Aurélio Vítor, Histórias abreviadas (Sobre os Césares) - Tradução para o português

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Sexto Aurélio Vítor

Histórias abreviadas (“Sobre os Césares”)

Nota informativa Por meio deste, disponibilizo a primeira tradução em língua portuguesa das Histórias abreviadas (também conhecida por Sobre os Césares) compostas por Sexto Aurélio Vítor na segunda metade do século IV. Efetuado diretamente a partir do texto latino organizado por Franz Pichlmayr no começo do século passado e revisto por Roland Gruendel no ano de 1966, como parte integrante da coleção de textos gregos e latinos mantida há décadas pela editora germânica Teubner, tal trabalho é parte de um esforço maior, que visa no futuro a publicação dessa tradução acompanhada por um estudo introdutório e notas explicativas por mim elaboradas. Por ora, no entanto, desejo compartilhar com todos essa versão em língua portuguesa, pautado na expectativa de que possa, ainda que da forma mais humilde e modesta possível, estimular novos leitores e novos estudos acerca da escrita da história durante a Antiguidade Tardia. Solicito apenas a gentileza de que, se utilizada tal tradução (somente para fins não comerciais, é evidente), seja ela devidamente referenciada e creditada a este que vos escreve. Por fim, não posso deixar de agradecer aos Professores Doutores Breno Battistin Sebastiani (USP) e Maria Luiza Corassin (USP) pela leitura atenta e pelas valiosas sugestões em relação a essa tradução (desnecessário dizer, pois, que eventuais erros e fragilidades se devem exclusivamente ao responsável pela própria tradução).

Moisés Antiqueira Novembro de 2016 Marechal Cândido Rondon, Paraná, Brasil

Histórias abreviadas de Aurélio Vítor desde Otaviano Augusto, isto é, a partir do final do texto de Tito Lívio, até o décimo consulado de Constâncio Augusto e o terceiro de Juliano César 1 Por volta do setingentésimo vigésimo segundo aniversário da cidade, começou em Roma o costume de se obedecer a um único homem. Pois Otaviano, cujo pai era Otávio, recebeu o nome de César após sua adoção por parte de seu tio-avô e, em seguida, por causa de um decreto dos senadores e pelo fato de ter explorado tranquilamente a vitória de seu partido, foi chamado pelo cognome de Augusto; após ter ganhado os soldados com donativos e o povo com uma aparente preocupação com o abastecimento de cereais, ele submeteu sem dificuldade todos os demais. 2 Deste modo, passados aproximadamente quarenta e quatro anos, Augusto foi consumido por uma enfermidade, tendo adicionado a Récia e o Ilírico ao Império dos cidadãos romanos e pacificado a ferocidade dos povos externos, com exceção da Germânia; 3 contudo, foi o terceiro depois de Numa, uma vez vencido Antônio, que fecharia o templo de Jano, em conformidade com o direito romano, quando as guerras chegavam a seu termo. 4 Os costumes de tal homem eram encantadores e afáveis, embora ele se inflamasse pelo luxo, e não de forma módica, e fosse aficionado pelos jogos, bem como desmedido em relação ao sono. 5 Apoiador dos homens doutos, que eram abundantes, e daqueles que lhe eram próximos, visto que se interessasse extraordinariamente pelo estudo da eloquência e pelas práticas religiosas; 6 foi considerado pai da pátria por causa de sua clemência e também a ele foi concedida a potestade tribunícia perpétua. Desde então, à maneira de um deus foram dedicados a ele templos, sacerdotes e associações em Roma e por todas as maiores cidades de todas as províncias, tanto em vida quanto postumamente. 7 Afortunado de tal maneira (exceto, porém, no que diz respeito à sua prole e também à sua esposa) que até mesmo os indos, os citas, os garamantes e os báctrios enviaram legados solicitando um tratado de aliança.

2 Em seguida Tibério Cláudio Nero, incluído por adoção entre os filhos de Augusto depois de ter sido enteado dele, agarrou o poder imperial, cujo título recusava astutamente, quando constatou que as coisas das quais se temia estavam bastante asseguradas. Traiçoeiro e cheio de segredos, a princípio fingindo-se hostil diante daquilo que mais desejava, enquanto que perfidamente se entregava àquilo contra o que se possuía aversão; era de um caráter muito mais enérgico diante de situações imprevistas; após um bom início, tornou-se em seguida pernicioso, buscando em demasia por todos os desejos quase sem fazer distinção de idade ou sexo, e também punindo, de forma atroz, culpados e inocentes, os seus parentes e, do mesmo modo, homens estranhos a ele. 2 Além disso, visto que detestasse as cidades e as audiências públicas, buscara a ilha de Capri para dissimular os seus infames atos. 3 Portanto, descurados os assuntos militares, foi despedaçada uma grande parte do poderio romano; nenhuma província foi conquistada, com exceção da Capadócia, e mesmo esta o fora no começo de seu reinado, deposto o rei Arquelau; foram suprimidos os assaltos levados a cabo pelos gétulos, que haviam irrompido por todo o lado sob a liderança de Tacfarinas. 4 Igualmente, o rei dos suevos, Marobodo, foi astutamente ludibriado; e, do mesmo modo, foram reunidas as coortes pretorianas, as quais se encontravam espalhadas por Roma ou pelos municípios próximos e então abrigadas em casas particulares, sendo concentradas a partir de todos os lugares em um acampamento perto da cidade; a magistratura sobre a qual se sustentavam foi intitulada de prefeitura do pretório, a qual, inclusive, teve o seu poder aumentado; por outro lado, Augusto instituíra os demais corpos de guarda e os seus chefes.

3 Por conseguinte, abatido Tibério Cláudio por uma febre ou por uma traição à idade de setenta e nove anos, dos quais havia conduzido o Império por vinte e três, Caio César, chamado de Calígula, é escolhido conforme o desejo de todos, devido aos seus antepassados e a seu pai. 2 Pois, pelo lado materno, Augusto era o seu bisavô, e seus avôs eram Agripa, por

parte de mãe, e Druso, pai de Germânico, de quem descendia. 3 O povo estava comovido pela moderação e pela morte prematura, com a exceção de Otaviano, de todas aquelas personalidades, bem como pela ruína de sua mãe e de seus irmãos, os quais Tibério destruíra de diversas maneiras. 4 Por causa disto, todos se esforçavam por mitigar a desgraça de tão grande família com a esperança em um homem tão jovem, mas também porque ele havia nascido no exército (donde obtivera o seu apelido, devido a um calçado militar) e era considerado querido e aceito pelas legiões. 5 Ademais, os mais experientes acreditavam que ele fosse parecido consigo próprios; mas as coisas ocorreram de forma completamente distinta, como se estivessem de acordo com uma lei da natureza, a qual frequentemente, por assim dizer, engendra homens maus a partir de bons, incultos a partir dos mais doutos e assim por diante, ou gerados de modo inverso. 6 Devido a este único exemplo, muitos sábios consideraram mais útil abster-se de filhos. 7 Seja como for, no caso de Calígula não estavam, de forma alguma, tão distantes da verdade, pois durante muito tempo aquele ocultura a monstruosidade de sua natureza por meio do pudor e de uma espécie de conduta obediente, de modo tal que fosse corretamente propalado que não tivessem existido escravos melhores do que ele, tampouco senhores cruéis iguais a ele. 8 Finalmente, uma vez alcançado o poder, tal como habitualmente ocorre de início com pessoas de sua índole, durante alguns meses daquele ano agiu ele de maneira excepcional diante do povo, entre os senadores e com o exército; revelada uma conspiração, como se não acreditasse tanto, ele proclamou que dificilmente atentariam contra ele, cuja vida não seria um fardo ou inconveniente para ninguém. 9 De repente, porém, tendo assassinado certo número de inocentes mediante diversos crimes, desvelou o seu caráter, feito uma besta saciada de sangue; e assim foram consumidos três sucessivos anos, durante os quais o mundo foi aviltado pelos múltiplos desastres sofridos pelo Senado e por cada um dos nobres. 10 Mais ainda, mantinha relações sexuais com suas irmãs e ultrajava matrimônios da nobreza, e andava trajado feito os deuses,

como ele reivindicasse ser Júpiter por causa do incesto e, ademais, ser Líber devido a um coro dedicado a Baco. 11 Não menos que isso, agrupadas suas legiões em um mesmo lugar, na expectativa de rumar para o outro lado na Germânia, ele ordenou que fossem coletadas conchas e moluscos na orla do mar Oceano, 12 enquanto ele próprio se apresentasse ora com as vestes deslizantes de Vênus, ora armado, e repetisse que não se havia tomado os despojos dos homens, mas sim os celestiais, sem dúvida porque tivesse aprendido, de acordo com uma máxima dos gregos, ávidos por tudo aumentar, que aquele tipo de objeto marinho corresponde aos olhos das ninfas. 13 Ensoberbecido por tudo isto, tentara ser chamado de senhor e envolver a sua cabeça com o símbolo da realeza. 14 Por causa disto, foram instigados aqueles que possuíam a virtude romana, por responsabilidade de Quereia, a aliviar tão grande estrago para a república, apunhalando-o; e ter-se-ia repetido a distinta façanha de Bruto, que havia expulsado Tarquínio, se o exército fosse servido somente por cidadãos romanos. 15 Entretanto, quando os cidadãos, em razão da desídia, foram impelidos pelo desejo de admitir estrangeiros e bárbaros no exército, corrompidos os costumes, a liberdade foi oprimida, tendo aumentado o ardor por riquezas. 16 Entrementes, em razão de um decreto do Senado, homens armados escoltavam a família dos Césares, incluindo os membros do sexo feminino e todos os parentes, e casualmente Vímio, nascido no Épiro, centurião das coortes que vigiavam os lugares interessantes do palácio, encontrou Ti. Cláudio a se esconder em um refúgio inapropriado e, ao retirá-lo de lá, grita aos seus companheiros que, se tinham bom senso, estavam diante do imperador. 17 E certamente, porque estava louco, era visto como bastante brando pelos ignorantes; tal condição foi útil contra as abomináveis intenções de seu tio Nero e não menos em relação à inveja de Calígula, filho de seu irmão; ademais, dispusera do ânimo condescendente dos militares e da plebe, visto que fosse tido por desprezado e mais ainda lastimável, embora o poder dos seus familiares fosse considerável. 18 Embora tal fato fosse recordado por muitos, de repente, sem que alguém relutasse, a reverente multidão o cercou, ao

mesmo tempo em que afluíam o restante dos soldados e uma grande massa do povo. Quando os senadores tiveram notícia disso, para lá se atiraram prontamente, para ver se poderiam fazer-se prevalecer e suprimir tal ousadia. 19 Mas, uma vez que o conjunto dos cidadãos e todas as ordens estavam destroçadas por várias e lúgubres discórdias, todos se submetem àquilo como se se tratasse de um comando. 20 Assim, foi confirmado o poder régio em Roma, e demonstrado mais abertamente que os esforços dos mortais são vazios e desbaratados ante a fortuna.

4 Por conseguinte Cláudio, embora estivesse vergonhosamente submetido a seu estômago, e fosse tão louco quanto desmemoriado, de um espírito temeroso e bastante covarde, todavia adotava muitas vezes medidas propícias em razão de seu pavor, em especial contando com os conselhos da nobreza, a qual honrava por medo: os homens de caráter estúpido, pois, agem na proporção daquilo de que são feitos os seus conselheiros. 2 De fato, sob a instigação dos homens bons, os vícios foram suprimidos por ele, assim como na Gália as famosas superstições dos druidas; foram promulgadas leis mais que benevolentes; foram observadas as obrigações militares; foram mantidas ou criadas novas fronteiras do Império romano; foram anexadas como províncias a Mesopotâmia, no oriente, o Reno e o Danúbio, ao norte e, ao sul, os mouros, cujos reis haviam sido depostos depois de Juba; foi desbaratado um bando de musulâmios; igualmente, nas terras mais afastadas em que o sol se põe, partes da Bretanha foram subjugadas, as únicas terras que ele visitou, tendo partido do mar de Óstia; por sua vez, os seus comandantes se encarregaram de todos os outros lugares. 3 Além disso, foi solucionada a escassez do abastecimento de cereais, que Calígula ocasionara, pois que, trazidos todos os barcos do mundo, aquele se esforçou para transmutar o mar em travessia para teatros e carros, em detrimento do bem comum. 4 Por outro lado, ao tempo da renovação do censo, havia removido muitos do Senado, ainda que mantivesse um jovem lascivo, cujo

pai assegurara para si mesmo que se tratava de alguém apreciado, ao que Cláudio corretamente acrescentara que um pai também devia ser um censor para os filhos. 5 Porém, uma vez que se entregara aos afagos de sua esposa Messalina, bem como de seus libertos, foi arrastado para a perversão, de modo que não somente foi admitido um comportamento tirânico como também aquilo que o pior tipo de mulher e de escravo era capaz de conseguir diante de um marido e senhor demente. 6 Com efeito, sua esposa, em primeiro lugar, lançava mão indistintamente do adultério, como se fosse de direito, a ponto de ter eliminado muitas pessoas, juntamente com os parentes delas, que haviam se abstido por causa de seu caráter ou por receio, ao passo que, conforme aquilo que é usual às mulheres, acusava aqueles que ela tinha procurado de terem procurado a ela própria. 7 Doravante, incitada a atos mais hediondos, prostituíra consigo, à maneira de meretrizes, mulheres casadas e donzelas que pertenciam à nobreza; os maridos foram compelidos para que se fizessem presentes. 8 E se alguém ficasse horrorizado com tais fatos, era seviciado, assim como toda a sua família, e contra si era acrescentada uma acusação. 9 Por seu turno, atormentavam Cláudio, o qual, como apontáramos acima, era assustado por natureza, instilando sobre ele o medo, em especial de uma conjuração; inclusive, com esta artimanha, seus libertos arruinavam as pessoas que quisessem. 10 Aqueles, a princípio, eram coniventes com os crimes de Messalina, mas quando se haviam transformado em iguais à sua protetora, a mataram por intermédio de guardas, como se cumprissem ordens, embora o seu senhor ignorasse o fato. 11 E, em verdade, essa mulher havia chegado ao ponto de contrair núpcias com outro homem em Roma, uma vez que seu marido havia partido para Óstia a fim de se divertir com concubinas; e isto se tornou mais notório na medida em que parece surpreendente que, na residência do imperador, ela tivesse se casado com um homem que não o imperador. 12 Assim sendo, tendo o poder dos libertos atingido o ápice, aviltavam tudo por meio de desonras, do exílio, do assassinato, e das proscrições, até o ponto de coagirem o seu estúpido amo no sentido de que, mesmo idoso,

desejasse em casamento a filha de seu irmão. 13 Esta, ainda que fosse tida por mais desagradável que aquela anterior e, visto que se apavorasse com um destino semelhante, eliminou o seu esposo com o uso de veneno. 14 Durante o sexto dos quatorze anos em que havia reinado, o octingentésimo aniversário da cidade foi maravilhosamente celebrado, e a Fênix foi avistada no Egito, ave que, dizem, a cada quinhentos anos voa da Arábia para os lugares mencionados; e, no mar Egeu, repentinamente uma enorme ilha emergiu em uma noite na qual ocorrera um eclipse da lua. 15 Ademais, tal como anteriormente observado com Tarquínio Prisco, a morte de Cláudio foi durante longo tempo ocultada, enquanto que os guardas, corrompidos pelo ardil de uma mulher, simulam que o imperador estivesse doente mas que, porém, havia confiado a administração da república a seu enteado, a quem pouco antes adotara entre os seus filhos.

5 Deste modo, L. Domício (este era, decerto, o nome de Nero, derivado de seu pai Domício) foi feito imperador. 2 Ainda que ele, muito moço, tivesse reinado vários anos ao lado do padrasto, foi, entretanto, o seu quinquênio, principalmente para o engrandecimento da cidade, de tal monta que com razão Trajano declarasse amiúde que todos os imperadores em conjunto estavam muito longe do quinquênio de Nero; foi quando inclusive reduziu o Ponto à condição de província, com a permissão de Polêmon, a qual por esse motivo se chama Ponto Polemoníaco, e do mesmo modo os Alpes Cotianos, morto o rei Cotio. 3 Por isso é suficientemente certo não ser a idade impedimento à virtude; mas esta é facilmente alterada se o caráter for corrompido pela licenciosidade e, se negligenciado o caráter, como se uma lei da adolescência fosse, torna a ocorrer ainda mais perniciosamente. 4 Com efeito, Nero passou com tal ignomínia o restante da vida, de modo que é lamentável e vergonhoso recordar que existiu alguém deste tipo, quanto mais um governante dos povos. 5 Visto que começasse, de acordo com uma invenção dos gregos, a tocar cítara em concursos artisticos a fim de competir

por uma coroa, ele chegou a não mais respeitar nem o seu pudor, tampouco o dos outros, ao extremo de publicamente, diante do Senado e concedendo um dote, se casar vestido feito uma donzela, com um indivíduo escolhido entre as personagens fora do comum que o cercassem, em uma festa celebrada, como de costume, por todos. 6 Entretanto, no caso dele, tal fato deve ser avaliado como o mais leve. 7 Pois ele, coberto com a pele de um animal, tocava com o seu rosto a genitália de pessoas de ambos os sexos, acorrentadas à maneira de criminosos; para um ultraje ainda maior, ele inspecionava os casais. 8 E, entre tais fatos, muitos consideram que tivesse, inclusive, corrompido sua mãe, ao passo que ela, também pela ânsia de governar, deseja subjugar seu filho por meio de qualquer crime, não importa qual fosse. 9 Considero, muito embora existam escritores que têm apoiado pontos de vista diferentes, que isto seja verdade. 10 Pois quando os vícios tivessem acometido o espírito, de forma alguma é concedido o respeito àqueles que se mostram alheios à sociedade humana; o hábito de cometer o mal, ao se aspirar por novos e, por isto mesmo, mais encantadores prazeres, age por último na direção daqueles que são mais próximos. 11 Isto foi comprovado, em grande medida, pelo caso de ambos, pois enquanto ela havia, como por uma espécie de progressão, se casado com o irmão de seu pai depois de outros relacionamentos, e também supliciado pessoas estranhas e acabado com seu marido, ele paulatinamente avançaria sobre uma sacerdotisa de Vesta, em seguida degradaria a si próprio e, finalmente, a perversão de ambos se voltaria contra si mesmos. 12 No entanto, nem mesmo com tais carícias foram capazes de se unir, mas antes tinham se lançado rumo ao precipício, e enquanto se espionavam mutuamente, a perversa mãe morreu. 13 Por conseguinte, como ele houvesse violado, pela via do parricídio, toda a justiça e aquilo que era permitido pelos deuses, e se enfurecesse mais e mais com os melhores cidadãos, muitos conspiraram, de fato em vários momentos, para libertar a república. 14 Uma vez denunciados e mortos os conspiradores, Nero, ainda mais monstruoso, decidira acabar com a cidade de Roma mediante um incêndio, com a plebe

lançando animais selvagens e com o Senado por meio de morte semelhante; havia buscado um novo local a partir de onde reinar, muito por instigação do legado dos partos, o qual por acaso, durante um festim em que, como de costume, os cortesãos cantavam, exigisse para si um tocador de cítara. Como se houvesse dado em resposta que se tratava de um homem livre, Nero acrescentara que se tomasse quem ele quisesse entre os seus, alardeando, aos que estavam presentes ao banquete, que ninguém era tido por livre sob o seu poder. 15 E se Galba, que governava a Hispânia, ciente de que sua morte havia sido ordenada, não viesse, a despeito de sua vetusta idade, em socorro do Império por ele assenhoreado, tamanho crime como aquele teria sido, sem dúvida alguma, concretizado. 16 Nero, com a chegada daquele, abandonado de fato por todos exceto por um eunuco, a quem ele tentara, certa vez, transformar em mulher depois de castrá-lo, apunhalou a si próprio com um golpe, pois que, embora implorando por um assassino durante muito tempo, nem mesmo para a sua morte merecera a cortesia de alguém. 17 Este foi o fim da família dos Césares: isto havia sido anunciado por muitos prodígios, em especial por aqueles observados nas propriedades deles, como a aridez do bosque de louros consagrado aos que celebrassem um triunfo, como também a morte de galinhas, das quais havia muitas e tão brancas e aptas para fins religiosos que atualmente em Roma se reserva a elas um local.

6 Porém Galba, não menos nobre e advindo da ilustríssima família dos Sulpícios, quando entrou em Roma, como se tivesse vindo em auxílio da luxúria ou mesmo da crueldade, pilhou, arruinou, acossou, bem como devastou e desonrou tudo de maneira repugnante. 2 Mais execrável ainda por causa de tais fatos (pois causam maior indignação aqueles de quem se esperava que deliberadamente agissem com brandura) e, ao mesmo tempo porque, excessivamente cúpido por dinheiro, diminuíra o soldo dos militares, Galba foi morto por

instigação de Otão; este, que não podia suportar a mágoa devido ao fato de que Galba havia preferido adotar Pisão ao invés dele, conduzira as coortes, inflamadas e armadas, ao fórum. 3 Protegido por uma couraça, para que até lá se dirigisse a fim de mitigar o tumulto, Galba foi morto junto do lago Cúrcio, ao sétimo mês e dia de seu governo.

7 Assim sendo, outrora censurado em razão de sua proximidade com Nero, Sálvio Otão, embora de forma alguma tivesse vivido muito além da adolescência, se lança ao poder. 2 Deste havia se apoderado por, aproximadamente, oitenta e cinco dias, de uma maneira que se poderia esperar, e depois, diante de Vitélio, que marchara a partir da Gália, levou a cabo a sua própria morte, pois que tinha sido derrotado em uma batalha em Verona.

8 Logo, o poder foi conferido a Aulo Vitélio, cujo reinado haveria de progredir de modo tão funesto desde o início, e assim se manteria se Vespasiano tivesse se ocupado por mais tempo da guerra dos judeus, da qual se encarregara por ordem de Nero. 2 Tomou o poder imperial quando soube das ações cometidas por Galba e da morte deste, e também porque os legados dos exércitos da Mésia e da Panônia vieram exortar Vespasiano a fazê-lo. 3 Pois os referidos soldados, depois de descobrirem que Otão havia sido feito imperador pelos pretorianos, e Vitélio pelas legiões germânicas, emularam os seus pares, tal como estão acostumados a agir entre si, e para que não parecessem diferentes, compeliram Vespasiano, sobre o qual as coortes da Síria já haviam entrado em acordo, por causa de seu eminente modo de vida. 4 Vespasiano, com efeito, senador de família nova, cujos antepassados eram de Reate, era considerado bastante nobre graças à sua atividade e aos seus feitos, em tempos de paz e de guerra. 5 Como os seus legados houvessem alcançado a Itália e suas tropas fossem desbaratadas em Cremona, Vitélio estabelecera um pacto com Sabino, prefeito da cidade e irmão de Vespasiano, de renunciar ao poder imperial, com o arbítrio dos soldados, por cem

milhões de sestércios; mas, depois de ter pensado que havia sido então trapaceado pelo mensageiro, como se reavivado pelo furor, ateou fogo sobre o próprio Sabino e todos os outros do partido contrário, juntamente com o Capitólio, que aqueles haviam ocupado como refúgio para se salvarem. 6 No entanto, quando foi revelado que tudo aquilo era verdadeiro e que os inimigos se aproximavam, Vitélio foi trazido da choça pertencente a um porteiro, na qual se escondera, e lhe foi posto um laço, à maneira dos parricidas, ao que foi levado até as escadarias Gemônias e de lá arrastado; ao mesmo tempo, o seu corpo, atravessado a golpes de faca por quantos pudessem fazer-se valer, foi precipitado ao Tibre, ao oitavo mês de sua tirania, ultrapassado o setuagésimo quinto ano de seu nascimento. 7 Todos estes imperadores, os quais pouco abordei, e principalmente aqueles da família dos Césares, foram tão cultos nas letras e também na eloquência de tal modo que se todos eles não tivessem sido, com exceção de Augusto, demasiadamente entregues aos vícios, tão grandes habilidades teriam seguramente acobertado módicos ultrajes. 8 Ainda que seja suficientemente aceito que a conduta de vida importa mais do que estas coisas, entretanto todo homem bom, em especial o sumo governante, necessita, se possível, de cada uma das duas coisas em conjunto: mas se, pelo contrário, o modo de vida regride enormemente, ao menos obtenha o prestígio da elegância, bem como da erudição.

9 Deste tipo Vespasiano era igualmente feito, ilibado em tudo, não menos dotado de eloquência para expressar aquilo que houvesse pensado e que em pouco tempo reconstruiu um mundo há muito esgotado e fatigado. 2 Por exemplo, em primeiro lugar no que dizia respeito aos que serviram à tirania, com exceção daqueles que foram muito a fundo nas atrocidades, preferiu antes demovê-los que destruí-los mediante tortura, tendo argutamente estimado que muitos, por medo, tinham se encarregado de funções abomináveis. 3 Em seguida, ele deixaria que se passasse, sem punição, o crime de muitos conspiradores, demonstrando com

benevolência, como era de seu feitio, a estupidez dos que ignorassem quantas dificuldades e aborrecimentos envolviam o exercício do poder imperial. 4 Ao mesmo tempo, entregue aos adivinhos (cuja veracidade comprovara na maioria dos assuntos), tinha confiança de que os seus filhos Tito e Domiciano haveriam de ser os seus sucessores. 5 Ademais, por meio de leis muito equânimes e de seus conselhos e, o que é mais notável, a partir do exemplo de sua vida, aboliu a maior parte dos vícios. 6 Todavia, conforme alguns insensatamente supõem, teria sido débil em relação ao dinheiro, embora seja suficientemente aceito que, por causa da escassez do erário e da ruína das cidades, ele tivesse tentado obter novos impostos que, posteriormente, nem sequer foram mantidos por muito tempo. 7 Por outro lado, em Roma foram ora iniciados, ora finalizados o Capitólio, que, como recordamos anteriormente, consumiu-se pelo fogo, o templo da Paz, os monumentos de Cláudio, a tamanha imponência do anfiteatro, e muitos outros edifícios, bem como um fórum. 8 Além disso, por todas as terras em que impera a lei romana, cidades foram reconstruídas com extraordinário embelezamento, estradas foram construídas com o máximo labor, e foram escavadas as montanhas inclinadas sobre a via Flamínia, para facilitar a travessia. 9 Tantos e tão grandes feitos, completados em pouco tempo, deixaram intactos os camponeses, e deram prova mais de prudência que de avareza; igualmente, foi realizado um censo, segundo o costume dos antigos, e os indivíduos mais infames foram removidos do Senado e, uma vez selecionados os melhores varões de todos os lugares, foram reunidas mil famílias, pois que, com muito custo, tivesse antes encontrado duzentas, na medida em que a maior parte havia sido extinta por causa da crueldade dos tiranos. 10 Ademais, o rei dos partos, Vologeso, foi forçado a aceitar a paz em uma guerra, enquanto que a parte da Síria cujo nome é Palestina foi transformada em província, assim como ocorreu com os judeus, por causa dos esforços de seu filho Tito, o qual Vespasiano, dirigindo-se para a Itália, havia deixado encarregado da guerra estrangeira e que, posteriormente vitorioso, havia sido elevado à prefeitura do pretório. 11 Pois que esta

magistratura, embora ingente desde o princípio, cresceu mais e tornou-se mesmo a segunda em poder, depois do imperador. 12 Porém, nestes tempos atuais, durante os quais é desprezada a honestidade dos cargos públicos e os ignorantes são confundidos com os homens bons e os incompetentes com os hábeis, a maior parte dos prefeitos pretorianos tem feito de sua potestade algo inócuo, tem sido insolente em relação aos pobres, se submetido aos piores homens e se mostrado gananciosa no que se refere à arrecadação da anona militar.

10 Quanto a Tito, depois de alcançado o poder imperial, é incrível o quanto superou aquele a quem imitava, em particular nas letras, na clemência e nas benesses ofertadas. 2 Com efeito, como fosse costume que aquilo que havia sido concedido pelos imperadores anteriores viesse a ser confirmado pelos subsequentes, tão logo tomou o poder imperial ele voluntariamente zelou e assegurou, por meio de um edito, tais bens aos que os possuíssem. 3 E não menos gentil fora ao ratificar a proteção para aqueles que, porventura, tivessem conspirado contra ele, a tal ponto que, quando dois membros da ordem senatorial não puderam denegar o crime que haviam cogitado e os senadores decretaram que recebessem a punição pertinente aos criminosos confessos, Tito ordenaria que ambos, conduzidos a um espetáculo, se sentassem cada um ao lado dele e, tendo diligentemente requisitado a espada de um gladiador, visto que estavam assistindo a um combate daqueles, a expunha para um e para o outro, como se os fizesse sentir o gume. 4 “Não vedes”, disse a eles, como estivessem consternados e admirados com a firmeza de Tito, “que o poder é entregue pelo destino e que é malogrado intentar um crime com a expectativa de obtê-lo ou então de perdê-lo por medo?”. 5 Desta forma, após dois anos e quase nove meses, e concluída a obra do anfiteatro e das termas, morreu envenenado, ao quadragésimo ano de sua vida, ao passo que o seu pai faleceu ao setuagésimo, tendo governado por um decênio. 6 Sua morte foi seguramente motivo de luto para as províncias, de tal maneira que o chamaram de deleite da raça humana e a deploraram pelo

mundo, tornado órfão.

11 Domiciano, por conseguinte, morto o seu irmão e um ótimo imperador, e mais demente por causa deste crime público e privado e, igualmente, em razão de uma degradada juventude, começou com as pilhagens, os assassinatos e a ordenar torturas. 2 Entregue de forma vergonhosa às piores libertinagens, se relacionava com os senadores de maneira mais que arrogante, visto que os obrigasse a chamá-lo a si mesmo de senhor e deus; tal prática foi, em seguida, abandonada por seus sucessores, porém, muito depois disso foi retomada mais intensamente. 3 Mas Domiciano, a princípio fingindo clemência e sem que fosse inativo tanto na paz quanto na guerra, era visto como bastante tolerante. 4 Portanto, derrotados os dácios e um bando de catos, alterara os meses de setembro e outubro, chamando o primeiro de Germânico e o segundo a partir de seu próprio nome; finalizou muitas das obras iniciadas por seu pai ou sob os cuidados de seu irmão, antes de tudo o Capitólio. 5 Depois disso, foi cruel, dado os assassinatos de homens bons, e também indolente, de modo que todos foram afastados para longe enquanto ele ridiculamente perseguia um destacamento de moscas, visto que havia diminuído o seu vigor para a libidinagem, cuja repugnante prática ele designava, na língua dos gregos, por klinopalen. 6 Eis aqui a causa de muitas piadas; por exemplo, àquele que perguntasse se havia alguém no palácio, se respondia: nem sequer uma mosca, com exceção, talvez, na luta. 7 Domiciano, posto assim, de uma crueldade mais e mais excessiva e por isso muito suspeito inclusive para aqueles que lhe eram próximos, por meio de um plano de seus libertos acerca do qual não era ignorante sua esposa, que preferira o amor de um histrião a seu marido, expiou sua culpa ao quadragésimo quinto ano de sua vida, aproximadamente o décimo quinto de seu governo. 8 Enquanto isso, o Senado determinou que ele fosse enterrado à maneira de um gladiador e seu nome, apagado. 9 Incitados por isso, os soldados, que alcançavam largas vantagens privadas às expensas públicas, começaram a

reivindicar uma punição aos responsáveis pela morte de Domiciano mediante uma sedição, segundo o costume deles. 10 Foram contidos, com dificuldade e relutantemente, por homens sensatos e, por fim, se congraçaram com os nobres. 11 No entanto, por si mesmos planejavam uma guerra, na medida em que esta mudança no poder imperial era motivo de aflição, devido à perda dos proventos amealhados a partir de generosos donativos. 12 Até esse momento, regeram o Império os nascidos em Roma ou na Itália e, a partir de então, também os vindos de fora; não sei se, à maneira de Tarquínio Prisco, não foram, de longe, melhores. 13 E, ao menos para mim, tendo ouvido e lido muito, é completamente sabido a cidade de Roma ter se distinguido principalmente por causa da virtude dos estrangeiros e dos talentos importados.

12 Pois quem foi mais sensato e moderado que o cretense Nerva? 2 Ele, em idade avançada, se retirou para junto dos sequanos por medo do tirano, e como tivesse assumido o poder imperial por decisão das legiões, quando compreendeu que não eram capazes de governar senão homens superiores e mais fortes do que ele, em corpo e espírito, de modo que, por si mesmo, abdicou ao décimo sexto mês, tendo antes consagrado o fórum, que é chamado Pérvio, a partir do qual se eleva um templo de Minerva muito proeminente e magnífico. 3 É sempre glorioso que as próprias capacidades sejam avaliadas e que não se aja de forma alguma com precipitação, motivado pela ambição, enquanto se possua o poder imperial, algo pelo qual os mortais são tão ávidos, a ponto de o desejarem ardentemente mesmo na extrema velhice. 4 A isto se acrescente que, em vista da valia daquele apontado para sucedê-lo, se revelou mais e mais quanta prudência havia em Nerva.

13 Com efeito, recebeu como filho adotivo a Úlpio Trajano, nascido em Itálica, cidade da Hispânia, homem advindo, contudo, da ordem senatorial e inclusive de uma família de nível

consular. 2 Dificilmente se encontrará alguém mais brilhante que ele, tanto na paz quanto na guerra. 3 Porque foi o primeiro, ou melhor, o único que estendeu a potestade romana para além do Danúbio, subjugados e transformados em províncias os povos dácios, que portavam o píleo (...) e tinham Decébalo por rei e (...) Sardônio; igualmente, nas regiões onde nasce o sol, foram sacudidos pela guerra todos os povos que existem entre os renomados rios Indo e Eufrates, ao passo que foram exigidos reféns junto ao rei dos persas, de nome Cosróes e, entrementes, foi aberto um caminho por entre os povos selvagens, a fim de se passar facilmente do Ponto Euxino para a Gália. 4 Foram erigidos acampamentos militares nos lugares mais perigosos ou adequados, construída uma ponte sobre o Danúbio e fundadas muitas colônias. 5 Ademais, Trajano preservou e embelezou, de maneira mais que esplêndida, o fórum e muitas outras edificações iniciadas por Domiciano em Roma e zelou admiravelmente pelo abastecimento contínuo de cereais, de forma que a associação dos padeiros foi renovada e fortalecida e, ao mesmo tempo, a fim de que tomasse ciência mais rapidamente dos assuntos relativos ao governo da república em todos os lugares, foi empregado para tanto o correio público. 6 Por certo tal serviço, bastante útil, converteu-se em uma maldição para o mundo romano, graças à cupidez e à insolência dos pósteros, salvo nestes anos em que, no Ilírico, as forças foram revigoradas, pelo remediador prefeito Anatólio. 7 De fato, nada é bom ou ruim na república que não seja levado igualmente ao seu oposto por causa da conduta daqueles que governam. 8 Trajano foi justo, clemente, demasiado paciente e também leal em relação aos amigos, como quando dedicou uma construção a um amigo íntimo, Sura, a qual corresponde às termas de Sura; 9 tinha confiança na integridade a ponto de, como de costume, tivesse concedido um punhal, como símbolo de poder, a um prefeito do pretório de nome Suburano, a quem advertiria repetidamente: “Confio a ti isto para minha proteção, se eu me guiar com retidão; mas se, pelo contrário, eu agir de outra forma, utilize-o antes contra mim”, pois que àquele que governa a todos não se permite errar, mesmo que

minimamente. 10 Além disso, atenuara por prudência o seu gosto pelo vinho, vício este que também atormentava Nerva, proibindo que se cumprissem as ordens emitidas após banquetes muito longos. 11 Por meio de tais virtudes, tinha conduzido o Império por cerca de vinte anos e, como houvesse se afligido com um grave terremoto em Antioquia e em todo o resto da Síria, regressando para a Itália a pedido dos senadores, faleceu de uma doença em idade avançada, tendo antes associado ao poder imperial o seu compatriota e parente, Adriano. 12 A partir de então, foi introduzida na república a separação dos títulos de Césares e de Augustos, de tal sorte que houvesse dois ou mais detentores do poder supremo com nomes diferentes e potestades desiguais. 13 Entretanto, outros autores estimam que Adriano havia alcançado o poder imperial devido ao favor de Plotina, esposa de Trajano, que simulara que Adriano havia sido instituído como herdeiro do trono no testamento de seu marido.

14 Portanto, Élio Adriano, mais à vontade com a eloquência e os deveres da toga, uma vez estabelecida a paz no Oriente, retornou para Roma. 2 Ali, de acordo com o costume dos gregos ou de Numa Pompílio, começou a se ocupar dos cultos religiosos, das leis, das escolas e dos professores, 3 a ponto de ter inclusive instituído uma escola para as artes liberais, a qual chamam de Ateneu, 4 e celebrou em Roma, à maneira dos atenienses, os rituais de iniciação de Ceres e Líbera, os quais são denominados de eleusinos. 5 Em seguida, tal como sucede em circunstâncias tranquilas, retirou-se, muito relaxado, para sua propriedade campestre em Tíbur, tendo confiado a cidade a Lúcio Élio César. 6 Ele próprio, como de costume no caso de homens afortunados e ricos, ergueu palácios e se ocupou com banquetes, estátuas e quadros de pintura; por fim, tinha prestado demasiada atenção ao que dissesse respeito ao luxo e à libidinagem. 7 Daí surgiram os maldosos rumores de que ele se lançou à desonra de jovens púberes e também se inflamou pelos infames serviços de Antínoo, e não por outra razão foi fundada uma cidade com o nome daquele ou mesmo se erigiram estátuas para o efebo. 8

Outros preferem que se tratasse de atos de piedade e escrúpulo religioso: pois Adriano era ávido por prolongar sua vida e, para tanto, os magos haviam solicitado um voluntário para morrer em seu lugar; como todos relutassem, relata-se que Antínoo se ofereceu, e por causa disso foram conferidas a ele as dádivas supramencionadas. 9 Deixaremos a questão em aberto, embora avaliemos que fosse suspeita, no que tange a um caráter indulgente, a ligação entre pessoas de tão diferente idade. 10 Entrementes, morto Élio César, como dispusesse de pouca força de espírito e por isso mesmo fosse objeto de desprezo, Adriano convoca os senadores para que indicassem um César. 11 Enquanto aqueles acorriam com pressa, ele por acaso avistou Antonino, o qual, com a mão, fornecia apoio para a caminhada hesitante de um ancião, sogro ou pai dele. Incrivelmente encantado com aquilo, ordena que Antonino fosse legalmente adotado como César, ao passo que a maior parte do Senado, que fizera dele objeto de zombaria, foi imediatamente condenada à morte. 12 Não muito depois, morreu de tísica em Baia, envelhecido embora ainda vicejante, ao vigésimo segundo ano, menos um mês, de seu reinado. 13 Por seu turno, os senadores, diante da rogativa do imperador, nem sequer tinham se demovido a conceder as honras divinas a Adriano, de tanto que pranteavam a perda de um número tão grande de varões que pertencia à sua ordem. 14 Porém, depois que aqueles, de quem ressentiam a morte, subitamente apareceram e abraçaram a cada um de seus amigos, decretam aquilo que haviam negado.

15 Por sua vez, quanto a Aurélio Antonino, cujo cognome era Pio, quase nenhum dos vícios o contaminou com desonra. 2 Homem de uma família muito antiga, advinda do município de Lanúvio, foi senador da cidade de Roma. 3 Era dotado de equilibrados e probos costumes a tal ponto que demonstraria claramente que os sumos espíritos não são corrompidos por uma paz duradoura, tampouco por um prolongado ócio e, finalmente, que as cidades seriam afortunadas se fossem reinos de sabedoria. 4 Enfim, durante os vinte anos em que conduziu os

bens públicos, ele se manteve o mesmo, e o nongentésimo aniversário da cidade foi celebrado de maneira magnífica. 5 A não ser que, talvez, a ausência de triunfos se assemelhasse à covardia; mas isto está longe de ser correto, pois que, sem dúvida, era mais importante que não tivesse ousado perturbar a ordem estabelecida, e que ele mesmo não tivesse causado uma guerra contra povos pacíficos a fim de se jactar. 6 Ademais, privado de filhos varões, confiou a república ao marido de sua filha.

16 Por isto, associou à sua família e também ao poder imperial M. Boiônio, que é conhecido por Aurélio Antonino, o qual era originário da mesma cidade, de igual nobreza, todavia muito superior nos estudos de filosofia e de eloquência. 2 Todos os seus feitos, na paz e na guerra, foram protegidos pelos deuses; no entanto, a sua imprudência em controlar a sua esposa maculou aquelas façanhas, pois que ela chegara a tamanha desfaçatez que, enquanto permanecia na Campânia, se situava em lugares agradáveis da costa para escolher dentre os marinheiros, que normalmente trabalham desnudos, os que fossem mais aptos para atos vergonhosos. 3 Por conseguinte Aurélio, morto o seu sogro em Lório depois do setuagésimo quinto ano de vida, admitiu imediatamente, para compartilhar o poder, o seu irmão Lúcio Vero. 4 Os persas, com o seu rei Vologeso, como tivessem vencido a princípio, por fim proporcionaram um triunfo, sob o comando de Lúcio. 5 Lúcio morreu em poucos dias, algo que deu margem para que se imaginasse que fora envolvido em uma traição de seu parente; 6 este, dizem, como se atormentasse pela inveja diante das realizações de Lúcio, levou a cabo uma cilada durante uma refeição. 7 Pois de um animal cortou das entranhas um pedaço, o qual se encontrava deliberadamente à parte, com uma faca em que um dos lados foi impregnado com veneno e, depois de ter consumido uma parte, como de costume entre pessoas íntimas, ofereceu para o seu irmão a outra parte, a qual havia sido tocada pelo veneno. 8 Mas não são capazes de crer nisso, acerca de tão grande varão, senão os espíritos inclinados ao crime, 9

pois que é suficientemente aceito que Lúcio foi dizimado por uma doença em Altino, cidade da Venécia, e que Marco tivesse possuído tanta sabedoria, tolerância, integridade e erudição que, quando marchou contra os marcomanos com o seu filho Cômodo, a quem nomeara como César, era cercado por uma multidão de filósofos suplicantes, os quais imploravam a ele que não se engajasse em uma expedição ou uma batalha sem que antes explicasse os princípios filosóficos difíceis e obscuros. 10 Desta forma, em sua ânsia por aprender, temiam pela segurança dele, dada a inconstância da guerra; e as artes liberais floresceram tanto sob o governo dele, de forma que eu estime que consistiram, por certo, na glória daquele tempo. 11 As ambiguidades das leis foram notavelmente esclarecidas e, uma vez suprimida a promessa solene de comparecimento em juízo, foi introduzido, de maneira apropriada, o direito de notificação do litígio e de aguardo pelo dia fixado. 12 A cidadania romana foi concedida, indiscriminadamente, a todos e muitas cidades foram fundadas, expandidas, restauradas e embelezadas, em primeiro lugar a Cartago dos púnicos, a qual um incêndio horrivelmente consumira, e Éfeso da Ásia e Nicomédia da Bitínia, que foram abatidas por um terremoto, tal como ocorreu em nossa época com Nicomédia, quando Cereal foi cônsul. 13 Triunfos foram conduzidos sobre povos, os quais são governados por Marcomaro, que se estendiam desde uma cidade da Panônia, cujo nome é Carnunto, até o centro da Gália. 14 Assim, morreu ele em Vindobona ao décimo oitavo ano de seu reinado, ainda que dispusesse de plenas condições de vida, para o máximo pesar de todos os mortais. 15 Por fim, divididos em relação a outros assuntos, os senadores e o povo se uniram e apenas para ele decretaram todas as honrarias, templos, colunas e sacerdotes.

17 O filho, pelo contrário, cruel desde o início de seu governo, era tido por bastante detestável, em particular por causa da recordação oposta que se tinha de seus antepassados; algo que até se torna oneroso para os descendentes, de forma que, à parte a aversão habitual

diante dos indivíduos perversos, são ainda mais execráveis como fossem corruptores de sua linhagem. 2 Foi, por certo, enérgico na guerra, e tendo avançado com sucesso contra os quados, denominara o mês de setembro de Cômodo. 3 Ergueu um edifício para uso como termas, as quais dificilmente eram dignas do poder de Roma. 4 Foi de um caráter marcadamente cruel e feroz, a ponto de, sob a aparência de um combate encarniçado, ter trucidado gladiadores com frequência, ele próprio com uma arma de ferro, ao passo que os seus oponentes utilizassem uma espada de chumbo. 5 Como houvesse, deste modo, matado a muitos, por acaso um daqueles gladiadores, cujo nome era Esceva, em razão de sua ousadia e de sua força física, como por causa de seu talento em combates, o desestimulou em relação àquela prática; tendo rejeitado a sua espada, a qual reconhecia como inútil, Esceva disse bastar para ambos aquela com a qual estava armado o próprio Cômodo. 6 Este, com medo de que fosse morto durante a contenda se, como era comum, fosse tomado o seu punhal, afastou Esceva e, ainda mais temeroso diante dos demais, voltou a sua ferocidade por inteiro contra animais selvagens e criaturas monstruosas. 7 Enquanto todos se horrorizavam com tais eventos e perante um homem insaciável de sangue, conspiraram contra ele os indivíduos mais próximos; pois que pessoa alguma, com efeito, era fiel a sua tirania, e os próprios guardas, por quem o poder dele era mantido, visto que zelavam por uma mente impura e inclinada à crueldade, julgam mais prudente destruí-lo de qualquer modo e, de fato, tentaram primeiramente envenenar Cômodo em segredo, por volta do décimo terceiro ano de seu reinado. 8 A eficácia do veneno foi comprometida pela refeição com a qual ele, por acaso, se empanturrara; contudo, pois que ele alegasse uma dor de estômago, se dirigiu para o ginásio por instigação do médico, o líder da conspiração. 9 Lá morreu ele, cuja garganta foi apertada com bastante força por um massagista (pois que este casualmente também fazia parte do complô), por meio de um nó dado a partir dos braços, como se se tratasse de um exercício de luta. 10 Ao saber do fato o Senado, que por causa das festas de janeiro se encontrara lotado à

primeira luz do dia, bem como a plebe o decretaram inimigo dos deuses e dos homens e seu nome foi apagado; e, em seguida, foi conferido o poder imperial ao prefeito da cidade, Aulo Hélvio Pertinax.

18 Este, dotado de todo tipo de conhecimento e dos mais antigos costumes, frugal em excesso, igualara os Cúrios e os Fabrícios. 2 Os soldados, a quem nada parece suficiente, ainda que naquele momento o mundo estivesse esgotado e arruinado, por instigação de Dídio o degolaram torpemente ao octogésimo dia de seu reinado.

19 Entrementes Dídio (ou Sálvio?) Juliano, apoiado pelos pretorianos, com os quais estabelecera uma aliança com promessas para lá de grandiosas, avançou da prefeitura dos guardas noturnos até as insígnias do poder soberano. 2 Provinha de uma família nobre e era proeminente por causa de seu conhecimento do direito romano; com efeito, foi o primeiro a reunir o edito em ordem, o qual era promulgado de maneira variada e desordenada pelos pretores. 3 Do que é suficientemente aceito que, a menos que o caráter servisse para coibir as paixões, a erudição é ineficaz, 4 na medida em que aquele que prescrevia, severo de fato, que se vivesse em retidão, levaria a cabo um crime que ele mesmo tinha determinado que se punisse com um novo castigo. No entanto, não se apoderou por muito tempo daquilo que tinha almejado. Pois, tão logo tinha tomado ciência acerca do que ocorrera, Septímio Severo, que por acaso, na condição de legado da Síria, levava a cabo uma guerra nos confins da terra, foi nomeado imperador e derrotou Dídio em uma batalha próximo da Ponte Mílvio; os que haviam sido enviados para que perseguissem aquele que fugia, o mutilaram em Roma, no palácio.

20 Por conseguinte, Septímio, comovido pela morte de Pertinax, ao mesmo tempo pelo ódio diante do ultraje, pela dor e também pela ira, imediatamente baniu as forças pretorianas e, tendo sido assassinados todos do partido adversário, concede a Hélvio um lugar entre os deuses, por intermédio de um senadoconsulto; ordena que o nome de Sálvio e também os escritos e feitos dele fossem destruídos; tal foi a única ordem que não conseguiu que fosse realizada. 2 O reconhecimento das artes liberais tem tanto valor que nem sequer os modos de vida cruéis impõem um obstáculo à memória dos escritores. 3 Além disso, uma morte deste tipo é a glória daqueles e motivo de execração para os responsáveis por tal ação, 4 na medida em que todos, e em especial os pósteros, consideram assim que não pudessem aqueles talentos ser suprimidos senão por um ato de vilania pública e um acesso de loucura. 5 Todos os homens bons devem ter grande confiança nisto, inclusive eu mesmo, que, nascido no campo de um pai pobre e inculto, alcancei até este momento uma vida bastante honrada graças a tão nobres estudos. 6 Creio que isto, de fato, seja próprio de nossa estirpe, a qual, por algum destino pouco fecunda em homens bons, todavia conduziria cada um destes a obter o seu lugar proeminente. Tal como ocorreu com o próprio Severo, pois não houve na república alguém mais ilustre do que ele; embora tenha ele morrido muito velho, decretaram, enlutados, a interrupção dos negócios públicos e um elogio fúnebre, e os que haviam se reunido concordaram que aquele justo homem não deveria ter nascido, muito menos morrido. 7 Sem dúvida porque Septímio, excessivo ao corrigir os costumes, foi tomado por clemente depois que os homens alcançaram a integridade dos tempos antigos, assim como a sanidade da mente. 8 Desta maneira, a honestidade, que a princípio é considerada angustiante, quando atingida é fonte de volúpia e exuberância. Vencidos Pescênio Nigro em Cízico e Clódio Albino em Lugduno, os obrigou a morrer; 9 quanto ao primeiro, governador do Egito, provocara uma guerra com a esperança de obter o poder, enquanto que o outro, responsável pelo assassinato de Pertinax, como por medo se esforçasse para se transferir para a Bretanha, província que

recebera de Cômodo, tomara de assalto o poder imperial na Gália. 10 Por causa do indistinto massacre daqueles, Severo foi tido por bastante cruel e recebeu o cognome de Pertinax, embora muitos estimem que, pelo contrário, ele chamou a si próprio dessa forma em razão de sua vida parcimoniosa, similar à daquele: nosso entendimento está inclinado a crer que lhe foi imposto devido à sua aspereza. 11 Por exemplo, quando um de seus inimigos sujeitara-se a Albino por causa, entretanto, de circunstâncias locais, como habitualmente ocorre em guerras civis, tendo exposto o seu motivo finalmente concluiu: “O quê, te imploro, farias, se fosses tu?”, ao que ele respondeu: “Suportaria isto, como tu”. 12 Nada há de mais difícil para os homens bons do que tais palavras e ações: visto que as pessoas ilibadas culpam a fortuna por causa de dissensões daquele tipo, embora tenham sido empreendidas com grande avidez e, antes do mais, suportam que a verdade seja corrompida a fim de proteger os cidadãos do que para perdê-los. 13 Mas Severo, desejoso de destruir as facções, para posteriormente agir de forma branda, preferiu punir um ato por necessidade, na expectativa de que, com o perdão, não se avançasse paulatinamente em direção à ruína do bem comum mediante conspirações, para as quais compreendia que os espíritos, por um vício dos tempos, estavam inclinados; e não nego eu que esses delitos, que começavam a se alastrar para além da medida, houvessem de ser tolhidos de maneira mais que severa. 14 Foi afortunado e sábio, em particular à frente dos exércitos, a ponto de não se retirar de combate algum senão na condição de vencedor e de aumentar o Império, uma vez subjugado o rei dos persas, de nome Abgaro. 15 E não menos os árabes, como tivesse investido sobre eles em simultâneo, ele submeteu à sua autoridade e transformou em província. 16 Também a Adiabena, se ele não tivesse desprezado a pobreza de suas terras, se admitiria entre as regiões tributárias. 17 Graças a essas realizações tão grandes, os senadores concederam-lhe o cognome de Arábico, Adiabênico e Pártico. 18 Foi empreendida uma façanha ainda maior que aquelas na Bretanha, a qual, repelidos os inimigos, protegeu até o ponto em que era útil por meio de um muro que atravessava a ilha e se

prolongava, de ambas as extremidades, até as margens do Oceano. 19 Ademais, moveu os povos belicosos para longe de Trípoli, onde se localizava a cidade de Lépcis, da qual era originário. 20 Estes árduos feitos eram concretizados por ele mais facilmente, na medida em que, implacável em relação aos delitos, distinguia com recompensas quem quer que fosse valente. 21 De fato, não deixava impune nem mesmo os pequenos roubos, punindo antes os seus homens, pois compreendia, como varão experiente que era, que tais crimes são cometidos pela falta de líderes ou ainda por uma facção. 22 Dedicou-se à filosofia, à oratória, enfim, a todas as artes liberais; e, do mesmo modo, compôs acerca de si mesmo uma obra adornada e, em igual medida, confiável. 23 Havia sido o criador de leis, de longe, equânimes. A suprema glória deste homem, tão grande dentro quanto fora do Império, foi diminuída pelas ignomínias de sua esposa, pois esteve unido a ela de modo tão infame que a manteve como cônjuge inclusive quando descoberta a libertinagem dela e sendo ela acusada de conjuração. 24 Isto é vergonhoso não apenas para os mais humildes como também para os mais poderosos e, em especial, para aquele a quem se submetem não somente os cidadãos privados, nem sequer apenas os indivíduos singulares ou mesmo os homens desonrados, mas em verdade os impérios, os exércitos e mesmo os vícios. 25 Com efeito, como retardasse uma guerra por estar enfermo dos pés e os soldados suportassem inquietos tal fato, tornaram Augusto o seu filho Bassiano, que então estava presente na condição de César; ele se fez carregar ao tribunal e ordenou que todos, o comandante e os tribunos, os centuriões e as coortes, sobre os quais recaísse a responsabilidade, comparacessem e fossem apresentados como réus. 26 Como, com medo e prostrado no solo, o exército vencedor de tantos povos suplicasse pelo perdão, disse ele: “Não percebeis”, batendo com a mão, “que a cabeça manda mais do que os pés?”. 27 Não muito depois, em um município da Bretanha, cujo nome é Eboraco, foi morto por uma doença aos dezoito anos de seu reinado. 28 Nascido em um meio humilde, foi instruído primeiro nas letras, posteriormente no fórum; pouco acomodado com isto, como de costume em

circunstâncias críticas, enquanto tentava ou ansiava alcançar melhores condições por variadas formas, ascendeu ao poder imperial. 29 Ali, tendo experimentado os mais graves problemas, dificuldades, responsabilidades, temores e, em suma, todas as incertezas, foi testemunha da vida dos mortais, por assim dizê-lo: “Tudo fui”, disse ele; “nada vale a pena”. 30 Seu corpo, que seus filhos Geta e Bassiano levaram a Roma, foi honrado de maneira extraordinária e inumado no sepulcro de Marco, a quem Severo cultuara a ponto de, por causa dele, recomendar que Cômodo fosse incluído entre os deuses, chamando-lhe de irmão, e adicionaria o nome de Antonino para Bassiano, na medida em que, depois de muitos e incertos acontecimentos, iniciasse a sua carreira pública, como advogado do fisco, sob a proteção daquele. 31 Por conseguinte, aqueles que alcançam êxito com esforço relembram os inícios de seus sucessos e os responsáveis pelos mesmos. 32 Porém, os seus descendentes se separaram imediatamente, como se obedecessem a uma ordem para fazer a guerra entre si. Assim Geta, cujo nome era derivado de seu avô paterno, visto que o seu caráter mais moderado atormentasse o seu irmão, morreu sitiado. 33 Esta vitória tornou-se ainda mais repugnante por causa da morte de Papiniano, conforme aquilo que avaliam como verdadeiro aqueles que se interessam pela história, pois que dizem que Papiniano, naquele tempo, havia sido secretário de Bassiano e que ele tinha sido orientado, como de costume, a compor o mais rápido possível um comunicado destinado a Roma; mas, devido ao ressentimento provocado pela morte de Geta, afirmou Papiniano que de modo algum um parricídio era encoberto com a mesma facilidade com a qual era cometido, e esta foi a causa de sua morte. 34 Entretanto, essas considerações são malvadas e absurdas, pois é suficientemente aceito que Papiniano ocupou a prefeitura do pretório e que não se pudesse rudemente infligir tamanha afronta àquele varão, para quem havia afeto e respeito.

21 Quanto ao resto, Antonino, que proveu a plebe romana com um tipo inaudito de presentes, foi chamado de Caracala, pois que concedesse vestes que desciam até os tornozelos, enquanto que, do mesmo modo, deu àquela vestimenta o nome de antoninianas, derivado de seu próprio nome. 2 Derrotou os alamanos, povo numeroso e maravilhosos combatentes a cavalo, nas proximidades do rio Meno. Foi paciente, acessível a todos e calmo; teve sorte semelhante e o mesmo matrimônio que seu pai. 3 Pois, cativado pela beleza dela, tratou de tomar por esposa sua madrasta Júlia, cujos crimes mencionei anteriormente, na medida em que ela, muito maliciosa, com o corpo desnudo se entregasse ao olhar do jovem, como se ignorante da presença daquele. Caracala declarou: “Eu quereria, se fosse permitido, usufruir disso”, ao que ela respondesse, com muito mais desfaçatez (já que ela, junto com as roupas, se despojara do pudor): “Te agrada? É completamente lícito para ti”. 4 Os cultos do Egito foram por ele trazidos a Roma e também a cidade foi ampliada a partir da grande entrada de uma nova via e pela construção de termas formosamente embelezadas. 5 Finalizadas essas obras, como viajasse pela Síria, morreu em Edessa ao sexto ano de seu reinado. 6 Seus restos mortais, em meio à comoção pública, foram levados a Roma e enterrados junto com os dos Antoninos.

22 Em seguida Opílio Macrino, que ocupava a prefeitura do pretório, foi nomeado imperador pelas legiões, e também o seu filho, Diadúmeno, recebeu o título de César. 2 O lamento entre os soldados, diante da perda do imperador, era tão imenso que chamaram o jovem de Antonino. 3 Entretanto, nada encontramos sobre eles, exceto um caráter cruel e descortês. 4 Em razão disto, tendo mantido o poder imperial, com dificuldade, por aproximadamente quatorze meses, foram assassinados por aqueles que os haviam escolhido.

23 E assim foi chamado Marco Antonino, gerado por Bassiano e que, morto o seu pai, por medo de traições se refugiara, como se fosse um abrigo, no sacerdócio do sol, que os sírios

denominam Heliogábalo e daí que ele fosse conhecido como Heliogábalo; e, trasladada para Roma uma estátua do deus, levantou altares no interior do palácio. 2 Nem sequer as mulheres lascivas ou despudoradas foram mais impuras que ele, haja vista que buscava por todo o mundo indivíduos demasiado obscenos para que vissem e se ocupassem das práticas libidinosas levadas a cabo. 3 Como tais atos aumentassem a cada dia, e mais e mais afeição acumulasse Alexandre, que a nobreza designara como César quando a morte de Opílio foi divulgada, Heliogábalo foi eliminado no acampamento dos pretorianos, no trigésimo mês de seu reinado.

24 E imediatamente a Aurélio Alexandre, nascido na Síria em uma localidade cujo duplo nome é Cesareia e Arce, foi confiado o poder de Augusto, com o apoio dos próprios soldados. 2 Ele, ainda que muito jovem, no entanto de um caráter superior à sua idade, após realizar grandes preparativos, começou imediatamente a guerra contra Xerxes, rei dos persas. Depois de vencê-lo e pô-lo em fuga, marchou rapidamente para a Gália, que era atacada pelas pilhagens dos germanos. 3 Lá repeliu com grande firmeza a maioria das legiões amotinadas; algo que, então, conferiu-lhe glória, logo em seguida lhe trouxe a destruição. 4 Pois, dado que os soldados se aterrorizaram com a violência de tão grande severidade (do que, inclusive, lhe fora adicionado o cognome de Severo), o trucidaram quando ele, casualmente, passava o tempo com poucos homens em um vilarejo da Bretanha, cuja denominação é Sicília. 5 Para a cidade de Roma, foi construída uma obra brilhantíssima e muito célebre, e nas honras à sua mãe, cujo nome era Mameia, ele foi mais que piedoso. 6 Além disso, mantendo na mesma magistratura Domício Ulpiano, que Heliogábalo colocara à frente dos pretorianos, e retornado Paulo à sua terra natal, durante o princípio de seu reinado, autoridades do direito que eram, demonstrou ele quanto interesse tinha em relação aos nobres e também à justiça. 7 Depois de ter exercido o poder imperial por não mais que treze anos, deixou a república reforçada em

todos os sentidos. 8 Aquela, avançando tenazmente desde Rômulo até Septímio Severo, se manteve como que no apogeu graças às medidas de Bassiano. Deveu-se a Alexandre que não se degradasse de modo abrupto. 9 A partir de então, os imperadores, na medida em que estavam mais desejosos de dominar os seus do que submeter os estrangeiros, e tomando as armas mais uns contra os outros, precipitaram o Estado romano como se fosse rumo a um abismo; foram elevados ao poder imperial, de forma indiscriminada, os bons e os maus, os nobres e os ignóbeis, e também muitos bárbaros. 10 Pois quando em toda parte tudo é confuso e nada segue o seu curso, todos estimam que é lícito, como em um tumulto, apoderar-se de cargos alheios que não são capazes de desempenhar, e escandalosamente põem a perder o conhecimento dos bons modos. 11 Assim, a força da fortuna, uma vez alcançada a licenciosidade, conduz os mortais de acordo com seu pernicioso capricho; aquela, contida durante muito tempo pela virtude tal como um muro, depois que quase todos foram subjugados pelos vícios, entregou o bem público aos tipos mais ínfimos por nascimento e instrução.

25 De fato, Caio Júlio Maximino, governante da Trebélica, foi o primeiro dentre os soldados, apesar de rude e semi-analfabeto, que tomou o poder, contando com a adesão das legiões. 2 Contudo, os senadores também endossaram isto, pois julgam perigoso resistir, inermes, a homens armados; o filho dele, com o nome análogo de Caio Júlio Maximino, foi feito César.

26 Assenhoreados do poder por dois anos e tendo conduzido uma batalha, de modo algum complicada, contra os germanos, de repente Antônio Gordiano, procônsul da África, foi feito imperador pelo exército na cidade de Tisdro, embora ausente de lá estivesse. 2 Depois que, chamado, lá chegou, foi recebido por uma sedição, como se tivesse sido escolhido para tanto; quando esta foi facilmente acalmada, se voltou para Cartago. 3 Ali, como conduzisse uma

cerimônia religiosa, como de hábito, a fim de afastar o efeito dos prodígios, por medo dos quais ele era atormentado não sem razão, subitamente o animal sacrifical deu à luz sua prole. 4 Diante disso, os arúspices e sobretudo ele próprio (que era, com efeito, extremamente experiente quanto aos usos daquela classe de conhecimento) compreenderam assim que ele estava, de fato, destinado à morte, embora viesse a preparar o poder imperial aos seus filhos; avançaram a observação para mais adiante no tempo e anunciaram também a morte de seu filho, dizendo que seria pacato e inofensivo como aquele animal e que, apesar disso, não duraria muito tempo e estaria sujeito às traições. 5 Entretanto, em Roma, descoberta a morte de Gordiano, o prefeito da cidade e o restante dos magistrados foram abatidos pelas coortes pretorianas, por exortação de Domício. 6 Pois Gordiano, depois que soube que o poder imperial havia sido conferido para si, enviara legados e cartas para Roma prometendo recompensas em grande medida; uma vez morto ele, os soldados, frustrados, se inquietaram; um tipo de ser humano que é cúpido por dinheiro e leal e favorável apenas em benefício próprio. 7 Mas o Senado, por outro lado, temendo que ocorressem situações demasiado terríveis, dado que não havia quaisquer líderes que fossem em uma cidade que parecia como que capturada, primeiramente determinou substitutos dos magistrados e, tão logo listados os mais jovens, instituiu Clódio Pupieno e Cecílio Balbino como Césares.

27 E durante aqueles mesmos dias, na África, os soldados escolheram Gordiano, filho de Gordiano, como Augusto, o qual por acaso se encontrava em meio à tenda de seu pai, embora ainda vestisse a toga pretexta, e em seguida ocupou a prefeitura do pretório; por certo, nem mesmo a nobreza repeliu tal ato. 2 Por fim, tendo sido ele chamado, por entre as colinas e no próprio coração da cidade foram as tropas de pretorianos destruídas na linha de combate, por grupos de gladiadores e por um exército de recrutas. 3 Enquanto tais eventos foram levados a cabo em Roma, os Júlios Maximinos, os quais, naquele momento, casualmente se mantinham

na Trácia, se dirigiram apressadamente para a Itália, uma vez recebidas as informações acerca do que se sucedera. 4 Pupieno os derrotou durante o cerco a Aquileia depois que, vencidos em batalha, o restante das tropas deles paulatinamente desertara. 5 Por causa de percalços deste tipo, foi somado mais um ano aos dois do reinado de ambos. 6 Não muito depois, durante um levante dos militares, Clódio e Cecílio foram mortos no interior do palácio e Gordiano conservou sozinho o poder. 7 E naquele ano, confirmados e promovidos os jogos quinquenais, que Nero introduzira em Roma, partiu ele em direção aos persas depois de, à maneira dos antigos, ter aberto o templo de Jano, que Marco havia fechado. 8 Lá, empreendida uma insigne guerra, faleceu ao sexto ano de seu reinado, devido às intrigas do prefeito do pretório, Marco Filipe.

28 Portanto, Marco Júlio Filipe, árabe da Traconítida, veio a Roma, depois de selecionado o seu filho Filipe para uma associação no poder, organizadas as coisas no Oriente e fundada na Árabia a cidade de Filipópolis; foi construído um lago para além do Tibre, porque a escassez de água extenuava essa região, e se celebrou, com jogos de todos os tipos, o milésimo aniversário da cidade. 2 E visto que o nome me faz recordar, igualmente, de minha época, sob o cônsul Filipe o milésimo centésimo aniversário passou sem que ninguém tivesse celebrado, como de costume, com alguma cerimônia solene: a ponto de diminuir, dia a dia, o interesse pela cidade de Roma. 3 Algo que, de fato, foi dado a conhecer naquele tempo por meio de prodígios e presságios, dentre os quais gostaria de brevemente recordar um deles. 4 Pois quando eram sacrificados alguns animais de acordo com as leis dos pontífices, no ventre de um porco apareceram os genitais de uma fêmea. 5 Quanto a isso, os arúspices o interpretaram como presságio da ruína dos pósteros e do recrudescimento dos vícios. 6 O imperador Filipe, ao julgar que estavam enganados acerca disso, mas também porque, ao passear, casualmente observara a se prostituir um efebo parecido com seu filho, estabeleceu ações honestíssimas

para eliminar a prostituição de varões. 7 Em verdade, porém, tal prática ainda perdura: pois que, embora alterada a condição dos lugares, busca-se-lhe com ultrajes ainda piores, na medida em que os mortais anseiam com grande ardor por aquilo que seja perigoso ou proibido. 8 A isto se acrescenta aquilo que as artes dos etruscos vaticinaram de forma muito diferente, as quais asseguravam que, quando prostrados os homens bons em sua maior parte, os mais efeminados haveriam de ser abençoados. 9 Penso que eles ignoraram por completo a verdade. Com efeito, por mais que se alcance um próspero sucesso em todas as coisas, no entanto quem pode ser afortunado se perdido o pudor? Enquanto este for preservado, as demais coisas são toleráveis. 10 Tendo efetivado os seus atos e deixado o seu filho na cidade, o próprio Filipe, apesar do corpo debilitado por causa da idade, avançou contra Décio e morreu em Verona, uma vez rechaçado e perdido o seu exército. 11 Quando isto foi revelado em Roma, o seu filho foi assassinado no acampamento dos pretorianos. Detiveram o poder por cinco anos.

29 Por outro lado, Décio, nascido em um vilarejo próximo a Sírmio, a partir de sua posição no exército conspirara para obter o poder imperial e, mais alegre graças à morte de seus inimigos, tornou César o seu filho, cujo nome era Etrusco; e, de imediato, este foi enviado para o Ilírico, ao passo que Décio permaneceu por algum tempo em Roma, para que fossem consagrados os edifícios que ele construiu. 2 Entrementes, de maneira inesperada foi oferecida a ele, como era costume, a cabeça de Jotapiano, o qual, inflamado por ser descendente de Alexandre e tentando iniciar uma revolução na Síria, jazera morto por decisão dos soldados e, igualmente, por aqueles dias o poder foi conferido a Lúcio Prisco, que administrava a Macedônia na condição de governador, contando com a afluência dos godos, que lá chegaram depois de terem pilhado a maior parte da Trácia. 3 Por causa disto, Décio partiu de Roma tão logo pôde, e Júlio Valente toma o poder imperial, dado o ardoroso desejo do povo. Porém, cada um deles foi morto em seguida, como a nobreza decretasse que Prisco

era inimigo da pátria. 4 Os Décios, perseguindo os bárbaros para além do Danúbio, tombaram vitimados por uma artimanha em Abrito, cumpridos dois anos de reinado. 5 Mas a maior parte dos autores considera gloriosa a morte dos Décios: de fato o filho, que tinha se engajado audazmente no combate, tombou na linha de batalha; quanto ao pai, pois que os soldados comovidos, a fim de consolar o imperador, puseram-se a dizer muitas coisas, ele afirmou categoricamente que a perda de um único homem lhe parecera pouco. E assim que a guerra foi recomeçada, combatendo com ardor, morreu ele de modo semelhante.

30 Quando os senadores souberam disso, concederam os poderes de Augusto a Galo e Hostiliano e os de César para Volusiano, filho de Galo. 2 Mais tarde, surgiu uma epidemia de peste; enquanto esta recrudescia de modo mais severo, morreu Hostiliano, ao passo que Galo e Volusiano foram objeto de simpatia, visto que se ocupassem, com cuidado e atenção, das exéquias de cada um dos mais pobres.

31 Por conseguinte, durante a permanência deles em Roma, Emílio Emiliano assenhoreou-se do supremo poder, uma vez corrompidos os soldados. 2 Aqueles que haviam partido para subjugá-lo foram abatidos em Interamna por seus próprios companheiros, na expectativa de receberem uma recompensa maior por parte de Emiliano, para quem a vitória se apresentava sem esforço ou perda alguma e, do mesmo modo porque, desmesurados em relação ao luxo e à lascívia, perverteram suas obrigações de maneira descuidada. 3 Com todos esses eventos, certamente um biênio se passou. Por sua vez, Emiliano, que por três meses usufruiu o poder imperial com moderação, foi consumido por uma doença, ainda que os próceres a princípio o tivessem declarado inimigo, para que, na sequência, por casualidade eliminados os seus sucessores, o nomeassem Augusto, como de hábito.

32 Por seu turno, os soldados, os quais, reunidos a partir de todos os lugares, permaneciam na Récia por causa da guerra iminente, conferiram o poder imperial a Licínio Valeriano. 2 Este, ainda que de origem assaz preclara, no entanto, como ainda era costume naquele tempo, servia ao exército. 3 O Senado escolhe o filho dele, Galieno, como César e imediatamente o Tibre, no pico do verão, transbordou como se parecesse um dilúvio. 4 Os adivinhos predisseram que se tratava de algo pernicioso para a república devido ao caráter instável do jovem, pois que Galieno, ao ser chamado, veio da Etrúria, a partir de onde corre o mencionado rio. De fato, aquilo aconteceu sem delonga. 5 Pois, quando o seu pai preparava uma incerta e diuturna guerra na Mesopotâmia, enganado por um ardil do rei dos persas, cujo nome era Sapor, morreu torpemente mutilado ao sexto ano de seu reinado, e ainda muito forte embora estivesse na velhice.

33 Por volta da mesma época, Licínio Galieno, como rechaçasse vigorosamente os germanos da Gália, com pressa acudiu ao Ilírico. 2 Lá, em Múrsia ele derrotou Ingênuo, a cargo do governo da Panônia, a quem o desejo de reinar penetrara quando revelado o desastre sofrido por Valeriano, e logo depois derrotou Regaliano, que reestabelecera a guerra, tendo recolhido os soldados sobreviventes do colapso que ocorrera em Múrsia. 3 Depois desses êxitos, que iam para além de seus anseios, bastante descuidado, à maneira dos homens em circunstâncias favoráveis, ele entregou, por assim dizer, o mundo romano à ruína, ao lado de seu filho Salonino, a quem conferira a dignidade de César, a ponto de que os godos, marchando livremente pela Trácia, capturassem a Macedônia, a Acaia e as áreas limítrofes da Ásia; os partos, a Mesopotâmia e os bandidos, ou antes, uma mulher, dominassem o Oriente; uma quantidade de alamanos tomou, igualmente, a Itália, enquanto as tribos dos francos, uma vez saqueada a Gália, se apoderassem da Hispânia, e a cidade dos tarraconenses só não foi devastada e pilhada por inteiro porque, tendo oportunamente encontrado navios, uma parcela

dos francos atravessou rumo a África; e foram perdidas as regiões para além do Danúbio, as quais Trajano havia obtido. 4 Deste modo, como se o vento soprasse de todos os lados, por todo o mundo se misturavam os mais humildes com os mais distintos, os inferiores com os superiores. 5 E, ao mesmo tempo, grassava em Roma uma peste, que amiúde sobrevém em tempos de graves inquietudes e desespero dos espíritos. 6 Neste ensejo, ele próprio, comparecendo a tavernas e bordéis, estabelecia laços de amizade com cafetões e bêbados, entregue à sua esposa Salonina e também ao infame amor por uma filha de Átalo, rei dos germanos, denominada Pipa; 7 por causa disso, inclusive, eclodiram guerras civis de longe mais sangrentas. 8 Pois o primeiro dentre todos que tinham se apossado do poder imperial havia sido Póstumo, que por acaso defendia a Gália diante dos bárbaros; e, tendo expulsado uma multidão de germanos, foi ele recepcionado por uma guerra levada a cabo por Leliano, o qual foi posto a correr de forma não menos afortunada. Mas Póstumo faleceu em um levante promovido por seus próprios homens, visto que rejeitasse, a despeito das insistentes solicitações, os saques contra os habitantes de Mogúncia, que haviam ajudado Leliano. 9 Portanto, morto este, Mário, outrora um ferreiro que nem mesmo à época era conhecido o suficiente no exército, toma o poder. 10 Por conseguinte, todas as coisas caíram ao extremo, de modo que, para homens deste tipo, o poder imperial e a honra de todas as virtudes eram objeto de zombaria. 11 Daí, enfim, que se tivesse dito de brincadeira que não pareceria de modo algum assombroso se um Mário se esforçasse por reparar o mundo romano que outro Mário, de mesma profissão e fundador da linhagem e do nome, consolidara. 12 Cortada a garganta daquele, dois dias depois foi escolhido Vitorino, igual a Póstumo no que dizia respeito ao conhecimento de guerra, mas, no entanto, propenso à libidinagem; de início, tal condição foi reprimida, porém, após dois anos no poder imperial e muitas mulheres violentadas, quando cobiçou a esposa de Aticiano e tendo ela exposto tal ultraje a seu marido, os soldados foram, às escondidas, incitados à revolta e ele foi assassinado em Colônia

Agripina. 13 São tão vigorosas, dentro do exército, as facções dos oficiais encarregados da distribuição das provisões, posição na qual se encontrava Aticiano, que a má ação deste foi realizada, em que pese a dificuldade para se executá-la: se trata de homens, sobretudo nestes tempos, de um tipo inútil, venal, trapaceiro, pronto para a sedição, cúpido e também disposto a realizar e ocultar fraudes, quase como se fosse um fato da natureza; tal tipo controla o abastecimento de grãos e por isso ameaça aqueles que recolhem os bens cultivados e a prosperidade dos camponeses, perante os quais se mostra sagaz em subornar quando oportuno e dos quais retiraria os recursos de modo insensato e prejudicial. 14 Entrementes, Vitória, morto o seu filho Vitorino e ratificado o apoio das legiões mediante grande quantia de dinheiro, faz de Tétrico o imperador, ele que era de família nobre e protegia os aquitanos na condição de governador, e ao filho dele, Tétrico, foram fornecidas as insígnias de César. 15 Em Roma, por outro lado, Galieno improbamente persuadia aqueles que não tinham ciência da calamidade pública de que tudo estava tranquilo, e também com frequência, como de costume em circunstâncias que se produzem de acordo com a vontade pessoal, foram organizados jogos e também celebrações de triunfos, como se confirmassem de modo manifesto aquilo que se tinha simulado. 16 Mas, depois que o perigo se avizinhava, partiu finalmente da cidade. 17 Com efeito, Auréolo, como estivesse à frente das legiões na Récia, atormentado, como de costume, com a indolência de um líder tão apático, procurava chegar a Roma depois de ter assumido o poder imperial. 18 Galieno, tendo-o desbaratado no campo de batalha, junto a uma ponte que é nomeada a partir de Auréolo, encurralou-o em Mediolano. 19 Enquanto sitiava a cidade com máquinas de todos os tipos, morreu vítima de seus próprios homens. 20 Pois Auréolo, quando percebeu que a esperança de romper o cerco era vã, com astúcia organizou uma carta contendo os nomes dos comandantes e tribunos de Galieno, como se tivessem sido por ele destinados à morte, e a lançou, da forma mais oculta possível, a partir das muralhas da cidade; tendo sido encontrada, por acaso, pelos indivíduos nela mencionados,

inspirou o temor e a suspeita de que a morte deles havia sido encomendada, porém pensaram que a carta havia caído por negligência dos servidores de Galieno. 21 Por causa disso, seguindo o conselho de Aureliano, cuja influência e respeito estavam assegurados dentro do exército, foi simulada uma irrupção dos inimigos quando Galieno, como é usual em casos alarmantes e repentinos, não estava protegido por alguém de sua guarda pessoal, e fizeram-no sair de sua tenda no decorrer da noite; foi ele atravessado pela lança de um desconhecido, por causa da escuridão. 22 Assim, fosse devido à incerteza em relação ao autor do assassinato, fosse porque ocorrera pelo bem comum, a morte dele não foi vingada. 23 No entanto, estão os costumes degradados de tal modo que muitos agem antes em função de seu próprio interesse do que daquele da república e pelo poder ao invés da glória. 24 Daí que também a vitalidade das coisas e dos nomes tenha sido corrompida, pois, na maioria dos casos, aquele que detém mais poder por meio de um crime, quando vencedor por conta das armas, chama de supressão da tirania a opressão em detrimento do bem público. 25 Ademais, por uma depravação semelhante, entre os deuses são enumerados certos homens que dificilmente seriam dignos de ritos fúnebres. 26 Se contra isso não se erguesse a credibilidade da história, que não permite que as pessoas honestas sejam furtadas da recompensa de serem recordadas, tampouco que seja concedida fama ilustre e eterna aos ímprobos, em vão se buscaria a virtude, pois que esta verdadeira e única honra seria atribuída gratuitamente aos piores homens e subtraída de maneira ímpia aos bons. 27 Por fim, os senadores proclamaram Galieno divino, coagidos por Cláudio, porque este tomara o poder imperial por decisão daquele. 28 Pois, como Galieno percebesse que sua morte estivesse próxima, devido à perda de sangue ocasionada por tão grave ferimento, enviou as insígnias imperiais a Cláudio, o qual, com o cargo de tribuno, era o comandante de uma guarnição de reserva em Ticino. 29 Certamente, aquela honraria foi arrancada à força, dado que, enquanto houver cidades, os atos vergonhosos de Galieno não possam ser ocultados e cada um dos piores imperadores será sempre tido por parelho e similar

a ele próprio. 30 De fato, até quanto se possa conjeturar, os imperadores e os melhores dos mortais vão aos céus graças à decência de sua vida do que em razão dos títulos perseguidos ou acumulados e, à maneira dos deuses, são celebrados devido à sua reputação entre os homens. 31 Por sua vez, o Senado, uma vez descoberta a morte dele, decretou que aqueles que escoltavam e os que eram próximos a Galieno fossem precipitados das escadarias Gemônias, e é suficientemente aceito que um advogado do fisco foi conduzido à Cúria e teve os olhos extraídos como castigo, enquanto o povo que irrompera suplicasse, em uníssono clamor, à Mãe Terra e aos deuses infernais para que dessem assento a Galieno em meio aos ímpios. 32 E se Cláudio, tão logo recuperada a cidade de Mediolano, não tivesse ordenado, como exigido pelo exército, que se poupassem aqueles que por acaso sobreviviam, a nobreza e a plebe teriam investido com maior ferocidade. 33 Sem dúvida, aos senadores, além do mal-estar geral do mundo romano, os incitava o ultraje à sua própria ordem, 34 pois Galieno foi o primeiro que, por medo de sua própria indolência e de que o poder imperial passasse para as mãos dos nobres mais distintos, proibiu os senadores de seguir a carreira militar e servir ao exército. 35 O reinado dele foi de nove anos.

34 Porém os soldados, os quais dificilmente as circunstâncias ruinosas impelem, contra a sua natureza, a adotar decisões corretas, quando verificaram que tudo estava destruído, avidamente aprovaram e elevaram Cláudio ao poder imperial, varão que suporta os perigos, justo e inteiramente devotado à república, 2 pois que, depois de um longo intervalo, reviveria a maneira de ser dos Décios. 3 Com efeito, como desejasse expulsar os godos, os quais o passar do tempo tornara excessivamente poderosos e como que habitantes do Império, foi revelado pelos Livros Sibilinos que o primeiro da ordem senatorial deveria ser consagrado à Vitória. 4 E como ele, que considerava sê-lo, tivesse oferecido a si mesmo, demonstrou que aquela tarefa competia, antes do mais, a ele próprio, que era efetivamente o primeiro do

Senado e também dentre todos os homens. 5 Assim sendo, os bárbaros foram destroçados e repelidos, sem que houvesse dano algum para o exército, depois que o imperador entregou, em oferenda, sua vida à república. 6 Para os homens bons, a salvação dos cidadãos e a longeva lembrança que deixam de si próprios são, justamente, o elemento mais precioso; algo que não concorre somente para a glória, mas também, de certa forma, para a felicidade dos descendentes. 7 Aqui, se de fato Constâncio, Constantino e também os nossos imperadores (...); e do corpo era mais bem-vindo aos soldados na expectativa de recompensas ou de desregramentos. 8 Por isso a vitória foi insalubre e mais dura, visto que os súditos, como de costume, com mais gana defendam poderes indulgentes, pelo interesse de cometer o mal impunemente, ao invés daqueles que são úteis.

35 Quanto ao resto, Aureliano, mais entusiasmado devido a tão grande êxito, de imediato, como subsistissem resquícios da guerra, marchou em direção aos persas. 2 Tendo destruído estes, retornou à Itália, cujas cidades eram arrasadas pelas depredações dos alamanos. 3 Ao mesmo tempo, removidos os germanos da Gália, as legiões de Tétrico, a quem nos referimos anteriormente, foram abatidas por causa da traição de seu próprio comandante. 4 Pois Tétrico, como fosse amiúde atacado pelos artifícios do governador Faustino e estivessem corrompidos os seus soldados, implorara, por meio de cartas, pela proteção de Aureliano e, ao se aproximar deste, tendo aparentemente avançado a linha de batalha, se rendeu durante o combate. 5 Desta maneira, como de costume na inexistência de um líder, confundidas as ordens, foram eles eliminados, e o próprio Tétrico, conduzido em triunfo depois de um excelso reinado de dois anos, obteve o governo civil da Lucânia e, para o seu filho, o perdão e a dignidade senatorial. 6 E, não de modo diferente, dentro da cidade de Roma, os artesãos do ateliê monetário foram destruídos, os quais, sob a instigação do ministro do tesouro Felicíssimo, violaram as marcas de controle das moedas, e por temor do castigo causaram uma guerra tão grave que, reunidos

ao longo do monte Célio, mataram aproximadamente sete mil soldados. 7 Empreendidos, com sucesso, tantos e tão grandes feitos, Aureliano construiu em Roma um magnífico templo ao Sol, ao qual foi conferida opulenta ornamentação e, para que nunca chegasse a ocorrer o que havia sucedido sob Galieno, rodeou a cidade com muralhas muito mais que fortes em um circuito mais amplo; e, igualmente, para que atendesse satisfatoriamente à plebe romana, cuidou de forma sábia e generosa do consumo de carne de porco e foram anuladas as denúncias fiscais e as falsas acusações dos delatores públicos, as quais tinham debilitado a cidade de modo lamentável, uma vez consumidos pelo fogo os registros e os documentos relativos àquele tipo de ação e decretado, à maneira da Grécia, um indulto, enquanto perseguia implacavelmente a avareza, o peculato e os que dilapidavam as províncias, ao contrário do costume dos militares, dentre os quais Aureliano se enumerava. 8 Por causa disto, enganado pela perversão de um servidor, a quem confiara o cargo de secretário, faleceu ele em Cenofrúrio, pois que aquele, tomado pela consciência de seus delitos, tivesse mostrado aos tribunos, como se se tratasse de um favor, escritos engenhosamente redigidos, nos quais tinha sido ordenado que fossem mortos; e eles, atiçados pelo medo, executaram o crime. 9 Enquanto isso, os soldados, morto o príncipe, de imediato enviaram legados a Roma, para que os senadores escolhessem, a critério deles, o imperador. 10 Como os senadores respondessem que a tarefa convinha, em essência, aos próprios soldados, as legiões a rejeitam, uma vez mais, em favor daqueles. 11 Assim, ambos os lados tinham disputado em decência e modéstia, virtude rara entre os homens, sobretudo em questões desta natureza, e quase ignorada pelos soldados. 12 Somente aquele varão, que possuiu um caráter severo e também incorruptível, por meio do anúncio de sua morte causou a destruição dos responsáveis, temor nos homens depravados, assim como nos dúbios, sentimento de pesar em cada um dos nobres, e para ninguém ocasião de insolência ou jactância e também, ademais, assim como somente no caso de Rômulo, ocorreu uma espécie de interregno, porém de longe mais glorioso. 13 Tal fato em

particular ensinou que tudo se move à maneira de um círculo e que nada acontece, por seu turno, que a força da natureza não seja capaz de produzir em um intervalo de tempo; 14 além disso, as coisas, inclusive as ruinosas, são facilmente reerguidas pelas virtudes dos príncipes, e aquelas mais sólidas pelos vícios são entregues à precipitação.

36 Por conseguinte, finalmente o Senado nomeou como imperador, por volta do sexto mês após o falecimento de Aureliano, um dentre os homens de nível consular, Tácito, varão realmente moderado, e quase todos estavam muito contentes, pois que os próceres houvessem subtraído à ferocidade militar o direito de eleger o príncipe. 2 No entanto, esta alegria foi breve e não conheceu um desfecho tolerável. Com efeito, morto subitamente Tácito ao ducentésimo dia de seu reinado, como tivesse, entretanto, torturado antes os responsáveis pelo assassinato de Aureliano, em especial o líder deles, Mucapor, o qual, por si, causara a morte mediante um golpe, Floriano, irmão de Tácito, assenhoreou-se do poder imperial, sem qualquer deliberação por parte do Senado ou dos soldados.

37 Mantido o poder, a duras penas, por um mês ou outro, Floriano é assassinado por seus próprios homens em Tarso, 2 depois que aceitaram a elevação de Probo no Ilírico, o qual, por causa de seus imensos conhecimentos da guerra, por fazer com que os soldados se exercitassem de variadas formas e também por endurecer a juventude, era quase um segundo Aníbal. 3 À maneira deste, com efeito, preencheu grande parte da África com oliveiras, por meio das legiões, cujo ócio ele estimava como suspeito para a república e também para os comandantes e, do mesmo modo, recobriu com vinhedos a Gália, as Panônias e as colinas das Mésias, logo depois de ter, é claro, arrasado com os povos bárbaros, que haviam irrompido quando os nossos príncipes foram assassinados graças à perversão de seus próprios homens; e igualmente mortos foram Saturnino no Oriente e Bonoso em Colônia Agripina, junto com

seus exércitos, pois ambos tentaram apropriar-se do poder ao lado das tropas das quais estavam à frente, na condição de comandantes. Por causa disso, depois de ter recuperado e pacificado todos esses territórios, se conta que Probo disse que em breve os soldados não fariam mais falta. 4 E assim eles, muito irritados, o massacraram em Sírmio, um pouco antes do sexto ano de seu reinado, como fossem obrigados a drenar, por meio de fossas e de um rego, a cidade natal do próprio Probo, a qual se deteriorava com as águas do inverno, devido ao solo pantanoso. 5 A partir de então, a força dos militares se recobrou e do Senado foi arrancado o poder e o direito de nomear o imperador até a nossa época, não se sabe se por ter o próprio Senado assim desejado por desídia, por medo ou fosse por aversão às dissensões internas. 6 Por certo, pôde ter recuperado a prerrogativa de servir ao exército, perdida por causa do edito de Galieno, pois as legiões moderadamente haviam se resignado quando Tácito reinava; nem mesmo Floriano teria se lançado inadvertidamente, e tampouco o poder imperial, por decisão dos soldados rasos, teria sido concedido a um homem qualquer, ainda que fosse bom, se tão distinta e grande ordem passasse um tempo nos acampamentos. 7 Em verdade, visto que os senadores têm se regozijado com o ócio e ao mesmo tempo temem por suas riquezas, cujo desfrute e afluxo estimam como maior do que aquilo que é eterno, construíram uma via para que os militares e quase os bárbaros dominassem a eles próprios e aos seus descendentes.

38 Por conseguinte, Caro, ocupante da prefeitura do pretório, foi investido com as indumentárias de Augusto, com os seus filhos Carino e Numeriano como Césares. 2 E, uma vez conhecida a morte de Probo, os bárbaros, aproveitando a oportunidade, invadiram o Império, e, tendo enviado o seu filho mais velho para a defesa da Gália, sem demora Caro prossegue, acompanhado por Numeriano, rumo à Mesopotâmia, que está quase que habitualmente exposta à guerra contra os persas. 3 Ali, dispersados os inimigos, atravessou a

cidade de Ctesifonte, a mais célebre da Pártia, uma vez que estava imprudentemente mais ávido por glória, e foi consumido pela ação de um raio. 4 Alguns relatam que isto ocorreu com ele de maneira merecida, tendo em vista que, como os oráculos houvessem alertado que com sua vitória era permitido chegar até a cidade mencionada, sofreu um castigo por ter avançado para mais longe. 5 Posto assim, resulta difícil desviar-se daquilo que fora predestinado, de modo que é inútil conhecer o futuro. 6 Por sua vez, Numeriano, morto o seu pai e estimando, ao mesmo tempo, que a guerra havia sido finalizada, assim que retornara com o exército foi eliminado devido às traições de seu sogro Apro, prefeito do pretório. 7 Uma dor nos olhos do jovem ofereceu a oportunidade para tanto. 8 De fato, o crime foi ocultado durante muito tempo, na medida em que se transportava o cadáver, como se se tratasse de um doente, encerrado em uma liteira, para que a vista não fosse afetada pelo vento.

39 Mas, depois que o crime veio à tona por causa do cheiro dos órgãos em decomposição, por deliberação dos comandantes e dos tribunos foi escolhido, graças à sua sabedoria, Valério Diocleciano, líder dos guardas do palácio e grande varão, dotado, contudo, de tais costumes: 2 por certo, foi ele o primeiro que ansiou por vestes feitas de ouro e ordenou que fosse trazida uma grande quantidade de seda, púrpura e gemas para recobrir os seus pés. 3 Ainda que tais coisas sejam mais afeitas aos espíritos inflamados e exagerados do que aos cidadãos, todavia se empalidecem diante de todo o resto. 4 Pois foi o primeiro dentre todos, desde Calígula e Domiciano, que abriu caminho para ser chamado publicamente de senhor e ser adorado e invocado feito um deus. 5 Quanto a tais coisas, tenho aprendido que, tanto quanto seja o caráter, os mais humildes, em especial quando alcançam altos cargos, são imoderados em sua soberba e em sua ambição. 6 Assim Mário, ao tempo de nossos pais, e por isso Diocleciano em nossa época, avançaram para além da condição comum, pois que um espírito desprovido de poder é insaciável, tal como alguém recobrado da inanição. 7 Do que me parece

surpreendente que muitos atribuam a soberba à nobreza, a qual, ciosa de suas origens patrícias, tem em alguma medida o direito de se sobressair, como se isto constituísse um remédio às moléstias pelas quais é atormentada. 8 No entanto, estes defeitos em Valério foram obscurecidos por outras qualidades; e ele mesmo, que permitiu ser chamado de senhor, agiu feito um pai. E é suficientemente aceito que este sagaz varão quis ensinar que a crueldade dos fatos portava um obstáculo maior que a dos nomes. 9 Entrementes Carino, ciente do que se sucedera, e mais confiante na expectativa de que as irrompentes revoltas fossem facilmente apaziguadas, dirigiu-se apressadamente para o Ilírico, tendo circundado a Itália. 10 Lá, mutila Juliano, derrotada a linha de combate deste. Pois Juliano, como conduzisse o governo civil junto aos vênetos, assimilada a morte de Caro e sedento por tomar o poder imperial, avançara em direção ao inimigo, que se aproximava. 11 Carino, porém, quando alcançou a Mésia, de imediato mediu suas forças com Diocleciano junto ao Margo e, visto que insaciavelmente oprimisse os vencidos, morreu ferido por seus próprios homens, já que, agitado pela libido, aspirava por muitas das mulheres dos seus soldados; contudo, os esposos delas, cada vez mais hostis, haviam reprimido sua cólera e sua dor até o desfecho da guerra. 12 Dado que esta se encaminhava de forma próspera, por medo de que, sendo assim, tamanho caráter se ensoberbecesse mais e mais a partir da vitória, os próprios soldados se vingaram. Este foi o fim de Caro e de seus filhos; tiveram a Narbona por terra natal e exerceram o poder imperial por um biênio. 13 Portanto Valério, pela primeira vez diante de uma assembleia do exército, como jurasse, desembainhada a sua espada e mirando o sol, desconhecer a ruína de Numeriano, e que tampouco havia cobiçado o poder imperial, por meio de um golpe perfurou Apro, postado próximo. Devido à traição daquele, como apontamos anteriormente, morrera um jovem bom e eloquente, e genro dele. 14 Aos demais foi concedido perdão e quase todos dentre os inimigos foram mantidos em seus cargos, especialmente um varão insigne de nome Aristóbulo, preservado em seu ofício de prefeito do pretório. 15 Tal acontecimento foi, na

história humana, algo inédito e impensável: em uma guerra civil, ninguém foi espoliado de suas riquezas, reputação e magistraturas e, pois, nos regozijemos com o fato de que se tenha atuado com grande piedade e docilidade e tenha se estabelecido um limite ao exílio, à proscrição e também, inclusive, às torturas e às mortes. 16 E para que relembrar que se admitiram, para uma vida em comum, muitos homens e estrangeiros em favor da defesa e da extensão da lei romana? 17 Pois, quando Diocleciano soube, uma vez desaparecido Carino, que Eliano e Amando tinham arregimentado um bando de camponeses e ladrões na Gália, a quem os habitantes locais chamam de bagaudas, os quais, devastados extensos campos, atacavam a maior parte das cidades, imediatamente nomeia Maximiano como imperador, um amigo leal, embora meio rústico e, ainda que soldado, ao menos de um bom caráter. 18 A ele foi adicionado o cognome de Hercúleo, em razão de sua devoção à divindade, assim como ocorrera com Valério, acrescido o de Jóvio; a partir dos quais foi imposto, ademais, o nome àquelas unidades auxiliares que, de longe, dispõem de maior valor no exército. 19 De fato, tendo Hercúleo partido para a Gália, os inimigos foram destroçados ou recebidos em rendição, e em pouco tempo efetuara a pacificação de toda a área. 20 Nessa guerra, Caráusio, cidadão da Menápia, brilhou graças a feitos mais do que evidentes; por isso e também porque era tido por experiente navegador (já que havia exercido esse serviço, em troca de remuneração, quando jovem), foi ele encarregado de preparar uma frota e repelir os germanos, que infestavam os mares. 21 Muito orgulhoso devido a isso, como esmagasse muitos bárbaros e não restituísse ao erário todo o montante da pilhagem, por medo de Hercúleo, de quem, soubera ele, tinha partido a ordem para que fosse morto, encaminhou-se apressadamente para a Bretanha e lá tomou para si o poder imperial. 22 Ao mesmo tempo, os persas agitavam profundamente o Oriente, e Juliano e os povos quinquegencianos, a África. 23 Além disso, em Alexandria do Egito, um homem de nome Aquileu assumira as insígnias do poder. 24 Por tais motivos, Júlio Constâncio e Galério Maximiano, cujo cognome era Armentário, foram

nomeados Césares em conformidade com os laços de parentesco que foram estabelecidos. 25 Dissolvidos os seus matrimônios anteriores, foi dado a conhecer ao primeiro a escolha da enteada de Hercúleo e, ao segundo, da filha de Diocleciano, como outrora fizera Augusto em relação a Tibério Nero e sua filha Júlia. 26 Foi o Ilírico, na verdade, a terra natal de todos eles: os quais, ainda que pouco civilizados, mas instruídos nas penúrias do campo e do exército, foram ótimos o bastante para a república. 27 Por isto consta que os homens se fizessem, com mais facilidade, virtuosos e prudentes pela experiência da adversidade e, pelo contrário, os que estão isentos de privações, julgando a todos de acordo com os seus recursos, velam menos pelas coisas. 28 Porém, a concórdia entre eles ensina, sobretudo, que foram a virtude inata e a boa formação militar, tal como estabelecida por Aureliano e Probo, quase suficientes para assegurar a valia deles. 29 Em suma, veneravam Valério como a um pai ou à maneira de um grande deus; a natureza e o valor disso são revelados, desde a fundação da cidade de Roma até a nossa época, pelos crimes entre parentes. 30 E como o fardo das guerras, conforme mencionamos anteriormente, pressionava com mais violência, todo o Império foi dividido em quatro partes, de modo que as terras que se localizam para além dos Alpes da Gália foram confiadas a Constâncio, a África e a Itália para Hercúleo, e a Galério o litoral do Ilírico até o estreito do Ponto; todas as demais Valério manteve para si. 31 Por isso, daquele momento em diante, o enorme castigo dos tributos foi imposto sobre parte da Itália. Com efeito, ainda que todos eles conduzissem suas tarefas com a mesma moderação, a fim de que o exército e também o imperador pudessem ser sustentados, os quais estavam sempre ou a maior parte do tempo ali, foi introduzida uma nova lei de tributos. 32 Esta, tolerável em função do comedimento naquelas circunstâncias, converteu-se na ruína destes tempos. 33 Enquanto isso, tendo Jóvio partido para Alexandria, foi creditada uma missão ao César Maximiano, de modo que, ultrapassadas as fronteiras, avançasse rumo à Mesopotâmia a fim de conter o ímpeto dos persas. 34 A princípio, ele foi violentamente perseguido por aqueles,

mas de súbito foi reunido um exército formado por veteranos e recrutas, com o qual lutou contra os inimigos ao longo da Armênia; esta é quase a única rota ou a mais fácil para vencêlos. 35 Por fim, ali mesmo reduziu o rei Narses à sua autoridade, assim como os filhos e esposas dele e a corte real. 36 Vitorioso a tal ponto que, se Valério, sob cujo comando tudo se governava, não o tivesse recusado por um motivo incerto, os fasces romanos teriam sido levados a uma nova província. 37 Na verdade, contudo, a parte das terras que nos era mais útil foi tomada; em que pese isto, uma recente guerra foi empreendida, absolutamente onerosa e destrutiva, visto que tais territórios são vivamente reivindicados. 38 Por outro lado, no Egito, Aquileu foi facilmente rechaçado e sofreu punição devido à sua empreitada. 39 Quanto à África, as coisas se sucederam de maneira semelhante e a Caráusio o poder sobre a ilha somente foi deixado depois de ele ser considerado propício para comandar e defender os habitantes contra povos belicosos. 40 Na verdade, seis anos depois um homem de nome Alecto enredou Caráusio mediante um ardil. 41 Como se encarregasse do comando das coisas com a permissão de Caráusio, por medo da morte devido às suas ações vergonhosas Alecto obtivera o poder mediante um crime. 42 O usufruto do poder foi breve, pois Constâncio o destruiu, tendo sido enviado Asclepiódoto, que exercia o ofício de prefeito pretoriano, com uma parte da frota e das legiões. 43 E, enquanto isso, os marcomanos foram batidos e toda a tribo dos carpos foi trasladada para o nosso território, da qual uma fração já havia então sido trazida desde Aureliano. 44 E com não menos zelo as magistraturas de tempos de paz foram ordenadas a partir de leis muito equânimes e foi removida a perniciosa categoria dos frumentários, os quais são semelhantes aos agentes para assuntos gerais de agora. 45 Ainda que pareçam ter sido instituídos para examinar e comunicar quais revoltas podiam ocorrer nas províncias, depois de tramar abomináveis crimes e de inspirar temor por todas as partes, principalmente entre aqueles que se encontravam mais longe, pilhavam tudo de modo vergonhoso. Do mesmo modo, o abastecimento de trigo da cidade de Roma e a segurança dos

tributários foram mantidas com cuidado e empenho e, mediante a promoção dos mais honestos e, pelo contrário, a partir dos castigos de cada um dos depravados, aumentaram o interesse pelas virtudes. Os cultos religiosos antiquíssimos foram observados de modo bastante piedoso, e de maneira notável as colinas romanas e todas as demais cidades, em especial Cartago, Mediolano e Nicomédia, foram embelezadas com edifícios até então inéditos e perfeitamente adornados. 46 Contudo, ainda que tivessem conduzido tais feitos, não estiveram isentos de vícios. Pois Hercúleo era guiado por tão grande luxúria, de modo que nem sequer contivesse seus baixos sentimentos para longe dos corpos de reféns; no que concerne a Valério, pouco sincera era a confiança que tinha nos amigos, mas certamente a dissimulava por medo de discórdias, na medida em que estimava que a tranquilidade do colegiado era passível de ser abalada por declarações. 47 Daí que também as forças da cidade de Roma foram, por assim dizer, truncadas, uma vez diminuída a quantidade de coortes pretorianas e das pessoas que serviam ao exército; muitos admitem que ele renunciou ao poder imperial por causa disso. 48 Por outro lado, examinador das ameaças que estavam por vir, quando descobriu, por intermédio de um oráculo, que desastres intestinos e uma espécie de ruptura pendiam sobre o Estado romano; celebrado o vigésimo ano de seu reinado, ele, embora ainda estivesse muito forte, abandonou a administração da república, já que tivesse, com muita dificuldade, convencido Hercúleo a seguir a sua decisão, cuja potestade havia durado um ano menos. E, ainda que em meio a umas e outras opiniões a verdade tenha sido corrompida, no entanto é considerado por nós uma mostra de uma natureza excelente o fato de que ele decresceu para uma vida comum, menosprezada a ambição.

40 Por conseguinte, tiveram eles por sucessores Constâncio e Armentário, e Severo e Maximino, nativos do Ilírico, como Césares, de modo que ao primeiro foi designada a Itália e ao segundo as regiões das quais Jóvio se apossara. 2 Por não conseguir tolerar isto,

Constantino, cujo espírito, ingente e poderoso, já desde garoto estava atormentado pela ânsia de governar, alcançou a Bretanha a partir de uma fuga planejada, exterminando os animais do correio imperial por toda a rota pela qual passara, a fim de enganar os seus perseguidores; com efeito, era ele mantido por Galério, sob um pretexto religioso, à maneira de um refém. 3 E, por acaso, por aqueles mesmos dias e naquele mesmo lugar, se aproximava o instante derradeiro da vida de Constâncio, o pai dele. 4 Morto este, com a anuência de todos os que estavam presentes, Constantino toma o poder imperial. 5 Enquanto isso, o povo de Roma e os esquadrões pretorianos confirmam Maxêncio como imperador, embora seu pai Hercúleo fosse por muito tempo relutante em relação àquilo. 6 Quando Armentário soube daquilo, ordena ao César Severo, que casualmente estava próximo da cidade, que dirigisse rapidamente as suas armas contra o inimigo. 7 Ele, como se dirigisse ao entorno das muralhas, foi abandonado por seus homens, os quais Maxêncio convencera mediante tentadoras recompensas, e morreu em Ravena, fugitivo e assediado. 8 Muito irritado com isto, Galério, tendo clamado pelos conselhos de Jóvio, nomeou Licínio como Augusto, de quem era íntimo devido a uma velha amizade; tendo deixado Licínio para a defesa do Ilírico e da Trácia, Galério se voltou para Roma. 9 Ali, como o cerco se postergasse, e Maxêncio atacasse os seus soldados pela mesma via que os anteriores, partiu ele da Itália, por medo de que fosse abandonado; e pouco depois foi consumido por uma pestilência devido a um ferimento, assim que tornara cultivável uns campos nas Panônias, bastante convenientes à república, uma vez devastados extensos bosques e também desviado o lago Pelso para o Danúbio. 10 Por causa disto, denominou esta província a partir do nome de sua esposa, Valéria. 11 O reinado dele foi de cinco anos, e o de Constâncio, um, ainda que, entretanto, ambos tivessem ostentado o poder de Césares por treze anos. 12 A tal ponto admiráveis por seus predicados naturais, que se esses tivessem emanado de almas doutas e não tivessem eles insultado por sua grosseria, indubitavelmente teriam sido considerados essenciais. 13 Do que se comprova que a erudição, a elegância e a cortesia são

necessárias, principalmente para os príncipes, na medida em que, sem aquelas, sejam os dons naturais menosprezados como se fossem grosseiros ou, inclusive, horrendos, enquanto que, pelo contrário, tais qualidades proporcionariam eterna glória a Ciro, rei dos persas. 14 Por outro lado, em minha época, com os desejos de todos, elas elevaram Constantino até as estrelas, ainda que ele estivesse disposto a todas as demais virtudes. 15 Certamente, se tivesse estabelecido limite à sua munificência e à sua ambição e a essas habilidades por meio das quais os talentos amadurecidos, em particular, progredindo largamente pelo apego à glória alcançam o oposto, não estaria muito distante de um deus. 16 Quando ele descobriu que a cidade de Roma e a Itália eram devastadas, e os exércitos e os dois imperadores derrotados ou subornados, atacou Maxêncio, uma vez estabelecida a paz nas Gálias. 17 Nessa época, entre os púnicos, Alexandre, governando em nome do prefeito, estupidamente reteve o poder, ainda que ele próprio estivesse em debilidade por causa da idade, fosse mais insensato do que seus rústicos parentes panônicos, e os seus soldados tivessem sido recrutados improvisadamente e com dificuldade dispusessem de metade das armas. 18 Finalmente, o prefeito do pretório Rúfio Volusiano e alguns comandantes militares, enviados pelo tirano junto com pouquíssimas coortes, subjugaram-no em um combate insignificante. 19 Vencido Alexandre, Maxêncio, homem selvagem e desumano e ainda mais abominável por causa de sua grande devassidão, ordenara que Cartago, a glória do mundo, fosse devastada, pilhada e incendiada, assim como as mais belas terras da África. 20 Ademais, era covarde e inapto para a guerra, bem como torpemente inclinado à indolência, até o ponto em que, enquanto a guerra consumia a Itália, e fossem os seus homens em Verona dispersados, ele não se ocupasse senão de sua apatia habitual e nem sequer se comovesse com a morte de seu pai. 21 Pois Hercúleo, mais debilitado por natureza, e ao mesmo tempo temendo pela apatia de seu filho, imprudentemente buscara de novo o poder imperial. 22 E como, por meio de planejados artifícios, atacasse duramente Constantino, genro dele, embora sob a aparência de servi-lo, ao

final havia merecidamente falecido. 23 No entanto, Maxêncio, a cada dia mais cruel, por fim marchou com muita dificuldade da cidade de Roma para Saxa Rubra, a quase nove milhas de distância, e como, desbaratada a sua frente de batalha, em fuga se retirasse para Roma, na travessia do Tibre foi interceptado em uma emboscada, a qual havia preparado para seu inimigo junto à Ponte Mílvio, ao sexto ano de sua tirania. 24 É incrível com quanta alegria e júbilo se regozijaram o Senado e povo de Roma com a morte dele; Maxêncio os maltratara de tal forma que, certa vez, assentiu para que os pretorianos massacrassem a multidão e foi o primeiro a obrigar, por intermédio de um decreto, que os senadores e os camponeses cumprissem com um tipo de encargo a fim de amealhar dinheiro para seus dispendiosos gastos. 25 Por aversão a isto, foram completamente suprimidas as legiões pretorianas e as unidades auxiliares mais propensas às dissensões do que à defesa da cidade de Roma, assim como as armas delas e o uso do uniforme militar. 26 Além disso, todas as obras que Maxêncio construíra com magnificência, o templo da cidade e a basílica, os senadores consagraram em razão dos méritos de Flávio. 27 Também devido a este, o Circo Máximo foi em seguida maravilhosamente embelezado, e foram construídas termas não muito diferentes de todas as demais. 28 Foram colocadas estátuas em lugares mais que frequentados, a maioria das quais feitas de ouro ou prata; na África foi decretado um sacerdócio para a família Flávia, e a cidade de Cirta, a qual o cerco imposto por Alexandre havia destruído, foi reconstruída e adornada, tendo sido imposto a ela o nome de Constantina. 29 Na verdade, nada é mais agradável e mais prestigioso do que a deposição dos tiranos, mas haverá popularidade para os responsáveis por tal ato somente se forem moderados e abnegados. 30 Pois as mentes humanas são duramente ofendidas se frustrada a esperança no bem, se quando mudado um governante infame se mantém, todavia, a violência de seus tormentos.

41 Enquanto tais eventos haviam se engendrado na Itália, Maximino no Oriente, depois de governar como Augusto por um biênio, foi derrotado e posto em fuga por Licínio, e morreu em Tarso. 2 Portanto, o poder sobre o mundo romano foi obtido por dois homens, os quais, muito embora estivessem ligados entre si porque a filha de Flávio era casada com Licínio, por causa de suas diferentes maneiras de ser foram capazes de, com dificuldade, se conciliar durante três anos apenas. 3 Pois Constantino possuía, salvo a moderação, todas as outras virtudes, e Licínio somente a parcimônia e esta era, ademais, rústica. 4 Em suma, Constantino protegeu e recebeu a todos os seus inimigos, mantendo-nos em suas magistraturas e com suas fortunas, piedoso ele de tal maneira que foi o primeiro que aboliria a antiga e terrível punição do patíbulo e da rotura das pernas. 5 A partir disso, foi considerado como um fundador ou um deus. Quanto a Licínio, as torturas próprias de escravos, dirigidas inclusive a pessoas inocentes e a nobres filósofos, não tiveram para ele limite algum. 6 Na verdade, foi ele batido em várias batalhas, mas como fosse percebido que era árduo arrasá-lo por inteiro e, igualmente, por causa dos laços de parentesco, o acordo entre eles foi restaurado, e foram associados ao poder, na condição de Césares, tanto os filhos nascidos de Flávio, Crispo e Constantino, quanto o de Licínio, Liciniano. 7 De fato, tal pacto dificilmente se perpetuaria e nem sequer seria favorável para aqueles que o houvessem aceitado, dado que, naqueles meses, um eclipse do sol tinha impedido que a luz do dia fosse revelada. 8 Consequentemente, rompida a paz seis anos depois, Licínio foi derrotado na Trácia e partiu para Calcedônia. 9 Ali foi ele esmagado, junto com Martiniano, que para o auxílio dele havia sido escolhido para compartilhar o poder imperial. 10 Deste modo, a república começou a ser conduzida pela autoridade de um único homem, à parte o fato de que se conservassem para os seus filhos os títulos de Césares: com efeito, naquela época a insígnia de César foi concedida a nosso imperador Constâncio. 11 Assim que o mais velho dentre eles, não se sabe por qual razão, houvesse morrido devido a um veredicto de seu pai, repentinamente Calócero, oficial do gado

e dos camelos, procurara de maneira insana instituir, na ilha de Chipre, uma espécie de reinado. 12 Supliciado ele, como era lícito, à maneira de um escravo ou de um ladrão, Constantino desviou enormemente sua atenção para a fundação de uma cidade e para dar forma a uma religião, ao mesmo tempo renovando a organização do exército. 13 E, enquanto isso, foram abatidas as tribos do godos e dos sármatas, e o mais novo de todos os seus filhos, de nome Constante, foi feito César. 14 Por causa deste, prodígios extraordinários prenunciaram que haveria perturbações para a república; pois, na noite que se seguia ao dia em que lhe foi confiado o poder imperial, toda a face do céu se inflamou com um fogo contínuo. 15 A partir de então, passados quase dois anos, nomeou como César o filho de seu irmão, cujo nome era Dalmácio, tal como era o de seu pai, em que pese o incisivo posicionamento contrário por parte dos soldados. 16 Assim, aos trinta e dois anos de seu reinado, depois de, sozinho, ter governado o mundo durante treze, aos sessenta e dois anos de idade, marchando contra os persas, que haviam feito irromper novamente a guerra, morreu em um campo perto de Nicomédia, o qual chamam de Acirona, tal como o havia pressagiado o astro fatal para os reinados que as pessoas chamam de cometa. 17 Seu corpo foi enterrado na cidade que leva o seu nome. Por certo o povo romano suportou isto com muito pesar, pois que avaliasse que, por meio das armas, das leis e do clemente poder dele, a cidade de Roma havia sido, por assim dizer, renovada. 18 Foi levantada uma ponte sobre o Danúbio; foram oportunamente instalados acampamentos e fortificações em muitos lugares. 19 Foram removidas as provisões extraordinárias de azeite e de trigo, com as quais Trípoli e Niceia eram muito duramente sufocadas. 20 Os habitantes da primeira haviam oferecido aquilo ao governo de Severo em agradecimento ao seu concidadão, e a dissimulação dos pósteros convertera o donativo em algo pernicioso, devido ao cumprimento dessa obrigação. Os da segunda, Marco Boiônio afligira com uma punição, pois que tivessem ignorado que Hiparco, homem de um caráter notável, era natural da cidade. Os abusos fiscais foram severamente

reprimidos, e tudo teria parecido análogo aos costumes divinos, se ele não tivesse concedido acesso aos cargos públicos a homens pouco dignos. 21 Embora isto ocorra com muita frequência, entretanto com um homem de elevado caráter e dotado dos melhores costumes para a república, por menor que sejam os vícios, estes se iluminam ainda mais e são facilmente notados; além disso, amiúde perturbam agudamente, pois que, por causa do esplendor do responsável, são tomados, antes do mais, como virtudes, bem como constituem um convite à imitação. 22 Por conseguinte, Dalmácio foi imediatamente assassinado, sem que se saiba quem foi o instigador; e, na sequência, mais ou menos três anos depois, morre Constantino em uma guerra funesta. 23 Constante, mais inflamado graças a esta vitória, e ao mesmo tempo pouco precavido por causa da idade e dotado também de um espírito impetuoso, além de execrável em razão da perversidade de seus servidores e propenso à avareza e ao desprezo dos soldados, depois do décimo ano de seu triunfo foi enredado pelo crime de Magnêncio, uma vez controladas, porém, as rebeliões dos povos externos. 24 Visto que havia lidado, com muito esmero, com os reféns daqueles povos, buscando os garotos mais formosos mediante pagamento, é tido por certo que ele havia se inquietado por este tipo de prazer. 25 Antes, contudo, perdurassem apenas esses vícios! Pois todas as coisas foram, de tal maneira, destruídas pelo caráter perverso e atroz de Magnêncio, como é natural aos povos bárbaros e, igualmente, por causa dos eventos que se sucederam depois, de modo que se tivesse lastimado, e não de forma iníqua, pelo reinado de Constante; 26 porque em seguida Vetranião, inteiramente desprovido de letramento e de um caráter bastante bruto, e por tal razão um péssimo homem dada à sua rústica insensatez, enquanto se encarregava dos soldados devido ao comando da infantaria no Ilírico, havia se assenhoreado do poder de forma ímproba, embora houvesse surgido dos locais mais inóspitos da Mésia.

42 Aproximadamente no décimo mês após o ocorrido, pela força da eloquência de Constâncio, Vetranião foi removido do poder imperial e Constâncio o relegou ao ócio da vida privada. 2 Tal glória, desde o nascimento do Império, processou-se de maneira única por causa da oratória e da clemência. 3 Pois, quando grande parte dos exércitos de ambos houvesse se reunido, mantida como uma espécie de audiência em um julgamento, aquilo que geralmente era obtido com dificuldade ou com muito sangue, ele realizou por meio da eloquência. 4 Tal fato ensinou de modo suficiente que não somente na paz, mas em verdade na guerra, a capacidade oratória efetivamente importa; graças a apenas isto são superadas com facilidade inclusive as tarefas mais árduas, se a moderação e a integridade se sobressaíam. 5 Isto é especialmente reconhecido em relação a nosso imperador; tanto que, inclusive, não se esforçasse menos para marchar imediatamente rumo à Itália contra os outros inimigos, mas o inverno rigoroso o retardou, pois os Alpes estavam bloqueados. 6 Entrementes em Roma, corrompida a multidão, e ao mesmo tempo aproveitando o ódio em relação a Magnêncio, Nepociano, aparentado a Flávio por linhagem materna, é feito imperador por um grupo de gladiadores armados, depois de morto o prefeito da cidade. 7 Seu caráter bruto resultou de tal modo nefasto para a plebe romana e para os senadores que todas as casas, fóruns, ruas e templos se encheram completamente de sangue e de cadáveres, como se fossem tumbas. 8 E não apenas por causa de Nepociano, mas na realidade também devido aos apoiadores de Magnêncio, os quais haviam abatido o inimigo ao trigésimo dia menos três. 9 Mas, mesmo antes desse momento, como estivessem desconfiados das agitações externas, Magnêncio confiara as Gálias ao seu irmão Decêncio e Constâncio o Oriente a Galo, cujo nome Constâncio havia alterado para o seu, concedendo a eles os títulos de Césares. 10 Eles mesmos se enfrentaram mutuamente, nos mais ásperos combates, durante três anos; ao final, Constâncio perseguiu os fugitivos na Gália e obrigou ambos a se matar, por meio de um suplício diferente. 11 E, enquanto isso, foi suprimido um levante dos judeus, os quais haviam

de forma criminosa alçado Patrício a uma espécie de reinado. 12 E Galo, não muito depois, por causa de sua crueldade e de seu caráter violento, morreu por ordem do Augusto. 13 Sendo assim, depois de um longo intervalo de quase setenta anos, aos cuidados de um único homem foi restituída a república. 14 A qual, recentemente pacificada desde os distúrbios civis, começou a ser atacada de novo, uma vez coagido Silvano ao poder imperial. 15 Pois este Silvano, nascido de pais bárbaros na Gália e advindo das fileiras do exército, depois que do lado de Magnêncio para o de Constâncio passou, merecera o ofício de comandante da infantaria, embora muito jovem. 16 E como, por medo ou por loucura, tivesse ascendido para cargos mais altos, foi assassinado em meio a uma revolta das legiões, das quais esperara por proteção, aproximadamente ao vigésimo oitavo dia. 17 Por causa disto, para que coisa alguma fosse alterada entre os gauleses, impulsivos por natureza, e sobretudo porque eram devastadas, pelos germanos, muitas daquelas regiões, Constâncio põe Juliano à frente da Transalpina, na condição de César, acolhido por si em função dos laços de parentesco. Em pouco tempo Juliano subjugou esses povos selvagens, uma vez capturados os seus famosos reis. 18 Ainda que tais empresas se devessem ao vigor dele, ocorreram, entretanto, graças à boa fortuna e à prudência do príncipe. 19 Isto é importante a um ponto tal que Tibério e Galério, quando submetidos a outros, alcançaram a maior parte de seus êxitos; por outro lado, sob os seus próprios auspícios e liderança, seus feitos foram menos parecidos com aqueles. 20 Por seu turno, Júlio Constâncio, regente do Império, na condição de Augusto, há vinte e três anos, visto que está absorto nos tumultos externos, assim como nos distúrbios civis, com dificuldade se mantém distante das armas. 21 Foi capaz de, repelidos tantos tiranos e, neste ínterim, tendo ele resistido ao ímpeto dos persas, se instalar com grande glória em meio à tribo dos sármatas, aos quais designou um rei. 22 Algo que descobrimos que Cneu Pompeu realizara, restituindo o trono a Tigranes, mas que raramente outros dos antepassados o fizeram. 23 Constâncio é sereno e clemente de acordo com a ocasião, conhecedor das letras a ponto de

distinguir-se e orador de um tipo doce e agradável; resistente às tarefas árduas e admiravelmente certeiro no tiro com arco; senhor de seus apetites, de todos os seus desejos e todas as suas paixões; bastante piedoso no culto de seu pai e demasiadamente atento a si próprio; consciente de que a vida dos bons imperadores rege a placidez da república. 24 Tantos predicados, e tão ilustres, se macularam por causa do débil interesse em avaliar aqueles que conduzem as províncias e o exército, ao mesmo tempo pelos absurdos costumes da maior parte de seus subordinados, além de negligenciados os homens bons. 25 E para dizer, brevemente, a verdade: assim como nada é mais preclaro que o próprio imperador, deste modo nada é mais atroz que a maior parte daqueles ao serviço dele.

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