Barack Obama, Osama bin Laden. O Absolutamente Outro.

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Barack Obama, Osama bin Laden. O Absolutamente Outro.1 Grécia Falcão2 Doutoranda em Tecnologias da Comunicação e Cultura pelo Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Resumo Já sob a produção desenfreada de real e de referencial, paralela e superior ao desenfreamento da produção material (BAUDRILLARD, 1991), poderíamos traçar na fotografia este contingente, marca, indício, de seu efeito simulado? Isto é, sua própria falibilidade enquanto meio historicamente atribuído ao documento? Se diante de um trabalho mais profuso, esta pesquisa atenta para a influência do vazio, do nada, na constituição da imagem – em outras palavras, a tentativa da fotografia contemporânea em aceder a experiência do real através do apagamento visual – no artigo em questão, traremos uma obra em particular. A instalação Inside the Obama’s Compound (2012) – “Dentro do complexo Obama” – do artista holandês Willem Popelier. Aqui buscamos extrair questões de sentido que a obra suscita justamente diante da negação de seus visíveis. Falamos então de uma estratégia icônica genuinamente desconstrutivista – o apagar de uma informação visual. A exclusão de um elemento fotográfico seria, portanto, uma das condições de aparecimento do que constrói a imagem em sua atual relevância e singularidade. Estratégia que consiste em “des-apresentar” o registro técnico em sua contiguidade com o mundo das coisas – sua aparente realidade física, material.

Palavras-chave: fotografia; arte contemporânea; produção de subjetividade; tecnologias da comunicação.

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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação Consumo e Subjetividade, do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2

Pesquisadora E Doutoranda Em Comunicação Social, Uerj. Integrante Do Núcleo De Pesquisa "Comunicação, Arte E Redes Sociotécnicas". Produção Com Ênfase Em Sociabilidade Contemporânea, Estética E Cultura Visual. Atuando Principalmente Nos Temas: Fotografia, Arte, Rede E Tecnologias Da Comunicação. E-mail: [email protected]

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Introdução: “Assim como a foto (imagem) conota o apagamento, a morte do que representa, o que lhe garante a sua intensidade, também a intensidade do texto, seja de ficção ou de ficção teórica, é garantida pelo vazio, o vazio em filigrana, a ilusão do sentido [...]” Jean Baudrillard. Na filosofia de Baudrillard (1991) a fotografia, no lugar de representar o existente, nos fala justamente de certa perda referencial. Um regime do simulacro onde a imagem, em sua circulação massiva, ao invés de nos aproximar do real acaba por apagar este contato verificável com o mundo que teoricamente representa. A tentativa de exibir, indicar, dar a ver, conquanto a vivência através do duplo retrate ausência. Algo que escapa ao sentido. A evidência icônica do irrepresentável. Ali, na tentativa de reproduzir mecanicamente a realidade, a invenção técnica saciava a busca moderna por critérios estáveis. Na fotografia, a memória passível ser categorizada, presente, permanente, demonstrável, conquanto o real – vivido por meio de metáforas – no lugar de palpável e apreensível, se tornava a expressão de um outro. Um hiper-real. Imagens que em seu excesso de existência e constante processo de substituição buscam-se mais evidentes do que a própria realidade. Já sob a produção desenfreada de real e de referencial, paralela e superior ao desenfreamento da produção material (BAUDRILLARD, 1991), poderíamos traçar na fotografia este contingente, marca, indício, de seu efeito simulado? Isto é, sua própria falibilidade enquanto meio historicamente atribuído ao documento? Se diante de um trabalho mais profuso, esta pesquisa atenta para a influência do vazio, do nada, na constituição da imagem – em outras palavras, a tentativa da fotografia contemporânea em aceder a experiência do real através do apagamento visual – no artigo em questão, traremos uma obra em particular. A instalação Inside

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the Obama’s Compound (2012) 3 – “Dentro do complexo Obama” – do artista holandês Willem Popelier. Aqui buscamos extrair questões de sentido que a obra suscita justamente diante da negação de seus visíveis. Falamos então de uma estratégia icônica genuinamente desconstrutivista – o apagar de uma informação visual. A exclusão de um elemento fotográfico seria, portanto, uma das condições de aparecimento do que constrói a imagem em sua atual relevância e singularidade. Estratégia que consiste em “des-apresentar” o registro técnico em sua contiguidade com o mundo das coisas – sua aparente realidade física, material. E justo desprovida desta corporeidade, o vazio fotográfico denuncia a fragilidade de nossa percepção. Seríamos então levados a penetrar a cena e questionar a maneira como ordenamos o imaginário coletivo. Como construímos realidades através de imagens. Em Popelier o vazio é provocado pela pouca quantidade de pixels no registro fotográfico. Elemento que prescreve a falta de nitidez, a desproporção e o caráter irreal do que se vê (Figura 1). Uma escolha pertinente, visto que também é legítimo pensar nas consequências pelas quais nossas maneiras de ver e conceber o mundo vem se transformado diante da digitalização das mídias.

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 O trabalho foi exibido pela primeira vez no C/O Berlin durante a exposição "Este é Willem Popelier" em 2012.

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Figura 1 – Fotografias expostas em vídeo na obra de William Popelier.

Já o nome da vídeo-instalação – Inside Obama’s Compound – faz menção ao erro do canal CNN ao anunciar a morte, em maio de 2011, do terrorista mais procurado de todos os tempos, Osama bin Laden. Em seu lugar, trocando apenas uma letra, decretava-se a morte do atual presidente norte-americano, Prêmio Nobel da Paz, Barack Obama (Figura 2). Figura 2 – Notícia da morte de Obama pela CNN, em maio de 2012.

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Acompanhado por um áudio de fundo, a obra consiste de um vídeo que alterna, a cada erro noticiado, as imagens apagadas de Osama e Obama. Por sete minutos escutamos o constrangimento de jornalistas que confundiram tais nomes – símbolos do “bem” e do “mal”, da benevolência e do terror. Por sua vez, ouvimos a notícia: “Morre o terrorista Obama”. E logo, o retrato distorcido do presidente norte-americano aparece na instalação. “Perdão: Osama”, corrige o repórter, e a mesma imagem se transforma no que deduzimos ser o terrorista Osama Bin Laden. Uma série equívocos noticiados e fotografias alternadas em que tais personagens se confundem e acabam por ocupar um o lugar do outro. Estava ali o registro desta delicada fronteira que demarcam os mitos, as identidades, a diferença. Afinal, quem é verdadeiramente Obama e Osama? O quanto, por um lado, eles não fazem parte da mesma história? A construção de um imaginário e de uma noção de civilidade diante da fotografia. Meio que busca cumprir a promessa de segurança em relação ao real, conquanto sua trajetória atravesse redes instáveis que sobrepõem, deslocam e transformam nossa própria maneira de perceber o mundo. Já na obra em questão, a lacuna visual dos registros funcionam como uma abertura para repensarmos a imagem e seus significados. E sob notícias com informações confusas e ainda excluído de uma parcela visual, passamos a desqualificar a fotografia e seus efeitos e reconhecer no que vemos algo além do caráter representacional. O espectador é, contudo, levado a responder às complexidades internas da vida destas imagens. Isto posto, atentamos para uma fotografia vista não tanto como um retrato do mundo, mas como este mundo passa a ser concebido e apreendido como imagem. Formas simbólicas que constroem lugares de reconhecimento do "tudo" e do "nada", de si e do outro.

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A figura da ausência e a guerra contra “alvos simbólicos”. Sensibilizados pela figura da ausência, numa forma que combina presença e recusa do imaginário mítico, em Inside the Obama’s Compound produzimos um novo signo. Contrariamente, não ver os retratos de Barack Obama e Osama bin Laden com nitidez, faz algo aparecer. Algo que nos deixa perturbar – interrogar sobre nossa percepção e relação com as imagens. Como num jogo de paradoxos, a estratégia deste modelo é usar a aparente veracidade da fotografia contra ela mesma. O registro técnico está lá, no entanto minimiza-se suas referências em ordem de atrair nosso olhar para a experiência do ver. Na imagem dois regimes opostos que produzem no espectador a sensação de estranhamento, e somatizado ao áudio com as gafes dos jornalistas, esta noção de objeto, de sujeito, de real, atestada pela fotografia enquanto documento, é criticada. Assim como é pertinente a crítica da noção de uma identidade estável. Dada pelo estranho jogo visual entre presença e exclusão, as imagens de Osama e Obama se colapsam. Fotografias sobrepostas, alternadas a cada erro noticiado, revelando nossa impossibilidade de discernir claramente sobre que figura a informação se refere. Uma metarmorfose onde os dois, transfigurados, parecem se conectar mais do que propriamente diferir. E justo, aqui, passamos vislumbrar o quanto a imagem e a mídia de massa são determinantes na construção destas identidades tidas quase como ontologicamente opostas. Explorando as narrativas visuais sobre terrorismo, no livro Cloning Terror: The War of Images, 9/11 to the Present, Willem Mitchell localiza o conceito de clonagem para pensar a maneira como as visualidades ampliaram os efeitos da guerra ao terror. Meses antes do fatídico 11 de Setembro de 2001, no lugar da ameaça terrorista, foram os debates sobre os perigosos efeitos da biotecnologia e a possibilidade de clonagem artificial que dominavam a mídia de massa. Uma coincidência histórica que em Mitchell funciona como metáfora para pensar as

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imagens no contexto contemporâneo e seu papel icônico na criação de uma justificativa ao confronto político. Segundo o autor, no lugar de ocupar um determinado território, ali surgia uma guerra contra “alvos simbólicos”. “Guerra de palavras e imagens realizadas pelos meios de comunicação, uma forma de guerra psicológica, cujo objetivo é a desmoralização do inimigo” (MITCHELL, 2011, 64). A tentativa norte-americana de usar a imagem para demarcar a estratégia global de combate ao terrorismo e identificar tal ameaça, que acabou por preencher nosso imaginário com conotações míticas e abastecer o estado de terror que se seguiu aos ataques de 11 de setembro. Osama Bin Laden, líder e fundador da al-Qaeda – organização terrorista a qual se atribui a ofensiva às torres gêmeas – foi o primeiro símbolo do mal4 à invadir a fantasia popular. A imagem de um rosto, disseminada em todos os níveis das esferas pública e privada, principalmente, diante da influência das tecnologias digitais. No entanto, para demarcar esta ameaça e justificar a investida militar norteamericana, o terrorista passava a representar não só uma figura singular, mas certa identidade coletiva. Um organismo. Uma célula que se replicava. Uma forma humana reduzida a “vida nua” (AGAMBEN, 2002), que como autômatos – sem rosto, vontade ou agência – assombravam a paz mundial. Portanto, aqui, a figura do clone faz referência àquele que detém certa semelhança estrutural, contanto, numa construção cultural e ideológica é entendido como o “absolutamente outro”. Um estranho, cuja existência era atestada através das mídias entre as imagens cedidas pelo governo dos EUA. Segundo o autor, registros tão excessivamente replicados que, embora buscassem consolidar a ameaça e combater o inimigo, passavam, em larga medida, a corroborar para o aumento das organizações e atos terroristas.

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Fazemos referência ao termo “Eixo do mal” utilizado por George W. Bush no seu discurso sobre o Estado da União de 29 de Janeiro de 2002. Lá, o ex-presidente norte-americano se referia aos governos que considerava hostis ou inimigos dos EUA acusados de apoiarem o terrorismo e de possuírem armas de destruição em massa.

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Idas e vindas de manifestações imaginárias onde este outro, armado e de rosto coberto – impassível de ser reconhecido – se difere não tanto por um jogo de alteridade, mas de repetição. Em outras palavras, em Mitchell, a comunicação visual é, em si, fundadora de um sistema de clonagem que, neste caso, forjava a realidade da guerra, criando a ficção do terror justamente diante das visualidades que se apresentavam. Um pensamento onde encontramos a vivência do que Baudrillard denomina de hiper-real. Este excesso de imagens, que em sua autonomia e intensa circulação, clonam a si mesmas e constroem virtualidades – por vezes invertendo seu significado e voltando a assombrar seus próprios produtores. Contudo, muito além do seu sentido literal, a clonagem assume, para o autor, uma nova gama de vidas metafóricas. Digressões que nos levam a confrontar a própria veracidade e amplitude dos atos terroristas – visto que este real não deixa de corresponder a própria investida simbólica orquestrada pelo governo Bush. Ou seja, a tentativa dos EUA de identificar e confrontar o inimigo ao passo que criavam e replicavam sua existência. Não por acaso, a questão de Inside Obama’s Compound é por Barack Obama e Osama bin Laden em auto-referência. No vídeo as fotografias dos oponentes se alternam e, digitalmente apagadas, ambas beiram a não-representação. Daqui então podemos supor a fragilidade destes signos, que ante uma guerra de imagens globais – “clonadas” em diversas mídias e “viralizadas” através da web – já não é possível identificar as fronteiras entre original e a cópia; real e virtual. Certa perda de referência onde as representações de paz e terror, bem e mal, estão sobrepostas, como faces da mesma moeda. E na medida que a alegoria da clonagem em Mitchell também abre sentido para a figura duplo – aquele que se assemelha conquanto represente o adverso, o contrário, o rival – Obama e Osama não deixam funcionar como clones de si mesmos. Certa maneira de ordenar e replicar o ver onde o retrato do terrorista é espelho da narrativa imposta por seu criador. Resta-nos, portanto, diante do excesso pelo excesso de imagens circulantes na atualidade, uma sensação de que algo nos escapa à vista. Certo encolhimento

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discursivo onde o apagamento da obra de Pompelier funciona como estratégia para abrir a imagem em sua trajetória e repensar nosso legado visual. Imagens que em exagero e sutileza passam, cada vez mais, a reformular e construir realidades. Não obstante, em The Civil Contract of Photography, Ariella Azoulay reflete sobre efeito da fotografia nas atuais formas de soberania e articulação territorial. Examinando as imagens de situações de conflito e estado de exceção, a autora repara o quanto nossa compreensão das relações de poder são inseparáveis das diversas ações que incluem a “produção, distribuição, troca e consumo da fotografia”. (ARIELLA, 2010, ). Logo, no lugar de ater-se aos critérios estáveis que determinam a construção da ideia de Estado, Ariella vê no espaço público uma arena de conflito e negociação dada pela forma como certos eventos e suas vítimas são representados. Uma política de visibilidade dos territórios onde a noção de civilidade é construída diante da distinção entre os que se tornam visíveis ou invisíveis; protegidos ou vulneráveis sob a vigência da circulação fotográfica. Para a autora, um “contrato civil da fotografia” em que a maneira pela qual os indivíduos são governados e têm sua participação nas formas de governança, é sustentada por certa economia visual – este espaço de configuração política que ultrapassa as fronteiras nacionais e enxerga, no fotográfico, o testemunho capaz de mobilizar o “dever cívico”. Imagens tanto usadas como instrumento de poder do Estado quanto para resistir à opressão – ou seja, suspender o gesto soberano que procura dominar as ações legítimas, as definições entre os cidadãos e não-cidadãos. Neste ponto, a visão de Ariella nos leva, novamente, a questionar as interpretações vigentes e repensar as fronteiras da cidadania diante da imagem. E talvez, por isso, criar um vazio na fotografia, uma radicalidade negativa a esta ferramenta de constatação, seja pertinente. Em Pompelier, algo que serve de armadilha, mesmo que ínfima, para certas fotografias que subjugam os aspectos cíveis sob a lógica da nação e do mercado. Imagens úteis à manutenção da cena políticaideológica que constroem, por exemplo, os mitos da guerra ao terror.

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O que se oculta entre os vestígios do não ver? Partimos, assim, da constatação de que o apagamento na obra citada é este gesto que transgride e nos convida a partilhar certo traço do desconhecido. Mudanças nas estruturas formais da fotografia que rompem com tal forma simbólica de testemunho público – com esta ferramenta que nos faz crer na possibilidade de existência. Segundo Baudrillard, um fazer desaparecer que suscita o movimento próprio da arte contemporânea – marcada pela “qualidade irônica que ressuscita cada vez as aparências do mundo para destruí-las” (BAUDRILLARD, 1990, p. 88). Cenário onde o sintoma do apagamento da representação traduz um “deixar de mostrar”, não porque não há o que ver, mas precisamente porque produzimos e replicamos visualidades demais. Com a transversalidade das mídias e a transcodificação de qualquer experiência em imagem, citamos então como o exagero da fabricação visual pode retratar a perda de significados. Imagens que num funcionamento quase imanente, representam a si próprias e, no lugar de dar a ver, fazem desaparecer ou transfigurar o que seria a própria dimensão do fato. Uma operação de tradução, onde a filosofia baudrillardiana nos serve de base para contestar a ideia central da fotografia enquanto lugar de verdade, visto que neste autor a própria dimensão do real é abalada quando encontra-se transformada em imagem. E se, por um lado, não negamos que a imitação, per se, carregue um traço do mundo das coisas, este universo dos simulacros em Baudrillard nos parece mais interessante para tratar tais obras – que buscam rastros de realidade justo quanto tentam se apagar, deixar de existir. Afinal, o que se oculta entre os vestígios deste não ver? Seja ou não consequência dos efeitos da tecnologia digital e das mídias eletrônicas, fato é que a corrente duplicação do mundo por imagens nos faz pensar na vigência destes códigos e modelos que determinam como os indivíduos se percebem e se relacionam. E

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mesmo que entendamos a mídia como o instrumento dado a registrar e assegurar a cultura, aqui, entre imagens com vivências tão autônomas e plurais, perdemos as referências de real talvez fundamentais a este ato de reconhecer e compreender as coisas. Imagens que falam de imagens e passam a funcionar por uma lógica própria, auto-referente, principalmente quando acrescidas de um espaço tecnológico em crescimento e expansão. Território feito de pura informação visual, onde as visualidades se relacionam – suscitam questões de mundo e constroem subjetividades –

sem que possamos conceber a materialidade de suas camadas. Os diálogos

invisíveis capazes de desvelar como ordenamos, por exemplo, a relação da técnica fotográfica com a realidade. Em Muniz Sodré, o agir da atual forma tecnológica se orienta por uma nova esfera de existência por ele denominada bios virtual. Nesta forma de vida, as mídias deixaram de ser meros canais tecnológicos de transporte de uma mensagem e se tornaram o próprio conteúdo – que “intervém culturalmente na vida social, dentro de um novo mundo sensível criado pela reprodução imaterial das coisas, pelo divórcio entre forma e matéria5” (SODRÉ, 2006, 19). Entretanto, segundo Sodré, sob o ordenamento das mídias eletrônicas, este agir comunicativo recobre uma nova forma de reconhecer o mundo. Em suas palavras, “liberadas as pessoas e as coisas de seu peso ou de sua gravidade substancial, tornadas imagens que sejam uma aproximação fantasmática, a cultura passa a definir-se mais por signos de envolvimento sensorial do que pelo apelo ao racionalismo da representação tradicional, que privilegia a linearidade da escrita” (SODRÉ, 2006, 19).

Isto posto, diante do trânsito difuso de significados entre estruturas não palpáveis, ao revés da ordem linear da representação clássica, a velocidade 5

 Daqui podemos inferir seu diálogo com a proposição aristotélica em que os entes – seres vivos e artefatos produzidos pelo homem – seriam compostos de forma e matéria. Neste caso, a matéria dada pelo princípio de indeterminação e a forma pelo o de determinação. Para ilustrar, a árvore transformada em lenha conserva sua matéria, valor passível de transformação, contando muda sua forma – atribuição imutável quando se trata de definir o ente.  

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informacional das novas máquinas de comunicação suscita uma configuração perceptiva onde o valor cultural é apurado sob sua integração ao campo midiático, atrelado as múltiplas lógicas que produzem e reproduzem os ideais de consumo. Por sua vez, atentamos para a centralidades da tecnologia na produção do saber – na construção de sentido das coisas e dos seres. Uma organização social que, atravessada pelo excesso de informação e codificada digitalmente para mercado global, trabalha a subjetividade e o imaginário do homem contemporâneo numa produção sensível firmada sob a peculiaridade do caráter midiático destes meios de expressão. É quando vemos que para além da representação mimética, para além da busca pelos critérios de “verdade” e “real”, a tecnologia fotográfica – nos seus modos de presença, circulação e legitimação – produz determinado sentido de visibilidade. Isto é, uma invenção técnica que fala do mundo ao passo que também afeta nossa própria maneira de percebê-lo. Traçamos então um caráter de artifício na imagem fotográfica, valor presente desde seu surgimento no século XIX, e ainda mais notável sob o trânsito visual das novas tecnologias da comunicação. Na rede cibernética, por exemplo, a fotografia estendeu tanto o seu território que assistimos a proliferação de clichês quase como uma efemeridade crônica. Não por acaso, trazemos em relevância esta busca contemporânea por construir o sentido fotográfico sobre a desestruturação da representação fotográfica. Uma operação de apagamento onde a desaparição estende a imagem justamente em suas lacunas, tornando visíveis as condições de possibilidade de sua vivência na atualidade. E aqui, despossuída da capacidade de dar sentido documental, a fotografia evoca sua função de paradoxo. E, no lugar de ler as imagens em suas obviedades, em seus um significados prévios, esta disfunção no ver é capaz de operar uma crítica as narrativas visuais, que forjam a realidade e organizam memória e esquecimento.

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Considerações Finais: Para falar do que está além ou à margem do primeiro olhar, o artigo nos convida a buscar na arte contemporânea uma resposta, em diferentes termos, sobre a problemática da fotografia. Desde a mecânica produção de realidade até a lógica descentralizada da fotografia nas redes online, o apagamento da obra de Pompelier trata de um estranhamento no reconhecimento do valor visual capaz de suscitar a diversidade dos discursos que abrigam os atuais modos de ver. No seio de um conjunto de relações que conecta o registro documental às situações cotidianas, na obra, a tensão entre semelhança e dessemelhança dos retratos de Obama e Osama, faz o inimaginável saltar à imagem – faz tornar visível aquilo que de antemão não podíamos conceber. Desconstruções visuais – ficções de identidade e território – que passam a traduzir a questão primordial desta pesquisa. O fato de que a fotografia, como máquina historicamente atribuída para fazer ver, nos mostra ainda mais lacunas, ausências de sentido. E numa vivência onde o próprio conhecimento é completamente atravessado pelos recursos tecnológicos, torna-se imperativo repensar o lugar da informação na atualidade. O lugar da produção subjetiva que transita pelo processo da representação pictórica e traz vestígios das questões relativas à condição de ser contemporâneo.

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