Bem-estar Espiritual dos Pais e Experiências de Ansiedade e Vergonha em Adolescentes

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INSTITUTO SUPERIOR MIGUEL TORGA Escola Superior de Altos Estudos

BEM-ESTAR ESPIRITUAL DOS PAIS E EXPERIÊNCIAS DE ANSIEDADE E VERGONHA EM ADOLESCENTES

ALEXANDRINA DO ROSÁRIO LOPES SIMÕES

Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica Cognitivo Comportamental

Coimbra, dezembro de 2015

BEM-ESTAR ESPIRITUAL DOS PAIS E EXPERIÊNCIAS DE ANSIEDADE E VERGONHA EM ADOLESCENTES

ALEXANDRINA DO ROSÁRIO LOPES SIMÕES

Dissertação Apresentada ao ISMT para Obtenção do Grau de Mestre em Psicologia Clinica Cognitivo Comportamental

Orientadora: Professora Doutora Sónia Simões. Professora Auxiliar, ISMT

Coimbra, dezembro de 2015

Agradecimentos

À Professora Doutora Sónia Simões, pelo acompanhamento que me proporcionou, assim como à Professora Doutora Margarida Pocinho pela prontidão que me prestou. A todos os que tornaram possível este estudo, nomeadamente ao Instituto Pedro Hispano, por me ter facultado a recolha da minha amostra assim como a todos os participantes que aceitaram fazer parte desta investigação, sem eles não conseguiria desenvolver o meu trabalho. Aos colegas de mestrado, cujo convívio tornou mais agradável e estimulante a concretização desta etapa. Ao meu marido António Pena pelo incentivo, parceria, partilha de bons e maus momentos, sem ele não teria conseguido chegar aqui, por todo o apoio que me proporcionou lhe dedico a minha dissertação, assim como aos membros familiares que me apoiaram ao longo desta caminhada, nomeadamente ao meu irmão António Simões.

Resumo A literatura refere que a vergonha constitui um dos principais sintomas da ansiedade. Por outro lado, tem sido enfatizada a importância do bem-estar espiritual (BEE) na promoção da saúde mental, em que maiores níveis de BEE correspondem a menores níveis de ansiedade. Porém, são escassos os estudos que analisam a influência que o BEE dos pais tem na saúde mental dos filhos. Assim, o presente estudo teve como principal objetivo estudar a associação entre o BEE dos pais e a ansiedade (estado e traço) e vergonha externa dos seus filhos. Para tal, neste estudo utilizou-se uma amostra não probabilística, constituída por 60 adolescentes, com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos (M = 16,7, DP = 1,08; 76,7% raparigas) e 60 progenitores, maioritariamente mães (90,0%), com idades entre os 36 e os 59 anos (M = 45,4, DP = 4,37). Os jovens da amostra preencheram um questionário sociodemográfico, a Escala de Vergonha Externa (Lopes, Pinto-Gouveia e Castilho, 2005) e a Escala de Ansiedade Estado/Traço para crianças (Matias, 2004). Os pais preencheram igualmente um questionário sociodemográfico e o Questionário de BemEstar Espiritual dos Pais (Simões e Simões, 2015) para avaliar o BEE dos pais e a perceção que os pais têm de contribuir para o BEE dos seus filhos. Os resultados revelaram uma tendência geral, embora estatisticamente não significativa, para que quanto maior o BEE (dos pais e promovido nos filhos), menores os níveis de vergonha externa e ansiedade nos filhos, sendo esta associação estatisticamente significativa para a dimensão transcendental do BEE. Os resultados indicam também uma associação positiva entre o BEE dos pais e a forma como estes o promovem nos seus filhos. E, apesar do BEE transcendental dos pais ser a dimensão menos promovida pelos pais nos filhos, parece ser a que mais contribui para menores níveis de vergonha e ansiedade nos filhos. Por fim, verificou-se uma associação positiva entre a vergonha externa e a ansiedade estado e traço. Em conclusão, este estudo corrobora a literatura que sublinha que os adolescentes são influenciados pelo seu contexto familiar, ao fornecer evidência adicional sobre a relação entre BEE e outras medidas de bem-estar psicológico, como a sintomatologia ansiosa e a vergonha externa, e de como o BEE dos pais e promovido nos filhos pode atuar como fator protetor para os adolescentes. Palavras-chave: Adolescência, Pais, Vergonha Externa, Ansiedade-Estado e Traço, BemEstar Espiritual.

Abstract The literature shows that shame is one of the main symptoms of anxiety. On other hand, it has emphasized the importance of spiritual well-being (SWB) in promoting mental health, showing that higher levels of SWB correspond to lower levels of anxiety. However, there are few studies in the literature that analyze the influence that parents’ SWB have in children’s mental health. Thus, this research aimed to study the association between parents' SWB and their children’s anxiety (state and trait) and external shame. To this end, this study used a non-probabilistic sample consisting of 60 adolescents aged between 15 and 20 years-old (M = 16.7, SD = 1.08; 76.7% girls) and 60 parents, mostly mothers (90.0%), aged between 36 and 59 years-old (M = 45.4, SD = 4.37). Sample’s adolescents completed a sociodemographic questionnaire, the External Shame Scale (Lopes Pinto-Gouveia & Castilho, 2005) and the State-Trait Anxiety Inventory for Children (Matias, 2004). Parents too filled out a sociodemographic questionnaire as well as the Parents’ Spiritual Well-Being Questionnaire (Simões & Simões, 2015) to assess parents' SWB and their perception of how they contribute to their children’s SWB. Results revealed a general trend, although statistically non-significant, showing that the higher the SWB levels (in parents and promoted in adolescents), the lower the external shame and anxiety levels in adolescents, being this association statistically significant for the transcendental dimension of SWB. Results also indicate a positive association between parents' SWB and the way they promote it in their children. Despite the fact that parents' transcendental SWB is the least promoted dimension on adolescents, it appears to be the one that contributes the most to lower levels of shame and anxiety in adolescents. Finally, there was a positive association between external shame and state and trait anxiety. In conclusion, this study corroborates the literature that emphasizes that adolescents are influenced by their family context, by providing additional evidence on the relationship between SWB and other psychological well-being measures, such as anxiety symptoms and external shame, and to how parents’ SWB and how they promoted it in their children can act as a protective factor for adolescents. Keywords: Adolescence, Parents, External Shame, Anxiety State and Trait, Spiritual Well-Being.

Bem-Estar espiritual dos pais e experiências de ansiedade e vergonha em adolescentes

1. INTRODUÇÃO 1.1. Ansiedade na Adolescência Segundo Reymond (1995) a adolescência caracteriza-se por mudanças sequenciais e interligadas que ocorrem ao nível do corpo, pensamento, vida social e do Eu. Durante a adolescência ocorrem um conjunto de mudanças nos variados contextos em que o adolescente está inserido: contexto familiar, contexto escolar e grupo de pares. A adolescência corresponde à fase de desenvolvimento de transição entre a infância e a idade adulta, iniciando-se na puberdade até cerca dos 18 anos, altura em que o adolescente passa a jovem adulto (Sprinthall e Collins, 1999). A ansiedade na adolescência é uma experiência habitual e transitória, cuja intensidade varia consoante o estádio de desenvolvimento em que o adolescente se encontra. Por vezes, esta ansiedade pode passar de funcional a disfuncional prejudicando o desenvolvimento do adolescente (Barret, 1998). Na adolescência os medos tendem a evoluir. As crianças apresentam medos de natureza global e imaginária, que evoluem na adolescência para conteúdos mais específicos e realistas, nomeadamente: rejeição social e insucesso escolar (Gouveia, 2000). Os adolescentes de uma forma geral apresentam medos relacionados com situações sociais, especificamente avaliação social (exames escolares, aparência física, etc.) (Gouveia, 2000). A socialização assume um papel relevante na adolescência, sendo problemas habituais nesta etapa de desenvolvimento a ausência de assertividade na resolução de problemas sociais, a ansiedade e a timidez/vergonha (Christoff et al., 1985). Por estas razões, os adolescentes correspondem a um grupo propenso a sentir ansiedade social (Gouveia, 2000). Existem evidências de que elevados níveis de ansiedade social podem conduzir ao desajustamento social, pessoal e académico, interferindo de forma significativa na vida diária dos adolescentes (Salvador, 2012). A literatura também tem referido que a ansiedade social pode interferir de forma negativa na relação com os pares. É, assim, comum os adolescentes sentirem medo da avaliação negativa, o que pode prejudicar o seu desempenho académico e social, diminuindo o rendimento escolar, reduzindo o rendimento nas atividades e aumentando as dificuldades no funcionamento diário (Gouveia, 2000). 1

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Segundo Strongman (1998), a ansiedade é um aspeto inevitável da condição humana, e trata-se de uma emoção negativa e perturbadora, caracterizada pela sensação pessoal e subjetiva de ameaça e inquietação ou apreensão (Gouveia, 2000). Os seus principais sintomas podem incluir, por um lado, a curiosidade, interesse ou excitação e, por outro, tristeza, culpa e vergonha (Baptista, Carvalho e Lory, 2005). Existem vários modelos teóricos que procuram explicar a ansiedade. O modelo mais predominantemente estudado na literatura e cujo instrumento é o mais usado quando se procura medir a ansiedade é o Modelo de Ansiedade Traço/Estado de Spielberger (Spielberger, Gorsuch, Lushene, Vagg e Jacobs, 1983). Segundo este modelo, a ansiedade estado é uma reação situacional, que se observa como um estado emocional transitório, no qual o sujeito passa a manifestar sentimentos de tensão, apreensão, nervosismo e preocupação. Por outro lado, a ansiedade traço é uma diferença individual relativamente estável e permanente quanto à tendência da pessoa em manifestar ansiedade (Silva, 2006). No fundo, os traços representam caraterísticas de personalidade (Barlow, 2002), relativamente estáveis, e precocemente identificadas no sujeito (Frasquilho, 2009). Com base nestas duas dimensões da ansiedade, o modelo de Spielberger permite explicar a relação entre fatores internos e externos indutores de stresse, especificar características das situações que promovem diferentes níveis de stresse e avaliar os indivíduos relativamente ao estado e traço de ansiedade (Barlow, 2002; Silva, 2006). 1.2. Vergonha Segundo Gilbert (2002), o desenvolvimento das emoções autoconscientes depende de competências de construção do self enquanto agente social, incluindo: a capacidade de reconhecer o Eu como um objeto para os outros, a teoria da mente (ou seja, a capacidade de efetuar julgamentos acerca do que os outros estão a pensar), consciência das contingências relativas à aprovação ou desaprovação dos outros e competências de desempenho de papéis e compreensão de regras sociais. A vergonha pode ser considerada como um conjunto de sentimentos, cognições e ações, que variam de pessoa para pessoa, podendo ter um impacto considerável no funcionamento do indivíduo (Gilbert, 2002). A literatura considera a vergonha como uma experiência intensa, que regula as relações, tratando-se de uma emoção autoconsciente de segunda ordem. As emoções de segunda ordem desenvolvem-se mais tardiamente do que as emoções primárias uma vez que dependem do desenvolvimento cognitivo (Allan, 2

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Gilbert e Goss, 1994; Tangney e Fischer, 1995). Então, a vergonha é uma emoção de segunda ordem com função adaptativa que, quando é vivenciada em níveis adequados, ajuda o indivíduo a evitar cometer erros (Gilbert, 2002). A emoção vergonha tem sido concetualizada de duas formas distintas, nomeadamente: vergonha interna e vergonha externa. A. vergonha interna diz respeito à experiência e ao julgamento que o sujeito faz de si mesmo. Por sua vez, a vergonha externa diz respeito à experiência social, ou seja à perceção que o sujeito faz da forma como é visto pelos outros (Paulo, 2013). Refira-se que a experiência do sentimento de vergonha gerada pelo self pode motivar o indivíduo a rever as suas prioridades e valores, em oposição a episódios de vergonha pública, geradas pelos outros (Tangney e Fischer, 1995). Segundo Gilbert (2011), os seres humanos apresentam necessidades inatas para serem percecionados pelos outros como atraentes, pelo que estas necessidades constituem a base para a vergonha. Portanto, a experiencia da vergonha pode estar associada a perda de atratividade social. É comum confundir-se vergonha com humilhação. No entanto, vergonha e humilhação são emoções diferentes. Na vergonha o foco é sobre o Eu, enquanto na humilhação o foco é sobre os danos causados por outros. Existe evidência de que é complicado separar a vergonha da ansiedade, uma vez que a ansiedade representa um aspeto central na experiência de vergonha (Gilbert, 1998). O medo do ridículo e de experienciar a vergonha pode ser angustiante para o indivíduo. E, quando experienciada em níveis excessivos, a vergonha pode estar associada ao aparecimento de problemas de saúde mental, tendo a literatura revelado que existe uma associação positiva entre o sentimento de vergonha (interna e externa) e o desenvolvimento de psicopatologia, nomeadamente de ansiedade e depressão (Allan, Gilbert e Goss, 1994; Paulo, 2013). Adicionalmente, e fornecendo suporte à associação entre vergonha e ansiedade, a literatura demonstra que pessoas com ansiedade e propensão à vergonha frequentemente se afastam ou evitam contextos sociais e evitam contacto visual com outras pessoas, são mais suscetíveis a sentimentos negativos, como o medo e a depressão, e tendem a percecionar mais negativamente informação ameaçadora a seu respeito (Quian, Liu e Zhu, 2001; Tangney, 1995; Tangney, Wagner e Gramzow, 1992). Existe evidência de que a vergonha constitui um fator preditivo de ansiedade social (Gouveia, 2000). E, na adolescência em particular, a vergonha tende a assumir um aspeto 3

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mais relevante na relação com os pares (Gilbert e Irons, 2009). Estilos parentais inflexíveis, experiências precoces de negligência e abuso relacionam-se com a propensão para experienciar sentimentos de vergonha (Paulo, 2013). Posto isto, torna-se cada vez mais pertinente averiguar o papel da vergonha na vida dos adolescentes. Refira-se que a investigação realizada sobre ansiedade e vergonha sobrepõe-se consideravelmente, no sentido em que ambas podem ser vistas como procurando estudar estratégias submissivas em contextos nos quais as pessoas se sentem vulneráveis a uma perda de posição social, atratividade, rejeição e/ou criticismo (Gilbert, 2000). Tal justifica assim a pertinência em avaliar (e distinguir) ambas as variáveis quando se procura estudar fenómenos passíveis de serem explicados pela ansiedade e/ou vergonha. 1.3. Espiritualidade A etimologia da palavra ‘espiritualidade’ provém do latim spiritus/spirare que significa sopro de vida. Espiritualidade é o que nos dá vida, o que vai para além do corpo e que nos relaciona com o divino (Barros-Oliveira, 2007). Giacalone e Jurkiewicz (2003) consideram a espiritualidade, a experiência de uma dimensão transcendente que dá significado à existência e a capacidade de experienciar o sagrado. Por sua vez, Dierendonck e Mohan (2006) definem-na como a atitude interior de viver a vida de forma diretamente relacionada com o sagrado. A dimensão espiritual corresponde ao conjunto de crenças pessoais que transcendem os aspetos materiais da vida e nos oferecem um profundo sentimento de segurança, conexão e abertura ao infinito. A conceção deste constructo inclui a crença num poder maior que nós próprios, num significado e num propósito de vida, numa conduta ética e moral apropriada e numa experiência transcendente (Myers, Sweeney e Witmer, 2000). Assim, a dimensão espiritual relaciona-se com a necessidade de significado para a vida, necessidade de amor e relacionamento, necessidade de perdão e, por fim, necessidade de ter esperança. A espiritualidade é, portanto, uma força que permite ao indivíduo estabelecer uma conexão com o universo proporcionando sentido à sua vida, sendo considerada umas das mais sofisticadas forças de caráter, junto com a capacidade de perdoar e com a abertura mental (Peterson et al., 2006). Adicionalmente, segundo Gouveia, Marques e Ribeiro (2009), a espiritualidade é uma vertente da psicologia positiva que tem sido associada ao bem-estar, e que, para além das caraterísticas já

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apresentadas, inclui a crença sobre o sentido da vida, que fornece conforto (Peterson, Park e Seligman, 2006). O bem-estar espiritual pode ser avaliado em quatro domínios, através da estrutura desenvolvida por Gomez e Fisher (2003) e que serve de suporte ao Questionário de BemEstar Espiritual desenvolvido pelos mesmos autores, usado no presente estudo. Assim, o bem-estar espiritual é constituído pelas dimensões pessoal, comunitário, ambiental e transcendental. O domínio pessoal diz respeito à forma como uma pessoa se relaciona consigo própria no que respeita ao significado, propósito e valores de vida. Pressupõe o desenvolvimento de autoconhecimento e consciência de si mesmo, relacionados com a identidade e a autoestima. O domínio comunitário refere-se à qualidade e profundidade das relações interpessoais no que diz respeito à moralidade, cultura e religião. Inclui sentimentos de amor, justiça, esperança e fé na humanidade. O domínio ambiental consiste nas relações com o mundo físico e biológico (cuidar e proteger), expressando-se através da admiração e de sentimentos de união com a natureza. Por fim, o domínio transcendental, refere-se à relação do próprio com algo ou alguma coisa para além do que é humano, nomeadamente uma força cósmica, uma realidade transcendente, ou Deus, e expressa-se através do culto e adoração relativamente à fonte de mistério do universo (Gouveia, Marques e Ribeiro, 2009). A espiritualidade humana é cada vez mais reconhecida como um componente importante da saúde humana. Também têm surgido evidências crescentes, embora não consensuais, de que o envolvimento religioso está significativa e positivamente associado com uma melhor saúde física e mental (Paloutzian e Park, 2005). Porém, a espiritualidade difere do conceito de religiosidade, e nem sempre se encontram bem delimitados pela literatura. Neste sentido, torna-se pertinente diferenciar os conceitos, discutindo as suas semelhanças e antagonismos. Embora tanto a espiritualidade como a religiosidade envolvam a busca e o interesse pelo sagrado e pela fé (Marques, 2009), alguns autores consideram que a espiritualidade se refere a um aspeto mais individual e a religiosidade ao contexto social (Dierendonck e Mohan, 2006). Neste sentido, a religiosidade é uma adesão a crenças e práticas de uma religião, igreja ou instituição (Lukoff, 1992), em que existe uma aceitação das formas tradicionais de religião, uma autoridade, e é frequentando um espaço sagrado em que se reza em particular e publicamente (Wink e Dillon, 2002). Já a espiritualidade é uma relação pessoal com algo considerado como superior, divino ou sagrado (Lukoff, 1992), 5

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em que a pessoa espiritual prescinde da autoridade, da tradição e do ritualismo, é mais independente na sua crença, conjugando várias influências diferentes (Wink e Dillon, 2002). Neste contexto, Barros-Oliveira (2007) e Koening (2001) apresentam um ponto de vista similar relativamente ao que distingue estes dois conceitos. Para os autores, a religião coloca o homem em relação com a divindade, além de conectar um grupo/comunidade no mesmo culto e nas práticas religiosas. Por sua vez, a espiritualidade é uma tentativa de autotranscendência e autorrealização e uma busca pessoal sobre o significado da vida. Existe evidência na literatura que enfatiza a importância do bem-estar espiritual na promoção de uma boa saúde mental. De facto, a importância da espiritualidade como um componente central da saúde psicológica é cada vez mais reconhecida por profissionais de saúde mental (Brady et al., 1999; Kearney e Mount, 2000). Deste modo, pessoas com maiores níveis de bem-estar espiritual sofrem de menos depressão e têm maior autoestima (Genia, 2001), bem-estar emocional e satisfação com a vida (Kim et al., 2000), estabilidade emocional (Leach e Lark, 2004) e sofrem de menos stresse (Woodbury, 1992). A ansiedade é um dos distúrbios mais comumente estudados, quando se analisa a relação entre a saúde mental e a espiritualidade. A maioria dos estudos sublinha a associação entre maiores níveis de espiritualidade e menor ansiedade (Khan, Vijayshri e Farooqi, 2014), observada também na população adolescente (Wong, Rew e Slaikeu, 2006). Por exemplo, Davis, Kerr e Kurpius (2003) verificaram que, quanto maiores os níveis de bem-estar espiritual dos adolescentes do sexo masculino, menores os seus níveis de ansiedade estado e traço. Também na população adolescente, Cotton e colaboradores (2009), verificaram uma associação positiva significativa entre bem-estar espiritual e saúde mental (avaliando, entre outros, sentimentos de ansiedade), em adolescentes saudáveis e com doença inflamatória intestinal. No entanto, é de referir que muitas investigações não encontram qualquer associação entre estes dois constructos e há ainda alguns estudos que identificam uma associação positiva entre a ansiedade e a espiritualidade (Khan et al., 2014). Portanto, os resultados da literatura não são conclusivos. Em síntese, existe evidência de que a espiritualidade é um fator de proteção em situações de risco social e pessoal dos adolescentes (Amparo et al., 2008), atuando como

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fator protetor para perturbações mentais, nas quais a ansiedade se inclui (Volcan et al., 2003) e contribuindo fortemente para a felicidade nas crianças (Wallace, 2005). 1.4. Influência parental A literatura revela que os adolescentes são influenciados pelas características do contexto familiar onde estão inseridos, nomeadamente pelas pessoas significativas, os seus pais. Especificamente, e indo ao encontro da literatura previamente apresentada, Hirshfeld-Becker e colaboradores (1999) demonstraram que experiências repetidas e acumuladas com eventos traumáticos de baixo grau (como os pais envergonharem as crianças, ou estas serem gozadas pelos seus pares) pode levar a que estas desenvolvam maiores níveis de ansiedade. Da mesma forma, outras características do contexto familiar, como comportamentos de evitamento por parte dos pais (Dadds, Barret, Rapee e Ryan, 1996), vinculação parental insegura (Manassis, Bradley, Goldberg, Hood e Swinson, 1994, 1995), conflito familiar (Jakielek, 1998; Mechanic e Hansell, 1989), insatisfação conjugal dos pais (McHale e Rasmussen, 1998), interação familiar fragmentada (Katz e Low, 2004), estilos parentais subcontroladores (Rapee, 1997; Wood et al., 2003) e a própria ansiedade dos pais (Beidel e Turner, 1997; Biederman, Rosenbaum, Bolduc, Faraone e Hirschfield, 1991; Merikangas, Dierker e Szatmari, 1998; Turner, Beidel e Costello, 1987), estão significativamente associados a maiores níveis de ansiedade dos filhos ao longo do tempo. Se, por um lado, a literatura é rica em demonstrar quais os fatores do contexto familiar que contribuem para os níveis de ansiedade nas crianças, por outro, investigação que procura analisar a influência que o bem-estar espiritual dos pais tem nos filhos e na sua saúde mental é escassa ou mesmo inexistente. Desta forma, partindo da revisão da literatura efetuada e denotando a importância que o bem-estar espiritual tem na promoção da saúde mental, bem como a influência que os progenitores têm na vida dos seus filhos, verifica-se a relevância de estudar a relação entre o bem-estar espiritual dos pais e os níveis de ansiedade e experiência de vergonha nos filhos. O estudo desta associação constituirá mais um passo importante na identificação dos fatores do contexto familiar que mais contribuem para a saúde mental dos filhos.

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Objetivos Neste sentido, com base no exposto anteriormente, bem como na literatura revista, com este estudo pretende-se primariamente (1) Estudar a associação entre o bem-estar espiritual dos pais e a ansiedade e vergonha externa dos seus filhos. Como objetivos secundários deste estudo, procurar-se-á: (2) Estudar a associação entre a ansiedade (estado e traço) e vergonha externa nos jovens da amostra; (3) Estudar a associação entre o bem-estar espiritual promovido pelos progenitores nos jovens e os seus níveis de ansiedade e vergonha externa; (4) Estudar as diferenças na vergonha externa, níveis de ansiedade e bem-estar espiritual dos pais e promovido nos filhos, em função de variáveis de controlo, como o sexo, ano escolar, retenção e avaliação escolar dos adolescentes; e (5) Estudar a associação entre o bem-estar espiritual dos progenitores e o modo como o promovem nos filhos.

2. MÉTODO 2.1. Amostra Para a realização do presente estudo recorreu-se a uma amostra de conveniência, constituída por 60 adolescentes (76,7% do sexo feminino e 23,3% do sexo masculino), a frequentar o ensino secundário (10º ao 12º ano) com idades compreendidas entre os 15 e os 20 anos de idade, sendo a média de idades de 16,7 anos (DP = 1,08) e seus progenitores (90,0% do sexo feminino) com idades compreendidas entre os 36 e 59 anos de idade, sendo a média de idades de 45,4 anos (DP = 4,37) (ver Tabela 1). Dos 120 questionários autorizados pelos progenitores, 60 foram excluídos por não estarem completos, reduzindo a amostra para 60 alunos/pais.

2.2. Procedimentos O estudo decorreu no Instituto Pedro Hispano da Granja do Ulmeiro, concelho de Soure, durante o decorrer do terceiro período do ano letivo 2014/15, após pedido formal à instituição e posterior aprovação (Apêndice A). Inicialmente solicitou-se formalmente a autorização aos autores portugueses responsáveis pela adaptação dos instrumentos de avaliação, para a utilização dos instrumentos no presente estudo (Apêndice B). 8

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A cada participante, foi fornecido o consentimento informado (Apêndice C), com informação relativa aos elementos essenciais à participação, assegurando a confidencialidade dos dados recolhidos e enfatizando o caráter voluntário da sua participação. Após o consentimento de cada adolescente/progenitor, procedeu-se à aplicação dos questionários de autorresposta. Foram administrados os seguintes instrumentos: Questionário Sociodemográfico, Escala de Vergonha Externa, Escala de Ansiedade Estado/Traço para Crianças e Questionário de Bem-Estar Espiritual.

Tabela 1 Caracterização sociodemográfica da amostra. Adolescentes Idade Sexo Ano de Escolaridade

Já alguma vez reprovaste? Ano em que reprovou

Avaliação do Aluno

Progenitores Idade Sexo Situação Conjugal

Nível de Escolaridade

Situação Profissional

Masculino Feminino 10º 11º 12º Não Sim 2-3º 7º 8-9º 11º Mau Médio Bom Muito Bom

Masculino Feminino Solteiro Casado/União de Facto Separado/Divorciado Viúvo Ensino Básico Ensino Secundário Licenciatura Empregado Desempregado

n

%

14 46 19 17 24 51 9 2 4 2 1 3 24 25 8 n

23,3 76,7 31,7 28,3 40,0 85,0 15,0 22,2 44,4 22,2 11,1 5,0 40,0 41,7 13,3 %

6 54 2 52 4 2 3 37 20 51 9

10,0 90,0 3,3 86,7 6,7 3,3 5,0 61,7 33,3 85,0 15,0

M (DP) 16,67 (1,08)

Variação 15 - 20

M (DP) 45,38 (4,73)

Variação 36 - 59

Notas: n = frequência; M = Média; DP = Desvio Padrão.

2.3. Instrumentos Questionários Sociodemográficos Foram construídos dois questionários sociodemográficos com a finalidade de recolher informação relativamente às variáveis sociodemográficas dos jovens e dos progenitores. O questionário sociodemográfico dos jovens é constituído por questões sobre a idade, ano 9

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de escolaridade, se já reprovou (e se sim, em que ano), e um item de autoavaliação enquanto aluno. Por sua vez, o questionário sociodemográfico dos progenitores é constituído por questões sobre a idade, sexo, situação conjugal, nível de escolaridade, situação profissional, número de filhos e composição do agregado familiar. Ambos os questionários podem ser consultados como Apêndices D e E.

OAS - Escala de Vergonha Externa (Other As Shamer - Goss, Gilbert, e Allan, 1994; versão Portuguesa de Lopes, Pinto Gouveia e Castilho, 2005; Anexo 1) Este instrumento de autorrelato avalia a vergonha externa, ou seja, a perceção que cada um tem sobre como os outros olham e pensam sobre si. O instrumento destina-se a adolescentes com idades compreendidas entre os 12 e 18 anos, sendo composto por 18 itens que são classificados numa escala tipo Likert de 5 pontos (0 = "Nunca"; 4 = "Quase sempre"). Para efeitos de cotação, a valores mais elevados no total da escala, correspondem a níveis mais elevados de vergonha acerca do que os outros pensam sobre nós (i.e., vergonha externa). A pontuação pode variar de 0 a 72 pontos, sendo os mais altos, indicativos de maior vergonha externa (o que os outros pensam sobre nós). No seu estudo original (Goss et al., 1994), a Escala de Vergonha Externa apresentou elevada consistência interna, tendo um alfa de Cronbach de 0,92. Por sua vez, a versão adaptada de Lopes e colaboradores (2005) apresentou igualmente uma elevada consistência interna, obtendo o mesmo valor de alfa de Cronbach encontrado no estudo original. No nosso estudo foi também obtida uma elevada consistência interna, com um valor de alfa de Cronbach de 0,91.

STAIC - Escala de Ansiedade Estado/Traço para crianças (State-Trait Anxiety Inventory for Children - Spielberger, Edwards, Montuori e Lushene 1973; versão Portuguesa de Matias, 2004; (Anexo 2) O STAIC avalia a ansiedade estado e traço em crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 9 e 12 anos. Este instrumento é composto por duas escalas de autoavaliação que medem dois conceitos distintos de ansiedade: a ansiedade-estado (AState) e a ansiedade traço (A-Trait). A escala de ansiedade-estado destina-se a medir estados de ansiedade transitórios como sentimentos subjetivos, conscientemente percebidos de apreensão, tensão e preocupação, que variam em intensidade e oscilam no 10

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tempo. Esta escala solicita à criança que indique o grau com que experiencia sintomas particulares naquele momento, isto é, como se sente num momento particular do tempo. Por sua, vez, a escala de ansiedade traço avalia diferenças individuais na propensão para desenvolver ansiedade como traço de personalidade (Matias, 2004). Esta escala pede ao adolescente que indique a frequência com que experiencia sintomas de ansiedade ou como se sente habitualmente. A ansiedade traço tende a ser relativamente estável no tempo fazendo parte integrante do funcionamento do indivíduo na perceção e avaliação de situações de ameaça ou perigo. Cada uma destas escalas consiste em 20 itens, os quais são pontuados de 1 a 3, com uma pontuação total em cada versão de 20 a 60 pontos. Na escala de ansiedade estado, é solicitado ao adolescente que indique para um conjunto de 20 expressões a opção que melhor descreve como se sente naquele preciso momento, tendo 3 opções de resposta (ex.: item 1. (1) muito calmo; (2) calmo; (3) nada calmo). Nesta escala, metade dos itens reflete a presença de ansiedade (2, 3, 4, 6, 9, 11, 12, 16, 17 e 18) e a outra metade ausência de ansiedade (1, 5, 7, 8, 10, 13, 14, 15, 19 e 20). Os itens que evidenciam a presença de ansiedade são cotados com uma pontuação de 3 (muito) a 1 (nada), sendo o peso das pontuações invertido nos itens que indicam ausência de ansiedade (Matias, 2004). Na escala de ansiedade traço, é solicitado ao adolescente que indique para um conjunto de 20 expressões a opção que melhore descreve como se costuma sentir habitualmente, tendo igualmente, 3 opções de resposta: 1- quase nunca, 2- algumas vezes, 3- quase sempre (Matias, 2004). As pontuações totais das escalas de ansiedade-estado e ansiedade-traço, são obtidas através do somatório das pontuações dos 20 itens de cada escala, em que pontuações elevadas indicam altos níveis de ansiedade. No seu estudo original (Spielberger et al.,1973), as escalas de ansiedade estado e traço apresentaram bons níveis de consistência interna, com alfas de Cronbach de 0,87 e 0,81, respetivamente. Na versão portuguesa a escala de ansiedade estado obteve um alfa de 0,88 e a escala de ansiedade traço um alfa de 0,81 (Matias, 2004). No nosso estudo foi também obtida uma elevada consistência interna para ambas as escalas de ansiedade estado e traço, obtendo alfas de 0,86 e 0,85, respetivamente. Esta escala pode ser consultada como Anexo 5.

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QBEE - Questionário de Bem-Estar Espiritual (Spiritual Well-being Questionnaire; SWBQ - Gomez e Fisher, 2003; versão Portuguesa de Gouveia, Marques e Ribeiro, 2009, adaptado para esta investigação por Simões e Simões, 2015, e designado Questionário de Bem-Estar Espiritual para Pais; (Anexo 3) O QBEE avalia o bem-estar espiritual, sendo constituído por 20 itens, que avaliam quatro domínios de bem-estar espiritual: pessoal, comunitário, ambiental e transcendental, anteriormente descritos na introdução deste trabalho. Aos inquiridos é pedido que indiquem em que medida sentem que cada item reflete a sua experiência pessoal. Todos os itens são formulados positivamente e o resultado é obtido pela média das respostas atribuídas aos itens de cada subescala. Os itens são avaliados numa escala de 5 pontos (1=muito pouco a 5=totalmente). Simões e Simões (2015) desenvolveram então o Questionário de Bem-Estar Espiritual para Pais, tendo como base os trabalhos de Fisher (1998, 1999). Foi acrescentada uma segunda coluna, ao longo dos mesmos itens do questionário (subescala A), com o intuito de avaliar em que medida o progenitor considera que ajuda o seu filho a desenvolver bemestar espiritual, avaliado por cada um dos 20 aspetos da vida anteriormente considerados (subescala B). Os valores de consistência interna obtidos no estudo original (Gomez e Fisher, 2003) consideram-se como bons, e os valores de alfa de Cronbach para as dimensões pessoal, transcendental, ambiental e comunitária foram de 0,89, 0,86, 0,76 e 0,79, respetivamente, e de 0,92 para o total da escala. Por sua vez, os valores de consistência interna obtidos na validação da escala para a população portuguesa (Gouveia et al., 2009) foram igualmente bons, apresentando a escala total um alfa de 0,88, a subescala pessoal 0,75, comunitária 0,74, ambiental 0,84 e transcendental 0,89. Relativamente aos valores de consistência interna obtidos no nosso estudo, começamos por descrever os valores associados à subescala A (que reflete o bem-estar espiritual dos pais), em que, para a escala total, obtivemos um alfa de Cronbach de 0,88, na subescala pessoal 0,76, na comunitária 0,72, na ambiental 0,78 e na transcendental 0,85, sendo considerados bons indicadores de consistência interna. Na subescala B (que reflete a medida em que o progenitor considera ajudar o seu filho a desenvolver o bem estar espiritual), obtivemos um alfa de Cronbach de 0,91, a subescala pessoal 0,81, comunitária 0,81, ambiental 0,85 e transcendental 0,89, que refletem excelentes indicadores de consistência interna para esta subescala.

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2.4 Análise Estatística De forma a proceder à análise estatística dos dados deste estudo foi utilizado o software IBM SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), Versão 22.0 para Windows. Para testar o pressuposto de normalidade das variáveis em estudo utilizou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S), tendo-se encontrando uma distribuição não normal em algumas variáveis (ver Apêndice F). No entanto, referente aos valores de assimetria e curtose das variáveis em estudo, observa-se que este se situam dentro dos intervalos Sk
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