As potencialidades da mediação de imagens em sala de aula: uma experiência com o filme “O Som ao Redor”.

June 4, 2017 | Autor: Daniel Moreira | Categoria: Teacher Education, Image Analysis, Cinema and Education
Share Embed


Descrição do Produto



Mestrando em geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected]
Para Mondzain (2009), é preciso diferenciar ídolo de ícone. A primeira palavra estaria ligada a incorporação da representação imagética do representado. Já o ícone é a representação de uma relação imagética coletiva e que produz mediações de imagens por pessoas e comunidades. É isso que será avaliado na pesquisa. A representação da imagem como ícone.
Artigo publicado na Revista Perspectiva Geográfica da Universidade Estadual do Paraná (UNIOESTE) volume 9 edição 10 de 2014. Como o artigo traça um perfil histórico bem amplo e detalhado do conceito de fronteira, vou me ater a discutir apenas o que pode contribuir para o objetivo geral de nossa pesquisa.
A chamada Paz de Vestfália (ou de Vestefália, ou ainda Westfália) designa uma série de tratados que encerrou a Guerra dos Trinta Anos e também reconheceu oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça. Este conjunto de diplomas inaugurou o moderno Sistema Internacional, ao acatar consensualmente noções e princípios como o de soberania estatal e o de Estado nação. Embora o imperativo da paz tenha surgido em decorrência de uma longa série de conflitos generalizados, surgiu com eles a noção embrionária de que uma paz duradoura derivava de um equilíbrio de poder. Por essa razão, a Paz de Vestfália costuma ser o marco inicial nos currículos dos estudos de Relações Internacionais (MAGNOLI 2008,pág 45)
A entrevista pode ser lida no endereço https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2013/02/09/o-som-ao-redor-o-impossivel-som-do-silencio/
As potencialidades da mediação de imagens em sala de aula: uma experiência com o filme "O Som ao Redor".
Daniel Moreira de Souza
Resumo:
Este artigo pretende analisar as potencialidades da mediação de imagens na disciplina de geografia por meio da exibição de filmes para a apreensão do conceito de fronteira junto aos estudantes do nível médio/técnico da educação básica. Para tal, inicialmente iremos discutir o que é imagem e como a mesma pode instigar um olhar emancipatório. Depois, discutiremos alguns conceitos acerca de fronteira e por fim, analisaremos como a mediação de imagens pode ser aplicada em sala de aula, a partir do filme "O Som ao Redor"(2012) de Kléber Mendonça Filho
Palavras chave: Cinema-ensino-geografia-mediação-imagem
Introdução:
Como professor, questões relacionadas a qual método didático ou técnica de ensino a ser utilizada para o ensino-aprendizagem dos temas/conteúdos geográficos sempre me foram recorrentes. Ao tentar nortear essas indagações, hierarquizei-as do geral para o particular da seguinte maneira:
De que forma o cinema pode ser apreendido e utilizado de modo a auxiliar na construção de conceitos? Como é apreendida a interseção entre geografia e cinema pelos alunos? A ciência geográfica possui categorias analíticas que precisam ser bem-conceituadas em sala de aula. A exibição de filmes auxilia na definição e compreensão desses conceitos por parte dos estudantes? Como instigar o olhar por meio da mediação de imagens na produção e compreensão de conceitos espaciais, a exemplo da categoria de análise fronteira junto aos estudantes da escola básica, nível médio técnico? E por fim: quais possibilidades a mediação de imagens na exibição fílmica pode evidenciaro conceito de fronteira no ensino da geografia?
Portanto, dado o grau necessário de verticalidade desse artigo, o objetivo deste é compreender as potencialidades da mediação de imagens por meio da exibição de filmes para a apreensão do conceito de fronteira junto aos estudantes do nível médio/técnico da educação básica. Para isso, escolhemos o filme "O Som ao Redor" (2012) de Kléber Mendonça Filho para uma experiência sobre a mediação de suas imagens, que nos remetem ao tema-no caso desse artigo a fronteira- e podem elucidar nossa questão e inferir hipóteses da pesquisa.
Metodologia e justificativa:
Inicialmente, se faz necessário discutir e conceituar imagem, além da busca de uma conceituação política, coletiva e emancipatória da mesma. Para tal, vamos nos apoiar em MONDZAIN (2009), RANCIÈRE (2012) e AUMONT (1993). Em seguida, cabe discutir algumas definições acerca do conceito de fronteira apreendidos em sala de aula para elucidar a querela em uma busca de uma definição única e como a mediação do professor pode instigar o aluno a pensar essas definições. Nos apoiaremos em HISSA (2002), MACHADO (1995), MIYAMOTO (1995) e FOUCHER (2009). Discutir o filme "O Som ao Redor" e sua relação com a fronteira também é necessária. Nesse caso, MESQUITA (2015) e entrevistas do diretor Kléber Mendonça Filho serão nossas referências. E por fim, discutiremos possibilidades da mediação de imagens na exibição fílmica para a apreensão do conceito de fronteira, utilizando o referido filme nacional.
Por que o filme "O Som ao Redor"? Esse filme narra o cotidiano de famílias cercadas entre muros, grades e cercas em um bairro de classe média do Recife e que nos remete ao processo de escravidão dos canaviais da Zona da Mata nordestina por meio de montagem de fotos de época intercaladas(MESQUITA 2015).Em "O Som ao Redor" observamos como simbolicamente a fronteira demarca fortemente a luta de classes em uma sociedade ainda muito desigual como a brasileira. Tem por objetivo auxiliar na compreensão da construção dos marcos fronteiriços, material e simbolicamente.
O motivo que justifica a importância desta pesquisa foi a aprovação e sanção do projeto de lei federal de emenda a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) 13006/14, de autoria do Senador Cristovam Buarque, garantindo a exibição obrigatória de duas horas mensais de filmes nacionais nas escolas brasileiras. O diferencial desta lei é que ela afirma que o cinema deve ser incorporado ao currículo escolar, não como algo "solto" ou que não tenha uma função didática definida; mas ao contrário, que os filmes devem se articular ao desenvolvimento dos conteúdos disciplinares. Portanto, essa lei garante que a exibição fílmica tenha relação direta com as disciplinas escolares nos âmbitos inter, trans ou multidisciplinar. Isso irá demandar maior qualificação dos profissionais da educação e o desenvolvimento de metodologias de ensino que possibilitem construir de modo mais bem articulado os conteúdos das diversas disciplinas com os filmes.
A imagem como mediadora de relações entre os sujeitos que constroem e partilham um mundo.
A interseção cinema/ensino da geografia/fronteira nessa pesquisa demanda uma discussão acerca do papel da imagem. Essa discussão é necessária devido aos procedimentos da pesquisa, que incluem a exibição e análise de filmes. Portanto, para mediar imagens, é necessária uma reflexão da capacidade relacional das imagens fílmicas a serem exibidas na pesquisa para que os alunos possam refletir sobre o mundo. Como um prisma que filtra e que reflete essa capacidade relacional, buscamos considerar o caráter emancipatório da imagem que possa auxiliar os sujeitos da pesquisa em sua reflexão quanto ao caráter político-coletivo da mediação de imagens. A ideia de emancipação a ser considerada nessa pesquisa
começa quando se questiona a oposição entre olhar e agir,quando se compreende que as evidências que assim estruturam as relações do dizer, do ver e do fazer pertencem à estrutura da dominação e da sujeição. Começa quando se compreende que olhar é também uma ação que confirma ou transforma essa distribuição das posições. O espectador também age, tal como o aluno ou o intelectual. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Participa da performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se, por exemplo, à energia vital que esta supostamente deve transmitir para transformá-la em pura imagem e associar essa pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou inventou. Assim, são ao mesmo tempo espectadores distantes e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é proposto (RANCIÉRE, 2012, pág. 17)
Ser espectador não significa passividade diante do espetáculo. O poder da imagem decorre da capacidade de produzir relações do espectador com sua vida, com outros espetáculos que assistiu ou com uma possibilidade de reproduzir o que foi visto. Eis o caráter emancipatório da imagem a ser considerado nessa pesquisa. É preciso encontrar meios de orientar e de auxiliar os espectadores na tarefa de se emancipar o olhar. Fazer ver é sentir em comum e leva a uma partilha do olhar (MONDZAIN, 2009). Para AUMONT (1993) a imagem tem um valor relacional universal, porém particularizada pelos sujeitos que a partilham e que envolve uma série de fatores da ordem social, econômica, cultural e política daqueles na sua representação.
A dimensão simbólica e material da imagem é importante para entendermos como ela é construída e reconstruída pela manipulação de um grupo social sobre outro. Para MONDZAIN(2009), o cristianismo é a primeira e única doutrina monoteísta a ter feito da imagem o emblema do seu poder e o instrumento de todas as suas conquistas. O Cristianismo teria criado uma iconocracia, ao estabelecer "o triunfo do culto das imitações sobre o medo dos simulacros". Os simulacros, para MONDZAIN (2009) são as representações que substituem o real e assim alienam o espectador. A autora usa como exemplo o Mickey Mouse, criação de Walt Disney para exemplificar a força desses simulacros.
Hoje, as crianças são convidadas a apertar a mão de um Mickey gigante e a coabitar no seu quarto com todos os simulacros mercantis que invadem o espaço doméstico,escolar e lúdico. Um mundo de fantasmas de peluche e de plástico prolonga o dos ecrãs, toma lugar entre as coisas na crescente indistinção entre a presença das coisas e dos corpos(MONDZAIN, 2009, pág. 45)
O simulacro substitui os corpos por coisas e essas coisas, passam a se relacionar com os corpos a tal ponto que "amamos o Mickey", mesmo ele não passando de uma coisa, de um "fantasma".
A referida autora estabelece um paralelo entre a morte e ressureição de Cristo com o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001 nos EUA, ao dizer que
o assunto foi tratado em termos visuais, misturando na maior desorientação, o visível e o invisível, a realidade e a ficção, o luto real e a invencibilidade dos símbolos (..), o primeiro espetáculo histórico da morte da imagem na imagem da morte. O imprevisível juntou-se ao infigurável e foi preciso enterrar com toda a rapidez e manter o discurso do triunfo e da ressureição (MONDZAIN, 2009 págs. 6/7.Grifos nossos)
A "morte da imagem na imagem da morte" descrita pela autora produz uma crise da imagem assim como a morte de Jesus Cristo produziu uma cisão entre ídolo e ícone. De acordo com a autora, se Deus nunca se mostrou fisicamente - o máximo que sua representação alcançou de visibilidade foi aparecer de costas para Moisés - seu filho não só se expôs fisicamente como também representou o elo entre o criador e suas criaturas. Portanto, a crise da imagem foi produzida dessa relação, pois a imagem não é nada mais, nada menos que uma (re) produtora de relações. Portando, podemos dizer que a imagem de Cristo causou o "NASCIMENTO DA IMAGEM NA IMAGEM DA MORTE", adotando aqui a definição de MONDZAIN (2009), para quem a imagem é a operadora de uma relação tríplice entre o ser representado, a representação imagética e o espectador.
Na imagem incarnada constituem-se três instâncias indissociáveis: o visível, o invisível e o olhar que os coloca em relação. A imagem pertence a uma estranha lógica do terceiro incluído, ou seja, a dimensão do olhar(MONDZAIN, 2009, pág. 26)
Portanto, ao confrontarmos o visível e o invisível da imagem por meio do olhar, colocamos em relação/comparação com aquilo que conhecemos e assim, podemos encarnar o real do que foi representado.
Lembremos que para a imagem ser emancipatória, precisamos na opinião de MONDZAIN (2009) de três instâncias: do visível, do invisível e da relação/comparação do olhar do (s) espectador (res) entre o visível e o invisível da imagem.
Portanto, o poder mediador da imagem está na sua relação política-coletiva. Ao exibir uma imagem de um quadro, um espectador descreve o que vê (Primeira Instância - o visível). Em seguida, outro espectador relata o que vê de modo diferente do primeiro espectador (Segunda Instância: o invisível) e por fim, ambos relacionam/comparam seus olhares sobre a imagem (Terceira Instância: a relação de olhares).
Ainda sobre o atentado terrorista de 11 de setembro. Segundo a autora, o evento foi transmitido em tempo real para todo o mundo via dispositivos audiovisuais, sendo que as imagens evidenciaram que o visível (pessoas morrendo, destruição, escombros) e o invisível (queda do império estadunidense e triunfo do terrorismo) contido nelas nos causavam medo e angústia.
Uma das primeiras medidas tomadas pela política dos EUA após o atentado foi censurar filmes/programas/imagens que remetessem a tragédia (CABRAL, 2006). Mas por que? Bem, porque era preciso culpabilizar algo ou alguém por exibir aquilo ao mundo. Aquilo poderia inspirar alguém a fazer o mesmo. Mas era esse realmente o motivo? É possível atribuir um sentido moral a um objeto ou a uma representação?
Bem, se na opinião de MONDZAIN (2009) a imagem é uma relação tríplice (representado, representação e espectador) que produz e partilha visões de mundo, poderia ela ser emancipatória? Ao mostrar em tempo real a tragédia do 11 de setembro ao mundo, a imagem gerou uma crise na mediação mercadológica dos sentidos (CABRAL 2006), paradoxalmente ao mostrar o que deveria esconder, ou seja, o invisível do visível da imagem (a queda do símbolo imperialista de mercado). Portanto, podemos dizer que as imagens do 11 de setembro tiveram um caráter de encarnação e nos despertou a emancipação do olhar sobre o mercado das imagens.Adotando a definição de desorientação de MONDZAIN (2011) de que a imagem não é nem uma coisa, nem uma pessoa e que ela circula entre sujeitos enquanto operadora de uma relação, sem usufruir, ela própria de nenhum estatuto ontológico nem teológico e sobretudo, sem se reduzir à sua materialidade, sua apropriação de sentidos deve ser um ato político, coletivo. Portanto essa desorientação das imagens é emancipatória para Mondzain (2009), na medida em que quebra o ordenamento imagético dado por um grupo social que tenta lhe atribuir UM sentido ao invés de VÁRIOS. Para buscar essa atribuição de sentidos, vamos agora discorrer acerca de algumas definições do conceito de fronteira.
A fronteira na/para a geografia
Fazendo um resgate histórico do conceito de fronteira, o artigo "A noção de Fronteira em Geografia" de Maristela Ferrari publicado em 2014, traça um perfil da construção desse conceito desde os gregos, passando pela China e chegando aos tempos modernos, focado na Geopolítica. Delimitando sua abordagem de fronteira como uma criação do homem para representar, organizar, controlar ou determinar um espaço e assim, transformá-lo em território, o artigo relata como a linguagem (e as construções sociais das línguas) são importantes para a conceituação da ideia e da materialidade da fronteira. Segundo a autora, um exemplo seria a própria nomenclatura adotada pelos romanos, germânicos e árabes para o termo. Em alemão, por exemplo, o termo Mark é tão importante que definiu título de nobreza (Marquês) e até nome de Estado-Nação (DinaMARCA, que deriva de Marca Dana ou fronteira dos Danos). (Ferrari, 2014)
FOUCHER (2009), por sua vez, procura estabelecer uma diferenciação entre front e fronteira. Diz ele:
A palavra frontíere (fronteira) é, em francês, o adjetivo feminino vindo do substantivo front: front, frontier, frontíere. Ir até a fronteira significava chegar onde o inimigo devia estar(...) A longo prazo, pode ser admitir que a obra de pacificação dos relacionamentos sociais nos territórios conduz à passagem dos fronts às fronteiras. (FOUCHER,2009,pág 21)
Existe uma gama de pesquisas que estabelecem a fronteira como chancela legal de um território. Tanto MACHADO (2005) quanto FOUCHER (2009), concordam que a noção de fronteira moderna surge a partir dos Tratados de Vestefália, que assinalou o fim da Guerra dos Trinta Anos, em 1648.
Hissa (2002) citando RAFFESTIN (1993) afirma que espaço e território não são termos equivalentes e que ambos não designam apenas o chão ou o terreno das coisas e da vida. Existe uma fronteira que se espraia entre os dois conceitos. O território é subsequente ao espaço e se estabelece a partir dele. O espaço seria a "prisão original", o território, "a prisão que os homens constroem para si" (Raffestin, 1993, pág, apud Hissa, 2002, pág 41). Ainda segundo RAFFESTIN (1993)apud HISSA (2002)
os limites no espaço são 'originais', provenientes de uma natureza não processada pela história do trabalho. Mas ainda assim, são postos pelos olhos da cultura. A natureza tece a sua trama e insinua-se na visibilidade de seus marcos, picos, concavidades. São referências geométricas, curvas, volumosas, esféricas, extensas. Os olhos, servindo-se dessa geometria, põem-se a inventar o limite das 'coisas originais' provenientes da natureza. Por sua vez, os limites no território são incontestavelmente políticos e pressupõem a projeção do trabalho e da cultura (HISSA 2002, pág 37)
Portanto, o homem ao criar uma cultura para legitimar e se apropriar do espaço e dos limites da natureza , constitui fronteiras que demarcam um território.Tentando investigar a apropriação legal da fronteira, de acordo com MIYAMOTO (1995), surgiram a partir da segunda metade do século XIX terminologias positivistas para a efetivação de um estatuto fronteiriço. CURZON (1907) apud MIYAMOTO (1995), admite três noções matemáticas de fronteiras: Geométricas, Astronômicas e de Referências. A primeira seria uma linha reta entre dois pontos. A segunda, uma linha que acompanha um Meridiano ou um Paralelo e a terceira, uma linha que segue acidentes geográficos (montanha, morro, rios e etc.). Essa concepção cartesiana se encaixa perfeitamente na noção cartográfica linear que predominava no mundo com a Marcha para o Oeste nos EUA e o avanço imperialista europeu na Ásia e África, em busca de mercados, seja para o consumo de bens manufaturados ou para a oferta de matérias primas (MIYAMOTO,1995).
De acordo com MIYAMOTO (1995), BRUNHES e VALLAUX (1921) definem as fronteiras em três funcionalidades para fins de ocupação territorial: Esboçadas, onde os limites não foram efetivados; as de Tensão ou Vivas, caracterizadas por áreas onde ocorrem conflitos e as Mortas, que correspondem às fronteiras estabelecidas e estabilizadas.
Ainda MIYAMOTO(1995) citando ANCEL (1938) define três formas de civilizações ocupantes das fronteiras. As amorfas, que corresponderiam às sociedades primitivas que traçam linhas sem referência. As plásticas, cujas fronteiras foram traçadas em mapas sem considerar a realidade existente e por fim, as Instáveis, caracterizadas pela presença de conflitos na e pelo estabelecimento de fronteiras. Essas definições, segundo MIYAMOTO (1995) deixam claro o caráter eugenista adornado por uma suposta cientificidade das demarcações espaciais.
Para HISSA (2002), o limite é algo que se insinua entre dois ou mais mundos, buscando a sua divisão, procurando anunciar a diferença e apartar o que não pode permanecer ligado. O limite insinua a presença da diferença e sugere para a fronteira a necessidade da separação. É um conceito contido na fronteira. Aqui, HISSA (2002) se aproxima de MACHADO (2005) na distinção entre limite e fronteira.
Portanto, para HISSA (2002)
Fronteiras e limites parecem dar-se às costas. A fronteira coloca-se a frente (front), como se ousasse representar o começo de tudo onde exatamente parece terminar: o limite, de outra parte, parece significar o fim do que estabelece a coesão do território. O limite, visto do território, está voltado para dentro, enquanto a fronteira, imaginada do mesmo lugar,está voltada para fora como se pretendesse a expansão daquilo que lhe deu origem(HISSA,2002 pág 34)
Para MACHADO (1995pág 41/42), " fronteira é o que está para fora (centrífuga) e limite é o que está para dentro (centrípeta). O primeiro indica aproximação e contato. Já o segundo significa isolamento e separação".
Portanto, os autores afirmam que fronteira e limite tem uma inter-relação e interdependência conceitual e graças a isso,o território é chancelado e legitimado por um poder. No mundo globalizado como o atual, as fronteiras exercem um fato ainda muito relevante.
Assim, FOUCHER (2009) afirma que quanto maior integração de relações sociais e econômicas, paradoxalmente maior é a necessidade de limites e fronteiras. Em um mundo cada vez mais integrado tecnologicamente, não demoraram a emergir abordagens sugerindo o "fim das fronteiras" seja pela formação de Blocos Econômicos ou de acordos bi ou multilaterais entre Estados Nacionais.
Mas como ressaltou FOUCHER (2009), nunca o mundo deve tantas demarcações fronteiriças como agora. Na opinião desse autor, vivemos uma "obsessão por fronteiras".
Desde 1991, mais de 26 mil quilômetros de novas fronteiras internacionais foram instituídos, outros 24 mil foram objeto de acordos de delimitação e de demarcação e, se todos os programas anunciados de muros, cercas e barreiras metálicas ou eletrônicas fossem levados a cabo, se alongariam por mais de 18 mil quilômetros. Nunca se negociou, delimitou, demarcou, caracterizou, equipou, vigiou e se patrulhou tanto. As fronteiras terrestres e marítimas tornaram-se mesmo em tempos de paz, um próspero mercado para as empresas de segurança eletrônica e para os escritórios especializados em arbitragem internacional (FOUCHER, 2009, pág. 11)
Existem interesses econômicos- e que necessitam de chancela política- em disputa e eles ocorrem por meio de choques fronteiriços. É preciso pensar sobre essa questão no ensino da geografia para avaliar quais concepções de fronteira prevalecem e quais podem ser potencializadas por meio da exibição e análise fílmica.
A mediação de imagens na apreensão de fronteira em sala de aula: "O Som ao Redor"
A exibição do filme "O Som ao Redor" deve ser mediada pelo professor instigando o olhar dos alunos a pensar o visível e o invisível das imagens (MONDZAIN2009). Assim como HUBERMAN (2010 pág 41) diz, "os povos estão expostos justamente por estarem ameaçados na sua representação-política estética- e até, como acontece com demasiada frequência na sua própria existência. Os povos estão sempre expostos a desaparecer. " (Grifo do autor). Portanto, instigar os alunos a pensar a "exposição do desaparecer" dos personagens do filme é importante para pensar suas representações e suas relações com o "mundo real".
MESQUITA (2015) ainda evidencia em "O Som ao Redor" o potencial de discussão de fronteira. Para a referida autora
os personagens estão cercados de vizinhos, mas têm aversão ao contato. Vizinhança nesse contexto não faz laço, parece sugerir o filme, em suas muitas figurações da hostilidade, do medo, das aversões que marcam as interações no território, entre vizinhos, mas também entre moradores, trabalhadores domésticos, prestadores de serviços. O som ao redor apresenta, assim, todo um empenho "problematizador". Nele, as relações e interações entre personagens não são apenas motor do desenvolvimento da história, mas se tornam tema, problema, objeto de análise, de indagação(MESQUITA, 2015 pág 3)
Portanto, questionar os alunos para refletirem acerca do conceito de fronteira como marco divisório nos planos pode ajuda-los a relacionar as estruturas estilísticas do filme com suas práticas cotidianas é importante. Devido ao seu caráter "problematizador" podemos pensar e mediar uma discussão sobre limite e fronteira(HISSA,2002) como vimos no capítulo anterior.
Em entrevista concedida a Gabriela Alcântara e publicada no blog "Cidadania e Cultura" no dia 9/2/2013, Kléber Mendonça Filho define o espaço urbano retratado em "O Som ao Redor" a que
"Na verdade, tudo se resume a uma ideia: a de que má arquitetura e espaços públicos ou privados hostis fotografam muito bem. Ou seja, feiura fotografa bem, e a feiura arquitetônica e urbanística provoca tensão, porque ela é desumana, ela isola o elemento humano, faz esse elemento humano se sentir pequeno. É feita, construída, para atender a uma outra coisa que não exatamente o elemento humano. Ou para tentar dominar o pior que o elemento humano tem para oferecer, digamos: violência, invasão, desrespeito à propriedade privada. Então tudo isso, para mim, fotografa muito bem, porque há tensão, conflito" (2013, Blog Cidadania e Cultura)
Figura 1: Plano médio onde podemos ver o que uma criança vê acima do muro. Um vizinho instalando grades nas janelas
Pensar a fronteira sobre essa perspectiva do espaço urbano pode instigar análises dos alunos acerca da afirmação de FOUCHER (2009), onde apesar de cada vez mais globalizados, os territórios exigem/demandam mais demarcações fronteiriças com a chancela estatal. E também faz pensar o papel visível da hostilidade para extrair o invisível dessa mesma hostilidade representada na realidade. Os sistemas de vigilância, grades, cercas, muros, cães de guarda, guardas civis que vigiam as ruas sugerem um caráter de hibridismo em que o espaço público é confundido ou interpretado como sendo um espaço privado. É o caráter autoritário da globalização que SANTOS (2003) intitulou de capitalismo "globalitátio", onde temos a junção de globalização com Totalitário. Ao pegarmos alguns planos de "O Som ao Redor", podemos ver claramente o enquadramento fronteiriço envolvendo os personagens. Na figura 1, podemos evidenciar como o plano retrata crianças olhando por cima de um muro um serralheiro instalando grades nas janelas de uma casa vizinha. O espectador está "cercado" por todos os lados e há uma claustrofobia latente no plano. A mediação do professor pode projetar relações com o visível da imagem e qual o caráter invisível, simbólico que tal plano remete sob a sociedade brasileira.
MESQUITA(2015) afirma que
mesmo que encenadas, as imagens do presente têm certo teor documental; a convivência entre diferentes classes sociais já aparece nelas (as crianças moradoras dos condomínios e as babás), como aparecera na série de fotografias. Características importantes da "morada" atual são sugeridas nas primeiras imagens coloridas: o lazer das crianças ricas, confinadas em uma quadra de condomínio cercada por muitas grades (inclusive aquela que um trabalhador solda em uma janela); a declaração de amor escrita na rua (para ser vista por quem mora em uma torre, ponto de vista da verticalização). Um plano sequência da atualidade sucede, por um simples corte seco, a série fotográfica, e fica assim sugerido um "prolongamento": como se as imagens do presente "continuassem" aquelas do passado. Sugestão visual lacunar, cujos sentidos se abrem sobre a narrativa que a seguir se inicia.

Figura 2: Plano geral evidenciando casal de namorados "esmagado" por muros e paredes.
Assim, os alunos podem perceber a hostilidade da fronteira como se quisesse sufocar o espectador e projetando neles por meio do plano um isolamento e uma sentimento de medo da vizinhança. Na figura 2, podemos ver como o casal de adolescentes está "encaixotado" em muros e paredes de edifícios em um plano geral. Podemos evocar a discussão de limite e fronteira de MACHADO (1995) para que os alunos possam relacionar que, apesar de tudo, as relações sociais encontram um jeito de prosperar e de se perpetuar mesmo perante a resistência.
Ainda MESQUITA (2015), nos ajuda a refletir acerca do espaço-tempo de "O Som ao Redor", o filme está
Interessado não apenas em narrar, mas em fazer dessas relações objeto de perplexidade e indagação, o filme sugere permanências de relações travadas em outros espaços-tempos na Recife contemporânea. Talvez para melhor 'atingir' criticamente o presente – recuando e encontrando sentido histórico onde poderíamos ver apenas experiências e (des) enlaces isolados, pulverizados, dispersos. Assim, a cena é quase exclusivamente presente, mas seu sentido remonta ao passado, a montagem possibilitando o recuo. A vingança de morte contra Francisco, por exemplo, é consequência dos atos do usineiro noutras circunstâncias, mas não só: todas as relações travadas nesse quarteirão, sugere-se, atualizam violências sociais passadas, são como um legado de séculos de irresoluções, impunidades e permanências. (MESQUITA,2015 pág 12)

Pensar a fronteira e sua espacialização em meio a esse território no Recife permite uma relação imagética forte para enxergamos o invisível do visível da nossa sociedade.

Considerações finais
Pensar a mediação para produzir relações por meio das imagens e assim, tentar instigar nos alunos interpretações sobre os conceitos de fronteira, potencializa o ensino e a educação de forma contundente. Dada a sanção da Lei 13006/14, o uso de filmes no currículo pedagógico escolar vai demandar planos de ensino que trabalhem o filme/audiovisual de uma maneira que vá além da exibição fílmica. Será demandada a capacidade de análise relacional e eis o papel importante da mediação de imagens por meio do professor para instigar análises dos alunos acerca dos aspectos fílmicos. Pensar conceitos e temas geográficos por meio da análise fílmica demonstra enorme potencial para a geografia em sala de aula e cabe a nós, professores tomarmos a dianteira nessas construções metodológicos e didáticas. Assim como utilizamos o filme "O Som ao Redor", outros filmes podem ser apreendidos por meio de temáticas espaciais, que são o objeto da ciência geográfica. Cabe lembrar que a mediação deve ser coletiva e política, onde um aluno discute o que vê com aquilo que o outro aluno não vê e colocam essas questões em relação. Eis o caráter emancipatório da imagem do cinema.
Referências:
AUMONT, Jacques: A Imagem. Campinas SP Editora Papirus 1993
FERRARI,Maristela: A Noção de fronteira em Geografia . Revista Perspectiva Geográfica da Universidade Estadual do Paraná (UNIOESTE) volume 9 edição 10 de 2014
FOUCHER, Michel. Obsessão por fronteiras. Radical Livros, São Paulo 2009.
MACHADO, Lia Osório. Estado, territorialidade, redes: cidades gêmeas na zona de fronteira sul-americana. In: SILVEIRA, M. L. (Org.). Continente em chamas: globalização e territórios na América Latina. Rio de janeiro: civilização brasileira, 1995.
MESQUITA,Cláudia. Drama e documento, atualidade e história no cinema brasileiro contemporâneo (texto inédito) 2015
MIYAMOTO,Shiguenoli: Geopolítica e Poder no Brasil. Editora Papirus,1995 São Paulo
MONDZAIN, Marie José: A Imagem pode matar? Editora Nova Veja; Portugal 2009
SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 4ª ed. São Paulo, Edusp,2006



















Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.