Avaliação da técnica de Menghini auxiliada por ultrassonografia em biópsias de fígado transplantado Evaluation of ultrasound-assisted Menghini technique in liver graft biopsy

July 5, 2017 | Autor: M. Neto | Categoria: Ultrasound, Ultrasonography, Liver Transplantation, Graft Rejection
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artigo Original

Avaliação da técnica de Menghini auxiliada por ultrassonografia em biópsias de fígado transplantado Evaluation of ultrasound-assisted Menghini technique in liver graft biopsy Marcel Vieira da Nóbrega1, Carlos Leite de Macedo Filho2, Rodrigo Gobbo Garcia3, Alexandre Maurano4,  Marcos Roberto Gomes de Queiroz5, Miguel José Francisco Neto6, Marcelo Buarque Gusmão de Funari7

RESUMO Objetivo: Relatar experiência com a execução da técnica de Menghini auxiliada por ultrassom na avaliação da disfunção de enxertos hepáticos. Métodos: A técnica de Menghini utiliza uma agulha de sucção, por via percutânea, permitindo uma punção rápida (em menos de um segundo), o que pode contribuir para diminuir a incidência de complicações. Resultados: Foram estudadas 87 biópsias realizadas com uma agulha de sucção 16 gauge em um período de um ano e três meses. Utilizou-se a ultrassonografia para avaliação da presença de líquido ou coleções peri-hepáticas, disfunções biliares e vasculares antes do procedimento, para marcação de um local seguro de punção e, finalmente, para controle pós-biópsia. A principal indicação de biópsia foi elevação de enzimas hepáticas. Em 81 casos foi colhido um fragmento e foram obtidas amostras satisfatórias em 85 procedimentos (97,7%). Complicações menores ocorreram em seis pacientes (6,9%): cinco com dor local e um com reação vagal. Houve uma complicação maior (1,1%), com hemotórax, que foi diagnosticado por controle clínico-radiológico e em seguida tratado. Conclusões: A técnica de Menghini para obtenção de tecido hepático é rápida, efetiva e segura, embora devam sempre ser respeitados os cuidados gerais de qualquer procedimento intervencionista. A ultrassonografia antes e após o procedimento auxilia na marcação do lugar mais adequado para a punção e demonstrou ser útil no aumento da eficácia do método e na identificação precoce de eventuais complicações. Descritores: Transplante de fígado; Biópsia; Biópsia por agulha; Ultra-sonografia; Rejeição de enxerto

ABSTRACT Objective: To report on the experience of implementing ultrasoundassisted Menghini technique in the evaluation of liver transplant

dysfunction. Methods: Menghini technique uses a suction needle, through percutaneous access, allowing a fast puncture (less than one second), which can help reduce the incidence of complications. Results: A total of 87 biopsies performed with 16-gauge suction needles were studied in a period of 15 months. Ultrasound was used to access the presence of perihepatic liquid or collections, biliary and vascular disorders, to mark a safe puncture site and for postprocedure control. The main biopsy indication was elevation of liver enzymes. In 81 cases, one fragment was collected and satisfactory samples were obtained in 85 procedures (97.7%). Minor complications occurred in six patients (6.9%), five with local pain and one with vagal reaction. There was a major complication (1.1%), hemothorax, which was diagnosed by clinical and radiological control examination and then treated. Conclusions: Menghini technique to obtain liver tissue is quick, effective and safe, but it has always to follow the general care aspects of any intervention procedure. The ultrasound before and after the procedure helps marking an appropriate puncture site, may enhance the effectiveness of the method and is useful to identify possible early complications. Keywords: Liver transplantation; Biopsy; Needle; Ultrasonography; Graft rejection

INTRODUÇÃO Pacientes submetidos a transplante hepático requerem um cuidadoso acompanhamento clínico-laboratorial e por imagem. Esses cuidados são úteis para a identificação de disfunções do enxerto hepático, que podem ter diversas causas, dentre elas estão: rejeição, isquemia, oclusões vasculares, complicações biliares, reação a drogas e infecções. Estas últimas podem estar relacionadas a infecções

Trabalho realizado no Departamento de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil. 1

Médico radiologista Residente em Radiologia e Diagnóstico por Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista; Coordenador do Serviço de Ultrassonografia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Médico radiologista; Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

Autor correspondente: Marcel Vieira da Nóbrega – Avenida Albert Einstein, 627/701 – Departamento de Radiologia, 4o andar – Morumbi – CEP 05651-901 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 3589-9623 – e-mail: [email protected] Data de submissão: 31/8/2008 – Data de aceite: 5/12/2008 einstein. 2009; 7(1 Pt 1):5-8

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Nóbrega MV, Macedo Filho CL, Garcia RG, Maurano A, Queiroz MRG, Francisco Neto MJ, Funari MBG

fúngicas, virais e bacterianas oportunistas ou não, e ainda relacionadas à recidiva viral (vírus da hepatite B ou C). É importante que essas disfunções sejam rapidamente identificadas e suas causas esclarecidas, para que um tratamento adequado seja instituído para a preservação do enxerto. As obstruções vasculares e biliares muitas vezes podem ser esclarecidas através da análise conjunta de dados clínico-laboratoriais e da ultrassonografia com Doppler (Figura 1). Em outros casos, o estudo histopatológico é a principal ferramenta para esclarecimento da causa da disfunção(1).

Figura 1. Complicações de transplante hepático. (A) Doppler do sistema porta, exibindo veia porta pérvia com fluxo preservado (em vermelho), porém sem identificação da artéria hepática. (B) Estudo tomográfico com contraste endovenoso do paciente em “A” revela realce parcial da artéria hepática, sugerindo estenose (setas). (C) Estudo ultrassonográfico revelando dilatação do hepatocolédoco, sinal indireto de obstrução biliar. (D) Ultrassonografia com estudo Doppler demonstra ausência de fluxo na veia porta ao Doppler, indicativo de trombose (ponta de seta)

Há três técnicas principais para obtenção de tecido hepático: transjugular, percutânea e cirúrgica (aberta ou laparoscópica)(2). As técnicas percutâneas variam o tipo de agulha (de corte manual, automático ou de sucção) e o tipo de orientação (às cegas ou guiadas por métodos de imagem)(3). A principal técnica de sucção foi descrita por Menghini em 1958(4), e sua principal vantagem é uma importante redução da permanência da agulha no interior do parênquima hepático. O tempo de punção é reduzido para menos de um segundo, o que pode contribuir para diminuir a incidência de complicações(5). No presente estudo, foi avaliada a técnica de Menghini auxiliada por ultrassonografaia no contexto do transplante hepático, avaliando principalmente os quesitos de segurança e efetividade do método.

MÉTODOS Foram avaliados os pacientes com transplante hepático encaminhados para biópsia do enxerto no peeinstein. 2009; 7(1 Pt 1):5-8

ríodo de Dezembro de 2006 a Março de 2008. Dados referentes à idade, sexo e resultados histopatológicos foram colhidos a partir dos registros de prontuários eletrônicos. A indicação do procedimento foi obtida a partir dos pedidos médicos bem como de registros laboratoriais. A ultrassonografia pré-procedimento foi realizada com um aparelho Phillips, modelo Envisor, com transdutor convexo abdominal de 3 a 5 MHz. Teve a finalidade de avaliar a presença de coleções abdominais, as vias biliares e o fluxo na artéria hepática, uma vez que houvesse a presença de sinais de obstrução biliar ou na ausência do fluxo na artéria hepática, o grupo de transplante hepático era contatado e o procedimento suspenso. Por ultrassonografia também foi feita a marcação cutânea de um local considerado adequado para a punção, livre de grandes vasos e da movimentação da cúpula diafragmática. Todas as biópsias foram realizadas com agulhas de sucção do tipo Hepafix®, calibre 16 gauge, segundo a técnica de Menghini (Figura 2), por um único radiologista treinado em intervenção guiada por métodos radiológicos, com cinco anos de experiência. A avaliação de adequação dos fragmentos para estudo histológico foi realizada a partir de uma análise macroscópica, considerando especialmente o tamanho e o aspecto tecidual. Foram considerados adequados aqueles que tinham um comprimento aproximado de pelo menos 2 cm, co-

A

B

C

D

Figura 2. Representação esquemática da técnica de Menghini. (A) Ponta da agulha posicionada, já através da pele e subcutâneo. (B) Realização de vácuo pré-punção. (C) Avanço da agulha no parênquima hepático, sob aspiração. (D) Retirada do conjunto, com fragmento hepático na luz da agulha

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loração e textura sugestivos de parênquima hepático. Os fragmentos foram fixados em formol e enviados para estudo histológico. Aqueles que geraram informação relevante no laudo histopatológico foram considerados suficientes. A ultrassonografia de controle era realizada logo após o procedimento.

RESULTADOS Foram avaliados 87 casos, 49 (56,3%) homens e 38 (43,7%) mulheres, com idade média de 53 anos (mínimo de 24 e máximo de 71 anos) e com tempo médio de transplante de 15 meses (mínimo de 10 dias e máximo de 72 meses). As indicações de biópsia foram a elevação de enzimas hepáticas (78,2%) ou protocolo do acompanhamento de transplante, que consiste em uma biópsia anual após o mesmo (21,8%). Em 93,1% dos casos retirou-se apenas um fragmento, sendo que amostras satisfatórias foram obtidas em 85 (97,7%) dos procedimentos. Dos dois casos considerados insatisfatórios, um consistia de tecido capsular hepático e o outro era composto de necrose centro-lobar inespecífica. Os demais resultados obtidos foram o de achados reacionais (40,2%), hepatite crônica de diversos graus (40,2%), rejeição (11,5%) e outros (7%, incluindo esteatohepatite, hepatite aguda por vírus C, colestase centro-lobular e infecção por citomegalovírus). As complicações pós-procedimento foram divididas em menores e maiores, de acordo com as repercussões clínicas sobre os pacientes acometidos. Houve 6,9% de complicações leves, das quais as principais foram a dor local pós-punção (5,8%) e em um caso (1,1%) houve hipotensão, rapidamente responsiva à hidratação e medidas posturais, sendo a mesma atribuída a reação vagal. Em um caso (1,1%) registrou-se uma complicação grave, caracterizada por desconforto respiratório progressivo e diminuição do murmúrio vesicular no campo pulmonar inferior direito. Nesse paciente, um novo controle ultrassonográfico e uma radiografia de tórax (Figura 3) eram consistentes com hemotórax à direita, considerando a biópsia recente. O paciente foi transferido para uma unidade hospitalar de suporte, na qual foi submetido à drenagem torácica, que confirmou a suspeita clínico-radiológica. Os resultados estão de forma sumária representados na Tabela 1. DISCUSSÃO Apesar do grande avanço nos diversos métodos de imagem e em exames laboratoriais, a biópsia hepática persiste como o padrão-ouro para o diagnóstico de lesões hepáticas focais e de hepatopatias difusas. A grande maioria dos procedimentos é realizada para o estudo

Figura 3. Complicação grave de biópsia hepática pela técnica de Menghini. (A) Ultrassonografia pós-procedimento exibindo material ecogênico preenchendo o seio costofrênico direito. (B) Achado correspondente na radiografia de tórax. O paciente foi submetido à drenagem torácica, que revelou hemotórax

Tabela 1. Tabela sumária de resultados Características Tempo de transplante (meses) Idade (anos) Sexo Indicação da biópsia

Histologia

Complicações

Média 15 53 Masculino Feminino Aumento de enzimas hepáticas Protocolo de transplante Fígado reacional Hepatite crônica Rejeição Outros Leves Graves Sem complicações

Mínimo 0,3 24

Máximo 72 71

n 49 38 68

% 56,3 43,7 78,2

19 35 35 10 7 6 1 80

21,8 40,2 40,2 11,6 8,0 6,9 1,1 92

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de hepatopatias crônicas e, dessas, grande parte por infecção pelo vírus C e B(6). A maioria dos pacientes submetidos a transplante hepático, portanto, são também vítimas de infecção por esses vírus. Frente a um episódio de disfunção do enxerto, portanto, torna-se essencial a diferenciação etiológica entre recidiva dessas infecções, fenômenos relacionados à rejeição, outras infecções (citomegalovírus, por exemplo), reações tóxico-metabólicas, uma vez excluídas as causas vasculares e biliares de natureza cirúrgica. Em geral, a escolha do tipo de técnica depende da preferência do operador, disponibilidade do serviço e cenário clínico(3). Há certa concordância, entretanto, de quais agulhas de corte apresentam um melhor desempenho diagnóstico em hepatopatias difusas(7-8), apesar desses trabalhos terem sido realizados para o diagnóstico de cirrose. Foi escolhida a técnica de Menghini por evidências de sua efetividade na obtenção satisfatória de fragmentos hepáticos e na tendência de considerá-la mais segura do que aquelas que usam agulhas de corte(3), apesar de alguns trabalhos mostrarem que a qualidade do fragmento obtido por agulhas de corte é melhor(9). O aspecto da segurança é reforçado também por alguns estudos que mostraram correlação positiva entre o tempo de permanência da agulha no parênquima hepático e o número de punções com a incidência de complicações(5) e, nesse sentido, a técnica de Menghini é a mais rápida. A taxa total de complicações (6,9%), sendo apenas um caso (1,1%) de um evento de maior gravidade (hemotórax), reforça a segurança do método e quais efeitos iatrogênicos relacionados ao mesmo já são bem descritos, uma vez que todas as complicações que relatamos já haviam sido previamente descritas em outros estudos(10). Quanto ao aspecto de qualidade do material obtido, também foi possível observar que a técnica aliada à simples inspeção macroscópica do fragmento apresentou bons resultados. Dados semelhantes já foram reproduzidos também por outros grupos(11). A ultrassonografia antes e após o procedimento auxilia na marcação do lugar mais adequado para a punção, tem utilidade no aumento da precisão do método e presta-se para a identificação precoce de eventuais complicações, bem como apresenta possível contribuição para diminuição na incidência das mesmas(12). Sabidamente, a técnica usada nesse estudo apresenta a limitação sobre a obtenção de fragmentos de lesões hepáticas focais, uma vez que, apesar de ser possível a

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marcação de um local adequado de punções, o procedimento em si não é guiado em tempo real. Entretanto, tal desvantagem tem pouco peso sobre a população estudada, uma vez que a grande maioria dos pacientes transplantados encaminhados para biópsia está sob suspeita de algum acometimento difuso do enxerto.

CONCLUSÕES Respeitando-se os cuidados gerais de qualquer procedimento intervencionista, a biópsia aspirativa (técnica de Menghini) de enxertos hepáticos é rápida, efetiva e segura. Acredita-se que as vantagens particulares da mesma, tais como a redução significativa (menos de um segundo) do tempo de permanência da agulha no interior do parênquima hepático e menos desconforto do paciente, aliada ao uso da ultrassonografia auxiliar, constituem uma importante ferramenta para tal fim. REFERÊNCIAS 1. Portmann B. Liver allograft pathology and biopsy interpretation. Verh Dtsch Ges Pathol. 2004;88:29-38. 2. Amesur NB, Zajko AB. Interventional radiology in liver transplantation. Liver Transpl. 2006;12(3):330-51. 3. Sporea I, Popescu A, Sirli R. Why, who and how should perform liver biopsy in chronic liver diseases. World J Gastroenterol. 2008;14(21):3396-402. 4. Menghini G. One-second biopsy of the liver – problems of its clinical application. N Engl J Med. 1970;283(11):582-5. 5. Copel L, Sosna J, Kruskal JB, Kane RA. Ultrasound-guided percutaneous liver biopsy: indications, risks, and technique. Surg Technol Int. 2003;11:154-60. 6. Rivera-Sanfeliz G, Kinney TB, Rose SC, Agha AK, Valji K, Miller FJ, et al. Single-pass percutaneous liver biopsy for diffuse liver disease using an automated device: experience in 154 procedures. Cardiovasc Intervent Radiol. 2005;28(5):584-8. 7. Colombo M, Del Ninno E, de Franchis R, De Fazio C, Festorazzi S, Ronchi G, et al. Ultrasound-assisted percutaneous liver biopsy: superiority of the TruCut over the Menghini needle for diagnosis of cirrhosis. Gastroenterology. 1988;95(2):487-9. 8. Vargas-Tank L, Martínez V, Jirón MI, Soto JR, Armas-Merino R. Tru-cut and Menghini needles: different yield in the histological diagnosis of liver disease. Liver. 1985;5(3):178-81. 9. Judmaier G, Prior C, Klimpfinger M, Bernklau E, Vogel W, Dietze O, et al. Is percutaneous liver biopsy using the Trucut (Travenol) needle superior to Menghini puncture? Z Gastroenterol. 1989;27(11):657-61. 10. Piccinino F, Sagnelli E, Pasquale G, Giusti G. Complications following percutaneous liver biopsy. A multicentre retrospective study on 68,276 biopsies. J Hepatol. 1986;2(2):165-73. 11. Sporea I, Popescu A, Stirli R, Danila M, Strain M. Ultrasound assisted liver biopsy for the staging of diffuse chronic hepatopathies. Rom J Gastroenterol. 2004;13(4):287-90. 12. Al Knawy B, Shiffman M. Percutaneous liver biopsy in clinical practice. Liver Int. 2007;27(9):1166-73.

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