As Potencialidades do Uso da Ayahuasca No Tratamento De Dependentes Químicos

July 27, 2017 | Autor: Clare Neumann | Categoria: Ayahuasca, Drogas, Terapia, Terapias Alternativas
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AS POTENCIALIDADES DO USO DA AYAHUASCA NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS

Clare Laurelin Nunes Neumann
[email protected]
Produção de Texto Jornalístico 2 – Professora Divina Marques

Resumo
Houve uma mostra em São Paulo na qual um artista plástico criou um espaço onde pessoas tomavam o chá alucinógeno ayahuasca para fins terapêuticos. A partir daí, viu-se a necessidade de investigar o debate sobre o uso terapêutico deste chá - principalmente em terapias para dependência química - e a legalidade do seu uso no Brasil. Também investigamos se o uso do chá vicia e quais os modos dele ser usado como terapia para dependências.

Palavras-chave: Ayahuasca. Drogas. Terapia.


1- Introdução
O chá psicoativo conhecido por nomes como ayahuasca, hoasca, vegetal, daime, entre outros é uma bebida feita a partir do cipó Banisteriopsicaapi e as folhas de Psychotriaviridis. Ambas as plantas são encontradas na floresta amazônica. A bebida feita a partir das duas plantas contém como princípios ativos as betacarbolinas e a dimetiltriptamina (DMT), que modificam o nível de serotonina no cérebro. Escobar e Roazzi disseram que chamado de "alucinógeno" pelo público em geral, na realidade o chá apenas faz com que conteúdos que estão no inconsciente dos indivíduos apareçam no consciente e possam modificar hábitos e comportamentos conscientes.
Apesar de ser tradicionalmente usado em rituais de culturas indígenas da floresta amazônica, o uso do chá também está acontecendo em rituais não religiosos fora deste contexto tradicionalista, de acordo com Labate, chegando às cidades na forma de rituais de terapia em grupo para promover o autoconhecimento, o desenvolvimento pessoal e outras formas de terapia alternativa. Este uso da bebida não é feito de um modo tradicional, mas alguns grupos perceberam um novo uso para ela: o de auxiliar no tratamento de dependência química e alcoolismo.
Considerando estas observações iniciais, é bom esclarecer que o objetivo deste artigo é procurar responder a algumas perguntas:
- Como a bebida ayahuasca é usada para fins terapêuticos, em especial para auxiliar no tratamento de dependentes de substâncias químicas e de álcool?
- Este uso terapêutico é legalizado no Brasil?
- O uso da bebida por estes dependentes é apenas uma substituição do vício?
Destas perguntas, a primeira será a mais importante, pois vários grupos e centros que utilizam a bebida reportam sucesso no tratamento que a utiliza como um dos métodos de terapia no tratamento de dependência química ou de álcool. No entanto, o trabalho não irá se aprofundar nas questões de cunho religioso, pois o tema central será o uso terapêutico da bebida.
O método utilizado foi a pesquisa bibliográfica em artigos, monografias, e dissertações de mestrado por pesquisadores da área, que têm em comum o interesse em se aprofundar no potencial terapêutico da bebida ayahuasca.

2 – Desenvolvimento
O uso do chá ayahuasca foi regulamentado no Brasil em 2006, mas apenas para o uso religioso. Entretanto, o uso terapêutico do mesmo ainda não foi regulamentado, e eventuais progressos em tratamentos e terapias são considerados "atos de fé". Muitos espaços de tratamento para dependentes químicos e alcoólatras usam a bebida como ferramenta no tratamento, como por exemplo, o Takiwasi (localizado na Amazônia peruana, que utiliza além da ayahuasca as sessões de "purgas", que consistem da limpeza do corpo por meio de vômitos e dietas, Centro de Recuperação Caminho da Luz (localizado em Rio Branco, Acre. Utiliza apenas a ayahuasca no tratamento), Centro Espiritual Céu Sagrado (localizado em Sorocaba, São Paulo), Centro Espiritual Céu da Nova Vida (que fica em Curitiba, Paraná. O centro utiliza a bebida ayahuasca e faz uso de cânticos e orações na terapia) e Mercante acredita que muitas vezes as melhoras nos indivíduos se devem ao convívio social que acontece nestes centros e aos rituais com a ayahuasca. Apesar de muitas das pessoas que organizam e controlam os rituais com a ayahuasca nestes centros não terem formação médica, a terapia ainda acontece e, muitas vezes funciona devido à experiência como um todo, que inclui as sessões com o chá e as normas que os participantes devem respeitar para continuar nestes espaços.
O vício e a dependência são considerados pela comunidade médica como sendo uma "doença física", que precisa então de tratamento médico apropriado. Por outro lado, a psicologia e psiquiatria lidam com a ideia de que o motivo da dependência vem de um transtorno mental e psicológico. Mercante notou que já os centros de tratamento que utilizam a ayahuasca nas suas terapias podem ter como base os estudos que já usaram o LSD e outros psicoativos sob uma perspectiva médica no tratamento de alcoolismo, como por exemplo, os estudos que a revista Psychedelic Review publicou. Assim, eles acabam por realizar uma convergência das duas definições de dependência, e utilizando uma forma de tratamento que mescla o psicológico com o médico, o tradicional com o científico. Santos e colegas notaram que alguns grupos indígenas que tiveram suas comunidades afetadas pela dependência do álcool inclusive fazem uso da ayahuasca e outros psicoativos no tratamento desta dependência.
Há a questão sobre se o uso da ayahuasca como tratamento para dependência não seria simplesmente uma substituição de um vício pelo outro. Mas Santos e colegas afirmam que não é o caso, pois o uso terapêutico da ayahuasca tem como base a auto avaliação profunda do paciente e a reconstrução da vida do mesmo. Alguns pacientes por vezes até chegam a achar que é uma terapia de substituição e tendem a procurar o uso do chá várias vezes no início do tratamento, mas conforme os efeitos físicos das plantas vão aparecendo no organismo (como as purgas e a abstinência da substância da qual o paciente tem dependência química) e o paciente se acostuma com os ritos sociais do uso da bebida, esta visão de substituição gradualmente diminui. Os autores notam que em um estudo, Labigalini concluiu que o uso da ayahuasca em contextos ritualísticos por dependentes químicos não gera dependência da mesma.
Outro ponto que ajuda a distanciar esta perspectiva de substituição é o fato de que as experiências com ayahuasca são fisicamente desagradáveis para os pacientes, como a purga e os vômitos, mas que ao final levam a um estado de paz interior e autoconhecimento. Este efeito acontece em parte devido à sensação de pertencimento a um grupo onde existem pessoas que estão ali para apoiar umas às outras. Ao passo que a utilização de substâncias químicas e álcool provoca as sensações de fuga da realidade e prazer que são apenas momentâneas, e esta experiência é calcada do individualismo. Quando estas sensações terminam o dependente procura por mais da substância para repetir aquele prazer momentâneo, criando um ciclo que desestrutura a sua "vida sociocultural, familiar e psicossocial" (R. G. Santos e cols., 2006:, pg 364).
O uso do chá muitas vezes traz à tona aos pacientes as razões inconscientes que estão por trás do abuso de substâncias químicas e álcool, permitindo que os mesmos possam modificar os aspectos das suas vidas que não estão balanceados, e que levam a esta dependência. Estas questões inconscientes que aparecem nas visões durante o uso da ayahuasca podem transformar o comportamento dos pacientes, pois podem mostrar as possíveis consequências que poderão acontecer caso o paciente não abandone esta dependência, como por exemplo a sua própria morte em detalhes e realismo acentuados. O que significa que em um nível inconsciente, o indivíduo sabe o quanto o uso destas substâncias é nocivo para ele mesmo. Tomando como base os estudos de Labate, pode-se dizer que isso acontece de forma que o inconsciente pode até mesmo manifestar a cura da dependência das substâncias químicas em um nível psicossomático, de modo que o inconsciente se identificaria como uma divindade, capaz de influenciar o mundo externo.
O tratamento com ayahuasca tem como base a limpeza física, psicológica, espiritual, e social, pois o convívio social e o apoio são umas das principais formas de ajudar a reconstrução das vidas de dependentes, como afirma Mercante. Escobar e Roazzi afirmam que a experiência de cada um com o uso da bebida também depende de fatores como a dosagem, concentração do chá, experiência do paciente em realizar este ritual, o seu estado psicológico, e o contexto ambiental e social no qual o uso da bebida está inserido. Nas religiões ayahuasqueiras (Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha) e centros de tratamento que utilizam a bebida, os ambientes controlados e supervisionados nos quais acontecem os rituais com a ayahuasca têm menos ocorrências de reações adversas às visões que a bebida proporciona, de acordo com Santos e colegas.

3 – Considerações Finais
Após analisar os dados, pôde-se chegar a algumas conclusões. Este trabalho não tenta de forma alguma criticar ou confrontar as teorias existentes sobre se a ayahuasca ajuda ou não em um contexto terapêutico.
A primeira conclusão é que, de acordo com o estudo feito por Labigalini, a ayahuasca não causa dependência nos seus usuários, ao contrário do que a opinião de pessoas não instruídas no chá e nos tratamentos que a utilizam afirma. O chá não é alucinógeno, no sentido popular da palavra, mas na verdade um ativador do subconsciente. Deste modo, qualquer coisa que apareça para quem utilizá-lo só vai à tona ao consciente por que já estava no subconsciente da pessoa.
Após essa conclusão, preferiu-se questionar sobre a legalidade do uso do chá no Brasil. Por muito tempo este uso foi totalmente proibido no país, até que em 2006 ele foi permitido apenas para o uso religioso, e qualquer uso inserido em alguma terapia necessita de comprovações científicas para a sua aprovação. Esta limitação na regulamentação pode chegar a prejudicar os centros de tratamento a dependências, pois nem todos eles têm necessariamente ligações com alguma religião ayahuasqueira e a pesquisa científica sobre os efeitos terapêuticos do chá ainda está no começo. Portanto, é necessário que haja maiores pesquisas no Brasil e em outros países sobre este possível uso do chá ayahuasca.
No quesito terapia, pôde se concluir que os centros que usam a ayahuasca para este fim têm rituais semelhantes, que muitas vezes envolvem um grupo de pessoas tomando o chá. Esta ritualização ajuda a tornar a experiência terapêutica mais fácil para os seus organizadores e também para os participantes, que assim se sentem mais seguros. Tanto é que a eficácia com esta modalidade de tratamento é muito dependente da experiência de pertencimento a algo, de ser parte de alguma coisa maior que o indivíduo em si. E os participantes destes rituais, ao se ajudarem mutualmente e por terem esta sensação de pertencimento, têm resultados melhores na terapia. Por não quererem decepcionar uns aos outros por conta de recaídas aos seus velhos hábitos que não vão de acordo com as filosofias destes grupos, os indivíduos têm um incentivo a mais para continuar na terapia.
Está claro como a ayahuasca pode auxiliar neste tipo de terapia, mas infelizmente não é um tema que está sendo focado suficientemente em pesquisas. É papel dos pesquisadores da área realizarem um estudo mais aprofundado sobre as potencialidades da bebida em questão no tratamento de pacientes que sofrem de dependência de álcool ou substâncias químicas.



Bibliografia Consultada
ESCOBAR, José Arturo Costa; ROAZZI, Antonio. Panorama Contemporâneo do Uso Terapêutico de Substâncias Psicodélicas: Ayahuasca e Psilocibina. Neurobiologia, v. 73, n. 3, p. 159-72, 2010. Disponível em: http://www.neip.info/upd_blob/0001/1306.pdf. Acesso em: 14 de setembro, 2014.
LABATE, Beatriz Caiuby, SANTOS, Rafael Guimarães dos, ANDERSON, Brian, MERCANTE, Marcelo, BARBOSA, Paulo César Ribeiro. Considerações sobre o tratamento da dependência por meio da ayahuasca. Núcleo de estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, 2009. Disponível em: . Acesso em: 14 de setembro , 2014.
LABATE, Beatriz Caiuby. A reinvenção do uso da ayahuasca nos centros urbanos [dissertação de mestrado]. 2000. Disponível em: . Acesso em: 6 de outubro, 2014.
MERCANTE, Marcelo S.. A ayahuasca e o tratamento da dependência. Mana, Rio de Janeiro, v. 19, n. 3, Dec. 2013 . Disponível em: . Acesso em: 28 de setembro, 2014.
GOMES, B. R. O sentido do uso ritual da ayahuasca em trabalho voltado ao tratamento e recuperação da população em situação de rua em São Paulo [dissertação de mestrado]. São Paulo, 2011. Disponível em: . Acesso em: 14 de setembro, 2014.


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