AUTHOR Greves Rurais e Agitação Camponesa [Rural Strikes and Peasant Unrest], 1996

July 18, 2017 | Autor: Dulce Freire | Categoria: Social Movements
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Dicionário do História do Estado Novo volume 1

DULCE FREIRE (1996) - GREVES RURATS E AGITAÇÃO CAMPONESA

GREVES RURATS E AGITAÇÃO CAMPONESA – Os efeitos da Grande Depressão (1929), combinados com o fortalecimento do salazarismo e repressão do sindicalismo operário, alargaram a todo o país, pela primeira vez neste século, as crises de emprego. Lisboa, Porto, Beja e Évora foram os distritos mais afetados. No Sul o desemprego* rural era generalizado: os salários baixaram e a desocupação durava todo o ano. A partir de 1932, a Campanha do Trigo*, a recuperação da crise mundial e a organização corporativa* afastaram, por dez anos, os problemas de emprego e os conflitos sociais dos campos. A “paz social” mantida durante a década de trinta foi desfeita pela Segunda Guerra Mundial*, que reacendeu a agitação rural. Nos vinte anos seguintes “há lutas maiores ou menores, ou incidentes de amplitude geográfica ou de número de participantes diversos, mas que se sucedem periodicamente, ano a ano, sem bruscas alterações no seu ciclo sazonal” (P. Pereira, pp. 126-127). Reivindicava-se “pão e trabalho” aos proprietários agrícolas e autoridades. O descontentamento concretizava-se através da recusa em pegar - ou no abandono do - ao trabalho, greves, manifestações, concentrações, marchas, motins, etc. Estas lutas propagaram-se entre a população rural, que vivia, maioritariamente, em condições miseráveis. Os trabalhadores com pequenas parcelas ou sem nenhuma terra estavam dependentes dos ciclos sazonais das fainas agrícolas – divididas genericamente em sementeiras no Inverno e colheitas no Verão. Durante um ano os homens trabalhavam oito a dez meses e as mulheres cinco a seis meses. Estes períodos podiam ser reduzidos pelas chuvas, doenças ou falta de trabalho. Apesar de o horário ser igual para ambos os sexos, a jorna das

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mulheres era sempre mais baixa. Até ao aumento maciço da emigração* (anos 60), a sobrevivência destas populações estava sujeita à obtenção de emprego e salário nas atividades agrícolas. Do início dos anos 40 ao final da guerra, a agitação rural acompanhou, ainda que sem sintonia, a reação do operariado* industrial aos efeitos da economia de guerra*. Em 1941 assistiu-se ao alastrar a todo o país dos sintomas de descontentamento. Dá-se uma “maré” de roubos (fruta, lenha, criação, cereais, ferro), de sabotagens (caminho-deferro) e de incêndios (vagões e navios com artigos para exportação, armazéns, matas, etc.). Os relatórios enviados pela PVDE* e GNR do Alentejo ao Ministério do Interior* referem- se a pessoas que “não comiam há três dias” e a “desempregados que se encontravam famintos” (TT/AN-AGMI, maço 518). Em Guimarães “o povo” junta-se aos “magotes na estrada” “dizendo que tinha fome e queria pão” (ibidem, maço 521). A partir deste ano e até 1946 verificam-se, em quase todos os distritos a norte do rio Tejo e no Algarve, motins populares para impedir açambarcamentos e requisição de géneros (milho, azeite, batata, madeira) e permitir a prospeção e comércio de volfrâmio. Entre 1941 e o embargo de 1944, milhares de camponeses empregaram-se nas minas ou invadiram os locais onde havia minério (Panasqueira, Vila Nova de Gaia, Arouca). Na passagem de 1942 para 1943 o panorama dos conflitos em espaço rural altera-se. Na cultura agrícola de Lisboa, no Ribatejo e no Alentejo reaparecem as greves dos assalariados rurais; no Norte, Centro e Algarve os motins intensificam-se. A partir de Março/Abril de 1943, parece inequívoco que as lutas dos assalariados rurais da Estremadura, Ribatejo e Alentejo conseguem aumentar as jornas e reforçar a capacidade negocial. A falta de géneros, porém, não lhes permite satisfazer as necessidades básicas. “À Primavera de 1943 - como que antecedendo o "Verão quente", do operariado industrial nesse ano - vai, assim assistir, nos concelhos limítrofes da capital' mas especialmente na

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zona do Ribatejo, não só à generalização dos "tumultos" devido à falta de géneros de géneros, mas também ao primeiro surto de greves rurais deste período” (F. Rosas. p. 364). O Governo, pressionado pelos lavradores (sobretudo os ligados à cerealicultura e orizicultura), mas argumentando com as necessidades de guerra, estipulava os “limites mínimos e máximos dos salários” e o “sol a sol” como jornada de trabalho (despacho de 14.5.1943). Os salários máximos fixados, divulgados em editais, reduziam em cerca de 50 por cento as remunerações conseguidas para esse ano. A aceitação recrudesceu: rasgam-se editais; resiste-se na praça de jorna (local onde se contratam os trabalhadores) e faz-se greve (Vila Franca de Xira, Santarém e Bombarral). Segundo o jornal Avante!, em algumas localidades (Almada e arredores de Lisboa) as jornas lixadas nos editais são superiores aos limites máximos estabelecidos no despacho. No ano seguinte os trabalhadores resistiram de novo às tentativas para impor o despacho. Quando, a 8 e 9 de Maio de 1944, o PCP.* apela à greve nos campos e nas cidades, muitos assalariados rurais da região saloia e Ribatejo aderem. A questão central das lutas era o racionamento de pão. As “marchas da fome” compostas sobretudo por mulheres e crianças, dirigidas às padarias e autoridades 1ocais, multiplicam-se por todo o país. No primeiro trimestre de 1945, sob influência – do PCP a agitação reacende-se com força no Alentejo (Montemor, Portel, Reguengos. etc.). Terminada a guerra o saldo parecia positivo tanto para os trabalhadores - obtiveram alguns aumentos salariais e reforço da ração de pão -, como para o Governo - à custa de milhares de presos, centenas de feridos e alguns mortos, conseguira conter e desarticular focos de agitação. O fim da economia de guerra não pôs termo à conflitualidade. O relativo sucesso das lutas, a experiência adquirida e a manutenção de más condições de vida e de trabalho alimentaram a agitação. As notícias do descontentamento deixam de abranger todo o país e concentram-se nas regiões onde é maior o recurso aos assalariados

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rurais e mais forte a organização política clandestina: Alentejo, Ribatejo e cintura agrícola de Lisboa. Em Maio de 1947, O Camponês (jornal publicado a partir oeste ano pelas estruturas clandestinas do PCP) pôs em circulação um “Caderno de reivindicações dos ceifeiros de todo o Alentejo para as ceifas do ano corrente”. A existência de uma proposta comum conhecida dos alentejanos e da mão-de-obra (beirã e algarvia) contratada sazonalmente, dificultaria aos patrões a seleção de trabalhadores. A jorna das ceifas, superou as, propostas patronais de 20 escudos, para retomar os 30 escudos já alcançados em 1945. A partir deste ano o PCP reforça a organização clandestina de apoio às lutas. Começam a formar- se as comissões de unidade, desdobradas em comissões de praça, comissões de rancho e caixas de resistência ou solidariedade. O recurso às praças de jorna era frequente na região de Lisboa, Ribatejo e Alentejo. Nas “crises de emprego” acontecia que os novos, os velhos, os menos capazes e os mais reivindicativos não “apanhavam trabalho”. As comissões de praça fomentavam as reivindicações pela obtenção de melhores salários e horários satisfatórios. Às comissões de rancho cabia, sobretudo, velar pela manutenção, durante a faina, das condições previamente estabelecidas. Por fim, as caixas de resistência ou de solidariedade davam apoio financeiro às lutas, às famílias de presos políticos e às estruturas partidárias. Em 1949 o número de conflitos é ainda muito elevado. Na primeira metade da década de cinquenta as lutas estabilizaram. Foi um período de maior repressão policial e de desarticulação das estruturas locais do PCP. Entretanto, a conflitualidade nos “campos do Sul” tornara-se endémica, num permanente acumular de tensões, pondo à prova o próprio Governo. Em algumas localidades (Pias, Alpiarça, Vale de Vargo, Aldeia Nova de S. Bento, Montemor-o-Novo, etc.) era frequente o recurso à GNR, PIDE* é legionários, para conter os focos de-violência que se geravam no momento dos pagamentos ou contra os capatazes. Tais lutas conduziram à progressiva

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subida dos salários (os mínimos atingem 30 escudos nas ceifas). A partir de 1956 a modernização da agricultura* (ceifeiras- debulhadoras, monda química) influência a baixa dos salários e o aumento do desemprego. Para diminuir o número de desocupados, o governo promove obras públicas*, através da Comissão Coordenadora das Obras públicas no Alentejo (criada a 7.3.1956 pela portaria nº 15 757). As obras só funcionam nos períodos em que não há fainas agrícolas, para não inflacionar os salários. No final da década de cinquenta e primeiros anos da de sessenta, era notório que, apesar das formas de união e resistência, muitos trabalhadores ficavam por contratar. As lutas organizaram-se, então, em torno da exigência de um contrato coletivo de trabalho que consignasse as condições de trabalho, ordenados, emprego efetivo e, muito particularmente, as oito horas diárias. No Couço, concelho de Alcochete, os trabalhadores fizeram um abaixo-assinado. No entanto, quando apresentam as “1600 assinaturas e o contrato coletivo de trabalho, juntámos 650 trabalhadores- junto à Casa do Povo. Tudo foi negado” (A Reforma Agrária Acusa, p.243). Desde l956 que a questão das oito horas era aflorada, mas só em 1961 e 1962 as lutas, em crescendo por todo o Ribatejo e Alentejo, retomam esta reivindicação. Durante o mês de Maio de 1962, na sequência de um movimento eficaz, os trabalhadores conquistam as oito horas. Da intensa agitação social e greves, manifestações, resistência nas praças de jorna. etc.) resultaram espancamentos e prisões. Depois de 1962 assiste-se ao progressivo desaparecimento dos conflitos. Ocorrem incidentes isolados (Ribatejo, em 1964, 1971, 1972 e 1973) embora não se verifique nenhum ciclo de lutas comparável ao das décadas anteriores. A desmobilização poderá ter sido provocada pela emigração, pela modernização da agricultura e pelo aumento do subemprego dos ativos agrícolas. Estes fatores conduziram ao quase desaparecimento do desemprego e fomes sazonais.

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Ver também: Sociedade RURAL.

BIBLIOGRAFIA: José Pacheco Pereira. Conflitos Sociais nos Campos do Sul de Portugal, Vol. 2, Série Reforma Agrária, António Barreto (dir), Lisboa. 1983: A Reforma Agrária Acusa, Lisboa, 1980; Fernando Rosas, “O Estado Novo (1926-1914) in História de Portugal, Vol. VII, José Mattoso (dir). Lisboa, 1994.

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