As pressões extraeditoriais sobre os jovens jornalistas portugueses - Atitudes, representações e fatores associados

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Capítulo 7

As pressões extraeditoriais sobre os jovens jornalistas portugueses Atitudes, representações e fatores associados Pedro Diniz de Sousa Doutorando em Ciência Política pela FCSH/UNL e investigador do CIMJ

Vanda Ferreira Técnica superior da Entidade Reguladora para a Comunicação — ERC, e investigadora do CIES-ISCTE/IUL

Notícia é o que alguém não quer ver publicado, tudo o resto é publicidade. [Alfred Harmsworth (Lord Northcliffe), proprietário de jornais tabloides do Reino Unido, no final do séc. XIX] 1 […] la liberté du journaliste est une liberté très contrainte. Mieux, elle n’est guère plus, comme le dit Marx, que la conscience de ses contraintes dans son action quotidienne: c’est le “champ des possibles” qui subsiste dans l’esprit du journaliste au moment où il écrit, quand il a fait la part de toutes les obligations qui s’exerçaient sur lui, et après avoir dosé leurs interférences. […] [Abraham A. Moles, prefácio a Le Système Médiatique, de Michel Mathien]

Introdução A questão das pressões extraeditoriais sobre jovens jornalistas assume uma grande pertinência no quadro do estudo da profissão. Por um lado, os jovens jornalistas, pela institucionalização da formação académica em Jornalismo e Ciências da Comunicação em Portugal,2 nos anos 80, assim como pela contiguidade entre a sua preparação universitária e o início da prática do ofício em empresas, estão dotados de referências deontológicas de raiz teórica muito fortes e recentes no seu percurso de vida, enquanto gerações anteriores recolhiam o sentido de dever da prática profissional. Por outro lado, num contexto de decréscimo ou de estagnação do setor — já de si limitado por algumas características estruturais portuguesas,3 pela maior dependência dos meios

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Alfred Harmsworth fundou e relançou vários jornais diários populares, entre 1896 e 1908. Esta frase foi dita durante uma intervenção no parlamento britânico. Cf. em: http://en.wikipedia.org/wiki/Alfred_Harmsworth,_1st_Viscount_Northcliffe e http://quoteinvestigator.com/2013/01/20/news-suppress/more-5274 (consultado a 06/11/2014). Cf. José Rebelo (2002a, 2002b, 2007, 2011a), Mário Mesquita e Cristina Ponte (1997). Por exemplo, os índices de circulação de jornais em Portugal em relação à média europeia: em 2009, circularam em Portugal 59,9 cópias por cada 1000 habitantes, em Espanha 99,2 e em França 83

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jornalísticos das receitas publicitárias, pela exiguidade e pelo fechamento do mercado de trabalho dos jornalistas 4 —, os jovens, que em grande número procuram a profissão,5 estão particularmente vulneráveis e sujeitos a situações de precariedade laboral que condicionam a perceção/representação da sua vivência e do posicionamento a adotar perante aqueles constrangimentos. Os condicionalismos metodológicos à análise dos resultados do inquérito sobre as pressões extraeditoriais serão apresentados adiante. Para já, refira-se que a interpretação da natureza e da extensão do conceito de “pressão extraeditorial” pode ter variada entre os respondentes. No inquérito, procurou-se identificar quaisquer tentativas de influência, de ameaça, coação ou restrição efetivas especificamente orientadas para a alteração de conteúdos informativos, por parte de pessoas ou de instituições. Os jovens foram convidados a identificar se já tinham sofrido pressões e, se sim, a escolher uma ou várias das origens propostas no inquérito: o “colega”, o “editor”, o “proprietário”, o “anunciante”, os “políticos”, ou “outras”. As pressões que analisamos distinguem-se das condicionantes rotineiras do jornalismo, como, por exemplo, a orientação editorial do meio de comunicação social, a necessidade de síntese e a urgência do tempo, os recursos humanos e/ou materiais disponíveis para realizar um trabalho, como a existência de fotografias ou de imagens de vídeo. No caso dos jornalistas mais novos e em tempos de crise, são sentidas muitas vezes em redações com menos profissionais ao serviço, onde são exigidos horários alargados, e são favorecidas pelo desejo de mostrar disponibilidade para o trabalho aos superiores, eventualmente perante outras pressões — família, receio de ficar desempregado, salários reduzidos —, e pela dedicação até ao limite do sacrifício, mesmo em situação de precariedade laboral, ou justamente por causa dela.6 A questão fundamental é saber que pressões visam os conteúdos editoriais e de que forma interpelam a autonomia profissional dos jovens jornalistas. A análise das respostas será antecedida pela caracterização do contexto de crise e de precariedade laboral em que trabalham e pela referência aos conceitos de proletarização e de desprofissionalização dos ofícios, que vários autores consideram caracterizar o mundo contemporâneo do trabalho.

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143,9 cópias. “A leitura de jornais no mundo — (Circulação média/população adulta — Cópias por 1000 habitantes)” — Associação Nacional de Jornais (Brasil), disponível em: http://www.anj.org.br/leitura-de-jornais-no-mundo (consultado a 06/11/2014). Cf. José Rebelo (2011b: 62-68). Em 2005, o Sindicato dos Jornalistas estimava que, em cada ano, havia 1500 novos licenciados em Jornalismo. No ano letivo de 2004/2005, os cursos de Comunicação (de todas as áreas de especialização) abriram 1783 vagas. Cf. Vanda Ferreira (2006). Fernando Correia identifica-as simplesmente como “as pressões” que hoje sujeitam os jornalistas: a “pressão laboral”, pela polivalência de funções, a precariedade, os despedimentos e o “desrespeito pela contratação coletiva”; a “profissional”, pela urgência de produzir e as tentativas de influência das agências de comunicação; a “ética”, dada alguma indistinção entre jornalismo, sensacionalismo, publicidade e entretenimento; a “empresarial”, pelas sinergias e daí um maior impacto do condicionamento dos representantes dos trabalhadores; a pressão contra a “autonomia”, pelo maior poder dos departamentos de gestão, das estratégias de marketing e de publicidade dos próprios meios no conteúdo editorial; e a “político-ideológica”, resultante dos objetivos de “lucro político e ideológico” dos grupos económicos. Cf. Fernando Correia (2012).

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Rémy Rieffel, sociólogo, autor de vários estudos sobre os jornalistas franceses, argumenta como a esfera subjetiva condiciona as práticas profissionais. A forma como os profissionais se veem e à sua prática condiciona as suas expectativas e motivações no trabalho; a sua perceção de missão, os princípios deontológicos alegados, as normas indicadas para esclarecer as atitudes: “Estas dimensões particulares do comportamento dos profissionais dos média só têm interesse e sentido se forem analisadas no contexto preciso no qual evoluem, sob pena de se cair numa forma de psicologismo redutor” (Rieffel, 2003: 136). Assim, faz sentido perguntarmos: Qual é o nível de pressão a que os jovens jornalistas declaram estar sujeitos? Qual é a sua atitude perante as pressões extraeditoriais? Como fundamentam essa atitude? Quais são as causas e as origens destas pressões? Prevalecem os condicionamentos de natureza política? Os constrangimentos de raiz económica ou publicitária ter-se-ão tornado preponderantes? As variáveis sociográficas (género, idade, escolaridade) estão associadas à incidência de pressões ou ao tipo de reação dos jovens jornalistas? O segmento a que pertence o meio de comunicação social é um fator de variação?

2012, ano de crise O contexto em que os jovens jornalistas portugueses responderam ao inquérito, em abril de 2012, torna mais crítica a apreciação do mercado e da sua situação profissional. Especialmente a nova geração reconhecia pertencer, em termos profissionais, a um grupo conhecedor ou experiente do desemprego e acossado pela quebra das receitas e redução do número de trabalhadores,7 num contexto de crise económica e de intervenção da Troika — BCE, FMI, UE. A imprensa perdia circulação 8 e verificava-se uma redução do investimento publicitário em quase todos os tipos de meios.9 Segundo dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), em 2009, quase 90% dos jornalistas trabalhavam ou na imprensa, ou na rádio, ou na 7

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Os volumes de negócio dos grupos económicos de média jornalísticos decresceram entre 29,8% (Media Capital) e 4,4% (Sonaecom) em 2012, em relação ao ano anterior. O número médio de pessoas ao serviço desses grupos reduziu-se, no mesmo período, entre -18,3% (Media Capital) e -2,6% (Cofina) ou estabilizaram: -0,9% na Sonaecom. Fonte: Relatório de Regulação da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social de 2012. A circulação de imprensa decresceu entre 3% a 20% de 2011 a 2012, em quase todos os títulos dos vários segmentos de publicações, de expansão nacional e regional, generalista e especializada. Fonte: Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação, disponível em: http://www.apct.pt/Analise_simples.php (consultado a 06/11/2014). O investimento publicitário reduziu-se 7,5%, de 4969 milhões de euros em 2011, para 4594 milhões de euros em 2012 (receitas de publicidade a preços de tabela, “excluídos todos os eventuais descontos”). Fonte: Anuários de Media e Publicidade da Marktest nos Relatórios de Regulação da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social 2012, disponíveis em: http://www.erc.pt/pt/estudos-e-publicacoes/relatorios-de-regulacao (consultado a 06/11/2014).

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Quadro 7.1

Processos de 2007 a 2011 por tipo de subsídio

Ano

Subsídio de desemprego

Subsídio social de desemprego

Subsídio parcial

Subsídio global

Subsídio complementar

Totais

2007 2008 2009 2010 2011 Total

082 096 139 115 134 566

00 00 26 38 25 89

0 0 1 6 2 9

00 00 08 14 07 29

0 0 1 0 0 1

082 096 175 173 168 694

Fonte: Caixa de Previdência e Abono de Família dos Jornalistas / Sindicato dos Jornalistas.

televisão.10 Em 2012, a distribuição dos jovens jornalistas por tipo de meio é semelhante: imprensa (41%), vários meios (11,8%), televisão (11,7%), rádio (6,6%), meios exclusivamente online (3,5%), agências noticiosas (2,9%), produtoras (1,9%) e agências de comunicação (0,6%). Há ainda 19,8% dos respondentes que não especificaram o tipo de meio em que já tinham colaborado. Esta repartição introduz a questão da mobilidade laboral: dos 508 inquiridos na investigação sobre “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses” que identificaram os órgãos em que já tinham trabalhado, 323, ou seja, 63,6%, referiram entre dois e cinco ou mais meios, enquanto 155 (30,5%) declararam ter trabalhado num único meio. Note-se que, no momento do inquérito, 70,7% dos respondentes tinham idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos e 8,9%, entre 19 e 24 anos, ao passo que os inquiridos com idades entre os 35 e os 44 anos, portanto com uma carreira mais longa, se ficavam pelos 20,4%.11 A mobilidade laboral dos jovens jornalistas será melhor compreendida com os números do desemprego. No mesmo mês do lançamento do inquérito, o Sindicato dos Jornalistas (SJ) divulgou que, entre 2007 e 2011, 694 profissionais recorreram ao subsídio de desemprego, na sequência da rescisão de contratos de trabalho e de processos de despedimento coletivo, ou ao subsídio social de desemprego, após o esgotamento do primeiro. De 2009 a 2011, os novos pedidos de subsídio de desemprego ascenderam a mais de uma centena e aí se mantêm.12 O SJ associava o maior número de pedidos, no período de 2007 a 2011, à concentração da propriedade de empresas de meios jornalísticos: “Dez delas responderam por 342 novos pedidos de subsídio de desemprego, ou seja, mais de 88%”.13

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Distribuição dos jornalistas por tipo de meio em 2009: imprensa — 61,8%; televisão — 15%; rádio — 13,1%; agência noticiosa — 4,5%; multimédia — 1%; produtora — 0,3%; outros — 4,3% (N = 6350). Fonte: José Rebelo (2011b: 52). Em média, os inquiridos obtiveram a sua primeira carteira profissional com 24 anos de idade. Cf. Sindicato dos Jornalistas (2012). Idem.

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Os valores dos jornalistas e a especificidade da empresa jornalística A análise das respostas dos jovens jornalistas sobre as suas atitudes perante as pressões implica que salientemos algumas características das empresas de média e do respetivo grupo profissional. A independência consagrada na Lei e no Código Deontológico, a autonomia e a legitimidade social, conquistadas no processo de profissionalização, são conceitos a que recorreremos para interpretar os dados. a) A empresa jornalística como sistema social Michel Mathien, na sua obra Le Système Médiatique (1989), caracteriza a empresa jornalística como um sistema social, uma organização complexa e regulada pela interação com o ambiente. No interior da empresa jornalística há uma orientação editorial para a prestação de um serviço de interesse público, uma hierarquia, solidariedades ou disputas entre os membros da redação ou de outros departamentos. O seu funcionamento assenta num fluxo de sinais, estímulos e solicitações com os subsistemas económico (os anunciantes, as empresas, os públicos), político, cultural e científico, aos quais a empresa/meio devolve o serviço “informação” e dos quais recebe novas reações, concordantes ou discordantes, de bloqueios ou de parcerias. Essas trocas funcionam para regular o sistema, e qualquer falha na sua interoperacionalidade, ou qualquer obstáculo às interações implica o risco de colapso da organização. A teoria sistémica aplicada à sociologia das profissões sublinha que a legitimidade social das empresas / meios jornalísticos implica o reconhecimento da autonomia dos jornalistas, baseada nos seus valores e práticas.14 As pressões externas aos critérios editoriais do meio são, dependendo do grau, uma tentativa de influência ou uma imposição do ambiente ao sistema, um bloqueio ao seu funcionamento via trocas mútuas. b) A especificidade da empresa jornalística Outra das características das empresas jornalísticas, invocada frequentemente para justificar a sua atuação, é o facto de não visarem exclusivamente o lucro económico-financeiro. Pierre Sorlin defende que procuram a influência social, o que orienta os projetos dos seus proprietários: “[…] do ponto de vista económico, os média são, em parte, típicos e, em parte, diferentes das empresas capitalistas. São semelhantes, no sentido em que se revelam altamente influenciáveis pelas mudanças técnicas, necessitam de investimentos enormes e se encontram incluídos em conglomerados. Porém, mostram-se diferentes, no sentido de não estarem orientados, em primeiro lugar, para o lucro, e de procurarem vários objetivos ao mesmo tempo.” (Sorlin, 1997: 131) 14

Andrew Abbot, citado por Joaquim Fidalgo (2008: 37-40), estudou o trabalho especializado através da teoria dos sistemas sociais em The System of Professions: An Essay on Division of Expert Labour (1988).

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O contexto em que atuam as empresas jornalísticas, o seu setor económico, pode ser compreendido através do conceito de campo, de Pierre Bourdieu (1989). Segundo este autor, um campo delimita um espaço social simbólico, cuja autonomia é constituída por práticas, representações, códigos de valores e rituais, condições de pertença e de exclusão desse território, que é também um local empírico de socialização. Os agentes do campo jornalístico estabelecem as suas significações legítimas e desenvolvem disputas pela determinação, validação, legitimação e recomposição do habitus que compõe o poder simbólico. A posição social dos agentes é determinada pelo capital económico (dinheiro), cultural (nível académico, saberes e conhecimentos especializados) e social (relações interpessoais) que podem ser convertidos em recursos de dominação. Bourdieu caracterizou a atividade dos meios televisivos e dos seus profissionais como estruturalmente construída sob as premissas do mercado, das audiências e do interesse na maximização do lucro económico. A seleção/construção dos acontecimentos e a escolha das fontes de informação estão dominadas pela lógica do audímetro, do que é mais visto, do que permite vender publicidade. Daí que a concorrência entre as televisões, no seu entender, promova a repetição do que vende mais, ao invés de diversificar a oferta (Bourdieu, 1997). Numa análise do lugar dos jornalistas, Bourdieu associa a autonomia ao seu reconhecimento público e à situação da empresa no setor económico. […] o grau de autonomia de um jornalista depende, em primeiro lugar, do grau de concentração da imprensa (que, reduzindo o número de potenciais empregadores, aumenta a insegurança do emprego); em seguida, depende da posição de cada jornal no espaço dos jornais, isto é, mais ou menos próximo do polo “intelectual” ou do polo “comercial”; depois, depende da sua própria posição no jornal ou no órgão de comunicação social (titular de um contrato de trabalho de duração indeterminada, ou não) que determina as diferentes garantias estatutárias (ligadas, nomeadamente, à notoriedade) de que ele dispõe assim como o seu salário […]; e, enfim, depende da sua capacidade de produção autónoma da informação (certos jornalistas, como os divulgadores científicos ou os jornalistas económicos, são particularmente dependentes. (Bourdieu, 1994: 3)

c) A relação dos jornalistas com a empresa / meio jornalístico A premissa da racionalidade weberiana, segundo a qual as ações individuais seguem um propósito a partir da avaliação das oportunidades e das dificuldades, sendo a pré-condição da ação, leva-nos a analisar os testemunhos num enquadramento compreensivo dos constrangimentos organizacionais, para o que é pertinente abordar a relação das empresas com os jornalistas. Sorlin invoca a distinção de Max Weber entre poder e domínio: O primeiro […] está ligado à autoridade e implica a possibilidade de impor domínio a outras pessoas e o dever de essas pessoas obedecerem. […] o domínio é meramente uma influência derivada de uma posição e de um atuar perante outras pessoas que

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são formalmente livres de recusar, mas consideram ser mais conveniente ou mais recompensador aceitar. […] É possível que o domínio esteja baseado nos mais diversos motivos para a condescendência — da simples habituação até ao cálculo mais racional das vantagens —, o que implica que o domínio não pode existir sem um mínimo de condescendência voluntária. (Sorlin, 1997: 102-103)

O autor sublinha a “identidade organizativa” existente nos meios jornalísticos, que contribui para um maior equilíbrio das aspirações pessoais frustradas e ajuda a resistir ao controlo administrativo, situação que pode ser considerada como um princípio moral imutável através do tempo (apesar de imaginário, este pacto revela-se eficaz) (Sorlin, 1997: 126-127).

Apesar da competição entre jornalistas, “atendendo a que assimilam as regras da sua profissão e ajustam a sua estratégia de acordo com as mesmas, a maior parte das pessoas que trabalham nos média permanecem na linha de análise de investimento profissional que Durkheim referia” (Sorlin, 1997: 124). d) A identidade profissional dos jornalistas A compreensão do papel e da posição dos jornalistas nas empresas de comunicação social implica reconhecer algumas características da identidade do grupo e das suas condições de autonomia. Tradicionalmente, os estudos sobre as condições de produção jornalística e a teoria organizacional, desenvolvida nos Estados Unidos da América nos anos 70/80, identificavam um grupo coeso nos seus valores e práticas. As teorias do newsmaking e das práticas de gatekeeping, sobre a seleção dos acontecimentos que os jornalistas transformam em notícia,15 a teoria do agendamento 16 e as tipologias de critérios de noticiabilidade sustentam que a legitimidade dos jornalistas se apoia na invocação do interesse público e na aplicação de valores profissionais. O conformismo dos iniciados na redação foi também constatado em 1955 por Warren Breed17 e exprime-se 15 16 17

Em 1949, David Manning White, da Universidade do Iowa, acompanhou a seleção de ocorrências a transformar em notícias a partir das escolhas de um editor e as razões invocadas por este para rejeitar outras, aplicando a teoria do psicólogo social Kurt Lewin. A primeira tipologia de valores-notícia foi elaborada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, em 1968, a partir do reconhecimento da coerência entre as notícias consideradas importantes pelos jornais e pelo público da Carolina do Norte. Classicamente, a socialização de jovens jornalistas numa redação dos EUA associa o ser profissional ao conformismo com as regras da organização e a política editorial da empresa/meio, o que promove a colaboração entre colegas. O autor identificou seis fatores de socialização: (1) a autoridade institucional e a existência de sanções — a distribuição de trabalhos pelos editores leva o estagiário a enquadrar-se no que percebe ser pretendido; (2) a estima e a obrigação para com os superiores — o respeito profissional e a gratidão por cumprir a vocação; (3) as aspirações de mobilidade, pela publicação de trabalhos destacados; (4) a ausência de grupos de interesse em conflito na redação; (5) o prazer obtido com o trabalho — o jornalista sente que é membro de uma

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pelo desejo de integração e permanência no ofício com as melhores oportunidades.18 Atualmente, a identidade do grupo é perspetivada como contraditória. Rémy Rieffel, na sua análise do jornalismo em França, sustenta que os jornalistas vivem com uma falta de coincidência entre “a imagem de si” e “a imagem para os outros”. Há uma espécie de negociação entre a “ ‘identidade real’ […] a interiorização do que se deseja ser e, por outro lado, a ‘identidade virtual’, aquela que é atribuída por outrem”. O resultado dessa troca de representações fixa a identidade social. Na “imagem para os outros”, o autor identifica a descredibilização dos jornalistas pelos públicos, pela contradição entre a figura do repórter independente, obstinado em denunciar os abusos dos poderes, e a sua presença de vedeta. Na “imagem de si próprios”, Rieffel encontra a difícil conciliação entre o individualismo de um pensar livre, um espírito curioso e crítico, e de um saber-fazer à imagem do intelectual, com formação superior e eficiência nas tecnologias, e o facto de serem maioritariamente funcionários de empresas/meios. “Divididos entre a observância das regras organizacionais da empresa que os emprega e o respeito das normas profissionais que colocam a tónica na independência de pensamento e de expressão, eles têm um sentimento de dupla filiação: pertencer à empresa e ser membros de uma profissão” (Rieffel, 2003: 130). Outro autor que estudou o grupo profissional francês, Dennis Ruellan, também caracterizou os jornalistas pela ambivalência: por um lado, orientam-se pelas suas relações interpessoais, assim como por normas, sistemas de perceção, grelhas culturais e de saberes, práticas e técnicas próprias da comunidade profissional a que pertencem; por outro, situam-se no interior de uma empresa que os emprega e lhes solicita a interiorização dos valores da instituição. “De um grupo profissional — os seus pares — ele pode esperar um reconhecimento e vantagens ligadas à posição desse grupo; da empresa, ele recebe um salário e pode esperar uma evolução da sua carreira e, até, um certo poder” (Ruellan, 2007: 39). Rémy Rieffel reconhece aos jornalistas, apesar de serem assalariados, uma margem de autonomia, no que coincide com Pierre Sorlin, que afirma: Por isso empenham-se em proteger a sua independência e consideram ser da sua responsabilidade quais as notícias que devem ou não ser divulgadas. A sua liberdade relativa, porém, sanciona qualquer missão específica — este é um resultado da estrutura dual das organizações dos mass media. (Sorlin, 1997: 131)

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comunidade e as suas conceções são ouvidas pelos editores — e a natureza das tarefas de que é incumbido — entrevistar, recolher e selecionar informação, escrever e editar implica recompensas não pecuniárias, como o acesso privilegiado a acontecimentos e personalidades, assim como o reconhecimento social da profissão; (6) o valor da notícia — prioritariamente, os membros das redações produzem notícias e só discutem a ética quando as notícias estão garantidas. Esta noção de produtividade reduz o conflito com a política editorial do meio e, segundo Breed, reforça a solidariedade da redação. Cf. Breed (1955). Leiam-se, por exemplo, as entrevistas a Liliana Monteiro (pp. 628-637), a Simone Carvalho (pp. 848-857) e a Sofia Correia (pp. 858-871), que confirmam a concordância com estas premissas, em José Rebelo (2011b).

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Em Portugal, entre os 515 jovens jornalistas que responderam ao inquérito de abril de 2012, prevaleciam os assalariados com contratos sem termo (49,9%) ou a termo incerto (5,8%). Neste grupo de inquiridos jovens havia um maior número de colaboradores sem ligação contratual: 107 dos respondentes (20,8%) declararam trabalhar por conta própria, 73 (14,2%) tinham contrato a termo certo e 39 (7,6%) estavam desempregados.19 Refira-se contudo que o inquérito foi respondido por cerca de um quarto dos jovens jornalistas. A motivação dos colaboradores foi expressa nas respostas pela “dificuldade em conseguir contrato de trabalho” (81 respondentes) e pela invocação do desejo de “ter autonomia profissional” (32 casos). Rieffel defende que a representação ambivalente da identidade dos jornalistas influencia a sua própria perceção do meio. Os jornalistas têm consciência de evoluir num setor muito competitivo, pouco homogéneo e de um individualismo muito marcado. A solidariedade e o espírito de equipa projetados pelo meio para o exterior são muitas vezes uma aparência enganadora. A “imagem para si próprio” dos jornalistas assemelha-se, ao fim e ao cabo, à de um meio partilhado entre várias representações antagonistas, cada vez mais heterogéneo e fragmentado.

Esta característica do grupo influencia a sua perceção da concorrência e das práticas profissionais O acento colocado, pelos próprios jornalistas, na sua independência, nos princípios deontológicos que os animam não é, muitas vezes, mais do que um véu que esconde a verdadeira realidade do mercado que evolui ao sabor da conjuntura política e económica. (Rieffel, 2003: 126)

Em Portugal, Joaquim Fidalgo refere que, na sua experiência como jornalista, identificou uma progressivamente maior dificuldade em mobilizar o grupo sobre questões profissionais. Este reforço do individualismo é atribuído por este autor a dois fatores associados: contratação individual, sem negociação coletiva nem dentro do meio/empresa; diversificação das profissões na esfera do jornalismo, em sequência do desenvolvimento do multimédia e das novas tecnologias que aproximaram informação e comunicação. Os princípios dos jornalistas decorrem de garantias fundamentais das democracias — a liberdade de expressão e de informação, de imprensa e de empresa — o que segundo Ruellan, leva a que as premissas e as fronteiras do profissionalismo se mantenham flexíveis. A variedade de situações profissionais e a forma como condicionam as práticas e as representações definem “um profissionalismo vago”, nas 19

Em 2006, havia 1195 jornalistas em regime livre (colaboradores) de um total de 7387 jornalistas (16,2%); 5625 assalariados (76,1%), 348 desempregados e 219 reformados com título habilitador para o exercício da profissão (dados de 2006 da CCPJ). Cf. José Rebelo (2011b: 78).

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palavras deste autor. Apesar disso, Ruellan considera que há um núcleo de representação social produtivo. As missões, as estruturas de controlo, as formações e os requisitos de qualificação, as práticas, o facto de se tratar de um grupo heterogéneo mas em que a comunhão de valores é maior do que parece, a dificuldade de controlo externo formam um estatuto (Ruellan, 2007: 84). O autor conclui também que as questões éticas são a única responsabilidade individual, e a deontologia o único instrumento de coesão do grupo em situações muito diferentes. A compreensão das respostas dos jovens jornalistas sobre pressões a que estarão sujeitos, rejeitando ou cedendo, passará pelo seu enquadramento relativamente aos valores profissionais, à política editorial do meio e à sua representação da identidade da empresa e do seu lugar na profissão. As escolhas serão representadas pelo apego a um mandato profissional ou pela adesão aos modos de atuação da empresa.

A autonomia como valor profissional As pressões sobre os jornalistas são uma afronta a um dos seus valores fundamentais: a independência. Esta é uma das condições essenciais da sua autonomia profissional e da confiança do público. Ruellan cita Jean Fourré para fundamentar que a “doutrina” de um grupo profissional na sociedade e perante o Estado é baseada em dois princípios abstratos — independência, fundada na ideia de liberdade, e legitimidade de existência do grupo, em nome do caráter indispensável da atividade (Ruellan, 2007: 44) — e na delegação de competências nesse grupo pelos proprietários e pelos editores. Ora, justamente, os jornalistas portugueses trabalham com base num duplo pressuposto: de que a sua independência está consagrada no Código Deontológico 20 e na Lei;21 de que merecem a confiança dos seus públicos. Joaquim Fidalgo, na revisão da literatura sobre sociologia das profissões que faz na obra O Jornalista em Construção, analisa a transformação histórica do jornalismo profissional, citando autores que o descrevem como expressão de um sistema normativo de valores de uma “comunidade moral” (os jornalistas profissionais seriam os mediadores entre o Estado e os cidadãos e teriam uma função reguladora

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O Código Deontológico dos Jornalistas determina que: “5. […] O jornalista deve […] recusar atos que violentem a sua consciência” e “10. […] recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”, cf. Código Deontológico do Jornalista, aprovado em 4 de maio de 1993. A independência e a cláusula de consciência estão consagradas no n.º 1 do artigo 12.º do Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 64/2007, de 6 de novembro, primeira alteração à Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro, que aprovou o Estatuto do Jornalista): “Os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir ou subscrever opiniões nem a abster-se de o fazer, ou a desempenhar tarefas profissionais contrárias à sua consciência, nem podem ser alvo de medida disciplinar em virtude de tais factos”; e no n.º 2: “Os jornalistas podem recusar quaisquer ordens ou instruções de serviço com incidência em matéria editorial emanadas de pessoa que não exerça cargo de direção ou chefia na área da informação.”

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nas questões económicas e na consolidação da ordem social), até outros que o associam a crenças hegemónicas e a orientações ideológicas pelo controlo da sociedade (Fidalgo, 2008: 17). A partir de estudos dos anos 70 e 80 do século XX, a sociologia das profissões integrou as teorias críticas que introduzem “a questão do poder das profissões” e o “papel dos mecanismos económicos e do controlo dos mercados nas sociedades modernas” (id., ibid.: 26), fatores que contribuiriam para a estabilidade do sistema social. Perante objetivos comerciais, o profissionalismo asseguraria a prioridade de um serviço de interesse público que implicaria a capacidade de aplicar conhecimentos adquiridos, na formação e pela experiência, a problemas novos. Assistir-se-ia, assim, à emergência de uma autonomia de atuação e de uma autorregulação do grupo profissional. Nas relações laborais, a colaboração entre pares sobrepor-se-ia ao controlo hierárquico. O Estado e as estruturas institucionais representativas do grupo constituiriam os mecanismos de controlo do acesso ao mercado de trabalho, mediante competências ou formação específica. O profissionalismo traduzir-se-ia num projeto de poder económico, de estatuto social, de rendimento e de prestígio. Pelo contrário, outros autores há que sublinham a perda de legitimidade social do profissionalismo, num contexto de enaltecimento do mercado, de livre concorrência, de liberalização/desregulação, de flexibilização e/ou de deslocalização do trabalho, em prol da eficiência das organizações burocráticas e da maximização do lucro (id., ibid.: 53). Identificam, então, duas tendências de perda do poder e da influência dos ofícios: a desprofissionalização e a proletarização. Por desprofissionalização,22 entendem mudanças no mundo do trabalho, como a perda do caráter especializado e exclusivo dos ofícios legitimados e, em consequência, o reforço das tendências de desqualificação, de diminuição do poder, da autonomia ou do monopólio de uma profissão, a perda do controlo do conhecimento, do saber especializado e exclusivo, que passaria a estar ao alcance de quem quer que seja (por exemplo, no jornalismo e nas profissões da comunicação, de quem possua habilitações mínimas no âmbito das novas tecnologias). Paralelamente, consideram que, do lado dos públicos, se verifica uma descrença no ethos dos profissionais (valores, crenças, práticas, representações, cultura), uma revalorização dos saberes empíricos, uma desconfiança na capacidade de denúncia e de confronto dos poderes instituídos pela aplicação dos valores profissionais. Quanto à proletarização, os mesmos autores referem a prática de organizações burocráticas (empresas) que contestam a autonomia dos profissionais, logo despojados, ao nível técnico e ao nível ideológico, da capacidade de controlo do processo de produção e do produto final. Ao nível técnico, os profissionais, integrados numa cadeia de produção, desempenham, nessas empresas, um número determinado de tarefas de forma intensiva, rotinados, sem perspetiva do conjunto. As condições e a rotina de produção são fixadas por uma entidade externa. Ao

22

Cf. Marie Haug, “Deprofessionalization: an alternate hypothesis for the future” (1973), citada por Joaquim Fidalgo (2008).

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profissional competir-lhe-á desempenhar, apenas, tarefas específicas sem ligação aparente entre si. Ao nível ideológico, a proletarização será a expropriação dos valores, dos conhecimentos, das competências e da experiência, dos princípios éticos e deontológicos que definiam a responsabilidade social dos profissionais. Alain Accardo acrescenta a condição precária dos jornalistas sem vínculo laboral estável aos meios/empresas, os colaboradores que trabalham à peça. No caso português, associamo-los às carreiras feitas de passagens por entre dois a cinco tipos de meios no decurso de uma década, como foi indicado na contextualização da crise.

Limitações metodológicas O caráter delicado do tema das pressões sobre jovens jornalistas implica alguns esclarecimentos, da maior importância, acerca das condições de produção e da base empírica que estão na origem do presente trabalho. Passamos a expor algumas limitações metodológicas associadas às condições de produção deste trabalho, com repercussões importantes no seu alcance analítico e teórico. Aproveitamos para apontar aquelas que nos parecem ser as metodologias mais adequadas a um futuro aprofundamento do tema.

O caráter genérico do inquérito Comecemos pelo caráter genérico do inquérito, que procura uma ampla caracterização sociológica dos jovens jornalistas e das suas representações da profissão, e só marginalmente aborda o tema das pressões. Das 74 questões do inquérito, apenas três dizem diretamente respeito a pressões. Nomeadamente: Q16 - Alguma vez recebeu ordens ou pressões diretas para alterar peças por razões extraeditoriais? Q17 - De quem recebeu as pressões? Q18 - Como agiu? Quais as consequências? Esta formulação, no contexto de um inquérito muito mais vasto, coloca problemas metodológicos. Seria desejável, numa recolha empírica focada no tema das pressões extraeditoriais, uma explicitação prévia deste conceito de “pressões extraeditoriais”, e a formulação mais clara das questões. Por exemplo, a questão Q18 é pouco precisa, inclui na verdade duas questões, embora essa imprecisão seja colmatada com o facto de a resposta ser aberta. Seria desejável colocar questões mais específicas, incidindo sobre o processo de produção da notícia, o relacionamento com a hierarquia e os visados nas notícias, ou o relacionamento da empresa com os anunciantes. O recurso à metodologia da entrevista semidiretiva, num tema delicado como este, seria mais vantajoso do que o inquérito, já que poderia incluir perguntas

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abertas destinadas a inferir as pressões, despoletando no entrevistado um discurso mais abrangente e compreensivo sobre o tema, quanto à natureza, condições e origem das pressões, sem o constrangimento do questionamento direto. O estabelecimento de uma relação de diálogo e de confiança entrevistador-entrevistado permitiria maior elaboração e contextualização desse discurso face ao tema, estimulado pela formulação de perguntas ou observações subsequentes por parte do entrevistador. A abordagem das pressões extraeditoriais tornar-se-ia desta forma mais compreensiva.

Pressões extraeditoriais? Se para muitos dos respondentes a distinção feita na Q16 (“… por razões extraeditoriais”) é clara, para outros pode não ser. Qual o limite entre pressão editorial e extraeditorial? As duas estão necessariamente interligadas, o que sujeita esta questão a vários tipos de interpretação, e compromete a análise das respostas, tanto mais que não sabemos, em cada caso, qual das interpretações é assumida pelo inquirido. Por outro lado, os jornalistas, em particular os jovens, estão sujeitos a uma multiplicidade de pressões, de diversa natureza (como já foi referido), que seria interessante abordar num trabalho mais aprofundado. São os casos do ritmo acelerado e desregrado da profissão, da pressão do tempo no fecho das notícias, das pressões familiares, da pressão da crise no setor, que se reflete em baixos salários e maior precariedade ou em práticas de competição no interior da redação, que se traduzem em mais pressão. Outro fator a considerar, patente nas respostas abertas à Q18, é a dificuldade de situar deontologicamente a pressão extraeditorial. Para um conjunto de jovens jornalistas parece que ela é aceitável, resultante da interação entre a empresa e o seu ambiente, nomeadamente, através da negociação entre os jornalistas e as fontes de informação, ou não é sequer vista como pressão, mas como componente natural do processo de produção da notícia. Outros jovens jornalistas, pelo contrário, revelam, duma maneira ou doutra, a repulsa por este tipo de tentativas de constrangimento ou de influência.

Fatores de possível enviesamento de dados No âmbito de um inquérito escrito tão abrangente, há vários fatores que podem levar à omissão de situações de pressão, com reflexos negativos na qualidade dos dados recolhidos: 1.

O receio de represálias na empresa e no setor. Este receio é potenciado por um contexto de crise e escassez de emprego na área e pela suposição, por parte do inquirido, de que será fácil a sua identificação individual pelo cruzamento de dados sociográficos e outros fornecidos no próprio inquérito.

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2.

3. 4.

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A tentação de responder “Não” à pergunta Q16, por ser uma questão delicada, e por a resposta “Sim” implicar responder às duas questões subsequentes, que pedem uma especificação da situação. O tempo limitado do inquérito pode favorecer esta decisão. O constrangimento de admitir que já se foi pressionado, numa profissão em que a autonomia é um valor muito importante. A relativização da ideia de pressão extraeditorial, tendência para o inquirido a considerar natural, corrente na vida de uma organização jornalística, e não merecedora de denúncia.

A informação ao nosso dispor, em resultado do inquérito, é muito rica, na medida em que pôde ser cruzada com outras variáveis fundamentais na caracterização dos perfis de entrevistado. Mas, como vimos, limitativa do âmbito de análise de um tema — as pressões — que é muito profícuo no contexto da profissão. Nas entrevistas semidiretivas aos jovens jornalistas em 2006-2007, por exemplo, todos referem a existência de pressões, a maior parte das quais veladas, não explícitas, que revelam essa riqueza e cuja abordagem não cabe no âmbito deste trabalho e do inquérito em que se baseia. Por exemplo, almoços e jantares oferecidos pelo poder político, por serviços ou empresas; rituais de sedução; pressões diretas por parte de políticos; testemunho de colegas mais ligados ao tema da política ou da economia que, por vezes, “são contactados”; ou a receção pelos jornalistas de documentação da parte de instituições procurando “vender o seu peixe”. Algumas destas formas de pressão podem bem não ter sido consideradas por muitos dos inquiridos como “ordens” ou “pressões extraeditoriais”, levando-os a responder “Não” à questão Q16.

Análise dos dados e testemunhos Além do inquérito ao universo dos jovens jornalistas de Portugal (2012), que constitui a principal base de trabalho, permitindo o cruzamento de variáveis significativas para o tema, contamos com um conjunto limitado de entrevistas semidiretivas a jovens jornalistas, realizadas em 2006 e 2007, em que o tema das pressões também foi abordado. Optámos por organizar o trabalho analítico em torno das dimensões e formulações que o material empírico nos permite equacionar. A saber: o nível de pressões extraeditoriais, ou o valor relativo de jornalistas que se declararam pressionados; o nível de cedência às pressões, ou o valor relativo de jornalistas pressionados que cederam às pressões; as causas evocadas para a cedência às pressões; e as consequências da reação do jornalista às pressões. A extensão do inquérito permite-nos a análise destas dimensões à luz da variação de uma multiplicidade de atributos dos inquiridos. Idealmente, num quadro metodologicamente mais desenvolvido quanto à recolha de informação sobre pressões, esta análise deveria ser multivariada (ACP ou análise de clusters), de forma a identificar fatores resultantes das situações mais significativas de covariação e perfis de inquiridos.

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Mesmo sem esta análise mais fina, identificámos um conjunto de efeitos a partir da medição, pelo método do qui-quadrado (c2), da associação das pressões com variáveis sociográficas clássicas — género, idade, escolaridade — e outras variáveis pertinentes, como o tipo de meio em que o inquirido trabalha ou trabalhou, ou a quantidade de meios em que trabalhou. Identificámos, também, um conjunto de variáveis que, aparentemente, não têm impacto sobre as pressões extraeditoriais, como a ideologia. Nível de pressão extraeditorial Por “nível de pressão” entendemos a percentagem de jovens jornalistas que declaram ter sido pressionados em relação ao total de respondentes. Em termos globais, 183 dos 515 respondentes (36%) afirmam já ter sofrido pressões extraeditoriais. Na ausência de termos de comparação, é difícil apreciar este valor. Mas, se considerarmos que, pelos motivos anteriormente apontados, uma parte dos jornalistas terá evitado responder a este grupo de questões, ou reconhecer a existência destas pressões, podemos inferir que o nível de pressão é elevado e significativo, aproximando-se da metade dos jovens jornalistas. De entre os que se declararam pressionados, e depois de um tratamento das respostas à questão aberta Q18, chegámos ao gráfico da figura 7.1. Dos sete não respondentes à questão Q16, alguns serão jovens que foram pressionados e por algum motivo preferiram não responder. Mas, evidentemente, não os incluímos entre os pressionados. O gráfico revela também as reações às situações de pressão, em termos de cedência ou não cedência, com apenas 46 dos 183 pressionados a afirmarem não ter cedido à pressão. Nível de pressão em função da origem das pressões O editor e o proprietário são as duas principais origens das pressões extraeditoriais referidas pelos inquiridos, com 104 (20,2%) e 88 (17,1%) casos de pressão declarada sobre os 515 jovens jornalistas. Os anunciantes (7,6%), os políticos (6%) e outros (5,8%) são menos referidos nas respostas, sendo inexpressiva a existência de pressões por parte de colegas. A incidência no editor e no proprietário corrobora a tese de proletarização do campo profissional dos jovens jornalistas proposta por Alain Accardo, já que é a hierarquia que determina a maior parte das pressões extraeditoriais. As respostas à questão Q18 (“Como agiu? Quais as consequências?”) confirmam uma predominância da submissão à hierarquia empresarial e aos interesses exteriores, desde que validados pela chefia. Há consequências diretas para os que não aceitam a pressão extraeditorial, o que é salientado nalguns testemunhos e que analisaremos num ponto à parte. Na mesma linha, estes dados demonstram a baixa incidência de pressões diretas sobre os jornalistas com origem em políticos. A pressão da esfera económica (anunciantes) chega a ser superior, e ambas são superadas ou filtradas pelas

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46 9% 28 5%

50 10%

Nunca se sentiu pressionado Não responde 59 12%

325 Pressionado, cedeu 63 Pressionado, cedeu mas argumentou 7 1%

Pressionado, não esclarece Pressionado, não cedeu

Figura 7.1

Nível de pressão, cedência e não cedência (valores absolutos e percentagens)

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

25 20,2

20 17,1

15

10 7,6 6,0

5,8

Políticos

Outra (s)

5 1,7

0 Colega

Figura 7.2

Editor

Proprietário

Anunciante

Percentagem de jovens jornalistas que se declararam pressionados, por origem da pressão

Nota: Resposta múltipla: cada inquirido podia selecionar várias categorias. N=515, para cada coluna. Valores absolutos: de colegas = 9 casos; de editores = 104; do proprietário = 88; de anunciantes = 39; de políticos = 31; de outras origens = 30. Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

relações hierárquicas internas, que mostram ser determinantes para a estabilidade do posto de trabalho. Há que considerar, porém, que uma parte das pressões que os jornalistas identificam como originárias nos editores e proprietários deverão resultar de pressões exteriores (políticas, económicas ou outras), explícitas ou implícitas, sobre esses editores e proprietários.

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Nível de pressão, idade, género e escolaridade Não há relação significativa entre o nível de pressão e o género, segundo o teste do qui-quadrado, embora as jovens jornalistas declarem sofrer ligeiramente mais pressões (38,0%) do que os jornalistas do sexo masculino (33,0%). Como veremos infra, as mulheres têm também um nível de cedência à pressão ligeiramente maior, dados que se podem relacionar com vários fatores subjacentes a um tratamento ou estatuto diferenciados entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Com a faixa etária passa-se uma situação semelhante, isto é, uma variação pouco expressiva, embora com uma exceção, na categoria 24 anos, em que apenas 22% dos inquiridos declaram ter sido pressionados, um valor muito inferior à média de 36%. Vários efeitos explicam este valor baixo. Desde logo, o facto de os jovens dessa faixa etária terem uma experiência profissional mais limitada no tempo e na variedade de meios e, portanto, uma menor exposição à possibilidade de pressões. Depois, o desempenho de funções de menor responsabilidade, também menos sujeitas à possibilidade de pressões. Finalmente, a importância dos 22% diminui por incidir em apenas 45 casos, contra valores muito superiores nas restantes faixas etárias. Se desagregarmos este valor por género, e contrariando a tendência geral do género, verificamos que são as mulheres que mais contribuem para o baixo valor, com 19% de pressionadas com menos de 24 anos e, nos homens, 31% de pressionados com menos de 24 anos, um valor próximo da média. No geral, as faixas etárias que se declaram mais pressionadas são as intermédias (25-29 anos, com 38%, e 30-34, com 39%), tendo a faixa etária 34 anos um valor mais baixo (35% de pressionados), quase coincidente com a média de 36%. Seria interessante testar se esta tendência de diminuição continua nas faixas etárias de jornalistas com mais de 40 anos. As conclusões que a tirar da análise da escolaridade devem ser relativizadas, devido à grande concentração da distribuição na categoria dos licenciados (367 dos 515 jovens jornalistas têm apenas a licenciatura). As categorias dos que têm habilitação inferior à licenciatura são pouco conclusivas, pelo escasso valor de N. Existe associação entre a escolaridade e o declarar ter ou não sofrido pressões. A associação é determinada por um valor mais elevado de pressões extraeditoriais exercidas sobre os pós-graduados, face às restantes categorias (licenciados, 12.º ano ou frequência universitária). Dos 77 jornalistas jovens pós-graduados, são mais os que afirmam já ter sofrido pressões do que os que afirmam não ter sofrido, uma situação rara em toda a base de dados. Desempenho de funções de maior responsabilidade editorial ou maior vontade para, no contexto do questionário, denunciar as situações de pressão, podem explicar a tendência.

100 Quadro 7.2

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Nível de pressões extraeditoriais, nível de cedência e percentagem dos jornalistas jovens que cederam mas argumentaram, por grau académico

Grau académico

Até ao 12.º ano Bacharelato/ frequência universitária Licenciatura Pós-graduação/ mestrado/ doutoramento

N

Nível de pressão (%)

Nível de cedência (%)

Pressionados que cederam, mas argumentaram (%)

38 19 367 77

32 26 34 51

63 80 70 77

13 40 32 40

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

Nível de pressão e meios em que já trabalhou As questões do inquérito sobre as pressões extraeditoriais referem-se não ao presente, mas ao conjunto da experiência profissional do jornalista. Assim, criámos uma nova variável, resultado da agregação da questão “órgãos de comunicação em que já trabalhou” em categorias capazes de captar tanto o tipo de meio como o número de meios de comunicação por que passou o jornalista. Mais adiante, quando analisarmos o nível de cedência às pressões extraeditoriais, apresentamos, na figura 7.5, a combinação deste nível com o nível de pressão, permitindo a identificação de dois grupos de meios de características idênticas face à problemática das pressões. Para já, cingindo-nos ao nível de pressão, constatamos que os jornalistas mais sujeitos a pressões são os que trabalharam em produtoras de comunicação (61,5%), em vários órgãos da imprensa escrita (mais do que cinco) (52,2%) e em vários tipos de meios (dois a quatro) (45,5%). O facto de se ter trabalhado em mais órgãos de comunicação tende a elevar naturalmente o nível de pressão declarado, já que, à partida, a probabilidade de sofrer pressões é tanto maior quanto mais numerosos forem os meios por que já se passou. Os meios audiovisuais e os meios locais, como se poderá ver na figura 7.5, são os que menor nível de pressão apresentam, embora, curiosamente, sejam também os que apresentam uma maior conformidade à pressão. O trabalho de índole mais técnica de jornalistas do audiovisual pode ser um fator explicativo deste baixo valor. O quadro 7.3 agrega na categoria “Não” os jornalistas não sindicalizados, mesmo que já o tenham sido no passado, e na categoria “Sim, ou pensa sindicalizar-se” os sindicalizados ou que demonstram a intenção de o ser. Verifica-se uma fraca correlação entre as variáveis, ou seja, o ser ou não sindicalizado faz variar pouco o ter recebido ou não pressões. Há, mesmo assim, uma propensão maior dos sindicalizados para declararem ter sofrido pressões (33,4%, face a 30,4% dos não sindicalizados).

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Quadro 7.3

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Cruzamento do nível de pressão com o ser ou não sindicalizado

Nível de pressão É sindicalizado?

Sim (%)

Não (%)

NR (%)

Não Sim, ou pensa sindicalizar-se Não responde Total

66,7 33,4 00,0 100,00

69,2 30,4 00,3 100,00

85,7 00,0 14,3 100,00

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

Nível de pressão e sindicalização Esta variação, embora pequena, pode relacionar-se com uma maior pressão dos agentes sobre jornalistas sindicalizados ou uma maior sensibilidade destes à ideia de pressão, que se refletiria nas respostas. Os não respondentes à questão sobre as pressões são todos não sindicalizados, exceto dois que também não respondem à questão sobre se são ou não sindicalizados. É portanto um pequeno grupo de jovens jornalistas não sindicalizados para quem a questão das pressões ou é pouco importante ou inibidora, ao ponto de provocar não respostas. Reações face às pressões extraeditoriais e nível de cedência Em termos analíticos, o presente trabalho explora mais as reações dos jornalistas às pressões extraeditoriais, a cedência ou não, e as respetivas causas e consequências. Por “nível de cedência” entendemos a percentagem de jovens jornalistas que declararam ter cedido às pressões extraeditoriais, em relação ao total de pressionados — não em relação ao total de inquiridos. Ele permite-nos uma compreensão mais detalhada do fenómeno, em função das variáveis já consideradas, a identificação de várias formas de pressão, e da sua eficácia. Para a análise desta questão, partimos de um nível de cedência elevado: 109 dos 183 pressionados (59,6%) afirmam ter cedido, com ou sem algum tipo de argumentação ou contestação, o que é consistente com algumas das tendências recentes da profissão, referidas na primeira parte deste capítulo: a proletarização, a desprofissionalização, além da precariedade que limita a autonomia dos jornalistas. Uma das estratégias de reação às pressões consiste em efetuar as alterações exigidas, mas retirando a assinatura. Esta atitude salvaguarda a autonomia profissional e evita um confronto com as chefias. Entre os pressionados, 16 afirmam ter feito a alteração, mas retirando a assinatura. De entre estes, apenas um admite ter sofrido retaliações por essa atitude. Em apenas dois casos a solução foi a passagem da peça a outro jornalista. São casos de não cedência e, num deles, o jornalista refere na pergunta aberta que sofreu a retaliação psicológica de ver os seus trabalhos desconsiderados pela chefia.

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AS NOVAS GERAÇÕES DE JORNALISTAS EM PORTUGAL

120 100 80

21

24

24

30

41

44

50

79

76

76

70

59

56

50

% 60

40 20 0

De anunciantes

De editores

Do proprietário

cederam

Figura 7.3

Qualquer origem

Outra(s)

De políticos

De colegas

não cederam

Percentagem dos jornalistas pressionados que declararam ter cedido, por origem da pressão(*)

(*) Em cada coluna, os 100% correspondem ao número de situações de pressão identificadas na figura 7.2. Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

No livro de Alain Accardo, sobre a precariedade vivida pelos jornalistas colaboradores, Annick Puerto refere que os jovens jornalistas identificam condições de desrespeito da deontologia e julgam severamente alguns aspetos do conteúdo, mas preservam o rigor do trabalho dos seus colegas. A sua leitura é a de que há uma relativização das práticas, em nome da necessidade de cumprir o fim de a empresa/meio produzir informação. Há um sistema de valores de cada jornalista, dada a especificidade da situação individual no trabalho e das circunstâncias de cada peça jornalística. Neste sentido, a passagem de um trabalho que o jovem jornalista sabe ter implicado uma pressão, que é assim viabilizada, sem qualquer denúncia, ou então mesmo depois de toda a argumentação, integra-se nesta prática de garantir que a atividade da empresa/meio continua mesmo num contexto de pressão. Nível de cedência e origem das pressões Cruzando o nível de cedência com a origem da pressão, constatamos que, se a origem é a hierarquia (editores e proprietários), o efeito é mais eficaz, como mostra a figura 7.3. As pressões de anunciantes, porém, são as que geram uma maior conformidade ou nível de cedência (79% dos casos de pressão). A força das pressões dos anunciantes, patente no nível de cedência, é confirmada por muitos testemunhos, em que a autonomia profissional consagrada na deontologia e mesmo no Estatuto dos Jornalistas se revela mais ultrapassada. Assim, é provável que uma parte das situações de pressão atribuídas aos editores ou ao proprietário possam estar relacionadas com anunciantes, sendo as origens indicadas pelos jovens jornalistas apenas intermediárias. Vejamos alguns desses testemunhos:

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— — —

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“Fiz a peça de acordo com as vontades do anunciante.” “Fui obrigada a seguir as indicações do anunciante, sem hipótese de contornar a questão.” “Fiz a reportagem em forma de ‘publicidade camuflada’.”

A indistinção entre as premissas e as obrigações do jornalismo e da publicidade ressoa em testemunhos-denúncia como: —

— —

“A publicação baseia-se em publirreportagens não identificadas como tal, dá primazia aos melhores ‘clientes’ e mostra-lhes os artigos para que introduzam alterações. Há uma noção latente (por vezes às claras), generalizada, de que o jornalista deve ser um comercial.” “O artigo foi publicado conforme […] o anunciante quis. Não podíamos falar mal de quem nos mantinha o programa no ar, a verdade é tão simples quanto esta, infelizmente!” “A pressão feita pelo anunciante é mais complicada, pois estando o órgão dependente do financiamento publicitário o jornalista acaba por compreender que o seu salário depende disso, e nesses casos acabei por ceder à pressão.”

A escolha é, nalguns casos, entre publicar a informação de acordo com as pressões extraeditoriais, ou abandonar o emprego. Exemplos: — — —

“Quando as ordens são internas, as escolhas são apenas duas: ou acatar ou ir embora.” “Apesar de não concordar acatei com a decisão, visto ter vindo de um superior.” “Tive de concordar uma vez que se tratava de uma ordem direta de um superior e devido às condições contratuais em que me encontrava não podia rejeitar a pressão. Optei por não assinar o texto.”

Apesar da generalizada assunção da falta de alternativas, algumas respostas identificam uma margem de autonomia permitida pela dinâmica do trabalho da redação, e alguma capacidade de negociação com os anunciantes. Exemplos: — —

“No primeiro caso, não assinei a peça. No segundo, passei a batata quente a quem de direito.” “Num caso específico, um anunciante, por falta de uma vírgula numa notícia, que veio a alterar o sentido de uma frase, queria que a errata fosse publicada na capa do jornal, em manchete. É preciso t[e]r em conta que não se tratava de algo grave. Isso foi obviamente negado e explicados os motivos. O cliente, ainda assim, perdeu-se.”

Nas respostas dos jovens jornalistas colaboradores sem vínculo laboral à empresa/meio, Accardo identifica uma “apreciação pessoal e flutuante da ‘deontologia’ ”

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100 90 80

75

73

70

70 67

60 %

50 40 30 20 10 0 Até 24 anos

Figura 7.4

25 - 29 anos

30 - 34 anos

> 34 anos

Nível de cedência à pressão por faixa etária

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

(Accardo, 1998: 24). Conclui que as empresas de comunicação social beneficiam de uma “conivência implícita” dos jornalistas colaboradores com as condições de trabalho que lhes oferecem. Aqueles garantem a eficácia do que os oprime (a empresa que não os integra), pela aceitação de uma ordem social que veem ser desigual, na esperança de alcançar uma posição mais favorecida no campo profissional em que se inserem. O individualismo, a disponibilidade para a competição, a crítica extrema e a falta de solidariedade intergeracional, identificada nos colegas mais velhos pelos jovens precários, são convocadas por Accardo para explicar a raridade de causas coletivas ou de ações concertadas para a resolução de problemas laborais dos jornalistas. Accardo caracteriza o grupo dos colaboradores pela ignorância dos seus direitos laborais, pelo extremo isolamento individual, propiciado pelo trabalho fora da redação, pela dispersão e pela elevada mobilidade entre meios. Há a falta de diálogo, a renúncia à filiação sindical e a crença de que os proprietários preferem candidatos mais dóceis (id., ibid.: 19). Considera que estas são condições de desmoralização e de autoexploração, de falta de resistência, que levam os proprietários a explorar a proletarização do trabalho intelectual (e físico), neste caso, dos jovens jornalistas. Cruzando as duas dimensões de análise (nível de pressão e nível de cedência) com a origem da pressão, identificamos dois grupos de origem de pressão, com propriedades distintas: —



Pressões da hierarquia — este tipo de pressões caracteriza-se por um nível de pressão elevado e um nível de cedência à pressão muito intenso. Esta tendência pode explicar-se pela proximidade e pelo poder direto que a hierarquia tem sobre o jornalista e o seu posto de trabalho. Pressões externas — este segundo tipo de constrangimentos revela um nível de pressão baixo (valor moderado de situações de tentativas de influência) e

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uma clara separação entre anunciantes e políticos quanto à conformidade à pressão, sendo a capacidade persuasiva dos anunciantes muito superior à dos políticos. Constatação, esta, que reforça a ideia da predominância da esfera económica sobre a esfera política, na disputa pela influência sobre os média. Nível de cedência por género, faixa etária e escolaridade Tal como havia um nível de pressão maior nas mulheres do que nos homens, com uma diferença de 5 pontos percentuais, também há um maior nível de cedência nas mulheres (72,1% das jornalistas pressionadas cederam) do que nos homens (67,3% dos homens pressionados cederam). Variáveis sociológicas como diferenças de estatuto social, menor segurança do posto de trabalho ocupado por mulheres podem explicar esta diferença que, evidentemente, o presente trabalho não tem possibilidade de demonstrar. A cedência às pressões também varia relativamente pouco com a idade (leia-se “pouco” como valores do qui-quadrado inferiores ao valor crítico, com as percentagens dos que cederam não se afastando muito da média em cada categoria de género ou etária). No entanto, registamos uma tendência de decrescimento constante, com a idade, no nível de cedência às pressões extraeditoriais, patente na figura 7.4. A maior resistência à pressão com a idade é suscetível de várias interpretações. Podemos admitir que haja maior relutância em declarar ter cedido, por parte dos menos jovens. Admitindo que a tendência corresponde à realidade das redações, a evolução explica-se pela maior precariedade laboral, menor experiência e menor estatuto no interior da organização por parte dos mais novos. Quanto ao nível de cedência por escolaridade, existe uma baixa associação, com valores relativamente homogéneos. Há apenas uma diferença significativa, entre licenciados e pós-graduados: como se vê no quadro 7.2 supra. Os jovens jornalistas, com maior formação académica, são, não apenas os que sofrem mais pressões, como os que declaram um maior nível de cedência (77%). Um maior receio de arriscar o posto de trabalho por parte de quem já investiu mais na sua educação é uma possível explicação. Podemos também constatar (ver quadro 7.2) outro dado interessante: de entre os jornalistas pressionados, os que têm até ao 12º ano são, muito destacadamente, aqueles que menos argumentam ou discutem perante as pressões (apenas 13%, contra percentagens entre os 32% e os 40% das restantes categorias). A menor propensão para argumentar dos jovens menos escolarizados é coerente com um estatuto interno desfavorecido face aos titulares de habilitações académicas e, eventualmente, menor familiaridade com os direitos profissionais e menor capacidade argumentativa.

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120 100

80 % 60

40

Figura 7.5

Rádio privada

TV privada

Jornal

Meios locais (2-4)

Meio local

Revista

Pressionados que cederam

Vários audiovisuais (2-4)

Sofreram pressões

Vários tipos (>=5)

Total

Imprensa (2-4)

Vários tipos (2-4)

Não responde

Imprensa (>=5)

0

Produtora, ag. com.

20

Nível de pressão e nível de cedência por número e tipo de meios em que já trabalhou

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

Nível de cedência por número e tipo de meios em que já trabalhou A figura 7.5 mostra as categorias da variável “meios em que já trabalhou”, ordenadas por nível de pressão (barras em cinza escuro). Mostra também o nível de cedência à pressão (barras em cinza claro) em cada uma dessas categorias. Constata-se que, em cada categoria, há uma clara divergência entre o nível de pressão e o nível de cedência, ou percentagem de pressionados que cederam. Os jornalistas dos meios audiovisuais privados, por exemplo, à direita na figura, são os que menos pressões extraeditoriais dizem sofrer. Mas são, ao mesmo tempo, aqueles em que o nível de cedência à pressão é maior. O baixo nível de pressão, que se estende à categoria “vários meios audiovisuais” (18%), poderá estar relacionado com as características técnicas do trabalho destes jornalistas. Não devemos extrapolar para todos os meios audiovisuais o nível de cedência muito elevado das duas categorias mais à direita na figura, uma vez que o número de jornalistas pressionados é apenas de três nas rádios privadas e um em operadores de televisão privados. Além disso, na categoria “vários meios audiovisuais”, apenas dois dos quatro jornalistas pressionados cederam; e o único jornalista pressionado na TV pública não cedeu (o que não é visível nesta figura). Conseguimos identificar um grupo de categorias mais consistente, com um número de jornalistas muito superior, e que diz respeito à imprensa escrita. Estas categorias (imprensa — dois a quatro meios; revistas; meios locais; imprensa — cinco ou mais meios) apresentam níveis de cedência elevados, variando entre 66% e 86%.

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Pressões extraeditoriais e ideologia O teste do qui-quadrado revela também que não há uma associação clara entre a variável posicionamento na escala esquerda-direita e o nível de pressão ou o nível de cedência à pressão, embora haja variações dignas de registo. Os jovens jornalistas de esquerda/centro-esquerda cedem significativamente mais (69%) do que os de direita/centro direita (58%), e os inquiridos do centro cedem ainda mais (73%) do que os de esquerda. Deve ter-se em conta que a esquerda/centro-esquerda é a categoria ideológica predominante entre os jovens jornalistas (mais do que triplicando a direita/centro-direita, o que torna a análise dos primeiros mais consistente e prejudica a comparabilidade, por serem apenas 16% (83) os jornalistas identificados com o segundo grupo. A diferença que encontrámos diz respeito não à cedência, mas à argumentação: apenas três (13%) dos 24 jovens jornalistas de direita ou centro-direita que cederam a pressões argumentaram. Este valor é significativamente diferente dos 34% e 33% de jovens de esquerda ou centro-esquerda e do centro que argumentaram. Se incluirmos, no total, os inquiridos que não esclarecem se cederam ou não, a percentagem dos jovens de direita/centro-direita que argumentaram baixa para 8%. O maior respeito pelas hierarquias sociais da ideologia de direita/centro-direita, um entendimento menos ortodoxo da autonomia profissional face à dimensão empresarial da atividade, ou a tendência contestatária da ideologia de esquerda/centro-esquerda constituem, eventualmente, explicações para esta tendência.

Causas da cedência às pressões Embora não havendo uma questão explicitamente dirigida às causas que levaram os jovens jornalistas a ceder às pressões, a pergunta aberta Q18 (“Como agiu? Quais as consequências?”) levou muitos dos que declararam ter cedido ao esclarecimento das respetivas causas. Dos 109 inquiridos que admitem ter cedido às pressões, metade (54) não esclarecem as causas da cedência, o que não surpreende. Desde logo, a pergunta não é explícita relativamente às causas. Devemos também admitir a possível influência de fatores como a inibição em reconhecer uma atitude de compromisso para com a hierarquia, o receio de represálias por denunciar causas coercivas ou meras limitações de tempo do inquérito. De entre as causas indicadas pelos 55 inquiridos que as referem, estabelecemos uma divisão entre causas coercivas e causas de compromisso. As causas coercivas dizem respeito àquelas situações em que o inquirido afirma ter cedido por via de uma ameaça de qualquer tipo. Uma agregação das respostas à pergunta Q18 permitiu-nos inserir as causas de cedência em categorias de tipo coercivo, como a “ameaça de despedimento”, a “ameaça de retaliações” e o “apelo à autocensura”. Dos 55 jovens jornalistas que explicitam as causas da cedência, 34,5% (19) admitem ter sofrido causas de caráter coercivo.

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As causas de compromisso são as mais evocadas, com 65,5% dos casos. Referem-se a situações em que não há uma intervenção direta de quem pressiona, mas uma aceitação de regras por parte do jornalista pressionado: “A decisão é da chefia”, “Prejudicaria a empresa”, “Lógica de compromisso/adaptação”. Estas justificações remetem para uma conceção comercial ou empresarial da atividade jornalística, em que o jornalista sacrifica parte da sua autonomia a favor da sustentabilidade económica da empresa. Accardo refere justamente como, entre os colaboradores precários franceses, o consentimento no sentido do objetivo da empresa/meio é a premissa de todo e qualquer trabalho. A representação de si dos jovens jornalistas implica mostrarem-se disponíveis para serem escolhidos para uma colaboração, o que justifica o conformismo. A linguagem dos jornalistas franceses entrevistados pelo autor recorre ao jargão comercial para valorizar o produto (trabalho que querem vender ao meio), e revela disponibilidade para explorar o marketing da sua reportagem (cobrir um acontecimento numa dinâmica de espetáculo). A rendibilidade económica é agora uma preocupação dos jornalistas. Accardo constata, por outro lado, que a obrigação de contribuir para o benefício da empresa implica uma autoexploração dos jovens jornalistas precários, a disponibilidade para a legitimação dos sacrifícios de tempo, energia, recursos, e a depreciação pecuniária do valor do seu trabalho — “a denegação do interesse material egoísta”, o que o autor diz ser típico dos campos de produção simbólica (Accardo, 1998: 21).

Cruzamento das causas coercivas com algumas variáveis Apesar do valor estatisticamente baixo (19 ocorrências), procurámos associações entre o tipo de causa e diversas variáveis já tratadas neste trabalho. As variáveis tipo de meio, ideologia e sindicalização não têm uma associação com as causas. Contudo, encontramos associação das causas coercivas com outras variáveis. Assim, há uma maior incidência destas causas de cedência nas mulheres, que constituem 14 dos 19 casos (74%), uma percentagem superior ao peso das mulheres no total dos inquiridos (que é 64%). Quanto à escolaridade, a categoria dos licenciados absorve 16 dos 19 casos, com apenas três inquiridos dotados de outras habilitações a admitir ter cedido por esses motivos. Os pós-graduados e os que não possuem licenciatura têm maior tendência para evocar causas de compromisso. Relativamente à idade, também há uma associação que demonstra, tal como o nível de pressão e o nível de cedência à pressão, existir associação entre a variável faixa etária e a problemática das pressões extraeditoriais. À medida que a idade avança, aumenta o nível de causas coercivas da cedência às pressões: na faixa mais jovem (24) há -9 pontos percentuais de causas coercivas do que a percentagem total de inquiridos desta idade enquanto que, na faixa etária 25-29, esta diferença diminui para -5 pontos percentuais. Nas faixas seguintes a tendência inverte-se. Na faixa 30-34 há uma diferença de +4 pontos percentuais e na faixa 34 a percentagem de

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Quadro 7.4

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Causas da cedência às pressões (a negrito, as causas coercivas; as restantes são causas de compromisso)

Causa da cedência à pressão A decisão é da chefia Risco de despedimento Prejudicaria a empresa Risco de represálias Não era grave Lógica de compromisso Apelo do editor à autocensura Total

N

%

21 13 6 5 5 4 1 55

38,2 23,6 10,9 9,1 9,1 7,3 1,8 100,0

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

jovens jornalistas que admite ter cedido por causas coercivas é de 32%, +12 pontos percentuais do que a percentagem desta faixa etária no total dos inquiridos. Um reforço de tendência do mesmo tipo é visível na variável “meios em que trabalhou”. As categorias em que há maior incidência de causas coercivas são os meios locais e os jornalistas que trabalharam em mais de cinco meios.

Consequências das pressões extraeditoriais A pergunta aberta Q18 questiona diretamente “quais as consequências” decorrentes das pressões extraeditoriais. Já analisámos as reações dos jornalistas enquanto consequências das pressões. Vimos, desde logo, que 109 jornalistas (60% de entre os pressionados, ou 21,2% dos inquiridos) declaram ter cedido e que apenas 46 declaram não ter cedido (25,1% dos pressionados, ou 8,9% do total). Mas outras consequências são apontadas pelos jornalistas, e entre elas daremos particular atenção às consequências de caráter punitivo decorrentes da não cedência. Existem, por exemplo, consequências afetivas, ou sentimentos que os jornalistas expressam como resultado da situação de pressão extraeditorial. Um ou mais sentimentos são evocados em 23 das 183 respostas. É evidente que os 183 jornalistas pressionados terão tido uma qualquer reação afetiva às situações de pressão. O medo, por exemplo, estará presente em muitos daqueles casos de respostas sintéticas em que nenhum sentimento é evocado, mas em que a cedência é taxativa: — — — —

“Fiz o que me mandaram, estava em situação de precariedade.” “Em causa estava o meu posto de trabalho… acatei as ordens.” “Quando as ordens são internas, as escolhas são apenas duas: ou acatar ou ir embora.” “Fui obrigada a alterar.”

O escrutínio diz pois, respeito apenas aos sentimentos explicitados nas respostas à questão Q18.

110 Quadro 7.5

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Consequências de caráter punitivo para jovens jornalistas que declararam não ter cedido às pressões extraeditoriais

Tipo de consequência Penalização com alterações funcionais Ameaça de despedimento Despedimento ou não renovação Pressões psicológicas Retaliações do anunciante Ameaça de ação disciplinar Total

N 4 3 2 2 1 1 13

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

Na maioria dos casos, os sentimentos são evocados por jornalistas que cederam à pressão, e que encontram no inquérito uma ocasião para desabafar. Dominam dois sentimentos: por um lado, o “desagrado”, presente em 15 das 23 ocorrências, e ao qual agregámos outros sentimentos, como a revolta e a indignação resultantes de ver posta em causa a autonomia profissional; por outro lado, o “medo”, nomeadamente de represálias que ponham em causa o emprego, presente em nove situações. As consequências profissionais, para o jornalista, das pressões extraeditoriais e da sua reação às mesmas fornecem pistas de análise mais interessantes. Agregámos as consequências em categorias, por tipo, e concluímos que, num quadro em que a maioria dos jornalistas omite ou não refere a ocorrência de consequências, as consequências declaradas referem-se principalmente a algum tipo de retaliação ou conflito com a hierarquia, principalmente derivadas da não cedência à pressão. A questão mais pertinente que se coloca é: quais foram as consequências profissionais, para o jornalista, da não cedência às pressões extraeditoriais? Há consequências positivas. Mas só excecionalmente. Um jornalista, que não esclarece se cedeu ou não, refere: “Aprendi a contrariar o que não considero correto ou ético.” No mesmo sentido, outro jornalista refere que “fortaleceu a sua posição apesar do conflito” gerado pela situação. De entre os 50 jornalistas que não cederam, 30 não referem consequências, omitindo a questão, sete explicitam que não houve consequências e 13 referem que houve retaliações. O quadro 7.5 enumera estas situações de retaliação, ordenadas por número de ocorrências. O baixo valor de N não permite um tratamento estatístico da associação entre esta variável e as variáveis independentes que temos trabalhado. Mesmo assim, cruzámos estas variáveis e chegámos a algumas conclusões. Tal como noutras dimensões já analisadas, são os editores, proprietários e anunciantes as principais origens das pressões que resultam em situações de punição. As retaliações mais fortes (despedimento, ameaça de despedimento, pressões psicológicas), que se verificam em sete casos, incidem mais sobre homens (quatro casos) do que sobre mulheres (os restantes três), o que constitui uma diferença significativa, tendo em conta o facto de a maioria dos inquiridos serem mulheres. As pressões psicológicas provêm de proprietários e anunciantes, entidades que têm

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Quadro 7.6

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Cruzamento entre nível de pressão e o já ter pensado abandonar a profissão

Sofreu pressões? Total Já pensou abandonar?

Sim Não Total % Sim

Sim

Não

144 038 182 79

178 147 325 55

322 185 507 64

Fonte: “As Novas Gerações de Jornalistas Portugueses”.

um relacionamento menos direto com o jornalista. Um dos jornalistas que se recusou a fazer as alterações, refere que “depressa ‘certos’ trabalhos passaram para outras mãos (ou olhos), pois era comum trabalhos meus serem interpretados como ‘atestados de incompetência’ por parte da chefia direta”. Os quatro casos de penalização através de alterações funcionais (mudança de secção, dar menos peças a fazer) são todos referidos por mulheres de um escalão etário relativamente elevado (30-34 anos em três casos e 25-29 noutro). Uma destas jornalistas refere que “em algumas peças acedi às alterações solicitadas, naquelas que não permiti deixei de trabalhar essas áreas”. As duas situações de pressão que deram origem ao despedimento tiveram origem, mesmo que indireta, no campo político, e uma terceira situação cuja pressão teve origem no campo político levou a uma ameaça de despedimento. Uma jornalista da faixa etária 35-39 afirma ter sido despedida de “dois jornais”, “pouco tempo” depois de ter mantido uma “postura de isenção”. Um jovem jornalista queixa-se de ter recebido ordens para retirar alusões críticas ao governo do país de origem dos capitais do jornal. Portanto, se os níveis de pressão e de cedência com origem no campo político são relativamente pouco expressivos, já as consequências da não cedência a pressões neste campo são particularmente fortes, apesar, insistimos, do baixo número de casos em que a constatação se sustenta. A distribuição destes casos por idade e por escolaridade e tipo de meio não revela diferenças em relação às percentagens esperadas.

Desejo de abandonar a profissão Uma das questões do inquérito (Q14) era: “Já pensou em abandonar a profissão?” Procurámos apurar a existência de uma associação entre o ter sofrido pressões extraeditoriais e o ter tido essa perspetiva. Considerando as pressões como variável independente, verifica-se pelo quadro 7.6 que existe uma forte associação entre as variáveis, com o valor do qui-quadrado bem acima do valor crítico. O dado mais significativo (maior diferença em relação à hipótese nula) é que, de entre os que já receberam pressões diretas para alterar peças, a esmagadora maioria (144 em 183, ou 79%) já pensaram abandonar a profissão, percentagem que

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contrasta fortemente com os 55% de jornalistas não pressionados que já pensaram em a abandoná-la. O ter recebido pressões para alterar peças por razões extraeditoriais é um fator de desmoralização dos jovens jornalistas. Mas o não ter recebido pressões não pesa significativamente na vontade de abandonar (existindo uma pequena diferença em relação ao resultado esperado), o que revela que a vontade de abandonar a profissão é explicada também por outras variáveis. A formação superior em Jornalismo ou Comunicação da grande maioria dos inquiridos, com uma recente inculcação teórica dos valores deontológicos, a par do contexto de precariedade e insegurança do posto de trabalho, podem explicar esta reação negativa.

Conclusões Uma parte significativa (35,5%) dos 515 jovens jornalistas respondentes ao inquérito admite já ter sofrido pressões extraeditoriais, um valor que provavelmente peca por defeito, tendo em conta o presumível enviesamento de dados provocado pelo caráter constrangedor da pergunta acerca destas questões, num contexto de precariedade laboral e crise no setor. Analisando as características das pressões e os atributos destes 183 jornalistas pressionados, concluímos que a reação mais frequente às pressões é a cedência: apenas 46 desses jornalistas declaram não ter cedido. Por sua vez, parte significativa dos que cederam não justifica o porquê de ter cedido ou considera a cedência natural ou óbvia: “Alterei. Como tal, sem consequências”; “Alterei” (várias respostas); “Obedeci…”; “Tive que alterar a peça”. Contudo, esta caracterização crua e resignada do processo de cedência, evocando explícita ou implicitamente uma “lei do mais forte” no interior da empresa, com origem essencialmente na hierarquia, na pressão dos anunciantes, no receio de perder o emprego, está longe de ser generalizada. Além dos 46 jornalistas que não cederam, 50 declararam ter cedido mas só após uma argumentação com a chefia, tentando fazer valer o seu ponto de vista, mesmo à custa de conflitos e outras consequências profissionais. O retirar a assinatura, a passagem da peça a outro colega são recursos a que muitos jovens jornalistas declaram recorrer perante situações em que a sua autonomia está em causa. Em situações de pressão, há respostas que indicam uma diminuição da base identitária individual (de valores, premissas, modos de produção jornalística) e grupal (dúvidas quanto à solidariedade do grupo, aceitação de trabalhos rejeitados pelos colegas por motivos éticos) e um elevado conformismo com as ordens e os procedimentos do proprietário/empresa. Os constrangimentos económicos predominam como origem das pressões. As origens mais frequentes são os editores (que podem ser intermediários de pressões de outras proveniências), os proprietários e os anunciantes dos próprios meios. Os jovens indicam as suas razões: a necessidade de manter o emprego, a afirmação de que o poder do proprietário é predominante sobre a autonomia dos

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jornalistas, e a defesa de que a sustentabilidade do meio merece algumas renúncias a certos valores profissionais, em determinados momentos. As pressões de origem política têm uma expressão reduzida nas respostas. No entanto, uma vez que o processo de pressão pode atravessar vários agentes, aquilo que para um jovem jornalista é uma pressão extraeditorial com origem na hierarquia pode, em mais ou menos casos, ter origem no campo político. O género, a idade e a ideologia dos respondentes afeta ligeiramente a cedência às pressões. As mulheres e os intervalos etários intermédios (25-29 anos e 30-34 anos) formam as categorias mais pressionadas, e as que mais cedem. No que respeita à escolaridade, verifica-se que a grande maioria dos jovens jornalistas têm a licenciatura e que há uma associação com as pressões extraeditoriais. Nomeadamente, os jornalistas com habilitações superiores à licenciatura são os que sofrem mais pressões e também, de entre os pressionados, os que mais cedem às pressões, o que num e noutro caso, respetivamente, remete para explicações como uma maior propensão para, no contexto do inquérito, denunciar as pressões, e um maior receio de arriscar o posto de trabalho em função de um investimento maior na sua educação. Por outro lado, os dados mostram que o maior nível de cedência dos pós-graduados contrasta com a quebra regular do nível de cedência à medida que a faixa etária aumenta. Ou seja, existe um efeito etário, em que a tarimba e a maior estabilidade profissional dos menos jovens favorecem a resistência à pressão, não sendo, pois, pelo efeito etário que os pós-graduados revelam uma resistência inferior. A ideologia dos jornalistas ou a pertença ao Sindicato são variáveis pouco associadas às pressões. Os jornalistas que se identificam com a esquerda, três vezes mais numerosos do que aqueles que se identificam com a direita/centro-direita, distinguem-se destes por uma propensão muito superior para argumentar perante a pressão, o que, de certo modo, é coerente em termos ideológicos. Quanto às causas reportadas para as situações de cedência, é significativo que 65,5% destes se refiram ao que chamámos “causas de compromisso”, ou seja, que remetem, não para a perceção de situações coercivas com uma intervenção direta de quem pressiona, mas sim para a aceitação de “regras do jogo” comercial por parte do jornalista, que reconhece a prioridade da situação financeira da empresa. Citamos: “A decisão é da chefia”; “Prejudicaria a empresa”; “Lógica de compromisso/adaptação”. Estas afirmações dos jovens inquiridos recordam as afirmações de Mathien sobre a condição da empresa jornalística, integrada e em interação com um ambiente como num modelo sistémico, mas, na verdade, dependente da estrutura e das modalidades de funcionamento do mercado — submetida às audiências e guiada pelas estratégias de concorrência entre os operadores do setor. Os jovens jornalistas revelam integrar-se nessa lógica, mesmo se contrariados. A preocupação com a rendibilidade, o futuro da empresa/meio e do emprego dos jovens jornalistas nela, são uma prioridade já evidente noutras respostas. A autonomia profissional, uma condição necessária à legitimidade social da profissão, poderá ser condicionada pela empresa/meio e pelos seus objetivos comerciais, no entender destes inquiridos.

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A evocação de “causas coercivas”, consistindo em risco de despedimento ou de outras represálias, acaba por verificar-se em, apenas, 19 casos. Um valor que, seguramente, peca por defeito, se considerarmos, por um lado, os já referidos casos, não contabilizados, em que a resposta à questão Q18 dá a entender, pelo menos, um contexto de coerção e, por outro lado, as não respostas ou mesmo respostas negativas que escondem outra realidade. A mesma situação dúbia se aplica às consequências das pressões extraeditoriais, com a maioria dos respondentes a omitir consequências das cedências e apenas 13 a explicitarem retaliações de caráter punitivo. Mesmo assim, registamos um leque significativo de consequências. Os sentimentos de medo e de desagrado, revolta ou indignação, evocados em muitas das respostas e, porventura, experimentados por outros inquiridos que, todavia, não os explicitam, derivam, naturalmente, de um choque de valores profissionais com uma realidade que os contraria. Nestes testemunhos, Rieffel e Ruellan encontrariam a contradição inerente à identidade profissional dos jornalistas: serem independentes e trabalharem para uma empresa. Os jovens fazem recentemente parte do grupo, ou tentam ainda integrar-se numa profissão socialmente valorizada, com estatuto e legitimidade, com valores e práticas específicas, com a deontologia legitimada inter pares. Nasceram em democracia, predominantemente são licenciados em Jornalismo / Ciências da Comunicação e são experientes em ferramentas técnicas. Estão empenhados em manter o emprego, são funcionários daquela empresa que publica o seu trabalho, lhes paga um salário e na qual poderão aspirar a uma evolução na carreira. As situações de conflito com a hierarquia são frequentes. Os editores, proprietários e anunciantes, além de constituírem as origens mais frequentes de pressões, são também os principais causadores das situações de punição. No entanto, os poucos casos declarados de despedimento e um dos casos de ameaça de despedimento têm origem no campo político, o qual, embora afastado do quotidiano dos jornalistas, revela desta forma a sua importância e influência históricas na atividade jornalística. Este quadro reflete as tendências de desprofissionalização e de proletarização atualmente identificadas em várias atividades. No caso dos jovens jornalistas inquiridos, nomeadamente os que cederam às pressões, trata-se de reconhecer o abdicar dos valores da autonomia e da independência profissionais. As causas evocadas são o receio do desemprego ou da perda de oportunidades de carreira ao afrontar a hierarquia da empresa, mas também o interesse em participar na sustentabilidade do meio de comunicação social em que trabalham. Estas práticas, são também visíveis na indiferença ou na própria validação das pressões como próprias do contexto dos média. Aos profissionais, associa-se a capacidade de decisão, de agir a partir dos recursos teóricos e técnicos adquiridos na formação académica e pela experiência, bem como de dar resposta a novas questões e de repensar problemas emergentes da atividade. Dos assalariados espera-se que se integrem numa cadeia de produção e realizem tarefas previamente determinadas. Neste sentido, é possível reconhecer que os jovens jornalistas inquiridos, através das suas respostas acerca das pressões, se identificam com o segundo modelo de trabalho, ao permitir

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que o poder burocrático e hierárquico da administração da empresa e os seus critérios prioritariamente comerciais substituam os princípios determinados pelo profissionalismo e pela autonomia consagrada na deontologia e na Lei. Assim se explica o efeito desmotivador das pressões extraeditoriais, demonstrado pela forte associação entre estas e o declarar já ter pensado abandonar a profissão. A profissão assume uma natureza ambivalente: por um lado, ser-se assalariado; por outro, pertencer-se a um ofício legitimado socialmente pela sua independência/autonomia, que mantém premissas como a capacidade de permanecer isento e rigoroso e de identificar afrontas ao interesse público. Se, noutra época, o chefe e os agentes económicos seriam os primeiros a preservar a legitimidade social dos jornalistas, atualmente é o funcionário jornalista que se torna um aliado na estratégia de rendibilidade e sustentabilidade da própria empresa/meio. A opção por outras atividades profissionais na área da comunicação (agências de comunicação, assessoria de imprensa, gabinetes institucionais, relações públicas) torna-se mais atrativa do que encabeçar uma estratégia de afrontamento dos poderes hierárquicos da empresa. Apesar da moderação teórica que as limitações metodológicas do presente trabalho nos impõem, apesar de a maioria dos jovens jornalistas declarar não ter sofrido pressões extraeditoriais, a análise levada a cabo confirma que a desvalorização dos valores da autonomia e da independência, sob a forma de pressões extraeditoriais, afeta a prática e o sentido de uma profissão que os tem como referências.

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AS NOVAS GERAÇÕES DE JORNALISTAS EM PORTUGAL

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