Aspetos da morte no vale do Sabor. O mobiliário funerário Tardo Antigo das inumações do Laranjal de Cilhades (Felgar, Torre de Moncorvo). Achegas à cronologia de uma necrópole de longa duração

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ASPETOS DA MORTE NO VALE DO SABOR. O MOBILIÁRIO FUNERÁRIO TARDO ANTIGO DAS INUMAÇÕES DO LARANJAL DE CILHADES (FELGAR, TORRE DE MONCORVO). ACHEGAS À CRONOLOGIA DE UMA NECRÓPOLE DE LONGA DURAÇÃO FILIPE SANTOS*

MIQUEL ROSSELLO*

CONSTANCA SANTOS*

LILIANA CARVALHO*

1. INTRODUÇÃO O sítio do Laranjal (Cilhades, Felgar, Torre de Moncorvo), foi intervencionado no âmbito da implementação do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor, tendo os trabalhos arqueológicos sido desenvolvidos ao abrigo do Plano de Salvaguarda do Património e enquadrados no Estudo Etno-Arqueológico de Cilhades, tratandose o mesmo de uma das medidas de minimização1 contempladas pelo desenvolvimento do projecto hidroeléctrico aludido2. Localizada na margem direita do Rio Sabor, a pequena parcela agrícola do Laranjal é parte integrante do lugar de Cilhades, pertença administrativa da freguesia de Felgar, concelho de Torre de Moncorvo e distrito de Bragança, situando-se na parte oriental da região portuguesa de Trás-os-Montes. Neste ponto preciso do lugar aludido, os vestígios mais antigos remontam à II Idade do Ferro, tendo também ali sido identificadas as ruínas associadas a um forno3 de cerâmica (Fig. 3A) de provável cronologia Tardo-Romana. Não obstante, os vestígios arqueológicos mais impactantes, que acabaram por camuflar as referidas evidências, têm correspondência com uma expressiva necrópole medieval, que, ainda que apenas tenha sido parcialmente escavada, possibilitou o registo de um total de 201 sepulturas de inumação. Um conjunto significativo destes sepulcros articula-se com um pequeno edifício (Fig. 3B), tendo este sido conotado de imediato com uma igreja, que terá, a dada altura, sacralizado este espaço. * Arqueólogos (AHBS-Baixo Sabor).

FABIO ROCHA*

Com este trabalho, dá-se a conhecer um pequeno conjunto de materiais arqueológicos conotados com o mobiliário funerário associados a algumas das inumações mais antigas desta necrópole, tendo-nos possibilitado recuar a cronologia da mesma, que se estende até aos inícios do século XIII, até ao século VI, testemunhando-se desta forma, também, a significativa importância da ocupação de Cilhades durante o período Tardo-Antigo.

2. ENQUADRAMENTO ARQUEOLÓGICO A existência de sepulturas com vestígios osteológicos preservados nesta pequena herdade agrícola de Cilhades, acabando o nome que lhe fora dada por denominar a própria necrópole, foi-nos revelada por testemunho oral no próprio local e pelo próprio achador, Sr. António Almeida, octogenário ainda hoje residente no Felgar. O mesmo, trabalhador à data4 na casa da família proprietária, informou-nos

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que identificou alguns destes sepulcros quando procedia à abertura dos caboucos para a construção de um pequeno reservatório de água, localizado na extremidade ocidental da parcela entretanto murada. Acabaria ainda por identificar, no mesmo ponto, um pequeno altar dedicado a Denso (Prósper & Redentor, 2007: 251). Já no decurso das escavações que ali desenvolvemos, um outro altar, outra ara votiva, desta feita dedicado a Tutela, foi por nós exumado (Pereira et al., 2012: FE. 99, n.º 446). O mesmo encontrava-se associado aos níveis de derrube da igreja, tendo por certo sido reaproveitado na construção do pequeno edifício religioso. Os dois elementos traduzem, por si, a importância que o lugar de Cilhades terá tido durante a sua ocupação pelo período romano, renovando-se por essa altura a importância que esta área do vale do Sabor já vinha tendo desde, pelo menos, e de forma bastante expressiva, a II Idade Idade do Ferro. Na verdade, somos levados a pensar, ainda que por poucas mas fortes evidências, que a ocupação humana deste lugar poderá ter raízes ainda mais antigas do que aquelas que nós documentámos em escavação arqueológica, ressalvando-se que apenas uma ínfima parte deste lugar foi intervencionada. Muito embora não seja aqui feita uma descrição exaustiva deste cemitério, nem tão pouco dos distintos contextos associados à própria área onde este se viu implantado, não sendo, de todo, o objectivo deste nosso trabalho, importará, ainda assim, tecermos alguns breves apontamentos sobre o mesmo, servindo estes, apenas, como linhas de contextualização ao que será o enfoque deste nosso trabalho. Apartada esta necrópole do sítio de Cemitério dos Mouros (Fig. 3:2) em cerca de 150 m para nordeste, correspondendo este a outro dos sítios arqueológicos intervencionados no mesmo âmbito no lugar de Cilhades, encontrase também ali documentada uma ocupação

Figura 1 – Localização do sítio de Laranjal (Cilhades), no mapa da Península Ibérica e nas Cartas Militares Portuguesas, com correspondência às folhas 118 e 119.

humana bastante dilatada no tempo e em parte coeva daquela que acabou por se testemunhar no ponto que aqui nos ocupa. Será lícito pensar-se que a área de Cemitério dos Mouros possa ter sido o espaço natural dos vivos, localizando-se no Laranjal a última morada dos que o ocuparam na Tardo Antiguidade e na Alta Idade Média. A necrópole do período romano não foi por nós identificada, pressupondose, inevitavelmente, que noutro sítio deste lugar se localize. Os dois pontos aludidos encontram-se ainda separados pelo ribeiro de São Lourenço, indo este curso de água desaguar ao Rio Sabor, que correria nessa altura, e até à nossa chegada, livremente a algumas dezenas de metros mais a sul. O próprio ribeiro representaria, por certo, mais do que uma fronteira física, o apartamento simbólico entre o espaço dos vivos e o mundo dos mortos. Um outro ponto da vasta área arqueológica de Cilhades, tendo este correspondência com um sítio fortificado da II Idade do Ferro (Fig. 1:3) – sabendo-se hoje que a ocupação sidérica de Cilhades não se encontra confinada às suas muralhas monumentais –, localiza-se a cerca de 230 m para nordeste, salientando-se ali a descoberta, durante os trabalhos arqueológicos que também neste ponto desenvolvemos, de mais de meio milhar de lajes de xisto gravadas (Santos et al., 1992: 170). Elementos similares, comportando figurações da II Idade do Ferro, foram recuperados também no Laranjal, encontrando-se, na sua maioria, reaproveitados nas próprias sepulturas. A proximidade entre estes dois pontos sugere a obtenção das placas gravadas no próprio sítio fortificado, tendo o mesmo servido, muito provavelmente, como autêntico «armazém» de material de construção logo após o seu abandono. As suas imponentes muralhas, sobretudo, terão constituído um verdadeiro manancial, com as suas reservas a terem chegado até

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