AS TREVAS E O CORAÇÃO DOS HOMENS - UMA BREVE ANÁLISE DE O CORAÇÃO DAS TREVAS DE CONRAD

October 9, 2017 | Autor: K. Araujo Silva | Categoria: Joseph Conrad, Literatura, Crítica literária, Imperialismo
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As trevas objetivas e subjetivas: o coração dos homens – uma análise da obra O coração das trevas de Joseph Conrad. Kaue Vinicius de Araujo Silva Pós-graduando em História, Sociedade e Cultura – PUC-SP.

Pensar sobre os processos de dominação territorial, econômica, política e ideológica que solaparam os continentes africano e asiático durante o século XIX e XX mostra como a ação violenta - que o sistema econômico vigente atribuído ao tipo de regime político aplicado – conseguiu se instaurar de forma sistemática, ignorando singularidades culturais em suas diversas formas. Com base nesta configuração político-econômica a obra O Coração das Trevas de Joseph Conrad é muito significativa para analisar, entender e buscar os valores atribuídos, seja nas concepções sócio-históricas, seja na estética literária, seja o período que foi escrito e a subjetividade do autor. Há, portanto, um complexo jogo de relações que fomentam a obra, seu criador e o contexto onde se encontra. Desta forma, o romance de Conrad é um material riquíssimo para analisar tais questões sob a óptica da teoria e crítica literária, da psicologia e da História cultural. O discurso de Conrad em Coração das Trevas remete a uma crítica sobre o processo caracterizado como civilizatório, encabeçado por países europeus industrializados durante o século XIX, onde as conquistas colonizadoras empreenderam processos de extração e produção de riquezas por meio da violência, da atrocidade. A história se passa na região da África subsaariana, especificamente nas selvas do Congo, região símbolo das transformações psicológicas das personagens Marlow e Kurtz.

Deve-se

lembrar de que o autor desenvolveu-se como literário tardiamente: após atividades em várias companhias como marinheiro, em 1894, onde inclusive visitou o Congo pela Societé Anonyme Belge pour Le Commerce Belge pour Le Commerce du Haut-Congo em 1890, que lhe daria o motivo para escrever O coração das Trevas, considerado um cânone da literatura ocidental. O contexto histórico do qual Conrad escreve seu romance caracteriza-se pela imersão do cientificismo como éthos de vida acadêmica, grosso modo, 1

pela valorização e investimento na ciência em detrimento do misticismo; pela crença no processo civilizatório, típico da sociedade industrial europeia posto em prática nas conquistas colonialistas da África e da Ásia; pelos estudos de psicologia e psicanálise que influenciaram efetivamente toda a atmosfera intelectual (das ciências às artes); pela regulamentação do “capitalismo selvagem” alicerçando as bases de uma economia que se fazia mundial pelos regimes liberais e democráticos - evidentemente uma democracia moderna, representativa, mais procedimental do que substancial, portanto. A literatura inglesa nesse período passa por transições de caráter temático e objetivo devido ao esgotamento do Realismo do século XIX. Foi durante os primeiros anos do século XX que os literários romperam com as estruturas do Realismo descritivo, passando a direcionar seus romances para a atmosfera psicológica e moral das personagens. As obras de Conrad, desta forma, são geralmente caracterizadas como “romantismo de aventura”, como Robert Louis Stevenson seu contemporâneo, ele narra aventuras exóticas e viagens conturbadas tanto na psique das personagens, quanto no próprio espaço onde se passa a história. Conrad, em sua narrativa, arquiteta de maneira ímpar sua crítica dura às explorações colonialistas não limitando ao espaço geográfico do romance, mas fazendo referencias desde as conquistas do império romano, como volta-se no tempo e encontra-se um mundo misterioso, selvagem e assustador. Seu jogo discursivo das personagens faz sua narrativa se desenvolver de maneira caleidoscópica, onde o processo psíquico tanto da personagem-narrador, Marlow, quanto da personagem-símbolo, Kurtz, monta uma correnteza discursiva de perda dos valores, das crenças e da própria ideia de humanização. Desta forma, como espinha dorsal do coração das trevas, a problemática

dicotômica

dominador/dominado

se

torna

latente,

sua

complexidade de instaurar não só a tensão do choque das civilizações – entre europeus e africanos – mas também da dominação mental das trevas inconscientes é o que conduz a própria corrida irracional do processo de autoafirmação do eu (familiar, civilizado, racional) perante o outro (estranho, bárbaro, bruto). De um lado há Marlow, o protagonista, que ao conseguir um 2

posto como capitão de um barco fluvial, tem a missão (uma característica fundamental para compreensão do romance) de contatar Kurtz, um agente da companhia de marfim que representa o horror, a crueldade e a loucura em que o ser humano pode chegar durante o processo colonial. A missão, portanto, faz da viagem um processo de duas dimensões interligadas: a viagem física, do espaço geográfico, seria a dimensão externa e a viagem interna, ou dimensão interna, onde o protagonista terá contato com o interior obscuro/solitário do ser humano, conflitando deste modo, com os valores éticos e morais da sociedade europeia daquela época. Além dessa configuração psicológica das personagens, pode-se analisar Marlow como o alter ego de Joseph Conrad, que como já citado, vivenciou o processo de colonialismo na região do Congo, sendo, portanto, testemunha ocular das atrocidades que o ideal de progresso liberal alimentava até então. Desta forma, Marlow aparece ser a própria voz de civilidade que ressoa em busca do conquistador, explorador e moribundo Kurtz que se perdera nas trevas da floresta tropical. No entanto, a obra de Conrad sofreu duras críticas posteriores no que tange a representação negra, geralmente citada de maneira genérica, coletiva e, às vezes, caricatural. Seria então O Coração das Trevas uma justificativa imperialista ou um libelo anti-imperialista? Não é pretensão discutir tal questão aqui, contudo, deve-se atentar sobre o perfil e o contexto histórico da qual Conrad estava inserido e saber o quão instigante e crítica é a sua obra sobre o processo de colonização de corpos e territórios africanos. Como fonte histórica, a literatura (assim como outras fontes) trás uma gama infinita de discussões e possibilidades de análise e crítica. O historiador que se debruçar em tais atividades culturais deve sempre olhar seu documento de pesquisa de modo complexo, não limitando apenas a uma visão estética da obra, mas dialogando com outras áreas do saber, construindo assim, um rico corpus teórico a partir das fontes estudadas. Fica evidente, portanto, a importância da literatura na História Cultural para entender e interpretar uma

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dada realidade que cerca não só os literários, mas também a sociedade em geral partindo de seu imaginário coletivo. BIBLIOGRAFIA: CONRAD, Joseph. O coração das trevas. Coleção Clássicos Abril. São Paulo: Editora Abril, 2010; Enciclopedia do estudante vol.07. Literatura universal – Escritores e obras primas do mundo. Coleção Enciclopedia do estudante. Vol. 7. São Paulo: Moderna, 2008; TAVARES, Enéias Faria. O coração das trevas, de Joseph Conrad: Defesa de uma utopia colonialista ou crítica ao sistema imperialista de seu tempo?. Artigo acadêmico para o curso de pós-graduação em letras. Universidade Federal de Santa Maria.

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