Aula introdutória para a disciplina \"História Econômica Geral\", obrigatória para o curso de graduação em Relações Internacionais. UFU, 2014-2015.
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História Econômica Geral INTRODUÇÃO – EXPLORANDO CONCEITOS
Economia ECO + NOMIA ECO, do grego, oikos/oikoi = casa (ecologia, ecumênico...)
Na Grécia Antiga, o oikos constituía a unidade básica das cidades-estados. Ela não era simplesmente o espaço doméstico privado, mas, mais do que isso, englobava um espaço de poder do kyrios, homem livre, cidadão da polis, responsável pelo ordenamento de sua família (mulher, filhos e escravos). Os oikoi eram também unidades produtivas agrárias, fazendas. NOMIA, do grego, nomos/nomoi = lei ou regras, podendo ser relacionadas a saberes (taxonomia, agronomia, astronomia...) Na Antiga Grécia, os saberes práticos, uma vez reduzido a “regras” (nomoi) poderiam ser ensinados. É o caso dos saberes relacionados à administração da “casa”: oikonomia.
Economia Diferenciação aristotélica entre oikonomia e crematística (Ética a Nicômaco)
CREMATÍSTICA – khréma + atos → atividade moralmente reprovável que procura a produção e a acumulação de riquezas, visando o prazer e a despeito das consequências nocivas que ela traga. Está ligada às atividades comerciais e financeiras visando o lucro inconsequente.
OIKONOMIA → atividade virtuosa que tem como finalidade última o “bem viver”.
A oikonomia é complementar à política, pois ambas são atividades principais do kyrios, do cidadão livre de politeuma grego.
Economia A oikonomia, no seu sentido ético-moral, está fortemente presente na tradição da Igreja desde os textos bíblicos do Novo Testamento (de origem grega) e se desenvolve com os Antigos Padres. As atividades agrícolas ligadas à terra têm uma conotação positiva na tradição cristã, enquanto as atividades financeiras e comerciais, associadas ao lucro e à usura, assumem conotações, normalmente, pejorativas. Na Idade Média, o declínio do comércio mediterrâneo e a emergência do feudalismo reforçaram os valores de uma economia baseada na terra e na autoridade senhorial. No Brasil Colonial, as atividades econômicas ligadas à agricultura também eram vistas como moralmente superiores ao comércio e, a partir do século XVIII, à mineração. A moderna economia afirma-se ao longo de um processo histórico de desvinculação ou de renovação dos vínculos entre moral e enriquecimento.
Economia Max Weber – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Em seu clássico estudo, Weber procura mostrar um fenômeno de transformação religiosa no cristianismo desde as Reformas em que o pensamento mágico perde espaço para a racionalidade prática. A ética protestante não é uma ética meramente contemplativa, mas ativa, pragmática. A fé na eleição impõe uma prática no mundo e se mostra visivelmente no resultado de um trabalho sobre ele. Trata-se de uma ética de conquista do mundo e de transformação do mesmo. O enriquecimento não é condenável. Pode, ao contrário, ser sinal de eleição; Karl Marx – Sobre a Acumulação Primitiva. Nesta que é uma das partes de O Capital, Marx desenvolve a sua tese sobre o surgimento das contradições que marcam o nascimento do Capitalismo e a transformação do conceito de “propriedade” no final da Idade Média. Um dos seus aspectos foi a condenação da “vadiagem” e da “mendicância”, forçando a massa alienada do campo a se sujeitarem à exploração extrema do seu trabalho nas manufaturas urbanas da Inglaterra elisabetana. Este processo também foi dependente do capital usurário, forçando uma reformulação ética em torno da acumulação de riquezas e da exploração do homem pelo homem.
Economia A partir do final do século XVII, a economia segue perdendo as suas fortes implicações morais e vai se convertendo em saber pragmático voltado à geração de riquezas; A economia, como saber teórico-prático, ganha importância para o fortalecimento dos Estados Modernos e, logo, articulada à prática do comércio e ao poderio político-militar que o controlava por meio de monopólios e privilégios → Mercantilismo; A partir do século XVIII e no século XIX, surgirá a moderna “ciência econômica”, inseparável de paradigmas Iluministas, concepções burguesas e das exigências de uma economia industrial em expansão, incompatível com os mercados fechados → Liberalismo;
Economia e política voltam a se encontrar, mas em um sentido completamente diverso daquele que se apresentava na Grécia Antiga, na concepção da ética aristotélica. A economia incorporou por completo a “crematística”, destituindo-a de conotações morais negativas e tornando-se lugar estratégico central de fortalecimento e ampliação das soberanias políticas dos Estados-Nações.
História HISTÓRIA, do grego, historie, cujo radical é histor, testemunho (ocular). Termo surge aproximadamente no século V a.C., em autores como Hecateu de Mileto, Heródoto e Tucídides. Nos três casos, a história é uma narrativa de coisas presenciadas pelo histor. Também nos três casos a história está ligada ao universo das viagens. Também liga-se ao testemunho de guerras e batalhas. Tucídides é reconhecido como aquele que postulou dois princípios importantes da “moderna historiografia”: (1) a distinção entre “relato verdadeiro” (história) e poesia heroica (epopeia) e (2) a noção de “imparcialidade” do historiador.
História Durante o Império Romana, a História reaproximar-se-ia da epopeia e seria revestida de um caráter de formação/educação moral; Enquanto, por exemplo, em Tucídides a utilidade da história estaria em ser mestra das artes da guerra, da diplomacia e da política; em Cícero, já no contexto romano, ela seria tomada como mestra da vida; As histórias latinas, de foco militar e/ou político, possuíam como telos a unificação e pacificação do mundo por meio da sua romanização. A história tanto celebrava esta romanização do mundo quanto visava ensinar os valores da latinidade;
A tópica da história como mestra da vida informa a historiografia muito fortemente até o século XIX e, até hoje, persiste fortemente no senso comum, apesar de evitada no âmbito da historiografia profissional e no ensino de história.
História “Ciência dos homens”, dissemos. É ainda vago demais. É preciso acrescentar: “dos homens, no tempo”. O historiador não apenas pensa “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente é a categoria da duração. Decerto, dificilmente imagina-se que uma ciência, qualquer que seja, possa abstrair do tempo. Entretanto, para muitas dentre elas, que, por convenção, o desintegram em fragmentos artificialmente homogêneos, ele representa apenas uma medida. Realidade concreta e viva, submetida à irreversibilidade de seu impulso, o tempo da história, ao contrário, é o próprio plasma em que se engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade. (...) Ora, esse tempo verdadeiro é, por natureza, um continuum. É também perpétua mudança. Da antítese desses dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. (BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. p. 55)
História História Política do século XIX e início do século XX: centrada no Estado-Nação, nos “mitos de origem” do povo, nas ações dos grandes homens individuais, nos documentos oficiais do Estado, na narrativa dos fatos e na educação cívica dos jovens.
História Social do período entre e pós-guerras: centrada em perspectivas comparadas ou internacionais, nas permanências e rupturas, nas forças coletivas da história, na diversificação dos testemunhos e fontes, em modelos explicativos das estruturas e acontecimentos e na crítica da memória instituída.
História Econômica A economia surge, na historiografia do século XX, como lugar relevante de estruturação social com base nas suas forças coletivas. Torna-se, portanto, uma alternativa eficaz à política tal como entendida no século XIX. Na historiografia marxista, ela é compreendida como a base material da sociedade e da constituição das classes sociais; Na historiografia dos Annales, ela é a estruturação cotidiana da vida material das sociedades em longa ou média duração. A economia, em todos os casos, não é somente uma face das sociedades humanas no tempo, mas uma “face” em conjunto com demais dimensões da vida humana e estruturante das formas históricas de sua organização.
FIM
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