As redes sociais e sua conexidade com os direitos humanos: é legítimo o bloqueio das redes sociais pelo governo em se tratando do âmbito social e político?
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As redes sociais e sua conexidade com os direitos humanos: é legítimo o bloqueio das redes sociais pelo governo em se tratando do âmbito social e político?1
Carina Barbosa Gouvêa@ Absolutamente interessante o texto de Jones2 que explora as redes
sociais e sua conexidade com os direitos humanos no âmbito dos direitos da internet. Para Tenenbaum3 já existe um direito geral de acesso a internet. Para ele, quando se fala em direitos e acesso a internet, centra-‐se a ideia na “neutralidade da rede” e não no direito de acesso e sua proteção. Países como a França4 e a Grécia já criaram disposições constitucionais para proteger o direito de acesso. No entanto, a nível dos direitos humanos, “se existe” ou “deve ser um direito de acesso” é uma temática menos clara e debatida. Ainda que haja um consenso tácito entre as nações do mundo que o acesso à internet pode ser considerado como um direito humano, os relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) não chegaram a esta conclusão. Como por exemplo, os relatórios sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão convidam os países a “facilitar o acesso à internet”. De acordo com Tenenbaum, os críticos afirmam que “a tecnologia é um facilitador de direitos, e não um direito em si”; “que proteger o acesso à internet seria desvalorizar outros direitos humanos”. Mas este direito já existe e 1 Artigo originalmente publicado no Blog “Dimensão Constitucional”. Disponível em <
http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/2014/12/as-‐redes-‐sociais-‐e-‐sua-‐conexidade-‐ com.html>. @ Carina Barbosa Gouvêa, Doutoranda em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; @ Carina Barbosa Gouvêa, Doutoranda em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Pesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pesquisadora Acadêmica do em Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Professora da Pós Graduação Direito Militar; Professora de Direito Constitucional, Direito Professora da Pós Graduação em Direito Militar; Professora de Direito Constitucional, Direito Eleitoral e Internacional Penal; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; Advogada; E-‐mail: . 2 JONES, Brian Christopher. Is Social Media a Human Right? Exploring the Scope of Internet Rights, Int’l J. Const. L. Blog, Dec. 5, 2014. Disponível em < http://www.iconnectblog.com/2014/11/ is-‐social-‐media-‐a-‐human-‐right-‐exploring-‐the-‐scope-‐of-‐internet-‐rights>. Acesso em 05 de dez de 2014. 3 TENENBAUM, Jason M. Tenenbaum. Is There a Protected Right to Access the Internet?, Int’l J. Const. L. Blog, June 6, 2014. Disponível em: < http://www.iconnectblog.com/2014/06/is-‐there-‐ a-‐protected-‐right-‐to-‐access-‐the-‐internet> . Acesso em 17 de jul de 2014. 4 Decisão de n° 2009-‐580 de 10 de junho de 2009. Disponível em < http://www.conseil-‐ constitutionnel.fr/conseil-‐constitutionnel/root/bank/download/2009580DC2009_580dc.pdf>.
possui proteção tanto pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), quanto pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Pelo PIDCP, o artigo 19(2) afirma que “toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.” A história legislativa demonstra a intenção do projetista para incluir, dentro alçada do artigo 19, qualquer tecnologia que permita que os indivíduos busquem de forma proativa as informações, independentemente da sua localização ou do conteúdo que procuram -‐ como por exemplo, a Internet5. O artigo 15 do PIDESC protege, também, o direito de acesso a Internet de duas maneiras diferentes. O artigo afirma que os indivíduos têm o direito de “participar na vida cultural” e “desfrutar dos benefícios do progresso científico e suas aplicações.” A ONU já definiu o contexto de “participar na” com três principais componentes inter-‐relacionados: (a) participação em; (b) o acesso; e (c) contribuição para a vida cultural6. Para a ONU, nas palavras de Tenenbaum, o acesso à vida cultural inclui um direito de aprender sobre as formas de expressão e divulgação por qualquer meio técnico de informação ou comunicação. A internet é hoje, também, um meio para a satisfação destes componentes. O acesso também é protegido como um benefício do progresso científico. Estas foram as palavras de Farida Shaheed, relator especial no campo dos direitos culturais da ONU, argumentando que “a internet vem emergindo como uma plataforma crítica para os fluxos e intercâmbios científicos e culturais, portanto, a liberdade de acesso e a mantença de sua rede aberta são importantes para a defesa do direito dos povos à ciência e à cultura”.
5 TENENBAUM, Jason M. Tenenbaum. Is There a Protected Right to Access the Internet?, Int’l J.
Const. L. Blog, June 6, 2014. Disponível em: < http://www.iconnectblog.com/2014/06/is-‐there-‐ a-‐protected-‐right-‐to-‐access-‐the-‐internet> . Acesso em 17 de jul de 2014. 6 Committee on Economic, Social, and Cultural Rights, General Comment No. 21 on Right of Everyone to Take Part in Cultural life (art. 15, para. 1 (a), of the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights), ¶15, U.N. Doc. E/C.12/GC/21 (Dec. 21, 2009)
Pode-‐se perceber que cada um dos Pactos protege o direito de acessar a internet de uma forma diferente. Por um lado, a PIDCP protege o direito de acesso, como um direito negativo. Os direitos negativos, em regra, assumem um papel dirigido ao Estado em face de sua abstenção; objetiva resguardar o titular contra ingerências ou agressões que interfiram ou ameace o exercício do direito, seja pelo Estado ou particulares.7 Por outro lado, a linguagem do PIDESC protege o direito de acessar a Internet em uma natureza mais positiva, colocando obrigações no governo de agir de uma forma que promove os direitos incluídos no seu texto8. E por que sua proteção é importante? Porque as pessoas estão utilizando a Internet para participar dos processos culturais da modernidade. Os governos a utilizam para coletar, armazenar e exibir informações, de modo a interagir diretamente com os governados. Conclui-‐se que, nas palavras de Tenenbaum, sob o manto atual da utilização da rede, os governos devem ter um duplo foco: abstendo-‐se de desconectar os indivíduos e incentivando o crescimento da infraestrutura para a garantia de acesso. No entanto, a um viés a ser considerado: as redes sociais tornaram-‐se uma das ameaças mais significativas para os governos, não apenas os autoritários, mas até mesmo para as democracias liberais.9 Um dos motivos para o bloqueio ou censura é a ameaça de movimentos em massa da população, contrário aos interesses estatais, que faz com que haja a medida extrema de suprimir a liberdade de expressão, principalmente nas redes sociais. Cita-‐se como exemplo a Turquia10, que bloqueou o uso do Twitter, em março de 2014. O bloqueio do site foi realizado por ordem judicial, tendo em
GOUVÊA, Carina Barbosa. O direito fundamental à saúde, um olhar para além do reconhecimento:construindo a efetivação que opera em favor da democracia e do desenho institucional. Brasília: Gomes e Oliveira, 2014, p. 62. 8 TENENBAUM, Jason M. Tenenbaum. Is There a Protected Right to Access the Internet?, Int’l J. Const. L. Blog, June 6, 2014. Disponível em: < http://www.iconnectblog.com/2014/06/is-‐there-‐ a-‐protected-‐right-‐to-‐access-‐the-‐internet> . Acesso em 17 de jul de 2014. 9 JONES, Brian Christopher. Is Social Media a Human Right? Exploring the Scope of Internet Rights, Int’l J. Const. L. Blog, Dec. 5, 2014. Disponível em < http://www.iconnectblog.com/2014/11/ is-‐social-‐media-‐a-‐human-‐right-‐exploring-‐the-‐scope-‐of-‐internet-‐rights>. Acesso em 05 de dez de 2014. 10 RAWLINSON, Kevin. Turkey blocks use of Twitter after prime minister attacks social media site. The Guardian 21 de março de 2014. Disponível em < 7
vista que alguns usuários nas últimas semanas colocaram gravações de voz e documentos supostamente mostrando evidências de corrupção entre o círculo interno de Erdoğan, seu primeiro ministro. A afirmação de Erdogan, foi de que a ação foi tomada contra o Twitter como uma "medida de proteção". Um promotor iraniano deu ao governo trinta dias para bloquear as mídias sociais, como o WhatsApp e outros serviços. O ciberespaço foi considerado uma ameça à moralidade pública e potencialmente subversiva à regra clerical xiita no Irã, em setembro de 2014. Um estudo realizado em 2013 demonstrou que os governos de todo o mundo estão cada vez mais criando mecanismos para bloquear o que “consideram” ser uma informação indesejável. A censura não tem só como alvo conteúdos que envolvem pornografia infantil, jogo ilegal, violação de direitos autorais, ou a incitação a violência -‐ um número crescente de governos também estão envolvidos em bloqueios que versam sobre questões sociais e direitos humanos. Dos sessenta países avaliados, vinte e nove têm utilizado o bloqueio para suprimir certos tipos de conteúdo político e social11. De acordo com Jones12, esse tipo de proibição também se associa a governos democráticos, conforme pode ser percebido em algumas situações hodiernas: durante os motins de Londres em 2011, o primeiro-‐ministro David Cameron determinou o bloqueio do Twitter e outros aplicativos de mensagens; em dezembro de 2012, liberais australianos foram aconselhados a fechar as suas contas nas redes sociais antes da eleição geral de 2013; em maio de 2014, a junta militar da Tailândia ameaçou bloquear mídias sociais na tentativa de impedir o incitamento à violência ou criticas aos líderes militares; o governo malaio também ameaçou bloquear Facebook por causa de um aumento do nível de abusos; mais recentemente o Instagram foi bloqueado durante os protestos do movimento Umbrella em Hong Kong. http://www.theguardian.com/world/2014/mar/21/turkey-‐blocks-‐twitter-‐prime-‐ minister> . Acesso em 19 de ago de 2014. 11 HOUSE, Freedom House. SANJA, Kelly; et. al (Ed). Freedom on the Net 2013: A Global Assessment of Internet and Digital Media, p. 3. 12 JONES, Brian Christopher. Is Social Media a Human Right? Exploring the Scope of Internet Rights, Int’l J. Const. L. Blog, Dec. 5, 2014. Disponível em < http://www.iconnectblog.com/2014/11/is-‐social-‐media-‐a-‐human-‐right-‐exploring-‐the-‐ scope-‐of-‐internet-‐rights>. Acesso em 05 de dez de 2014.
Estas situações suscitam algumas perguntas interessantes, as quais Jones13 tenta responder: há momentos em que os governos podem bloquear os acessos as redes sociais de forma legítima para evitar o aumento dos “tumultos” ou “crises”? Os sujeitos têm direito ao acesso irrestrito as mídias, não importa as circunstâncias? Qual o papel das mídias sociais frente aos governos autoritários? Muito embora os bloqueios se concentram principalmente nas mídias sociais contemporâneas -‐ Facebook, Twitter, Instagram, Wikepedia, etc – em casos especiais tais bloqueios poderiam atingir outros serviços baseados na internet, como e-‐mail, etc. Incluindo ainda serviços não baseado na Internet, tais como SMS ou outros serviços de mensagens de telecomunicações. A Internet e mídias sociais, em particular, não são tecnicamente consideradas um fórum público, porque IPs são considerados privados e fornecem os meios básicos de acesso, enquanto empresas privadas de tecnologia muitas vezes controlam o conteúdo. Se os indivíduos ou empresas têm acesso ou têm conteúdo censurado por essas entidades privadas, é compreensível que questões, como a liberdade de expressão, não estejam envolvidos. Mas, se as mídias sociais ou outros aplicativos de mensagens são intencionalmente desconectados ou interrompidos, por meio de intervenção deliberada do governo, esses direitos estão engajados. Naturalmente, esta linha permanece obscura, considerando que muitas empresas de mídia social cooperam com os governos, fornecendo grandes quantidades de informação pessoal às entidades governamentais. Não se discute aqui o papel de cooperação realizado no âmbito de tentar coibir crimes de ordem nacional e internacional. A questão volta-‐se exclusivamente para a interrupção relativa ao conteúdo de ordem política e social. É absolutamente possível reconhecer a mídia social como um direito humano, devido ao grande número de importantes direitos que nela convergem, a saber: a liberdade de associação, expressão e informação. A liberdade de associação permite que o usuário opte por se unir a plataformas ou grupos para 13 As
questões abordadas serão exclusivamente com base no texto de Jones, através de uma pequena resenha. JONES, Brian Christopher. Is Social Media a Human Right? Exploring the Scope of Internet Rights, Int’l J. Const. L. Blog, Dec. 5, 2014. Disponível em < http://www.iconnectblog.com/2014/11/is-‐social-‐media-‐a-‐human-‐right-‐exploring-‐the-‐ scope-‐of-‐internet-‐rights>. Acesso em 05 de dez de 2014.
a interação social e profissional. Muitos grupos formais e informais tradicionalmente são baseados nas redes. Muito embora haja uma grande parcela da sociedade desconectada destas redes, para muitos o acesso é essencial e tal exclusão pode gerar uma prejudicialidade direta. Liberdade para associar-‐se ou não. Houve alguns impulsos para o reconhecimento do acesso as mídias sociais ser considerado direitos humanos, principalmente após a Primavera Árabe, em 2013, quando os serviços eram vistos como "democracia de habilitação". Em 2012, o Conselho da Europa, através do Comissariado de Direitos Humanos publicou um documento que envolve o debate e reflexão sobre as liberdades da mídia na Europa, e, antes deste, o Human Rights Watch defendeu leis para proteger tal atividade. Recentemente, no entanto, o foco teve alteração e parte ocorreu pela utilização desta mesmas mídias sociais para objetivos mais nefastos: o Estado Islâmico, atualmente atuando área da Síria e do Iraque, tem sido muito hábil em postar vídeos que transmitem propaganda, decapitações e outras imagens horríveis / perturbadoras entre uma variedade de meios de comunicação sociais internacionais. Desde a expansão do Estado Islâmico e do abuso on-‐line generalizado (incluindo a perseguição desenfreada, o discurso do ódio e do sexismo, entre outras coisas), a mídia social tem vindo agora a ser percebida, por muitos, como potencialmente prejudicial em oposição a "democracia de habilitação", que não são considerados “liberdade de expressão”. Há a real necessidade de abolir toda atividade criminosa, mensagens relacionadas ao abuso de crianças, etc. Essa mudança cultural significativa tem dificultado as habilidades governamentais para encontrar as melhores práticas, não só em termos de acesso a esses serviços, mas também quanto ao controle desse conteúdo. E uma vez que alguns governos ocidentais democráticos têm tido problemas com a mídia social, é indubitável que os regimes autoritários sem dúvida, tem (tenham) um relacionamento complicado com esses serviços. Muitas plataformas permitem a difusão fácil e ampla de opiniões e informações e uma série de regimes têm bloqueado ou fortemente censurado as mídias sociais.
A Primavera Árabe trouxe para esta questão um foco proeminente. Ressaltasse a forma como as mídias conectaram os movimentos sociais, tais como Facebook e Twitter, desempenhando um importante, se não essencial, papel na mobilização dos cidadãos para as manifestações populares. A facilidade com que a informação foi compartilhada em redes sociais permitiu que manifestações de massa fossem agendadas em muitos países. Os governos autoritários têm certamente reconhecido as mídias sociais como um facilitador de manifestações de massa, e o bloqueio, por vezes, tem o intuito de preservar sua permanência no poder. O intuito de Jones14 é provocar, ou seja, iniciar uma conversa entre os acadêmicos, o governo, o setor privado, para tentar encontrar as melhores práticas, não permitindo que estes direitos sejam violados, de forma a tentar conter ou censurar a liberdade de expressão, de associação, informação e cultura. É claro que há uma complexidade de direitos envolvidos, de natureza pública e privada, que contém dificuldades inerentes, mas é de suma importância sempre dar um primeiro passo.
14 JONES, Brian Christopher. Is Social Media a Human Right? Exploring the Scope of Internet Rights,
Int’l J. Const. L. Blog, Dec. 5, 2014. Disponível em < http://www.iconnectblog.com/2014/11/ is-‐social-‐media-‐a-‐human-‐right-‐exploring-‐the-‐scope-‐of-‐internet-‐rights>. Acesso em 05 de dez de 2014.
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