SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 12º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Santa Cruz do Sul – UNISC – Novembro de 2014
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Aspectos estruturais na relação entre telejornais e telespectadores
Beatriz Cavenaghi 1 Maria José Baldessar 2
Resumo: A compreensão das relações que se estabelecem entre os programas telejornalísticos e os telespectadores é um desafio que mobiliza o mercado televisivo e intriga diversos pesquisadores da área. As escolhas feitas pelos telespectadores sobre quais programas assistir não passam apenas pela qualidade jornalística das informações, mas envolvem aspectos psicológicos, culturais, cognitivos e estruturais. Considerando especificamente a estrutura da mídia como um fator que tem influência direta no desempenho dos telejornais e na relação que estabelecem com os telespectadores, o presente artigo procura destacar como os aspectos estruturais da televisão e do formato dos telejornais influenciam essa relação. Palavras-chave: audiência; televisão; telespectador; telejornalismo; formato.
1. Aportes para o olhar sobre a estrutura Apesar de muito utilizados pelo mercado televisivo, os modelos de avaliação de audiência que rotulam o telespectador por categorias sociodemográficas - como idade, gênero, classe social ou grau de escolaridade - não parecem dar conta de explicar como se constituem os públicos dos mais diversos programas. A lista de questões que se colocam neste contexto é extensa e a busca de respostas para as mesmas passa pelo avanço 1
Jornalista, mestre em Jornalismo, doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora de Telejornalismo na Faculdade Bom Jesus/Ielusc. Integrante do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo (GIPTele/UFSC/CNPQ). E-mail:
[email protected] 2 Professora Doutora do Departamento de Jornalismo (DJOR) e do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento (PPGEGC) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail:
[email protected]
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dos métodos de pesquisa na área, assim como pela compreensão da complexidade do fenômeno de recepção televisiva enquanto um objeto de pesquisa que necessita de abordagens múltiplas e multidisciplinares. Sabe-se que o resultado dos programas é, em geral, a audiência massiva, mas tal audiência só se realiza a partir de relações individuais entre telespectadores e os produtos televisivos. O próprio termo "telespectador" remete à noção de uma pessoa em frente à tela, ativando neste processo toda a sua subjetividade e tornando a recepção televisiva um processo único e individual (OROZCO GÓMEZ, 2005). Talvez por isso, a maior parte das pesquisas que se interessam pelo telespectador adotem teorias e metodologias que privilegiam o ponto de vista do indivíduo, observando suas motivações, suas preferências, os sentidos que produzem e até mesmo os possíveis efeitos causados pelos programas. Há uma preferência dos pesquisadores por metodologias de base funcionalista, com 3 a análise centrada no receptor para verificar os efeitos da mídia sobre os mesmos .
Uma segunda abordagem é aquela que pretende conhecer aspectos relacionados ao telespectador a partir da observação da produção dos telejornais, das motivações e da rotina de seus realizadores. É o que Alfredo Vizeu (2005a, 2005b, 2006) chamou de "audiência presumida", a partir da observação das rotinas produtivas em telejornais do Rio de Janeiro: uma construção antecipada da audiência, por parte dos jornalistas. Essa construção se dá "a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação, produzirem discursos" (VIZEU, 2005b, p.13). Um dos telejornais estudados pelo autor, por exemplo, entrava no ar ao meio dia trazendo notícias leves a respeito do dia a dia da cidade. Os produtores imaginavam que ele era assistido por mulheres, aposentados e crianças e explicaram a escolha editorial do programa: "na hora do almoço os homens tinham que estar trabalhando” (VIZEU, 2006, p.28). Essa abordagem tem suas bases nos estudos literários que, muito antes das pesquisas sobre mídia, já discutiam a ideia de que há um destinatário fabricado, ou presumido, em todo discurso. O conceito de leitor-modelo, proposto por Umberto Eco (1986), suge3
Essa tendência foi observada a partir de uma revisão bibliográfica realizada para o projeto de pesquisa em andamento no doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento.
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re que o autor organiza sua estratégia textual prevendo alguém capaz de atualizar o texto, de seguir as “pistas” e preencher as lacunas deixadas pelo emissor 4. Ele não apenas espera que este leitor exista, mas atua para sua construção (VARELA, 1999). Isso significa que todo texto contém em si marcas do processo de produção, deixadas pelo emissor na tentativa de que o leitor se identifique ao ler. Uma terceira abordagem de análise do telespectador é aquela que considera o texto ativo no processo de interpretação. Neste caso, considera-se que a instância de recepção "é construída já no interior do próprio processo discursivo por meio de múltiplas operações articuladas pelos processos da própria linguagem" (FAUSTO NETO, 1995, p. 194). Assim, tem-se o telespectador discursivo, entendido como uma configuração discursiva presente nos textos televisivos (CAVENAGHI, 2013). Esse telespectador não representa uma construção sociológica, ao contrário, ele é da ordem da virtualidade, uma vez que é observável apenas no interior do texto. Tomado como conceito operacional para a análise semiótica de textos televisivos, ele permite verificar as estratégias utilizadas para configurar discursivamente o telespectador que, potencialmente, irá relacionar-se com o programa 5. Outros autores utilizam a abordagem da construção do telespectador no discurso televisivo tanto em produções de entretenimento 6 quanto jornalísticos. Iluska Coutinho e Jhonatan Mata (2010), por exemplo, procuram observar a audiência construída no discurso dos telejornais locais a partir da incorporação do público no texto. A pesquisa demonstra como a inserção de personagens populares no telejornal permite uma identidade local para garantir a adesão do telespectador, demonstrando também como se constrói discursivamente a audiência do Jornal Nacional. Tal abordagem sobre o telespectador considera que ele é “ativado” pelo texto. O sujeito que assiste a um programa não é uma caixa vazia onde são depositadas as mensagens televisivas, mas ele também 4
O trabalho de Umberto Eco é uma referência entre as teorias da leitura, mas como lembra Mouillaud (1997), diversos outros autores do campo da literatura assumem essa pressuposição do leitor no texto, sob diferentes nomenclaturas, como leitor implícito, leitor ideal ou arquileitor. 5 A análise aqui sugerida não considera exclusivamente o texto, apesar de ser este o pondo chave para a compreensão dos sentidos produzidos. Como destacam Machado e Velez (2007), é necessário deixar de lado os "exageros das abordagens estruturalistas" para considerar o contexto econômico, político e ideológico que permeia a leitura dos textos televisivos. 6 Sobre a construção discursiva do telespectador em programas de entretenimento, ver o trabalho de Charo Lacalle (2010).
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não tem liberdade completa sobre a interpretação. Isso significa dizer que o texto televisivo, estabelecendo um sentido, traça um caminho a ser percorrido pelo telespectador. A perspectiva adotada neste artigo parte do pressuposto de que o caminho que o texto televisivo propõe à instância de recepção é condicionado, em certa medida, por aspectos estruturais da mídia. Assim, procura-se manter o foco na estrutura da televisão e dos formatos 7, considerando que assim é possível obter pistas para a compreensão do telespectador, de suas escolhas e do relacionamento que mantém com os programas. Esta abordagem tem como principal referência o trabalho do pesquisador americano James Webster (2006, 2009, 2011), cujas pesquisas inserem-se no campo de estudos intitulado "Media Choice". Para o autor, toda e qualquer escolha feita pelo telespectador insere-se em um ambiente midiático altamente estruturado que envolve a vasta gama de serviços, materiais e tecnologia necessária para seu consumo (WEBSTER, 2009). Isso inclui desde os aparelhos de televisão e suas possibilidades tecnológicas, até a estrutura das grades de programação que caracterizam a narrativa televisiva, passando ainda pelas estruturas econômica e mercadológica que regem a produção das emissoras responsáveis pela oferta de conteúdos televisivos. Já o conjunto de características estruturais que o compõem o formato do telejornal - sendo este um formato que pouco mudou no decorrer dos mais de 60 anos da TV no Brasil - envolvem aspectos como a forma como o apresentador se dirige ao telespectador e o modo de construção das notícias. Estruturas, como a própria palavra sugere, são rígidas e, em geral, sofrem poucas modificações ao longo do tempo. No contexto televisivo, porém, elas podem ser modificadas a partir dos processos interativos que caracterizam o ambiente midiático. É o que James Webster chama de "dualidade da mídia" 8 (2011, p. 48). Para o autor, as escolhas de mídia são um processo interativo que podem perpetuar e/ou remodelar as características estruturais do ambiente midiático a partir do resultado da relação entre telespectadores e estruturas. 7
Considera-se o formato como aquilo que diferencia um telejornal do outro, que dá características próprias a cada programa e “define preliminarmente suas especificidades enquanto produto serializado: cenários, atores, funções e papéis” (DUARTE, 2004, p. 68). 8 O termo utilizado pelo autor deriva do conceito de dualidade da estrutura proposto por Anthony Giddens em The Constitution of Society: Outline of the Theory of Structuration (1984) - obra que serve de base para as considerações de Webster sobre a estrutura da mídia.
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Se, por um lado, a estrutura é dura - constrangendo as escolhas do telespectador por outro lado, e principalmente no longo prazo, ela torna-se maleável, podendo ser adaptada de acordo com o comportamento da audiência. Assim, se a estrutura for considerada apenas em seu aspecto rígido e imutável, só resta aos pesquisadores a observação e a análise dos efeitos da mídia nos telespectadores. Se considerada, porém, como algo em transição, a estrutura da mídia permite observar tendências e até mesmo a modelagem de padrões que identifiquem como ela é influenciada e remodelada pelo consumo televisivo - mesmo que a longo prazo.
2. A estrutura na televisão e no telejornal A primeira e mais óbvia característica estrutural da televisão é divisão de canais, organizada por grades de programação. Isso significa que a forma linear como o conteúdo televisivo está disponibilizado representa o primeiro constrangimento às escolhas do telespectador: ele só pode escolher um programa de cada vez, dentre todas as possibilidades oferecidas no momento da recepção. Não é o que acontece nas mídias digitais onde o usuário pode ter várias "janelas" abertas com conteúdos simultâneos. Mesmo que seja difícil manter a atenção em dois conteúdos ao mesmo tempo, as mídias nãolineares permitem que diversos canais fiquem prontos para a visualização, aguardando o usuário para que ele assista na hora que quiser 9. Além disso, o telespectador só pode escolher dentre os canais que lhe são acessíveis. Por motivos variados como impedimentos técnicos (posicionamento de antenas ou distribuição de cabos), falta de dinheiro, ou pela simples falta de interesse, a maior parte da população brasileira tem acesso a um número restrito de canais. Mesmo para aqueles que contam com assinatura de canais pagos, a oferta é delimitada pelos chamados "pacotes" oferecidos pelas empresas geradoras do sinal à cabo que incluem determinados canais e excluem outros, de acordo com o preço a ser pago pelo telespectador. Isso cau-
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Se consideradas as possibilidades da TV digital, os serviços de televisão On Demand podem também se enquadrar nesta forma de recepção. Este, porém, não é o foco do presente trabalho.
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sa uma "sucessão interminável de situações de escolha forçada" 10 (WEBSTER, 2009, p. 224), com um alto impacto nas escolhas que serão feitas pelos telespectadores. Há também uma tendência de o telespectador escolher sempre um "mínimo gerenciável" que ele seja capaz de conhecer e lidar, apesar do crescimento da oferta de conteúdos e de canais segmentados de televisão, conforme demonstraram diversas pesquisas apontadas por James Webster (2011). A tecnologia atualmente disponível e oferecida pelos serviços de TV a cabo inclui ferramentas que possibilitam ao telespectador organizar a seqüência dos canais de acordo com suas preferências, criando sua própria lista. Mesmo que a operadora inclua, por exemplo, canais de notícia entre dois canais de filmes, o telespectador pode mudar esta seqüência, ignorando - pelo menos na lógica do controle remoto - o canal de notícias que não lhe interessa, e podendo até mesmo esquecer da sua existência. Vale lembrar que, na época do surgimento da televisão como veiculo de comunicação de massa, a programação era restrita a poucas horas por dia (RIBEIRO, SACRAMENTO e ROXO, 2010) e, assim, o telespectador tinha um “encontro marcado” com o próprio veículo, que exibia programas apenas em determinados horários, geralmente à noite. Atualmente, com inúmeras possibilidades de canais nacionais e internacionais disponíveis, observa-se que este encontro marcado se dá com determinadas emissões e não com a grade de programação como um todo (REZENDE, 2000; LACALLE, 2001). Esse é também um fator que tem forte ligação com a rotina diária do telespectador, possibilitando que ele "escolha" assistir apenas os programas que são exibidos nos horários em que ele pode estar em frente à televisão. Por isso, a lógica da grade de programação prevê que a seqüência dos programas siga faixas de horário, distribuídas de acordo com o público que se pretende atingir em cada período do dia. A grade de programação televisiva se constitui numa espécie de referencia para o cotidiano do telespectador, ao mesmo tempo em que pode causar o destaque de um programa ou seu apagamento, de acordo com o horário de exibição.
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Todas as citações de obras em inglês e espanhol presentes neste trabalho serão apresentadas na forma de tradução livre das autoras. .
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A organização dos programas na grade traz à tona o conceito de fluxo, que pode ser considerado sob dois pontos de vista. A partir de uma abordagem metodológica, já na década de 70, Raymond Willians destacava a noção de fluxo televisivo, propondo que "a programação das emissoras não deve ser percebida nos termos de uma grade de programação constituída por unidades singulares de conteúdo. O fazer televisivo, bem como a experiência do “ver televisão”, envolvem perceber a sequência de materiais simbólicos veiculados pelas emissoras na forma de fluxo" (ROCHA e SILVA, 2012). Do ponto de vista dos estudos de recepção, considera-se que o fluxo televisivo ainda pode causar uma espécie de "fenômeno hipnótico" (BRASIL, 2012) capaz de manter o telespectador em uma seqüência que evite a mudança, já que existe a tendência de manter-se sempre em um mesmo canal, em determinadas situações (WEBSTER, 2009). Para Webster, o fluxo televisivo demonstra como funciona a dualidade da estrutura:
As pessoas são sempre livres para fazer algo diferente de acompanhar, mas muitos não o fazem. Por uma variedade de razões, eles escolhem o que lhes é apresentado. Se essa justaposição de conteúdo trabalhar em favor do canal, que vai se manter. Se isso não acontecer, a programação vai mudar. Assim, os indivíduos expressam suas preferências dentro das estruturas disponíveis e, ao fazê-lo, tanto reproduzem quanto alteram esse mesmo sistema. No curto prazo, a estrutura de opções de programação constrange e direciona, a longo prazo, a sua própria concepção depende das ações dos agentes (WEBSTER, 2009, p. 225).
Outro fator determinante para a relação entre os programas e os telespectadores é a estrutura mercadológica da mídia televisiva. A lógica comercial prevê que o resultado das emissões - traduzido em índices de audiência - seja comercializado para anunciantes que desejam expor seus produtos na televisão. Assim, todos os programas precisam ser divididos em blocos que permitam as inserções comerciais nos intervalos. Até mesmo os filmes são divididos em partes menores quando exibidos na TV. Do ponto de vista da recepção, o espaço do intervalo comercial é a grande porta para o momento do zapping, ou seja, a hora de passear por outros canais. A mesma estrutura de blocos é utilizada nos telejornais. Por isso, o programa começa sempre com uma escalada caracterizada pela seqüência de manchetes lida pelos apresentadores de forma a anunciar os assuntos que serão tratados no programa. A escalada e as passagens de bloco causam no telespectador uma sensação de suspense, suge7
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rindo que ele espere para assistir a notícia que lhe interessa, mesmo que o programa seja interrompido por intervalos comerciais. Ao contrário da estrutura conhecida como pirâmide invertida, onde os blocos e as notícias são organizados em uma ordem decrescente de interesse, o suspense “é uma estrutura nascida a partir da competitividade entre os meios e da competitividade entre os canais e pela necessidade de atrair a audiência (HERREROS, 1998, pg 483). A possibilidade do zapping durante os intervalos comerciais obriga que produtores da notícia televisiva pensem em estratégias para manter a atenção e o interesse do telespectador durante todo o telejornal e isso inclui o ordenamento dos blocos e a escolha do momento ideal para a apresentação de cada notícia e dos quadros especiais. Por isso, é possível que um telespectador escolha assistir determinado telejornal apenas pelo interesse em um quadro sobre esportes ou sobre economia, exibido sempre no terceiro bloco do programa, por exemplo. A estrutura dos telejornais conta também com a presença de um apresentador que fala diretamente para a câmera e causa um efeito de “olho no olho” com o telespectador que é determinante para o tipo de relação estabelecida entre eles. Historicamente, no telejornalismo brasileiro, destacam-se dois tipos de apresentação característicos: o locutor de notícias, com uma postura distanciada do discurso do telejornal, sem emitir opiniões; e o âncora, que demonstra um posicionamento claro diante das notícias que anuncia no telejornal (MACHADO, 2003). Porém, os sentidos produzidos pelos diferentes apresentadores - a partir do tom de voz, das roupas, do modo de falar e gesticular e até mesmo da trajetória profissional - são os mais diversos. Um telejornal que conta com um apresentador cuja postura demonstre um tom amigável e paternal terá resultados completamente diferentes de outro, cujo apresentador demonstre-se rude, vingador e moralista (CAVENAGHI, 2013). O telespectador, mesmo sem plena consciência disso, vai escolher o programa cujo apresentador lhe cause mais empatia ou que esteja de acordo com a sua visão de mundo. Outra característica estruturante dos telejornais é o cenário, que pode apresentar duas funções distintas no contexto da produção televisiva. A primeira é a função de mero pano de fundo da ação, servindo apenas para destacar a figura do apresentador. Ou ele pode aparecer como um elemento comunicacional, participando ativamente do texto (CARDOZO, 2008). Essa função é observada atualmente em diversos telejornais, nos 8
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quais o cenário ganha destaque pela funcionalidade, pela composição com elementos tecnológicos que auxiliam a apresentação das notícias. É comum observarmos que em muitos programas, atualmente, os apresentadores caminham, interagem com os objetos em cena e com o telespectador de forma mais próxima, quase como em um ambiente de convivência. Esta mudança revela também conseqüências para o tipo de relação estabelecida entre o programa e seus telespectadores, uma vez que o objetivo é aproximar o telespectador e fazê-lo sentir-se confortável com o ambiente do programa, a ponto de não desejar assistir outra coisa.
3. Desafios impostos pela estrutura Os aspectos estruturais da mídia televisiva e do formato dos telejornais destacados neste trabalho trazem pistas para a compreensão do relacionamento estabelecido entre os programas e seus telespectadores e, como conseqüência para a compreensão dos fatores que influenciam as escolhas de mídia. Outros aspectos precisam ainda ser delineados e analisados, o que apresenta-se como um desafio de pesquisa evidente. Conhecer o comportamento da audiência é importante não apenas para as emissoras de televisão, mas também para os estudos acadêmicos uma vez que diversas questões sociais estão envolvidas com os padrões de consumo televisivo. James Webster (2009) destaca que estes padrões muitas vezes podem ser verificáveis e traduzidos em modelos que ajudam a compreender tendências ou regras, como acontece, por exemplo, nos estudos do marketing 11. O autor também salienta que os telespectadores em geral não tem preferências por determinados programas a priori, o que evidencia ainda mais o impacto da estrutura nas escolhas de programas televisivos. Isso significa considerar que não é possível gostar ou não gostar de um programa com o qual nunca se teve contato. É necessário que haja uma oferta, por parte da estrutura da mídia, para que ele aceite ou rejeite determinada emissão. Isso aponta para outra discussão recorrente: programas considerados "ruins" pela crítica atingem altos índices de audiência porque os telespectadores gostam do conteúdo oferecido, ou porque aprenderam a consumi-lo a partir da oferta das emissoras? 11
Cita, como exemplos, a regra do "Double Jeopardy"ou a "Lei de Pareto 80/20".
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Respostas para tais questões certamente ainda devem passar por um longo percurso de pesquisas que procurem ultrapassar a abordagem individual propostas em pesquisas de recepção isoladas. Isto porque, para que a dualidade da mídia funcione, a estrutura televisiva deve ser remodelada a partir da resposta das emissoras e empresas de mídia ao comportamento da audiência e tal comportamento só é visível através das pesquisas quantitativas de que as empresas dispõem. Congregar os resultados da audiência com análises da estrutura e de percepções dos indivíduos telespectadores é ainda o grande desafio metodológico a ser superado nos estudos acadêmicos.
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