As Raízes filosóficas do direito de propriedade

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As Raízes filosóficas do direito de propriedade Prof. Dr. Bruce Gilbert Bishop´s University (Canadá)

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS UNIDADE – SANTA RITA AULA MAGNA – 23 de abril de 2015

Estamos bem acostumados a ouvir que a propriedade privada é um direito que é fundamental, inviolável ou mesmo, nas palavras de Rousseau, sagrado. Mesmo assim, muitos autores têm traçado as raízes do direito de propriedade privada e acharam muitos casos onde esse direito não é entendido como absoluto —em que onde ele está limitado por vários motivos.1 Por exemplo, a Constituição de Weimar diz que a propriedade vem com responsabilidades; ou as várias Constituições que dizem que os proprietários têm que cumprir obrigações sociais para manter o seu direito. O Brasil – na letra sim, não na prática – é um exemplo, como todos aqui sabem pois segundo o artigo 186 da Constituição de 1988 o proprietário tem que cumprir quatro requisitos que estabelecem um direito baseado na função social da terra. Geralmente conversas sobre esses assuntos nos Departamentos de Filosofia ou de Direito ou no espaço público colocam ênfase sobre o fato de que o direito de propriedade privada não é absoluto e tem que ser limitado por obrigações de cuidar do bem-estar da comunidade. Eu gostaria de sugerir que podemos, devemos ir além dessa noção dos 1

Eu gostaria de agradecer Professores Hugo Belarmino e Aécio Bandeira pelo convite de dar essa palestra na UFPA e por ajuda na preparação dela.

limites da propriedade privada para dizer literalmente que a propriedade privada não existe em si. Eu vou defender a tese que a propriedade privada é somente uma forma de propriedade comum.

Cada vez que alguém diz “Isso é meu”, ela está pedindo a

permissão da comunidade para “tomar conta” de algo que pertence a essa comunidade. O direito de propriedade privada somente existe através do reconhecimento da comunidade, e isso quer dizer que a propriedade chamada privada é, na verdade, uma propriedade comum. Primeiro, vamos começar com as três definições de direito, de propriedade privada e de propriedade comum. 1. É extremante apontar inicialmente um aspecto fundamental. A propriedade não é o mesmo que “as coisas que pertencem a alguém” – não é um carro, uma casa ou dinheiro no banco. Propriedade é um direito. Quer dizer, propriedade é uma espécie de acordo entre membros duma comunidade para respeitar algo entre eles e elas mesmos. A propriedade não existe quando eu somente posso controlar a posse de algo, mas quando essa posse é respeitada como algo meu pelas outras pessoas. O apossamento de algo é estabelecido somente através de força. A propriedade surge quando outros respeitam o fato de que algo é meu. Enfim, a propriedade é um direito (uma relação?), não uma coisa. É um acordo entre um determinado grupo de seres humanos de se respeitar. A propriedade somente existe num contexto do que Hegel chama de “reconhecimento mútuo”. 2. O que é a propriedade privada? É um direito, um acordo entre membros duma comunidade de respeitar a capacidade de cada um de excluir os outros membros dessa comunidade do uso de algo. Dado que é um direito – e assim um acordo – vocês estão dizendo para mim que me permitem excluir de vocês o uso de algo. Caso alguém resolva não respeitar esse direito, a comunidade estará sempre pronta para me enforcar se for necessário, com a polícia e o sistema jurídico.

Propriedade privada é um direito

individual, mas só existe com a permissão da comunidade.

3. O que é então a propriedade comum? É também um direito, e também um direito individual. É um acordo entre membros duma comunidade, mas nesse caso o direito não é de excluir outros do uso da algo. É o direito de cada membro da sociedade de não ser excluído. Num parque público exatamente como ao meu direito de receber uma porção do Programa de Pensão do Canadá, eu tenho o direito de não ser excluído. Esses bens são propriedade comum. Então, o que são as raízes filosóficas do direito de propriedade? Antigamente os direitos estavam baseados em princípios que eram deduzidos do que chamamos a “primeira filosofia”, a Metafísica.

A primeira filosofia consiste na existência de

princípios que tem que ser auto-evidentes porque são literalmente as primeiras premissas do projeto de conhecimento. Sendo a base de absolutamente toda a ciência e sabedoria, tem que serem verdade sem questionamento. Mas o fato de ser base verdadeira para toda a ciência coloca neles um requisito estranho. Normalmente para estabelecer que uma proposição é verdade exigimos uma prova, um argumento e a conclusão da qual segue necessariamente das suas premissas.

Mas isso é uma impossibilidade para o que

chamamos de “primeira filosofia”, porque se as verdades fundamentais podem ser provadas através dum argumento com premissas, são essas premissas as verdades fundamentais e não a conclusão que resulta delas.

É por isso que as verdades da

“primeira filosofia” têm que ser auto-evidentes. Assim, podemos ver como São Tomas de Aquino tomou Deus como verdade fundamental, como “primeira filosofia”, e deduziu disso que o direito humano de propriedade é baseado em algo mais fundamental: a esfera de direitos naturais ou divinos, como o direito de consumir os bens necessários pela sobrevivência. Para tomar um outro exemplo, a “primeira filosofia” para John Locke era uma esfera pré-social: um estado de natureza onde a liberdade natural dos seres humanos era absoluta, sem qualquer restrição dos códigos legais ou morais. Assim, a propriedade emerge quando um ser livre “mistura” o trabalho dele com algo natural; e se torna direito explicitamente quando os indivíduos sacrificam uma parte da liberdade deles para proteger essa propriedade e outras formas de liberdade.

Mas Deus, o Estado de Natureza e muitos outros antigos candidatos da “primeira filosofia” são agora contestados, não são auto-evidentes e então não podem formar a base da qual podemos deduzir nossos direitos em geral e nosso direito de propriedade em particular. De repente, os direitos não tem base, não tem raízes filosóficas na primeira filosofia.

O resultado é mundo sem qualquer restrição ou norma, um relativismo

absoluto onde o poder manda e desmanda,

um mundo irracional de manipulação,

dominação e submissão. O nosso mundo é assim?

Num certo sentido sim, num outro sentido não.

Começamos com o “sim”: Num sentido, estamos condenados a um mundo onde o poder e a violência frequentemente governam. Aprendamos com Karl Marx e outros autores que, de fato, as antigas bases da “primeira filosofia” eram frequentemente as expressões ideológicas dos poderes de cada época tentando afirmar o seu próprio poder.

A

metafisica de São Tomas confirmou a hierarquia medieval e a liberdade individualista de Locke estabeleceu a propriedade privada do capitalismo liberal. Enfim, as leis e os direitos são raramente independentes dos grupos e classes que se beneficiem deles à custa dos outros, e contamos nos dedos as pessoas que ainda acreditam num sistema de direito puramente neutro, imparcial, “ingênuo”. Mas isso não quer dizer que nosso mundo é reduzido ao um estado brutal de guerra onde o direito expressa nada mais que a ordem dos vencedores. Porque? Porque as relações entre os seres humanos têm sua própria lógica, sua própria razão, e essa razão aparece no percurso da história. Essa historia é evidentemente complexa demais para descrever aqui, mas tomaremos aqui uma dica do filósofo alemão, Hegel. O que ele estava dizendo na célebre análise do escravo e do senhor? Hegel não falou que a escravidão é um crime contra as leis eternas da moralidade ou da politica; ele falou que a relação de senhor e escrevo é simplesmente instável e então insustentável.

Porque

instável? Porque no percurso de servir o senhor o escravo se desenvolve como ser humano. Ele aprende não somente como transformar o mundo de objetos mas também de se transformar como ser humano.

Ele se torna gradualmente autoconsciente da

liberdade dele e eventualmente ele recusa, protesta, resiste e luta contra a dominação. Assim, Hegel não usou como “primeira filosofia” algumas leis supostamente eternas, mas a lógica própria do desenvolvimento de nossas relações sociais. Com isso, aprendemos

que o direito não deveria reconhecer a dominação. O que é justo é a confrontação com a dominação e o encorajamento da autoconsciência da liberdade dos dominados. Temos que promover relações do que Hegel chama de “reconhecimento mútuo”, e o reconhecimento mútuo, como já notamos, produz direitos. A primeira filosofia, em outras palavras, já não é Deus ou o estado de natureza, mas a conversação que os seres humanos têm com eles mesmos. Não existe nenhuma autoridade a qual podemos apelar mais alto que os acordos que fazemos com nós mesmos. Notamos também que a lógica dessa conversação é a de gradualmente minar relações de dominação. Os dominados aprendem como participar no diálogo da sociedade da qual eles eram anteriormente excluídos. Então nada pode ser mais importante que a forma e o conteúdo dessa conversação. A forma dessa conversação é democracia — todos participam. O conteúdo inclui todos os assuntos importantes para a comunidade humana, inclusive a luta contra dominação e exploração. Mas vamos agora voltar para o nosso assunto principal: a propriedade. Estabelecemos que a propriedade privada sinaliza meu direito – reconhecido por outros – de excluí-los do uso de algo, e que a propriedade comum é meu direito de não ser excluído do uso de algo. Falei que um direito de propriedade não é uma coisa, mas um acordo que fizemos juntos, é uma forma de respeito ou reconhecimento mútuo. Chegamos ao coração do meu argumento agora. Já rejeitamos qualquer Deus ou estado de natureza. Já não podemos, como Aquino, pensar que o direito humano de propriedade tem sua base no direito natural de Deus. Já não podemos, como John Locke, pensar que a propriedade tem base num estado de natureza anterior às relações humanas. Mas se não existe qualquer estado de natureza anterior às relações humanas, qualquer “apossamento” jamais poderia justificar um direito de propriedade. Simplesmente já não temos um corte de justificação anterior ao próprio diálogo, ao conflito, entre nós. Qualquer justiça distributiva é um acordo que fizemos juntos. Temos que discutir quais bens da comunidade humana serão alocados a quem e por quais razões. Isso é nossa condição humana, nossa primeira filosofia. A conversação humana precede qualquer alocação/destinação dos bens duma sociedade. Temos que acordar antes de alocar esses

bens. Minha primeira premissa então seria: cada sistema de justiça distributiva é um acordo dos membros da comunidade. Segunda premissa. Sabemos que uma relação justa vai ser uma relação de reconhecimento mútuo. Quer dizer, cada pessoa merece participar no acordo com outros cidadãos: se vamos acabar com a dominação, o acordo tem que ser feito democraticamente. A segunda premissa é que a sociedade justa é uma democracia. Terceira premissa: Se cada cidadão vai participar na formação do acordo que forma a justiça de sua sociedade, cada um vai querer ao menos uma parte dos bens da sociedade. Não assumimos necessariamente uma parte igual aqui, mas cada cidadão tem o direito duma parte dos bens da sociedade inteira. O acordo vai dar o direito a cada um de não ser excluído duma parte dos bens da sociedade. Conclusão: A propriedade privada, estritamente falando, não existe. Por que? Se combinamos as três premissas agora estabelecidas, chegamos à nossa definição de propriedade comum. A propriedade comum é o direito de alguém de não ser excluído do uso de algo. A primeira premissa rejeitou a existência de qualquer apossamento ou propriedade antes do acordo feito por uma sociedade sobre a questão de como os bens serão distribuídos. Quer dizer, os bens duma sociedade pertencem a todo mundo. Ou seja: se cada cidadão tem o direito de participar no diálogo que define a distribuição dos bens e se cada cidadão tem o direito de parte desses bens, nós estamos usando palavras diferentes para a mesma coisa: Todo os bens duma sociedade são propriedade comum de todo nós, e cada um de nós tem o direito de não ser excluído duma parte desses bens. O que chamamos propriedade privada é, na verdade, uma forma de propriedade comum na qual as raízes desse bem comum estão escondidas. Sem dúvida não estabelecemos ainda qual parte do bem comum deveria ser distribuída a quais cidadãos. É suficiente dizer nesse momento que toda propriedade é propriedade comum. Em termos mais francos, o que chamamos propriedade privada oculta nossa responsabilidade de participar num diálogo que estabelece como os bens da sociedade seriam distribuídos. Cada um tem um direito de não ser excluído duma parte dos bens da sociedade. Podemos usar o mesmo tipo de argumento com relação ao direito de não ser excluído do acesso aos produtos da sociedade, mas também da produção deles. De fato, vamos usar a noção de John Locke que a propriedade emerge quando eu “misturo” meu

trabalho com algo natural. Eu comprei carne do sol outra noite para jantar. Eu e o dono do restaurante estabelecemos um contrato e trocamos uma quantidade de dinheiro que, com efeito, foi igual o valor do trabalho que ele colocou no prato. Então vamos ler John Locke bem literalmente. Quem “misturou” o trabalho com o objeto para produzi-lo? Eu não poderia ter comprado essa carne de sol sem os trabalhadores do campo que criaram o gado e que cultivaram os legumes e o arroz. Também essa janta dependeu do trabalho das pessoas que dirigiram as caminhonetes para entregar esses alimentos na cidade e, do mesmo jeito, depende de todos os trabalhadores que construíram as estradas e as ruas. Eu paguei em dinheiro, então nosso contrato teve como condição necessária todo o sistema financeiro e todos que trabalham nele. Para assegurar esse contrato e a vida em geral nosso troco dependeu também da polícia e todos que trabalham no sistema jurídico. Para ler o cardápio e escrever a conta eu e ele precisamos ser alfabetizados então nosso contrato depende do trabalho de todos que trabalham no sistema de educação... Muitas dessas estruturas, educação, finanças, segurança, dependem também do governo e seus ministérios, então nosso troco depende deles também. Falamos juntos em português, então nosso acordo pressupõe todos aqueles e aquelas que desenvolveram a língua portuguesa e, antes do português, a língua latim. De fato, depende de todos aqueles e aquelas que têm construído o Brasil durante os séculos e, enfim, pressupõe todo o mundo na história. Enfim, se tomamos Locke bem literalmente vemos que toda a sociedade produziu a possibilidade da minha janta. Mesmo segundo o argumento de John Locke todos os bens duma sociedade são propriedade comum, porque o trabalho de todo o mundo foi necessário para produzir cada coisa. Propriedade é sempre propriedade comum. Sem dúvida, os sistemas de distribuição desses bens comuns, os sistemas de justiça distributiva, são diferentes. Efetivamente então, quando eu comprei essa carne do sol eu não estava comprando propriedade privada, eu estava exercendo meu direito de não ser excluído da propriedade comum dessa sociedade. Além de ser absoluta ou sagrada, a propriedade chamada privada é somente um modo de distribuir os bens da sociedade. Propriedade privada é uma ilusão que oculta nossa responsabilidade de participar em nossas comunidades de uma forma justa.

Sem dúvida, uma sociedade pode decidir usar um mercado competitivo onde a maioria da população não tem o direito de controlar os meios de produção. Mas não podemos pretender que a “propriedade privada” realmente existe muito menos dizer que ela é absoluta, sagrada ou qualquer outra expressão exagerada que serve para ocultar o fato de que cada sociedade tem que decidir como ela vai distribuir seus bens comuns de uma forma justa. Eu acho que essas conclusões têm muito a ver com o debate no Brasil sobre a propriedade, a função social da terra, reforma agrária e os milhares de conflitos no campo. Evidentemente, qualquer apelo ao status sagrado ou inviolável da propriedade para expulsar posseiros ou evitar a apropriação duma terra para fins de reforma agrária é inadmissível.

Isso não quer dizer que é evidente que posseiros nunca devem ser

expulsos, mas faz o caso deles muito melhor se em cada caso o proprietário tem que provar a justiça da expulsão. Sem dúvida, os artigos 184-186 da Constituição brasileira que ordenam o cumprimento da função social da terra é justa. O professor de Direito da PUC-Paraná, Carlos Marés, sustenta que os quatro requisitos da função social de terra (uso adequado da terra, proteção do meio ambiente, observação das leis e regras de trabalho e produção que aumenta o bem-estar do proprietário e dos trabalhadores) identificam não somente os casos em que uma propriedade pode ser considerada passível de desapropriação, mas estabelecem a definição da propriedade em si.2 Quer dizer, uma terra que não cumpre sua função social não pode ser considerada propriedade no primeiro lugar.

Isso quer dizer que uma

indenização para desapropriação de uma terra assim seria um prêmio por ter quebrado a lei. Muitas pessoas considerariam a posição de Prof. Marés radical demais, mas eu gostaria de sugerir que essa noção de “função social” tem que ser aplicada não somente às terras rurais que poderiam ser consideradas para a reforma agrária, mas qualquer propriedade chamada privada em qualquer esfera. Segundo o argumento que eu acabei de construir, cada exemplo do que chamamos propriedade privada tem como definição sua função social.

2

Carlos Frederico Marés, A Função social da terra, (Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 2003).

Por exemplo e em outras palavras, a legislação que determina a máxima quantidade de emissões de carbono que pode ser colocado no meio ambiente é normalmente considerada um exemplo dum “limite justo do direito de propriedade privada.” Mas na realidade não é um “limite”, tal legislação estabelece uma condição sem a qual algo é propriedade no primeiro lugar. A linguagem de “limite-justiça” do direito de propriedade ainda coloca a propriedade privada na esfera da primeira filosofia — um direito absoluto que mesmo assim tem que sofrer limites. Na realidade, o acordo da sociedade que estabelece o que conta como propriedade no primeiro lugar, e isso vai sempre ser uma forma ou outra de função social da propriedade. Eu vou terminar por considerar duas objeções possíveis ao meu argumento. Primeiro, poderia se discutir que minha posição reduz a liberdade do ser individual ao ponto que ele teria de provar a utilidade social de cada apossamento. Por exemplo, minha família tem um sítio no campo de Ontário. Não é a residência permanente de qualquer pessoa da família e essa propriedade não produz nenhum bem para a sociedade. Pode ser expropriado porque não cumpre qualquer função social? Bom, é uma pergunta real de determinar se é justo que algumas pessoas podem ter duas casas quando milhares não tem nenhuma. Mas colocando essa consideração ao lado, qualquer sociedade pode determinar que o lazer do povo e espaços para comunidades de família e amigos são bens sociais muito importantes. Em outras palavras, é a sociedade em si que determina os bens dela mesma, e os direitos de propriedade são deduzidos desses bens. A segunda preocupação é o seguinte: Em muitos sentidos as sociedades liberais nos últimos três séculos estabeleceram os direitos individuais como propriedade privada, mas também outros, como a liberdade de expressão, liberdade de assembleia, habeas corpus, o direito ao processo justo, etc. precisamente para proteger o cidadão do poder arbitrário do Estado ou de outras fontes de poder. Parece que minha posição impõe ao cidadão ser dominado pelo Estado.

Minha resposta: Primeiro, esses direitos que

protegem o indivíduo são direitos precisamente no sentido que eu já estabeleci. Somente temos esses direitos porque concordamos juntos de observá-los. Qualquer sociedade pode afirmar esses direitos rigorosamente, mas sem fingir que são absolutos ou sagrados. Segundo, os grandes poderes ameaçam cada sociedade. Nas nossas sociedades, as grandes empresas já têm comprado seus deputados e usam o Estado para seus fins. Nos

Estados Unidos os interesses dos poderosos não tem nenhum limite de quantidade de dinheiro que eles podem “doar” aos candidatos. Como meus colegas aqui falaram outro dia, são explícitas que essas doações não são realmente doações, mas empréstimos pelos quais eles pretendem ter um bom retorno. Enfim, uma sociedade que sabe que a propriedade chamada privada é realmente uma forma de distribuir a propriedade comum segundo os propósitos de justiça seria uma que provavelmente estaria disposta a limitar o poder autocrático. Para concluir, temos que aceitar que o discurso para limitar direitos individuais como a propriedade para atingir a justiça é uma contradição lógica da noção de propriedade em si. Somente temos direitos em primeiro lugar porque concordamos de reconhecer um ou outro. Estritamente falando, a propriedade privada não existe. O momento em que aceitamos essa base filosófica do direito de propriedade é ao mesmo tempo o momento no qual temos que reconhecer a importância enorme do debate democrático. É somente no contexto duma conversa pública sobre esses assuntos que chegamos aos acordos que estabelecem os direitos que vamos respeitar. Mas a qualidade dessa conversação é profundamente ligada ao nível de educação de todas as participantes. Essa educação não vem necessariamente de instituições de educação formais — o camponês com quem eu falei num acampamento da CPT outro dia foi altamente capaz de participar no debate público. Mesmo assim, uma responsabilidade que segue do argumento dessa palestra é o de minar o status da propriedade chamada privada, mas um outro é o de cultivar a capacidade de todos os cidadãos de nossas sociedades a participar do que é realmente a primeira filosofia: a conversa coletiva de nossa comunidade humana.

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