As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho em Petrópolis - RJ.

June 30, 2017 | Autor: A. Maiworm-Weiand | Categoria: Ciências Sociais, Sociologia do Trabalho, Sociologia Rural
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Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ.

Niterói 2014

Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ

Monografia apresentada à coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de bacharel.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Mello Vieira Martins Co-orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro

Niterói 2014

Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências Humanas e Filosofia Graduação em Ciências Sociais

ABILIO MAIWORM-WEIAND

As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho, em Petrópolis – RJ

BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. Dr. Maurício Mello Vieira Martins (Orientador) Universidade Federal Fluminense ____________________________________________ Prof a. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro (Co-orientadora) Universidade Federal Fluminense ____________________________________________ Prof. Dr. Valter Lúcio de Oliveira Universidade Federal Fluminense

Niterói 2014

DEDICATÓRIAS

In memoriam

Marco Túlio David das Neves Atílio Aléssio Alexandre Francisco da Silva “para aliviar o peso da palavra

que ninguém é de pedra” (Paulinho da Viola).

Professor Ciro Flamarion Cardoso (in memoriam). Cuja palestra proferida em 13 de abril de 2009, em Petrópolis, teve o efeito de lavar minh’alma e determinar o meu retorno à vida acadêmica.

Abaixo, dedico o “diálogo” entre o poeta e o filósofo, acompanhado atentamente por nosso herói, ao autor destas linhas. Quem é você que não sabe o que diz? (Noel Rosa) Só sei que nada sei. (Sócrates) Ai, que preguiça! (Macunaíma).

AGRADECIMENTOS Parte de maior “liberdade” no trabalho acadêmico, pois mesmo sem a rigidez das normas o espaço é exíguo. Expor afetos assim é como convidar para a cerveja e distribuir dedais. Espero que as parcas palavras não sejam a expressão de porcas afeições. Em tese, numa monografia, que nem dissertação é, deveria constar o valoroso reconhecimento de quem contribuiu para a sua realização. Inclusive, pouparia espaço. Mas, um TCC é mais que o trabalho de conclusão de curso. Muitas pessoas estiveram na canoa. Mesmo que brevemente, foram-na em mar revoltoso ou sem brisa; timoneiras e remadoras, simultaneamente. Reingressar na universidade depois de anos, cuja luz que acalentava tal ideia parecia vir da lamparina de um túnel tortuoso, conta com tantas outras; maquinistas e foguistas. Meu contato com as ciências sociais iniciou há certo tempo. O marco talvez seja em 1993. Bernard Herman Hess, amigo-camarada e irmão da vida (hoje na UNB), criou comigo um grupo de estudos na universidade (Viçosa – MG). Iniciado como curso de introdução à filosofia, reuniu entre 30 e 40 pessoas aos fins de semana de um período letivo. Ministrado entusiasticamente pelo professor José Carlos Costa (UFV) seguiu sob sua coordenação nos anos seguintes como grupo de estudos. Ao Bernard e ao Zé não há como agradecer. Eles não contribuíram para a minha formação. Muito além, compõem o meu arcabouço analítico toda vez que o mobilizo. Igualmente reconheço o professor Alberto Jones (sociologia rural – UFV), o camarada Jones. Amigo guerreiro, valoroso e fecundo intelectual, poeta de textos e da vida. Um grande filho da Bahia que traz dentro de si a generosidade do seu Povo. A ideia de cursar ciências sociais também vem daí. O primeiro a acalentá-la foi o médico-veterinário, psicólogo e ser humano por paixão, Breno Veríssimo Gomes. Como já disse o poeta, “fez-se do amigo próximo, distante” ao fim do seu doutorado e do mestrado de sua mulher, Fátima, e o retorno para a UFMS. Mais recente, mas nem por isso não distante, em 2003, ao fim da defesa da dissertação da minha companheira, Clareth Reis, o incentivo veio da professora Iolanda de Oliveira (PENESB – UFF). Estímulo que se juntou às menções inconformadas da Clareth sobre a minha recusa em retornar à condição de um “ser sem luz”. Também a partir daí, insistentemente ouvi o mesmo das amigas professoras Maria Batista (UFS) e Vera Neri (UNISUAM). A elas, cada qual de um canto deste país, mas com contos de vida que se encontram nos cantos herdados das resistências e rebeliões das senzalas, quilombos, sertões, navios e guerrilhas, expresso a minha singela e inesquecível gratidão. No trajeto podem surgir percalços a desestimular o caminhante, caso não esteja confiante na construção do caminho. Comigo não foi diferente. A diferença é que novos remadores e timoneiros chegaram. Muitos mais que as menções aqui. Pelo apoio material e emocional

naqueles momentos complicados, agradeço carinhosamente: a Anilce Bretas, à querida amiga Ilza David das Neves (incluindo toda a sincronia desde o “fim da história”), a colega Juciara Prado e ao prezado Anderson Paulino. As tempestades costumam retornar após certa bonança. Os agradecimentos são pela acolhida carinhosa e pela partilha de tantas coisas simples que nos humanizam. Ao amigo Welington Batista, da coordenação de estatística; a seriedade das palavras e o afeto das ações. À querida Denise Pinaud, que sorri com o coração e canta a vida. Ao Marcelo Carvalho, que pela simplicidade e alegria só podia ser da Bahia. E novamente ao Anderson, agora acompanhado da Gisele; “Um sorriso negro, um abraço negro. Traz... felicidade”. Ao Luciano Cruz e a Soraia Silva pela aconchegante recepção em vosso quilombo (PENESB – UFF) e por darem fim ao desespero de trabalhos prontos, mas não impressos. Em Petrópolis, além de sempre me procurarem, preocupados com meu sumiço, gentilmente cederam os seus canais auditivos às elucubrações intelectuais e aos choros sem velas pela angústia de esforços não sacramentados no “coeficiente de crucificação”. Seu Luis e Dona Dirce (Quitanda Mosela), Silvana e Florian Kopp (Independência esquina com Bayern), peço-lhes que sempre me procurem e perdoem; às vezes eu não sei o que estou dizendo. Aos companheiros-agricultores familiares da APOP, Edvaldo Vieira e Manoel Ferreira, pela confiança, o espaço aberto e a convivência na agricultura orgânica, assim como ao amigo de décadas Paulo Roberto e Souza (Mamirauá – Tefé – AM); outro mundo é possível. Às bibliotecárias e demais trabalhadores e trabalhadoras da Biblioteca Central, em particular a Tâmia, pela pronta atenção e orientação na busca de livros e soluções de problemas. Sem vossa ajuda não teria logrado os conhecimentos e resultados acadêmicos obtidos. Aos funcionários e funcionárias do ICHF com quem convivi e que trabalham para que o Instituto e o curso de ciências sociais efetivamente aconteçam. Em particular ao Wellington Teixeira. Também ao Eduardo Telles, cuja convivência permitiu a criação idealizada de uma agremiação cultural da qual nos tornamos diretores. Aos terceirizados e terceirizadas, em especial ao Alberto e a Ângela, sempre atenciosos e prestativos, ajudaram-me a conectar a universidade e o curso à realidade social fora do espaço acadêmico. Aos professores da UFF que efetivamente trabalham e se dedicam à formação de tantos cientistas sociais, apesar das condições muitas vezes precárias, do excesso de trabalho e da remuneração muito aquém da qualificação e da responsabilidade. Aos colegas Diego Maggi e Chico Julião (Um P. C.) pelas valorosas discussões ao longo do curso e o regozijo com vossos embates. Vocês farão diferença em nosso campo. À professora Carmen Felgueiras pela primeira sugestão de que eu partisse da experiência na agricultura orgânica para o TCC. Também ao professor e companheiro Adriano Du-

arte (História – UFSC) pelo reforço desta ideia e sugestões valiosas. Ao Lourival Fidelis, que em meio ao doutorado e lá da Espanha, guiou-me nos primeiros passos da delimitação do tema e da construção das hipóteses. Sua ajuda foi fundamental. A muito querida Renake David e aos camaradas Leonardo Albuquerque e Bernardo Soares, todos da história da UFF, por acreditarem na relevância do tema, pelas dicas e pelo incentivo quando vinha o desânimo. Aos geógrafos sociais, amigos-professores Márcio Piñon (UFF) e Júlio Ambrozio (UFJF) pelas fecundas discussões da geografia. Com vocês vi relações muito mais complexas sendo edificadas em nossos latossolos e variantes que as observadas nas superfícies de suas argilas silicatadas. Ao Júlio, pelas sugestões variadas para o TCC, mas principalmente pelo convívio na geografia serrana, rico em reflexões de quem está no pico, mas conhece os vales. Mais “Imperial Helles” nos aguarda: Noch ein Bier, bitte! À professora Lívia de Tommasi pelos alertas de excesso, quase sempre ignorados e que acabaram por cobrar um preço quase alto demais. Pelo respeito à linha teórica que assumi, reconhecimento, incentivo e pela recomendação que sempre fez: Procura o Maurício. Procura o Maurício. Ao menos nisto lhe ouvi. À professora Ana Motta, pela co-orientação, pelas palavras de estímulo e leitura atenta da monografia. Ao professor Valter de Oliveira pelas sugestões iniciais ao projeto de pesquisa e leitura da monografia. Ao Maurício Vieira Martins. A convivência por um ano sob sua orientação reveloume um intelectual rigoroso e fecundo professor, comprometido com a universidade pública, com o curso de ciências sociais e a respectiva formação de seus estudantes. Mas acima de tudo pude conhecer um ser humano de imensa sensibilidade. A relação sincera e amiga estabelecida foi essencial para o processo de orientação e para que me sentisse estimulado, comprometido e dedicado a desenvolver um trabalho investigativo que atingisse o potencial e as expectativas que criamos frente às condições apresentadas. Posso dizer sem medo de errar que levarei comigo um aprendizado humano para o restante do trajeto de vida. “E dando os trâmites por findos”, até pela coincidência do dia, não há mais como agradecê-la. Resta-me a confissão: a Clareth.

Foguista dos meus sonhos, remadora de paixões, locomotiva da minha vida timoneira dos caminhos, Porto seguro do meu coração. Abilio Maiworm-Weiand/sábado, 02-ago-2014, Petrópolis - RJ

RESUMO O estudo monográfico “As relações de trabalho numa empresa agrícola de produção orgânica: estudo de caso do Sítio do Moinho em Petrópolis – RJ” aborda vários aspectos da agricultura orgânica e analisa as relações sociais de trabalho que engendram a produção. A questão crucial levantada é se o trabalho assume caráter inovador dentro do contexto da ecorresponsabilidade social ou se tem a mesma lógica da produção de mercadorias. Partiu-se da pesquisa bibliográfica nucleada no debate agrário sob a ótica marxista de textos acadêmicos que analisam o assunto. Realizou-se um estudo exploratório de campo no Sítio do Moinho, região serrana fluminense. Fizeram-se entrevistas no local de pesquisa e imagens digitais do campo. Diversos portais na internet foram pesquisados. Procurou-se identificar os diversos aspectos socioespaçotemporais do lócus de investigação. Os dados construídos fundamentaram a verificação das hipóteses. Constatou-se a presença do agronegócio orgânico.

Palavras-chave: Sítio do Moinho. Desenvolvimento sustentável. Agricultura orgânica. Trabalho produtivo.

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS

ABIO – Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro APOP – Associação de Produtores Orgânicos de Petrópolis CLT – Consolidação das Leis do Trabalho COONATURA – Cooperativa Mista de Produtores e Consumidores de Alimentos EBAA – Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa EMATER-RJ – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro IBD – Instituto Biodinâmica de Desenvolvimento Rural IFOAM – International Federation on Organic Agriculture (Federação Internacional de Agricultura Orgânica) MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MIT – Massachusetts Institute of Technology (Instituto de Tecnologia de Massachussets – EUA) OIT – Organização Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas OPAC – Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade. PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente RS – Rio Grande do Sul RR – Roraima SBT – Sistema Brasileiro de Televisão SIMPLES – Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte SISORG – Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica SPG – Sistema Participativo de Garantia UNCED – United Nations Conference on Environment and Development (Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento) UENF – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro UFF – Universidade Federal Fluminense UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UNOPAR – Universidade Norte do Paraná URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO

01

1.1 Antecedentes do tema

01

1.2 Relações de trabalho e agricultura orgânica: caminhos trilhados

03

2 A AGRICULTURA ANTES E APÓS A REVOLUÇÃO VERDE

10

2.1 Breve contextualização acerca do debate dos clássicos do marxismo sobre o campesinato

10

2.2 A Revolução Verde e algumas consequências para o Brasil

15

2.3 A agricultura alternativa

17

2.4 Desenvolvimento sustentável

18

2.5 Economia verde

20

2.6 A agricultura orgânica

21

3 A AGRICULTURA ORGÂNICA EM PETRÓPOLIS

25

3.1 O Sítio do Moinho

26

3.2 Condições preliminares do trabalho de campo

26

3.3 Situando o Sítio do Moinho

27

3.4 O surgimento do Sítio do Moinho

29

3.5 Dick Thompson: um proprietário neorrural

32

3.6 Do início da produção à primeira comercialização

33

3.7 O significante “cesta” e seu significado no Sítio do Moinho

34

3.8 O espaço neorrural do Sítio do Moinho e sua identidade em construção

37

3.9 Além do domicílio: o fornecimento para os supermercados

39

3.9.1 A saída do grande comércio varejista

40

3.9.2 A estrutura herdada

42

3.9.3 A certificação da produção orgânica

44

3.10 Exigências para a certificação da produção orgânica: três possibilidades

45

3.11 – O Sítio do Moinho e as certificações pelo IBD e ABIO

47

3.12 – Agricultores-fornecedores familiares e as novas exigências

48

3.13 – Dick Thompson: de produtor rural a empresário

53

4 SÍTIO DO MOINHO: PRODUÇÃO E RELAÇÕES DE TRABALHO

56

4.1 O atual patamar da produção

58

4.2 Planejamento, supervisão e execução do cultivo

66

4.3 As condições de trabalho

73

4.4 A parte que te cabe dessa produção

75

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

85

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

86

7 APÊNDICES

92

7.1 APÊNDICE A: ROTEIRO PARA ENTREVISTAS

92

7.2 APÊNDICE B: ENTREVISTAS

93

7.2.1. APÊNDICE B1: 1ª ENTREVISTA (1ª PARTE) 7.2.2 APÊNDICE B1.1: 1ª ENTREVISTA (2ª PARTE)

DICK THOMPSON DICK THOMPSON

93 107

7.2.3 APÊNDICE B2: 2ª ENTREVISTA

EVANDRO

109

7.2.4 APÊNDICE B3: 3ª ENTREVISTA

MARLENE

114

7.2.5 APÊNDICE B4: 4ª ENTREVISTA

MARLENE, MARCOS E EVANDRO 116

7.2.6 APÊNDICE B5: 5ª ENTREVISTA (1ª PARTE)

EDUARDO

121

7.2.7 APÊNDICE B5.1: 5ª ENTREVISTA (2ª PARTE)

EDUARDO

130

7.2.8 APÊNDICE B5.2: 5ª ENTREVISTA (3ª PARTE)

EDUARDO

130

7.2.9 APÊNDICE B6: 6ª ENTREVISTA

PAULO CÉSAR

131

1

1 - Apresentação 1.1 - Antecedentes do tema A decisão pela escolha do tema sobre o trabalho na agricultura, e mais especificamente sobre as relações de trabalho que se estabelecem e se dinamizam num determinado empreendimento de agricultura orgânica, tem relação inevitável com a minha própria trajetória pessoal. Apesar de não ser filho de camponeses, meus avós, tanto paternos quanto maternos, foram agricultores familiares e sempre trabalharam a terra sem o uso de quaisquer substâncias químicas industrializadas. Aprendi a gostar de agricultura principalmente pela convivência com a minha avó materna que residia ao final da Rua Gaspar Gonçalves, em Petrópolis, no município serrano do Rio de Janeiro1. Apesar das limitações técnicas da fotografia original 2 e da própria digitalização, meus avós maternos Carmen Mayworm e João Wayand Jr. podem ser vistos abaixo junto de alguns dos seus animais domésticos.

1

Julgo necessário esclarecer que no último dia 25 de abril de 2014, foi aprovada a Lei nº 7.174 que alterou a Deliberação nº 1.224 de 07 de abril de 1960, que denominava o logradouro público por Rua Gaspar Gonçalves, passando a denominar-se agora de Rua João Wayand Júnior, no Quarteirão Brasileiro. Ao final de 2009 iniciei a campanha para esta alteração. Foi a forma encontrada para homenagear a memória daquele que liderou a abertura da rua, nomeou-a como Gaspar Gonçalves, cuidou da mesma por toda a vida e faleceu repentinamente em 21 de janeiro de 1977 devido ao esforço físico empregado nesses cuidados. 2 A autoria não é conhecida. A data é avaliada em fins dos anos 1950, provavelmente entre 1956 e 1959. A foto original pertence ao álbum de família de Laura Wayand, filha do casal Mayworm&Wayand. A reprodução digital foi realizada por mim. Para complementar, o que parece um cigarro à boca é apenas uma mancha branca.

2 Sob tal influência direta fui cursar agronomia na Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais. Apesar de não ter concluído o curso, não me afastei completamente da dimensão do rural. Entre os anos de 2004 e 2009 labutei como agricultor orgânico onde também morava, na atual Rua João Wayand Júnior, no Quarteirão Brasileiro. A área total do terreno é de 574,44 m². No entanto, a parte agricultável não ultrapassa os 370,00m². As fotografias digitalizadas e postadas abaixo retratam parte desta área em que residi e trabalhei.

Foto e digitalização: Abilio Maiworm-Weiand Milho híbrido em cultivo consorciado com feijão preto.

Foto e digitalização: Abilio Maiworm-Weiand Canteiros: (1º) Couve-flor, repolho, mostarda; (2º) Alface; (3º) Alface, cenoura e beterraba. No último plano: ervilha e feijão preto. Acima e à esquerda dois pequenos montes de compostagem; restos de cozinha, folhagens diversas, calcário dolomítico (Ca e Mg) e esterco de cachorro.

3 No ano de 2005 ingressei na Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis (APOP). Durante a minha organização na APOP tive a oportunidade de conhecer de perto o universo de luta e organização dos agricultores familiares e das disputas políticas e ideológicas travadas neste setor. Tanto em embate com a agricultura convencional quanto na luta intersetorial com produtores capitalizados e consumidores de “classe média”. Só abandonei efetivamente estas atividades ao final de 2009, quando decidi tentar o vestibular para o curso de ciências sociais da Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Ao ingressar na UFF tive a possibilidade de travar contato de forma mais aprofundada com as discussões acerca das múltiplas dimensões da sociedade. Particularmente, as questões suscitadas pelo tema do mundo do trabalho despertaram-me grande interesse, assim como os textos e os debates da disciplina sociologia rural. A partir dessas vivências surgiu a ideia de realizar um estudo sobre as relações de trabalho na agricultura orgânica. 1.2 - Relações de trabalho e agricultura orgânica: caminhos trilhados A agricultura orgânica é uma proposta de produção de alimentos que se diz inovadora em muitos aspectos. Seus praticantes além de defenderem uma agricultura que não esgote os recursos naturais, ou seja, sustentável, advogam uma sustentabilidade multidimensional. Incluem-se aí, questões de âmbito social, econômico, ambiental, cultural, ético e político. Geralmente, tais proposições surgem sintetizadas por seus adeptos na expressão “ecorresponsabilidade social”. Assim, a partir desse discernimento que a agricultura orgânica tem e divulga sobre si mesma, decidimos investigar como se forjam e se dinamizam as relações de trabalho em empresas agrícolas de produção orgânica. Questionamos, então, se os empreendimentos de agricultura orgânica conseguem construir relações de trabalho que se diferenciem de uma empresa agrícola convencional, como por exemplo, do agronegócio. Em caso negativo, isto é, se não conseguem se desvencilhar da lógica do capital de produção de mercadorias e extração de mais-valor, não seriam, neste caso, empresas também do agronegócio sem, no entanto, utilizarem os agroquímicos industrializados? Em vista disso, se esses empreendimentos utilizam mão de obra assalariada e se os trabalhadores não participam das decisões de o quê produzir, como produzir e comercializar e nem da distribuição dos lucros, cogitamos a hipótese de que tais empreendimentos não conseguem produzir de um modo que se diferencie essencialmente do modo de produção capitalista. Esta hipótese é considerada mesmo se o prescrito em lei estiver sendo respeitado em rela-

4 ção ao compromisso “assumido pelo empregador com os trabalhadores, com medidas a serem adotadas para melhoria contínua da qualidade de vida” 3. Para que a análise proposta fosse alcançada, partimos de um levantamento bibliográfico centrado na questão agrária do ponto de vista marxista e de um conjunto de textos que incorpora a reflexão acadêmica existente sobre o tema. Também foi realizado um estudo exploratório de campo no Sítio do Moinho, situado na região serrana do estado do Rio de Janeiro. Especificamente, procuramos conhecer: o surgimento, caracterização econômica, estrutura organizacional, produção agrícola, comercialização e, por último, como se forjam as relações de trabalho que permitem dinamizar todo o processo produtivo nesse lócus de pesquisa. Utilizamos ainda como fonte de dados o portal do Sítio do Moinho na internet e as suas respectivas ligações com outras organizações que mantém algum tipo de relação considerada importante para este estudo. Com isso, visamos obter dados empíricos que pudessem fundamentar as respostas às hipóteses que instigaram esta pesquisa. O estudo exploratório de campo ocorreu no dia 08 de abril de 2014. Foram realizadas seis entrevistas, conforme a sequência: 1) Proprietário do empreendimento: Dick Thompson; 2) Técnico agrícola: Evandro; 3) Trabalhadora rural: Marlene; 4) Trabalhador rural: Marcos; 5) Engenheiro agrônomo: Eduardo; 6) Trabalhador agrícola: Paulo César. Apesar de me ter guiado por perguntas preparadas antes de seguir para o campo, as entrevistas foram construídas de forma não estruturada, isto é, entrevistas abertas 4. Esta opção foi adotada porque, conforme esclarecem Robert Bogdan e Sari Biklen, devido a sua flexibilidade a entrevista não estruturada “permite aos sujeitos responderem de acordo com a sua perspectiva pessoal em vez de terem de se moldar a questões previamente elaboradas” 5. E ainda, de acordo com Marieta Ferreira e Janaína Amado, “o testemunho oral representa o núcleo da investigação, nunca parte acessória (...) [permitindo] (...) esclarecer trajetórias individuais, eventos ou processos que às vezes não têm como ser entendidos ou elucidados de outra forma”6. Com esta metodologia a principal fonte de dados constitui-se durante o 3

BRASIL. Presidência da República, 2007. A respeito dessas prévias indagações, ver o APÊNDICE A. 5 BOGDAN; BILKELN, 1994, p. 17. 6 FERREIRA; AMADO, 2001, p. XIV 4

5 processo de geração da mesma, isto é, a geração documental através das entrevistas. Resultado do diálogo entre o pesquisador e o entrevistado, exige do investigador a consciência de um processo intersubjetivo. Neste caso, o corpo teórico interpretativo se forma conforme a pesquisa avança, buscando o sentido da visão de mundo dos seus entrevistados. Dessa forma, através das entrevistas procuramos identificar a percepção dos entrevistados, proprietário e trabalhadores, em relação às relações de trabalho que se estabelecem entre os mesmos; como se dá a produção e como os produtos gerados são repartidos entre eles. Portanto, buscamos identificar se o Sítio do Moinho tem como prioridade a produção para a satisfação das necessidades dos envolvidos no processo produtivo, sendo comercializado apenas o excedente. Ou, ao contrário, se as relações aí estabelecidas são de simples assalariamento e, por isso, mesmo, produtoras de mercadorias voltadas ao mercado. Outro recurso metodológico empregado foi o da imagem digital. Tanto a fotografia quanto a imagem digital são mais uma forma de representação da realidade em suas múltiplas dimensões socioespaciais; geografia, atividade laboral, construções, equipamentos etc. 7 A intenção de construir um corpus imagético não é a de mera ilustração textual. Esse tipo de material insere-se como mais uma fonte de dados, um instrumento de pesquisa e reflexão a ser empregado e analisado para auxiliar na compreensão do objeto de estudo em questão. A perspectiva é que a narrativa textual e a imagética dialoguem ao longo do trabalho de forma a complementarem-se, enriquecendo a compreensão do objeto investigado. Com esses propósitos e nessas circunstâncias podemos “tomar” a imagem digital por fotografia e caracterizá-la conceitualmente como possuidora de: (...) uma linguagem particular, expressando-se pela disposição dos seus diversos elementos dentro de um campo delimitado e bidimensional. Portanto, ela constitui uma representação particular como forma para expressar as relações sociais ou dimensões particulares da natureza. É a representação registrada numa fração infinitamente diminuta do tempo, cuja substância está contida na totalidade do processo histórico. Totalidade muito mais ampla, complexa e dinâmica que qualquer forma de representação. Como as demais artes, refere-se e retrata, com maior ou menor fidelidade, mas nunca exatamente, o mundo real através da expressão pessoal de quem a utiliza. Assim, ela é uma forma peculiar de expressão e investigação da realidade objetiva. O domínio do fotógrafo sobre a técnica, o equipamento e a linguagem fotográfica, aliado à sua sensibilidade, formam o conjunto de recursos para tal elaboração interpretativa e, sobretudo, representativa da realidade8.

7

Faço a distinção entre fotografia e imagem digital por questões ontológicas que não cabem ser discutidas aqui. Apesar disso, a linguagem imagética de ambas guardam muitas semelhanças e em muitos aspectos apresentam pontos comuns, digamos, de uma mesma gramática. Esta, por sua vez, origina-se das regras de composição que remontam aos primórdios da geometria e sua aplicação na arquitetura, escultura e pintura muitos séculos antes do reconhecimento oficial da primeira fotografia em 1826. 8 MAIWORM-WEIAND, 2004, p. 11.

6 Esse duplo caráter no interior de uma unicidade concreta, isto é, ser ao mesmo tempo uma forma peculiar de expressar e de investigar a realidade, pode torná-la um meio eficaz como instrumento de pesquisa para as ciências sociais. Subjetividade e objetividade como núcleo dialético indissociável. A imagem técnica, fotográfica ou digital, é um recorte do real, fruto do momento da escolha que o operador faz ao considerar importante aquilo que viu. Por isso, é uma atribuição de valor e, portanto, um artefato cultural impregnado pela visão do fotógrafo e de sua época, além de estar limitada pelas próprias condições técnicas de sua realização. Como afirma Ulpiano de Meneses é necessário “dar atenção à construção da imagem, às condições técnicas e sociais de sua produção e consumo” 9. Ao mesmo tempo, no caso de fonte de dados para a pesquisa, em que a dimensão artística tem de estar necessariamente submetida aos parâmetros técnicos de foco e nitidez, podemos destacar “que a fotografia sempre traz consigo o seu referente”, como afirma Roland Barthes10. Caso contrário, a sua capacidade como instrumento de pesquisa poderá ter forte viés ou ser completamente anulada. Mas é exatamente o duplo caráter da fotografia que pode permitir durante a pesquisa que aquilo que está invisível ganhe visibilidade, numa alusão à interpretação que Paul Klee faz em relação à pintura 11. Além das imagens de minha própria lavra, também foram utilizadas neste trabalho imagens que se encontram publicamente disponíveis através da página do Sítio do Moinho no facebook12. Não há razão metodológica para descartar ou ignorar o uso de imagens que não tenham sido feitas pelo próprio pesquisador. Porém, como toda imagem é uma atribuição de valor, ressaltamos o fato de que essas passaram também, e necessariamente, por uma seleção para serem publicadas, independentemente de terem sido feitas pelo proprietário, visitantes ou por profissional contratado para este fim. O que significa dizer que são usadas como forma de representação social de si mesmos para o restante do corpo societário em que se inserem, implicando numa dimensão de construção de identidade, inclusive ideológica. No tocante à bibliografia há certa literatura já produzida sobre a relação entre a pequena agricultura familiar e a sua subordinação ao processo de reprodução do capital, como se pode verificar em José Vicente Tavares dos Santos, Elizandra de Oliveira, Roselaine da Silva13. Sobre os movimentos sociais no campo também há vasta literatura; José de Souza Mar9

MENESES, 2003, p. 18. BARTHES, 1984, p. 15. 11 KLEE apud GURAN, 2002, p. 104. 12 FACEBOOK, 2014. A referência completa está no item bibliografia. 13 As obras, respectivamente, são: Os colonos do vinho (1978); A agroindústria sucroalcooleira e a subordinação dos pequenos proprietários de terra em Santa Bárbara D’Oeste (2010); Trabalho integrado e reprodução ampliada do capital (2011), cujas referências bibliográficas completas estão no final desta monografia. 10

7 tins e Leonilde de Medeiros são alguns exemplos14. Porém, sobre a especificidade do tema tratado nesta investigação – relações de trabalho no interior de empresas do ramo da agricultura orgânica – não encontramos uma literatura mais a propósito. Por isto, esta pesquisa justifica-se também pela possibilidade de contribuir com um tema que nos parece até agora ter recebido pouca atenção por parte dos pesquisadores. Principalmente em relação aos pressupostos teóricos que nitidamente buscamos assumir aqui sobre o sentido do trabalho produtivo para o capital, conforme Marx o dimensionou. No âmbito das ciências sociais este estudo ainda poderá colaborar para ampliar a compreensão da dinâmica da agricultura na região serrana do estado do Rio de Janeiro e acerca das relações de trabalho em empresas de agricultura orgânica. Os resultados poderão interessar não somente aos diretamente envolvidos no processo investigativo, mas também àqueles que de uma ou outra forma já possuem algum interesse sobre a prática agrícola em questão. Especificamente sobre o tema trabalho, empregamo-lo aqui no sentido elaborado por Karl Marx e desenvolvido por Ricardo Antunes 15. Para estes autores o trabalho é a categoria estruturante da mediação entre sociedade e natureza. É a atividade fundamental “à existência do homem - quaisquer que sejam as formas de sociedade -, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana" 16. Assim sendo, o trabalho é a atividade essencial da própria práxis humana.

A categoria trabalho também é considerada neste texto, ainda conforme os mesmos autores, no seu sentido histórico; o trabalho produtivo no modo de produção capitalista. Neste processo de produzir o trabalho encontra-se organizado na relação entre os detentores dos meios de produção, a burguesia, e os detentores da força de trabalho, o proletariado. Esta relação implica em duas dimensões do trabalho; concreta e abstrata. Conforme a qualidade do trabalho, a dimensão concreta produz valores de usos específicos; sapatos, roupas, alimentos etc. A dimensão abstrata produz valor; trabalho socialmente necessário em que desaparece a sua dimensão concreta. O trabalhador só é produtivo quando está a serviço direto do capital, produzindo valor e mais-valor. A respeito desta particularidade do modo capitalista de produção, Marx afirma:

14

Do primeiro autor: Os Camponeses e a política no Brasil (1981). Da segunda autora: História da luta pela terra no Brasil (2003) e O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (2007). A referência completa está na bibliografia. 15 ANTUNES, 2002. 16 MARX, 1971, p. 50 apud Idem, p. 91.

8 A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmente produção de mais-valor. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, por isso, que ele produza em geral. Ele tem de produzir mais-valor. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valor para o capitalista ou serve à autovalorização do capital17.

O proletário ao entrar em atividade durante certa jornada de trabalho produz o valor da sua própria força de trabalho, referente ao atendimento das suas necessidades mínimas de sobrevivência e de sua família. Ainda de acordo com Marx, “pressupondo-se que a força de trabalho seja remunerada por seu valor”, este é recebido do burguês na forma salário 18. Entretanto, tal valor é produzido durante determinado tempo da jornada de trabalho. Como esta prossegue além deste ponto, o trabalhador produz um valor além do referente às suas necessidades mínimas. É produzido mais-valor, que por sua vez não lhe é pago, mas apropriado pelo proprietário dos meios de produção, o que permite a reprodução e a acumulação de capital. Esse é o caráter abstrato do trabalho; fonte de criação do valor e de mais-valor. Nesse modo de produção, os produtores diretos não se identificam com o que fabricam. Além de serem apartados do fruto do seu trabalho, são impedidos de decidirem o que fabricar e como fabricar. Tal situação gera o fenômeno do estranhamento (Entfremdung), de acordo com a discussão travada por Ricardo Antunes19. É este o sentido, geral e resumido, que utilizamos como instrumento investigativo das relações de trabalho no lócus empírico deste estudo. Isto é, a peculiaridade histórica do trabalho no modo de produção capitalista, não encontrado em outras épocas; o seu sentido de ser produtivo e não produtivo para o capitalismo. Esta monografia está organizada em quatro capítulos. Neste primeiro apresentamos o percurso metodológico, instrumentos de pesquisa, objetivos, as hipóteses que norteiam a discussão dos demais capítulos, a justificativa e o conceito de trabalho produtivo para o capital. No segundo capítulo debatemos a questão agrária sob o ponto de vista marxista, com destaque para o avanço da indústria sobre a agricultura. Apresentamos a Revolução Verde e contextualizamos a agricultura no Brasil a partir dela. Conceitos atuais que orientam a disputa por recursos naturais e guiam a prática agrícola orgânica são apresentados e debatidos. Também situamos de forma ampla o surgimento e o desenrolar da agricultura orgânica no Brasil. No terceiro capítulo, a partir de uma brevíssima contextualização da agricultura orgânica em Petrópolis, adentramos naquele que foi o lócus desta pesquisa: o Sítio do Moinho. Aspectos históricos, sociais e econômicos de seu desenvolvimento compõem esta parte do 17

MARX, 2013, p. 467. Idem, p. 469. 19 ANTUNES, 2002, p. 99-101. 18

9 texto. No quarto capítulo damos visibilidade às relações de trabalho estabelecidas no Sítio do Moinho. É nesse capítulo que as hipóteses por nós formuladas são confrontadas mais diretamente com os dados empíricos. Por fim, algumas considerações que entendemos pertinentes são apresentadas no último elemento textual. Em seguida alocamos as referências bibliográficas usadas no decorrer desta monografia e que representam o principal arcabouço analítico que guiou e fundamentou todo o processo investigativo. Depois desse item há um conjunto de apêndices. Nele podem ser vistas as perguntas iniciais que nos conduziram no estudo exploratório de campo para a realização das entrevistas e a construção das imagens digitais. Todas as entrevistas foram transcritas e constam nos apêndices.

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2 - A agricultura antes e após a Revolução Verde 2. 1 – Breve contextualização acerca do debate dos clássicos do marxismo sobre o campesinato A agricultura é um ramo da atividade econômica que afeta diretamente todos os seres humanos do planeta. Até porque é daí que vem “o pão nosso de cada dia”. Muitos estudos já foram feitos sobre o tema da agricultura, sua organização e dinâmica. Tanto no exterior quanto no Brasil. No campo dos que se colocam como herdeiros do pensamento desenvolvido por Karl Marx e Friedrich Engels destacam-se inicialmente, em relação ao debate sobre a penetração do capital na agricultura, os próprios trabalhos destes autores alemães. Marx, no capítulo 24 de O Capital, intitulado A assim chamada acumulação primitiva, aborda a questão da expropriação da terra do camponês e sua expulsão para as cidades, formando o “trabalhador livre” para a indústria capitalista 20. Nesse capítulo é abordado o processo ocorrido na Inglaterra entre os séculos XV e XVIII. Também no O Capital, Livro III, capítulo 47, Marx faz uma explanação sobre a teoria da renda fundiária no capitalismo 21. Conforme Tânia Padilha, Marx e Engels teriam dado especial atenção ao debate com os chamados “populistas russos” sobre o papel do campesinato numa possível revolução de caráter socialista na Rússia, saltando a fase capitalista22. Além de Marx e Engels, destacam-se os trabalhos de Lênin, Karl Kautsky e Alexander Chayanov23. Escritos em fins do século XIX e princípio do século XX, tornaram-se referência para as pesquisas sobre a temática no interior do campo marxista, inclusive no próprio Brasil. Em relação ao debate sobre a penetração do capital na agricultura e o processo de desaparecimento do campesinato, destacam-se os trabalhos de Lênin e do alemão Karl Kautsky. Ambos publicados em 1899, mas analisando formações socioespaciais bem distintas. Enquanto a Alemanha era um dos países centrais do capitalismo, a Rússia ocupava a sua periferia, com forte presença de relações feudais de produção. Lênin analisou o surgimento das classes sociais essenciais do modo de produção capitalista e suas contradições na agricultura russa em confronto direto com a posição dos populistas russos24. Com base em dados estatísticos e no diálogo com outros autores, teorizou so-

20

MARX, 2013, p. 633-670. MARX, 1986, p. 245-266. 22 PADILHA, 2008, p. 2. 23 Refiro-me especificamente às grandes obras clássicas desses autores, respectivamente: O desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1988); A questão agrária (1986); Sobre a teoria dos sistemas econômicos nãocapitalistas (1981), cujas referências completas encontram-se no item bibliografia, ao final desta monografia. 24 Segundo José de Souza Martins, “populistas” era como Lênin chamava os socialistas russos narodniks, com os quais mantinha intensa polêmica na Rússia agrária do final do século XIX (MARTINS,1981, p.15). 21

11 bre a diferenciação do campesinato de seu país em termos de mobilidade social; assalariamento dos camponeses pobres pelos camponeses ricos. Para ele o processo histórico de desenvolvimento da agricultura, mesmo no socialismo, tinha a tendência de criar por um lado a proletarização do camponês e por outro uma pequena burguesia rural, num processo que denominou “descamponização”. Isto aconteceria devido à dinâmica inexorável de expropriação do trabalhador dos seus meios de produção no capitalismo. Processo que seria responsável pela formação do mercado interno na Rússia; os agricultores deixariam de produzir para a própria manutenção e estariam voltados ao mercado. O cerne da análise de Karl Kautsky está no processo de industrialização da agricultura. Conforme o modo de produção capitalista avança sobre todas as esferas da vida econômica, haveria um processo inexorável de integração entre agricultura e indústria, tornando a própria agricultura cada vez mais dependente da indústria e da sua dinâmica de produtora de mercadorias. Grande atenção é dada à comparação entre a produtividade da pequena e da grande propriedade. Conforme destaca Ricardo Abramovay, Kautsky esforça-se por mostrar “a superioridade da grande exploração capitalista sobre a propriedade familiar’’ 25. Raciocinando em termos de economia de escala, o autor alemão argumenta que a grande exploração agrícola é uma unidade de produção muito superior à pequena propriedade, pois tem acesso aos recursos técnico-científicos que são inacessíveis à outra26. Portanto, no processo de competição, concentração e centralização do capital e sua produção em escala, Abramovay afirma que a intenção política de Kautsky é demonstrar ao campesinato e ao próprio Partido Social-Democrata Alemão a inviabilidade da resistência por parte da agricultura familiar contra o avanço da indústria sobre o campo, já que há um “movimento inelutável que o capitalismo promove de expropriação camponesa” 27. Tanto Lênin quanto Kautsky teorizaram a partir de dados estatísticos e do diálogo com outros autores sobre o processo de diferenciação do campesinato em seus respectivos países. O que mais os aproxima, além de se filiarem à corrente ídeo-prática já mencionada, é a conclusão de que a partir da penetração do capitalismo na agricultura o campesinato até então existente iria diferenciar-se. Porém, para Lênin as atividades extras dos camponeses pobres eram a sinalização do processo tendencial da diferenciação campesina. Para Kautsky, as “ocupações acessórias”, ao contrário, eram exatamente o que ainda possibilitava a sobrevi-

25

ABRAMOVAY, 1998, p. 46. KAUTSKY, 1986, p. 112- 127. 27 ABRAMOVAY, 1998, p. 46. 26

12 vência e a reprodução da família camponesa. Conforme destaca Teodor Shanin, apesar de a abordagem kautskyana trilhar a senda de Marx em O Capital sobre o caso inglês, o autor alemão percebeu “a possibilidade de algumas diferenças no modo como o capital penetra na agricultura, em contraposição aos outros ramos da economia” 28. Por outro lado, Teodor Shanin afirma que o próprio Lênin admitiu que havia se precipitado ao concluir sobre algumas características da penetração do capital na agricultura do seu país, bem como sobre a diferenciação do campesinato. Prova-o, a extinção do programa agrário do partido fundado por Lênin, ainda segundo Shanin 29. Lênin e Karl Kautsky viveram num momento histórico de ascensão da luta proletária contra a exploração do capital e numa viva perspectiva de ultrapassagem dessa sociabilidade no sentido da construção do socialismo. Também é época de grande entusiasmo com o progresso técnico do capital e a potencialidade disso, em termos de benefício para a humanidade, caso o conjunto das relações sociais pudessem ser revolucionadas num novo modo de produzir e partilhar os frutos do trabalho social. Nesse contexto, surgiram grandes debates sobre a agricultura, o campesinato, a penetração do capitalismo no campo e os seus respectivos pesos no bojo do processo político da luta de classes e construção do socialismo, dos quais Lênin e Kautsky, ao lado de outros revolucionários, eram os grandes expoentes das principais organizações de trabalhadores. Por outro lado, nessa mesma época, Alexander Chayanov, autor com grande contato com a vida rural russa, visto que além de agrônomo pertencia a Escola de Organização e Produção Agrícola da Rússia, produz fecundas reflexões sobre o tema em questão. No entanto, suas investigações centram-se na manutenção e não no desaparecimento do camponês. Em suas análises a economia familiar do campesinato russo ganha atenção especial. Para ele não é possível pensar a economia camponesa com base na mesma dinâmica da economia capitalista; o assalariamento dos membros da família camponesa não ocorre de forma individual, mesmo que a família esteja inserida na sociabilidade burguesa. A renda familiar camponesa é indivisível. Não é possível determinar as dimensões do produto gerado por cada membro em particular. A economia camponesa, por ser regida por valores que conformam um verdadeiro éthos do campesinato, não pode ser encarada como um modo de produção em si. Não existe em seu interior, por exemplo, a busca pela maximização do lucro, mesmo que esteja diretamente vinculada ao mercado. Em relação a isso, o autor afirma que:

28 29

SHANIN, 2005, p. 7. Idem.

13 Não conseguiremos progredir no pensamento econômico unicamente com as categorias capitalistas, pois uma área muito vasta da vida econômica (a maior parte da esfera de produção agrária) baseia-se, não em uma forma capitalista, mas numa forma inteiramente diferente, de unidade econômica familiar não assalariada. Esta unidade tem motivações muito específicas para a atividade econômica, bem como uma concepção bastante específica de lucratividade30.

Chayanov afirma, a partir dos seus estudos empíricos, que o camponês (família camponesa) é uma unidade de produção com características próprias. A distinção fundamental é a produção voltada para o autoconsumo e a sua própria reprodução. Apenas o excedente ao atendimento dessas necessidades é destinado à comercialização. O trabalho do camponês é executado conforme a sua avaliação subjetiva entre o atendimento das necessidades básicas da família e o que o autor chamou de “auto-exploração”; o esforço que estaria além da sua capacidade de trabalho. Como sempre comercializou o excedente, o autor advoga que o camponês nunca viveu isolado. Ao contrário, sempre manteve relações econômicas de troca com o modo de produção dominante ao seu entorno. Por isso que, como também compreendia Kautsky, o vínculo com o mercado capitalista possibilita a própria manutenção e reprodução da “unidade de produção familiar”. A comercialização do excedente e a aquisição de valores de uso que não são produzidos permitem que a unidade familiar não se desintegre. Para que fique mais elucidativo, tal unidade pode ser caracterizada da seguinte maneira: A típica unidade familiar da agricultura produz o alimento, o combustível, as instalações e as ferramentas necessárias, a alimentação e mesmo as roupas de que necessita. Apenas um número reduzido de suas necessidades exige o recurso ao Mercado. […] O significativo, […], é que esse tipo de agricultura envolve o trabalho da família em todas as operações relativas à produção, ao processamento, à armazenagem e à distribuição das mercadorias ali produzidas31.

Em contraposição a Lênin, mas também ao próprio pensamento de Kautsky, do qual o autor russo não faz referência, ao invés da diferenciação social em proletários e burgueses e seu respectivo desaparecimento, a economia camponesa presencia certa “diferenciação demográfica” ao longo do tempo. A família opta por um tipo de cultivo dependendo da relação entre o número dos seus membros, a quantidade de terra disponível e a necessidade do trabalho. Portanto, o camponês para decidir o quê produzir, considera o bem-estar da família, a quantidade de terra e o trabalho necessário. A família trabalha até atingir o limite da “autoexploração” conforme se diferencia ao longo do tempo. Esse processo, por sua vez, repercute diretamente na diferenciação do próprio meio agrícola. Portanto, ao invés de desaparecer, o campesinato vê a sua unidade familiar de produção, que também é a própria unidade familiar 30 31

CHAYANOV, 1981, p.133-134 apud CARNEIRO, 2009, p. 55. DAVIS; GOLDBERG apud SILVA, 2011, p. 357 (tradução livre da autora).

14 de consumo, modificar-se. Ao longo do tempo ocorre o envelhecimento dos seus membros e novos núcleos familiares surgem através de casamentos e da saída das respectivas unidades de produção em busca por novas terras, por exemplo. Essa dinâmica permite que a unidade inicial não desapareça pela herança igualitária em que todos teriam direito a uma gleba. Se assim fosse, cada herdeiro teria direito a uma porção de espaço diminuto a cada geração até o ponto de não ser mais possível a própria reprodução como camponês. No exposto por Chayanov, pode-se verificar que o camponês possui uma racionalidade e eficiência econômica calcada no atendimento às necessidades familiares. É essa capacidade que lhe permitiu (e permite) a reprodução ao longo de gerações, embora de modo subordinado aos modos de produção dominante. Ellen e Klaas Woortmann mencionam que no Brasil, por exemplo, há vários trabalhos que seguiram a senda de Chayanov e elucidaram a eficiência econômica do pequeno agricultor familiar brasileiro 32. Tendo em vista realidades socioespaço-temporais mais amplas, Teodore Schultz33, a partir de instrumental típico da economia burguesa do século XX, conforme destacam Roselaine Silva, Ricardo Abramovay e Sergio Salles-Filho, afirma que este modo de produção agrícola é racional e eficiente, apesar de limitado 34. De acordo com Paulo Almeida, Schultz cunhou a expressão “pobre, mais eficiente” e afirmou que “há comparativamente poucas ineficiências significativas na distribuição dos fatores de produção na agricultura tradicional”35. Isto é, o camponês apesar de não realizar mudanças significativas nos seus elementos produtivos ao longo de gerações sabe alocá-los racional e eficientemente para a sua própria manutenção e reprodução. O que foi exposto acima de forma muito breve tem o sentido tão somente de apresentar o grande debate que norteou os meios acadêmicos e marxistas acerca da questão agrária. Isto é, em relação ao avanço do capitalismo sobre a agricultura, subordinado-a à indústria e à tendência ao desaparecimento da sua base familiar e à proletarização dos seus membros. Esta discussão continua sendo referência para o debate em diversos países, pois apesar de todas as circunstâncias desfavoráveis a pequena agricultura familiar não desapareceu completamente. No Brasil, por exemplo, os agricultores familiares continuam a desempenhar relevante papel

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WOORTMANN; WOORTMANN, 1977, p. 13. Publicou o trabalho intitulado A transformação da agricultura tradicional, cuja edição original é de 1965. Foi laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1979. 34 SILVA, 2011, p. 93; ABROMAVAY, 1988, p. 92-96; SALLES-FILHO, 2005, p. 11. 35 SCHULTZ apud ALMEIDA, 2012, p. 38. 33

15 na atividade agrícola e econômica em geral36, embora na condição de “subordinados” 37 ou de “subsumidos” pelo capital38. 2. 2 – A Revolução Verde e algumas consequências para o Brasil Em relação ao Brasil, ao experimentarmos processos semelhantes, os autores anteriormente discutidos se tornaram referência para o debate. Não obstante, é necessário destacar que temos certa especificidade histórica que torna o chamado setor primário da economia brasileira muito especial, principalmente a agricultura. Algumas características marcantes podem ser assinaladas. Primeiro, o fato de termos sido o último país a extinguir oficialmente a escravidão, base do modo de produção da agricultura de exportação entre os séculos XVI e XIX. Segundo, ter “fechado” o acesso à terra em modo de propriedade privada, criando um mercado de terras a partir da Lei 601 de 1850 39. Terceiro, não ter realizado nenhuma substancial reforma agrária após o fim do escravismo e ter baseado a economia no setor agrárioexportador quase exclusivamente até 1930. Por último, basear atualmente grande parte da economia nacional no sistema agroexportador, transformado em agribusiness ou agronegócio (espécie de expressão desbotada em verde e amarelo), transfigurando os alimentos em commodities. A partir da década de 1960 a agricultura brasileira começou a sofrer profundas alterações pelo que ficou conhecido como Revolução Verde. De acordo com Nilsa Luzzi era um “pacote tecnológico” conformado, fundamentalmente, através do: (...) uso de mecanização (tratores e colheitadeiras) que possibilitaria reduzir drasticamente a necessidade de mão-de-obra, tanto no preparo do solo, como na semeadura e na colheita; utilização de sementes híbridas com o objetivo de obter alto rendimento das culturas (aumento da produção e produtividade), especialmente as monoculturas de exportação; uso de adubos e fertilizantes químicos para garantir a alta produtividade das culturas; uso de agrotóxicos para o controle de pragas e invasoras40.

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Conforme tabela elaborada pelo DIEESE (2011, p. 181) a partir de dados do IBGE, a agricultura familiar respondeu em 2006 por 38% do valor total da produção agropecuária nacional, ocupando 74% da mão de obra numa área correspondente a 24% da área total desta atividade. Ainda conforme a mesma instituição, no ano de 2009 a agricultura familiar e as suas respectivas cadeias produtivas corresponderam a 9,0% do PIB (Idem, p. 188). Os agricultores familiares produzem, em média, 71,5% dos três tipos de feijão mais consumidos no país. A mandioca corresponde a 86,7 % da produção nacional (Idem, p. 185). 37 Ver TAVARES DOS SANTOS (Op. cit.) acerca da análise empreendida sobre a subordinação dos agricultores familiares produtores de uva no Rio Grande do Sul à industria do vinho. 38 Ver MARX, 1978. 39 Lei que ficou conhecida como Lei de Terras. A este respeito, sugerimos a tese de doutorado de Alberto Jones (1997). Em particular o item 3, do capítulo 2, intitulado A lei de terras: legitimação dos privilégios. Essa tese, logo após à sua defesa, foi encaminhada para análise do Ministério da Política Fundiária e do Desenvolvimento Agrário pela Presidência da República. 40 LUZZI, 2007, p. 10.

16 Esta caracterização da Revolução Verde também é feita em seus traços mais gerais por diversos autores, dentre eles Clarissa Barreto, Flaviane Canavesi e Glauco Schultz 41. Esse pacote fechado de tecnologias desenvolvidas e importadas dos EUA e da Europa era anunciado por seus arautos como o eliminador da fome no mundo devido ao altíssimo incremento na produtividade agrícola. O Nobel de Economia de 1979, Teodore Schultz, nomeia a agricultura praticada antes da Revolução Verde pelos pequenos agricultores familiares dos países da periferia do capital como “agricultura tradicional”. De acordo com Salles-Filho: Schultz, conscientemente ou não, deu com suas idéias um dos mais fortes argumentos àquilo que mais tarde ficou conhecido como Revolução Verde (...) a difusão de um conjunto de tecnologias voltadas para a obtenção de ganhos de produtividade na agricultura, particularmente para as regiões muito pobres do planeta 42.

Por isso, Roselaine da Silva argumenta que “Schultz define a agricultura tradicional como aquela que no tocante à forma de produção e à relação social sob a qual ela acontece, é total ou quase totalmente independente da intervenção do capital” 43. Para os economistas dessa corrente de pensamento era assim que se encontrava a maior parte da agricultura brasileira praticada pelo pequeno e médio agricultor, isto é, estava distante da própria lógica do capital. Entretanto, como bem destaca a própria Roselaine da Silva, a relação do capital com a agricultura inicia-se desde o seu processo de acumulação primitiva; a agricultura libera mão de obra para a indústria e ao mesmo tempo passa pelo processo de industrialização, inserindo-se na valorização do capital e fornecendo matéria prima para a própria indústria 44. Portanto, a importação de tal pacote tecnológico, sem adentrar em questões da geopolítica daquele contexto histórico, deve ser compreendida no âmbito do movimento histórico do capital para se reproduzir e acumular45. É necessário mencionar que este processo não ocorreu sem resistências por parte do conjunto dos agricultores brasileiros, fossem pequenos ou médios proprietários de terra. Instituições de extensão rural e pesquisa foram criadas para conquistar a própria subjetividade do conjunto do corpo social para a necessidade da incorporação desse arcabouço tecnológico importado ao meio agrícola brasileiro 46. Após a consolidação desse processo, passou a preva-

41

BARRETO, 2007, p. 14, 28, CANAVESI, 2011, p. 56, SCHULTZ, 2006, p. 69. SALLES-FILHO, 2005, 10. 43 SILVA, 2011, p. 93. 44 Idem, p. 92. 45 A este respeito a autora citada anteriormente realiza uma discussão esclarecedora e fecunda em sua tese de doutoramento, particularmente no capítulo 2, intitulado A agricultura para o capital, história e teoria. 46 Sobre o modelo de extensão rural tornado hegemônico no Brasil a partir da década de 1970, consultar a tese de doutorado de Marcus Peixoto (2009), A extensão privada e a privatização da extensão. Referência completa na bibliografia. 42

17 lecer entre a maioria dos agricultores, mas também entre os trabalhadores urbanos, a ideia da impossibilidade do cultivo de alimentos sem agroquímicos (fertilizantes e agrotóxicos) 47. Outra questão importante diz respeito à estrutura agrária. Modificado pela Revolução Verde, o latifúndio saiu fortalecido em detrimento das demais formas de organização e produção agrícola. Contemporaneamente transformado em latifúndio de produção capitalista ou agribusiness, ou agronegócio, concentra grandes extensões de terra. Possui forte organização política, formando inclusive a intitulada bancada ruralista no Congresso Nacional. Desta forma, é o segmento da agricultura nacional que possui o maior acesso ao financiamento para plantio e comercialização 48. Portanto, a base tecnológica da produção agrícola foi transformada, mas a estrutura agrária não. Também em decorrência da Revolução Verde e da dominação econômica e política do agri-negócio-business ocorreram e ocorrem danos elevados ao meio ambiente agrícola e ao meio ambiente como um todo. A saúde do agricultor e de sua família, diretamente expostos aos venenos agrícolas ou agrotóxicos, também é afetada sobremaneira. Mais que isso, os reflexos desse profundo processo de transformação na forma e no modo de plantar chegam aos centros urbanos de várias formas; êxodo rural, favelização, pacientes intoxicados que muitas vezes apresentam sintomas de difícil diagnóstico, contaminação de rios e lençóis freáticos que poderão contaminar a cadeia alimentar e os reservatórios de água que abastecem as cidades etc49. Estes são alguns exemplos de como distintas realidades socioespaciais e a vida que nelas se desenvolve são afetadas pela base produtiva implantada a partir da Revolução Verde. 2. 3 – A agricultura alternativa No entanto, ainda como parte da dinâmica de resistência, a partir da década de 1970 iniciam-se os movimentos de “agricultura alternativa” em contestação ao processo desencadeado pela Revolução Verde e as suas consequências. Movimentos que muitas vezes defendiam também uma proposta de “sociedade alternativa”. É o que nos mostra Valter de Oliveira ao fazer uma caracterização geral das proposições dos movimentos de agricultura alternativa, que consideravam além das questões estritamente técnicas da produção agrícola:

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Esta afirmativa baseia-se, principalmente, na minha experiência junto à área. Iniciada a época de graduando em agronomia pela Universidade Federal de Viçosa. Inclui as discussões no interior da Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis sobre o processo vivido por vários dos associados de abandono da agricultura agroquímica e a passagem para a orgânica. Assim como em inúmeras conversas com pessoas do meio urbano que não têm contato direto algum com o meio especificamente rural. 48 BBC BRASIL, 2012. 49 Estudos sobre o tema dos agrotóxicos e a saúde humana e ambiental podem ser vistos em PERES; MOREIRA (2003). É veneno ou é remédio?Ver a bibliografia.

18 (...) a distribuição de renda no meio rural, a segurança e a educação alimentar, a estrutura fundiária, o comércio internacional, a relação entre o produtor e o consumidor, o estabelecimento de um comércio justo, as responsabilidades estatais nesse setor; enfim, tudo o que se refira à transformação da base sobre a qual estão sustentadas as relações sociais e de produção predominantes, especialmente no meio rural, mas estendendo-se a toda sociedade50.

Ainda de acordo com esse autor, ao longo do tempo ganhou força o termo “agricultura sustentável”. Uma expressão “menos ideologizada” e que foi sendo apropriada por diversas vertentes da prática agrícola, até mesmo pela agricultura que utilizava os recursos industriais, como os adubos químicos e agrotóxicos. Porém, faziam-no dentro da estrita “necessidade” técnica, preocupando-se de alguma forma com a preservação dos recursos agrícolas, como o solo. Neste caso, uma forma de praticar a agricultura muito mais voltada para a redução de custos do que para quaisquer dos outros compromissos anteriormente citados. O que significa dizer que através do termo “sustentável” foi conformado um novo contorno ideológico. Ideologia que possibilita sustentar quaisquer práticas agrícolas que tenham de alguma forma a preocupação com a preservação dos recursos ambientais. Ou seja, o questionamento do próprio modo de produção e reprodução social dominante não é necessário ser feito a partir dessa opção por despolitização. Como destaca Valter de Oliveira, o adjetivo sustentável foi esvaziado “de conteúdo ao longo do tempo”. Passou a qualificar tantas outras expressões, como “desenvolvimento sustentável”, em que a única preocupação mais efetiva é com o esgotamento dos recursos econômicos naturais e, neste caso, com a própria “sustentabilidade” das atividades agrícolas51. 2. 4 – Desenvolvimento sustentável Com relação ao debate voltado exclusivamente para a preservação dos recursos naturais, o conceito de “desenvolvimento sustentável”, segundo Maria Bacha, teve o seu marco histórico inicial a partir da publicação em 1972 do relatório intitulado “Os limites do crescimento”. Seu conteúdo dizia respeito aos possíveis riscos ao planeta devido aos poluentes e à extenuação dos recursos naturais52. Tal relatório fora encomendado por uma associação constituída de empresários, políticos e cientistas ao Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT; sigla em inglês), nos Estados Unidos da América. A associação foi fundada em 1968 e ficou conhecida como “Clube de Roma”. O relatório advertia que o futuro seria de catástrofes

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OLIVEIRA, 2004, p. 110-111. Idem, p. 111. 52 BACHA et al, 2010, p. 2. 51

19 se o ritmo do crescimento econômico continuasse a seguir as taxas do pós-guerra de 1945. Hector Leis afirma que de acordo com este relatório: (...) os principais problemas ambientais são globais e sua evolução acontece a ritmo exponencial. A simulação feita no computador do comportamento das diversas variáveis mostrava que a catástrofe era inevitável, caso não se tomassem medidas preventivas. A tragédia aconteceria em poucos anos, no final do século XX, e seus principais sintomas seriam a exaustão dos recursos naturais, a poluição industrial e a falta de alimentos. Havia, então, uma necessidade urgente de reconhecer os limites existentes no meio ambiente para o crescimento indefinido da economia e da população e, portanto, de estabilizar tanto a uma quanto a outra 53.

No mesmo ano realizou-se em Estocolmo a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), na Suécia. Quando então surgiu a expressão “eco-desenvolvimento”, criada pelo secretário geral da conferência, Maurice Strong, e que ganharia status de conceito com Ignacy Sachs em seu artigo Environment and styles of development, publicado em 1976. Este conceito passaria a ser a base para a fundamentação do conceito de “desenvolvimento sustentável” 54. Em 1987 a Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento, da Organização das Nações Unidas, apresentou o Relatório Brundtland 55. Foi neste relatório que o termo “desenvolvimento sustentável” surgiu conceituado como sendo aquele que “atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas” 56. No entanto, Paulo Vargas citado por Marcelo Dias chama a atenção de que o Relatório Brundtland: (...) dedica um espaço bastante diminuto à crítica à sociedade industrial e aos países industrializados, não toca na questão da propriedade da terra que envolve os grandes latifúndios improdutivos (principalmente nos países do Terceiro Mundo) e, ainda, torna a superação do subdesenvolvimento dos países do hemisfério sul quase que totalmente dependente do crescimento continuado dos países industrializados 57.

Portanto, é necessária uma crítica mais fecunda e contundente à própria lógica da sociedade produtora de mercadorias. Sociedade que com o seu atual modo de produção dominante é a responsável por engendrar o esgotamento dos recursos naturais, incluindo o solo e a água para a agricultura. Dessa forma, a concepção incorporada ao conceito de “desenvolvimento sustentável” não é suficiente para atender nem ao conjunto das necessidades da atual e nem das gerações futuras. Segundo Henri Acselrad, o que está verdadeiramente em jogo é a possibilidade de os recursos naturais serem exauridos e por isso o setor produtivo dominante 53

LEIS, 2004, p. 56. DIAS, 2004, p. 76. 55 Sobrenome da presidente da referida comissão da ONU, a sueca Gro Harlem Brundtland. Este relatório também ficou conhecido como “Nosso Futuro Comum”. 56 CMMAD, 1991, p. 9. 57 DIAS, 2004, p. 78. 54

20 da sociedade intencionou “internalizar o meio ambiente no pensamento e práticas dominantes sem que isso implicasse interromper o processo de acumulação de riqueza” 58. Assim, o questionamento das relações sociais de produção e o próprio consumismo, que engendra a acumulação de capital e exaure, em última instância, os próprios recursos naturais, estão fora de qualquer crítica mais consequente. É nessa perspectiva que se insere a chamada “economia verde”. 2. 5 – Economia verde Em 2011, de acordo com Luciana Almeida, o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma) definiu “economia verde” como sendo “aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e das limitações ecológicas” 59. Ronaldo Seroa da Mota e Carolina Dubex afirmam que é uma definição que tem o caráter de instrumentalizar o próprio conceito de desenvolvimento sustentável a serviço de uma política econômica que o tenha em sua centralidade60. A concepção de “economia verde” engloba três dimensões, conforme esclarece Ricardo Abramovay. Uma delas diz respeito à substituição das fontes de energia não renováveis (petróleo, principalmente) para fontes renováveis. A segunda está no uso sustentável da biodiversidade, favorecendo o conjunto dos que vivem em áreas de grande diversidade biológica. A última dimensão diz respeito à utilização de bens e serviços de maior eficiência energética e que possam ser reaproveitados cada vez mais os resíduos que seriam descartados 61. Ou seja, uma economia que traga benefícios sociais, mas que seja principalmente eficiente quanto à utilização dos recursos naturais, devendo ser caracterizada como de baixo-carbono. Sobre o aspecto econômico-político dessa concepção, Marcelo Firpo Porto chamanos a atenção de que a economia verde: É uma tentativa, apoiada por vários organismos internacionais e governos, de buscar um consenso em relação ao que fazer para combater a crise econômica e ambiental. Esse consenso se dá através de cúpulas da ONU, que têm centrado fogo no tema das mudanças climáticas globais, mecanismos de mercado e continuidade do sistema capitalista atual62.

O autor refere-se diretamente à crise do capital de 2008, quando a ONU lançou, conforme Luciana Almeida, a proposta “Iniciativa Economia Verde” que foi uma tentativa de 58

ACSELRAD apud ANTUNES, 2011, p. 6. ALMEIDA, 2012, p. 93. 60 SEROA DA MOTA; DUBEX, 2011, p. 197. 61 ABRAMOVAY, 2012, p. 83-85. 62 PORTO apud ANTUNES, 2011, p. 7. 59

21 apresentar novas concepções de produção para a retomada do crescimento econômico 63. A “Iniciativa” defende que “mobilizar e reorientar a economia global para investimentos em tecnologias limpas e infra-estrutura ‘natural’, como as florestas e solos, é a melhor aposta para o crescimento efetivo, o combate às mudanças climáticas e a promoção de um boom de emprego no século 21”64. Nessa ocasião foi exposta uma primeira caracterização de “economia verde”, que como vimos foi conceituada em 2011. Então, como se pode observar, apesar de denominações semelhantes, Revolução Verde e “economia verde” têm concepções distintas. A primeira é um conjunto de tecnologias voltadas para a agricultura, representando a sua própria subordinação à indústria. Seus defensores argumentavam que impulsionaria a “produtividade agrícola por meio de uma tecnologia de controle da natureza de base científico-industrial, a fim de solucionar a fome no mundo, visto que na época se considerava a pobreza, e principalmente a fome, como um problema de produção”65. No entanto, como já mencionamos, os frutos colhidos vão muito além do alto incremento de produtividade agrícola e ficam muito aquém da eliminação da fome nos países em que foi implantada. Por sua vez, a “economia verde” é um instrumento teórico-político voltado para orientar a totalidade da esfera da economia burguesa. Através dele, argumenta-se que o desenvolvimento se sustentaria ao longo das gerações, pois propõe a preservação dos recursos naturais para o crescimento econômico. Não obstante, ambas estão direcionadas para o próprio processo de sustentabilidade do capital e do seu modo de produção e reprodução ampliada. 2. 6 – A agricultura orgânica Retomando a discussão sobre as práticas agrícolas que se opõem à Revolução Verde, mas que por outro lado inserem-se na perspectiva do “desenvolvimento sustentável” e da “economia verde”, encontram-se aquelas, que de uma forma geral, adotaram a nomenclatura de agricultura orgânica. A agricultura orgânica pode ser considerada uma área da prática agrícola relativamente recente se comparada com a agricultura hegemônica nos países capitalistas após a segunda metade do século XX. Antes deste período, tanto a monocultura praticada em grandes extensões, já inserida no circuito do valor de troca mundial, quanto a pequena agricultura familiar voltada para a subsistência 66 nos países da periferia do capitalismo tinham como carac63

AMEIDA, 2012, p. 93. Idem. 65 PEREIRA, 2012, apud ANDRADE NETO, 2013, p. 55. 66 Recorde-se que o economista Teodor Schultz a intitulava de “agricultura tradicional”. 64

22 terística comum a não utilização em larga escala dos insumos que ganharam força com a Revolução Verde. Por isso, o surgimento de práticas agrícolas que receberam diversas denominações, dentre elas agricultura orgânica, não pode ser visto como mero retorno a um tipo de agricultura já praticada. Dessa forma, entendemos que seria um equívoco histórico e conceitual classificar a agricultura predominante de antes da Revolução Verde com qualquer uma das denominações contemporâneas, surgidas de uma forma ou outra para demarcar um campo de ideias e práticas com a agricultura por ela transformada. Não obstante, os princípios gerais de algumas dessas ideias e práticas surgiram ainda em meados da década de 1920. Por exemplo, os elaborados por Rudolf Steiner, criador da agricultura biodinâmica 67. Como há inúmeras definições para esta concepção de agricultura, dependendo de quem a pratique e a que grupo ou classe social pertença, será utilizada a definição prescrita em lei. Até porque para fins de comercialização e fiscalização há a necessidade de o produtor se adequar à legislação vigente. No caso, a produção orgânica no Brasil foi definida pela Lei Nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, cuja regulamentação se deu através do Decreto Nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007, que manteve a redação original sobre a definição de agricultura orgânica. Assim, conforme o Artigo 2º, parágrafo XVII deste decreto, define-se: Sistema orgânico de produção agropecuária: todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente 68.

E conforme o parágrafo 2º do artigo 1º da Lei Nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, “o conceito de sistema orgânico de produção agropecuária e industrial abrange os denominados: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológicos, permacultura e outros que atendam os princípios estabelecidos por esta Lei” 69. Percebemos que para fins legislativos não há diferenciação entre as mais variadas formas, concepções filosóficas e mesmo modos de produzir sem a utilização dos “materiais sintéticos” mencionados na definição anterior. No entanto, conforme chama a atenção Valter de Oliveira:

67

Em relação ao histórico da agricultura sustentável, sugerimos Eduardo Ehlers (1996). BRASIL. Presidência da República, 2007. 69 Idem, 2003. 68

23 A agricultura orgânica é uma denominação que está mais comumentemente associada àqueles grupos de agricultores e técnicos mais preocupados em atender as demandas do mercado e é considerada a forma menos comprometida ideologicamente com outras questões referentes, sobretudo, às questões agrárias. Por isso mesmo, são constantemente acusados de promoverem apenas uma substituição do pacote tecnológico, se libertando dos agroquímicos para passar a depender dos insumos ‘limpos’. Este fato se torna ainda mais evidente devido ao surgimento de grandes empresas especializadas na produção de insumos legalmente aceitos na agricultura orgânica 70.

Corroborando com tal assertiva, Camila de Vargas em seu estudo sobre o mercado de orgânicos afirma que “assim como as demais atividades desenvolvidas na economia, a agricultura orgânica também precisa de inovações para se manter competitiva no mercado e impulsionar o desenvolvimento econômico das regiões e países onde ela está presente” 71. Dessa forma, como uma corrente originária da “agricultura alternativa”, a agricultura orgânica não defende, como já alertado, um mero retorno a uma prática agrícola do passado, anterior ao uso dos agroquímicos industrializados. O que é almejado, como também destaca Ademar Romeiro, é “a partir da experiência milenar das agriculturas camponesas bem sucedidas, desenvolver cientificamente práticas agropecuárias que manejem a natureza de modo a obter serviços ecossistêmicos úteis à produção”72. Técnicas que podem ser baseadas na mera observação em lócus de práticas agrícolas campesinas antigas, quanto desenvolvidas a partir do contato direto com os centros agronômicos de pesquisa. Inclusive, se a produção de orgânicos estiver voltada exclusivamente ao mercado, a busca por novas técnicas faz parte necessariamente de seus objetivos. É necessidade impreterível da dinâmica do modo produtor de mercadorias; preservar recursos, diminuir custos e aumentar a competitividade intra e intersetorial. A agricultura é uma atividade econômica que se desenvolve através do trabalho efetivo direto de permuta entre o ser humano e a natureza. Ela pressupõe a intervenção humana sobre a natureza, modificando-a em seus aspectos geográficos e ambientais para criar uma nova realidade socioespacial. Portanto, qualquer prática agrícola significa uma transformação e, consequentemente, um desequilíbrio no meio ambiente originário. Se a intervenção não se der de forma profundamente drástica e extensa há a possibilidade que um novo estado de equilíbrio dinâmico seja estabelecido, incorporando o ser humano, seus vegetais e animais. Por isso, a produção orgânica, independentemente de se caracterizar por ser voltada ao mercado, produtora de mercadorias portadoras de valor que se expressam no valor de troca, ou a produção prioritária de valores de uso para autoconsumo, possui em nossa opinião 70

OLIVEIRA, 2004, p. 118. VARGAS, 2012, p. 10. 72 ROMEIRO, 2011, p. 128. 71

24 inúmeras vantagens em relação à agricultura concebida pela Revolução Verde. Os benefícios individuais e sociais são muitos. Como exemplo, podemos citar o alimento livre de venenos. Assim como a eliminação do contato imediato do cultivador e dos membros da família, no caso da agricultura familiar, com o agrotóxico. A preservação de uma imensa gama de organismos e microrganismos que atuam no ecossistema agrícola, dando-lhe vida. A manutenção da qualidade da água; tanto a advinda das fontes superficiais, como rios e lagoas, quanto a que se obtém do lençol freático. A própria saúde do consumidor final, geralmente habitante do meio urbano e considerado distante dos malefícios causados à realidade socioespacial rural. A prática agrícola dominante da Revolução Verde é a monocultura, que além de trazer desequilíbrios desastrosos ao meio ambiente em que é implantada, traz a completa subordinação da agricultura familiar ao capital. Conforme destaca Leonardo Faver, “a especialização, significa [para o pequeno produtor] sua submissão aos interesses dos compradores industriais e comerciais e só é vantajosa para as elites agrícolas e para os complexos agroindustriais e comerciais atuantes na agricultura” 73. É o caso, esclarece o autor, do uso pelo agricultor familiar de sementes que foram geneticamente melhoradas e que só obtém bons resultados se cultivadas com adubo industrializado, agrotóxicos e todos os demais insumos exigidos conforme a espécie e suas respectivas variedades 74. O uso desse tipo de semente acarreta, na maioria absoluta das vezes, o abandono das sementes nativas ou crioulas, como também são chamadas. Sementes que fazem parte da cultura da comunidade de agricultores familiares há várias gerações. Isto implica também em perda de patrimônio genético e, portanto, dependência às transnacionais que produzem as sementes híbridas e as geneticamente modificadas, como acontece com o cultivo do milho, por exemplo.

73 74

FAVER, 2004, p. 12. Idem.

25

3 – A agricultura orgânica em Petrópolis Se no Brasil as práticas agrícolas que surgiram para se contrapor ao pacote tecnológico representado pela Revolução Verde podem ser consideradas relativamente recentes, em Petrópolis não poderia ser diferente. Não obstante, a cidade localizada na Serra da Estrela exerceu papel pioneiro nesse setor da agricultura. Segundo Leonardo Faver, que fez um estudo sobre o desenvolvimento e a organização do “arranjo produtivo local” da agricultura orgânica na cidade, visando à ampliação da eficiência produtiva, foi em Petrópolis que nasceu a primeira experiência de agricultura orgânica no estado do Rio de Janeiro na década de 1970 75. Denise Bloise destaca que em 1979 foi criada a Cooperativa Mista de Produtores e Consumidores de Alimentos, Ideias e Soluções Naturais (COONATURA), que reunia agricultores do Brejal, na Posse (5º distrito de Petrópolis) e consumidores de “classe” média do Rio de Janeiro voltados para a discussão, a produção e comercialização de alimentos sem o uso dos insumos advindos da Revolução Verde76. Ainda dentro dessa perspectiva precursora, Petrópolis sediou em abril de 1984 o II Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa (EBAA), organizado pela Federação das Associações de Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB). Este encontro reuniu, principalmente, agrônomos e estudantes de agronomia e a discussão dominante foi a denúncia da utilização massiva dos agrotóxicos e dos respectivos problemas causados 77. Mesmo com esse pioneirismo, a primeira feira de produtos orgânicos em Petrópolis data do ano 2000. E apesar da experiência de organização dos agricultores familiares do Brejal em torno da COONATURA desde 1979, a Associação dos Produtores Orgânicos de Petrópolis (APOP) só foi fundada em setembro de 200278. Não foi obtida nenhuma fonte com dados atuais compilados sobre o volume da produção de orgânicos no município e o respectivo número de agricultores orgânicos, familiares ou não79. Não obstante, de acordo com dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (EMATER-RJ) havia 53 produtores orgânicos no município de Petrópolis no ano de 200480.

75

FAVER, 2004, p. 1. BLOISE, 2013, p. 16-17, p. 66, p. 112-113. 77 ASSIS et al, 1996, p. 28. 78 MAIWORM-WEIAND, 2013, p. 9. 79 Pelo Cadastro Nacional dos Produtores Orgânicos do MAPA, atualizado em março de 2014, há 7.959 produtores orgânicos no Brasil. A lista indica o município de cada um. A referência completa está no item bibliografia. 80 FAVER, 2004, p. 64. 76

26 3.1 – O Sítio do Moinho No contexto atual da agricultura orgânica petropolitana destaca-se o Sítio do Moinho. Este foi o local escolhido para investigar como um empreendimento desse ramo da agricultura insere-se no contexto mais amplo das relações sociais do modo de produção capitalista e como as relações de trabalho se forjam e se dinamizam no seu próprio interior. A decisão de realizar o trabalho empírico neste lócus baseou-se em informações preliminares e informais, assim como pela internet, sobre o tipo de agricultura praticada. Os dados iniciais indicavam que era a única empresa do setor agrícola do município que autodenominava a sua produção de orgânica. Também apontavam que era reconhecida como tal na cidade e fora dela, pois tem a certificação exigida pela legislação que rege esta atividade econômica. 3. 2 – Condições preliminares do trabalho de campo Antes de chegar à área da pesquisa decidi primeiro procurar o secretário municipal de agricultura. No dia 25 de fevereiro deste ano fui à Secretaria Municipal de Agricultura de Petrópolis e fiz contato direto com o secretário, o agrônomo e então doutorando, Leonardo Faver. Apesar de não ter agendado o encontro fui muito bem recebido por ele. O secretário demonstrou interesse pelo tema e prontificou-se a agendar uma entrevista e ir comigo até o Sítio do Moinho. Orientou-me, inclusive enfaticamente, a tentar construir e coletar todos os dados necessários numa única ida ao campo “pra não precisar voltar lá”. Por todas as circunstâncias de quem se tratava e como parte do seu trabalho de campo para o mestrado havia sido feito nessa localidade, considerei bastante esta sugestão e assim tentei proceder quando lá estive. A visita só pôde ser agendada para o dia 08 de abril, às 10h, pois ele, Leonardo, estava em finalização do doutorado e não tinha possibilidade de ir ao Sítio do Moinho antes disso81. Mas mesmo nesta data, devido aos compromissos públicos de secretário de agricultura já agendados, não pôde de forma alguma comparecer comigo no dia marcado, causando certa decepção à gerente do escritório, Verônica Oliveira. Felizmente, independentemente disso, fui muito bem recepcionado e todos com quem travei contato foram muitíssimos atenciosos e solícitos.

81

Sua defesa ocorreu no dia 18 de março e a tese intitula-se: O motor das transformações: indutores da inovação laboral na horticultura da Região Serrana Fluminense.

27 3. 3 – Situando o Sítio do Moinho O lócus de pesquisa situa-se na Estrada Correa da Veiga 2405, no bairro Santa Mônica, em Itaipava, 3º distrito de Petrópolis, a 750,0m de altitude e distante 29,0Km do centro da cidade, sendo que os dois últimos quilômetros não tem transporte público e no último não há calçamento. O trajeto em transporte público demora aproximadamente duas horas. A imagem inserida mais abaixo possibilita uma ideia geral do Sítio do Moinho com sua geografia e algumas edificações82. A área plana que se vê representa a maior parte da área de cultivo da propriedade. Na entrevista que me concedeu, Dick Thompson, proprietário do Sítio, informou que a área total é de “500.000m2. Mas é tudo morro. Na parte plana, arável, eu tenho entre 5 e 6ha” 83. Para complementar, em entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico esclareceu que dos 50ha “350.000m² são de Mata Atlântica; (...) aproximadamente 2 hectares de morro onde também conseguimos plantar sem irrigação (...)”84.

ID: Charlotte Valade. Publicado: 12-fev-2014.

82

Vista geral do Sítio do Moinho – Itaipava – Petrópolis – RJ. Acesso em 21 de junho de 2014.

FACEBOOK, 2014. APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97. Um hectare (1ha) corresponde a uma área de 10.000m², que é uma dimensão próxima a de um campo de futebol oficial. 84 PLANETA ORGÂNICO, s/d. 83

28 Observando-se atentamente a imagem anterior, vê-se no canto inferior esquerdo um veículo branco estacionado. Ele está postado na estrada que dá acesso ao Sítio, quase em frente a sua entrada. As construções que podem ser vistas próximas ao ponto indicado são da parte administrativa da propriedade. Incluem também o galpão de beneficiamento, a panificadora, a cozinha e a área de refeição dos trabalhadores. No restante da área plana, veem-se cultivos abertos, em casas de vegetação e sob coberturas plásticas na parte em declive suave. Estas construções ficarão mais evidentes em outras imagens. As construções de alvenaria defronte a área em declive têm usos variados. Rodeada por uma vegetação densa, próximo ao centro da imagem, fica a residência do casal de proprietários, Ângela e Dick Thompson, vistos ao lado 85. O próximo registro imagético foi realizado a partir da área de cultivo, num ponto referencial relativamente oposto e inferior ao da imagem inserida na página anterior.

ID: Abilio Maiworm-Weiand.

85

Cultivo em túneis; alface, rúcula, salsa, cebolinha, coentro etc.

FACEBOOK, 2014. Acesso em 20 de junho de 2014.

Data: 08-abr-2014.

29 As coberturas plásticas vistas anteriormente são baixadas em condições de alta incidência de radiação solar e alta intensidade pluvial, pois prejudicam os cultivos das folhosas mais delicadas, como alfaces. Por isso, são utilizadas com mais frequência durante o verão. Pode-se ver também o uso do plástico aplicado ao solo. Sua utilização dificulta ou mesmo impede o brotamento de plantas silvestres que apresentam grande desenvolvimento e competem por água, nutrientes do solo e radiação solar com as plantas em cultivo. Também impede a radiação solar direta sobre o solo e dificulta a atuação dos agentes naturais de erosão, “substituindo” a função da cobertura morta (restos vegetais). Por outro lado, a não emergência das ervas podem atrair insetos e outros organismos que não tendo como se alimentar buscam as espécies em cultivo, trazendo prejuízos grandes, caso as condições ambientais não estejam em equilíbrio. A irrigação é feita por gotejamento, isto é, pela aplicação pontual das gotas d’água diretamente no solo. 3. 4 – O surgimento do Sítio do Moinho Na entrevista concedida, Dick Thompson relatou que a partir de 1965 começou a trabalhar no mercado financeiro, ingressando no Grupo Garantia em 1971, do qual se tornou sócio minoritário, detendo 1,0% de suas ações. Quando o banco decidiu mudar a sede do Rio de Janeiro para a capital de São Paulo, ele aproximava-se dos “60 anos de idade. E dentro da filosofia do banco, quando você chegava aos seus 60 anos de idade, você deveria sair do banco e deixar a sua participação acionária pros mais jovens” 86. Além disso, estava cansado de muitas viagens e o contato com a família diminuiria ainda mais se tivesse de ir e voltar de São Paulo. Nessas circunstâncias, decidiu sair do banco entre 1984 e 1985 e procurar a região serrana ao invés do litoral porque, segundo ele, não tem um fenótipo propício à exposição solar. Escolheu Itaipava, em Petrópolis, única e “exclusivamente pela facilidade de vir aqui em vez de subir a serra de Teresópolis; mão e contramão. Nada além disso” 87. Morou inicialmente numa casa alugada enquanto procurava mais que uma residência, mas “um lugar”, em suas palavras. Passado algum tempo, o caseiro lhe indicou a propriedade que o fez cair “de amores pelo lugar, pelo conceito, pela filosofia. Vale; bacana, fim de um vale, cara! Sem, sem... (...) sem vizinhança. Ou pouca vizinhança. Comprei! Não sabia se isso aqui ia ser haras, campo de futebol, tênis...”. (Negritos meus). Antes de prosseguirmos com a exposição da entrevista, algumas passagens merecem atenção. O primeiro detalhe a ser observado é que entre 1984 e 1985, o entrevistado contava 86 87

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96. Idem.

30 com 48 ou 49 anos; 11 anos a menos da idade limite em que poderia permanecer no banco em que trabalhava desde os 35 anos, conforme relatou. A saída nestas condições pode insinuar que talvez já tivesse também a intenção de tentar outros caminhos no mundo dos negócios. Insinuação reforçada pela intenção de adquirir “um lugar” que incluísse além da residência a possibilidade de ser “haras, campo de futebol, tênis...”. Estas são atividades que requerem um considerável aporte inicial de capital e estão voltadas para um mercado restrito e valorizado, principalmente quando se trata de um haras ou de um campo de tênis. Mas deixemos que o entrevistado prossiga com o seu relato. Com o passar do tempo e “na proporção em que as decisões não tavam sendo tomadas (...) pedi que fosse feito um estudo de viabilidade econômica (...) em 1989 88”. Dick Thompson contratou a AGROSUISSE, empresa que presta consultoria na área de “agropecuária, agroindústria e desenvolvimento rural” 89. O técnico enviado pela empresa visitou a área e “uma hora depois, ele disse: ‘Dick, esta área é perfeito para a olericultura’” 90. À época, estranhando a última expressão, o entrevistado fala-nos da sua reação: Nunca ouvi falar disso na minha vida! Que porra é essa, cara! “Ah, Dick, é o conceito de plantar... legumes, hortaliças, não sei o quê”! Eu disse pra mim: Pá, cê tá de porre! (Risos nossos!). Eu to. Pô! Vivi vinte e tantos anos da minha vida viajando; mesa de operações, milhões de dólares pra lá e pra cá! Eu vou plantar alface, cara!? (Risos nossos. Negritos meus)91.

“Um estudo de viabilidade econômica” para “um lugar” parece que confirma a alusão feita anteriormente de que esse espaço seria também um lócus de relações sociais de produção que se inseririam no processo de reprodução ampliada do capital. A este respeito, o quadro mental de referências que o entrevistado expôs na última citação é bastante significativo. Particularmente, quando o consultor propõe-no o plantio de alface. A proposta causou fartos risos e a memória dela ainda causa. Para alguém que possui o arcabouço de ideias que explica e justifica o mundo do grande capital, do capital financeiro em particular, plantar alface é um rebaixamento de status em relação à atividade que envolvia “milhões de dólares pra lá e pra cá”. Inicialmente, portanto, é compreensível que a sugestão do consultor provocasse risos. Mas se assim o é, o que fez com que risos sarcásticos se desdobrassem em canteiros de alface orgânica. Novamente, voltemos à história que nos estava sendo narrada. 88

Na já mencionada entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirma que a atual área do Sítio do Moinho foi comprada em 1987. 89 AGROSUISSE, 2014. 90 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96. Olericultura é um termo técnico que se refere ao cultivo de hortaliças; verduras que de uma forma geral têm ciclo vegetativo curto (dois a seis meses de vida), sendo que muitas são consumidas in natura. 91 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96.

31 Aí, foi quando ele vira pra mim e disse o seguinte: “Oh, Dick, pera aí, cê não tá entendendo. Eu gostaria de apresentar a você o conceito que tá se iniciando no mundo que é a agricultura orgânica”. (...). Que naquela altura, cara! Eu to com uns cinquenta e tantos anos de idade. Eu não sabia que as alfaces que cê comprava lá na feira eram tratados e cultivados com veneno! E é veneno; agrotóxicos; veneno! (...). Aí, eu comecei a me interessar. Por quê? Eu tenho quatro filhas. No meu conceito, na minha filosofia, era uma forma de alimentar bem a minha família! E a mim!92

A decisão pela transformação da propriedade adquirida em 1987 no atual Sítio do Moinho é apresentada como opção pela saúde pessoal e familiar. Não há motivos para se questionar a legitimidade desse argumento. Afinal, a ligação do entrevistado com a agricultura era “zero antes de 1989”. Como mencionou, ignorava inclusive que os alimentos eram produzidos com o uso de venenos. A possibilidade, portanto, de cultivar ou ver o cultivo sadio do próprio alimento é um potencial considerável de sensibilização do ser humano. Esta interpretação é reforçada por outro momento da entrevista quando é afirmado que: (...) faço isso porque isso virou uma paixão! Eu, pra mim e pra a Ângela, a filosofia de consumir um produto orgânico, livre de todos os agrotóxicos, pesticidas. (breve silêncio). De todo o demérito que isso leva ao ser humano, para a vida do indivíduo, da saúde do indivíduo. E depois vim a entender que era a saúde do meio ambiente também. Que veio a me dar mais força, mais entusiasmo (...). (Negritos meus)93.

Foi um mundo novo que se abriu para esse ex-executivo de uma das mais poderosas instituições financeiras do Brasil. Nem mesmo a dimensão da necessidade da preservação ambiental para a preservação da saúde – e da vida humana em última instância – era parte do seu conhecimento sobre o mundo. Há, assim, um claro processo de sensibilização possibilitado por uma opção a um tipo de agricultura (orgânica) em detrimento de outro (convencional). O conteúdo do valor de uso produzido e as condições necessárias para a sua produção foram capazes de ir modificando o próprio entendimento que o entrevistado tinha no tocante à relação entre a natureza e o ser humano. O envolvimento com a nova atividade, diretamente ligada à transformação da natureza, mas sem degradá-la, também agiu sobre o ser humano, transformando-o. No entanto, isto isoladamente ainda não explica porque o Sítio do Moinho surgiu. Qualquer proposta feita pelo consultor da AGROSUISSE na área agropecuária seria levada em consideração. Ele estava ali como autoridade técnica e econômica e o contratante esperava isso da empresa de consultoria que o encaminhara. A opção pela olericultura orgânica se dá também porque Dick Thompson convence-se que esta é uma frente de expansão econômica. Com a agricultura orgânica a sua propriedade poderia se tornar, finalmente, “um lugar” para

92 93

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 96-97. Idem, p. 98.

32 morar, viver, investir dinheiro, ampliar o capital e desfrutar de todas as demais potencialidades, inclusive lazer. Na já citada entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirma que: No estudo de viabilidade econômica que fizeram, sugeriram então o cultivo de hortaliças devido à área plana. A idéia era que o plantio de folhas, tubérculos, hortaliças poderia ser um negócio interessante e que poderíamos fazer entregas em domicílio pois tínhamos uma área pequena e um mercado consumidor próximo. Tudo isso fazia sentido mas não estava nos interessando. Só quando eles começaram a falar de agricultura orgânica, que a idéia começou a despertar nosso interesse 94.

Este relato reforça a interpretação realizada sobre a decisão primordial para o ingresso e o investimento na agricultura orgânica. 3. 5 – Dick Thompson: um proprietário neorrural Priscila Freitas afirma que a categoria analítica neorruralismo foi desenvolvida pelos cientistas sociais franceses a partir de fins da década de 1960 para a interpretação de fenômenos novos no meio rural da França. Basicamente tentava dar conta do movimento de pessoas do meio urbano que abandonavam as suas respectivas profissões para morar no campo, dedicando-se às atividades agropecuárias95. No Brasil também se verificam novas formas de ocupação do espaço rural por pessoas advindas do meio urbano. Na maioria das vezes sem ligações precedentes com as dimensões do rural. Gian Giuliani, por sua vez, apreendeu a categoria neorruralismo para interpretar aspectos novos da realidade rural da região serrana fluminense. Entretanto, este autor adverte que “é um conceito genérico para uma realidade não muito precisa, carregado de símbolos contraditórios e indicando fenômenos que permanecem à margem das dinâmicas [até então] predominantes da agricultura atual” 96. Em seus estudos observou que os neorrurais brasileiros possuíam um aporte considerável de capital e, diferentemente dos franceses, não recuperavam o modo tradicional de produzir da agricultura familiar. Com a discussão empreendida até o momento, Dick Thompson pode ser identificado como um neorrural. A primeira característica que nos permite tal afirmação é o fato de ele não ter ligação anterior com o meio rural. Buscou-o a partir de uma expectativa de suplantação da vida agitada que tinha no mercado financeiro. Inclusive, escolheu o distrito de Itaipava para escapar da estrada de mão dupla para a também cidade serrana de Teresópolis. Portador de certo capital acumulado e com formação intelectual sólida, procurou construir uma vida nova não só numa perspectiva bucólica, mas também econômica. O que o

94

PLANETA ORGÂNICO, s/d. FREITAS, 2005, p. 48. 96 GIULIANI, 1990. 95

33 diferencia dos casos empíricos estudados por Gian Giuliani é ter adquirido certa consciência ambiental somente a partir da implantação do seu empreendimento. Assim mesmo, só percebeu mais tarde que além da sua saúde estava em jogo “a saúde do meio ambiente também”. Ainda no tocante a essa caracterização cabe destacar o detalhe nada fortuito que a menção à cidade de Petrópolis não é feita no material de propaganda do Sítio do Moinho, incluindo o seu portal na internet. No endereço postado, Itaipava aparece sugerindo que é uma cidade e não um distrito de Petrópolis. Isto não é por acaso. Para se chegar a este distrito não é necessário passar pelo centro de Petrópolis. A estrada que dá acesso sem “mão e contramão” é a BR-040, que também possibilita a chegada ao estado de Minas Gerais. O distrito de Itaipava há pelo menos duas décadas presencia forte expansão e especulação imobiliária. É frequentado aos finais de semana pela chamada alta classe média da zona sul do Rio de Janeiro que o trata como se fosse território urbano autônomo. Dick Thompson é oriundo desta pequena burguesia e esse estrato social é muito importante para si, como será visto adiante. Também mais adiante, outras características que o identificam como um neorrural serão explicitadas. 3. 6 – Do início da produção à primeira comercialização Ao iniciar o relato sobre o início do plantio, Dick Thompson voltou a destacar que o cultivo de orgânicos era para a própria alimentação. Vejamos: Ele [o consultor] me indicou um agrônomo e começamos a plantar 97. E isto para a minha família. Mas foi interessante que... um mês depois... a Ângela, a minha esposa, começava a receber telefonemas de amigos: “Pô, ouvi dizer que cês tão plantando! (...) me entrega na minha residência! Ah, eu também quero”! Então, essa coisa foi expandindo e (...) 1991 foi a primeira entrega aonde nós tínhamos uma Chevrolet... ahm, caçamba atrás. Descemos pro Rio de Janeiro pra entregar a duas ou três famílias98.

A produção foi iniciada no Sítio do Moinho em 1989 e a primeira comercialização em 1991, conforme a menção acima. Assim, entre os primeiros telefonemas recebidos e a primeira entrega deduz-se que há um hiato de um ano a um ano e meio. Provavelmente, o tempo necessário para que a variedade e o volume dos vegetais cultivados ultrapassassem o autoconsumo, possibilitando que o excedente ao atendimento dessas necessidades fosse destinado à comercialização 99. Tanto nessa entrevista quanto no relato que o casal Thompson deu ao Planeta Orgânico, as dificuldades iniciais foram destacadas. A equipe era pequena e eles acordavam de madrugada para acompanhar e participar do processo; da colheita à montagem

97

Talvez por um lapso de memória o entrevistado tenha trocado a formação técnica e o gênero da pessoa contratada; técnica agrícola Maria Claudia Arueira. Cf. PLANETA ORGÂNICO, s/d. 98 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97. 99 A esse respeito ver a discussão já apresentada neste texto sobre o campesinato no item 1 do capítulo 2.

34 das cestas. A entrega na cidade do Rio de Janeiro era acompanhada por sua esposa até que o motorista conhecesse o endereço dos clientes 100. Apesar de Dick Thompson ter afirmado que começaram a receber pedidos de amigos, na mesma entrevista concedida ao mencionado portal, Ângela Thompson afirma que começaram a cultivar “feijão, oferecendo para os amigos (...) algumas hortaliças, até que fizemos nossa primeira entrega domiciliar em junho de 91. Tínhamos que gerar alguma receita para poder pagar as despesas do Sítio (...)”101. (Negrito meu). A propriedade tinha de se transformar em “um lugar” que além de se pagar fosse mais que o simples atendimento das necessidades familiares. Esta impressão é reforçada através do trabalho de Leonardo Faver quando nos diz que “o proprietário contratou os serviços de uma consultoria agropecuária para orientar qual o melhor ramo de atividade agrícola seria possível ser desenvolvido em sua área. Os consultores mostraram que a agricultura orgânica estava prometendo ser uma boa opção”, de mercado, complete-se102. Muito provavelmente, portanto, a comercialização não foi somente fruto de um excedente que ultrapassou as necessidades familiares. Ao contrário, já era visada desde que a consultoria indicou a agricultura orgânica como “uma boa opção” para transformar a propriedade em “um lugar”. O comércio dos produtos orgânicos do Sítio do Moinho possivelmente só começou quando seu proprietário percebeu que havia tanto volume quanto já controlava minimamente o processo produtivo. Ao atingir tal patamar, tinha condições de projetar os passos seguintes. Então, tornou-se exequível ofertar seus selecionados alimentos orgânicos aos amigos-clientes sem correr o risco de perdê-los. Dado essas condições, a propriedade de Dick Thompson, finalmente, tornou-se “um lugar” para viver. 3. 7 – O significante “cesta” e seu significado no Sítio do Moinho Antes de prosseguirmos com a discussão acima será feita uma breve análise da expressão “cesta”. Termo de uso corrente por todos e todas do Sítio do Moinho na qual o significante incorpora um significado para além da variação semântica de nossa língua portuguesa. Durante as horas em que permaneci no lócus de investigação ouvi diversas vezes a vocalização do substantivo “cesta”. Palavra de uso corrente e marcante tanto na entrevista concedida por Dick Thompson quanto nas entrevistas com os técnicos e nos demais diálogos travados na visita de campo. Também a ouvi sendo pronunciada a todo instante: “O Fulano está montando as cestas ou já acabou”? “As cestas de hoje já foram despachadas, Beltrana”? 100

PLANETA ORGÂNICO, s/d. Idem. 102 FAVER, 2004, p. 66. 101

35 Mas, curiosamente, não vi nenhuma cesta. Aos poucos percebi que a expressão era utilizada como referência ao utensílio de acondicionamento de entrega dos produtos pedidos pelos clientes. No entanto, não eram cestas propriamente ditas, mas caixotes plásticos. Naquele momento, dei-me por satisfeito e esclarecido. Prossegui, então, o trabalho de campo em busca de informações que possibilitassem responder à hipótese que suscitou esta investigação. Porém, com a descoberta em fins de maio da página do Sítio do Moinho no facebook, algumas imagens de cestas artesanais surgiram e com elas o tema ressurgiu a partir da seguinte questão inicial: Por que caixote ou caixa é tomado por cesta? Encontramos dicionarizado que cesta “é qualquer utensílio que, pela forma e pelo uso, se assemelhe àquele feito de material entrançado” 103. Portanto, nos termos correntes da língua portuguesa, nossa principal matéria-prima de comunicação, esclarece-se que um vocábulo é comumente usado no sentido de outro. Também é sabido que a palavra cesta tem uso metonímico, ou seja, é utilizada de forma diferente ao seu contexto semântico usual. Neste caso, é comumente empregada com o sentido de uma variedade de coisas. Conforme, inclusive, consigna o mesmo da definição anterior 104. Em nosso estudo de caso, por exemplo, uma variedade de alimentos orgânicos que são acondicionados para a entrega. A primeira hipótese que sugerimos é que talvez as primeiras entregas em domicílio fossem feitas em cestos artesanais; carregados, descarregados e retornados para o Sítio do Moinho. Esses utensílios podem ter sido usados nos primeiros meses, enquanto o número de clientes permitia. Sendo assim, a expressão teria se incorporado à fala cotidiana local e qualquer instrumento apropriado para o acondicionamento dos produtos a serem entregues era tratado como cesta. Até aí, uma realidade sociolinguística, que como vimos, encontra-se dicionarizada. No entanto, para nós o mais importante é tentar refletir se no caso do nosso local de pesquisa a expressão possui um significado e uso para além da abordagem dicionarizada. O uso do termo pode mais do que vincular-se à história do Sítio do Moinho ou ligar-se a sentidos linguísticos diversos. Parece-nos que também pode transmitir a ideia de um utensílio artesanal, confeccionado com pura matéria da natureza. Assim como são os produtos comercializados por esta propriedade, reforçando a imagem que faz de si e para os clientes. Sendo assim, analisemos mais detidamente duas imagens digitais que se encontram postadas na página seguinte. Elas podem nos ajudar a compreender o contexto de apropriação

103 104

HOUAISS, 2009. Cf. Idem.

36 e uso de um vocábulo pertencente ao léxico de uma língua por um determinado grupo social no exercício de sua cotidianidade. Apesar de retiradas dos canais de comunicação da internet, é possível perceber a diferença na qualidade das imagens. A primeira, ao ar livre, foi cuidadosamente composta.

Os alimentos

que formam a cesta foram

atentamente

selecionados e acondicionados. A cesta de fibras naturais é bem visível. Em segundo plano, flores indicam vida e alegria no local

ID: Sem autoria e data de publicação

de plantio, insinuado no plano seguinte. Por último, a mata, sugerindo uma agricultura que se integra à natureza e não a degrada. Esta imagem digital consta no facebook, frequentada rede social virtual com enorme acesso diário. Associada a ela segue o seguinte texto: A beleza da produção orgânica, além de hortaliças e frutas saudáveis, é a preservação. Solo rico e fértil, águas que se mantém limpas, vegetação que abriga uma infinidade de pássaros e insetos, a horta orgânica é uma fonte permanente de vida! — em Sitio do Moinho - horta orgânica105.

A imagem à direita, está postada no portal do Sítio do Moinho, na página Entrega Domiciliares de Orgânicos106. A composição não foi feita com a mesma preocupação que a anterior, pois o uso do flash projetou uma sombra sobre parte das verduras e esmaeceu um pouco o verde da folhagem. Além disso, o nabo no canto inferior esquerdo refletiu uma grande intensidade luminosa, ocultando a sua textura e deslocando a atenção do leitor para este ponto, inclusive pelo contraste das cores. A “cesta” plástica, retangular e vermelha, está relativamente oculta, o que não parece ser ao acaso. Mesmo que a página onde se encontra essa imagem tenha acesso significativo, provavelmente não alcança o número dos acessos do facebook. Não há nela, além disso, a possibilidade de interação com os internautas.

105 106

FACEBOOK, 2014. Acesso em 15 de junho de 2014. SÍTIO DO MOINHO, 2014.

37 O interessante da imagem exibida na rede social é que nela se verificam alguns dos sentidos semânticos mais correntes para a palavra cesta; utensílio de acondicionamento geral feito de fibras naturais entrelaçadas e, ao mesmo tempo, variedade de produtos. Todavia, além disso, o utensílio é usado com fins evidentes de venda de uma imagem, ou seja, de propaganda. Construiu-se imageticamente um novo significado ao levá-lo às proximidades do campo de cultivo, acondicionando em seu interior os alimentos orgânicos cultivados e comercializados como frutos da própria natureza exuberante que lhe rodeia. Por isso, as duas imagens expostas e minimamente analisadas reforçam a percepção surgida ainda de forma muito incipiente durante o estudo exploratório de campo. Impressão que naquela ocasião não despertou maior interesse, mas que ressurgiu no decorrer desta redação sobre os possíveis sentidos correntes que os proprietários do Sítio do Moinho dão ao substantivo cesta quando o pronunciam. Isto é, além daqueles dicionarizados, um utensílio natural que acondiciona alimentos produzidos em consonância com as leis da natureza; não agride o meio ambiente e é fonte de vida. 3.8 – O espaço neorrural do Sítio do Moinho e sua identidade em construção Com esses dados é possível notar que a realidade socioespacial em que vive e da qual vive Dick Thompson, um proprietário neorrural, é apresentada como “um lugar” aprazível. De beleza ímpar, depende da conservação ambiental de todos que nele trabalham, frequentam, passeiam e de alguma forma interagem, inclusive virtualmente. Como já observou Gian Giuliani sobre outro caso empírico de estudo, mas que remete diretamente ao proprietário do Sítio do Moinho, “as [suas] realizações (...) são bastante especiais, assim como as pessoas que podem usufruir delas são bastante selecionadas” 107. Como atesta o próprio Dick Thompson em painel apresentado ao 5º Congresso de Agribusiness, “o antigo conceito de que os produtos orgânicos não eram bonitos, já caiu há muito tempo. Atualmente o orgânico é considerado um produto nobre, de bom gosto, de paladar e aroma diferenciados, características que atraem muito os consumidores”108. Distintos consumidores que têm a capacidade de compreender o conceito e “(...) os benefícios de consumir um produto mais nobre, o que justifica seu preço mais elevado, uma vida nova” 109. É ainda ele mesmo que nos informa enfaticamente a região de moradia desses consumidores quando diz que as cestas domiciliares sempre foram entre-

107

GIULIANI, 1990. THOMPSON, 2003, 159. 109 THOMPSON apud COLLAÇO, 2010, p. 35. 108

38 gues no município do “Rio de Janeiro. [Pois] tudo o que nós fazemos, Petrópolis é muito pequeno. Praticamente, nada! Praticamente, zero”110! Acessando-se a página do facebook do Sítio do Moinho percebe-se que o local se torna ponto turístico aos finais de semana. É frequentado por clientes e por turistas (potenciais clientes) vindos principalmente do Rio de Janeiro 111. O que parece confirmar a informação dada acima por Dick Thompson sobre o mercado de consumo a que se destina a sua produção de orgânicos. Para essas pessoas “bastante selecionadas” há placas espalhadas na área de plantio que informam sobre a agricultura praticada e a integração com a exuberante natureza ao redor. São textos que informam e, sobretudo, têm a intenção de formar consumidores para incorporarem mais densamente em sua visão de mundo a prática que observam, tornando-se divulgadores mais capacitados da agricultura do Sítio. A reprodução de uma dessas placas pode ser visualizada em seguida como um exemplo da afirmação e análise feitas.

110 111

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 97. Leonardo Faver afirma que esses turistas do Rio de Janeiro são os grandes clientes do Sítio (2003, p. 71).

39 Dick Thompson considera-se ainda um pioneiro. Assevera que “(...) em 1991, quando ninguém falava disso, nós já estávamos com essa filosofia” 112. No conjunto anterior de suas relações sociais, inseridas no contexto de acumulação do capital financeiro, é provável que “ninguém falava disso”, mesmo. No entanto, esse debate e a agricultura orgânica foram iniciados há um tempo bem precedente ao início da década de 1990, inclusive em Petrópolis, como já indicado anteriormente113. Não obstante, a sua forma particular de empreender a atividade agrícola orgânica, engendrando atividades paralelas, como o turismo rural, por exemplo, permitiu-lhe transformar a propriedade adquirida em 1987 em “um lugar” de múltiplas vivências. Essa capacidade também já foi constatada por Gian Giuliani em suas investigações empíricas sobre os neorrurais brasileiros instalados na região serrana fluminense de Nova Friburgo e Teresópolis 114. 3. 9 – Além do domicílio: o fornecimento para os supermercados Com a consolidação da produção e das entregas em domicílio, veio a diversificação, o incremento da produtividade e a ocupação da área total de plantio de acordo com os parâmetros de uso do solo na agricultura orgânica 115. Dessa forma, novos clientes muito selecionados surgiram; os supermercados da zona sul do Rio de Janeiro. De acordo com o entrevistado, o primeiro deles foi o Supermercado Zona Sul, em agosto de 1997. Dois anos depois o Sítio do Moinho passou a fornecer produtos orgânicos também ao Carrefour, Extra, Sendas e Pão de Açúcar. As entregas começaram “com 600 unidades por semana e foi extrapolado até 25.000 unidades por semana”, além do fornecimento das cestas domiciliares, que nunca foi interrompido 116. O abastecimento de produtos orgânicos aos supermercados exigiu que a propriedade fizesse amplas mudanças organizacionais e estruturais, alterando a forma de comercialização. Segundo relata Ângela Thompson para o Planeta Orgânico, a entrada nos supermercados “foi um divisor de águas para o Sítio. Até então fazíamos uma coisa muito artesanal. Para você 112

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 98. Em relação ao debate sobre o tema dos poluentes e da preservação ambiental, consultar a seção II. 4 – “Desenvolvimento sustentável”, p. 18, deste trabalho. Sobre a produção de orgânicos ainda em fins dos anos 1970 no Brejal, 5º Distrito de Petrópolis, consultar o capítulo 5, intitulado “Os agricultores da Fazenda Pedras Altas”, da tese de doutoramento de Denise Bloise (2013). 114 GIULIANI, 1990. 115 Dos seis hectares (6ha) disponíveis para o cultivo, 1ha sempre fica em repouso por um ano. É um sistema de rodízio ou rotação. São plantadas leguminosas (feijão, por exemplo) na área em repouso, pois são plantas que têm a capacidade de adicionar o macronutriente nitrogênio (N) ao solo através de bactérias presentes em suas raízes. 116 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 99. No 4º painel apresentado ao 5º Congresso de Agribusiness, Dick esclarece que “Uma unidade significa uma bandeja de cenoura, ou alface, ou beterraba, etc”. (THOMPSON, 2003, p. 157). 113

40 entregar para lojas [e supermercados], é necessário ter volume de produção, rapidez, eficiência (...)”117. Como esta quantidade de produção não tem condições de ser alcançado nos 6ha agricultáveis da propriedade, mesmo se aquele que permanece em repouso fosse incorporado à produção, surgiu a curiosidade de saber de onde vinha tamanha quantidade de artigos. Indagado, Dick Thompson esclareceu que vinha do arrendamento de outras propriedades através do que denomina de “parceria”. Em suas palavras, “quando nós atingimos aquela época dos 25.000 produtos por semana pra supermercados, além dos 5 [hectares], nós alugávamos fora, em parceria, mais 25. E hoje, nós devemos ter, além dos nossos 5, uns 10 [ha] 118. Nessa época, chegou a dezoito (18) o número de agricultores dos arredores que abasteciam o comércio do Sítio do Moinho119. Os fornecedores atuais são de outras cidades, como Cachoeiras de Macacu, mas ainda há um pequeno produtor que arrenda cerca de 10ha da Fazenda Cafundó, no Brejal, na Posse, 5º distrito de Petrópolis120. No entanto, essa forma de obtenção externa de produtos orgânicos, tanto no que concerne ao tipo de parceria quanto se há mesmo arrendamento, não ficou muito evidente pela entrevista. Leonardo Faver confirma que o Sítio do Moinho “produz e adquire produtos de outros pequenos produtores e comercializa estes produtos com sua própria marca” 121. Portanto, independentemente do tipo de contrato firmado com outros fornecedores, o que está claro é que além da produção própria, produtos orgânicos externos à propriedade são comprados e comercializados com o selo do Sítio do Moinho. 3. 9.1 – A saída do grande comércio varejista Entre os anos de 1997 e 2006, o fornecimento aos supermercados chegou a representar 85% da comercialização do Sítio do Moinho, sendo que o restante era destinado às entregas em domicílio 122. Apesar desse enorme volume comercial, por inúmeros motivos Dick Thompson cessou o fornecimento ao grande mercado varejista. Ao menos um motivo merece destaque, pois permite elucidar um pouco, conforme a sua versão, a relação assimétrica imposta pelas grandes cadeias de supermercados. Vejamos, então. Os supermercados todos exigiam repositores. Nós quando távamos atendendo no auge, nós tínhamos dezesseis (16) pessoas contratadas para ajudar a rearrumar as prateleiras dos supermercados. (...). E como eram várias filiais; saía de uma filial, 117

PLANETA ORGÂNICO, s/d. APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105. 119 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50. 120 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105. 121 FAVER, 2004, p. 65. 122 THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50. 118

41 entrava noutra, não sei o quê! Uma filial grande... o cara... obrigava que o repositor ficasse lá o dia todo. O repositor trabalhava, digamos, uma (1) hora por dia pra gente e trabalhava sete (7) horas por dia para o supermercado; lavando banheiro, servindo na cozinha, ajudando no caixa. Uma loucura, cara123!

A insatisfação e a angústia experimentadas por Dick Thompson devido ao comércio estabelecido com os supermercados são expressas enfaticamente nos seguintes termos: (...) em 2006, eu disse: Não aguento mais! Carquei fora! Saí de todas as filiais, de todos os supermercados! (...) Não adianta, cara! A gente não pode ficar fazendo uma coisa que violenta a gente! E eu fazia isso não pelo dinheiro! Eu fazia pelo amor que eu tinha pela coisa etc.124.

O modo de produção capitalista generaliza cada vez mais e com maior intensidade o circuito da realização do valor para todas as esferas da vida societária. Neste caso, o “amor” não foi capaz de resistir a este processo, apesar de uma relação ininterrupta de nove (9) anos. Como só um novo “amor” poderia apagar as amargas lembranças do caso rompido, alguns meses depois era estabelecida uma nova relação comercial com outro supermercado. Mantida até hoje, o único fornecimento para este tipo de estabelecimento se dá com a Rede Hortifruti, sediada no município do Rio de Janeiro. Mas neste caso, “somos o único fornecedor deles que opera dentro dos nossos parâmetros e não os parâmetros que eles exigem de outros fornecedores. Show de bola”125! Em casos de “amor” é crucial a experiência de vida. Atualmente a comercialização é feita com restaurantes, hotéis, algumas lojas específicas e também em lojas próprias (local, Leblon e Barra da Tijuca, bairros da zona sul e oeste do Rio de Janeiro, respectivamente), além dos clientes domiciliares 126. Abaixo, para ilustrar, a loja local e a do Leblon, respectivamente. Notar a presença das cestas na segunda imagem.

ID: Sem autoria identificada Acesso: 20-06-2014 http://www.sitiodomoinho.com/o-sitio-domoinho/lojinha-do-sitio-itaipava-produtos-organicos 123

ID: Sem autoria identificada Publicada: 19-04-2011 https://www.facebook.com/sitiodomoinho/timeline Acesso em 20-jun-2014.

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 99. Idem, p. 100. Na transcrição encontra-se a versão sobre os pormenores das relações mantidas com os supermercados. 125 Idem. 126 SÍTIO DO MOINHO, 2014. A lista de estabelecimentos atendidos está na página Atendimento à Empresas. 124

42 3. 9. 2 – A estrutura herdada O fornecimento aos supermercados obrigou a uma série de investimentos e mudanças estruturais no Sítio do Moinho para que a nova demanda fosse atendida adequadamente 127. Com a saída desse comércio em 2006, a estrutura básica montada para operacionalizar as vendas aos supermercados foi mantida. Como resultado desses nove (9) anos de comercialização, o Sitio do Moinho dispõe hoje de um galpão com vários compartimentos que funciona como um centro operacional de recepção e beneficiamento. Situa-se logo à entrada da propriedade e também ao lado do campo de cultivo, facilitando as operações de carga e descarga, sem prejudicar as demais atividades128. A sua área principal de trabalho pode ser vista abaixo.

O registro imagético acima foi feito próximo das 18h, no encerramento do dia de trabalho. Neste local é feita a principal triagem dos vegetais colhidos no campo de cultivo da propriedade ou que vêm de outros fornecedores. Alguns produtos quando chegam são pesados, cenouras, por exemplo. Outros são comercializados como molhos e outros são por unidade. Em seguida são lavados e selecionados. Se estiverem fora do padrão de qualidade recebem 127

Ao cruzar a entrevista que Dick Thompson me concedeu com a entrevista que ele e a sua mulher, Ângela, concederam ao portal Planeta Orgânico, verifiquei certa incoerência de informação sobre o que levou à estruturação do Sítio do Moinho. A mim, Dick passou a ideia de que foi antes da venda ao grande varejo. Já ao mencionado portal, informaram que tiveram de erguer a estrutura que apresento a partir da entrada no grande varejo, entre 1997 e 1999. Tomo aqui esta informação como a mais próxima do acontecido, pois essa entrevista, além de conjugal, foi à época em que ainda comercializavam com as cadeias de supermercados. Portanto, antes de 2006. No mínimo, há oito anos atrás. Cf. PLANETA ORGÂNICO, s/d. 128 Para uma ideia geral da sua localização retorne à imagem da página 24 deste texto.

43 outro destino que não é nem a comercialização e nem o descarte puro e simples, como será visto mais a frente. Depois desse processo, os alimentos são acondicionados em embalagens diferentes, dependendo das suas características; folhosas, ervas, tubérculos etc. Embalados, seguem para um recinto diferente onde as cestas domiciliares são montadas de acordo com o pedido do cliente e a disponibilidade do produto, pois o cultivo orgânico está mais a mercê das estações do ano do que a agricultura envenenada. Assim, não há como colher abóbora em pleno inverno da serra petropolitana, por exemplo, apesar de isso ser praticamente impossível na outra também. Ao lado desse galpão estão também três câmaras frigoríficas de aproximadamente 60,0m², sendo que duas são secas e uma é úmida (de 95% a 98% de umidade relativa do ar, e temperatura entre 5,0 ºC e 7,0 ºC). Depois de passarem pelo processo anterior, muitos alimentos dependendo do estoque e do volume de pedidos, vão primeiro para a câmara fria e só depois seguem para a cesta. A câmara fria úmida destina-se principalmente às folhosas, impedindo ou dificultando sobremaneira a desidratação e o consequente murchamento das folhas. Ainda como parte da logística, o Sítio do Moinho dispõe de três caminhões frigoríficos e duas Kombis. O produto orgânico que sai para a entrega é retirado da câmara fria úmida e transportado no caminhão que é visto aqui. Esse veículo também é utilizado para buscar os produtos adquiridos de outros produtores. Ao lado, um pouco mais detalhada, a imagem da logomarca que identifica os produtos comercializados pelo Sitio, criada também nessa mesma época 129. Cabe ressaltar novamente a presença do cesto artesanal na composição da figura, cuja discussão já foi realizada neste texto. Os escritórios foram ampliados e informatizados com acesso à internet, mas a comunicação por fibra ótica só foi estendida até a localidade rural em 2003. A estrutura elétrica foi

129

A imagem do caminhão (sem autoria identificada) foi reproduzida de: PLANETA ORGÂNICO, s/d. A logomarca foi reproduzida de: FACEBOOK, 2014.

44 modificada com a aquisição de um gerador e a mudança do redutor de tensão (“transformador”). Alterações organizacionais para manter as relações tributárias com o Estado também foram feitas. Voltaremos a este assunto mais adiante. Dick Thompson também precisou garantir que seus produtos eram realmente orgânicos. Vejamos como isso ocorreu. 3. 9.3 – A certificação da produção orgânica O fornecimento aos supermercados exigiu dos proprietários do Sítio do Moinho a garantia de que os alimentos postos à venda eram realmente advindos da agricultura orgânica. O que só poderia ocorrer através de algum método que os certificassem como tal. Entretanto, apesar dessa nova exigência mercadológica, quando o Sítio do Moinho começou a abastecer os supermercados em 1997, ainda não existia uma legislação no Brasil que regulamentasse o setor orgânico da agricultura. Inclusive, essa prática agrícola não era nem reconhecida oficialmente. O que só aconteceria com a Instrução Normativa 007/99 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) 130. Portanto, dois anos depois do início do fornecimento ao grande varejo. Nessa época, a lei que viria regulamentar esta atividade já tramitava no Congresso Nacional, mas sua aprovação só se efetuaria em 2003. Vejamos brevemente, então, em que se baseava a certificação. No plano externo, o primeiro conjunto de normas para a agricultura orgânica foi formulado em 1978 pela Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM, na sigla em inglês), sediado na Alemanha. Segundo Maria Fonseca, essas normas “serviram de referência para a comercialização dos produtos orgânicos no mundo até a década de 90 e para o estabelecimento de outras normas locais e regulamentos técnicos em diferentes países”131. Assim, os processos de certificação no Brasil eram baseados nessas normas internacionais. Consequentemente, foi a partir delas que o Sítio do Moinho obteve o reconhecimento de mercado para a comercialização de seus produtos. Porém, em relação a essa nova exigência mercantil, Dick Thompson fez questão de ressaltar em seu depoimento que: Antigamente, as pessoas acreditavam na gente. Nós plantávamos, e colhíamos, e cultivávamos produtos orgânicos! Mas era o Dick e a Ângela falando isso. Não tinha nada de certificação etc. No momento que a gente vai pro supermercado, você tem que ter um selo de certificação”132. (Negritos meus).

Assim sendo, até antes da relação ser firmada com as grandes empresas privadas do comércio varejista a “palavra” dos proprietários do Sítio do Moinho tinha o valor de docu130

FONSECA et al, 2009, p. 28. Idem. 132 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 100. 131

45 mento escrito. Nesse ponto, Dick Thompson expressa seu brio e, de certa maneira, como a exigência de uma comprovação de terceiros sobre a sua atividade o feriu. Afinal, seu sucesso junto à selecionada, exigente e bem informada pequena burguesia da zona sul do Rio de Janeiro dava-lhe toda a credencial de uma palavra de “classe”. Como não havia alternativa para atender a um mercado que parecia promissor, conforme indicado pela AGROSUISSE em 1989, Dick e Ângela recorrem a duas organizações para conseguir o selo de certificação. Uma delas é o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural (IBD), filiado a IFOAM. A outra é a Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO). É necessário deixar claro que na entrevista que me concedeu, o proprietário do Sítio do Moinho não fez referência à certificação da ABIO e nem à sua necessária filiação. Estes dados foram obtidos através de outras fontes 133. Segundo Leonardo Faver, o objetivo de obter os certificados emitidos pela ABIO e pelo IBD era “poder atender tanto o mercado regional como, se necessário, nacional”, respectivamente134. E cogitamos, por que não, quiçá o internacional; exportação e importação? Adiante a afirmação desse autor será rediscutida, pois mesmo não constando mais na lista dos produtores rurais associados à ABIO, Dick Thompson não deixou de atender o mercado regional135. Aliás, o mercado regional era formado pelos próprios supermercados. Além disso, por que pagaria por uma certificação nacional se ainda não era “necessário”? A certificação da ABIO só tinha realmente validade regional, não sendo aceita no restante do território nacional? São questões que deixamos momentaneamente abertas, mas que estarão em mente até a retomada da discussão. Para compreender um pouco melhor o atual processo de certificação, vejamos quais são as alternativas que um produtor rural tem para se regularizar e poder comercializar os seus produtos como orgânicos no mercado brasileiro. 3.10 – Exigências para a certificação da produção orgânica: três possibilidades O processo de avaliação que garante que um produto está de acordo com a legislação que o regula é denominado de “avaliação da conformidade”. Maria Fonseca afirma que “procedimentos de avaliação da conformidade são quaisquer atividades executadas com o objetivo de determinar, direta ou indiretamente, que os requisitos regulamentados, aplicáveis a um

133

THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 49; PLANETA ORGÂNICO, s/d. FAVER, 2004, p. 66. 135 A lista dos produtores atualmente associados à ABIO pode ser encontrada em seu portal na internet. 134

46 produto ou serviço, estão sendo cumpridos” 136. No caso da prática agrícola aqui em debate o processo avaliativo é chamado de “avaliação da conformidade orgânica”. De acordo com as informações que constam no portal do MAPA, o produtor rural para se regularizar precisa se inscrever no Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos. Para isto é exigido que cumpra um dos seguintes critérios que envolvem a avaliação da conformidade orgânica: Certificação por Auditoria – A concessão do selo SisOrg é feita por uma certificadora pública ou privada credenciada no Ministério da Agricultura. O organismo de avaliação da conformidade obedece a procedimentos e critérios reconhecidos internacionalmente, além dos requisitos técnicos estabelecidos pela legislação brasileira. Sistema Participativo de Garantia – Caracteriza-se pela responsabilidade coletiva dos membros do sistema, que podem ser produtores, consumidores, técnicos e demais interessados. Para estar legal, um SPG tem que possuir um Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade (Opac) legalmente constituído, que responderá pela emissão do SisOrg. Controle Social na Venda Direta – A legislação brasileira abriu uma exceção na obrigatoriedade de certificação dos produtos orgânicos para a agricultura familiar. Exige-se, porém, o credenciamento numa organização de controle social cadastrado em órgão fiscalizador oficial. Com isso, os agricultores familiares passam a fazer parte do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos 137.

Se o produtor optar por uma das duas primeiras possibilidades, recebe um selo de certificação e pode comercializar as suas mercadorias com indústrias, supermercados, hotéis, restaurantes, lojas, feiras e outros canais de venda, inclusive pela internet. Estas duas opções compõem o Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (S ISORG). O produtor deverá rotular os seus produtos orgânicos com um dos selos S ISORG mostrados abaixo, conforme opte por uma forma ou outra de certificação 138.

No terceiro caso, o produtor rural só pode vender diretamente ao consumidor e em feiras públicas, assim como para as três esferas do governo; municipal, estadual e federal. Por outro lado, não tem permissão para utilizar quaisquer dos selos mencionados.

136

FONSECA et al, 2009, p. 43. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2014. 138 Fonte das imagens: ABIO, 2014. 137

47 Muito resumidamente, esses são os termos gerais e atuais que devem ser seguidos por um produtor rural para que suas mercadorias sejam reconhecidas e comercializadas como advindas da agricultura orgânica 139. 3.11 – O Sítio do Moinho e as certificações pelo IBD e ABIO Com a breve apresentação feita anteriormente, julgamos que podemos retonar à discussão sobre as opções de certificação feitas por Dick Thompson em 1997. Lembremos novamente que nesta época os parâmetros para a certificação eram os internacionais, pois ainda não havia uma legislação nacional que dispusesse sobre a agricultura orgânica. Conforme informações que podem ser obtidas do seu portal na internet, o IBD foi fundado em 1982 e está sediado em Botucatu, no estado de São Paulo. Hoje é a maior certificadora de produtos orgânicos da América Latina e a única do Brasil que é credenciada na IFOAM. Há dezoito (18) tipos diferentes de selo. No caso do “IBD Orgânico” é necessário especificar se a certificação é para o atendimento ao mercado nacional, europeu ou estadunidense140. Caso a certificação vise o mercado interno, os produtos recebem o selo do “IBD Orgânico” acompanhados do selo S ISORG, como pode ser visto aqui. São esses os selos que acompanham os produtos do Sítio do Moinho. O IBD é uma empresa de certificação por auditoria da agricultura orgânica. Trabalha enviando inspetores às propriedades agrícolas que têm a prerrogativa para determinar se a agricultura inspecionada é realmente orgânica. O IBD está inserido completamente na lógica do circuito da realização do valor, isto é, da reprodução ampliada do capital. A sua apresentação, as empresas para as quais presta os seus serviços de auditoria e os seus tipos de selos não deixam dúvidas sobre isso. Inclusive, a afirmação de Denise Bloise de que a certificação por auditoria “é um processo caro, que acarreta custos altos para o agricultor, somente sendo viável sua realização pelo agronegócio”141, reforça a nossa própria afirmação. (Negrito meu). Por isso, a certificadora acaba dizendo muito e ajuda a identificar o caráter socioeconômico daquele que é por ela certificado. No nosso caso, o Sítio do Moinho. Não é mera contingência que tanto Alexandre Harkaly, vice-presidente executivo do IBD, quanto Dick Thompson tenham participado do 4º painel do 5º Congresso de Agribusiness realizado no Rio de Janeiro em fins de novembro de 2003. 139

Para aprofundar o tema, sugere-se: FONSECA et al, 2009. Cf. IBD, 2014. 141 BLOISE, 2013, p. 118. 140

48 A outra certificação conseguida por Dick Thompson foi emitida pela ABIO. De acordo com o portal da ABIO na internet, a associação foi fundada em Nova Friburgo, em 1985, por um grupo de pequenos agricultores depois de uma experiência bem sucedida na organização da primeira feira orgânica na cidade. A ABIO está credenciada junto ao MAPA para operar através do “Sistema Participativo de Garantia”, emitindo a certificação (SPGABIO) 142. O SPG é uma alternativa para escapar aos altos custos da certificação por auditoria e exige a organização dos produtores, técnicos e outros interessados, como consumidores. É exigido que as pessoas envolvidas, incluindo todos os imediatamente citados e demais interessados, participem das reuniões e visitas mútuas às propriedades rurais certificadas. Para Dick Thompson, as certificações representaram outra alteração de caráter estrutural e organizacional que o seu “lugar” teve de ser submetido para se adequar às novas exigências de mercado. Também alterou a sua relação com os chamados “parceiros”. 3.12 – Agricultores-fornecedores familiares e as novas exigências Antes de fornecer aos supermercados, o nosso entrevistado já adquiria alimentos orgânicos de outros agricultores familiares da região. A partir desse fornecimento, não só a estrutura do Sítio do Moinho e a agricultura aí praticada foram dinamizadas, mas parte da dinâmica da agricultura orgânica do município também foi alterada por esse processo. Os agricultores familiares-fornecedores foram diretamente atingidos. Como deixa claro Dick Thompson, “uma cadeia de supermercados é um cliente muito exigente em termos de volume, constância, qualidade, padrão, código de barras, pontualidade etc., e os fornecedores que quiseram continuar conosco tiveram que se adaptar também” 143. Esta adaptação, além de mexer com o tempo dos agricultores que é bem distinto do tempo do capital, dizia respeito também à salvaguarda de que a produção deles era orgânica. Vejamos um pouco mais como ocorreu essa “adaptação” dos agricultoresfornecedores às mudanças exigidas. Para isso, valhamo-nos novamente do depoimento que Dick Thompson prestou a Jacira Collaço, em A Lavoura, também um periódico de “classe”: Cada um tem uma área específica de tipo de produto para nos fornecer, mas sempre com a qualidade que exigimos. Contudo, alguns são tão pequenos que nós mesmos buscamos de caminhão a sua produção. Em termos legais, o Sítio do Moinho tem um contrato “guarda-chuva”, que permite a esses pequenos fornecedores, que não têm dinheiro para pagar os custos de certificação, de nos venderem sua produção, que será comercializada com nosso selo. Isto significa que não podem comercializar seus produtos separadamente. É claro que sempre temos permanente contato para verificar se eles continuam mantendo os requisitos necessários à produção orgânica. 142 143

Cf. ABIO, 2014. THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 49.

49 Por outro lado, fizemos também uma espécie de qualificação social com mais de 80% dos fornecedores, providenciando carteira de identidade, CPF, título de eleitor, conta em banco. Isto nos deu um prazer imenso, em vê-los ter uma cidadania completa, sem contar as famílias beneficiadas pelos empregos gerados 144. (Negritos meus).

É necessário que nos debrucemos um pouco sobre o depoimento supracitado. O primeiro parágrafo da citação indica-nos algo sobre a perda de autonomia dos agricultores “tão pequenos” e a subordinação deles ao Sítio do Moinho. Primeiro, porque uma das características da agricultura familiar é a variedade de alimentos cultivados. A diversificação é voltada para o atendimento das necessidades dos membros da família. Dick, como gosta de ser chamado, fala-nos de um tipo “específico de produto” para lhe ser fornecido. Segundo, que tal produto tem de estar adequado ao padrão de qualidade que ele determina – tamanho, ausência de avarias e manchas são os aspectos mais comumente exigidos e as hortaliças são as mais susceptíveis. Porém, o mais emblemático é o caráter do “contrato ‘guarda-chuva’” firmado com os pequenos agricultores, impedindo-os de manter quaisquer tipos de comércio que não seja com o próprio Sítio do Moinho. Já foi dado destaque à página 22 do presente texto à afirmação de Leonardo Faver de que a especialização do agricultor familiar submete-o aos adquirentes de seus produtos e só beneficia as “elites agrícolas” 145. No entanto, a observação feita por esse autor diz respeito à submissão da agricultura familiar levada a cabo pelo pacote da Revolução Verde. Neste caso, então, o Sítio do Moinho, apesar de ter uma proposta de produção de alimentos que se diz inovadora por advogar uma ecorresponsabilidade social, não estaria se assemelhando, essencialmente, a uma empresa agrícola convencional? Seus proprietários ao firmarem o “contrato ‘guarda-chuva’” com os agricultores familiares não os estariam subordinando, também essencialmente, como as empresas do agronegócio, inseridas na lógica do capital de produção de mercadorias e extração de mais-valor? Com a certificação por auditoria do IBD representando o que já discutimos e com os dados apresentados e analisados até o momento, tendemos a concluir afirmativamente. Afinal, esses agricultores, pelas exigências que lhes foram feitas, não participavam das decisões de o quê produzir, como produzir e comercializar e nem da distribuição dos lucros. De qualquer forma, pensamos que seja um bom alvitre deixar tais questões ainda em aberto. Até porque esse foi um momento passado do Sítio do Moinho e ainda não foram analisadas as suas relações de trabalho internas.

144 145

THOMPSON apud COLLAÇO, 2003, p. 50. FAVER, 2004, p. 12.

50 Gostaríamos ainda de retomar o depoimento que vínhamos analisando. Na última frase do primeiro parágrafo, Dick Thompson distingue sem rodeios o valor da sua palavra em relação à dos agricultores familiares que o abasteciam. Caso contrário, não veria a necessidade de verificar se esses pequenos produtores estavam realmente praticando a agricultura orgânica. O que está manifesto é que para o proprietário do Sítio do Moinho a palavra desses agricultores não tem a mesma “classe” que a dele. No segundo parágrafo, Dick Thompson destaca a “qualificação social” que promoveu, afirmando que isto muito o alegrou. Novamente não há razões para se duvidar que um ser humano não se sinta feliz com a alegria do outro. No entanto, as relações sociais de comércio firmadas entre o proprietário do Sítio do Moinho e o conjunto dos agricultoresfornecedores são assimétricas e de conteúdo de classe; a decisão sobre o que plantar e com quem comercializar são exemplos. A entrega aos supermercados exigia um novo tipo de compromisso produtivo e comercial. O que só poderia ser alcançado se os fornecedores do Sítio tivessem pelo menos a documentação necessária para serem incorporados a esse novo mercado. A partir dessas considerações, julgamos que é possível retornar às questões suscitadas sobre a afirmação de Leonardo Faver em relação às duas certificações e ao atendimento aos mercados regional e nacional. Tanto a certificação do IBD quanto a certificação da ABIO possibilitavam que Dick Thompson comercializasse os seus produtos do Monte Caburaí (RR) ao Arroio Chuí (RS), pois não havia impedimentos legais. Por isso, não eram essas as razões para as duas certificações. Uma hipótese é que o selo SISSORG-ABIO, emitido pelo sistema participativo, como é uma alternativa ao elevado custo do selo por auditoria do IBD, fosse utilizado no mencionado “contrato ‘guarda-chuva’” entre o Sítio do Moinho e os agricultores-fornecedores. Foi o próprio proprietário que declarou no depoimento supracitado que estava sempre em contato com esses produtores para verificar se cumpriam as exigências da produção orgânica. A partir dessa certificação participativa, poderia comercializar os produtos com a marca própria do Sítio do Moinho e com o outro selo (IBD). Mas por que utilizar o selo emitido por auditoria e de custo muito mais elevado se já tinha a garantia do selo da ABIO? Bem, podemos supor que a seleta e bem informada clientela dos supermercados da zona sul do Rio do Janeiro se sentiria muito mais segura e, portanto, mais valorizada se visse nos produtos que adquiria o selo do IBD, uma empresa de projeção internacional. Assim, talvez o selo do IBD fosse uma exigência do grande comércio varejista. Mas e no caso das lojas, incluindo aí as de propriedade de Dick e Ângela Thompson, em que há um contato, mesmo

51 que inconstante, entre dono e cliente 146? Neste caso, a primeira suposição continua a ser válida. Mas também é possível, conforme o que conhecemos do universo mental de referências dessa pequena burguesia, que não fizesse um juízo de valor da mais alta “classe” sobre o nosso entrevistado ao vê-lo utilizar um selo emitido por agricultores familiares, pobres em sua grande maioria. Ainda mais que não tinha nenhum contato direto com qualquer um deles. A ausência de um selo emitido por uma certificadora de atuação nacional e internacional poderia passar a ideia para esse estrato social de um rebaixamento de status do Sítio do Moinho. Sentimento que o próprio Dick Thompson pode ter tido, haja vista que já expressara a sua insatisfação com a necessidade da certificação em si. Essa é uma hipótese para a sua decisão de se desvincular do quadro de associados da ABIO ao sair do grande comércio varejista, se é que esta desvinculação não aconteceu antes. Não comercializando mais em grande volume, não tinha mais a necessidade de tantos fornecedores e nem desse tipo de certificação. Não nos esqueçamos de que os atuais fornecedores são de outras cidades e apenas um é do Brejal, na Posse, 5º distrito de Petrópolis 147. Poupavase, além disso, de ter de participar ou enviar algum representante às reuniões ordinárias e extraordinárias da ABIO. Aliás, sobre o processo de certificação participativa que havia aderido em 1997, Dick Thompson apresentou as seguintes preocupações atuais: Participativa: eu, você, fulano, beltrano, 20 pessoas; vamos juntar, fazer uma associação! Eu vou ficar de olho em você, você em mim, eu nele, que se alguém mijar fora do penico, eles vão reclamar! Pra mim isto não acontece. (...) não vai sobreviver no Brasil! Se sou amigo do cara, eu não vou (...) indicar que o cara tá fazendo um erro no cultivo dele148. (Negritos meus).

E ainda em outro momento da sua entrevista enfatiza que: (...) é importante frisar isso – o que me surpreende muito é que (...) uns anos atrás tinha uma feira orgânica (...) no Rio de Janeiro. Hoje, têm 20, 25 feiras (...) espalhadas pelo Rio de Janeiro inteiro! De onde vieram esses produtores orgânicos de repente!? Quem certifica e... pior ou mais importante ainda, quem é que fiscaliza na feira que todo mundo que tá lá, oficialmente é um produtor orgânico? Não tem nota fiscal, vende não sei aonde e tal. Então, eu questiono! (...). Porque quem supostamente certifica e fiscaliza são certificadoras participativas. (silêncio breve). Eu não boto a minha mão no fogo, não. Mas, eu também não vou chegar e dizer acontece, porque eu não sei. Mas... eu questiono. Antigamente não tinha produção orgânica. De repente, 30 produtores apareceram.(...) se for verdade, ótimo! Porque está demonstrando o aumento da produção que é superimportante149. (Negritos meus).

146

A loja do Sítio do Moinho no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, só foi inaugurada em 2008. Mas antes disso, Dick Thompson fornecia para outras lojas da mesma região da cidade do Rio. 147 Um número bem inferior aos dezoito agricultores-fornecedores no momento de pico desse comércio. 148 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 102. 149 Idem, p. 105-106.

52 Está claro que não confia no processo de organização dos agricultores familiares e nem nos demais envolvidos. Agricultores, que além da necessidade da certificação, buscam uma forma de não se submeterem às condições e aos elevados custos das empresas de auditoria. O interessante, no entanto, é que quando necessitou da certificação participativa, a ela recorreu de alguma forma. Talvez por estar diretamente envolvido, não via maiores problemas, pois considerava que tinha controle sobre o processo produtivo de seus fornecedores. Em última instância, era a sua palavra de “classe” que dava aos procedimentos de certificação participativa a garantia de idoneidade. Por outro lado, antes mesmo de fornecer aos supermercados já buscava produtos fora do Sítio do Moinho para atender aos clientes domiciliares. Nessa época “as pessoas acreditavam na gente” e pelo que parece, ele confiava em quem lhe fornecia, mesmo não tendo “nada de certificação”. Dick Thompson ainda tem um fornecedor no Brejal que “é certificado às vezes pela ABIO ou por outras certificações participativas” 150. Ou seja, precisando, não há problema. Entretanto, pelo menos neste caso, Dick Thompson deixa transparecer certa “coerência” ao insinuar algum tipo de problema com os produtos fornecidos, já que na sequência completa, “mas é sempre uma pequena dor de cabeça o tempo todo. Ele prefere... E eu tenho muito receio [pausa] – é importante frisar isso – (...)151”. Insinua uma desconfiança sobre o seu fornecedor, mas cauteloso, deixa a dúvida pairando no ar e volta a sua atenção para o tema das feiras orgânicas da cidade do Rio de Janeiro, como mostramos anteriormente. Com isso, julgamos que a decisão dos proprietários do Sítio do Moinho de aderirem às certificações por auditoria (IBD) e participativa (ABIO) é muito mais complexa que a necessidade exclusiva de atender a um comércio regional ou nacional. É, inclusive, muito mais complexa que a simples e inexorável necessidade de adesão aos preceitos legais que impõem a certificação. Relaciona-se, dentre tantas outras necessidades, direta e contraditoriamente aos processos sócio-históricos de construção de confiança e desconfiança dinamizados no âmago da estrutura verticalizada de nossa sociedade. Dick Thompson é um neorrural sem quaisquer experiências anteriores com o conjunto dos costumes, hábitos, valores, ideias e crenças características dos pequenos agricultores familiares brasileiros. De onde veio, ou seja, do mercado financeiro, a palavra têm de estar documentada para ter caráter legal. Mesmo assim, esbarra em condicionantes de poder que podem impor outra palavra, ignorando os acordos sacramentados em papel. Por outro lado, em termos de conjunto social, o documento legal do agricultor familiar é firmado quando a própria palavra é verbalizada. 150 151

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 105. Idem.

53 Portanto, são universos sociais muito distintos e intrincados que passaram a se relacionar de forma ampla, adquirindo uma nova complexidade no âmbito de uma dinâmica contraditória entre novas e antigas ruralidades. A própria necessidade de certificar que uma produção é orgânica também não é aceita sem questionamentos pelos agricultores familiares. Afinal, por que os alimentos cultivados com o uso de agrotóxicos não veem acompanhados de um símbolo de advertência!? Poderia ser um V; produzido com o uso de veneno! Assim como se vem lutando para que os alimentos in natura ou os processados contenham em sua embalagem o símbolo

, caso tenham algum constituinte que seja transgênico. Como os transgêni-

cos permitem que uma maior quantidade de herbicida seja aplicada sem afetar a planta em cultivo, pois parte da sua estrutura genético-evolutiva foi alterada nos laboratórios de pesquisa, o símbolo de advertência poderia ser

-V; transgênico e envenenado.

3.13 – Dick Thompson: de produtor rural a empresário Finalizaremos este capítulo com uma visão geral da estrutura econômica do Sítio do Moinho. Abordaremos o processo organizativo da produção e comercialização forjado antes e durante o fornecimento de produtos orgânicos para o grande varejo. No período em que os proprietários do Sítio do Moinho plantavam e colhiam produtos orgânicos e as pessoas acreditavam neles, isto é, antes do fornecimento aos supermercados, Dick Thompson registrou-se no MAPA como agricultor; produtor rural John Richard Lewies Thompson, seu nome civil152. Em seguida, ele fundou a empresa Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. Seu objetivo era organizar e tornar ágil a comercialização dos alimentos colhidos. Conforme os clientes domiciliares cresceram, a demanda por produtos in natura e processados também aumentou. Foram iniciadas a compra e a comercialização de produtos não cultivados na região, como por exemplo, arroz orgânico, que vinha principalmente da região sul do Brasil. Dessa forma, a Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. transformou-se numa empresa de comercialização de produtos orgânicos. Em 2004, por sugestão de dois italianos, decidiram fundar a Molino d’Oro no próprio Sítio do Moinho “a primeira panificadora orgânica do Brasil! Certificado pelo IBD”. Mas Dick Thompson dá outro destaque a esta iniciativa, segundo ele:

152

Consta no Cadastro Nacional dos Produtores Orgânicos sob o CPF/CNPJ nº 00209708700, cujo escopo produtivo é caracterizado como Produção Primária Vegetal (PPV) (BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2014).

54 Na realidade, o importante é que isto foi a primeira vez que nós botamos um pé do lado de fora pra importar produtos! Nunca tinha feito isso antes. (...). Então, em 2012, (...) o Sítio do Moinho - pasme! – esta empresasinha, pequenininha, virou o maior importador de produtos orgânicos do Brasil! Não em volume; em variedade153.

A importação foi iniciada com a farinha de trigo produzida na Itália e depois ampliada para massas, azeites, patê e tantos outros produtos não fabricados no Brasil. Com o início da importação, o entrevistado vislumbrou uma nova aurora para o seu “lugar”; dividiu a empresa de comercialização Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos para permanecer no sistema SIMPLES de tributação. Na realidade, além da panificadora, fundou uma nova empresa, separando juridicamente a comercialização e a importação. A nova firma foi denominada de SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. Esta nova pessoa jurídica passou a ser a entregadora das cestas domiciliares e dos produtos aos supermercados e lojas. A empresa Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. foi reorganizada como importadora de produtos orgânicos e atualmente possui financiamento do governo federal. Isto pode ser conferido através da placa registrada por mim e inserida abaixo, apesar dos limites técnicos da imagem devido às condições de luminosidade no interior do galpão de recebimento 154.

153 154

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 101, 103. A imagem do interior desse galpão, onde essa placa está fixada, encontra-se à p. 42.

55 A apresentação desse complexo na internet é feita nos seguintes termos: O Sitio do Moinho é atualmente um núcleo de 60 pessoas, do produtor na horta à equipe de venda, nutricionistas, panificadora, passando por responsabilidades como gerência, administração, empacotamento, cozinha e refeitório, limpeza, semeio, manutenção, motoristas e entregadores. Todas essas etapas são parte de um projeto cujo propósito é produzir, promover e comercializar produtos orgânicos, objetivando sempre um padrão de excelência 155. (Negrito meu).

Por observação direta e através da análise dos dados levantados e construídos, podemos perceber que aquilo que é chamado de “núcleo” abrange um conjunto organizado de quatro entes econômicos. Nos limites da realidade socioespacial do Sítio do Moinho, e a partir desses limites, estão atualmente em plena atividade as seguintes organizações: 1. John Richard Lewies Thompson (pessoa física; produtor rural); 2. SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda, (pessoa jurídica); 3. Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda. (pessoa jurídica; importadora); 4. Molino D'oro Panificadora Ltda. (pessoa jurídica; padaria). Dessas quatro organizações socioeconômicas acima listadas, a que mais interessa para este estudo de caso é a do produtor rural John Richard Lewies Thompson. As relações sociais de produção engendradas em sua respectiva geografia, conformando um complexo socioespaço-temporal de atividade agrícola orgânica, serão o tema principal do último e seguinte capítulo.

155

SÍTIO DO MOINHO, 2014.

56

4 – Sítio do Moinho: produção e relações de trabalho As relações de trabalho em casos de empreendimentos de sucesso em nossa sociedade estão quase sempre ocultas ou são apresentadas como se fossem secundárias. O sucesso é mostrado como fruto do esforço e da capacidade individual do empreendedor e o emprego da força de trabalho como ato de preocupação social. Daí, expressões correntes como “dar emprego”, “deu muito emprego” etc. O emprego aparece como dádiva do empregador e não como necessidade absoluta de colocar em movimento o seu capital para ser reproduzido e ampliado. No entanto, a dádiva sempre é retirada quando surge no processo de competição do mercado uma nova tecnologia. Que ao invés de desempregar, pois seria antissocial, amplia o lucro através da economia de mão de obra. Em relação a este estudo de caso não tem sido muito diferente. Dick Thompson e as várias fontes consultadas têm-nos apresentado a sua capacidade e o seu dinamismo; transformou uma propriedade há tempos sem atividade agrícola em “um lugar” em poucos anos 156. Não que estas qualidades lhe sejam estranhas, muito pelo contrário. Afinal, alguém para ocupar o cargo, ou os cargos, que ocupou durante tantos anos numa das maiores instituições do mercado financeiro, atrás de mesas de operações com “milhões de dólares pra lá e pra cá” é no mínimo uma pessoa dinâmica e perspicaz. Não obstante, estas qualidades, apesar de necessárias, são insuficientes para o alcance do sucesso que nos é apresentado. Ainda não nos foi mostrada a relação social fundamental que permitiu engendrar esse processo a partir de certo capital já acumulado por esse neorrural anglo-brasileiro; a relação de trabalho estabelecida entre ele, proprietário dos meios de produção, e aqueles que trabalham em sua propriedade. Mais um exemplo dessa construção ideológica de representação social e ocultação do trabalho pode ser encontrado na página do Sítio do Moinho no facebook. Ao percorremos as cem (100) primeiras imagens publicadas entre 02 de janeiro e de 04 de junho do corrente ano, apenas uma incluía uma das trabalhadoras rurais. Mesmo assim, ela está ali por acaso; ocupa plano e posição sem destaque numa imagem que retrata certa reportagem sobre uma inusitada e controvertida técnica de produção. O experimento consiste em expor as plantas ao som de alguns movimentos de certas músicas clássicas, cuidadosamente selecionadas. O objetivo último é tentar aumentar a produtividade através do estímulo sonoro. A imagem mencionada foi originalmente publicada no dia 28 de abril e pode ser vista em seguida.

156

Na entrevista concedida ao portal Planeta Orgânico, afirmou que quando adquiriu o sítio “a terra estava parada há uns 7 anos” (PLANETA ORGÂNICO, s/d).

57 A informa

legenda

que

“uma

equipe do SBT esteve no Sítio essa manhã para conhecer nossas estufas e nossas verduras

que

crescem

com música... — em Sitio do Moinho horta orgânica - estufas com musica clássica”157. ID: Sem autoria identificada

Fonte: Facebook

Acesso: 04-jun-2014

Então, propomo-nos a apresentar as relações de trabalho estabelecidas entre o proprietário do Sítio do Moinho e aqueles que trabalham em sua propriedade. Antes, queremos reforçar que a parte da dinâmica socioeconômica que mais nos interessa para este estudo de caso é a atividade agrícola de produção orgânica do Sítio do Moinho. Por isso, passaremos a analisar neste capítulo como se estabelecem as relações de trabalho entre John Richard Lewies Thompson, detentor da terra e dos demais meios de produção, e os trabalhadores do campo de cultivo de sua gleba. Também queremos reafirmar que estará sempre em consideração o discernimento que a agricultura orgânica propala sobre si mesma em relação a certa sustentabilidade multidimensional. Destacamos novamente que de acordo com a legislação que rege esse ramo de atividade, a agricultura orgânica tem dentre seus objetivos “a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais (...)”158. Conforme ainda a legislação, para alcançar tais objetivos este setor da agricultura tem como diretriz basear as suas relações de trabalho “no tratamento com justiça, dignidade e eqüidade, independentemente das formas de contrato de trabalho”159. (Negrito meu).

157

FACEBOOK, 2014. BRASIL. Presidência da República, 2003. 159 Idem, 2007. 158

58 4. 1 – O atual patamar da produção Como já registrado, o Sítio do Moinho desde o início de sua atividade agrícola em 1989 optou pela olericultura orgânica, seguindo a orientação técnica do consultor da AGROSUISSE. A partir das primeiras cestas domiciliares entregues a demanda aumentou. A produção e a diversificação das espécies e variedades cultivadas também foram ampliadas. Também desde o início a agricultura orgânica é praticada no Sítio do Moinho por John Richard Lewies Thompson. Este produtor rural com registro no MAPA cultiva e colhe alimentos orgânicos que são vendidos verdadeiramente por um preço justo para a empresa SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. A SDM, que por sua vez possui galpões de recebimento e embalagem, câmaras frias, veículos climatizados etc, processa, embala, transporta e vende os produtos com valor agregado a uma seleta clientela da zona sul do Rio de Janeiro. Em linhas muito gerais é assim que se dá o processo de produção e escoamento dos vegetais cultivados organicamente pelo produtor rural do Sítio do Moinho, de acordo com as informações prestadas pelo Eduardo160. Atualmente são trezentas cestas domiciliares entregues semanalmente. A próxima meta é atingir a entrega de quatrocentas cestas por semana, conforme depoimento de outro entrevistado, o Evandro 161. Ainda de acordo com as suas informações, no Sítio do Moinho cultivam-se sessenta espécies de plantas de valor agrícola. Dentre elas, duas variedades de brócolis, duas de repolhos, ervilhas, couve-flor, três variedades de chicórias, cinco de alface, chuchu, ervas condimentares, medicinais e algumas espécies frutíferas. Na rápida visita ao campo de cultivo, feita já ao final do dia de trabalho, identifiquei bananeiras, pés de maracujá e de morango. O volume total colhido é considerável, mas apesar de o planejamento de plantio ser feito por m², nenhum dado sobre a produtividade foi obtido, isto é, a produção por hectare (produtos/ha). Algumas variedades de alface cultivadas em casa de vegetação podem ser vistas em seguida. O registro imagético digital foi feito por mim no dia 08 de abril, durante o estudo exploratório de campo 162. 160

Eduardo é formado em agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Trabalhou sete anos para John R. L. Thompson. Ao me conceder a entrevista era prestador de serviços, aguardando um substituto. Por motivos pessoais sairá de Petrópolis. Cf. APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 121-122. 161 Evandro. Técnico agrícola formado pela Escola Agrotécnica Federal de Machado – MG e gestor ambiental formado pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Trabalha como técnico agrícola há quase sete anos para o produtor rural John Richard Lewies Thompson. Cf. APÊNDICE B2 - 2ª Entrevista, p. 109-110, 113. 162 Todas as imagens digitais inseridas a partir de agora são de minha autoria e o meu nome está associado a cada uma. Todos os registros são do dia 08 de abril de 2014. Foram feitos com uma câmara amadora SONY, modelo DSC-WX7, pertencente ao patrimônio da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darci Ribeiro (UENF), sob a responsabilidade da professora Dra. Maria Clareth Gonçalves Reis.

59

As variedades de minialfaces em primeiro plano são chamadas de salanova verde e vermelha, respectivamente. Mais ao fundo estão as variedades lisa, mimosa e crespa das minialfaces salanova. As tubulações vistas na imagem são para irrigação por gotejamento; técnica que permite grande economia de água, pois as gotas são liberadas lenta e diretamente na superfície do solo, em torno da área do sistema radicular (raízes) dos vegetais. Na entrevista concedida por Dick Thompson, fomos informados que a água usada tanto na irrigação quanto na sua panificadora é captada de um poço artesiano de 103,0m de profundidade e “é cristalina, sem nenhum aditivo químico” 163. “Aditivo químico” neste caso é uma referência à água sanitária diluída que percorre, em particular, as tubulações dos grandes centros urbanos. A água clorada não só altera as qualidades organolépticas do pão quanto prejudica a fermentação natural, pois este processo é realizado por um fungo. Em seguida, em outra imagem digital, vê-se um tensiômetro em meio às alfaces, também em casa de vegetação. A parte inferior desse instrumento está localizada no limite da profundidade das raízes, no caso das alfaces, cerca de 20,0 cm, mas pode chegar até 40,0cm. O tensiômetro permite manejar a irrigação de forma simples. Na sua parte inferior há um material poroso, feito de cerâmica. Quando o êmbolo é acionado para cima ocorre um processo

163

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 104.

60 de sucção, sendo possível saber se há água disponível para as raízes. O tensiômetro, apesar de simples, raciona o uso da água ao indicar o teor de umidade do solo.

O cultivo em casa de vegetação, assim chamada pelos fitotecnistas (geralmente agrônomos e engenheiros florestais dedicados à reprodução de plantas) e estufa pelos não fitotecnistas, possui grandes vantagens. A principal é a possibilidade de desenvolver e controlar um microclima que se diferencie do externo. Com isso, há a possibilidade de se criar melhores condições de cultivo. A umidade do ar e do solo, assim como a temperatura de ambos, e a concentração de CO2, por exemplo, são fatores de produção naturais que podem ser mais bem controlados no interior dessa construção rural. Por outro lado, é um investimento que requer um aporte de capital considerável, geralmente inacessível aos pequenos agricultores familiares. John Richard Lewis Thompson está instalando em toda a sua área de cultivo casas de vegetação e coberturas plásticas. Elas podem ser observadas em diversas imagens inseridas ao longo deste texto, como a da reportagem da emissora de televisão. Na próxima imagem vemos dois trabalhadores da empresa contratada para a implantação dessas construções rurais escavando a terra para a fixação dos mastros. Notar nos planos posteriores aos canteiros de alfaces, diversos postes de fixação já instalados.

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Em seguida podem ser visualizadas três destas construções. Observar que as casas de vegetação são fechadas, o que possibilita certo isolamento do meio externo enquanto a outra é aberta nas laterais. Mesmo permitindo a troca de ar com mais facilidade, a temperatura sob a cobertura plástica chega a ser entre 3 ºC e 4 ºC superior à temperatura do ambiente ao redor.

Na sequência vemos com um pouco mais de detalhe o cultivo de rúcula sob a cobertura plástica que está registrada na imagem acima, à direita.

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Na propriedade de John Richard Lewis Thompson, as sementes das oleráceas cultivadas são adquiridas de empresas que as produzem sob a forma convencional de agricultura. Não existe no Brasil a produção de sementes orgânicas e sua obtenção na própria propriedade requereria um planejamento próprio e dispendioso. Com essas sementes são produzidas as mudas que serão transplantadas no campo. Este é o tema da próxima sequência imagética.

63 Abaixo, uma visão um pouco mais ampla de uma das áreas de transplante das mudas.

Trabalho de transplante de mudas acompanhado por dois quero-queros no canto inferior direito. Na sequência, a mesma operação com alguns detalhes há mais.

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Além do destaque da bandeja de mudas, do cano para irrigação por aspersão em primeiro plano, do cultivo de bananeiras ao fundo, notar a presença feminina e negra nesta atividade. Também vale ressaltar que as plantas que margeiam os canteiros assim como as que estão num planto imediatamente anterior às bananeiras nasceram espontaneamente. Próximo e entre às bananeiras predominam os capins. Este destaque é apenas para ressaltar que se a prática agrícola implantada não fosse a orgânica, tudo provavelmente estaria “limpo” pela aplicação de herbicidas. E se ainda não existisse preocupação com os processos erosivos, o solo estaria descoberto. Para a agricultura envenenada, o que não é a planta em cultivo costuma ser considerado um problema a ser combatido; ervas daninhas que competem por água, luz, nutrientes e reduzem a produtividade por hectare, reduzindo o lucro, consequentemente. Nas imagens da página anterior, assim como na maioria das outras do campo de cultivo, podem ser vistas áreas vegetadas com mata, formando um cinturão verde em torno dos hectares agricultados. Esta vegetação traz equilíbrio ao meio ambiente. Equilíbrio que é fundamental para que insetos e outros organismos não se tornem uma praga para os vegetais em cultivo. Também é fundamental para a proteção do solo, evitando ou diminuindo a intensidade dos processos erosivos. Também é importantíssimo para a preservação das fontes de água. Proteção que se estende para além da propriedade, alcançando no mínimo o seu entorno. A imagem seguinte, feita de outro ângulo, registra parte do mesmo campo de cultivo. Permite vislumbrar um pouco mais das áreas com mata. Ao fundo, do lado direito aos afloramentos rochosos, vê-se um deslizamento de solo provocado pelas intensas chuvas ocorridas em 12 de janeiro de 2011. Considerado o maior desastre natural do Brasil, com mais de 1.000 mortes registradas, oficialmente.

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Esse meio ambiente protegido e benéfico ao próprio ser humano só está nestas condições devido à prática agrícola atual. Qualquer alteração, seja nas partes vegetadas não incorporadas diretamente à área de cultivo ou através do uso de agrotóxicos e adubos químicos de alta solubilidade, afetará a totalidade do ecossistema local. Através das imagens inseridas até o momento é possível ter uma boa noção de que esta é uma área de produção agrícola orgânica bastante capitalizada. Todas as construções rurais e os demais insumos, como o plástico, objetivam ampliar de alguma forma o controle sobre os ciclos biológicos e diminuir a dependência das condições climáticas e do tempo meteorológico. Tais medidas inserem-se no interior da mesma lógica que tem atraído capitais para investimentos diretos na agricultura desde o surgimento da Revolução Verde; a garantia do retorno de investimento e ampliação do capital. Ou seja, lograr uma taxa média de lucro que geralmente só era obtida em atividades não agrícolas ou restritas à fabricação de insumos e equipamentos para este setor. Ou ainda limitadas aos ramos das atividades de beneficiamento industrial e comercialização dos produtos primários agrícolas. Percebe-se, portanto, que estamos diante de um processo de apropriação do capital por um tipo de agricultura que até então era relegada ou mesmo ridicularizada em amplos setores da sociedade. A começar pelas instituições de ensino e pesquisa de agronomia, engenharia florestal etc, assim como pelas instituições de extensão rural, que ignoravam a chama-

66 da agricultura tradicional. Considerada atrasada tecnologicamente e fadada ao desaparecimento nas sociedades modernas e desenvolvidas. Posição que começou a ser lentamente mudada com os movimentos de agricultura alternativa na década de 70 do século passado, já discutida no item 2.6 desta monografia. É nessa perspectiva de investimento que nos parece que o nosso neorrural, que buscava “um lugar”, decide pela agricultura orgânica. Não se restringe, inclusive, à atividade do produtor rural John Lewis Richard Thompson. Amplia o seu investimento nos procedimentos de pós-colheita; beneficiamento e comercialização. Comércio que inclui a importação de produtos orgânicos não encontrados no Brasil. A partir do próximo item passaremos a abordar outros aspectos necessários para dinamizar o processo de produção no campo de cultivo do Sítio do Moinho. 4. 2 – Planejamento, supervisão e execução do cultivo Todo o trabalho de produção no campo de cultivo, do qual até o momento só o vimos imagética e parcialmente no transplante de mudas, é realizado atualmente por dez (10) pessoas que trabalham para o produtor rural do Sítio do Moinho. Dentre esse conjunto de trabalhadores e trabalhadoras há na parte estritamente técnica, isto é, responsáveis pelo planejamento e supervisão da execução do trabalho, um agrônomo (Eduardo) e dois técnicos agrícolas (Evandro e Adeilton). Portanto, são sete os demais trabalhadores “sem” qualificação técnica mais específica. O agrônomo é o técnico responsável pela área de cultivo. A ele cabe a gerência geral da produção agrícola. Isto é, o planejamento do plantio; quando e como plantar. Assim como a responsabilidade pela compra dos insumos que não estão disponíveis na propriedade e são necessários à produção. Sementes, material de irrigação e pulverização, adubo orgânico e rochas moídas (calcário, principalmente) são alguns exemplos. Os técnicos agrícolas ocupam lugar intermediário entre o gerente e os trabalhadores rurais. São responsáveis pela orientação técnica; execução do plantio e cultivo. Avaliam as necessidades de irrigação, adubação e capina. Igualmente, as condições fitossanitárias (a saúde geral dos vegetais) e o momento da colheita. Em suma, são responsáveis por toda a supervisão da parte do cultivo propriamente dito, conhecido como manejo; do semeio à colheita. Na próxima imagem podemos ver à esquerda o Eduardo (engenheiro agrônomo). No plano posterior, atrás do trator, encontra-se o Evandro, o técnico agrícola do Sítio do Moinho que foi entrevistado. Ao volante, o motorista da concessionária fazendo a entrega do trator adquirido recentemente.

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Aos outros sete (7) trabalhadores e trabalhadoras “sem” qualificação, chamados no Sítio do Moinho de “auxiliares de produção”, cabe-lhes a execução direta da produção; semeio, plantio, cuidados com o cultivo e colheita. Enfim, são os produtores diretos, responsáveis pelo o que é conhecido como tratos culturais; capina da vegetação silvestre, adubação, irrigação e outros cuidados para que a produção efetivamente aconteça. Como pode ser observado abaixo, por exemplo, no trabalho de capina do Paulo César em área de cultivo de cebolinha, cenoura e alface.

Por isso, o termo “auxiliar” não expressa todo o trabalho, a responsabilidade e a capacidade dessas e desses produtores diretos. Inclusive, a preposição sem foi colocada entre

68 aspas porque todas as operações de produção exigem uma técnica de trabalho. Por exemplo, a utilização da enxada pelo Paulo César na capina é feita de forma a não aprofundar em demasia a parte metálica na terra. Se assim fosse feito, haveria mais terra solta, acarretando consequências na perda de solo e nutrientes arrastados pela chuva, que é o principal agente de erosão em nossas condições geoclimáticas. Mas além de técnica propriamente dita há algo mais em jogo na execução do trabalho agrícola. Referimo-nos em especial ao campo da subjetividade, sempre mobilizada durante a ação sobre a natureza: a identificação do trabalhador com o próprio trabalho agrícola. No caso do Paulo César, filho de agricultores, mas que estava afastado da lavoura antes de ingressar no Sítio do Moinho há quatro anos, quando indagado sobre o seu trabalho afirmou: É bom, né, cara!? Isso é be-be-beleza pura, né? (...). Tudo com negócio de pranta. (...). É muito bom. É ótimo”! [E ele] faz tudo; limpa, pranta, né? Só pra colher que eu não to treinado, assim. (...) Pra colher já tem as pessoas certo, que já entende, né? (...) O que tá bom de tirar. O que não presta, né164?

Como se vê, além de gostar do que faz, admite que para a etapa da colheita é necessário certo conhecimento que ainda não detém. Conhecimento empírico relacionado à fisiologia vegetal, sempre articulado na intermediação entre o pensamento e a ação, cuja imagem abaixo também sugere.

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APÊNDICE B6 - 6ª Entrevista, p. 131-132.

69 Em relação ainda à identificação com o trabalho agrícola, gostaríamos ainda de expor a opinião de uma lavradora e de um trabalhador, ambos do campo de cultivo, que foram entrevistadas: a Marlene e o Marcos165. Marlene, que segundo Dick Thompson “tem uma mão fantástica”, era empregada doméstica antes de ingressar no Sítio do Moinho na entrada do milênio (2000) e esta foi a primeira experiência dela na agricultura. Durante os primeiros quatro (4) anos trabalhou como meeira ao lado do seu marido que já estava no Sítio, mas hoje não mais. A partir de 2010, estabeleceu outra relação de trabalho com o proprietário. É a cultivadora das ervas aromáticas e medicinais do Sítio. Quando indagada sobre o que mais a atraía no trabalho que executava, respondeu: “Ah, eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito. Eu não sei fazer outra coisa, pra te falar a verdade! (Risos)”. E reforça: “Eu gosto da terra. Eu gosto disso aí. Eu gosto do que eu faço (silêncio)” 166. Vejamos ainda o trecho da entrevista em que é indagada se toparia trabalhar em outro local, com outra técnica de produção que não fosse a orgânica: · Teria pra você alguma diferença se (...) tivesse que trabalhar num outro local que usasse é... agricultura da forma convencional? ♦ Aí, seria ruim, né? Ia ser difícil. Aí, eu nem ia mexer com isso aí, mais não! (Risos). · Mas por que, especificamente? ♦ Eu ia fazer outra coisa. Ah, porque faz mal, né? Não é bom, não. Se fechar o Sítio, eu vou trabalhar de outra coisa. Não vou mexer com planta mais, não. (Risos) 167. (Negritos meus).

Pelo que parece, esta lavradora já interiorizou no seu quadro mental de referências o gosto pela labuta numa agricultura livre dos agrotóxicos. Se tivesse de sair da produção orgânica, conforme afirmou, procuraria outra ocupação que não fosse o trabalho com a terra e as plantas. Na sequência há duas imagens em que podemos vê-la no campo de cultivo junto de parte de “suas” ervas. Na primeira, próximo a ela, é visto uma moita de capim-limão ou capim-cidreira, cuja folhagem longa e fina é utilizada como chá, pois se considera que tenha propriedades medicinais. No canto inferior direito podemos ver um pé de manjericão verde, muito utilizado como condimento.

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Enquanto entrevistava a Marlene, o Evandro se aproximou com o Marcos, o trabalhador mais recente no Sítio do Moinho. Eles se limitavam a ouvir o que eu indagava a Marlene, mas em certo instante o Marcos fez um comentário e a partir disso a entrevista tornou-se coletiva. 166 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 117. 167 APÊNDICE B3: 3ª Entrevista, p. 114.

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A rede vista acima é para diminuir a energia potencial das grandes gotas de chuva em dias de tempestade, mas principalmente contra a queda de granizo. Chuva torrencial e granizo

71 podem trazer grandes estragos aos cultivos e em particular há algumas das ervas mais delicadas. Abaixo, ao centro e em primeiro plano, detalhe do pé de manjericão, que é chamado no Sítio do Moinho, por quem lavra a terra, de alfavaca. Nos canteiros laterais há outras ervas. À direita do manjericão, orégano (rasteiro).

O terceiro trabalhador entrevistado, Marcos, já havia exercido atividades na agricultura, mas estava afastado delas há alguns anos. Também trabalhava “mais em obra” e veio para o Sítio do Moinho porque estava sem emprego. À época do estudo exploratório de campo encontrava-se em fase de experiência, pois havia chegado há apenas um mês. Sobre o trabalho na agricultura afirma que: Se o cara não gostar, não adianta. Que a pranta num se sente. Cuida dela direitinho. Ela se sente também. Ela vem bonita. Agora, tu cuido de mau vontade, ela se sente. Qualquer pranta. Prantá também. Quando tu pranta com amor, elas vêm bonita quando tu ranca os mato. Agora, tu arrancá com ignorância, com raiva; até isso sente. Tem gente que pensa que não, mas elas sente168.

Quando foi indagado se teria alguma diferença para ele trabalhar na agricultura orgânica ou na convencional, respondeu: “Não. Não. Fica tranquilo. (...). Se sair daqui e tiver outro lugar, eu garro assim mesmo, também. Num esquento, não”169!

168 169

APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 116-117. Idem, p. 118.

72 Apesar de sua aparente indiferença, o que ficou caracterizado pela entrevista é que ele ainda não compreendeu o que é a agricultura orgânica. Mais que isso, acredita que no Sítio do Moinho são usados os mesmos insumos químicos industriais. Quando tentei esclarecer melhor a pergunta, afirmando que ali não eram usados tais insumos, ele contestou afirmando que “tem esses negócio, sim. Que eles bota aí. Às vez eles mistura alguma coisa. (...). Esse negócio de líquido. Essas coisa assim” 170. Como começou a trabalhar no Sítio do Moinho há apenas um mês, ainda não teve tempo de entender que a agricultura orgânica não leva veneno. Essa confusão se dá, provavelmente, porque já viu o pulverizador costal em uso. Este equipamento é muito utilizado para a aplicação de agrotóxicos, por isso ele o associou com “esses negócio”. No entanto, o produto líquido aplicado pode ser um extrato de adubo orgânico ou as caldas para o controle de doenças causadas por fungos, de uso permitido por serem praticamente atóxicas ao ser humano. Em seguida vemos o galpão dos insumos agrícolas para uso na agricultura orgânica. Neste local são acondicionadas as sementes e os substratos para a produção das mudas. Os barris em primeiro plano são para a guarda dos biofertilizantes. Depois da decantação dos substratos mais densos, sobra uma emulsão rica em nutrientes que é aplicada através dos pulverizadores diretamente sobre a folhagem; é a adubação foliar. Um desses instrumentos pode ser visto na imagem abaixo. Está em cima da mesa e tem coloração amarela.

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APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 117.

73 4. 3 – As condições de trabalho O Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007 que regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, registra no artigo 5º, do Capítulo I, das relações de trabalho que “nas unidades de produção orgânica deve ser observado o acesso dos trabalhadores aos serviços básicos, em ambiente de trabalho com segurança, salubridade, ordem e limpeza” 171. Vejamos, então, as condições de trabalho que foram passíveis de observação no dia do estudo exploratório de campo. As terras de cultivo do produtor rural John Richard Lewis Thompson situam-se há 2,0km após o ponto final do ônibus que parte do Terminal de Itaipava para Santa Mônica. Para sanar a dificuldade de chegada dos trabalhadores até à propriedade, o Sítio Moinho disponibiliza uma Kombi para buscá-los pela manhã e levá-los ao fim da jornada de trabalho. Tive a oportunidade de utilizar esse transporte quando a última viagem até o ponto foi feita. Em relação à moradia, conforme informações do Eduardo, o Sítio põem à disposição oito vagas em alojamento para aqueles que necessitam residir no local de trabalho porque não são do município. Os estagiários também podem se acomodar nesse espaço. São quartos coletivos para até três pessoas. A informação é de que o aluguel é simbólico, mas o preço não foi informado. Atualmente há três pessoas ocupando as dependências do alojamento. Dos trabalhadores do campo, apenas o Evandro reside no próprio Sítio, pois é de Minas Gerais. Também havia um estagiário do curso de agronomia, de Londrina, no estado do Paraná. O Sítio também fornece aos trabalhadores das quatro empresas um vale mensal para compras em supermercados da região. Novamente, o valor não foi mencionado. Há cozinha e um respectivo refeitório onde é servido a todos que trabalham no Sítio as seguintes refeiçoes: café da manhã, almoço, café com pão à tarde e janta para os alojados. Ainda segundo o Eduardo, o preço total das três refeições é próximo de R$1,00 por dia. Os vegetais que compõe a salada são todos do produtor rural do Sítio ou que chegam dos fornecedores e por estarem fora do padrão de qualidade não são vendidos. Arroz, feijão e carne são adquiridos nos supermercados da região. No dia da visita de campo fui gentilmente convidado para almoçar pela gerente do escritório, Verônica Oliveira. Por motivos que abrangiam tanto a necessidade premente de sanar exigências fisiológicas quanto às da dimensão etnográfica, aceitei penhoradamente. Com isso, pude mais que observar; experimentei a qualidade dos alimentos orgânicos servi-

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BRASIL. Presidência da República, 2007.

74 dos na salada, assim como a destreza do cozinheiro. Em seguida, o registro imagético do local de refeições172.

No que tange ao aspecto legal mencionado no início deste item, nossa pesquisa empírica, apesar de ligeira, tende a comprovar o prescrito em lei, ao menos minimamente. Se há algum aspecto que não está conforme a prescrição legal, não foi empecilho para a obtenção da certificação. O que não significa que as relações se diferenciem essencialmente da relação entre capital e trabalho, comum à sociabilidade burguesa. Ainda de acordo com o gerente geral da produção agrícola, cada trabalhador do campo desempenha uma atividade específica; capina, pulverização (adubação foliar e caldas) e manuseio do microtrator foram alguns exemplos citados. É o caso do Paulo César que só executa o trabalho de capinação. O microtrator é usado como meio de transporte dos vegetais colhidos, para a feitura de canteiros e para uso da roçadeira. Foi adquirido recentemente e pode ser visto abaixo sendo retirado do caminhão de entrega com a roçadeira acoplada à traseira. Essa máquina motora agrícola chegou exatamente no dia do estudo exploratório de campo, na parte da tarde. 172

As condições de luminosidade eram desfavoráveis, mas como se dizia no meio fotográfico profissional, antes uma fotografia ruim que nenhuma fotografia. Isto continua sendo válido para o universo da imagem virtual. De qualquer forma, para os objetivos deste trabalho de campo é uma imagem que contém dados. Gostaria apenas de destacar que o local não é tão grande quanto parece; os planos estão distanciados. Este efeito visual é inevitável devido às características ópticas da objetiva grande angular. Usada para abranger toda a área do refeitório.

75 Apesar desse novo equipamento, a enxada ainda é o instrumento de trabalho mais utilizado nas terras de John Richard Lewis Thompson.

A carga horária de trabalho segue a determinação constitucional da jornada de 44 horas semanais. Fui informado pelo Evandro, que a jornada semanal é cumprida de segunda a sexta-feira. No sábado e no domingo são escalados os que tiveram as duas folgas durante a semana. A carga de trabalho diária é de 8h e 48min; entrada às 7h, com 1h para almoço, e saída às 16h e 48min. 4. 4 – A parte que te cabe dessa produção O Sítio do Moinho, “cuja meta é produzir, promover e comercializar hortaliças orgânicas, objetivando sempre um padrão de excelência”, estabelece relações de assalariamento com todos os seus trabalhadores. Incluem-se, obviamente, aqueles que labutam diretamente no campo de cultivo, cujas relações de trabalho interessam para este capítulo. Conforme Dick Thompson, quando em sua entrevista discorria sobre os primeiros tempos da implantação da agricultura orgânica em seu “lugar”, tudo o que era feito estava “estritamente dentro das leis do país. Todo mundo com carteira assinada. Todo mundo com os

76 seus direitos em dia”173. Desde o início, por suas próprias palavras, compreende-se que os trabalhadores são assalariados sob o regime da CLT. No entanto, o salário a ser recebido pode ser a base mínima de participação dos produtores de valores de uso na repartição da riqueza gerada. Dick Thompson deixa entender isso quando explana sobre outro selo de certificação emitido pelo IBD, pago por um tempo e dispensado depois. Ele afirma que: Fomos a primeira e única empresa de agricultura, de hortaliças etc, que conseguiu o selo EcoSocial. [Explica que] EcoSocial era o selo que vinha e que demonstrava a forma com a qual a gente lidava e tratava com (...) os nossos funcionários. Se você entrar no site – (...) www.ibd.com.br – deve ter alguma coisa sobre a filosofia do selo EcoSocial. Aí, isso vai te demonstrar uma filosofia complementar que nós tínhamos na forma de tratar os funcionários, mas que custava uma fortuna! E que não levava a nada porque nós não conseguíamos vender mais por causa do EcoSocial. E como (...) a gente fazia de que qualquer forma o que távamos fazendo aqui, (...) decidimos parar com o selo”174. (Negritos meus).

Sempre racionalizando a sua atividade, leva-nos a concordar com o argumento apresentado. Afinal, por que pagar por um selo que não ampliou as vendas nem para cobrir os seus próprios gastos e que não alterava em nada a relação que já mantinha com os trabalhadores da sua propriedade? Seria ilógico em qualquer lugar do mundo manter tal certificação; um custo a mais com o mesmo parâmetro de responsabilidade social. Já “que custava uma fortuna”, poderia ser distribuído na totalidade ou em parte entre todos. Porém, esta relação de trabalho diferenciada não se evidenciou pela entrevista e nem pelas observações diretas. Assim, por que não seguir a sugestão feita e procurar no portal do IBD alguma informação sobre o selo EcoSocial? Esta certificação pode nos informar algo sobre o caráter da tão propalada responsabilidade social que os praticantes empresariais da agricultura orgânica fazem questão de afirmar que seguem. Ainda pode esclarecer a “filosofia complementar” do produtor John Richard Lewis Thompson na relação de trabalho estabelecida com os trabalhadores do seu campo de cultivo. De acordo com o que consta no portal do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural: A Certificação EcoSocial se aplica a empresas, propriedades e grupos de produtores que visam desencadear um processo interno de desenvolvimento humano, social e ambiental fomentado por relações comerciais baseadas nos princípios do Comércio Justo. (...) visando a melhoria contínua nos aspectos socioambientais (Condições de Vida e de Trabalho, Conservação e Recuperação Ambiental)175.

173

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 98. Idem, p. 100. 175 IBD, 2014. 174

77 “Comércio Justo” é uma expressão bastante subjetiva, pois depende da apropriação que determinada classe social ou fração desta classe faz do termo na defesa dos seus interesses. Para as grandes transnacionais da agricultura, por exemplo, o comércio de transgênicos é um comércio justo; tudo é legalizado e os preços são acessíveis à maioria dos agricultores. Mas pra quem está vinculado ao tipo de agricultura que estamos discutindo aqui, os transgênicos representam a completa subordinação dos produtores à indústria. Comércio, portanto, na sociedade atual é o lócus da realização do valor que se expressa no valor de troca das mercadorias. Está submetido ao jogo de forças presentes no mercado burguês, mesmo que apresente alguns princípios comerciais que tentem se diferenciar das práticas dominantes 176. Apesar disso, há um detalhe na citação anterior que particularmente nos interessa; a busca contínua pela melhoria das “condições de vida e de trabalho”. Vejamos um pouco mais sobre quais são os critérios necessários para a obtenção do selo EcoSocial. De acordo com Jackie Bowen “o programa EcoSocial capacita agricultores e trabalhadores em países em desenvolvimento - cujos produtos e ingredientes são exportados para o resto do mundo – para avaliar sua situação, identificar oportunidades, desenvolver metas e implementar soluções” 177. (Negrito meu). Parece-nos que o principal objetivo desta certificação é levar algum tipo de garantia ao mercado internacional, para o qual os produtos com o selo EcoSocial seriam destinados. Neste caso, a primeira observação é que em nenhum momento de seu depoimento Dick Thompson falou em exportação, mas apenas em importação. Vejamos ainda mais um pouco sobre o que o autor citado tem a nos informar sobre o selo em questão. [Os] Objetivos são determinados de forma colaborativa com a participação de trabalhadores em todos os níveis, através de um comitê de gerenciamento das partes interessadas. Após a priorização das demandas encontradas pela organização, o comitê seleciona ao menos dois projetos de melhoria ambiental e dois de melhoria social para promover melhor qualidade de vida e aumentar a conservação. Por exemplo, um produtor de arroz na Tailândia escolhe garantir acesso à água potável para a comunidade e melhorar a educação infantil 178. (Negritos meus).

O programa EcoSocial inclui os trabalhadores no processo de decisão. A certificação EcoSocial garante que o artigo comercializado está de acordo com a legislação trabalhista

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Acreditar que o comércio de mercadorias praticado por empresas possa ser justo por causa de alguns princípios que o norteiam é acreditar na mesma preocupação social defendida por muitas ONGs. A este respeito o longa Quanto vale ou é por quilo? lançado em 2005 pelo cineasta Sérgio Bianchi é bastante elucidativo sobre a responsabilidade social e o financiamento empresarial. Cf. Quanto vale ou é por quilo? Direção: Sérgio Bianchi. Roteiro: Eduardo Benaim, Newton Cannito e Sergio Bianchi. Rio de Janeiro: Agravo Produções Ciematográficas, Riofilme, 2005. Disponível em DVD. 177 BOWEN, s/d, p. 1. 178 Idem.

78 nacional e a OIT, incluindo a “oferta de salários e condições de trabalho justas, proporcionando moradia adequada, cuidados médicos e oportunidades educacionais (...)”179. Aspecto fundamental para o nosso estudo de caso é a “participação de trabalhadores em todos os níveis”. Mas participação em quê? No processo de decidir o que cultivar? Qual o destino da produção? Quando e como comercializar? Pelo exemplo do produtor de arroz na Tailândia, não nos parece que sejam essas as participações referidas. Ou seja, no processo produtivo interno da propriedade não é necessária a participação dos próprios trabalhadores. As decisões cabem ao proprietário, ou à gerência, ou a ambos. A mencionada inclusão de trabalhadores na gestão sugere que é à gestão destinada ao programa de ação social externo à propriedade. Neste caso, o que aparenta é que os trabalhadores seriam utilizados como mão de obra não remunerada em projetos de ação social. Teria sido isso que fez com que Dick Thompson abandonasse a Certificação EcoSocial? Questões trabalhistas não lhe acarretariam a perda do respectivo selo, pois estavam sendo cumpridas plenamente, segundo suas informações. Seria pelo fato de ele não querer disponibilizar os seus trabalhadores para uma atividade que lhes ocuparia um tempo precioso e não traria dividendos? Ou não conseguiu convencê-los da importância de participarem de algum projeto social que levaria o selo do Sítio do Moinho? Ou, além disso, não conseguiu preparar algum projeto dessa envergadura que lhe desse o devido retorno? Nada foi mencionado sobre isso. Dick Thompson deixou claro que não conseguiu “vender mais por causa do EcoSocial.” Evidenciou que objetivava o aumento das vendas e, consequentemente, a obtenção de maior taxa de lucro. Por outro lado, ter seguido a sua sugestão de investigação não nos esclareceu sobre a “filosofia complementar” que tem no trato com os funcionários do Sítio do Moinho. Também não deu informações sobre como é distribuída a riqueza produzida, além da indicação do assalariamento e observância da CLT. Sendo assim, recorrer aos trabalhadores entrevistados pode ajudar nesta questão. Marlene quando indagada se podia levar parte da produção para casa, respondeu que “quando eles liberam, a gente leva (...). Alguma coisa sobrando. Aí, eles dão pra gente”180. Na sequência o Evandro complementa quando exemplifica que se colheu “um lote. Sobrou algumas alfaces que não dá pra vender. Aí, eu dou pra eles” 181. Não são vendidas porque estão fora do padrão de qualidade, principalmente em termos de tamanho, mas nem por isso signifi179

BOWEN, s/d, p. 1. APÊNDICE B3 - 3ª Entrevista, p. 115. 181 APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 116. 180

79 ca que perderam a qualidade nutricional. De qualquer forma, só podem ser levadas porque seriam descartadas. Mesmo assim, poderia existir uma área de cultivo específica para os trabalhadores produzirem os alimentos que desejassem e caso desejassem. O que poderia ser feito na área adquirida recentemente de 16.000,00m². São terras contíguas ao Sítio do Moinho e que ainda não foram incorporadas à produção. Requerem um prazo de descanso para descontaminação do solo, exigência da prática agrícola em debate182. Todavia, não há esta área. A produção é completamente voltada para atender “ao mercado”, como confirmou o Eduardo em sua entrevista183. A única parcela que os trabalhadores recebem pelo seu trabalho é na forma de salário, conforme a legislação que rege a relação entre capital e trabalho. Ainda de acordo com o agrônomo do Sítio, na agricultura orgânica não se “pode liberar os certificados se não tiver com (...) os funcionários registrados de acordo com a lei. (...). Não tem porque inventar (...) tem que tá de acordo com a lei trabalhista 184. Esta posição, como não poderia ser diferente, é a mesma do proprietário do Sítio do Moinho. Ao ser indagado se enfrentava algum problema em seu empreendimento agrícola devido à legislação que regula o trabalho, afirmou que “não. (...). Lei trabalhista é tudo a mesma coisa. (...). Não tem benefício. Não tem vantagem. Não tem nada. É a lei trabalhista”185. A legislação que o preocupa é outra. Para Dick Thompson os grandes problemas “são os novos parâmetros federais para esse nosso universo orgânico no Brasil. (...). A legislação [ênfase dele]. Os parâmetros de o quê que eles consideram orgânico, o quê que pode ser orgânico, o quê que não é”186. Esta insatisfação deve-se às determinações judiciais de recolhimento de produtos orgânicos importados por sua empresa e que já estavam em circulação187. Fizemos tão somente um brevíssimo parêntesis comparativo das preocupações em relação às normatizações em que o empresário se vê envolvido. Retomemos a discussão sobre a questão do trabalho neste ramo econômico da agricultura, pois a nossa abordagem sobre o tema ainda não pode ser dada como finalizada. Num país como o nosso em que são correntes as denúncias de trabalho escravo, principalmente no meio rural e agrícola, é um avanço social e político considerável o respeito à 182

APÊNDICE B1.1 - 1ª Entrevista (2ª parte), p. 108. APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 123. 184 Idem. 185 Idem, p. 122-123. 186 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 101. 187 Cf. RIO DE JANEIRO, 2011, p. 22. 183

80 legislação trabalhista 188. Ainda mais como exigência para o reconhecimento da própria atividade, conforme são hoje os parâmetros exigidos para uma prática agrícola ser considerada orgânica. Por outro lado, também é sabido que desde o anúncio do “fim da história”, com a queda do bloco socioeconômico liderado pela URSS, o mundo do trabalho está sob ferrenho ataque do capital. No Brasil, em nome da competitividade, a legislação trabalhista é constantemente ameaçada através de projetos de leis encaminhados ao Congresso Nacional pelos governos federais democraticamente eleitos189. Essas ameaças têm sido chamadas eufemisticamente de “flexibilização trabalhista”. Por exemplo, incluem a liberação das negociações diretas entre patrões e empregados para a redução de salários, aumento de carga horária de trabalho etc, desconsiderando a legislação vigente. O mote é que o negociado prevaleça sobre o legislado, como se existisse equidade de forças entre capital e trabalho. E mais ainda, como se as condições de trabalho consignadas nos termos da lei atendessem plenamente as necessidades dos trabalhadores e de suas famílias. Como se com essa legislação fosse possível a construção de uma sociedade definida pelos parâmetros de liberdade, igualdade e fraternidade. Como se todos e todas já tivessem o acesso garantido à terra, trabalho, alimentos, saúde, paz, lazer, arte e ensino de qualidade, dentre outras conquistas só acessíveis a poucos. Então, de imediato cabem duas questões. Primeiro, se houver alterações na legislação trabalhista, com drásticas reduções de direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora brasileira, os empreendimentos de agricultura orgânica, como o Sítio do Moinho, aderirão formalmente a tal legislação e receberão a certificação pertinente? Segundo, se assim o fizerem, não estarão desconsiderando os aspectos éticos de sua tão propalada sustentabilidade multidimensional, com destaque para a tal da responsabilidade social? Se assim acontecer, certamente confirmarão que além de já não ter benefício, não ter vantagem, não ter nada, parafraseando o empresário entrevistado, seguirão uma lei que poderá desembocar, em última instância, na revogação de outra: a Lei Áurea. Feitas tais considerações, julgamos relevante explicitar a remuneração recebida por aqueles que trabalham para o produtor rural do Sítio do Moinho. A legislação pertinente determina que não pode haver salário pago abaixo de um valor mínimo definido anualmente. O produtor rural John Richard Lewis Thompson paga aos ingressantes, como é o caso do Marcos, esse salário mínimo. A partir deste patamar o trabalhador ou a trabalhadora pode alcançar outras faixas salariais, dependendo de sua dedicação e do tempo transcorrido no Sítio. Por 188

Sobre os estudos recentes de trabalho escravo no Brasil, sugerimos o trabalho organizado por Leonardo Sakamoto (2007). 189 Sobre a perda dos direitos trabalhistas, sugerimos a consulta do artigo publicado em conjunto por Lourival Oliveira e Dayane Cunico, em 2010. A referência completa está na bibliografia

81 exemplo, a Marlene, a trabalhadora da “mão fantástica”, que está há mais tempo no campo de cultivo (14 anos) “deve tá aí com uma faixa de um (1) salário e meio, fora (...) os benefícios que (...) incluem (...) o tempo de trabalho, né”190? Como o próprio Eduardo reconhece, “não é muito, né? Isso é um complicador também”191. Complicador de permanência do trabalhador e da trabalhadora, apesar de ser o campo de cultivo o setor de menor rotatividade do Sítio do Moinho. A permanência aí gira em torno de um (1) ano. Ainda na opinião do agrônomo: A pessoa que trabalha no campo tem um status bem, bem ruim. Apesar de muitas vezes (...) em termos financeiros [ser] melhor do que muito outro emprego aí. Na cidade! (...). Não tem mais trabalhador rural. Cê tem gente que vem e aprende a fazer o serviço (...) mas muitas das vezes não é aquilo que ele quer. Ele tá aqui por (...) necessidade pessoal que depois que ele acha um outro lugar, ele vai. Esse é um dos problemas que a gente tem192.

Dick Thompson também ressalta esse problema da permanência da força de trabalho. No entanto, a ênfase é dada a partir do seu ponto de vista de classe, pois afirma que “mão de obra pra nós é a maior dor de cabeça. Muito difícil! [Ênfase dele]. Porque nós estamos num lugar distante. É difícil pegar o peão... porque o peão prefere trabalhar não sei aonde, ao em vez de ficar se dedicando...[como, por exemplo] pessoas que tão conosco há 20 anos. Porque são pessoas que se conscientizam, que gostam do que fazem”193. (Negritos meus). A legislação que rege o universo dos orgânicos, englobando inclusive o reconhecimento dos produtos importados, pode ser modificada. Até mesmo porque está em constante debate. Já a consciência dos trabalhadores não pode ser mudada legislativamente. Por isso, o entrevistado destaca essa dificuldade e novamente explicita o seu caráter neófito em relação ao universo rural. Em mais um aspecto assemelha-se aos casos estudados por Gian Giuliani. Vejamos o que este autor verificou sobre os neorrurais da região serrana fluminense: (...) "os empregados" parecem ser o único e verdadeiro problema que os "novosrurais" enfrentam. Todos eles afirmam que seus trabalhadores resistem em adotar as novas técnicas ou não têm cultura suficiente para assimilá-las. Além disso, os "empregados" nunca demonstram ter a paciência e a determinação indispensáveis para enfrentar as constantes dificuldades, problemas e imprevistos. Eles querem um horário de trabalho "frouxo" e um salário de quem mora na cidade. Aliás, sempre estão sonhando com a cidade e na primeira oportunidade deixam tudo (...)194.

Tentar convencer o “peão” da grande virtude que é trabalhar para ele, Dick Thompson, é sempre uma grande “dor de cabeça”. Afinal, ele é um produtor rural orgânico que respeita as leis trabalhistas. Além disso, o “peão” pode desfrutar de um ambiente de trabalho 190

APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 126. APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 126. 192 Idem. 193 APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 106. 194 GIULIANI, 1990. 191

82 agradável e saudável. Pode usufruir do benefício que esta prática agrícola lhe traz, pois não tem veneno. Pode levar para casa o que não é comercializado. Tem a seu dispor uma alimentação de qualidade e a preços reduzidos no refeitório do Sítio. Com tudo isso, o que mais poderia almejar? Por que, mesmo tendo todas essas condições de trabalho, ainda decide se retirar para o ambiente citadino; um não-lugar com seu ar poluído e muitas vezes fétido, com água clorada, com asfalto e cimento, com barulho que ensurdece, enfim, sem vida? Caudatário das relações sociais do setor financeiro, não passa pelo pensamento do dono das terras do Sítio do Moinho que as relações de trabalho que estabelece com o “peão” possam ter quaisquer semelhanças com aquelas vividas por ele; alienantes. A sujeição às intempéries, o esforço físico dispensado no trabalho com a enxada, a distância da residência, a não identificação com o que é produzido e, como frisou o Eduardo, o status social baixo de um trabalhador rural junto ao restante do corpo societário são coisas menores. Mais que isso, são dimensões simplesmente incompreensíveis para um neorrural que possui um arcabouço de ideias que explica e justifica o mundo do grande capital. Por isso, Dick Thompson não compreende como um trabalhador rural pode trocar as condições de trabalho que ele oferece por um emprego no comércio para ganhar o mesmo salário mínimo, como geralmente acontece. Quanto à participação no processo de tomada de decisões sobre a produção e a comercialização, a Marlene afirmou que “na verdade, eu só cuido das minhas pranta, né? (...). Porque nas ervas, só eu que mexo”195. É o Eduardo quem nos esclarece mais detalhadamente sobre o planejamento geral do que vai ser plantado e de como a produção colhida é comercializada. A gente recebe informação (...) da quantidade que o setor comercial consegue vender e o que precisa, né? Pra atender os clientes. A gente transforma isso em metro quadrado (m2) no campo. Transforma isso, no viveiro de mudas, em bandejas de muda. Agora, o que vai ser produzido aqui, dentro do Sítio, é uma discussão interna que envolve o campo, eu, né? Os diretores. Os donos, né? E o gerente geral. E um consultor também, de fora. A gente tenta enquadrar aquilo que a gente quer produzir. Tenta chegar num consenso do (...) que os donos gostariam de ver e o (...) que tem um rendimento bacana e que é possível plantar na nossa área 196.

Com maquinário ou instrumentos mais simples percebe-se que a agricultura orgânica praticada é racionalizada ao máximo. Há uma típica divisão de trabalho feita nos parâmetros do taylorismo-fordismo. Há uma hierarquia a ser cumprida a partir do planejamento geral feito pela gerência e que segue através da supervisão e da execução especializada no campo.

195 196

APÊNDICE B4 - 4ª Entrevista, p. 118. APÊNDICE B5 - 5ª Entrevista (1ª parte), p. 123.

83 Ao final desta correia de transmissão obtêm-se os produtos orgânicos com o padrão de excelência anunciado pelo Sítio do Moinho em seu portal na internet. A explanação bem detalhada do agrônomo diz respeito a como se dão as resoluções para o campo de cultivo. No entanto, para uma compreensão mais ampla de como as decisões são tomadas na totalidade das relações socioespaciais do Sítio do Moinho, nada mais adequado que a palavra do próprio proprietário. Sobre isso, Dick Thompson deixa claro que: As decisões finais são minhas e da minha esposa, Ângela. Temos duas pessoas que nos ajudam muito aqui. Uma é a Adriana, a nossa nutricionista, e o nosso gerente geral, que é o Cleber. Este grupo de quatro pessoas sempre tomou as decisões todas. A decisão final é minha. Mas, a gente coloca numa mesa as ideias, isso, aquilo. Por exemplo, conceitos, filosofias e detalhes (...)197. (Negritos meus).

Por outro lado, voltamos a destacar que o Decreto nº 6.323, de 27 de dezembro de 2007 que regulamenta a Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a agricultura orgânica, consigna no parágrafo VII, artigo 3º, do Capítulo II que este setor da agricultura tem a diretriz de suas “relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignidade e eqüidade, independentemente das formas de contrato de trabalho” 198. (Negrito meu). É claro que cada um desses substantivos femininos podem apresentar sentidos conceituais muito distintos no interior de uma sociedade como a nossa. Temos grandes disparidades sociais que se verificam nas nítidas divisões de classe, que por sua vez se imbricam historicamente com discriminações de gênero e com o racismo, dentre tantas outras. Com essas questões em vista, o estudo exploratório no Sítio do Moinho e a respectiva análise dos dados revelam que as relações de trabalho aí estabelecidas são completamente verticalizadas. Portanto, o conceito de equidade expresso no preceito legal é interpretado de uma forma muito peculiar pelo IBD. Haja vista que não se configurou como impedimento para certificar como orgânica a prática agrícola do produtor John Richard Lewis Thompson. Não há duvidas que nas terras de Dick Thompson produzem-se valores de uso com um diferencial ambiental e nutricional significativamente superior aos produtos advindos da agricultura dinamizada pela Revolução Verde. Isto é um avanço civilizatório considerável. Por outro lado, em vários momentos o entrevistado expressou que o seu objetivo é o aumento das vendas. O que ficou particularmente explícito no episódio do selo EcoSocial. Portanto, a lógica crucial do seu empreendimento agrícola orgânico é a econômica. As outras dimensões simbólicas desta agricultura são importantes na medida em que estejam subordinadas à obtenção da maior taxa de lucro possível.

197 198

APÊNDICE B1 - 1ª Entrevista (1ª parte), p. 104. BRASIL. Presidência da República, 2007.

84 No Sítio do Moinho o modo de produção é tipicamente capitalista. Trabalhadores e trabalhadoras não possuem os meios de produção, não trabalham para si e nem produzem um excedente que seja voltado conscientemente para o atendimento das necessidades de outras famílias de trabalhadores. O trabalho é voltado para produção de mercadorias, cujo objetivo é a obtenção de lucro pelo proprietário das terras e equipamentos. O lucro alcançado é direcionado, primordialmente, para a obtenção de mais terras, mais equipamentos e investimentos em outros setores, como o comércio. Que por sua vez visa mais lucro, e assim sucessivamente. É um modo de produção que busca continuamente a ampliação de capital. Portanto, o trabalho que dinamiza todo o processo é o trabalho produtivo para o capital, conforme o sentido dimensionado por Karl Marx; fonte de criação de valor e mais-valor. É uma dinâmica social que não enfrenta a questão crucial da exploração da força de trabalho. O trabalho assume o caráter histórico alienante e gerador de estranhamento (Entfremdung). Não há identificação dos trabalhadores com aquilo que produzem. Os produtores diretos não participam das tomadas cruciais de decisão sobre a produção e são apartados dos resultados do seu trabalho, dele só participando através da parcela salário. Também do ponto de vista civilizacional, mas por outro lado, isto representa uma estagnação considerável. Por isso que se verifica também a grande rotatividade no campo de cultivo. As exceções estão a cargo de um trabalhador há quatro e de uma trabalhadora há quatorze anos no Sítio. Diria o proprietário que essas pessoas se conscientizaram e gostam do que fazem. Nós preferimos dizer que uma complexidade enorme de fatores as mantém no trabalho. Desde o gosto pelo trabalho agrícola, sim, mas que também passa pela ausência de outras oportunidades até à introjeção no arcabouço de ideias dos valores do proprietário. Questões altamente complexas que se inserem na dinâmica contraditória do movimento do ser social submetida à lógica do capital e sua busca incessante em reproduzir-se ampliadamente. Uma lógica que assume atualmente que “a mera procura de lucros é determinante em primeira instância”, como destacou David Harvey em contraposição à “última instância” de autores marxistas 199. Assim, em nossa opinião, a dita sustentabilidade multidimensional perdeu muitas das suas dimensões. Particularmente, a dimensão sociopolítica, pois não enfrenta as questões cruciais da edificação do gênero humano através daquilo mesmo que o humaniza: o trabalho. O trabalho não estranhado, voltado não para atender as necessidades de acúmulo de capital, mas ensejado para atender as necessidades do gênero humano quando o produtor se reconhece como um ente-espécie.

199

HAVEY, 2006, p. 301.

85

5 – Considerações finais No início desta monografia foi apresentada a hipótese que norteou a totalidade da investigação; da consulta bibliográfica à apresentação e análise dos dados. Cogitou-se que se os empreendimentos de agricultura orgânica não constroem relações de trabalho desvencilhadas da lógica do capital de produção de mercadorias e extração de mais-valor, não se diferenciariam essencialmente de uma empresa do agronegócio. Ou melhor, configurar-se-iam como empresas de agronegócio orgânico. Apesar de a pesquisa realizada não permitir a generalização sociológica para todos os empreendimentos de agricultura orgânica, consideramos que para este caso específico a hipótese levantada está confirmada. Pudemos verificar, a partir do estudo exploratório de campo realizado, que não só o produtor rural John Richard Lewis Thompson, mas o Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos Ltda, a SDM Comercializadora de Produtos Orgânicos Ltda. e a Molino D'oro Panificadora Ltda. apresentam as seguintes características fundamentais: 1. Gestão verticalizada; 2. Produção voltada ao mercado; 3. Assalariamento da força de trabalho; 4. Separação dos produtores diretos do fruto do seu trabalho. Ou seja, a totalidade dos entes econômicos contidos na dimensão socioespacial do Sítio do Moinho não consegue engendrar relações sociais de produção que se desvencilham essencialmente do modo capitalista de produção. Isto configura que o proprietário do Sítio do Moinho, talvez um dos mais capitalizados neorrurais do município de Petrópolis ou até mesmo da região serrana fluminense, não estabelece relações de associação e produção que se diferenciem em substância de quaisquer outras empresas voltadas para o acúmulo de capital. Apesar de dinâmico e criativo não consegue, mas também não deseja, implantar quaisquer inovações nas relações sociais básicas da produção de mercadorias. O complexo socioeconômico e geográfico que constitui a sua propriedade é dinamizado por típicas relações históricas de produção burguesa. Dessa forma, o lócus empírico em questão apenas gesta novos mercados capitalistas de produção e consumo. O trabalho que incrementa todo o processo é o trabalho produtivo para o capital; fonte de criação de valor e mais-valor. O Sítio do Moinho pode, então, ser caracterizado como uma empresa do agronegócio voltada para a produção e comercialização de produtos orgânicos; uma empresa capitalista de agronegócio orgânico.

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7 – APÊNDICES 7.1 – APÊNCDICE A: Roteiro para entrevistas 1. Desde quando o senhor exerce a atividade de produtor rural? 2. O que lhe incentivou a se dedicar à agricultura orgânica e não à convencional? 3. Como funciona o seu sítio, isto é como está organizado o processo de produção? Os trabalhadores são assalariados ou trabalham como meeiros ou há formas mistas de produção? 4. Qual é o principal destino da produção do seu sítio? A prioridade é atender o mercado de orgânicos? Há alguma parte da produção que é voltada para o seu próprio consumo. 5. Há alguma parte da produção que é destinada ao consumo dos próprios trabalhadores? 6. Em relação à mão de obra, qual é o principal problema que o senhor identifica? Por que? 7. Especificamente em relação aos trabalhadores do sítio. Eles podem participar das decisões administrativas ou não têm interesse sobre isso?

93 7.2 – APÊNDICE B: ENTREVISTAS 7.2.1 APÊNDICE B1: 1ª Entrevista (1ª parte) - Dick Thompson Transcrição da parte 1ª da entrevista com o Sr. Dick Thompson, proprietário do Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis – RJ. Local: Sala de reuniões da empresa. Data: 08-abr-2014 Duração: 1h, 21min e 44s. Ab. Eu... Na verdade, eu sou estudante de ciências sociais... É obrigatório na univer-sidade, pelo Ministério da Educação, é... se fazer um trabalho de conclusão de curso. Que é considerado um trabalho de mais fôlego; uma pesquisa tal. Aí, o tema fica aberto... é... de acordo com o estudante de graduação. E... DT. Deixa eu te interromper. Isto é para um mestrado ou para um doutorado ou para o quê? Ab. Não, é para a graduação. DT. Graduação de quê? Ab. Ciências sociais. DT. Mas em que nível? Neste sentido de universidade... é mestrado ou doutorado? Ab. Não. Nem o mestrado, nem o doutorado. É a etapa anterior. DT. Etapa anterior. Ab. Etapa anterior ao mestrado. Após isso, se for aprovado etc e tal, aí eu termino o curso e aí eu posso pleitear o mestrado. Que é, aliás, o que eu estou... DT. Pleiteando fazer. Ab. Sim, claro. Eu já cheguei num ponto em que o meu caminho vai ser acadêmico; mestrado e doutorado. A não ser que as coisas deem errado por algum motivo. DT. Sei. Ab. Aí, eu tenho que fazer um trabalho que é chamado de TCC; trabalho de conclusão de curso, né. Aí, pela minha ligação, até por causa do meu avô, dessas coisas todas, eu não consegui me desvincular do, do rural. Né? E eu sempre... Então, eu vou contar um pouco da minha história. DT. Por favor. Eu acho importante. Ab. Eu comecei a fazer agronomia em 1985. Eu fui colega da Rumi . DT. 1900 e...? Ab. 1985. Fui colega da Rumi. A Rumi estudou em Viçosa, na Universidade Federal de Viçosa. O problema era que o que era ensinado não me convencia. Que era, exatamente, a utilização de agrotóxicos, a... Ah! O pacote da Revolução Verde, né? Isso me deixou muito agoniado. E eu também tinha uma formação de ensino médio muito fraca em matemática e chegou em determinado ponto que o curso tava pesado na parte da matemática. Eu não tava conseguindo levar. MAS O QUE ME DEIXOU MESMO muito, vamos dizer assim, não foi nem a gota d’água, foi um balde d’água que jogaram em cima de mim, foi o dia que eu estava fazendo CONTROLE DE PLANTAS DANINHAS - que eu não gosto nem desse nome - e era uma tabela de tudo quanto era tamanho e a gente tinha que decorar, e era decorar, mesmo, era decorar o nome do produto químico, o nome do...do comercial, a fórmula química, a cultura que era aplicada, o prazo de carência. Era, era... 9 DADOS E UM NEGÓCIO ASSIM... Aí, eu cheguei na janela. Eu dei um grito! DT. Gargalhadas. Ab. Os meus colegas, tudo desesperado: O quê que foi, cara?! Eu disse: Isso é coisa pra idiota! Tô me sentindo um imbecil! DT. Risos. Ab. Aí, aí chegou... aí não dá!

94 DT. Não era por ali, né? Ab. Não, não. Aí, foi... Aííí... eu... eu fui pra outros caminhos na vida. Acabei me tornando fotógrafo e tal. DT. É? Ab. É. Mas, aí veio e o digital. (simulação de um riso tosco; rê, ré). O digital saiu engolindo tudo. Eu acho que perdeu muito da áurea da, da fotografia... DT. Você continua com a fotografia? Ab. Só pra esse tipo de coisa. Pra trabalho assim. O último trabalho que eu fiz de fotografia foi para um amigo meu (entonação de engraçado); casamento. Eu dei de presente pra ele umas fotos que eu fiz em filme PRETO E BRANCO! Filme preto e branco. Revelado lá no Rio. DT. A..a... Sabe o que eu... Isso me surpreendeu, é que me... que interessante... Eu tenho quatro filhas. A mais jovem, que estudou um ano na Inglaterra e depois seis ou sete anos nos Estados Unidos. Ela se formou de uma universidade do Parsons Shcool Designer e se formou em fotografia. Depois voltou para o Brasil e tá seguindo esse ventilo. Ab. É. Na Europa tem curso de graduação em fotografia há muito tempo. Nos Estados Unidos...Acho até que na Argentina e em alguns cantos. No Brasil foi iniciar um, acho que foi em 90 no SENAC. Muito atrasa/. Os livros do Man Ray (risos), que são livros publicados no início do século XIX [quis dizer XX] sobre a máquina fotográfica, o filme... Coisas assim, é...fundamentais na área, foram traduzidos pela editora do SENAC no final da década de 90. (Entonação irônica em meio a risos) Eles já, mais ou menos, saíram do prelo direto pro sebo! DT. Risos divertidos. Sei! Ab. Saíram do prelo pro sebo! Porque quase ninguém tá mais utilizando isso. Aí, eu tô até com uma maquininha digital aqui, com um negócio que... Eu fico até com vergonha de usar. DT. Outra gargalhada. Ab. É emprestada, é da minha companheira. Eu não comprei, eu... Mas eu gosto muito. Gosto. Estou até cursando uma disciplina de história da fotografia. Que é também pra não abandonar esse conhecimento. DT. Esse conhecimento que você tem? Perfeito. Ab. É. Exato. 4min e 33s. DT. Bem, deixa... Eu acho que... eu... O quê que você quer escutar de mim? É o histórico daqui do Sítio? Ab. Inicialmente, eu gostaria. Assim como eu contei um pouco da minha história para o senhor, só para me situar. Eu também gosto de, apesar de tá fazendo curso de ciências sociais, que é sociologia, antropologia e ciência política, eu gosto muito de situar historicamente as coisas. Então, eu gostaria muito de ouvir, né? (5min e 0s). DT. Ok. Então vamos lá. Eu... tenho 78 anos e nasci em 1936. Ãh... Ab. Só sou um menino perto do senhor, então. DT. Você é um pib. Fui estudar, com 10 anos passei 10 meses nos Estados Unidos. Voltei para a escola americana do Rio de Janeiro, de 47 a 53. Em 53 fui para o Canadá estudar numa escola militar escocesa, usando as sainhas. Em 55 fui para os Estados Unidos. Estudei 5 anos na Noquested University, que fica no Illinois. Voltei para o Brasil em 60, fui trabalhar na J. Walter Thompson, agência de publicidade, mas que não tem nada a ver com a minha família, só mesmo o nome, por coincidência. E... três anos depois, em 63, mais ou menos, 64...decidi talvez começar procurar uma coisa nova. Em 67, comprei uma carta-patente. Não, isto foi em 65. Fui trabalhar numa financeira como vendedor. Fui bem, ganhei um dinheirinho. Em 67 comprei uma corretora. Uma carta-patente pra operar na bolsa do Rio de Janeiro. Em 71 vendi essa corretora e fui trabalhar no Grupo chamado Garantia. Ab. Era o Oportunity? DT. Não. O Oportunity é uma coisa. O Grupo Garantia era outra coisa. E aí, fiquei neste Grupo. Passei a ser sócio do Grupo. Um dos donos, fundador deste Grupo financeiro era o Jorge

95 Paulo Lemann, que virou um dos homens mais ricos do Brasil. Tem um livro – acho incrível essas coisas! – tem um livro. O título: O sonho grande. Se você não leu, pode até... acho até interessante. Uma... uma... jornalista, uma repórter me telefonou dizendo que tava querendo fazer um livro, uma biografia sobre a vida dos três. O Jorge começou, depois contratou mais dois Grupos e foi feito um trio entre Jorge Paulo, Marcel Telles e Carlos Alberto Sucupira. Desenvolveram a financeira, que virou banco. Que teve um sucesso estrondoso no mercado. Compraram Lojas Americanas, depois compraram Brahma. Brahma comprou a Antártica. Esse Grupo foi lá fora e comprou um Grupo holandês chamado AMBEV e depois compraram o Banco Whiserbosch. Pô, um Grupo... E o Jorge Paulo tá entre um dos 10 mais ricos do mundo. Então, essa repórter interessada em fazer um histórico da vida dos três, me telefonou: Pô, Dick... o Banco Garantia, não sei o quê... queria fazer uma entrevista com você por que estou fazendo um livro. Vai ser chamado “O Sonho Grande”. Ela veio aqui. Ah, detalhe, curioso. Pô, de repente do nada essa mulher me telefona! Então, eu mandei um e-mail pro Jorge. Eu não me comunico com ele nunca. Tive o e-mail dele. E incrível, você manda um... Jorge... em 10min ele responde. Então, 10min depois eu tinha recebido a resposta. Ele fala o seguinte: O Dick isso é um projeto. Não é financiado por nós, é uma ideia dela... Pode ficar à vontade, pode ser entrevistado. Não tem problema nenhum, mas, por favor, fale bem da gente! (Risos fartos). A atitude depois... Acho, realmente, um cara fantástico. Ela veio aqui, fez uma entrevista. Ligou o, o... Ab. O gravador. DT. O gravador. Ficou lá em cima. A minha casa fica mais em cima. Duas, três horas. Eu to te falando isso, porque se você olhar na lista dos livros, O Sonho Grande, os 10 melhores livros, não sei o quê, está em segundo lugar. Está nesta lista, quase há dois meses. Tá mais que há 48 semanas. Sempre segundo, terceiro, quarto, segundo... Ab. E ele foi publicado quando? (silêncio; 5s). A sua entrevista, a que o senhor concedeu pra ela? DT. Uns 6 meses atrás. Então, é um livro muito bacana. Acho interessante porque você vai ler sobre a evolução da filosofia do Grupo. E o interessante é que eu apareço nessa.., nesse livro dizendo que eu conheci o Jorge quando eu e ele estudávamos na Escola Americana em... de 47 a 53. (breve silêncio). E da forma que eu fui entrevistado. Sempre as entrevistas eram bastante acentuadas em... difíceis. E que a... (silêncio). Ahm... (silêncio). E aí o livro aborda a minha saída do banco e diz que naquela época eu comprei um terreno, que é o Sítio do Moinho, produzindo produtos orgânicos. Então, se você olha o número de cópias vendidas, tá acima de 250, 300.000 cópias vendidas do livro. Pelo menos, eu tenho a satisfação de saber que o Sítio do Moinho (fala sorridente, entre risos) aparece várias vezes para as leituras das pessoas nesse livro. Mas muito bem/. Ab. Então a sua ligação com a agricultura é... é... dentro do seu... da sua extensão de vida é, relativamente, recente? DT. É zero antes de mil novecentos (esforça-se para se lembrar do ano, ficando em silêncio por 2s) e 89. Ab. Ah, é? DT. Zero. Não sabia. Então, vamos lá. Eu fui a pessoa responsável, dentro do Banco Garantia, para fazer contato com empresas. O Banco Garantia lhe dava mais com pessoa jurídica. Eu era responsável por vendas no Brasil inteiro. Viaja muito por diferentes estados; Banco de desenvolvimento, banco estadual, bancos comerciais, seguradoras etc. No momento em que o Brasil bloqueou o dinheiro dos bancos estrangeiros para não permitir que houvesse uma remeça do dinheiro pra fora. (silêncio). O grande problema desses bancos era como aplicar esse dinheiro pra não perder a desvalorização. Então, eu tive que fazer muitas viagens pro exterior. Ab. Isso foi quando... em...? DT. Foi... (tenta se lembrar; 5s). Deixa eu ver se... (tenta se lembrar; 5s). Ah, deve ter sido

96 entre 78 e 80 e pouco. Ahm... Aí... o banco... o banco decidiu mudar a matriz pra São Paulo. Era do Rio. Aí, eu comecei a relutar muito. Porque ir pra São Paulo. Eu já viajava muito, a minha vida familiar, eu tenho quatro filhas. A minha vida familiar, não que fosse estressada, mas sempre viajando, sempre viajando! Se eu tivesse que morar no Rio e ir trabalhar em São Paulo; ir pra São Paulo segunda à tarde, voltar quarta e quinta, entre as minhas viagens (não compreendi). E eu estava chegando perto dos meus 60 anos de idade. E dentro da filosofia do banco, quando você chegava aos seus 60 anos de idade, você deveria sair do banco e deixar a sua participação acionária pros mais jovens. Eu tinha 1% do banco. Porcentagem pequena. Aí... decidi sair do banco. E não sabia o que eu queria fazer. E isso deve ter sido em 1900 e (tenta se lembrar; 5s) 85, 84, 85 (silêncio). Como eu sou de descendência inglesa, pele gringa, não posso ficar pegando sol. Então, eu decidi que em vez de ficar, digamos comprar uma casa em Búzios, Angra, eu iria pra serra. Optei por Itaipava, exclusivamente pela facilidade de vir aqui em vez de subir a serra de Teresópolis; mão e contramão. Nada além – [Ab. De especial] - disso. Aluguei a casa do Sérgio Dourado, hoje uma pousada, durante quase 3, 4 anos. E procurando sempre um lugar pra comprar, que seria o meu lugar. E depois de uns dois ou três anos, de busca, um dia o meu caseiro chega pra mim numa sextafeira e diz pra mim: “Oh, Dick, encontrei a propriedade que o senhor vai querer comprar”. Vim visitar a propriedade no dia seguinte, sábado. Fechei negócio no domingo. Na segundafeira! Caí de amores pelo lugar, pelo conceito, pela filosofia. Vale; bacana, fim de um vale, cara! Sem, sem... Ab. O lugar é belíssimo! DT. É. E sem, sem vizinhança. Ou pouca vizinhança. Comprei! Não sabia se isso aqui ia ser haras, campo de futebol, tênis... Ab. Tinha muito mais. Mas o objetivo era residência? DT. Era. Era uma residência. Era como um lugar. Quando mudamos pra cá, quando compramos... Aqui em cima, logo mais em frente, a sede da casa foi construída em 1893. Então, era uma casa centenária. Mas não sabíamos se nós íamos querer morar lá ou num lugar diferente. Mas, na proporção em que as decisões não tavam sendo tomadas, eu não sabia o quê fazer aqui. Aqui embaixo (refere-se à área que é hoje a de cultivo e na qual se encontra o escritório em que estamos). Então nós... eu pedi que fosse feito um estudo de viabilidade econômica. Ab. Ah, o senhor contratou uma, uma consultora? DT. Eu contratei uma consultoria. E cônsul... e novamente, por um acaso, como eu conhecia o diretor... de um... do Credit Suisse, Banco Suíço. Eu visitava sempre eles; ia pra Suíça, conhecia o cara. Ahm... Um dos ex-diretores saiu e criou uma empresa no Brasil chamada Agrosuisse . Ab. Hum. Já ouvi falar. DT. E... falando com ele, ele me mandou um jovem rapaz, que era sócio inicial do novo grupo, chamado Fábio Ramos . E ele veio pra cá em 1989. Aí, ele visitou. Uma hora depois, ele disse: “Dick, esta área é perfeito para a olericultura”. Aí, disse: Oh, Fábio, que porra é essa!? Ab. Quê que é isso!? (risos). DT. (Entre risos). Nunca ouvi falar disso na minha vida! Que porra é essa, cara! “Ah, Dick, é o conceito de plantar... legumes, hortaliças, não sei o que! Eu disse pra mim: Pá, cê tá de porre! (Risos nossos!). Eu to. Pô! Vivi vinte e tantos anos da minha vida viajando; mesa de operações, milhões de dólares pra lá e pra cá! Eu vou plantar alface, cara!? (Risos nossos). Aí, foi quando ele vira pra mim e disse o seguinte: “Oh, Dick, pera aí, cê não tá entendendo. Eu gostaria de apresentar a você o conceito que tá se iniciando no mundo que é a agricultura orgânica”. Ab. Outro palavrão! DT. Que porra é essa!? Foi quando ele começou a explicar... Que naquela altura, cara! Eu to com uns cinquenta e tantos anos de idade. Eu não sabia que as alfaces que cê comprava lá na

97 feira eram tratados e cultivados com veneno! E é veneno; agrotóxicos; veneno! E eu disse: Porra, que coisa impressionante! Não sei o quê! Aí, eu comecei a me interessar. Por quê? Eu tenho quatro filhas. No meu conceito, na minha filosofia, era uma forma de alimentar bem a minha família! E a mim! Então, eu tomei a decisão de em vez de construir a minha casa nessa baixada, construir num lugar isolado. Em vez de ter movimento aqui, isto seria uma horta. Ab. Mas foi fácil, desculpe interromper, mas foi fácil ele convencer de que era possível plantar sem adubo químico, sem agrotóxico? Ou senhor ignorava... (sou interrompido). DT. Ignorava totalmente! Foi facílimo pra mim! Pô, bacana! Show de bola! Vamo em frente! Ab. Não, é que... (sou interrompido). DT. – Fábio, você vai me ajudar? – Vou. Porque eu não tinha a menor ideia da dificuldade, da simplificação, da simplicidade! Nada! Ab. Porque, geralmente, a resistência das pessoas a isso é enorme, né? Enorme. Isto é interessante. DT. Pois é. Eu não entrei no... no... no ato, no fato...do questionamento de: por que essa coisa seria feita assim!? (silêncio longo; 7s). Começamos. Ab. A área aqui é... é... DT. Nós temos 50ha; são 500.000m². Mas é tudo morro. Na parte plana, arável, eu tenho entre 5 e 6ha. Ab. A parte agricultável? DT. Heim? Ab. A parte agricultável? DT. 5 ou 6ha, só dos 50ha. Começamos. Plantamos. Ele me indicou um agrônomo e começamos a plantar. E isto para a minha família. Mas foi interessante que... um mês depois... a Ângela, a minha esposa, começava a receber telefonemas de amigos: “Pô, ouvi dizer que cês tão plantando! Ouvi dizer que não sei o quê! Porra, me entrega na minha residência! Ah, eu também quero”! Então, essa coisa foi expandindo e eu me lembro que nós começamos em 1900... e 91. 1991 foi a primeira entrega aonde nós tínhamos uma Chevrolet... ahm, caçamba atrás. Descemos pro Rio de Janeiro pra entregar a duas ou três famílias. Ab. Ah, então essa entrega não era nem aqui em Petrópolis? Era... DT. Sempre Rio de Janeiro. Tudo o que nós fazemos, Petrópolis é muito pequeno. Praticamente, nada! Praticamente, zero! Então, começamos. (silêncio breve). Aí, foi interessante porque o convívio, a Ângela, a mãe dela... ajudava. A mãe dela, hoje, coitada. A Ângela, praticamente não sobe porque a mãe dela tá com um problema... GRAVE de Alzeihmer e a mãe não tá acamada, mas quase. E a Ângela fica no Rio pra tentar ajudar. Além das enfermeiras... Ab. É um momento importante. DT. É uma coisa... é uma situação muito difícil. Mas, naquela época, nós... as entregas eram feitas na terça-feira. Só na terça-feira; um dia por semana. A montagem era feita na segunda. Segunda de noite, tipo 5, 6, 7h da tarde, todo mundo preparando as coisas. Íamos dormir. levantávamos às 4h da manhã; eu, Ângela, a mãe dela, com alguns dos piões daqui. Montávamos as cestas; 3, 4, 5 cestas, seja o que for, pra descer pro Rio. E essa coisa foi num... foi num crescendo, foi num crescendo, foi num crescendo... No início, nem nota fiscal, não tinha. Era, simplesmente, muito amador. Aí, quando começou até... até 15 cestas, 20 cestas... Hoje nós fazemos de 250 a 300 entregas por semana... pro Rio de Janeiro. Ab. 250 a 300? DT. Por semana. E a gente entrega segunda, terça, quarta, quinta... sexta em Niterói. Ab. E o que vai na cesta? Ou varia, depende do que a pessoa/ DT. Nós aqui temos uma seleção de produtos que vão... é, possivelmente, uma seleção maior do que vários supermercados do Brasil. Então, é um leque muito grande de alternativas... entre produtos que a gente cultiva, produtos que a gente compra de terceiros, produtos que a gente importa e pães que a gente fabrica, porque criamos depois, mais tarde, a primeira pani-

98 ficadora orgânica do Brasil aqui/ Ab. É, foi pelo pão que eu falei com o meu orientador que eu já tinha visto/ DT. Ah, pelo pão! Ab. Que eu peguei, olhei e vi que era orgânico. DT. Então, nós começamos a fazer essas entregas... Tivemos que... é... Eu me registrei, eu, Dick, como produtor rural. Depois criamos uma limitada, chamada Sítio do Moinho Ltda, pra poder ajudar na comercialização do produto/ Ab. Então: a Companhia Limitada Sítio do Moinho. DT. Nós temos três empresas aqui: John Richard, que é meu nome: John Richard Lewies Thompson Produtor Rural . Sítio do Moinho Comercial Ltda, que é a empresa que começou tudo! E depois foi a empresa que conseguiu o... a permissão da importação. Ahm... (silêncio de 5s) e depois, para poder manter esta empresa como SIMPLES, criamos uma segunda empresa pra poder continuar como SIMPLES e nessa segunda empresa, Sítio do Moinho, SDM Alimentos Orgânicos não sei o quê, etc. para comercializar o produto que a gente entrega nas residências. Ab. O senhor falou em importação. O senhor importa também? DT. Bom. Vamos chegar lá. O... Então, nós começamos a fazer esse trabalho de entrega. Tivemos que nos estruturar para pegar pedido, telefone, sistema de telefonia; de mandar fax, de receber fax. Depois criar um projeto via internet. Pra poder atrair essas pessoas a fazerem o seus pedidos. Nós temos uma área muito pequena aqui. Dentro da filosofia orgânica cê deveria sempre, dentro dos seus 5, 6,0ha. Se você somar um pouquinho do morro que a gente ocupa, é uns 6ha. A filosofia orgânica, você deveria manter, mais ou menos, 20%...permanentemente... ahm, descansando. Ahm... criando maior valor nutricional ao solo pra não depreciar o solo. E isso é feito constantemente. Consequentemente, nós só temos área arável de mais ou menos 5ha, permanentemente. Ab. O resto fica em pousio. DT. Hein? Ab. O outro restante, os outros dois hectares/ DT. Em repouso. Com produtos plantados, levando valor nutricional ao solo. Ab. Leguminosas. Suponho. DT. Exatamente. Então... Isso tudo foi sendo acompanhado pelo Fábio, o nosso consultor. As coisas foram num evoluindo. Tivemos que começar a estudar a expansão da nossa área administrativa aqui com câmaras frias, com veículos. Veículos refrigerados. Então, a coisa foi num crescendo. Nesse momento, tudo o que nós fazíamos era estritamente dentro das leis do país. Todo mundo com carteira assinada. Todo mundo com os seus direitos em dia. Isso aqui não ganha dinheiro. Eu tenho que colocar dinheiro constantemente. Tem momentos que: Opa, melhorou! Tem momentos que não. Então, faço isso porque isso virou uma paixão! Eu, pra mim e pra a Ângela, a filosofia de consumir um produto orgânico, livre de todos os agrotóxicos, pesticidas. (breve silêncio). De todo o demérito que isso leva ao ser humano, para a vida do indivíduo, da saúde do indivíduo. E depois vim a entender que era a saúde do meio ambiente também. Que veio a me dar mais força, mais entusiasmo pelo que a gente fazia. E isso... em 1991! Quer dizer: em 1991, quando ninguém falava disso, nós já estávamos com essa filosofia. Então, nós estamos com isso há quase 24, 23 anos. (Breve silêncio). Aí, em... (silêncio longo: 8s). Considerando que as minhas filhas foram crescendo e que a gente tava fazendo essa vantagem para (brevíssima pausa) ahn, os nossos funcionários...ahn (pausa: 4s), decidimos...(3s) em 2004? Ab. Que ano foi? DT. Eu não sei. Pera aí. Deixa eu pensar um pouquinho. Eu não sei exatamente quando, mas... Em 1997... entramos no supermercado. Que dentro daquilo que a gente tava fazendo... é 97... Supermercado Zona Sul. “Nós que temos interesse. Não sei o quê. Vem, entrega pra gente/

99 Ab. No Rio, né? Zona Sul do Rio de Janeiro; Leblon, né? DT. Foi. No Leblon. Começamos lá. Agosto de 97. Durante três meses descemos com o caminhão três vezes por semana; segunda, quarta e sexta. Entregando para o Zona Sul 200 unidades em cada descida. Um ano e meio depois estávamos em todas as filiais entregando 6 vezes por semana. Estávamos no Pão de Açúcar, Extra, Sendas e Carrefour. Ab. E mais as cestas? DT. E mais as cestas. Foi uma explosão. Isto fez com que a gente mudasse a forma operacional. Nós começamos com 600 unidades por semana e foi extrapolado até 25.000 unidades por semana! Descendo com dois caminhões, não sei o quê. Uma loucura! Uma loucura! E aí, a gente passou a sofrer o dia a dia da entrega no grande varejo. O chefe de seção não tem a menor ideia do que, não tinha do quê que é o produto orgânico. Ele não entendia porque essa alface orgânica custava “2” e essa alface convencional custava “1”. Pra ele, não queria dizer diferença nenhuma. Os supermercados todos exigiam repositores. Nós quando távamos atendendo no auge, nós tínhamos 16 pessoas contratadas para ajudar a rearrumar as prateleiras dos supermercados. Ab. Do Sítio ... trabalhando lá? DT. Lá, nas prateleiras das filiais! E como eram várias filiais; saía de uma filial, entrava noutra, não sei o quê! Uma filial grande... Ahm, o cara... obrigava que o repositor ficasse lá o dia todo. O repositor trabalhava, digamos, 1h por dia pra gente e trabalhava 7h por dia para o supermercado; lavando banheiro, servindo na cozinha, ajudando no caixa. Uma loucura, cara! Isso já tava me deixando muito angustiado, muito chateado. E... foi o Carrefour que começou. O Carrefour vira e disse: “Oh Dick, sabe de uma coisa, cara? Olha, cê me dá bonificação, avaria, você não tem custos e eu te cobro um aluguel pra botar um troço na cabeceira de uma fileirazinha de coisas. Vamos fazer o seguinte: eu vou te cobrar um desconto financeiro; 4,5%! Aí, esquece; você não me dá bonificação, não me dá avaria. Esquece esses custos todos! Topa”!? Aí, eu pensei: 4,5%? Essa dor de cabeça o tempo todo. Tá bem, topo! Assinei um contrato com eles. (breve silêncio). Olha, a pior coisa que eu já fiz na minha vida! Logo depois, duas semanas depois de ter assinado, no Carrefour. Não, não, não, desculpa! Não foi no Carrefour! Logo depois do Carrefour, o Pão de Açúcar, adorou a ideia e começou a fazer a mesma coisa. Assinei 4,5% com o Pão de Açúcar. Logo depois, a filial da Barra, do Pão de Açúcar – tinha duas ou três – uma das filiais. O chefe de seção veio pra mim e disse: “Oh, Dick, quero falar com você, cara! Pô, você não tá me dando mais a minha avaria, a minha bonificação”. Eu disse: “Mas não é pra dar. Olha aqui. Um contrato assinado na diretoria que eu não preciso dar. Tá me descontando 4,5%. Aí. “Você me desculpa, mas quem é responsável aqui, nesta seção, sou eu. Se você não me der a minha bonificação, aí, eu não vou comprar de você”. (breve silêncio). Resumo da ópera: Tive que voltar a dar a bonificação e avaria pra ele continuar comprando da gente. E continuava com o desconto financeiro. Ab. Sendo que o contrato tava sendo... DT. Contrato assinado, mas... o chefe de seção era aquele cara! Se eu não entregasse pra ele o que ele exigia de mim, porque ele era cobrado pela, pelo conceito daquilo que ele conseguia dos fornecedores. (silêncio breve). Então... ahm... (silêncio longo; 5s). O papo tá levando um temposinho, porque também tenho uma outra reunião, mas não tem problema. Aí, todo ano, essa porcentagem aumentava. Dos 4,5, continua os 10%. Eu fui pro diretor do Pão de Açúcar e disse: “Olha, eu não tenho uma margem tão alta que permite ficar te dando essas porcentagens aí! Eu não to pagando esse troço! Aí, o cara vira pra mim e diz: “Oh, Dick, não tem problema. Aumenta o seu preço”. Eu disse: “O quê”!? “Aumenta o preço. Se eu to te cobrando 10%, você vende alguma coisa por 100. Pega o 100 – R$100,00 – 100% menos 10% é 90%. Pega o 100, divide por .90, vai te dar 110, 111. Você me cobra 111. Quando você tirar os 10% de 111, vai cair no 100”. (breve silêncio). Isso é maquiavélico! Maquiavélico! Então, o quê que acontece no mercado? O Zona Sul nunca fez isso. Pão de Açúcar. Eu vendo pros dois,

100 produtos; um eu vendo a 100 e outro eu vendo a 110. Cada um bota 100% de margem! A margem do Pão de Açúcar, que é de 100 pra 200 e a margem do...do Zona Sul de 100 pra 200 e a margem do Pão de Açúcar de 111 pra 122, 222! Então, eles estão ganhando uma margem maior em cima do meu preço maior! Ab. Rum, rum. DT. (breve silêncio). Maquiavélico! E como cada filial de supermercado é distinto, o cara não vai aqui pra comparar o preço, sai da rua, entra no outro pra comparar o preço. Porque é muito longe um supermercado do outro. É o que aconteceu. Muito bem. Nove anos depois – começamos em 1997 – em 2006, eu disse: Não aguento mais! Carquei fora! Saí de todos as filiais, de todos os supermercados! O Jaime Xavier, diretor financeiro ou diretor comercial do Zona Sul: “Porra, Dick! Que merda! Apostei no cavalo errado”! Foi a expressão dele: “Apostei no cavalo errado”. Não adianta, cara! A gente não pode ficar fazendo uma coisa que violenta a gente! E eu fazia isso, não pelo dinheiro! Eu fazia pelo amor que eu tinha pela coisa etc. Então... Três meses depois, o Hortifruti, que é outra cadeia de supermercados, diz que queria que a gente servisse, fornecesse pra eles. Aí, a gente disse: “Sim, se vocês seguirem os nossos parâmetros e não nós seguirmos os seus parâmetros”! Toparam. E até hoje somos o único fornecedor deles que opera dentro dos nossos parâmetros e não os parâmetros que eles exigem de outros fornecedores. Show de bola! Ab. Então, atualmente o Sítio não entrega mais nesses supermercados. DT. Nenhum. Só o Hortifruti. Além das entregas em domicílio, além de restaurantes e além de lojas/ Ab. Hortifruti, no Rio!? DT. Só no Rio de Janeiro. Ah... eu acho que tem um Niterói, também. Eu não sei se tem Hortifruti... porque você faz uma entrega centralizada. Eles é que entregam, acho que eles devem ter até... Macaé. Não sei. Então, começamos a fazer as nossas entregas. Voltamos a fazer a nossas entregas. Só, como um exemplo adicional da forma, do carinho que a gente tem com os funcionários... (silêncio; 3s). Foi quando nós entramos nos supermercados que nós procuramos a certificação! Antigamente, as pessoas acreditavam na gente. Nós plantávamos, e colhíamos, e cultivávamos produtos orgânicos! Mas era o Dick e a Ângela falando isso. Ab. Rum. Rum. DT. Não tinha nada de certificação etc. No momento que a gente vai pro supermercado, você tem que ter um selo de certificação. E procuramos o IBD. O IBD começou a nos certificar desde 1996, 97... 97./ Ab. É o Instituto Biodinâmico? DT. Instituto Biodinâmico e de Desenvolvimento Rural – IBD – do sul do país. Segue o conceito biodinâmico. Segue a filosofia do Rudolf Steiner. Ele tem dois tipos de certificação: certificação orgânica - IBD ou BIONDINÂMICA, que é uma certificação muito mais difícil, chamada demeter. Então, ahm... começamos a operar e alguns meses, alguns anos depois... O IBD tinha um outro selo chamado EcoSocial . Fomos a primeira e única empresa de agricultura, de hortaliças etc. que conseguiu o selo EcoSocial. EcoSocial era o selo que vinha e que demonstrava a forma com a qual a gente lhe dava e tratava com a nossa, a nossa... os nossos funcionários. Se você entrar no site - deve ser, não me lembro mais, deve ser www.ibd.com.br – dentro desse site deles deve ter alguma coisa sobre o... a filosofia do selo EcoSocial. Aí, isso vai te demonstrar uma filosofia complementar que nós tínhamos na forma de tratar os funcionários, mas que custava uma fortuna! E que não levava a nada porque nós não conseguíamos vender mais por causa do EcoSocial. E como era um custo altíssimo... a gente fazia de que qualquer forma o que távamos fazendo aqui, ahm... decidimos parar com o selo. Hoje, não temos o selo EcoSocial.

101 Muito bem... Em 2004... (pausa longa) em função de dois italianos que nós conhecíamos – eles vieram nos visitar e ahm... eles eram importadores. E eles nos apresentaram a ideia - como eles importavam farinha da Itália, eles queriam saber se nós tínhamos interesse em importar farinha orgânica da Itália. (Silêncio). Disse: “Olha, por que que nós vamos importar farinha se... utilizar como?/ Ab. Mas farinha de quê, de trigo? DT. Aí, eles jogaram o conceito: “Por que vocês não fazem a primeira panificadora orgânica do Brasil”? Falei pra Nicole: “Pô, que bacana, não tinha pensado! Não sei o quê! Pá”! Decisão: construí este prédio aqui. Embaixo da gente tem a primeira panificadora orgânica do Brasil! Certificado pelo IBD . Ab. Ah, então é aqui também. DT. Aqui embaixo. Quando você sobe aqui, aqui na frente tem uma sala que é masseira, outra sala que é a fatiadora. É... fomos em frente! (silêncio breve). Pô! É uma indústria! É uma coias! A gente foi aprendendo muita coisa porque eu não tinha a menor ideia do que era pão de uma panificadora! O porquê, de que forma, não sei o quê! E fomos aprendendo, evoluindo. Chegou 8 meses, 9 meses. Menos de 1 ano depois que começamos... não távamos ganhando dinheiro... Aí os italianos: “Ah, não! Porque não pode ficar assim! Assim não pode! Não sei o quê! Vamos começar a usar farinha convencional! Vamo fazer o pão convencional! Vamo não sei o quê”! Aí, eu disse: Não é por ali. A filosofia aqui é outra. Se vocês não querem continuar zelando, tentando... Então, eu compro a sua participação – e era 20% de cada um. Os dois tinham 20, eu e Ângela tinha 20 e um... um... ah... engenheiro... industrial, que acompanhava a gente, Jorge Rosa, tinha outra, outros 20%. Ficamos eu e Ângela; compramos a participação de todo mundo e ficamos sozinhos aqui. Na realidade, o importante é que isto foi a primeira vez que nós botamos um pé do lado de fora pra importar produtos! Nunca tinha feito isso antes. E isso nos levou a... continuar, continuando a importar farinha orgânica. Começamos a estudar alternativas. Fizemos um lançamento de uma linha no Brasil, chamado BioSprout , que eram produtos germinados, que tavam dando um certo ibope. Porque é tudo produto pra saúde, pro, pra, pro benefício do consumidor. E o conceito de um produto germinado abre um, um... universo de coisas que passam (não entendi). Muito bem, estávamos comeando a importar as farinhas, estávamos começando a importar massas, bebida vegetal, azeite, azeitonas, patê de azeitona... (silêncio breve; 3s). Isso, mais ou menos, 2000 e... 9 pra 10. O AGAVE, já era antes de 2008 ou 2009... E Agave é um produto... ahm... é um xarope de frutose. Ab. Eu pensei que fosse mel. Não prestei atenção. DT. Não! Xarope de frutose... oriundo de um cactos. Esse cactos solta, é cultivado no México. A gente importa o produto como tá, nessas garrafinhas. Ele é 30% mais doce que açúcar, 25% menos calórico, com uma grande vantagem: tem um muito baixo índice glicêmico. Ab. Então, pode ser usado por pessoas que têm problemas de, de glic/ DT. Diabético. 50 pra baixo é considerado baixo. O índice glicêmico deste produto é 17. O diabético pode usar. Obviamente, que dependendo da diabete. Mas o médico dele pode indicar. Então, tivemos um sucesso enorme com esse produto. (silêncio breve). Muito bem. As coisas estavam – aumenta aqui, aumenta aqui, produção etc, etc. Aí, começam os problemas. O maior problema que nós enfrentamos e continuamos enfrentando são os novos parâmetros federais para esse nosso universo orgânico no Brasil. Ab. A legislação? DT. A LEGISLAÇÃO. Os parâmetros de o quê que eles consideram orgânico, o quê que pode ser orgânico, o quê que não é./ Ab. Especificamente, a lei... o decreto de 2007? DT. Essas coisas, o número, o decreto, eu não sei! Ab. (Falei junto com ele, embolando as falas; 5s). ... porque eu pra, eu resolvi utilizar a legislação pra... delimitar o conceito de orgânico. O meu argumento era que precisava passar por

102 uma certificação e tinha uma legislação. Então, eu vou/porque tem muitos conceitos de orgânico, não é? Aí, eu peguei o da legislação. É por isso que eu to/ DT. Pode ser, mas se você fez isto... perfeito! Se é, se são esses os parâmetros que coordenam o nosso universo atual, do dia a dia, perfeito! Eu não sei decreto-lei um, zero, zero, não sei das quantas. Isso. Não sei. Agora (silêncio longo; 4s). Vou te dar uma ideia (silêncio longo; 6s). Isso era um processo que demorou. Era pra ser lançado em 2009 e formalizado em 2010. Não teve tempo para o mercado se adaptar. Então, foi adiado um (1) ano. Em 2010, até agosto de 2010, toda certificadora no Brasil tinha que ser registrada no INMETRO! Para uma vez registrado, serem... inspecionados e analisados pelo MAPA; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. (silêncio breve). Aquela época, em 2010, deveria ter no Brasil (pausa) 30, 35 certificadoras, que certificavam entre... certificação participativa e certificação por auditoria. Ab. Que é o seu caso, aqui? DT. Auditoria. Participativa; eu, você, fulano, beltrano, 20 pessoas; vamos juntar, fazer uma associação! Eu vou ficar de olho em você, você em mim, eu nele, que se alguém mijar fora do penico, eles vão reclamar! Pra mim isto não acontece. Não. Não, não vai sobreviver no Brasil! Se sou amigo do cara, eu não vou, não vou... indicar que o cara tá fazendo um erro no cultivo dele. Certificação por auditoria, onde os caras mandam um inspetor, analisa tudo; exame de solo, rastreabilidade, documentação, ba, ba, ba, ba, ba. (pausa). Em 2011, dos 35 grupos que foram inspecionados, só 6 foram aprovados. Desses 6, 3 participativa e 3 por auditoria. Das três por auditoria; ECOCER, TECPAR e IBD. Vamos em frente. Ab. A ECOCER, do Rio Grande do Sul também, não é? DT. (Pausa). Não sei. Não sei se é São Paulo ou Rio Grande do Sul. ECOCER; filiais ao redor do mundo inteiro. São limitadas individualizadas. IBD, uma no Brasil, no sul. A TECPAR, não sei. Ab. Mas a dificuldade que o senhor tá falando, em termos, é legislativo, especificamente tem alguma coisa que... específica que tá, que tá atrapalhando na, na/ DT. Muito. Isto... Como de 35 só 6 foram aprovados, no, dentro do Brasil, houve embolamento de campo. Pra te dar uma ideia; KORIN é certifica pela Mokiti Okada. A Mokiti Okada não foi aprovada! Todos os inspetores da Mokiti Okada saíram da Mokiti Okada e foram pro IBD! Korin, hoje, é certificada pelo IBD. Pô! É só pra te dar uma ideia da dificuldade. Muito bem. Naquela época – e olha, isso foi em janeiro de 2011; 2011, 2012, 2013, 2014, abril de 2014. (pausa). Quase 4 anos depois, nenhuma certificadora internacional foi aprovada ainda. (ênfase dele). Ab. Então, é um processo de oligopolização do processo de certificação? DT. Pois é. Nenhuma certificadora internacional foi aprovada! Para que fosse aprovada, a certificadora internacional teria que montar uma pessoa jurídica no Brasil, se apresentar pro INMETRO, ser certificada pra ser aprovada. Zero, até agora. Sítio do Moinho: importando bebida vegetal, farinha, massa, azeite, azeitona. É... é... purê, é... purê de azeitona. (Silêncio longo). Nós, então, peitamos (silêncio breve) para que esse produto tenha... (pega no frasco do AGAVE). Esse aqui é o selo SisOrg. Para que a gente consiga esse selo, eu tenho que ir pro IBD: IBD, escolhe o seu inspetor – que vai fazer inspeção pra gente. Escolhe o João. Temos de pagar a passagem internacional do João pro México. A estada dele durante uma semana, 10 dias; hotel, despesa, alimentação, telefonia, bá, bá, bá. A passagem de volta. O custo dele como profissional. Que é tudo um... custo que nós pagamos e depois o IBD nos manda a conta dela por ser a certificadora! Ab. O João é o funcionário deles? DT. O João é o funcionário deles. Nos custa por produto, 15.000 dólares por ano! E anualmente cê tem que fazer a renovação. Ab. É igual a IPVA de carro.

103 DT. Heim!? Ab. Eu não tenho carro, mas/ DT. Não, não... Mas, porra! Então, em 2012, no transcorrer desses problemas todos, o Sítio do Moinho - pasme! – esta empresasinha, pequenininha, virou o maior importador de produtos orgânicos do Brasil! Não em volume; em variedade. Ab. Rum. Rum. DT. Porque nós pagamos o cara que foi pra Itália, o cara disso, o cara que foi pro México. Indo para o Canadá, pro produto germinado, não conseguimos fazer com que nenhuma matéria-prima dele fosse certificada pro Brasil. Tivemos que cancelar o produto. (silêncio longo; 5s). Então... Aí, eu aprendi uma coisa que eu acho bacana. Você vê: a ótica – farinha, a produção da farinha é uma ciência. Deu um jeito nas costas escovando o dente anteontem. Velho, é fogo! Pra não dizer outra palavra. (risos). Ab. Velho, nada. Eu dei um aqui no braço faz tempo, já. DT. Pô, cara! Mas (silêncio longo). Você chega a um ponto... Na ciência... Num silo, eles guardam grãos. Uma vez que mói que pra fazer a farinha – a farinha tem uma data de validade de 6 meses e o grão, três anos. Colocam grão no do silo, que é uma ciência. O silo pode ser fornecido por 10 empresas. Cada empresa tem 20, 30 produtores! Então, num silo pode ter 300 fornecedores; 300, 400 fornecedores de grão. Impossível, você mandar um técnico daqui pra lá pra visitar 300 pessoas. Então, a nossa consultora, Elena Ruocco, que é uma flor de pessoa, nos ajudou muito no diálogo com – ela é italiana – no diálogo dela com os diretores dessa empresa. Chegaram a conclusão de que: “Nós vamos o seguinte: Sítio do Moinho. Nós vamos separar um silo só pra você. Neste silo, nós vamos botar grãos de 10 fornecedores para que o inspetor possa ir e fazer essa inspeção”. No fim de 2012, meio, cheio de problemas, não sei o quê. Tínhamos que renovar novamente. Estávamos naquela: “Será que vamos, será que não vamos? Pô, mas que dor de cabeça! Só dá problema”! (silêncio breve). Ahm... a Elena começou o diálogo com esses caras. Aí, eles viraram e disseram: “Sabe de uma coisa? Nós não vamos fazer isso mais não. O nosso custo administrativa de separar esse... esse silo pra você é tão alto, é tão custoso, que pra nós, quando fizemos isso, esperávamos que o Brasil pudesse importar 20, 25 contêineres”! Nós importamos dois. Ab. Tá longe, ainda. (riso contido). DT. Aí, o cara diz: “Olha, não adianta; não é rentável pra gente”. E a gente diz: “Pra nós também não, porque não adianta”! O custo operacional... Então... Conclusão: Paramos de importar farinha. Começamos a usar uma farinha... brasileira... de um grupo chamado Mirela, que importa o trigo da Argentina. Mas eles importam um trigo! Não é a ciência na Itália que é fornecida por 4, 5, 7, 10, 20 trigos diferentes com características – estudos laboratoriais indicando o quê que vai ser representativo na, na próxima farinha que vai ser moída. Conclusão: paramos de importar tudo! Éramos os maiores importadores em 2012. Em 2014, zero! Não zero, este é (mostra o AGAVE) o único produto que nós continuamos importando. Ab. E sem perspectiva de retomada? DT. Só existe uma retomada se passara ter uma compatibilização(destaque do DT) interfilosofias orgânicas, inter-países! (idem). Pode levar um anos, pode dois anos, pode levar 5 anos pra chegar lá. Mas enquanto... Ab. Mas já há essa movimentação?/ DT. Não, isto existe permanentemente. O MAPA em diálogo com o pessoal da Europa, o pessoal dos Estados Unidos, o pessoal do Oriente. Isto existe, mas... já passou quatro anos e não teve nada. Não teve nenhuma certificadora aprovada e quanto menos as... a... a, a compatibilização das filosofias e dos parâmetros orgânicos. Super complicado. Ab. Mas isso ocasionou queda nas vendas ou – de clientes – ou o pessoal que compra as cestas continua...

104 DT. O pessoal das cestas continua. Mas o interessante é que, basicamente, os nossos pães pouco vai pro domicílio. A maior parte vai pra restaurantes... Passamos a fabricar um pão... Porque nós temos duas linhas; assado e semi assado. O semi assado - veio um chefe chamado Maiê, do Restaurante Essa, do Centro da cidade do Rio. Ele disse o seguinte: “É isso que eu quero! Eu quero essa pão mini, porque o pão é fantástico”! E, é o melhor pão do Brasil. Sinceramente, eu acho, pelo menos. Farinha, da forma que é feita. Inclusive, um detalhe, que me levou a entender – outra coisa que eu não quero entrar nisso, senão a gente fica aqui horas – que é o fato de que quando o pão é fabricado, uma das matérias-primas é água. E quando a utilização é feita na água no Centro da cidade, a água é tratada com cloro! Então, o cloro que é utilizado afeta o gosto do pão. Aqui não! A água vem de um poço artesiano de 103,00m de profundidade que a gente usa pra irrigar. É a água que vem dos morros... como nós estamos num vale. E a água é cristalina, sem nenhum aditivo químico. Ab. A água clorada deve afetar, inclusive, o próprio... o próprio fermento, né/ DT. Claro! Ab. Porque é um fungo vivo. DT. Claro, claro. Muito bem. Então, suspendemos tudo. Começamos a usar a farinha brasileira... A qualidade da farinha brasileira altera o pão; ruim, péssimo o pão. Não tem a mesma qualidade; longe de ter. Tem momento que o pão, por alguma razão, escurecia muito. Em vez de ser um pão branco ficava mais acinzentado. Reclamações. O cheiro diferente porque a fermentação é de uma forma diferente. Então, teve cliente que parou de comprar. Decisão nossa! Olha o que tamos atravessando neste momento! Inauguramos uma... Temos uma loja no Rio, no Leblon. Vamos inaugurar uma segunda loja, na Barra, num lugar chamado O2! (ênfase dele na palavra O2). Que é um projeto que fica do outro lado da rua, de uma área habitacional chamada Península. Uma loja lá, que tá pronta pra ser inaugurada há 14 meses! To esperando o quê? Alvará. Ab. Eu tenho algumas, eu gostaria de voltar um pouco atrás porque foram surgindo – eu não quis lhe interromper, né? – mas foram surgindo várias... várias questões. Mas uma delas é o seguinte: O senhor é... é... falou sempre no plural, né? “Nós decidimos e tal”. Como é o processo de decisão. É... é... aqui das tomadas? No caso, os trabalhadores são convidados a participar do processo administrativo ou eles não se interessam? DT. Não, não. Nós... As decisões finais são minhas e da minha esposa, Ângela. Ab. Hum... tá. DT. Temos duas pessoas que nos ajudam muito aqui. Uma é a Adriana, a nossa nutricionista, e o nosso gerente geral, que é o Cleber . Este grupo de quatro pessoas sempre tomou as decisões todas. A decisão final é minha. Ab. Certo. DT. Mas, a gente coloca numa mesa as ideias, isso, aquilo. Por exemplo, conceitos, filosofias e detalhes sobre in comers, a compra pela internet. Eu não entendo porra nenhuma de... de... Mal uso um celular! Então, obviamente, a interferência desse pessoal é muito importante. Hoje, nesse momento, nós estamos participando de uma feira em São Paulo, chamada Vitafoods! Os mexicanos quando, primeiro nos orien, nos falavam aqui desses produtos, eles sempre disseram: “Puxa, vida... ahm... no México e nos Estados Unidos, oitenta%das nossas vendas são pra indústria! 20% é pro consumidor final”. No Brasil, 99% é pro consumidor final e 1%, indústrias. Então, a ideia é gerar o aumento para a indústria. Estar lá, nesta feira, além do cara que veio do México, Adriana, que é nossa nutricionista, o Cleber, que é o nosso... gerente geral. Estamos, porém, atravessando uma fase difícil! O Eduardo, que vai caminhar com você na horta, tá indo embora. Tá com um problema particular de saúde da esposa dele e que ele não pode... eles moram em Magé. Sobe de desce o dia todo. E o Cleber, que é o nosso gerente geral, rapaz jovem, que tá conosco a 7, vai pra 8 anos, foi oferecido um emprego – como ele diz – irrecusável. Então, tá indo embora. Estamos substituindo ele por outro rapaz que é o

105 nosso consultor, Fábio Ramos, que vai assumir a função dele, mas não da mesma forma. Mas isso também não entra muito... nisso, não. Então, tamos aqui nos preparando para enfrentar esta nossa nova forma. Temos... estamos agora – que eu só queria terminar dizendo o seguinte: Essas legislações criam parâmetros tão difíceis! Quê que nós tamos fazendo agora? (pausa). A massa que nós importamos da Itália é fantástica! Várias vezes melhor do que qualquer massa do Brasil. A loja, através da gente, através do Sítio do Moinho, importou um container de massa. Mas a massa, nós sabemos que é orgânico da origem, mas não pode ser considerada orgânica ao entrar no Brasil. Vamos oferecer um prato - não vamos dizer que é orgânico, não – por causa da qualidade da massa. Se alguém perguntar, eu tenho o... o... o... a cópia, a cópia do certificado anual dizendo que o produto é orgânico e nota fiscal dizendo que é orgânico. Pra utilizar na mesa. Chegou no Brasil um produto, sem indicação na etiqueta que é orgânico e se tivesse a indicação não entrava no Brasil. Ab. Eu to curioso o seguinte, né? O senhor me disse que a sua área agricultável é de cinco.../ DT. Cinco hectares. Ab. Cinco. São sete, mas são... dois ficam descansando. Não é isso? Ou seis?/ DT. São seis e um fica descansando. Ab. É... e como que o senhor tá conseguindo produzir pra atender todo esse mercado? DT. Não, não. Nós operamos através de parceiros. Ab. Ah, tá! DT. Nós temos, além desses 5ha... - nós devemos ter... Quando nós atingimos, aquela época dos 25.000 produtos por semana pra supermercados, além dos 5, nós alugávamos fora, em parceria, mais 25. E hoje, nós devemos ter, além dos nossos 5, uns 10. Ab. São o quê? Outros agricultores, do mesmo estilo daqui do Sítio do Moinho, ou agricultura familiar? DT. É mais pra agricultura fami/ Ab. Familiar. DT. Como é que você define uma agricultura familiar? Ab. É. Bem, no conceito que – também tem vários conceitos – a gente tá trabalhando com o co de... é... é... é o agricultor, a mulher dele e a mão de obra utilizada é a família. No máximo ele contrata uma outra pessoa num período de colheita, uma coisa assim/ DT. Em Cachoeiras de Macacu, nós temos uma senhora, Lilian, Liliane, que é dona do imóvel que tem... ela não vive daquilo. Ela é dona de uma coisa que... Ela mora no Rio de Janeiro. Mas tem os piões que trabalham por ela, que tomam conta. Do lado, a filha dela tem outra coisa parecida. O... o Eduardo conhece outra pessoa em Cachoeira de Macacu, perto de Magé, onde ele mora, que tem uma fazenda que tá nos fornecendo. Em Brejal, nós temos um cara chamado Antônio Paulo, que é que coordena... é... ele aluga um... da... da Fazenda Cafundó, 10ha, produz pras feiras e produz pra gente. Então, não que seja familiar, mas é um pequeno produtor. Ab. Tá. DT. E ele... ele é certificado às vezes pela... pela ABIO ou por outras certificações participativas. E faz um acordo conosco. Mas é sempre uma pequena dor de cabeça o tempo todo. Ele prefere... E eu tenho muito receio (pausa) – é importante frisar isso – as, o que me surpreende muito é que de repente no Brasil, uns anos atrás (breve pausa), tinha uma feira orgânica no Brasil, no Rio de Janeiro. Hoje, têm 20, 25 feiras/ Ab. Na Glória, né? DT. Era na Glória. Hoje, têm 20, 25 feiras espalhadas pelo Rio de Janeiro inteiro! De onde vieram esses produtores orgânicos de repente!? Quem certifica e... pior ou mais importante ainda, quem é que fiscaliza na feira que todo mundo que tá lá, oficialmente é um produtor orgânico? Não tem nota fiscal, vende não sei aonde e tal. Então, eu questiono!/ Ab. E aí é que entra a questão da certificação participativa que o senhor questiona? Se é que

106 há a certificação participativa. DT. Exatamente. Porque quem supostamente certifica e fiscaliza são certificadoras participativas. (silêncio breve). Eu não boto a minha mão no fogo, não. Mas, eu também não vou chegar e dizer, acontece, porque eu não sei. Mas... eu, eu questiono. Antigamente não tinha produção orgânica. De repente, 30 produtores apareceram. Que hoje, não sei o quê! Que se for verdade, ótimo! Porque está demonstrando o aumento da produção que é superimportante./ Ab. E também as pessoas comprando, não? Os consumidores. DT. Sim. Aí, começa a pequena coisa. O restaurante vai pra uma feira e compra. E servir no restaurante. Eu tenho um restaurante que começou a fazer isso. Não vou mencionar o nome, mas começou a ir numa feira que tinha a quatro quarteirões de onde ela tem o restaurante. E começou a comprar lá. Em vez da gente, comprava deles. Mas não tinha nota fiscal. Como é que lançavam na, na estrutura da... da... do restaurante dela? E depois, qual era a garantia que o produto era orgânico? Ab. Rum. Rum. DT. Ela começou a se preocupar. Voltou a comprar da gente. Mas o que levou ela a comprar na feira? Preço! Por quê? Como não tem nota fiscal, não tem toda a argamassa dos tributos a serem pagos que nós temos de pagar! Ab. Entendo. DT. Os tributos matam o dia a dia do que cê tá querendo fazer. Ab. Em relação à... à legislação: Existe alguma dificuldade, existe a legislação específica pra questão do trabalho dentro agricultura orgânica e isso traz alguma dificuldade pra empreendimentos? Eu posso chamar isso aqui de empreendimento? DT. Lógico. Ab. Pra empreendimentos orgânicos como... O senhor tem trabalhadores que são assalariados. Não é isso? DT. Ah, ram. Todos eles são. Ab. A legislação é a mesma, a trabalhista ou é... DT. (Acena com a cabeça que sim). Ab. Ah, então, nesse tocante não tem problema com a legislação em relação a isso? DT. Não. Não em leis trabalhistas. É a mesma coisa. Lei trabalhista é tudo a mesma coisa. Ab. Não. Pensei que talvez tivesse uma/ DT. Não tem benefício. Não tem vantagem. Não tem nada. É a lei trabalhista. O que é o difícil é essa expressão. E o que é difícil é que na lei brasileira, nova, além de ter (silêncio longo; 5s) produtores de (gagueja), de pequenas famílias, ou seja o que for, que operam (pausa) dentro do conceito de uma certificação (pausa), ahm, da certificação participativa. A lei orgânica no Brasil tem uma terceira característica que não existe no mundo inteiro! Que é: o pequeno produtor escreve uma carta para o MAPA, se qualificando como pequeno produtor orgânico. Ab. Mas e a necessidade da certificação? DT. E esse pequeno produtor (pausa) como não tem nota fiscal – ou se tem, eu não sei exatamente o que ele oferece – ele só é permitido vender em feiras e em domicílio. (silêncio longo; 4s). (gagueja). Cadê o resto dessa argamassa de situações que você tem que fazer pra poder dar conforto ao seu consumidor. Ab. No caso, o que o senhor acha em termos de... Qual é a maior dificuldade em termos de qualidade de mão de obra? Isso no Brasil, de uma forma geral/ DT. Mão de obra pra nós é a maior dor de cabeça. Muito difícil! (ênfase). Porque nós estamos num lugar distante. É difícil pegar o peão (pausa) porque o peão prefere trabalhar não sei aonde, ao em vez de ficar se dedicando... Nós temos pessoas que tão conosco há 20 anos. Porque são pessoas que se conscientizam, que gostam do que fazem. Regininha, que te atendeu aqui. Ahm, que trouxe o café. Tá conosco há 20, vinte e tantos anos. Ab. Ou seja, pra essas pessoas há uma diferença entre produzir organicamente do que traba-

107 lhar numa outra agricultura qualquer? DT. Não sei. Se é a filosofia do tipo de trabalho ou se é o fato de eles se sentirem bem aqui no Sítio do Moinho conosco. Não sei. Ab. Seria possível depois eu entrevistar um ou outro trabalhador? DT. Claro, claro! Por que, não? Ab. Porque isso me gerou uma curiosidade. DT. Acho que você deveria procurar, por exemplo, a Regininha, procurar a Marlene, que é uma pessoa que trabalha na nossa horta; responsável por ervas; tem uma mão fantástica! Ela tá conosco há não sei quanto tempo. Ab. Mas a... o senhor tava... Eu lhe interrompi, na verdade o erro foi meu (risos sem graça)... Eu sou iniciante na pesquisa, então, às vezes a gente comete essas cosisas: em vez de deixar a pessoa falar, fica interrompendo/ a pergunta. DT. Não, mas eu acho que/. Ah, ram. Ab. Mas o senhor tava falando do é... a dificuldade é convencê-lo... mesmo... assinando carteira, mesmo com a carga horária... toda a legislação trabalhista, ele não prefere trabalhar aqui, prefere trabalhar ocasionalmente, digamos assim. DT. Ocasionalmente. Ab. Ah, tá. Porque aqui ele teria que cumprir a carga horária/ DT. Exatamente. Isso. Ocasionalmente. É muito difícil. Você, por exemplo, motoristas que vão levar o carro pro Rio de Janeiro. Nós temos o Delei, que é o nosso chefe dos motoristas, tá conosco ah... tempão! Vários anos. Então, eu acho que... É, seria interessante você entrevistar: Ah, por que você está aqui há 20 anos? Por que você gosta tanto daqui? (silêncio longo; 6s). DT. Bem, deixa eu só – que são 11,5h, deveria ter uma reunião às 11h, mas ninguém me avisou. Não, fica sentado aí. Pera aí, deixa eu só... (fim). 7.2.2 APÊNDICE B1.1: 1ªEntrevista (2ª parte) - Dick Thompson DT. O que eu queria só... terminar com você. E se você, depois de andar por aí e pensar em alguma coisa que você queira falar... Ah, tamos à ordem! Ab. Ah, tá legal! Obrigado. DT. Eu tenho um amigo meu na Holanda – conheci há 40 anos atrás – ele, ultimamente, tem vindo pro Brasil... O que eu vou te falar é, é no sentido de... são coisas que entusiasmam a gente. Fazem a gente criar coisas diferentes. Então, na, na, na segunda visita – que ele já fez umas 4 visitas pro Brasil. Na segunda visita, ele me trouxe esse livro daqui: A vida/ Ab. “A vida secreta das plantas”. Ah, eu já li, mas li traduzido. DT. Ah, cê leu o livro!? Ab. Li. DT. Ah, que bacana, cara! Isso aqui me deixou (silêncio breve), me pirou! Ab. Hum, rum. Não. Tem cada coisa fantástica aí! DT. Que quando começa a entender que o peão quando entra numa... numa horta, ele tá mau humorado. Não está sentindo bem. Brigou com a esposa. Perdeu na loteria. Seja o que for. A áurea dele é negativa. Ele entra numa horta... as plantas murcham. Em contrapartida, descobriu uma namorada nova, tá sentindo bem, as plantas reagem. E nesse capítulo 10, que é “A vida harmônica das plantas”, dizem que se você botar em estufas, música, existe uma, um reflexo nas plantas. Aí, eles dizem aqui: Se for iê-iê-iê, samba e coisa ã, as plantas murcham. Se forem música clássica. Ab. Bach. DT. Exatamente, ele bota aqui: Chopin, Beethoven, Mozart etc. São músicas que fazem a, a, a planta reagir de uma forma melhor. Isto, eu tava lendo quando – eu não sei se te, acho que não

108 falei, não. Eu comprei a propriedade do lado, que o meu vizinho de 87 anos de idade, Manoel Marques, (silêncio breve) tava querendo vender eu não queria qualquer vizinho. Então, respeitava muito ele, o trabalho. Então, decidi comprar a propriedade. A propriedade dele tem uma área plana. É, é, é muito menor que a minha. Ele tem 16, 20.000m², que depois doou parte pras filhas. Ficou com 16. É menos de um módulo mínimo de uma área rural, que é 20.000m². Mas a área dele plana é mais ou menos 10.000m²! Que aumentaria a minha área de 5 pra 6! Aumentaria em 20%. Tá. Comprei. Aí, nesse meio tempo, comprei 6.000m² de estufas de um cara que tava querendo vender estufas de segunda mão. Construímos agora – cê... o Eduardo vai te mostrar. Construímos agora... ãhm... a primeira sequência de estufas. São 7 estufas; 50 de comprimento, 6 de largura. É... da 300m² multiplicado por 7; 2.100. 2.000 dos 6.000 tão construídas. Pô, tem música clássica! Ab. Eu ia perguntar isso: pra fazer o experimento. DT. Não pra fazer, mas uma vez construídas, por que não fazer? Então, minha. A, a Ângela, minha esposa, o pai dela, falecido há bastante tempo, amante total da música clássica, ensinou muito pra Ângela. Ângela, então, escolheu 30, 40 discos e disse: Grava. Mas não é gravar o disco! Neste disco (silêncio)... Ab. Um trecho. DT. ... a faixa 1, 4, 7, 8. No outro disco, faixa 1, 2, 3, 8, 9. Então, esse rapaz que veio aqui é que gravou pra mim e que é a pessoa que faz todo o nosso trabalho elétrico e telefônico. Ab. O... isso, isso que o senhor tá falando, o brasileiro, na forma geral e tal, tem a conversa da “mão boa”. A minha mãe dizia que a minha mão era boa. Eu coloco a mão nas plantas e as plantas. A minha companheira diz a mesma coisa. Ela me pede pra/ DT. Mas, eu acho que isso vem de um sentimento. É um, é um, é um sentimento que você tem com as plantas. Ab. É. Eu não dava importância pra isso, não! Depois que eu li isso. Foi: Pô, eu acho que a minha mãe tem (risos) e é mãe, né?/ DT. Agora, o que eu vou ter que fazer agora é medir pra saber qual é. Se, realmente... Qual é a diferença dentro de uma estufa? Bem, eu vou ter que interromper, porque eu to com duas pessoas...

109 7.2.3 APÊNDICE B2: 2ª Entrevista - Evandro Transcrição da entrevista com o técnico agrícola e gestor ambiental, Evandro. Os trabalhadores rurais Marlene e Marcos, do Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis – RJ. Local: No campo de produção. Data: 08-abr-2014 Duração: 30min e 33s. Fui levado ao Evandro, pelo Eduardo (agrônomo), que estava num momento atribulado para me conceder um depoimento. Ele não parou o seu trabalho para conceder a entrevista, mas foi atencioso. Estava lavando cebolinhas que haviam sido colhidas antes da minha chegada. Ab. Evandro. Você é técnico agrícola? Ev. Sou técnico agrícola e gestor ambiental, também. Ab. Ah, você fez/ Ev. Tenho essas duas formações, mas aqui no Sítio eu sou técnico. Ab. Você estudou onde, na Rural? Ev. Não. Estudei na UNOPAR. Ab. Ah, UNOPAR! Ev. Petrópolis. É. Ab. Tem Técnico Agrícola, aqui? Ev. Não. Fiz Gestão Ambiental. Ab. Ah, tá! Ev. Técnico Agrícola eu fiz num... em Machado, Minas Gerais. Ab. Conheço! Estudei com um cara de Machado; Marcelo. Ev. Eu estudei lá. Três anos lá. Ab. Agronomia. A gente se conheceu em Viçosa. Ev. Estudei na escola agrícola de lá. Ab. De Machado, né? Ev. É. Hoje é Instituto Federal de Ensino Tecnológico. Hoje tá violento! Antigamente era Escola Agrotécnica Federal de Machado. Era bom, cara! Fiz um curso tranquilo./ Ab. Não. Ele estudou lá, também./ Ev. Uma experiência e tanto lá! Ab. Ele fez essa graduação, é... ele fez esse curso técnico. Eu não fiz o técnico, não é? Eu fui estudar agronomia e... não terminei o curso, não. Ev. Hum. Ab. To fazendo outro curso hoje. E... to ligado hoje à sociologia rural. Ev. Ahn, ram. (Pausa longo de 8s). Ab. Você já trabalha aqui há muito tempo? Ev. Vai fazer 7 anos, esse ano. Ab. É. Uma das coisas que eu tava... que eu conversei... é... com o Dick que era sobre isso, né? Aqui, dos trabalhadores e tal... Não. Ele disse: pode ir à vontade lá, também. Fica à vontade lá e conversa com... (outro trabalhador rural interrompe). A carga horária de trabalho de vocês é, no geral, o quê? É... Ev. De segunda a sexta. É... com escala final de semana (pausa longa; 6s). É... São 8h por dia, de trabalho; 8h, e 48min a mais. Então, a gente pega às 7 e larga 4 e 48. Essas 48... Esses 48min depois é pra dar o... as horas do... as horas pro... as horas pra... Ab. As 44 semanais? Ev. Isso, semanais. Então, tem duas folgas na semana, cada funcionário. Então, o funcionário que trabalha domin... Exemplo, o cara que tá, que tá escalonado pra trabalhar domingo: ele folga sexta e sábado. O cara tá escalonado pra trabalhar sábado; folga sexta e domingo. Traba-

110 lha sábado e folga sexta e domingo. E assim vai. E a turma de segunda a sexta, normal. Ab. A sua função específica aqui é qual? O que você exerce como técnico agrícola? Ev. Tudo. (silêncio breve; 3s). Tudo o que envolve a horta. Tudinho; planejamento... Campo. Controle. Manejo fitossanitário. Controle de praga e doença. Tudo. Ab. Então, a decisão de... de plantar, como plantar, quando plantar... Ev. É eu que faço; eu junto com o Eduardo. Eduardo é... ele planeja lá... tem planejamento. Ele é o chefe de setor e tal. E eu executo aqui no campo junto com os meninos. Junto com a equipe. Ab. Ali, na parte de execução, você também participa dessa parte de planejamento? Ev. Participo. Ajudo ele. Ab. E o resto dos trabalhadores? Participam também do planejamento? Ev. Não. Não. Só eu. Ab. Aí, só executa. Ev. Só executa. (pausa longa). 3min e 30s. Ab. A... é... O que eu ia perguntar? Esqueci! A produção aqui é... específica do Sítio do Moinho, é voltada para os... o Seu Dick já falou isso comigo lá, alguma coisa, né? Mas ele se entusiasma muito... ele fala muito da questão da certificação, né? Mas a produção aqui é voltada... é produzido, principalmente, pra atender às cestas domiciliares?/ Ev. Isso. Ab. Mas no caso... é... ele... ele e a família dele também se alimentam dos próprios produtos aqui?/ Ev. Também. As filhas também. Ab. Tudo aqui, produzido aqui. Ev. Aqui. Ab. E o... e no caso de vocês, que trabalham? Ev. Também. Ab. Também. Ev. A salada do almoço é nossa. Daqui também. Ab. Como assim a salada? Aqui tem um restaurante? É isso? Ev. Tem. Tem a cozinha aqui dos funcionários. A gente almoça aqui, janta. Os funcionários residentes têm janta. Ab. Hum, tá. Aí, é tudo... toda a parte da salada, todas as coisas envolvidas com a vegetação vem tudo daqui, do próprio Sítio. Ev. Tudo daqui, do próprio Sítio. Ab. Ah, tá. Interessante. Ev. Menos arroz, feijão. Isso compra. Carne compra. Ab. Até porque isso não é cultivado aqui. Aqui, a produção é voltada, principalmente, pra olerícula? Ev. Olericultura. Geral. Aqui, na horta, a gente tem 60 culturas diferentes. A gente trabalha com 60 culturas. Dentre... As alfaces; 5 variedades de alface. É... repolho verde, roxo. Brócolis comum e o americano. Couve-flor. Vagem macarrão, francesa. Ervilha; torta e a grã. É... Banana. Tem um pouco de fruta. Tem banana. Agora é uma época boa de morango. Entra morango. Tomate cereja; amarelo e vermelho. É... Chicórias. Três tipos de chicórias. É... Ervas! Tem muitas ervas. Ab. As condições agroclimáticas aqui são bastante adequadas pra esse tipo de cultivo, não? Ev. São. São. Ajuda bastante. Ab. Mas precisa de muito trato cultural... pra produzir com a qualidade que é/ Ev. Precisa. Precisa. (pausa). Precisa. Ab. No caso, o que você considera como fundamental pra... pra... Dos tratos culturais, o que é o mais necessário pra se fazer...

111 Ev. Capina. É o essencial. Tem essas tecnologias, né? De colocar mauch; essa cobertura sobre o canteiro/ Ab. Mauch é esse/ Ev. Mauch é um plástico e tem dois tipos. Esse preto aqui. Esse preto é uma ráfia. Então, ela é bem grossa. Bem grossa. Então, a vida útil dela é, no mínimo, uns 5 anos. O custo dela é muito elevado pra gente plantar. Mas, vale à pena. Uma... uma vez ao ano comprar uma quantidade boa; uns 1.000,00m, é bom. Pra isso é vantajoso. Agora, sempre tem a diferença, porque tem o plástico branco. Tem esse plástico e tem essa ráfia. Eles têm diferença. Isso aqui é um ano só e olhe lá! Ab. Mas tem a diferença de indicação técnica pra um tipo de cultivo? O branco... pro um tipo de/ Ev. Ah, o branco. O branco... no verão, a gente usou mais o branco. A primeira vez que a gente usou esse branco. Porque ele dá mais luminosidade. Isso é importante pras plantas. Agora o preto também... O preto... o preto, ele é bom, também. Mas o preto, essa ráfia, eu acho ela melhor porque ela é mais grossa. Então, ela aguenta mais. Ela abafa mais o mato. Dependendo do... dependendo da intensidade do mato, aonde for, se eu colocar esse plástico aqui, o mato fura ele. Aquela lá, não. Ab. Porque passa luminosidade. Ev. Passa luminosidade, um pouco. Mas... é escuro também, mas tem luz. Ab. Aqui, especificamente, nessa coisa aqui, trabalham quantas pessoas? Ev. Na horta? Ab. É. Ev. Na horta, hoje, tem 7 funcionários; 7 auxiliar de produção. Eu, técnico. Eu sou técnico. O Adeilton é técnico. E tem a Gláucia, que tá fazendo pela experiência. Ela é técnica também. Ab. E... daqui vai... vai... é colhido e vai pra um outro departamento? (começamos a caminhar em direção ao galpão de recepção das hortaliças colhidas). Ev. Isso. Eu colhi agora e vai pro beneficiamento. Lá eu vou pesar, agora, essa cebolinha. Ai, eu vou saber a quantidade de molhos que tem; que cada molho aqui é 100g. Aí eu vou saber a quantidade de molhos que tem e lá, ele já vai montar, que vai usar ela hoje pra montagem... pra entregar de amanhã. Ab. E ali são quantos trabalhadores? (8min e 8s) Ev. Lá, agora? Ab. Isso. Nesse setor. Ev. Nesse setor de galpão. Vamos... a gente vai... Assim de cabeça eu não sei, mas vamos lá, que a gente dá uma olhada. Ab. Isso aqui é chuchu, né? Ev. É. Isso aqui é chuchu. Eu vou olhar lá. Eu vou falar com a Marlene . (caminhamos em silêncio por 7s). Ab. Isto tudo compõem a cesta? Ev. Isso! Compõem a cesta. Ab. Essa parte aí, você não controla, não? A de... de fazer cestas? Ev. Não, não, não. (8min e 41s). (Conversa alguma coisa com o estagiário do curso de agronomia). Aí o produto vem pra cá. Aqui, ele é selecionado e embalado. Ela faz a seleção. Embalagem. Lavagem. Tem os tanques aqui pra lavar as folhas; produtos que levam água, né? Aqui é a montagem. Ab. A montagem das cestas? Ev. Isso. Aqui é a montagem das cestas. Aquela janela ali é o mezanino (aponta para uma janela num pavimento superior). Que é... Se não me engano tem 8 repartições; 8 duplas. Que as meninas vendem. Então, cada cliente/ Ab. Ah, tá! Ali é o escritório; escritório de venda e de comercialização.

112 Ev. Isso. Então, aqui funciona assim: o cliente, o cliente... pede. Ele pode escolher o que ele quer, o que tem disponível. Passa uma lista, né? As meninas recebem um contato. Então, cada cesta é numerada. Aí, o cliente escolhe a maneira que ele quer... que tipo de produto que ele quer, que tipo de produto que nós temos disponíveis pra venda e o que ele pretende... comer em sua casa. Então... varia... o produto aqui é bem diferenciado. Uma coisa é o mercado, né? Você vai no mercado em vez de você escolher, você recebe em sua casa. Ab. Entrega em domicílio. Ev. Entrega e domicílio. Ab. Com o... o meio de transporte é da própria/ Ev. Própria empresa. Tudo aqui é nosso. Tudo aqui. Até chegar na casa do cliente tudo... toda a frota é do Sítio. Então... a gente tá bem ligado a esse... esse processo. Ele tá montando, ó; tá tudo separadinho, tudo embaladinho. Ele tá com o mapa na mão. Tá conferindo o que cada cliente quer. E aqui: as câmaras frias. O produto quando é colhido, né? Vem pra cá. Aqui é a câmara fria de frutas, né? Ab. As frutas também são daqui, do Sítio? Ev. São. Algumas coisas são, mas muita coisa também a gente compra pra revender. De produtores orgânicos. Ab. Ah, ele me falou isso. O que ele me contou. Aí, eu falei: Mas como é que o senhor consegue retirar tanta, produzir tanta... tem alguma tecnologia/ Ev. Tem. Tem. Ab. Não! Não! Mas daqui pra. “Não, a gente trabalha com...” Ev. Isso. Parceiros; parceiros de fora. Ab. Compra de outro local pra revender, pra atender às cestas. Ev. Compra de outro local, mas aqui a gente tem parceiros em outras regiões. Um exemplo. Um exemplo. Cachoeiras de Macacu. Eu não sei cê conhece lá. Ab. Conheço. Ev. Lá é mais quente. Bem mais quente que aqui. Então, lá eu consigo produzir... eu consigo produzir... e... legume, praticamente o ano inteiro. Quiabo, berinjela, jiló. O aipim vem de lá; a gente apanha aipim de lá. Ab. Porque aqui é bem frio pra/ Ev. Aqui é bem frio. Bem frio. Ab. Deve demorar um ano e meio a dois, né? Ev. Um ano e meio a dois. Lá é mais rápido. Ab. Lá, deve ser seis meses. Ev. Aqui é a câmara fria de folhas. Ela é umidificada. Então, o produto não sofre... Ab. Desidratação? Ev. O estresse. Ele não fica estresse. Ele não tem estresse. Por quê? Ele não perde qualidade. Um exemplo: eu to com uma alface lá – tem chuva e não tenho cobertura pra alface. O lote tá bom, excelente pra tirar. Se chover, pode melar a alface. Eu posso perder o lote. Às vezes vem uma chuva de granizo. Eu não tenho cobertura. O lote tá bom. O quê que eu faço? Eu pego... colhendo o lote, eu ponho tudo aqui dentro. Ele encaixado direitinho, eu ponho aqui dentro. Aqui, vai conservar ele uns 5 dias... 6 dias, até chegar na casa do cliente. Tranquilo. Não vai ter problema nenhum. Alface vindo com boa qualidade! Tranquilo. Excelente. Ab. E qual é o tempo de durabilidade? Você sabe o que ela suportaria aí, depois da colheita? Com a qualidade... Ev. Seis dias. Ab. Seis dias. Ev. Seis dias. Por aí. É basicamente esse... Ab. A temperatura ali é o quê; 15, 18? Ev. Ah, chega a... nove; 9º.

113 Ab. Nove. Ev. Então, aqui o quê que ele fez? Isto aqui é um restaurante. Ab. Ah, uma entrega pra... pro Rio de Janeiro, pra restaurante. Ev. O foco é a zona sul do Rio. Ab. Inclusive, pro’s clientes domicialiares? Ev. São. Zona sul do Rio. E aqui em Petrópolis também tem. Tem bastante aqui, em Petrópolis. Ab. Ah, é!? Ev. Tem. Ab. Ele me disse que aqui não tinha quase nada. Ev. Têm! Eu acho que, se eu não me engano, dá uns 20 e poucos clientes aqui, toda semana. Ev. É. Isso não é uma quantidade pequena. Ev. Vinte e poucos clientes. Por aí. Ab. Você sabe o total dos cadastrados? Ev. Eu acho que fecha, semanal, 200 e... quase 300 clientes. Semanal. Se não me engano. A meta é chegar a 400! Ab. Por semana? Ev. Por semana. Ab. Vocês produzem batata aqui, também, ou batata de vem de fora? Ev. Vem de fora. Batata vem de São Paulo. (14min). Agora a Marlene vai entrar na hora de almoço. Mas é uma boa. Agora é uma hora boa de falar com ela. Na sombra. Cê quer ir no campo tirar foto? Como é que cê quer? Ab. Não. Isso aí eu posso fazer depois. Isso posso... até porque eu to com dificuldade aqui de perguntar e ao mesmo tempo ficar registrando. Eu já vi que isso não vai dar certo. Ev. Ah, tá. Ab. É melhor eu fazer as imagens sozinho. Ev. Depois, cê para e tal. Ab. É. Depois que eu parar de... de conversar. Porque se eu ficar... não, vou fazer uma. Não vai sair nem uma coisa e nem outra. Ev. Porque agora é hora de almoço. Ab. Ah, se você achar que é adequado, eu posso conversar com ela. Mas, eu também não quero atrapalhar, não. Eu quero.../ Ev. Não. Tranquilo. Ab. Eu quero... eu quero interferir o mínimo possível. (alguém passa e o Evandro pergunta: Conseguiu?). (Já caminhando em direção ao campo de cultivo novamente ao encontro da Marlene). O mínimo possível na rotina de vocês. (Caminhamos por 8s em silêncio). É. Só por curiosidade. Na verdade, isso é curiosidade minha, mesmo. A... Vocês trabalham com sementes... produzem as... as sementes ou... ou compram mudas? Ev. Não. Não. A gente compra as sementes e produz a muda aqui. Ab. Hum... Tá. Eu pensei que a Rumi de repente fornecesse pra cá. Porque aí, não é orgânico, né? Ev. A Rumi tem orgânico. Eu compro semente dela, também. Compro muda, quero dizer. De vez em quando, quando falta aqui, pra mim, no meu escalonamento, quando falta, eu recorro a ela. A dela é certificado também. Ab. Não. Eu sei.

114 7.2.4 APÊNDICE B3: 3ª Entrevista - Marlene Ev. Marlene! Por favor, vem cá! Deixa eu perguntar um negócio pra ocê! (Volta-se para mim). Seu nome é? Ab. Abilio. Tudo bem? (Cumprimento a Marlene). Ev. Ele é... está estudando... sociologia rural. Aí, ele quer fazer uma entrevista; conversar. É... sobre os funcionários mais velhos da horta. Conhecer. Conversar como é que é o dia a dia. O quê que cê faz. O que cê gosta de fazer das coisas. Um funcionário mais velho e um mais novo. Mais novo é o Marcos. Depois, vai falar com o Marcos. De fazer essa entrevis... que aí, ele tá intermediário; tá batendo uma papo comigo, tá batendo um papo com o Edu. Ab. Já conversei com o Dick. Ev. Já conversou com o Seu Dick. Agora ele queria bater um papinho contigo. É coisa rápida; 5 minutinhos. Pode conversar com ele? Marlene. Posso. Ab. A música clássica! Ele me contou isso aí. Marl. Risos. Ab. Como é o seu nome, mesmo? Marl. Marlene. Ab. Marlene. Cê tá trabalhando aqui, no Sítio do Moinho, tem quanto tempo? Marl. Ah, de carteira assinada tem 10 anos. Mas você já trabalhava antes? Marl. Já trabalhava antes. Então, o total, total da 14 ano. Ab. 14 anos. Marl. Isso. Ab. Aí, só depois do 4º ano que passou... mas essa... essa assinatura da carteira foi direto pra todo mundo ou foi especificamente/ Marl. Não. Não. Porque a gente era meeiro. Ab. Ah, cês trabalhavam como meeiro! Marl. É. Aí, depois, eles botaram como empregada. Aí, foi melhor, né? Ab. Hum. Marl. Aí, eu to aí esse tempo todo. Eu cuido de erva. Ab. Você trabalha, especificamente, com as ervas. Marl. É. Meu trabalho é cuidar delas. Ab. E pra você teria... – essa pergunta é meio assim – mas teria alguma diferença... você trabalhava antes como agricultora também? Marl. Isso. Ab. Mas era na produção convencional ou era sempre orgânica? Marl. Não. Era aqui mermo; orgânico. Ab. Ah! Era sempre aqui! Você começou no orgânico. Marl. É. É. Ab. Ah, tá! Então... eu vou te perguntar de qualquer forma, né? Teria pra você alguma diferença hoje se... Por exemplo, se o Sítio do Moinho fechar e tal. Se você tivesse que trabalhar num outro local que usasse é... agricultura da forma convencional? Marl. Aí, seria ruim, né? Ia ser difícil. Aí, eu nem ia mexer com isso aí, mais não! (Risos). Ab. Mas, por quê? Especificamente. Marl. Eu ia fazer outra coisa. Ah, porque faz mal, né? Não é bom, não. Se fechar o Sítio, eu vou trabalhar de outra coisa. Não vou mexer com planta mais, não. (Risos). Ab. Não. Eu to falando só porque... é só numa hipótese, já que você... Marl. Não. É. Se um dia isso vier acontecer, né? Não dá, não. Além, nunca mexi com isso. Aqui é a primeira horta que eu trabalho.

115 Ab. Você, antes, trabalhava com quê? Marl. Oi? Antes eu trabalhava em casa de família. Eu era doméstica. Ab. Ah, e veio direto pra agricultura... Marl. É. É. Aí, o meu marido veio primeiro, né? Aí, depois eu larguei a casa de família e vim também, trabalhar com ele. Aí, agora, ele saiu e eu fiquei. Ab. Vocês têm... é... podem... é... levar parte da produção pra casa? Como é que é? Marl. É. Quando eles liberam, a gente leva, né? Alguma coisa. (Risos). A gente sempre leva. Alguma coisa sobrando. Aí, eles dão pra gente. Ab. Mas, aí é... isso não faz parte assim, digamos da... da rotina: Eu tenho tanto... direito a levar por mês... Isso é só ocasionalmente. Marl. Não. Não. Não. Só se sobrar. É. Se sobrar... Ab. É no caso daquilo que não vai pra... pra... pra cestas, né? Por um motivo ou por outro não vai pra cesta, aí... Marl. Isso, aí, eles libera e todo mundo leva.

116 7.2.5 APÊNDICE B4: 4ª Entrevista - Marlene, Marcos e Evandro Marc. O que tá mais ou menos. Ab. Oi? Marc. Isso que tá mais ou menos dá pra aproveitar. Isso que tá mais ou menos. Marl. Osch! Coisa boa! (Risos). A gente leva coisa boa. Marc. Só bota coisa, mas é coisa boa! Tá mais ou menos do lado, assim... Já num bota, que não tem como. Aí... Ah. Então, tá. Então, especificamente, não tem uma parte da produção que seja voltada pra... pro’s trabalhadores daqui, não. Né? Por exemplo... tem uma areazinha aqui. Aqui todo mundo planta e... é... é... Ev. Pra levar pra casa? Ab. É. Ev. Não. Não. Ab. Vocês são trabalhadores assalariados. E aí, se o caso de sobrar por um motivo ou de outro, pode levar. Ev. Pode levar. Aí, a gente libera. Não tem problema, não. Colhi um lote. Sobrou algumas alfaces que não dá pra vender. Aí, eu dou pra eles. Gente, cês querem levar pra casa? Pode levar. Ab. Ou pra você também, né? Mas você mora aqui, mesmo! Ev. É. Eu moro aqui, mesmo. Ab. Ah! Só por curiosidade também: a maioria dos trabalhadores é... residem aqui ou residem fora? Ia perguntar isso pro... pro Thompson, mas ele falou com tanto entusiasmo de outras coisas, que eu esqueci. Marl. (Risos). Ev. No nosso setor, que é a horta, três residem. O restante é de fora. Da redondeza; Itaipava, Petrópolis. Ab. E... mas, por exemplo: eu saltei, saltei lá no ponto final do... e vim a pé. Tem um transporte de lá ou vocês vão lá buscar? Ev. Tem Kombi. Busca, né. Tem a Kombi. Eles não sobem a pé, não. A gente busca; busca e leva. Ab. Ah, tá! Aí, leva até o ponto e... Ev. Leva até o ponto. Aí pega o ônibus e de lá vai pra casa. Ab. Quantas pessoas trabalham na horta? Ev. 10. Ab. 10. Aí... só três que residem aqui? Ev. Três residem aqui. Ab. Ah, tá. Beleza. Acho que... Eu tenho umas coisinhas aqui, anotada. Como ele falou, ia ser... ia ser rápido. Ah! Eu te perguntar..! No caso quando um trabalhador entra de férias. Tem alguém que é substituído ou faz um rodízio? (20min e 42s). Ev. Faz um rodízio. Porque... porque hoje tá muito difícil achar mão de obra. Tá muito difícil. Eu acho que... o homem do campo tá acabando! Tá ficando escasso. Tá acabando. Tá difícil achar uma pessoa que gosta de fazer isso aqui; trabalhar no campo. Tá difícil de achar. Difícil arrumar pessoas que queiram, que gostam deste tipo de trabalho. Mar. Também tem que gostar, né? (Há uma fala simultânea e, por isso, incompreensível, mas de poucos segundos). Ev. Tem que gostar! Se não fazer com amor e carinho não vai. Marc. Ainda mais essas coisas aí! Ev. É detalhesinho! É detalhe! Tem que gostar. Marc. Se o cara não gostar, não adianta. Que a pranta num se sente. Cuida dela direitinho. Ela

117 se sente também. Ela vem bonita. Agora, tu cuido de mau vontade, ela se sente. Ev. É verdade. Marc. Qualquer pranta. Prantá também. Quando tu pranta com amor, elas vêm bonita quando tu ranca os mato. Agora, tu arrancá com ignorância, com raiva; até isso sente. Tem gente que pensa que não, mas elas sente. Ab. (voltando-me para a Marlene). Você tá me falando isso aí, especificamente, você veio trabalhar aqui porque você tava só procurando um emprego. Não foi isso? Marl. Não. O meu marido veio primeiro. Eu tava empregada. Ab. Ah, você trabalhava com... Marl. Eu trabalhava de doméstica. Então, eu falei: Ah, vou pra lá também. Aí, vim pra cá também. Ab. E o quê que mais te atrai pra você ficar aqui trabalhando? Marl. Ah, eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito. Eu não sei fazer outra coisa, pra te falar a verdade!(Risos). Ab. Ué, você não trabalhava antes/ Marl. Não. Mas hoje se for preciso de eu ir pra lá, já é completamente diferente. Marc. Vai se enrolar um pouquinho, né? Porque a pessoa vai se acostumando aquilo/ Marl. Eu gosto da terra. Eu gosto disso aí. Eu gosto do que eu faço. (silêncio). Ab. Tá legal. Como é seu nome? A gente tá conversando... Marc. Marcos. Ab. Marcos? Ev. Esse é mais um dos novo. Ab. Ah! E você veio pra cá foi como. Eu to perguntando por... por... o que te levou a... vim a trabalhar a aqui. Marc. É porque eu já passei aqui. Tem muito tempo já. Tem muitos anos já. Aí, eu vim pro coisa que arrumar serviço aqui. Eu já trabalhei nisso, mas há muitos anos, né, cara! Ab. Mas, não aqui, no Sítio. Marc. Não. Não aqui. Mas em outros lugá. Eu era mais novo, né? Que eu mexia com isso aí, também. Já era novinho. Aí, deu pra esquecer um mocado de coisa. Ab. Ah, você ficou um tempo sem trabalhar na agricultura!? Marc. É. eu trabaiava mais em obra, sítio. Essas coisas assim; é o mais que eu pegava. Em horta, memo, é mais é aqui. Ab. E no que você/ Marc. E até que não tinha esses negócio aqui, era tudo... só canteiro de fora a fora, que a gente fazia as risca. Agora tá mais fácil. Tá a medida certinho. Tu vai embora. Mas de primeiro não era, não. Pô, que a gente tem a linha certinha. A quantidade. Quantos colocava. Mas era isso. Ab. É. Mas quando você trabalhava antes era agricultura convencional, né? Que utilizava todos/ Marc. Quando eu vim pra cá? Ab. Não. Eu to dizendo, antes de você vim pra cá, quando você trabalhou como agricultor. A agricultura que você trabalhava era a que utilizava... é... adubo químico, utilizava... é... produto químico pra controle de infestação? Marc. É. Tinha também. Era mais negócio de alface, das coisa que eles pranta aí. Ab. E aqui não tem nada disso. E aqui não tem nada disso, certo? Marc. Não. Tem esses negócio, sim. Que eles bota aí. Às vez eles mistura alguma coisa. Era isso também que era... passado. Mas, muitos anos atrás também, né? Muita coisa. Eles mexia com isso também. Esse negócio de líquido. Essas coisa assim. Ab. Pra você tem alguma diferença trabalhar naquela agricultura ou trabalhar nessa? Aqui? Não to dizendo, especificamente, o Sítio do Moinho, não. Nesse tipo de agricultura que é praticado aqui. Se você... Que é praticada aqui e é praticada em um outro local, a mesma. Pra

118 você teria alguma diferença trabalhar nesse tipo de agricultura ou na anterior? Antes. Marc. Não. Não. (silêncio breve). Fica tranquilo. Ab. Então, qualquer... A que vier, você topa!? Marc. É. Se sair daqui e tiver outro lugar, eu garro assim mesmo, também. Num esquento, não! Que é um serviço que eu gosto também. Morei muito pro lado da roça. Então, gosto de mexer com essas coisas também. Qualquer coisa. A gente vai fazendo! A gente não sabe, a gente aprende. Eu não sei mexer com isso, não! Porque eu sou sincero. Eu falo memo! Ó, eu não sei mexer com isso, não. Igual eu vim: “Ó, sabe mexer com isso”? Eu falei assim: “Mais ou menos”. Que tem gente que fala que sabe pra pode pegar o serviço, né? Aí, depois o cara... Ah, pega, faz aquilo ali: “Eu não sei, não”. “Ué, tu falou que sabe”! Fica meio chato. Eu já sou sincero. Isso eu sei. Isso eu não sei. Igual o Sítio. O cara fala assim: “Tu sabe mexer com piscina?” “Isso, eu não sei, não”. “Mas o restante tu sabe”? “O restante tu pode botar na minha mão que eu desenrolo tudo”. (silêncio breve). É, ué! Né!? Tem que ser... É, ué! Num sei. Agora, eu vou fala: “Eu sei mexer com piscina”. Aí, o cara fala: “Hoje, tu lá vai mexe com piscina”. “Ih! Eu não sei, não”! “Ué!? Tu não falo que sabia”!? Aí, eu vou fica meio lá meio cá! O cara vai vê que eu já num tira. Era cá que começa. Então, eu falo a verdade. Ab. O... Uma pergunta pra Marlene, aqui, que tá me ocorrendo. O seu marido trabalha ainda aqui? Marl. Não. Ab. Não trabalha mais, não? Hoje, aqui. o quê que mais te atrai pra trabalhar aqui, na localidade, no Sítio do Moinho? Marl. O que me atrai? Ab. É. O que você mais gosta, assim, que... que... o que te mantém aqui, né? Marl. Ah! Porque eu gosto também, né? Ab. Desse trabalho... Marl. Gosto. Gosto. Aquilo que eu te falei, eu não sei fazer outra coisa. Eu gosto. (silêncio). E é isso. Ab. É... Eu perguntei pra ele e... aí... pra ter mais dado – apesar de eu não tá trabalhando com estatística – eu vou perguntar pra vocês também. Cês são chamados a... a decidir alguma coisa do quê plantar, como plantar? Ou apenas recebem as instruções de, de... Ah, hoje, eu vou ter que trabalhar aqui. Hoje, você trabalha aqui. Amanhã, vai ser ali. E tal. Ou você tem... Não. Eu queria trabalhar lá, no outro canto, por causa disso, disso, disso... Vocês chegam... vocês chegam a sentar pra discutir... é... o que vão... o que vão... trabalhar; no que vai trabalhar ou é uma decisão que vem da administração e vocês cumprem essa decisão? Marl. Ah, na verdade, eu só cuido das minhas pranta, né? Às vezes, o Evandro precisa de mim pra fazer um outro serviço. Eu largo elas e vou fazer o outro serviço. Ab. Ah! Então, tá. Era isso que eu... Marl. Na verdade, memo, eu só fico com elas. Entendeu? Ev. Quando a gente aperta um lado, eu recorro a ela. Marl. É. Aí, eles me chamam. Eles me chamam. Porque nas ervas, só eu que mexo. Eles mexem só quando eu não to final de semana; sábado e domingo. Ab. Então, você é a responsável pela parte da erva, de ervas. Ev. Todinha. Ab. Oi? Ev. Todas as ervas é por conta dela. Marl. É. Aí, quando eles se atolam, eles precisam de mim. Aí... aí, eu vou lá. Aí, eles me pedem. Aí, eu vou fazer. Ab. E tem mais alguém trabalha contigo nas ervas? Marl. Não. Sou eu. (risos). Ab. Não mexe nas minhas ervinhas, não! (risos de todos).

119 Marc. A gente não pode nem mexer! Se mexer, ela zanga também! “Não. Não. Aqui é só meu”! Marl. Sábado e domingo eles mexe. Que aí é minha folga. Mas de segunda a sexta sou eu. Ab. Só pode eu e o dono, né!? O dono porque é dono! Marl. Risos e gargalhadas. Marc. Se tiver mais um olhando: “Opa! Minhas prantinha, aí, heim”! Ab. Olha esse olhar! Tá meio torto pra cima das minhas... Marc. Tem que olhar com amor, também! Se não as minhas pranta fica feia! Marl. É verdade! (risos). Não. (Referindo-se ao Marcos). Às vezes ele também me ajuda quando eu to enrolada aí. Que às vezes saiu muita coisa. Inclusive, hoje, né? Terça e quinta é o dia que sai mais erva! Ái, na terça-feira passada ele me ajudou. Um ajuda o outro, né? Ab. Cê tá trabalhando aqui com essa música? Marl. To. Que a música vai na horta toda! (risos). Ab. Ah, tá na horta toda! Marl. Não. Assim. Dá pra escu, dá pra ouvir... Ab. É... num tem a ver, mas... com o meu trabalho, especificamente, mas isso é uma... uma questão de ambiente de trabalho. Quê que cê achou da música? O quê que cê tá achando de trabalhar com a música? Te incomoda? Cê tá achando bom? Marl. Não incomoda, não! Tá bom. Ab. Você percebeu alguma diferença na... no... crescimento da planta com a... Marl. Ainda não, né? Ainda não tem diferença, ainda não, porque tem pouco tempo, né? Começou essa semana. Não foi? (Volta-se para o Evandro). Foi essa semana. Ev. Começou quinta-feira da semana passada. Ab. Você já conhecia esse tipo de música? Marl. Não. Ab. Nunca tinha ouvido? Marl. Não. Ab. O quê que cê tá achando? Marl. Ah! Pra’s pranta vai ser bom! (gargalhadas). Ab. Não. To dizendo pra você, né? É. Cê tá gostando das músicas? Não tá gostando? Marl. Num é tão ruim, não! Mas também num é tão bom! (Gargalhadas). Marc. Vai levando, né? Marl. Dá pra levá. Ab. Você preferia o quê? Marl. Ah, uma sertaneja! (Gargalhadas). Ab. Tá certo. Marl. Uma sertaneja. Um forró. Marc. Porque também se tiver a música e o cara não cuidá das prantas direito. Também não vai. Tem que ser os dois, ué! A música e nós, né! Ab. Rum. Rum. Marc. É, ué. (Risos da Marlene). Se tiver só a música e não cuidá direito elas não se sente! Num sentido. Tu tem que cuidá com carinho, também. Ab. Você tá trabalhando aqui há quanto tempo, Marcos? Marc. Ah, tem poucos tempo. Tem um mês, só. Ab. Tá ainda em... em... estágio. Marc. Na experiência. Ab. Estágio probatório? Ev. Quem? Ab. Ele. Tem esse esquema aqui? Ev. Tem. Tem um período de experiência. Ele tá no período de experiência. A pessoa, ele

120 veio, fez uns testes com a gente, de diária. Aí, a gente gostou do serviço dele. Ele gostou do ambiente. Contratamo ele por um período de experiência por 90 dias; 45, 45. Ab. Aí, com as mesmas... cumprindo as mesmas normas da legislação trabalhista? Carteira assinada. Horário. EV. Tudo certinho. Tudo certinho. Marc. Tudo na benção. Ev. Aí... depois passou esses 90 dias, já tá efetivado. Já é contratado. Ab. Cê tá há quanto tempo? 30? Marc. É. Eu acho que vai fazer ou... fez. Ev. Vai fazer por aí. Marc. É. Vai fazer, vai fazer. Ab. Bem, pessoal. Olha só, eu queria agradecer muito vocês. Assim, no geral, porque... coisas na minha cabeça vem, mas eu que vocês tão no horário de almoço e também eu não quero atrapalhar. Mas, pra minha pesquisa, especificamente, tá mais que... bom. Tá. Eu queria agradecer. Marlene, né? Sucesso pra vocês. Marc. Volta sempre! Volta sempre! Ab. Tá legal!

121 7.2.6 APÊNDICE B5: 5ª Entrevista (1ª parte) - Eduardo Transcrição da entrevista com o engenheiro agrônomo, Eduardo da Costa Guimarães, do Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis – RJ. Local: Escritório. Data: 08-abr-2014 Duração: 34min e 24s. Ab. Tentar... é... deixar... as nossas conversas agrícolas.../ Edu. De lado. Ab. É! De lado! Ou um pouco mais na tangente, apesar de... pra mim acaba sendo difícil. Acho que pra nós dois. Mas, primeira, primeira coisa: Você é formado em agronomia. Não é isso? Edu. Formado em agronomia. Ab. E o teu nome é o quê? Eduardo? Edu. Eduardo da Costa Guimarães. Ab. E... cê exerce qual a função, especificamente, aqui no Sítio do Moinho? Edu. Hoje, eu... na verdade eu tenho um (1) mês que eu não sou mais funcionário do Sítio. Eu sou um consultor do Sítio. É... Eu sou um prestador de serviço. Eu era gerente de produção. O agrônomo responsável por toda área de produção. Por toda parte de compras e pelo galpão de beneficiamento de produtos. Mas, de 30 dias pra cá eu mudei a minha relação, por uma necessidade particular minha. E aí, eu tive que sair, mas continuo atendendo o Sítio como um prestador de serviço. É... três vezes na semana. Ainda tenho uma responsabilidade com o pessoal do campo que ainda não tem nenhum... não entrou pessoa ainda pra substituir. Ab. Então você tá nesse/ Edu. É. Ainda... ainda... Por mais consultor que eu seja hoje – não seja funcionário do Sítio – eu ainda... as pessoas ainda me reconhecem como o responsável pelo setor. Né? Ab. Por falar nisso. Você tava já trabalhando aqui há quanto tempo? Edu. Trabalhando no Sítio há 7 anos, já. São 7 anos de trabalho. Ab. Assim que se formou? Aí, veio pra cá? Edu. Não. Eu formei... tive um tempo de experiência... numa ONG. É... com produtores na minha cidade. Magé. Com a... assistência técnica também. E aí, depois de um ano e pouco, eu vim pro Sítio. Conheci o Sítio e trabalhei aqui. Ab. É uma coisa que eu queria que o... o Seu Dick tivesse me falado, mas acabou não dando tempo. Quando eu perguntei, ele começou a falar, mas veio uma outra coisa e aí... eu... o desviou da... na.., ele tinha também indicado pra eu conversar com o... acho que é o gerente geral, né? Tem. Edu. Tem. Tem um gerente geral. Ab. É. Mas a disse que ele tá viajando. Ele não tá aqui. Você como é que tá organizado a estrutura de produção aqui, no Sítio? Eu to tentando entender isso. Pra mim seria importante. Quais são os cargos. Como é que tá organizado. Eu sei que seria ele, talvez, a pessoa mais indicada, mas como já aqui há/ (2min e 40s). Edu. Eu consigo te responder isso. Como é que funciona aqui? Na verdade, são duas empresas aqui, né? Então, eu não trabalho, eu não trabalhava no Sítio do Moinho. O campo, o... vamo botar assim, a horta, é... a pessoa física do Senhor Dick, John Richard Lewies Thompson. Nós trabalhamos pra pessoa física; pro produtor rural. Então, o campo é produtor rural; CPF . O Sítio do Moinho: ele é apenas embalador dessa mercadoria que vem do produtor rural. O Sítio compra do produtor rural. Embala. Beneficia. E vende pro seu cliente final. Então, o Sítio tem uma outra estrutura, que é muito mais complexa do que a do campo. Então, o campo, uma empresa à parte, que tem o seu responsável técnico, o agrônomo, que seria e... no

122 caso era, era eu! Com os seus técnicos agrícolas, num nível mais intermediário, e com os seus funcionários de auxílio de produção. Que é o pessoal que trabalha na horta. No Sítio do Moinho é um pouco mais complexo, né? Você tem aí... subdivisões, que vai desde o DP, gerente geral, o DP. É. Setor comercial. Setor de compras. É... estoque. É... galpão de beneficiamento. E... logística. Ab. Que é o transporte? Edu. É. Toda a logística. Transporte. Faturamento de nota. E representante de venda. Ab. Então, é uma... uma empresa como... outra qualquer. Edu. Isso. Como outra qualquer. Ab. Então, aqui, na verdade é um Sítio que tem... que tem... duas empresas... é... no mesmo local. Sediada no mesmo local. Edu. Isso. Hoje, pra complicar um pouquinho, são três. Ab. Ele me falou alguma disso, mas... Edu. Hoje: é o Produtor Rural, pessoa física. Sítio do Moinho. O Sítio do Moinho... o Sítio do Moinho nem é a mais a... a... era o embalador. O Sítio do Moinho, agora, é o responsável pela importação de produto. Tudo o que é importado, entra pelo Sítio do Moinho. E o... SDM Comercializadora, uma empresa nova que a gente criou, foi criada, virou o embalador de produtos. Ab. Então, todo esse processo que eu vejo/ Edu. Ali embaixo. Ab. A partir do momento que sai da horta e chega ali embaixo é feito pela...? Edu. SDM. Ab. SDM Embaladora? Edu. Comercializadora. Ab. Comercializadora. Edu. Ela embala, beneficia e vende. O Sítio do Moinho que sempre foi a... a única, né? Ela foi deslocada pra ser a representante da importação. Pra ser a... a... operar com a importação. Ab. Pô! Então, vamu tentar fazer como o esquartejador, né; por partes. (Risos). Na parte... da agricultura. É... é... você disse que é a... a... essa primeira empresa... Edu. John Richards; é o Produtor Rural. Ab. É o Produtor Rural. Mas isto tá registrado é... como pessoa física ou..? Edu. Pessoa física. Ab. Pessoa física, né? Edu. Inscrição estadual. Ab. E tem quantas pessoas trabalhando para a pessoa física? Porque ele, ele não trabalha com enxada, essas coisas. Edu. Não. Não. São... hoje são 10 pessoas. Ab. Dez pessoas? Edu. Dez pessoas. Ab. Que trabalham na produção das verduras. Edu. Na produção das verduras. Ab. Na olericultura, especificamente. Edu. Isso! É isso, aí. Ab. E todas com carteira – já me falaram – assinada? Edu. Todas. Todas. Aqui, no Sítio do Moinho... é regra, né? Via de regra você vai botar em todas as empresas, né? Dentro do grupo é carteira assinada. Tudo dentro da lei trabalhista. Ab. Ah, tá. Porque... não... não existe uma... uma legislação específica do trabalho pra a agricultura orgânica, não? Edu. Existe. Existe a que é. Na realidade, não existe uma específica. Existe o seguinte: na... a agricultura orgânica tem que respeitar a lei trabalhista. (silêncio breve). Que faz. Não tem

123 porque inventar dentro do... ela tem que tá de acordo com a lei trabalhista. Nenhum... A gente via muito relações de trabalho que (breve silêncio), de empresas que não tinham os seus profissionais é... os seus funcionários com CLT e tal. Dentro da lei, né? A lei de orgânicos, ela não pode liberar os certificados se... não tiver com os... os funcionários registrados de acordo com a lei. Ab. E esses trabalhadores aqui tão registrados como o quê? Como agricul. É. Trabalhadores rurais? É essa que é a categoria, reconhecida? (silêncio breve). Ou você não sabe? Edu. Aí, acho que até tá... a nossa categoria tá mais voltada pro... a categoria do... de alimentos. Ab. Então, o pessoal que trabalha produzindo ali na horta e tal... não é como... é... (silêncio breve). Não é um agricultor assalariado. Seria um... uma outra denominação. Edu. É. Auxiliar de produção! Tem uma outra... a gente tá ligado ao, associado ao... sindicato dos, de alimentos, né? Então... tem uma outra linha de... (silêncio). Ab. E com relação. É. Aí... Nessa, especificamente, tem você como o... o... como se fosse um capataz, não é isso? Naqueles (fala irônica), naqueles termos antigos que a gente conhecia da agricultura. (Risos). Que é um coordenador geral da produção. Edu. É. Hoje... sempre. É. Continuo sendo, né? Um coordenador de produção. Ab. Aí, você coordena um grupo de 10 trabalhadores. Sendo que o cara que tá logo abaixo de você na hierarquia dessa coordenação é o... o Evandro, que é o técnico agrícola? Edu. É. Aí, eu tenho dois apoios, né? A gente trabalha com dois, um tripezinho, que é o Evandro e o Adeilton. São dois técnicos agrícolas que... desenvolvem tarefas mais executivas que, com o pessoal do campo, né? Então, a gente... Como eu não to muito no campo. Então, eles são... esses caras que tão levando a execução do trabalho pros demais. Ab. O planejamento do trabalho é... o que vai ser produzido, como vai ser produzido e como vai ser comercializado. É... você faz parte dessa... desse processo de discussão ou você recebe uma orientação que vem de um superior pra fazer isso? Edu. Não. Na verdade, sou eu que faço também, né? Como funcio, a gente...inicialmente a gente sa... é... (breve silêncio). A gente recebe informação do... do que... da... da quantidade que o setor comercial consegue vender e o que precisa, né? Pra atender os clientes. A gente transforma isso em metro quadrado (m2) no campo. Transforma isso, no viveiro de mudas, em bandejas de muda. E... Agora, o que vai ser produzido aqui, dentro do Sítio, é uma discussão interna que envolve o campo, eu, né? Os diretores, os donos, né? E o gerente geral. E um consultor também, de fora. A gente tenta enquadrar aquilo que a gente quer produzir. Tenta chegar num consenso do quê que é a... do quê que os donos gostariam de ver e o quê que é... que tem um rendimento bacana e que é possível plantar na nossa área. Ab. Mas isso é voltado pra atender a mercado. Não é necessariamente pra atender a vocês primeiro como/ Edu. Não. Ao mercado. Ao mercado. Não. Ab. Tá. Era isso que eu... eu tinha uma dúvida com relação a/. Aí, o resto dos outros trabalhadores, né? No caso, é você e... e os dois técnicos. Então, são 7 trabalhadores que trabalham com... com... Então, eles participam de alguma forma de decisão disso ou só são executores? Edu. Não. Essa decisão, não. São executores. Eles participam de outras coisas, né? Aqui tem um modelo bem participativo. Aqui, na atuação na horta. Participam em... ideias, sugestões, em modelos de plantio, manejo. Aí, o pessoal é... pariticpa. Ab. Mas vocês os convocam ou se eles têm alguma coisa.... opinião a dar, alguma coisa a fazer/ Edu. As duas coisas. As duas coisas. Existe... um pessoal que... tem uma capacidade de...de... de expressar a suas opiniões rapidamente. De pronto. Então, a qualquer momento tá falando contigo. E tem aqueles momentos que a gente faz reunião...que alguns são mais tímidos. E aí, eles conseguem naquele momento é...é... se colocar também. Mas é livre acesso; a todo mo-

124 mento, ele tá podendo falar, sugerir. Ab. Essas reuniões. Os objetivos delas quais são? É. Elas acontecem é/ Edu. Avaliar, avaliar o serviço em geral. Avaliar o nosso trabalho, né? Avaliar o que a gente tá fazendo. A forma que a gente tá fazendo. Como todo mundo tá... como é que tá o andamento do pessoal, também. A nível pessoal...no serviço, né? Se tem algum problema. O dia a dia; procedimentos do dia a dia, memo. Ab. E... sabe a frequência disso? Edu. A gente faz uma vez por mês. Não tem uma... não tem uma necessidade... Não tem uma data marcada, agendada. Mas muitas vezes até acontece antes. Mas... o prazo mínimo, assim, é 30 dias. Ab. Geralmente, um dia dá pra... dá... Edu. Uma hora, né!? Nem um dia! É meia, meia hora de reunião; bem objetiva; todo mundo conversa e fala. Meio-dia do nosso serviço. Meio-dia, 1h do nosso expediente. Não é um extra. Ab. Em relação a... instrumento de trabalho. Qual é o principal instrumento de trabalho aqui; no campo, na produção? Edu. Aqui? (suspira profundamente). Ah, depende do funcionário! A gente tem assim, como tem... (silêncio e outro suspiro) umas atividades específicas pra cada funcionário. Então, tem gente que só capina; tem um trabalho mais de capinar. Então, esse cara trabalha muito com a enxada. Aí, tem o cara que trabalha com o maquinário, né? Com trator, microtrator. Aí, só trabalha com esse maquinário. Ab. O microtrator seria pra... pra feitura dos canteiros? Edu. Feitura dos canteiros. Carregar produto, né? O que colhe, carregar. Tem um pessoal que trabalha muito com... com pulverizador costal. Ab. Mas o quê que é? Edu. Pra controle de, é calda alternativa, adubação. Mas assim, se fomos falar da ferramenta mais utilizada: é a enxada. É a enxada. É o que a gente mais usa. Ab. Vocês fazem adubação foliar? Edu. Foliar também. Ab. Já to eu entrando na... (risos). Edu. Também. A gente, né? (risos). Deixa eu ver aqui se não eu me perco... Ah, tá! Bem, eu acho que da parte específica, pelo menos do que eu to me recorrendo aí, do... do... da parte da produção, eu acho que, eu acho que é isso! Né? Acabei de perguntar sobre adubação foliar e... Aí, depois que esse foi o processo (risos) é feito aí, vem pra essa segunda empresa que agora é a de embalagem, não é? Edu. Isso. Ab. Aí, você sabe – pegando a mesma questão, né? – como é que tá estruturada e quantas pessoas têm trabalhando? Edu. Aqui no galpão de beneficiamento a gente tem (silêncio breve) 7 pessoas. Sete pessoas ali pra produzir o produto e... montar as cestas pros clientes. De 7 a 10 pessoas. Tem todo um processo. Chegou no galpão, seleciona, limpa, lava, embala e... despacha na cesta do cliente. É assim que se faz.Tá em torno de 10 pessoas fazendo isso. (silêncio longo). Ab. Mas tem. Como é que tá organizada, assim, a estrutura. É... É. Você já falou, né? É... chegado, pesado. Edu. Chegou e... a horta. A produção entrega o produto - tem um setor chamado de setor de recebimento; ele recebe esse produto. É... dá entrada no produto. Esse produto vai para a câmara fria. Esse produto, à medida que o pessoal do galpão de beneficiamento for precisando, o... o galpão vai sendo alimentado com esses produtos, dando baixa no estoque da câmara e eles vão começar a fazer um trabalho de lavagem, secagem. Alguns produtos são pesados, outros são molhos, outros são unidades. Então, eles preparam. Eles pegam um produto; maté-

125 ria-prima e fazem produto acabado! É. Beneficiam. Transformam em produto acabado. Esse produto acabado vai pra um outro setor, que é o setor de despacho da cesta do cliente – cada cliente tem um número específico; de 1 a... quantos clientes forem; 10, 40, 50, depende do dia. As cestas são personalizadas. Então, o que o cliente pediu, a gente vai entregar pra ele – tendo o produto. E esse produto que entrou matéria-prima e foi transformado em produto acabado, ele vai sendo despachado na cesta do cliente de acordo com aquilo que o cliente pediu. E automaticamente essa cesta montada, finalizada, ela volta de novo pra uma câmara fria de despacho. Onde tudo fica acondicionado em temperatura baixa e... depois vai pra um caminhão, que também é refrigerado. Que por final, vai pra casa do cliente. Ab. Só por uma curiosidade. Essa temperatura baixa é o quê: 10, 15 graus? Edu. Cinco. 5 graus. Abaixo até de 5. Ab. O transporte também? Edu. Também. Tudo do mesmo padrão. Temperatura padrão. Ab. Esse processo todo é feito por quantas pessoas? Edu. Então, sai de um balcão de beneficiamento de 7 pessoas a 8. Pro uma... de um galpão de montagens das cestas que é feito por 2 pessoas. Depois vai entrar num processo de cadeia de logística que é feita por mais 2 pessoas. No máximo 12 pessoas. Aí, tem as partes mais burocráticas. Que á a parte da... faturamento de nota, que é um outro setor que nada envolve com a produção. Então... é paralelas, né? Alguém que emite pedidos, que é o setor de vendas. O setor de faturamento fatura nota. Enfim, funciona dessa forma. Ab. Relações pessoais? Edu. Não. Não temos... Você diz o quê, um SAC? Ab. Departamento pessoal. Edu. É. O departamento pessoal é muito em função da, da contratação dos funcionários, pagamentos. Não tem muito a ver com a... o ciclo de operação. É muito mais a, a... é, é... a parte da empresa que trabalha com os salários intern, as pessoas internas; os funcionários. Ab. O pessoal do transporte pertence a... a... Edu. À empresa. Ab. ...a qual área? A área de comercialização? Edu. Sim. Hoje a gente tem 10 pessoas; 10 no produtor rural. (silêncio). Botar aí uns... 55 a 60 pessoas na comercializadora. Na de exportação deve ter duas pessoas, no máximo. Ab. Exportação que você diz aquele transporte? Edu. Importação! Desculpe. Da importação. Ab. Importação que seria o Sítio do Moinho?/ Edu. Sítio do Moinho. Isso. Ab. Que fazem os contatos de/ Edu. É. Pra existir a empresa. Ab. No total tem quantos trabalhadores aqui? Edu. Deve ter uns 70, entre 70 e 75 pessoas. Ab. É. Porque eu conversei com a garota e ela falou mais ou menos isso. Mas no... eu... eu imagino. Eu falei, pô! O Sítio do Moinho deve ter um portal. Aí, eu resolvi entrar ontem. Aí, tava lá falando 53 pessoas. Edu. Então, é. Deve tá atualizado agora, então. Ab. Não. Ela disse que acha que tá equivocado. Edu. Ah, é!? Tudo bem. Deve ser essa parte que eu te falei, né? Que a gente não fica. Sempre sai bastante... Sai. Entra. Da, da um fluxo que saiu, então... Ab. Aqui tem uma... uma.../ Edu. Rotatividade? Ab. É. Rotatividade de mão de obra. Grande? Edu. Tem, tem.

126 Ab. Principalmente onde? Na... na... na... na parte da produção do campo? Edu. A produção... A produção... ela tem uma rotatividade pequena. Não é tão grande, não. É... mas existe. No... Como hoje tem pouca gente, a... é muito mais representativo no... no SDM. Na comercializadora. Sai bastante gente. Entra. Renova bastante. Ab. Você sabe qual é o principal motivo do pessoal de... Entrar, geralmente, é procurando emprego, né? Aí, é... [o motivo] a mais de sair. Edu. Ah! Isso tem vários fatores assim. A gente vai ouvindo durante a... o tempo que a gente tá aqui, né? Tem gente que consegue um serviço mais próximo de casa, né? A gente tem um fator aqui que é a distância, né? Não tá próximo assim... não é um lugar tão próximo... Ab. Próximo que você fala é da residência dos trabalhadores? Edu. É. Da residência dos trabalhadores. É... muitas das vezes não é... é por objetivo profissional também, né? Querer fazer outra coisa. Aqui é uma empresa de ramo alimentício que a gente, tipo.... Não... não tá voltado pra isso. Tá por uma necessidade de trabalhar, mesmo. (breve silêncio). No campo é muito. Hoje, no campo, na área de produção, é muito porque... a gente não tem muito mão de obra de campo, né? É... o status da mão de obra do campo é muito ruim, né? A pessoa que trabalha no campo tem um status bem, bem ruim. Apesar de muitas vezes em... em termos financeiros... melhor do que muito outro emprego aí. Na cidade! E acaba que cê não consegue fixar uma pessoa. Cê não tem mais hoje, trabalhadores de campo, né? Você não consegue tra... Ab. Trabalhador rural. Edu. É. Não tem mais trabalhador rural. Cê tem gente que vem e aprende a fazer o serviço e... é... mas muitas das vezes não é aquilo que ele quer. Ele tá aqui por um... uma necessidade pessoal que depois que ele acha um outro lugar, ele vai. Esse é um dos problemas que a gente tem. Ab. Não, cê falou uma coisa que eu nem tinha parado pra pensar. Não ia nem perguntar, mas tocou num assunto, né? Você disse que às vezes a... a... a condição de salário é até melhor do que... é... fora. Qual é a faixa salarial desses trabalhadores do... que trabalham na produção, no campo? Edu. É. Aí, depende do nível. Um novato, ele sempre entra com um salário mínimo, né? Mas a gente tem esses salários abaixo de salário e meio, dois salários. Aí, depende do... do profissional, né? Quanto tempo ele tá. Ab. É o caso desse rapaz que entrou? O Marcos, não é isso? Edu. Isso. Ab. Ele entra com salário mínimo. Edu. Isso. Ab. E o... e ele tá aqui tem um mês, né? Edu. Isso. Ab. O caso da... – vamos pegar os extremos – é o caso da.../ Edu. Marlene. Ab. Marlene! Tá aqui há 14 anos. Ela me falou que trabalhou 4 anos como meeira. E aí, depois, 10 anos que ela tá como trabalhadora com carteira assinada e tal. Qual é o salário dela? Edu. Marlene deve tá aí com uma faixa de 1 salário e meio, fora as... os benefícios que... é... incluem... o... o tempo de trabalho, né? Ab. Ah, tá. Edu. Mas essa... Uma faixa de salário mínimo. Que não é muito, né? A gente tá aqui falando que, realmente, tem uma... (silêncio breve). Um, um... não tem também tanta... (silêncio breve) perspectiva, assim, tão rápido, né? Não é tão, tão rápida a... a mudança, né? Isso é um complicador também. Ab. É... só. Me ocorreu o seguinte: Aqui tem a panificadora, né? Edu. Ah, ram.

127 Ab. É... a panificadora pertence a qual.../ Edu. A SDM. Ab. Também. Aí, na... na panificadora trabalha mais quantas pessoas ou esse pessoal todo que você falou é outro grupo? Edu. Não. O grupo de 65 a 70 inclui a panificadora. Ab. Inclui a panificadora. Tá. Edu. Eu não sei dizer quantas pessoas tão na panificadora. Eu não sei, mesmo. Deve ser numa faixa de 6 pessoas, 7. Acho. Exatamente, não sei. Ab. São o quê? Padeiros? Edu. Se eu não me engano, são dois padeiros, dois ajudantes de padeiro. Os outros cargos eu não sei te falar. O auxiliar de produção. Não sei, não sei como é que é a definição dos cargos na panificadora. Não sei te dar essa informação. Ab. Cê chegou aqui no Sítio como? Edu. Eu cheguei... é... Um amigo trabalhava nessa área de orgânicos, também, aqui, em São José do Vale do Rio Preto. E ele viu um anúncio de uma pessoa (breve silêncio). Que tinha um consultor do Sítio... é... ou que, o consultor que ajudou a montar o Sítio tava procurando estagiários. Aí, eu mandei o currículo pra ele. Fui entrevistado (breve silêncio). Fui o último a ser entrevistado. E fui selecionado por ele. E to aí, desde então. (simulação de riso). Ab. Ah. Então foi por um outro/ Edu. É. Foi por um consultor, né? Geralmente os funcionários que trabalham aqui na parte da – os técnicos de campo, né; agrícola, agrônomo – são... são... são selecionados pela consultoria. Hoje a gente tá selecionando uma pessoa. Eu também fiz parte da seleção dessa pessoa, através do consultor, também. Ab. Só por curiosidade. Você conseguiu, tá conseguindo ganhar o salário mínimo do agronômo? (risos). Edu. Não. Não. Não consigo. O teto, né? Ab. É. O teto, no caso. (silêncio). Deixa isso pra lá! (risos). Edu. É um complicador. (risos). Difícil essa relação, né? Bem complicado. Ab. Eu nem sei quanto que tá hoje! Quando eu estudava/ Edu. 6 salários. Ab. Quando eu estudava eram 8, cara! Baixou!? Edu. Não, acho que. Ab. Eram 8. Eu me lembro que o pessoal, o pessoal falava de 8 salários mínimos que era o mínimo, o salário mínimo do agrônomo. Edu. Se não me engano eram 6 salários mínimos. Sai a 4.000 e pouco, 300. Mas não vai a isso aí. Cê tem outras formas de ganhar. E não em carteira, né? Em carteira, não. O telefone tocou e a entrevista sofreu uma pausa com a interrupção da gravação, sendo retomada do ponto de pausa. Ab. Encerrar. É... eu fiz essa pergunta pro, pro Dick também. Mas, de repente, como você trabalha direto, cê tem uma outra visão. Ele falou muito no geral. Qual é o principal problema em termos de mão de obra... aqui? É... pro Sítio contratar um trabalhador? Edu. No campo é... é... achar trabalhador rural. E... e... pagar o valor. Pagar o valor. Esse é um problema. Ab. Pagar o quê? O valor oferecido? Edu. É. O... o... o trabalhador aceitar o valor. Esse é um... principal. Porque se for de longe, o Sítio dá moradia, né? Enfim. Mas o problema é achar esse trabalhador que tá cada vez mais escasso. E... quando achar é... negociar o valor. Na parte da SDM, da comercializadora (silêncio longo; 4s) é o objetivo profissional, né? De querer trabalhar numa empresa de ramo alimentício, né? Não são... não temos tantos espaços aqui pra... de uma empresa de... de... de

128 área urbana, né? Empresa de área rural. Então, é difícil enquadrar as pessoas nesse... nessa linha aí. Ab. Precisa ter uma formação prévia pra... pra... (silêncio)/ Edu. Trabalhar na SDM? Ab. Tanto, tanto no campo/ Edu. Não. Não. Ab. Ou embaixo na... na SDM? Edu. Depende. Depende do cargo, né? Se for um cargo específico, sim. Ab. Agrônomo! Técnico agrícola. Edu. Técnico agrícola. Pessoal que trabalha no financeiro, na... administradores. Nutricionistas. Isso é. Agora, na, na... quando falamo, quando falamos de auxiliar de produção é... é geral, né? É... qualquer um. Em algumas áreas pedem 2º grau, outras não. Ensi fundamental. Tem uma diferença. Ab. A... a... você falou em... se o trabalhador mora longe tem... tem... aqui tem... residência? É oferecido no sentido de pagar um aluguel pequeno? Alguma coisa assim? Edu. É. A gente tem um alojamento que fica pro pessoal do campo; os trabalhadores rurais. E é um aluguel simbólico. Pra ele morar ali e tal e desempenhar o trabalho dele. Não são pra todos. Não temos... né? Pra todo mundo que quiser morar ai. É limitado. Tem um limite... aí de... 8, 8 a 10 funcionários... se quiserem morar aí. São alojamentos. Não são casas. São... quarto... quarto conjunto, né? Dividido pra 2 pessoas, pra 3 pessoas. Ab. Tá. É... atualmente tem quantas pessoas nesse/ Edu. Morando aqui são (silêncio) uma, duas, três... Morando, tem umas três pessoas. Hoje. Se eu não me engano são duas da SDM e uma, uma só do campo. Ab. É... além – Isso também é importante, mas não tava passando pela minha cabeça – além do, de pagar o salário... o quê que o Sítio do Moinho oferece é... o que seria uma... ou uma vantagem ou uma facilidade pro... pro trabalhador? É... você tá falando, por exemplo, o caso do... do alojamento, né? Edu. Ahm, ram. Ab. Se ele morar distante... é... Essa distância também é bastante abstrata, né? O que seria o distante? Mas de qualquer forma tem um... se... tem um local pro, pra ficar. É possível conseguir um local pra residir aqui. Edu. Isso, isso. Ab. Além dessa questão da moradia tem mais alguma outra... é... coisa que o... o... que é oferecido, que cê poderia/ Edu. Pros funcionários, em geral, é oferecido assim... Tem um... tem um plano de... um valealimentação mensal... pra todas as empresas. É... existe, não muito bem formatado, mas existe... O Sítio oferece treinamento, curso de capacitação. Ab. Interno. Edu. Interno e externo. Ab. Mas é mais pro pessoal de... Qual área? (silêncio). Esses cursos de/ Edu. É pra todos, né? No nível geral. Em geral. Era muito mais frequente. Mas é oferecido o curso de capacitação pra todos. Existe uns que o Sítio promove. Existe alguns é... mandamos os funcionários fazer. Pedimos, né? Solicitamos. Outros os funcionários solicitam e a empresa, se possível, ajuda pra ele fazer esse curso. Existe essas modalidades aí. Ab. Só pra entender. O vale alimentação é do restaurante daqui de baixo? Edu. Não. Não. Ab. Ah, é outra coisa!? Edu. É um vale-alimentação compra; ticket-compra, né? É um cartão pra você poder fazer as suas compras no final do mês. Ab. E... o... restaurante/

129 Edu. Ele é pago, né? Ele tem uma. Bom. Uma contribuição... uma contribuição baixa pra você... ter todas as suas refeições do dia aqui. É bem baixa. A contribuição. Não chega nem a dar R$1,00 por dia. Ab. O... por almoço ou por almoço e janta?/ Edu. Por dia. Dá R$1,00 por dia, mais ou menos. Pra você ter café da manhã, almoço, lanche da tarde e... e quem mora aqui ter janta. Ab. E... os produtos que são servidos no... no restaurante... é... vem de fora ou é do próprio, produção do próprio Sítio? Edu. Não. As hortaliças aqui é salada, né? O que é produzido aqui usa tudo em salada. Mas, o restante é de fora. Ab. O restante o quê? Arroz, feijão? Edu. É. A base, né? Arroz, feijão, carne é de fora. É compra. Ab. Por uma – lá vou eu (risos) – por curiosidade agronômica. O Sítio tem uma, faz uma... uma... casamento entre produção agrícola e produção animal? Edu. Não. Ab. Não? Nada? Edu. Não temos produção animal aqui, no Sítio. Ab. Vocês trabalham com adubação ou é... ou com aquele tipo de agricultura que trabalha só... rejuvenescendo... a vida do solo? Edu. Trabalhamos com adubação. Ab. Adubação orgânica? Edu. Orgânica; composto orgânico, bokashi, biofertilizante. (silêncio). Essa é nossa forma de adubar. Ab. E... calagem, não naquele sentido de 80% de saturação de bases, não. É só pra repor cálcio e magnésio. Edu. Isso. O telefone tocou novamente e a entrevista sofreu uma pausa com a interrupção da gravação, sendo retomada do ponto de pausa. Ab. É... (risos). O adubo vem, vem, vocês compram? É externo? Edu. É. O esterco é comprado. O esterco é comprado. Ab. A maioria vem de onde, daqui dessa região? Edu. Daqui da região mesmo; São José, Areal. Mas a maioria é de São José. Petrópolis, mesmo. Ab. Bovino? Edu. Bovino, aves e equino. Todos os três. Ab. Mas há uma necessidade grande de... desses/ Edu. Sim. Pra poder fazer a compostagem tem que ter a parte animal, né? Esterco animal. O resto vegetal a gente tem aqui, mas o animal a gente não tem. Então, tem que comprar. Vem de fora. Ab. Seria, mais ou menos, a fonte de nitrogênio? Edu. Isso! Isso. Isso aí. Ab. Camarada, muito obrigado! Edu. Foi um prazer. Ab. O prazer foi meu, cara! Sucesso na carreira de agrônomo. Fico feliz quando eu vejo um cara novo assim que tá na carreira de agrônomo e tá gostando do que tá fazendo. Edu. Pô, legal!

130 7.2.7 APÊNDICE B5.1: 5ª Entrevista (2ªparte) - Eduardo Ab. É... (entre risos) voltando àquela conversa nossa. O que você considera assim, que seja fundamental para um trabalhador aqui pra... pra própria produção do orgânico? Edu. É. Fundamental assim que a gente – que eu entendo fundamental assim – não só na produção orgânica, mas qualquer tipo de atividade, acho que (breve silêncio) o ser humano é o centro de tudo, né? Você pode ter... melhores equipamentos, procedimentos. Mas se o ser humano não for valorizado, o profissional, não acredito que funcione nenhuma atividade. Na nossa principalmente, né? Que é... o produtor é tão desvalorizado, né? É tão... é... O status dele é tão baixo, né? De... um trabalhador rural tem um status tão baixo. Mas se... se o ser humano não for o principal de tudo, o processo não funciona, não. Não vai pra frente, não. Ab. É... já que a gente tocou nesse assunto, você tem uma média, assim, de quanto tempo – tirando os casos extremos, né, do rapaz que acabou de entrar e a Marlene que tá há 14 anos aqui – uma média de tempo que ao ser contratado depois que passa do período de experiência, é... o trabalhador costuma ficar? Edu. 1 ano. 1 ano é o máximo, assim. Cê tem, em média, 1 ano. Aí, cê começa a ter uma rotatividade. Aí, cê tem que trocar. Tá sempre em troca. A Marlene não é parâmetro, não. Ab. Hum, rum. Mas, aí, são eles que pedem pra sair ou vocês que vêm que não tem/ Edu. Não, são. Na maioria, são os funcionários que pedem pra sair. Ab. Tá legal. 7.2.8 APÊNDICE B5.2: 5ª Entrevista (3ª parte) - Eduardo No campo a caminho de receber o microtrator. Edu. É caro? É. Mas é o que... é a solução que a gente tá tentando que fazer pra... é... diminuir a condição de mão de obra. A gente não tem! Um trator. Melhor do que o... diminuir o uso de mão de obra. Então, pô, vamo... Ab. E esse trator aí foi adquirido agora? Edu. Foi. Ab. E o objetivo dele é pra o quê? Tração? Edu. Tração. Carregar mercadoria. Ab. Pô, novinho! Tá com plástico novo. Edu. Ele é novinho. Ele é pequenininho também. Ab. Isso daí não compacta quase nada, não? Edu. Não. Ele é como se fosse um microtrator. Até os elementos dele é de um microtrator. Ab. Isto é o quê? Um Massey & Fergusson? Edu. Não. Trator Yanmar. {A partir de agora eles começaram a preparar o trator para descer do caminhão. Enquanto isso fui registrando a atividade em imagens digitais, pausando a gravação. Estavam presentes um trabalhador rural, aparentando ter uns 50 anos (Paulo Cesar), o próprio Eduardo, o Evandro (técnico agrícola) e o motorista do caminhão da revendedora em Teresópolis que veio entregar o trator.} Ab. Aqui é produzido o quê? Nessa parcela aqui é produzido o quê? Ev. Aqui? É tudo; alface. É o mesmo produto que produz lá na frente. Ab. Ali são canteiros de cenoura, logo depois? Depois da alface. PC. Ali tem. Tem uma porção de coisa ali. É cebolinha. Tem repolho. Ab. Os dois primeiros são o quê? Alface? PC. (...) cebolinha. Tem 5 (...) de alface plantado ali.

131 7.2.9 APÊNDICE B6: 6ª Entrevista - Paulo César Transcrição da entrevista com o trabalhador rural, Paulo César, do Sítio do Moinho Alimentos Orgânicos, localizado na Estrada Correa da Veiga 2405. Santa Mônica – Itaipava – Petrópolis – RJ. Apesar de um curto tempo de conversa, de estar na hora do café e por isso boa parte da conversa foi feita a caminho do refeitório, e do entrevistado ser gago e com uma pronúncia difícil de ser compreendida em muitos momentos, foi a única vez que pude ficar a sós com um trabalhador do campo de cultivo, cujo principal instrumento de trabalho é a enxada. Local: Campo de cultivo.

Data: 08-abr-2014

Duração: 5min e 23s.

Ab. Qual é o nome do senhor? PC. Paulo César. Ab. Paulo César? PC. É. Ab. O senhor já é agricultor há quanto tempo? Trabalhador rural. PC. Oi? Já to aqui o quê? Já vai pra qua-4 ano. Que eu to aqui. Ab. Mas o senhor era trabalhador rural antes? PC. Trabaiva assim, negócio de-de obra; servente. Aí, depois que eu vim pra cá. Ab. Ah, tá. Então antes de o senhor ser trabalhador rural, o senhor era... trabalhava na construção civil? PC. Era servente assim de-de-de obra, né? Ab. O senhor tá gostando desse tipo de trabalho? PC. To. Ab. E qual é a vantagem que o senhor vê em relação a isso ou trabalhar na construção civil? PC. É bom, né, cara!? Isso é be-be-beleza pura, né? Aí. É bom, né? Ab. Mas, assim, o quê que dá mais satisfação em relação a quê? PC. Aí, tem tudo aí que a pessoa faz, né?. Tudo com negócio de pranta. Essas coisa. Ab. Ah, mexer com a planta! PC. É. É muito bom. É ótimo! Ab. É melhor que mexer com cimento? PC. Heim? Ab. É melhor que mexer com cimento? PC. Ah, depois que a pessoa acostuma, né? Isso é. Ab. Mas foi difícil pro senhor no início!? PC. Não. Não foi. Isso já num. Não é muito difícil, não. Eu já trabaiei em lavoura, mas assim, muito tempo, né? Foi fácil pra mim. Não foi difícil, não. Ab. Hum. Então, tá. PC. Limpá pra mim, isso é mole, né? Vim pra cá, sabia como é que é, né? Só podê prantá que eu tava meio por fora. Foi fácil também, né? Foi fácil de apre-prender. Ab. E o quê que fez o senhor voltar pra... procurar aqui, pra trabalhar aqui como...? PC. Porque eu tava em obra. Aí, acabou a obra. Fiquei desempregado. Aí, uma colega lá da grota me indicou com eles. Aí, arrumou pra mim aqui. Aí, deu uma força e eu vim aqui. E deu-deu certo. Fez o teste, né? Assim no teste eu entrei até hoje aí. Ab. Ah, tá! O senhor reside aqui mesmo no Sítio? PC. Heim? Ab. O senhor reside aqui mesmo no Sítio? PC. Co-como assim? Ab. O senhor mora aqui, no Sítio do Moinho? PC. Não. Aqui dentro não. Eu trabalho aqui. Eu moro lá em Co-Corrêas. Pra lá de Itaipava. Ab. Sei. Sei.

132 PC. Pra lá de Nogueira. Sabe aonde é? Ab. Conheço. Eu moro no... Quarteirão Mosela. Lá na Mosela. PC. Eu moro lá. O lado de Vista Alegre[ininteligível]. Entrando no Corrêas e-e Nogueira. Pra cima daquela fa-fábrica da, de-de que foi de cigarro [ininteligível] Souza Cruz. Moro ali. Ab. Hum, rum. PC. Não é ruim, não. Vamo pra lá, né? Ab. Vamo. PC. Tomar um café. (caminhamos em direção ao refeitório). (silêncio). Nunca veio aqui, não? Ab. Não. É a primeira vez. Eu vim, to... Na verdade, eu to fazendo um trabalho de pesquisa, mas eu gosto disso, né? Senão – PC. Ah, tá! Você tá fazendo trabalho – não teria vindo. PC. (...) de pesquisa aí. Ab. É. Na verdade, eu to entrevistando os trabalhadores aqui. PC. Ah, tá certo! Ab. Por isso que eu to perguntando pro senhor há quanto tempo o senhor tá trabalhando aqui – PC. Tá, certo, vai – e tal. Se tá, se tem alguma coisa que o senhor mais gosta ou que não gosta. PC. É. O ruim daí é o go, [ininteligível] tem coisa a gente não gosta, não, né?. [ininteligível] a gente [ininteligível], né? (silêncio). Eu trabaei em lavoura. Aí, negócio de tomate, e o meu pai parou muito tempo e foi morar em negócio de fazenda; fa-fazer pasto pra negócio de gado. Essas coisa, né? Aí, parou com lavoura. Aí, bem tempo que a gente não mexe. Aí, voltei outra vez pra cá. Aí, já ta aí. To-to entendendo mais ou meno. Ab. Aí, o senhor trabalha fazendo... plantando e... e... PC. Faz tudo; limpa, pranta, né? Só pra colher que eu não to treinado, assim. Só [ininteligível]. Depende da pessoa, né? Pra colher já tem as pessoas certo, que já entende, né? É isso. Ab. Que tem uma forma – PC. Na hora tem que ter ajuda também. – específica pra colher?/ PC. Heim? Ab. Por que tem uma forma específica pra colher? PC. Ter tem, né? A pessoa que tá mais acostumado. O que tá bom de tirar. O que não presta, né? É isso. Ás vezes ele quer até ajuda também. Ab. O senhor entra aqui a que/ PC. Coisa mais fácil. Ab. Ah, ram. E qual é a carga horária assim de trabalho. O senhor entra aqui a que horas e pode sair que horas? PC. É. 7 hora. saio 4, 4 e 48. Qua, Quase 5 hora, né? É isso. Ab. Dia isso o quê? De domingo a domingo ou de segunda a sexta. PC. Não. É de segunda a sexta. (4min e 16s). [ininteligível]. (4min e 31s). Talvez até volte, dependendo do que for. PC. É. Voltar é melhor. (muito barulho dos nossos passos no chão com pedras e atritos da mão no gravador, mas também teve um período de silêncio). Esse trabalho da estufa: são vocês mesmos que estão construindo ou tem gente de fora? PC. Não. Isso aí tem-tem gente lá pra fazê. Uma pessoa já trabalha já 3-já 3anos aqui dentro, aí. Ele tá fazendo isso aí. [frase ininteligível]. É bom isso aí. Quando tá chovendo vai pra debaixo da estufa. Tem coisa pra fazer, né? Ab. Mas quando tá chovendo só tem... continua debaixo da chuva? Não atrapalha/ PC. Não. É de-debaixo da-da estufa. Melhor, né? Ab. Claro. PC. Eles tem capa. Agora tu fazendo a estufa é me-melhor, né? Ab. Hum, rum. PC. Vamo tomar um café ali? Ab. Tá legal! Vou passar ali, primeiro.

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