ditos populares. Na imagem, um porta objetos contendo os seis símbolos representativos dos seis tipos de atividades já anteriormente referidos, dão ao aluno a possibilidade de escolher o tipo de tarefa que querem realizar sobre o dito em questão. Por fim, nas Fábulas e Histórias, encontramos um livro com quinze histórias e fábulas pré-definidas com títulos que vão desde “As duas orelhas” ao “Menino e o Lobo”. Aqui os alunos podem ler apenas o texto, se quiserem, ou então podem igualmente ouvir a história e ver o respetivo filme de animação. Sobre os textos podem ser realizadas os mesmos seis tipos de atividades já anteriormente referidos graduados em três níveis crescentes de dificuldade. A nível do ensino da Matemática, as mesas possibilitam o desenvolvimento das habilidades necessárias para a aquisição de conceitos básicos nesta área. O software eBlocks Math divide-se em onze áreas diferentes, funcionando com os quatro principais blocos de conteúdos: Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas e Processamento da Informação. Este software permite igualmente que o professor altere algumas das suas configurações com vista à melhor contextualização das atividades a realizar A nível do Ensino Especial numa investigação de 2010, Lopes concluiu que a mesa educacional e-Blocks conseguiu propiciar uma atmosfera de aprendizagem atrativa e diversificada tendo motivado a aluna portadora de trissomia 21do referido estudo para a realização de aprendizagens significativas e tendo promovido a integração entre competências físicas, emocionais, afetivas, cognitivas e sociais. Por sua vez, num estudo de 2010, Rodriguez, Ghitis e Ruiz concluíram que o software e-Blocks promoveu o desenvolvimento mais rápido das crianças que o utilizaram em comparação com aquelas que não o fizeram. Para além disso as crianças aprenderam a trabalhar em equipa, distribuindo funções e respeitando a vez de cada um dos membros do grupo. De igual modo concluíram que o uso do programa favoreceu a aprendizagem colaborativa, que, como se sabe, potencia francamente a aprendizagem intelectual e também social. Steven Donahue, num artigo de 2006, caracteriza as mesas interativas e-Blocks como sendo um método inovador para o ensino do Inglês enquanto segunda língua e igualmente ideal para o início da alfabetização dos alunos. Este equipamento, para além de ser divertido, dá aos alunos uma melhor noção de todos os fonemas, permite atividades construtivistas, promove associações entre a audição, a leitura e a ação, potencia o desenvolvimento social e emocional e a aprendizagem multissensorial. No artigo «e-Blocks Learning English with stimuli» (2008), é referido que este equipamento encoraja as pessoas a utilizarem os diferentes sentidos simultaneamente e promove a aprendizagem cooperativa, utilizando um principio pedagógico bem estabelecido no campo da educação intitulado «aprendizagem pela ação». De acordo com o “World Summit Award” (WSA), prémio atribuído pelas Nações Unidas à melhor solução de e-learning em educação, que este equipamento ganhou em 2005, o e-Blocks é a mistura perfeita de tecnologia e conteúdo, característica, esta que o destaca de todos os outros métodos disponíveis para a aprendizagem da Língua Inglesa. Este artigo cita igualmente um estudo conduzido no sistema escolar público californiano em que a eficácia da metodologia dos e-Blocks na aprendizagem do Inglês como língua 106

estrangeira foi avaliada por uma empresa independente, tendo os resultados indicado que os alunos hispânicos que usaram o sistema dos e-Blocks obtiveram melhores resultados nas áreas da identificação das letras, segmentação fonética, fluência de leitura em voz alta e fluência ao recontar, em comparação com o grupo de controlo formado igualmente por hispânicos, mas não utilizadores dos e-Blocks. Num estudo realizado por Paiva, Schmidt e Menegatti, C. (2009) e tendo como principal objetivo verificar a eficácia do método de ensino de Língua Inglesa aplicado a partir do sistema e-Blocks para crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita, concluiu-se que o maior número de tentativas para a realização das tarefas, segundo o modelo de aprendizagem por tentativa e erro, possibilitado pela mesa, em comparação com as aulas expositivas, possibilitou às crianças melhores condições para responderem às tarefas. Outro dos aspetos destacados foi igualmente a realização das tarefas em conjunto tendo, assim, todos os participantes a oportunidade manusear os blocos, sem a pressão do adulto. De salientar igualmente que, no final todos participantes no estudo apresentaram ganhos significativos na aprendizagem da língua inglesa com a mesa e-Blocks, independentemente de serem ou não alunos com dificuldades.

Conclusão Segundo Romanelli (2003), a aprendizagem tem lugar em difrentes contextos, com o auxílio dos estímulos do meio ambiente em que o aluno ouve, observa, fala e sente. Assim, este equipamento permitirá aulas personalizadas e adaptadas às necessidades de cada aluno, possibilitando sempre o desenvolvimento crítico e congruente destes. Estamos então aqui a falar de softwares diferenciados de acordo com o nível de aprendizagem da criança que permitem o trabalho em grupo de forma cooperativa, estimulando o trabalho em equipa. Este é um conceito inovador cuja eficiente metodologia, flexibilidade e abrangência, permitem a sua utilização de forma complementar ou como solução única numa sala de aula. A mesa educativa e-Blocks permite que os alunos aprendam com o apoio da tecnologia usando-a como uma forma de atingir diversos objetivos no seu processo de ensino e aprendizagem e não apenas utilizando-a como um sistema de transmissão de conhecimentos (Ringstaff & Kelley, 2002). Deste modo, em jeito de conclusão podemos afirmar que, interatividade, flexibilidade, versatilidade, comunicação, controlo da apresentação, aquisição de novas aptidões, exploração da inteligência dominante, motivação, potencial lúdico, aprendizagem em ambiente real, são algumas das muitas vantagens do uso dos e-Blocks na aprendizagem, nomeadamente na promoção dos hábitos de leitura dos alunos, ao possibilitar uma abordagem da literatura em contexto tecnológico, adaptando-a às necessidades de ensino, dos professores, e de aprendizagem, dos alunos, tornando-a desta forma mais atrativa e motivadora para ambos. Devemos aqui também lembrar as palavras de Paulo Freire (1998), quando afirma que ensinar não é transferir conhecimentos, mas sim criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Deste modo as utilizações aqui referidas permitirão aos alunos aprender a realizar efetivamente as atividades, in vivo e in loco, assim integrando o processo de ensino e aprendizagem no mundo real e contribuindo, para a preparação destes para a vida e futuro mundo do trabalho. Estaremos deste modo 107

igualmente a contribuir para concretizar os objetivos do ensino básico português, nomeadamente aquele que considera fundamental “criar condições de promoção do sucesso escolar e educativo a todos os alunos”.

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LISTA DOS ENSAIOS E SEUS AUTORES NOTA DE ABERTURA Sérgio Guimarães de Sousa e Evandro Morgado

SE PINÓQUIO NASCESSE HOJE, SERIA UM CIBORGUE? Alberto Filipe Araújo

A LITERATURA INFANTIL: PROBLEMAS E DESAFIOS DA SOCIEDADE ATUAL Armindo Mesquita e Paulo Pontes

RECURSOS DE PROMOÇÃO DA LITERACIA DIGITAL. FERRAMENTAS DIGITAIS NO DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA Carlos Alberto Martinho Vaz

NOVOS CENÁRIOS E SUPORTES DE LEITURA Carlos Pinheiro

LITERATURA INFANTOJUVENIL: CONTRIBUTOS PARA A EDUCAÇÃO DAS CRIANÇAS/JOVENS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS Emília Baliza

OS NOVOS CAMINHOS DO CONTO INFANTIL. A EXPERIÊNCIA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA Francisco Fernandes e G. Faria

A MEDIAÇÃO LEITORA INTERCICLOS E AS TIC Gisela Silva

A MULTIMÉDIA AO SERVIÇO DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA Paulo N. M. Sampaio e Evandro M. C. M. Morgado

WWW.LITERATURAINFANTIL.PT TECNOLOGICAMENTE FALANDO DE LITERATURA INFANTIL Rita Simões A LITERATURA EM CONTEXTO TECNOLÓGICO: MESAS EDUCATIVAS E-BLOCKS Susana Oliveira e Armando Oliveira

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************************************* Título: As Novas Tecnologias e a Literatura Infantil e Juvenil: Cenários e Desafios Organização: Sérgio Guimarães de Sousa e Evandro Morgado Ilustração da capa: Cristina Maria Brandão de Aguiar Santos Revisão e paginação: José Barbosa Machado © Copyright Sérgio Guimarães de Sousa e Evandro Morgado Todos os direitos reservados Edições Vercial, Braga, 2012 ISBN: 978-989-700-095-9 http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/evercial *************************************

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