Avaliação de Escherichia coli como sinalizadora de esgoto sanitário em sistemas estuarinos: estudo de caso em dois rios tributários do canal de Bertioga

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B.O.Sutti, L.L.Guimarães, J.M.M.Schmiegelow, R.P.Borges

Avaliação de Escherichia coli como sinalizadora de esgoto sanitário em sistemas estuarinos: estudo de caso em dois rios tributários do canal de Bertioga. Bruno O. Sutti¹, Luciana L. Guimarães², João M. M. Schmiegelow², Roberto P. Borges² ¹Aluno do Mestrado em Ecologia na Universidade Santa Cecília, Santos, BR ²Professores do Mestrado em Ecologia na Universidade Santa Cecília, Santos, BR e-mail: [email protected] Resumo: Este estudo visou avaliar sazonalmente e espacialmente a presença de E. coli nas águas superficiais de dois rios com características físicas similares, porém com diferentes níveis de interferências antropogênicas. Os resultados apontaram a salinidade como o parâmetro mais influente na variação de E. coli. Este microrganismo torna-se impreciso para indicar esgoto sanitário em áreas distantes de efluentes/despejos com salinidades elevadas. Palavras-chave: Estuários; Echerichia coli; Esgoto sanitário. Evaluation of Escherichia coli as marker of sewage in estuarine systems: case study in two tributaries of the Bertioga channel (Sao Paulo coast – Brazil). Abstract: This study aimed to evaluate seasonally and spatially the Escherichia coli in surface waters of two rivers with similar physical characteristics, but with different levels of anthropogenic interference. The results indicate the salinity as the most influential parameter on the variation of E. coli, demonstrating that this organism becomes imprecise to indicate sewage in the bottom estuary with high salinity. Keywords: Estuaries; Echerichia coli; Sewage. Introdução A quantificação de coliformes fecais (Escherichia coli) torna-se facilitada devido à sua elevada concentração e especificidade associadas a esgotos sanitários (PEREIRA, 2004). No entanto, esses organismos não sobrevivem por longo tempo em ambientes marinhos, especialmente devido à ação da radiação solar, temperatura, salinidade, predação/competição e antibióticos produzidos pelos organismos marinhos (MONTONE & BÍCEGO, 2008). As dimensões consideravelmente inferiores dos estuários em relação ao mar aberto permite a existência de uma relação entre o tamanho/forma de sua bacia com a oscilação de marés (MIRANDA et al., 2002), sendo a magnitude do fluxo de água doce bastante influente na circulação dessas águas (ALFREDINI & ARASAKI, 2009). Desta forma, os dados de intensidade dessas forçantes hidráulicas são fundamentais para avaliar a dispersão de E. coli neste ecossistema. Com base nisso, o presente estudo visou avaliar sazonalmente e UNISANTA BioScience – p. 16 – 21 ; Vol. 4 nº 1, (2015)

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espacialmente a presença deste microrganismo nas águas superficiais de dois rios tributários do canal de Bertioga, considerando diferentes momentos (estofa, enchente e vazante) de marés de sizígia. Materiais e Métodos Área de Estudo Os rios Maratuã e Crumaú situam-se na região estuarina centro-norte da Ilha de Santo Amaro, e representam a maior área de drenagem desta ilha para o canal de Bertioga. O manguezal nas adjacências do Rio Maratuã encontra-se em um bom estado de preservação. Por outro lado, a região a montante do Crumaú apresenta um aterro sanitário, próximo a uma comunidade residente em palafitas (Figura 1). Estratégia amostral Dados de pluviometria foram obtidos da estação pluviométrica de Santos-SP (CIIAGRO, 2013). A tábua de marés para o Porto de Santos (DNH, 2012) foi consultada para selecionar dias de amostragem em marés de sizígia. Através do Sonar e GPS M52 (Lowrance®) foram registradas as coordenadas geográficas das estações oceanográficas.

Figura 1. À esquerda, localização da área de estudo (modificado de Gianesella et al. 2005). À direita, localização geográfica das estações oceanográficas.

Nas estações oceanográficas (1) e (2), as velocidades de corrente foram medidas por fluxômetro mecânico (General Oceanics® 2030R6) em intervalos de 30 min, cobrindo a maior parte dos ciclos das marés, sendo as coletas de água realizadas em momentos de elevada hidrodinâmica nas duas fases da maré (enchente e vazante). Na estação (3), as coletas foram realizadas nas estofas de baixa-mar em out/2012 e de preamar em jan/2013, horas atrás às amostragens da estação (2), não havendo medição de corrente. Oxigênio dissolvido (OD) e salinidade foram mensurados pontualmente durante as coletas de água, respectivamente pelo oxímetro MO-910 e pelo refratômetro RTS-101ATC, UNISANTA BioScience – p. 16 – 21 ; Vol. 4 nº 1, (2015)

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ambos da marca Instrutherm®. As amostras foram coletadas em triplicata por garrafa van Dorn e postas em frascos de polipropileno (1L) estéreis de cor âmbar que foram armazenados com gelo até as análises. Análise Laboratorial No laboratório de Química da Universidade Santa Cecília, foi adotado o método da técnica de filtração em membranas (modificado de CETESB, 2007 e APHA, 2012) para a determinação de E. coli, que consistiu na filtração de um volume conhecido da amostra (após sucessivas diluições), através de uma membrana estéril com porosidade de 0,45 μm, sendo as mesmas dispostas em placas de Petri contendo o meio de cultura cromogênico (seletivo e diferencial) Agar Biochrome Coliform (Biolog®). Tratamento estatístico Os resultados das análises foram expressos como média ± desvio padrão para cada local analisado, através do software GraphPad Prism® for Windows versão 5.03. A matriz de correlação incluiu os valores médios do parâmetro determinado em laboratório e os valores dos parâmetros obtidos em campo. A análise de correlação de Spearman foi realizada pelo software ESTATISTICA 7.0® com grau de significância em p ≤ 0,05. Resultados e Discussão O volume precipitado no período chuvoso reduziu consideravelmente a salinidade das águas superficiais (Tabela 1) e intensificou o escoamento fluvial, refletindo nas maiores velocidades de correntes de vazante em relação às do período seco (Figura 2), o que indica aumento da exportação do material em suspensão para o canal de Bertioga.

Figura 2. À esquerda, volume médio precipitado nos meses de amostragens (CIIAGRO, 2013). À direita, registros em intervalos de 30min de velocidades de corrente na maior parte dos ciclos de marés de sizígia.

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Os teores de OD abaixo de 4 mg.L-1 nas águas da estação 3 indicam processos anaeróbicos nesse trecho do Rio Crumaú (Tabela 1), que provavelmente deve-se aos esgotos brutos gerados pelas palafitas, e possivelmente de percolados do aterro sanitário, ambos presentes a montante desta estação (Figura 1).

Tabela 1. Parâmetros físico-químicos das águas superficiais das estações oceanográficos. Salinidade Temperatura (°C) OD (mg.L-1) Estações Oceanográficas (3) (2) (1) (3) (2) (1) (3) (2) (1) 12 22 23 28,1 28,0 28,2 3,6 6,5 7,1 PERÍODO SECO 5 10 15 26,0 24,8 25,7 2,7 4,6 4,8 PERÍODO CHUVOSO

Em set/2012 observamos concentrações de aproximadamente 2.10 6 UFC/100mL (SUTTI et al., 2012), da mesma ordem de grandeza às levantadas no período seco (out/2012) (Figura 3). Esses valores aumentaram consideravelmente em ambas as estações durante o período chuvoso (jan/2013), uma vez que o intenso escoamento fluvial permitiu que elevadas concentrações destes microrganismos alcançasse a desembocadura, condição também facilitada pelas temperaturas amenas e salinidade reduzida. Mesmo assim, os índices declinaram consideravelmente em direção à desembocadura do Rio Crumaú (Figura 3).

Figura 3. À esquerda, Unidades formadoras de Colônias (UFC) de E. coli nas águas superficiais das estações oceanográficas. À direita, situação hipotética da massa d’água do Rio Crumaú traçada por E. coli.

A maior conservação de E. coli durante o período chuvoso permitiu traçar a massa d’água fluvial (superficial) do Crumaú durante os ciclos de marés de sizígia, demonstrando que durante a enchente, a mesma entrou também pela desembocadura do Rio Maratuã, como mostra os índices similares entre as amostras de enchente das estações (1) e (2) (figura 3). Nesse mesmo período, a diferença entre os valores da estofa de preamar na estação (3) e os da vazante na estação (2) acusou um declínio de cerca de 90% desses microrganismos nesse UNISANTA BioScience – p. 16 – 21 ; Vol. 4 nº 1, (2015)

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trecho do Rio Crumaú, que apresenta uma distância de aproximadamente 3km. Essa dinâmica foi caracterizada por um período de cerca de 3 horas, com velocidade máxima de corrente em torno de 65 cm.s-1, e com salinidades que variaram de 5 (estação 3) a 10 (estação 2). A significativa, porém fraca correlação negativa (-0,402) entre temperatura e E. coli, deve-se à pouca variação da primeira na água superficial entre os períodos (Tabela 1), demonstrando que esse parâmetro não foi o mais determinante na variação de E. coli. No entanto, a significativa e forte correlação negativa (-0,906) apresentada entre E. coli e salinidade refletiu o insucesso desses microrganismos em ambientes marinhos. Já a forte correlação negativa (-0,859) entre E. coli e OD representa a especificidade que os mesmos apresentam com esgoto, pois de acordo com Savage (2005), os constituintes orgânicos (Ex: uréia) de águas residuais sanitárias decrescem consideravelmente o OD na água. Conclusões A dispersão de E. coli em sistemas estuarinos é altamente dependente do fluxo fluvial, e sua persistência altamente influenciada pela salinidade. Isso indica que esse parâmetro é impreciso para sinalizar esgoto sanitário em trechos que se distanciam dos efluentes/despejos. Referências Bibliográficas ALFREDINI, P.; ARASAKI, E. Obras e Gestão de Portos e Costa. 2.ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2009. APHA. American Public Health Association. Standard methods for the examination of water and watwater. 2.ed. Washington: Port City Press. 2012. CETESB. L5.241: coliformes totais - determinação pela técnica de membrana filtrante – método de ensaio. São Paulo, 2007. CIIAGRO. Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas. Disponível em http://www.ciiagro.sp.gov.br/ciiagroonline/Quadros/. Acessado em 02/07/2013. DHN. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Disponível em: https://www.mar.mil.br. Acessado em 12/10/2012. GIANESELLA, S.M.F..; MIRANDA, L.B.; CORRÊA, M.A.; MOSER G.A.O. Short-term variability and transport of nutrients and chlorophyll-a in Bertioga Channel, São Paulo State , Brazil. Brazilian journal oceanography, 2005. MIRANDA, L. B. de; CASTRO, B. M. de; KJERFVE, B. Princípios de Oceanografia Física de Estuários. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. MONTONE, R. C.; BÍCEGO, M. C. Contaminação por esgoto. In: NETO, J. A. B.; WALLNER-KERSANACH, M.; PATCHINEELAM, S.M. Poluição marinha. Rio de Janeiro: Interciência, 2008. UNISANTA BioScience – p. 16 – 21 ; Vol. 4 nº 1, (2015)

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PEREIRA, R. S. Identificação e caracterização das fontes de poluição em sistemas hídricos. Revista Eletrônica de Recursos Hídricos. IPH – UFRGS. v.1, 2004. SAVAGE, C. Tracing the influence of sewage nitrogen in a coastal ecosystem using stable nitrogen isotopes. Ambio: A Journal of the Human Environment. v. 34, 2005. SUTTI, B. O.; CHIARATTI, B. M.; SCHMIEGELOW, J. M. M.; GUIMARÃES, L. L.; BORGES, R. P. Caracterização da qualidade das águas superficiais do rio Crumaú, principal área de drenagem da ilha de Santo Amaro para o canal de Bertioga, litoral central de São Paulo. Unisanta BioScience. v.1, 2012.

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