Bastos, Cristiana. 2014. Global, local e vice-versa: a política brasileira de HIV/SIDA. Pp 71-87 in VIH-Sida e Ciências Sociais, ed. Marta Maia e Pedro Ferreira. Porto: Afrontamento.

August 6, 2017 | Autor: Cristiana Bastos | Categoria: Global Health, Brazil, HIV/AIDS policy
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r Global,local e vice-versa: , a políticabrasileirade HIV/SIDA

políticabrasileirafaceà epidemiade VIH/SIDAé vista como um casoexemplare vezesapontadacomo um modelo a seguir noutros lugares.Os cientistas A análisenão se sãofrequentementeindagadossobreas razõesdessesucesso. porém, restringir a uma única variávele a interpretaçãodestecasohistórico não apenasas esferaspolítica,social,económica,jurídica, médicae de saúde mas também as articulaçõesmultidirecionaisentre sociedadecivil, órgãos ionaise Estado.Nesteartigo realçamoso modo comoestesfluxospermitiram, momento crucial da história da epidemia,reconfiguraras prioridadesda saúde e dar centralidadeaos direitos dos portadoresde VIH, tendo como consenão apenasuma humanizaçáoda epidemiamas tambéma inovação- que se positiva- nos modosde a combater.

apontadocomo modeloe referênciano campoda Brasilé hoje consensualmente a SIDA e daspolíticaspúblicasde prevençãoe tratamentoda infeçãopor Yêm aplausosde norte a sul, da esquerdae da direita,de religiosose de laicos:a f-ma versãopreliminar destetexto foi apresentadana conferênciaThe Politics ofAIDS: Globaliotd Ciuil Sociely (G,ijteborgUniversity & Museum of World Culture, 2006), e deu origem ao aÍtigo in Brazilian globalto localand backto global:the articulationof politics,knowledgeand assistance to AIDS", incluído no volume de Maj-Lis Follér e Hâkan Thijrn The Polìtics of NDS: the State and Ciuil SocieÍy (New York: PalgraveMacmillan, 2008).Agradeçoaos editoresa artorização para publicar estaadaptaçãopaÍa português.

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verdadeé que o Brasil conseguiu,diz-se,fazer frenteà epidemia,reduziro seu ritmo de propagação, dar assistênciaaosinfetados,fazercampanhasclarase eficazes,lutar contraasinjustiçasinduzidaspelostratadoscomerciaisenvolvendopatentesde medicamentos,subvertere contrariaras previsõesdo BancoMundial.Assimaconteciaem 2000,quando,emvez do projetadomilhãoe duzentosmilpessoas, haviacercade 600 mil portadoresde HIV - ou seja,metadedo que estavaprevisto2.Uma vitória contra as estatísticase as previsões,e toda uma outra qualidade(e quantidade)de uida para os seropositivos. Em setembrode 2005 haviano Brasil cercade 170 mil utilizadores de terapiasantirretrovirais,com uma adesãode 750/02 . Simultaneamente, os técnicos. médicose ativistasenvolvidoscom a epidemiano Brasilpassarama intervir significativamentena assistência internacional. Quaisas razõesdestesucesso? Comoveremosmais abaixo,os analistastêm apontadovárias:sociedade civil forte, capacidade técnicade produzirmedicamentose programasde prevenção, vontadepolíticade os proporcionarna redepública,capacidade de negociarcom as otganizações internacionais.Nestecapítulotentaremoscontextualizaressasrazõese ir um poucomaislonge,mostrandocomoa articulaçãoda ação local e dosfluxosglobaisde financiamentoe conhecimentocriaram uma conjuntura única que permitiu que um cenáriofragmentadoe tenso,como era o que existiana décadade 1980,desselugar a uma plataformade açãoconjugadaque,a partir de meadosda décadade 1990,permitiu o desenvolvimento de um programanacionalde prevençãoe assistência exemplare inspiradorparaos demaispaísesdo mundo.

BREVE RETROSPETTVA Muita coisamudou desdeo meu primeiro contactocom o mundo dasintervenções e políticasde HIV no Brasil,que remontama 1989-904. Ao tempo,entre doentes,infetados,vulneráveis,famíliase gruposafetados, ativistas,médicos,especialistas de saúde pública,epidemiologistas e cientistassociais,todosenfrentavamenormesdificuldades e múltiplos obstáculos,num quadroque se resumiaa um futuro comprometidonum

I

(2) Para números mais precisos,que indicam assimetriase diferençasno controlo da epidemiano gov.brl (acedidoem 0l I I0 /2072). Brasil, veja-sehttp://www.aids. (3) http//www.unaids.orgy'en/Regions-Countries/Regions/LatinAmerica.asp (acedidoem 0l/10120121. (4) Fiz uma brevevisita exploratóriaem 1989e levei a cabotrabalhode campoentre 1990e 1992. seguidodealgumasvisitasde acompanhamento com envolvimentoem diversasfrentesde trabalho.A pesquisa fez parte do doutoramento em antropologia na City University of New York GraduateCenter,que seria publicada como Global Responsesto AIDS - sciencein emergencg(Bastos,1999).Aproveito a ocasião para reiterar os meus agradecimentosaoscolegas,amigos e interlocutores que me acolheramformal e substantivamente no Programade Pós-Graduação em AntropologiaSocialdo MuseuNacional(UFRI). lnstituto de MedicinaSocial(UERI),serviçosde DIP do HospitalUniversitárioda UFRJe da UFg às ONGs ABLL Pela!'IDDA, GAPAe muitos outros lugares.

a políticabrasileiradeHIV/SIDA

Poucos,porém,ficaramparados;muitos foram à luta, invennos locats contornaressasdificuldades:fizeram-nonascomunidades,

nasescolas, igrejas,bares,clubes,tribunais,associações, e assistência, reunloes.

pessoas desucesso tinham-se tornadoconsultores depois,muitasdestas de paísesem África,na,Asia,EuropaOrientale agênciasinternail tinha-setornado exportadorglobal de conhecimento,experiênciae de intervir na epidemia.O que mudou entretanto?Comoveremosabaixo, de fatoressociais,políticose científicosgeraramestasituaçãopar-

por Foller(2005)e Biehl(2005)emtermosdeatiinarmenteanalisada ia e saúde.

MUNDIAIS.ANTESE DEPOISDO públicosobreos definitivosavançosterapêuticosanti-HIV,feito na con-

foi um momentohisCanadá, deSIDAde 1996.emVancouver, internacional marco,uma mudançaradicalno cenárioda luta contra a epidemia.E com

pareciaregressar tambéma velhafraturaentrequempodee quemnão tratamentos- reverberandoos tradicionaiscontrastesdesenvolvidos/em norte/sul,quea epidemiade imento,primeiro/terceiromundo,ricos/pobres, tinha por momentos suprimido. Quando os meios faltavampara todos, não haviatratamentoseficazesnem conhecimentosuficiente,a impotênciaa ivelava:a ricos e a pobres,a norte e a sul, a lestee a oeste.Paraos quejá esta-

e tratáveisdas ituadosa não ter meiosparaenfrentaras maispreveníveis a SIDAeramaisuma e pneumonias, a ver os filhossucumbira disenterias a pior, quandoo quotidianosetraçavaem sobree - e não necessariamente obter água potável,calorias,fugir aos abusosdo Estado,dos gangiuesou das em guerra.Porém,para os que viviam quotidianoslonge de infeçõese vulne, em Estadoscom garantiassanitárias,vacinasalcançáveis,antibióticos tes,clínicasde vanguarda,uma doençacomo a SIDAfoi um choqueimprevi-

quedoençaeraessa,de singularrecorteepidemiológico, comoa transmissível gag> primeiro
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