Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: cosmologia e mnemotecnia

July 14, 2017 | Autor: Manuel J. Gandra | Categoria: Alchemy, Hermetism, Books, Biblioteconomia, Mafra, Palácio Nacional de Mafra
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Descrição do Produto

Manuel J. Gandra

A BIBLIOTECA DO PALÁCIO NACIONAL DE MAFRA

colecção

de bolso 1

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COSMOLOGIA e ARTE DA MEMÓRIA Considerações acerca do programa emblemático e mnemotécnico da Casa da Livraria do Palácio Nacional de Mafra

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E a cidade é fundada em quadro, e tão comprida como larga: e mediu ele a Cidade com a cana de ouro [...]. E o seu comprimento e a sua altura e a sua largura são iguais. APOCALIPSE, XXI, 16 Só o justo permanece, Aristóteles o chamou quadrado, pelo afirmar estável. A Cidade de Deus é quadrada porque é eterna. FREI JACINTO DE DEUS

É unanimemente partilhada a opinião segundo a qual a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (doravante BPNMafra) constitui um caso excepcional, singular mesmo, no contexto biblioteconómico lusitano. Diversos são os argumentos probatórios aduzidos. À cabeça, surge o mais consensual de quantos são citados: a BPNMafra é uma biblioteca histórica, efectivamente a única que sobreviveu incólume às vicissitudes que, em maior ou menor grau, estiveram na origem do desbarato das restantes livrarias conventuais portuguesas1, inclusivé das contemporâneas dela. Depois de apontada tal circunstância, que aconselharia redobradas medidas cautelares no que respeita à sua conservação e gestão, são sublinhadas a amplitude2 e a excelência do acervo, frequentemente inusitado até em congéneres estrangeiras. Por fim, invariavelmente num misto de estupefacção e incredulidade, evoca-se a ambiência mágica do lugar, geradora de uma irreprimível necessidade de recolhimento interior, face à qual o indizível que paira no ar assume os contornos de uma quase hierofania. De facto, ali é possível ouvir o som do próprio silêncio!... 7

Creio que, efectivamente, uma aura mistérica emana deste autêntico Templo do Saber. Estou mesmo convicto que, apesar do cartesiano desdém da generalidade dos chamados especialistas, existem motivos ponderosos na origem de tão persistente impressão causada pela BPNMafra sobre o visitante intuitivo. A tarefa que me cometi consiste, como já se tornou óbvio, em carrear para o convívio dos leitores elementos que os capacitem a reconstituir o quadro de referências indispensável à recuperação de uma semântica aparentemente perdida. Digo aparentemente perdida, porquanto ela foi simplesmente suplantada pelos modelos epistemológicos modernos, os quais a baniram e arredaram para áreas periféricas, marginais e herméticas do saber, acessíveis apenas àqueles que, fazendo profissão de fé da sua douta ignorância, buscam na maiêutica socrática a libertação relativamente aos constrangimentos impostos pela caverna e pelas inibições específicas dos cavernícolas. * *

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Há alguns anos atrás, José Carlos Calazans, buscando uma explicação para o carácter impar da BPNMafra, levantou uma ponta do véu, não conduzindo, porém, até às últimas consequências a sua abordagem hermenêutica3. Constatou, no entanto, que a BPNMafra repercute um modelo cosmológico cristão, tendo chamado a atenção para o facto de o seu organizador, frei João de Santana, o ter adoptado intencionalmente, servindo-se para o efeito daquilo que designou de regra das quatro ordens4, a saber: 1ª cosmosófica (dois hemisférios: Norte reservado ao trivium e Sul ao quadrivium); 8

A Casa da Livraria do Palácio Nacional de Mafra O salão mede 88,88 m (404 palmos) no sentido Norte-Sul, 24,20 (110 palmos) no sentido nascente-poente e 9,46 m (43 palmos) de largura. A abóbada eleva-se à altura de 10,78 m (49 palmos), excepto no cruzeiro, onde atinge 13,20 m (60 palmos). Quatro portas envidraçadas fronteiras, duas a nascente e duas a poente, dão acesso a escadas que conduzem à galeria. As escadas do lado nascente, em caracol, são em pau preto, ocupando o espaço de um vão de janela, enquanto as outras duas são de cantaria, possuindo 27 degraus, distribuídos por 4 lanços: o terceiro dá acesso à galeria e o quarto às casas situadas sobre as do piso inferior. De ambos os lados do cruzeiro, sobre a janela grande observa-se uma coroa real com o monograma de Dona Maria I.

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2ª determinada pela altura das prateleiras (mais altas nas inferiores e mais baixas nas superiores); 3ª de matérias (directamente relacionada com a ordem cosmosófica: hemisfério Norte e Sul); 4ª cronológica (das obras mais antigas para as mais recentes, dentro de cada tema, por estante e por autor nas mesmas estantes). Não obstante ter posto, assim, a descoberto tão espantoso filão, aquele investigador deixaria por apurar diversos aspectos essenciais para a sua caracterização, de entre os quais avulta o de saber se a BPNMafra constitui um exemplo isolado e, em caso negativo, qual a latitude e representatividade atingida pelo modelo nela adoptado. Justamente a propósito dele recordo um trecho da descrição apresentada por Adso da biblioteca da abadia em cujo cenário se desenrola a trama de O Nome da Rosa de Umberto Eco, que é tudo menos uma inocente e quimérica ficção: "Em suma [...] convencemo-nos que a biblioteca era na verdade constituída e distribuída segundo a imagem do globo terráqueo. A setentrião encontrámos ANGLIA e GERMANI, que ao longo da parede ocidental se ligavam a GALLIA, para depois gerar no extremo ocidente HIBERNIA e na direcção da parede meridional ROMA (paraíso dos clássicos latinos!) e YSPANIA. Vinham depois a meridião os LEONES [África, direcção onde se encontravam livros de autores infiéis, i. e., os livros da mentira], o AEGYPTUS, para oriente se tornavam IUDAEA e FONS ADAE [o Paraíso, i. e., o oriente, direcção onde se guardavam as sagradas Escrituras, i. e., a palavra de Deus, e seus comentários]. Entre oriente e setentrião, ao longo da parede, ACAIA, uma boa sinédoque [...] para indicar a Grécia [...]. O modo de leitura era bizarro, por vezes procedia-se numa única direcção, outras vezes andava-se ao con10

trário, outras vezes ainda em círculo, frequentemente, como disse, uma letra servia para compor duas palavras diversas (e nestes casos a sala tinha um armário dedicado a um assunto e um outro a outro). Mas não havia evidentemente que procurar uma regra áurea naquela disposição. Tratava-se de mero artifício mnemónico para permitir ao bibliotecário encontrar uma obra. Dizer de um livro que se encontrava em quarta Acaiae significava que estava na Quarta sala a contar daquela em que aparecia o A inicial, e quanto ao modo de a identificar supunha-se 11

que o bibliotecário sabia de cor o percurso, ou recto ou circular, a fazer. Por exemplo, ACAIA estava distribuído por quatro salas dispostas em quadrado, o que quer dizer que o primeiro A era também o último [...]. [...] vindo de oriente, nenhuma das salas de ACAIA introduzia nas salas seguintes: o labirinto terminava naquele ponto, e para chegar ao torreão setentrional era necessário passar pelos outros três. Mas, naturalmente, os bibliotecários, entrando pelo FONS, sabiam bem que para ir, supunhamos, a ANGLIA, deviam atravessar AEGYPTUS, YSPANIA, GALLIA e GERMANI". Enfim, se a mestria dos cânones tradicionais da cosmologia e da Arte da Memória, se revelou adequada ao intento dos personagens de Eco, por que não há-de igualmente ser competente para nos guiar na travessia do também labiríntico jardim de eloquência sacro-profana que é o locus mnemotécnico da BPNMafra? * *

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Em anteriores ocasiões, analisei detalhadamente as razões aduzidas pela historiografia (paradoxalmente, ou talvez não, frequente cúmplice da lenda) no tocante aos primórdios e à semântica do Monumento de Mafra, concluindo que, salvo raríssimas excepções (regra geral desdenhadas), tem optado por omitir intencionalmente ou votar ao esquecimento circunstâncias vitais para a compreensão das autênticas motivações de Dom João V, indiscutível mentor da Obra5. O monarca terá contado, certamente, com a assessoria de alguns poucos cortesãos sábios (uma escassa meia dúzia, se tanto) partilhando consigo o mesmo ideal e as chaves crípticas susceptíveis de 12

codificar a mensagem que desejava legar aos vindouros. Isto porque não me sobram dúvidas de que o intenso e depurado emblematismo do Monumento de Mafra cristaliza aquilo que é lícito entender como uma didáctica identitária. Com efeito, a Real Obra do Magnânimo poderá ter constituído o derradeiro ubículo edificado, expressamente vocacionado para albergar os princípios metafísicos fundantes do desígnio nacional e preservá-los de toda a corrupção durante as inevitáveis e mais ou menos longas travessias do deserto que Portugal, à semelhança de todas as nações, ciclicamente empreende6. Os postulados essenciais desse transcendental legado enunciei-os em escritos transactos, cuja consulta sugiro, uma vez que dou por adquirida a generalidade dos respectivos conteúdos. Sintetizando: o Monumento de Mafra encarna o Pólo Celeste da capital umbigo (omphalos) do Quinto Império, cujos requisitos mundanos Lisboa é suposto deter7. Nessa perspectiva, a Real Obra de Mafra é, segundo Anselmo Caetano Munhós de Abreu Gusmão e Castelo Branco, "[...] a Santa e Nova Cidade e Jerusalém que do Céu viu descer o Evangelista S. João, preparada primeiro por Deus e adornada como a Esposa para o seu Esposo"8. Não obstante, e apesar de a nenhum dos expositores e exegetas da Sagrada Escritura ter Deus facultado o conhecimento do dito Templo, o mesmo autor, médico coimbrão, desvela-o ao Mundo: "[...] unido ou identificado [e] sobre a Santa Cidade [...], porque ficando o templo superior à mesma Cidade, fica por este modo como separado e por cima da Cidade o Templo ou Santuário que possui um só Príncipe [...]. Este Santuário, ou Novo Templo de Ezequiel, viu este Profeta separado sete léguas da Cidade Marítima, chamada Oriental e 13

Ocidental [...]. Este Principado Secular e juntamente Eclesiástico da Igreja não está em Itália, mas existe separado e fora de Roma estabelecido em uns Mosteiros e Varões Religiosos, consagrados de todo a Deus [...]. Muitos Conventos há hoje fora de Roma, em que está edificada a Igreja de Cristo, que é a Nova e Santa Cidade de Jerusalém descida do Céu à Terra [...] mas nenhum Mosteiro de Religiosos se acha na Cristandade que esteja edificado sete léguas fora ou por cima da Cidade marítima, chamada Oriental e Ocidental, fundada sobre tantas águas subterrâneas e tão adornado como a Esposa para o seu Esposo, senão esta nova e única Maravilha do Mundo [...] estabelecida em Portugal, edificada em Cristo, sobreedificada em Mafra e sobre o fundamento que lhe pôs São Paulo, pelo real e invicto braço do Sábio e Augusto Apolo Lusitano e pelas mãos dos Portugueses para Corte do Quinto Império de Cristo [...]"9. O filósofo hermético não é, porém, o único autor contemporâneo do Magnânimo a conferir um caráter escatológico ao Monumento de Mafra. Com efeito, diversos outros enunciam considerações de idêntico teor10, de que se destacam o seu paralelismo ora com o Templo de Salomão, ora com o Escorial, ora com o Vaticano. Uma vez que o Escorial foi, consabidamente, gizado à imagem do Templo de Salomão, conforme a conceptualização do arquitecto real Juan de Herrera, tornar-se-á evidente o motivo da comparação. Acresce ainda uma circunstância relevante: a dedicação da Basílica de Mafra a Santo António, popularmente designado pelo epíteto de Arca do Testamento, i. e., Arca da Aliança11. Apesar de tudo, conhecida a fortuna ideológica e iconográfica do Templo de Salomão após a publicação dos três volumes das In Ezechielem Explanationes et Apparatus Urbis, ac Templi 14

Hierosolymitani Commentariis et Imaginibus Illustratus (Roma, 1596-1604) de João Baptista Villalpando12, jesuíta e discípulo de Herrera, não pode deixar de causar estranheza a total omissão de referências ao Antigo Testamento no Monumento de Mafra. A não ser que tal decorra simplesmente do facto de, no que concerne à obra do Magnânimo, o Templo de Salomão remeter, como modelo arquetípico, para a Jerusalém Celestial do Apocalipse, morada dos santos em glória. Nesse caso, estará achado o motivo para a presença no nartex, ou galilé, dos 12 Apóstolos do Cordeiro (Apocalipse, XXI, 14), autênticos fundamentos da Cidade Santa, instituidores cada um deles, tal como Dom João V, de uma Nova Ordem espiritual (os grémios religiosos que fundaram) no seio do próprio cristianismo. Exceptuam-se, claro está, não só pela sua condição de mártires como também pela estatura avantajada que os distingue dos restantes, São Vicente e São Sebastião, corporificando, respectivamente, as colunas Jakin (Ele estabelece) e Boaz (Por Ele é poderoso), colocadas no Ulam (vestíbulo), ladeando o pórtico pelo qual se acede ao Hekal (santuário) e, deste, ao Debir (Santo dos Santos)13. Explorando estas e outras vertentes do tema, cujo carácter visionário e misterioso favoreceu um sem número de comentários e glosas, bem como o florescimento de uma tradição iconográfica multifacetada14, as opções dos exegetas face à ordem prescrita no texto sagrado tornar-se-á manifesta e o Monumento de Mafra revelará os seus arcanos. A complexidade do problema não me impedirá, entretanto, de referir sumariamente duas das mais célebres facetas enunciadas pelo Evangelista no Apocalipse, a saber: o Número 666 e a Estrutura simbólica da Jerusalém Celeste. 15

Número 666 Trata-se do famoso número triangular sagrado de 36 e valor secreto de 62. Ocorre na Bíblia em três circunstâncias distintas, correspondendo: ao número de talentos que Salomão recebia anualmente (1 Reis, X, 14); ao número dos filhos de Adonikam que regressaram do exílio babilónico (Esdras, II, 13); finalmente ao número da Besta que "subiu da terra" (Apocalipse, XIII, 11-18). O facto de o texto bíblico referir que o número da Besta "é o número de um homem", originou a atribuição dele a personalidades de índole muito diversa, com predomínio para os chefes militares e os estadistas, mas a que nem a instituição pontifícia foi poupada15. Muitos hermeneutas sublinham a necessidade da revisão da carga pejorativa do número 666, porquanto na Kabbalah hebraica simplesmente manifesta Sorath, o Espírito do Sol. De resto, aos números triplos (como 111, número da Inteligência do Sol, ou 888, número de Jesus) sempre a numerologia mística atribuiu significado solar. Além de que 666 e 888 são duas das ratio subjacentes à formação da escala musical e ao princípio da harmonia, um dos aspectos do Logos (Criador). Nessa perspectiva o Monumento de Mafra é uma réplica de Heliopolis, a Cidade do Sol. Com efeito, a planta do Monumento de Mafra configura, com base no respectivo módulo regulador ou cânone, o quadrado mágico do Sol. O referido quadrado comporta os primeiros 36 números dispostos segundo uma grelha de 6 x 6, de molde que o valor linear, na horizontal, na vertical ou na diagonal, seja 111 e o valor global 666, também correspondente ao número total de compartimentos ou divisões do Real Edifício!

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Quadrado mágico do Sol (6 x 6) Os quadrados mágicos são instrumentos capazes de captar e virtualmente mobilizar um poder, circunscrevendo-o na representação do número daquele que é o detentor de tal poder. São guarnecidos de números inteiros positivos, diferentes, de modo que a soma dos números que figuram sobre uma mesma recta (horizontal, vertical ou diagonal) seja sempre a mesma.

O carácter solar do edifício é ainda alvo de outras explícitas referências. Um elemento, porém, patente a todos quantos rumam à Basílica, etimologicamente a Casa do Rei, serve à dissipação das hesitações que possam persistir. Qual esfinge, o Carrocel desenhado no empedrado do patim da esplanada do adro que dá acesso ao templo, expressando a iniludível vontade de geometrizar tão característica da época, faculta o seu enigma aos passantes a cujo discernimento e argúcia exige a decifração. De autêntico cosmograma se trata, subtilmente transposto para a Vila de Mafra e, mutatis mutandis, para Portugal inteiro. Dois corpos tangentes, um quadrangular, outro semi-circular, na razão, respectivamente, do espaço e seus quatro horizontes, e do tempo, ritmado pelo movimento circular dos astros (implícito nas esferas ou órbitas dos planetas, nos sete degraus que implicam a semana 17

O Sol físico e da monarquia, como módulo regulador do Monumento de Mafra O Sol, ocupando o centro virtual do Carrocel, configura, em 1730, o modelo heliocêntrico condenado pela Igreja Romana, a qual só noventa anos mais tarde (em 1820) acabaria por o adoptar justamente em substituição do sistema geocêntrico. As quatro faces do quadrângulo "olham em linha recta para os quatro ventos principais e os quatro ângulos dele olham para os quatro intermédios" (frei João de Santana). O grupo de sete degraus implica a semana da Criação (seis degraus + um patamar = Sabat de descanso). A rampa semicircular contém as esferas ou órbitas (coroas circulares brancas) dos seis astros então considerados (sete, contando com o Sol), separadas por coroas circulares pretas, indicadoras do vazio existente entre aquelas. Na coroa circular branca periférica erguem-se vinte e quatro penitentes, simetricamente divididos por um caminho sem sombra, a estrada meridiana do Sol (físico e da monarquia), em dois grupos de doze, na razão das vinte e quatro horas de um dia. O quadrado, cujo lado corresponde à distância entre o ponto central do Astro Rei e a linha externa da coroa circular periférica, é o módulo regulador de todo o Monumento de Mafra.

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e nos penitentes, que são 24, tantos quantos as horas de um dia), fundem-se para se homogeneizar. No centro, o Astro Rei (módulo da Visão de Ezequiel) despede os seus raios em todas as direcções, evocando a imagem de uma roda e desenhando imensa máquina de que o monarca é, concomitantemente, o motor e o eixo, centro imóvel, regulando a acção. Em torno de si evoluem mais ou menos rapidamente, conforme a proximidade ou afastamento, os grandes e os pequenos, numa espécie de fototropismo face ao Corpo glorioso do Sol monárquico, o qual, à semelhança de um relógio, ordenada e ceremonialmente os rege, enquanto membros do seu corpo simbólico. No dia mesmo da aclamação de Dom João V, Manuel Lopes de Oliveira punha a questão nos seguintes termos: "Dia também dos em que o Sol lá dessas altas esferas começa a voltar para este nosso hemisfério seu rosto e seus benéficos raios. E assim El-Rei nosso Senhor, esplendíssimo Sol Oriente da nossa Lusitânia voltando para estes seus vassalos os raios da sua beneficência, queira aceitar os nossos obsequiosos rendimentos"16. Estrutura simbólica da Jerusalém Celeste Topos, como o anterior, muito debatido, cuja formulação tem sido explorada ora com recurso ao di arithmon (provado mediante números) ora ao dia ton grammon (provado com o auxílio de linhas ou construções geométricas) da tratadística greco-latina. A ambas aludirei sucintamente, submetendo-as, em paralelo, ao cânone do Monumento de Mafra. A importância doutrinal da divisão duodecimal no cristianismo, sublinhada por Lucas (VI, 13-17) e Mateus (X, 2), havia de ser retomada pelo Doutor Seráfico, São Tomás de Aquino, o qual faria corresponder os 12 Apóstolos às 12 contemplações da 19

Fé ou artigos do Símbolo, às 12 Tribos, às 12 pedras do peitoral do Sumo-Sacerdote, aos 12 Anjos, aos 12 Patriarcas e às 12 Portas da Jerusalém Celeste. Porém, a repercussão da numerologia sagrada no Monumento de Mafra não se esgota, tão só, neste valor (presente nos seus doze pórticos, ou nas 12 x 12 [144 = Santa Jerusalém] moedas lançadas pelo esmoler do Magnânimo sobre a pedra fundamental). Outro número recorrente, tradicionalmente associado ao eschaton nacional17, merece também uma referência. Trata-se do número 17, sob esta forma, da de algum dos seus múltiplos (34, 51, etc.), ou ainda sob a do seu valor secreto, 153, que exprime a soma dos valores dos nomes dos Apóstolos, fundamentos da Cidade Santa (i. e., 1530), segundo Mateus (9 x 170 [= Nova Jerusalém]) e Lucas (10 x 153 [= Os Espirituais]). Convirá então recordar, meramente a título de exemplo: 1. que o lançamento da primeira pedra do Monumento de Mafra teve lugar no dia 17 de Novembro de 171718. 2. que a Basílica (Casa ou tabernáculo do Rei, que encarna a divindade creditada ao Sol!) conta com 3 + 7 + 7 = 17 lampadários, ou Luzes diante do Trono, nas suas três capelas principais, circunstância naturalmente evocadora da Presença do Todo Poderoso (Shaddai), bem como da teofania de Metraton, Príncipe do Mundo e princípio activo da Shekinah (a presença feminina existente em Deus [= Virgem, também orago da Basílica], que paira sobre a décima séfira, Malkhuth [= Reino], de todos os cabalistas, cristãos incluídos!). 3. que cada uma das pilastras do corpo da Basílica, sustenta uma cornucópia com três velas e uma vez que as pilastras são 34 (17 do lado Norte + 17 do lado Sul) outrora, quando se rezavam matinas solenes, eram acesas 102 velas (i. e., 34 x 3 velas, 20

ou 17 x 6, ou ainda 17 x 3 x 2), conforme informação constante do Real Edifício visto por fora e por dentro (fl. 270) de frei João de Santa Ana. 4. que o Monumento de Mafra possui 17 pára-raios. 5. que cada carrilhão (um na torre do Norte, outro na torre do Sul) tinha primitivamente 51 sinos (3 x 17). Um exame atento ao contexto geomorfológico de Mafra e seus arredores pode ainda revelar-se de enorme pertinência para a corroboração dos contornos semânticos do exposto. Assim: a povoação denominada Paz, outro dos nomes de Salém ou Jerusalém, é contemporânea da fundação da Real Obra; o antigo padroeiro de Mafra, Santo André (do grego: an, andrós, homem, i. e., Adão), situa-se entre João Baptista e a Jerusalém Celeste, encarnando a passagem da Aliança do Sinai à de Cristo, encerrando, por conseguinte, o ciclo da profecia na posteridade de Jacob. O seu papel inscreve-se entre dois mundos (este e o vindouro), duas cidades santas (a terrestre e a celeste), duas portas (da Fé e do Conhecimento Perfeito ou Caridade), dois santos (o Baptista e o Evangelista). Juntamente com Pedro, Tiago e João, foi um dos que colocaram a Jesus a questão primordial quanto à destruição do Templo e ao Fim do Mundo: "Quando hão-de suceder estas coisas? E que sinal haverá de quando todas elas se começarem a cumprir?" (Marcos, XIII, 3-5). Na Jerusalém Celeste toda a Natureza Humana dispersa se reunirá no Adão Primordial, reparador e divino, símbolo da Vida Eterna, expresso na cruz aspada (X) que identifica Santo André com o Sol de Justiça e a Cidade Solar que desce do Alto (X = 10 = Tétractys = número perfeito por excelência)19. * * * 21

Pedra do Mistério da ermida de S. Julião e Sta. Basilissa (Carvoeira) Uma vez os números dos quadrados mágicos substituídos pelas letras correspondentes, obtêm-se pentáculos mágicos. A legenda Ecce Crucem Domini pode querer aludir à Cruz (ou trabalhos) a que o candidato a decifrador se condena para lograr a decifração. Na Biblioteca do Palácio de Mafra encontram-se inúmeras obras pertinentes para a investigação deste género de recreações matemáticas.

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Reservei para o final uma tradição que achei registada pela primeira vez em Paulo Freire20. Refiro-me à Avenida ou Estrada do Sol que se admite haver sido planeada por Dom João V para unir em linha recta o seu Monumento ao Atlântico. O Dr. Carlos Galrão aventa a hipótese de se tratar de uma lenda, talvez desfigurada com o tempo21, inspirada num folheto de Tomás de Pinto Brandão: "[...] E é que há-de vir, da Ericeira direito a Mafra um canal, por onde os barcos caminhem, e seja estrada naval [...]"22. Proponho agora uma explicação diversa. É que traçando uma recta no eixo da Basílica e prolongando-a através da Rua Serpa Pinto, para poente, até atingir o litoral, essa linha une a Real Obra à ermida de São Julião e Santa Basilissa (Carvoeira). Nesse templo, verdadeira antecâmara do de Mafra, porquanto os seus patronos corporizam, conforme as iniciais dos seus nomes atestam, as colunas Jakin e Boaz, acha-se a demonstração definitiva da cubatura do Monumento de Mafra. Com efeito, sob a galilé de São Julião abriga-se a Pedra do Mistério, na realidade a planificação da Pedra Cúbica, cujos quadrados mágicos já transformados em pentáculos, são o corolário da mestria guemátrica de

Monograma de [Manuel] TEIXEIRA, no cruzeiro de São Julião.

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Manuel Teixeira23, ilustre cabalista, quiçá frequentador da Biblioteca do Palácio Nacional, onde os investigadores têm à sua disposição tudo quanto necessitam para refazer o percurso filosófico que proponho. * * * Orientar-se é uma atitude primordial que implica uma relação com o mundo (logo cosmológica), condicionada tanto pela forma específica como cada um se adapta ao espaço como pela cumplicidade que cria com as suas direcções cardeais. Sem tais condicionantes qualquer orientação quer geográfica, quer antropológica, seria inviável. Contudo, e desde uma época anterior à alcançável pela memória humana, todo esse sistema de interacções depende de um único referencial: o Norte celeste ou zénite do universo, a dimensão vertical e transcendente sem cuja vivência interior as dimensões horizontais jamais lograriam adquirir a posição que ocupam. É, todavia, este conceito permutável com o outro mais vulgarizado de Oriente místico, origem e objecto da Demanda Eterna, tão comum na literatura cavaleiresca ocidental (tal como em Os Lusíadas), mas já presente nas instruções facultadas aos mystes do orfismo, ou no poema de Parménides, no qual, guiado pelas filhas do Sol, o poeta empreende uma viagem que tem por destino esse particular Oriente24. Convirá, entretanto, sublinhar que a BPNMafra fica situada no extremo oriente do edifício em que se acha inserida e, à semelhança deste, foi concebida como um autêntico cosmograma, conforme se infere da observação dos respectivos traçados reguladores. 24

Alguns dos traçados reguladores do Monumento de Mafra, obtidos a partir do comprimento do eixo Norte-Sul da Biblioteca.

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Por outras palavras, a sua estrutura e configuração resumem analogicamente as leis e cânones anhistóricos do cosmos25, tal qual estes têm sido tradicionalmente assumidos e legitimados pela prática construtiva, sob uma tripla formulação, sistematizada no Ocidente pelos collegia fabrorum latinos com a denominação de quatro Horizontes, duas Vias e três Recintos26. Clemente de Alexandria proporá a seguinte leitura para a citada fórmula: "De Deus, Coração do Universo, partem as extensões indefinidas que se dirigem, uma para cima, outra para baixo, uma para a frente e outra para trás. Voltando o seu olhar

Sistema mnemotécnico proposto para um mosteiro por Johannes Romberch (Congestorium Artificiose Memorie, Veneza, 1533). Os loci ou lugares mnemotécnicos podem ser representados por arquitecturas complexas, sujeitas a todo o tipo de divisões e estruturas, e assumindo a forma de cidades, templos, palácios, jardins, diagramas geométricos, etc. As cinco partes da Retórica (inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio) são susceptíveis de se subordinar às sete zonas do corpo humano ou aos sete pontos espaciais: fundamento, zénite, nadir, oriente, ocidente, meio-dia e setentrião.

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para cada uma dessas seis direcções cria o mundo. Em Deus se contêm as seis fases do tempo e é dele que elas recebem a sua extensão indefinida. Nisso reside o segredo do número sete". Como cada um de tais enunciados cosmogónicos emerge de um âmbito semântico específico, convém elucidar o respectivo alcance, aplicando-o ao objecto em análise: Quatro Horizontes A sua figura canónica é a cruz, a qual representa, entre outras coisas, os pontos cardeais ou quatro domicílios do Sol no decurso dos seus ciclos quotidiano (dialéctica Dia-Noite ou Luz-Trevas) e anual (quatro Estações e por extensão os doze signos zodiacais). Exprime-se simbolicamente por intermédio da dinâmica circular que insere o factor Tempo (Cardo maximus, braço Norte-Sul ou dos Solstícios: Inverno = Capricórnio e Verão = Caranguejo) no factor Espaço (Decumanus maximus, braço nascente-poente ou dos equinócios: Primavera = Carneiro e Outono = Balança). Duas Vias O Cardo maximus resume-as: segundo Porfírio "O Câncer [Sul] é favorável à descida e o Capricórnio [Norte] à subida"27. Conduzem às portas solsticiais, sendo representadas por Janus, porteiro celeste, o deus bifronte ou Senhor das duas Vias (Y pitagórico = dois Caminhos da Didaché), detentor (como São Pedro) das chaves dourada e prateada dos Grandes e dos Pequenos Mistérios, da Porta dos Deuses ou Empíreo (Janua Coeli = Capricórnio / domicílio de Saturno / Inverno) e da Porta dos Homens ou Hades (Janua Inferni = Caranguejo / domícilio da Lua / Verão)28. São apenas dois os acessos à Biblioteca e acham-se exactamente nas extremidades do eixo Norte-Sul da cruz. 27

O sol no zénite, no centro virtual da BPNMafra (Oriente).

O sol no nádir, desenhado no empedrado do adro da Basílica de Mafra (Ocidente).

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Três Recintos A mundividência suposta nesta tripartição assenta, segundo Georges Dumezil, em três energias ou ordens que garantem o curso do mundo, a saber: a soberania, regida pelo céu e representada pelo templo (oratores ou curatores, o clero, no braço Norte da cruz); a fecundidade que radica no mundo subterrâneo e se materializa no celeiro (laboratores ou povo, no braço nascente-poente); a força que age no mundo terrestre e tem sede no paço (bellatores ou nobreza, no braço Sul da cruz). Nesta trifuncionalidade a que Platão se reporta quando descreve a Alma do Mundo (mistura de três substâncias, uma indivisível outra divisível, ligadas por um misto), se baseia a organização social convencional no antigo Regime, conforme a tese de Georges Duby sobre o imaginário do feudalismo. Sob esta óptica torna-se evidente o significado do Sol colocado no centro virtual do cruzeiro da Biblioteca, em oposição nítida ao desenhado no empedrado que dá acesso à Basílica. Enquanto este se apresenta no nádir, i. e., no extremo ocidente, direcção do mundo inferior ou sensível, aquele ocupa o pólo, omphalos, zénite ou cume no extremo-oriente, simbolizando, portanto, o mundo espiritual ou inteligível, a Luz do Norte, o Sol da meia-noite, o Dia que desponta em plena Noite e que converte em dia essa noite (et nox illuminatio mea in deliciis meis)29. Por extensão, ambos simbolizam, concomitantemente, o Soberano Absoluto (Dom João V), como encarnação entronizada do Astro-Rei, com a missão de tornar lúcida a terra e reconduzir os elementos caóticos à harmonia cósmica: no empedrado de acesso à Basílica sob a forma de Pai da Pátria e Sacra Majestade (Invicta, Pia e Justa), em torno de quem se mostra o mundo todo a seus pés; no 29

cruzeiro da Biblioteca como Sempre Augusto, recapitulando a História à Luz da Eternidade. Pertinente é também a circunstância de, cerca de meados de setecentos, nos acharmos em Portugal perante representações heliocêntricas do universo, não consentâneas com a doutrina oficial da igreja, a qual só em 1820 as adoptaria em alternativa ao até então ortodoxo geocentrismo30. E é uma vez chegados a este ponto, que a mnemotecnia revela o papel superlativo que desempenha como retórica geometrizante do espaço da BPNMafra. Não é, decerto, esta a ocasião para expor detalhadamente as diferentes acepções assumidas pelo exercício da mnemotecnia desde os seus alvores. Não posso, no entanto, deixar de anotar algumas das facetas fundamentais desta Arte apadrinhada por Mnemosis, mãe das nove Musas, também conhecida por Memória de ferro, Arte da Memória e Memória artificial (por oposição à memória congénita ou natural, cujo adestramento visava). Foi Simónides de Ceos (556-468 a. C.) o primeiro a formulá-la sob a forma de um sistema de tópicos. Todavia, tal sistema só se tornaria relevante graças a um trágico acidente ocorrido durante um banquete para o qual fora convidado por Escopas, rei da Tessália. Simónides participava na festa quando um mensageiro chegou com um recado para si, o que o fez sair da sala para o receber. Pouco depois o tecto desta caía sobre o anfitrião e os convivas, ficando os cadáveres de tal modo desfigurados que se tornou impossível reconhecê-los. Solicitado a colaborar no processo de identificação, Simónides reconstituiu o cenário até ao momento do acidente, assinalando o lugar preciso ocupado à mesa por cada conviva e demonstrando a excelência do seu método, que advogava ser mais fácil recordar 30

objectos, situações e eventos quando é possível reportá-los a lugares conhecidos. O método proposto por Simónides grangeou uma legião de adeptos e continuadores, alguns dos quais lhe introduziram alterações e aperfeiçoamentos. O sofista Hipias parece encabeçar a lista, que regista o nome de Metrodoro da Ásia, amigo de Epicuro, como introdutor de 360 lugares inspirados nos 12 signos do zodíaco, em substituição das imagens dos edifícios e compartimentos de Simónides. Em Roma, onde a retórica (constituída por cinco partes: inventio, dispositio, elocutio, memoria e pronuntiatio) gozou de enorme prestígio, Cícero (De oratore [BPNMafra: 2-19-2-2]), o anónimo autor da principal fonte tradicional da mnemotecnia, intitulada Ad C. Herennium [BPNMafra: 2-20-7-8 e 2-207-10], e Quintiliano (Institutio oratoria [BPNMafra: 1-13-7-6; 2-20-8-1 e 2, etc.]) deram-lhe enorme impulso, sendo ulteriormente considerados os decanos da Arte da Memória. Na prática, a técnica mnemónica que propuseram associa dois métodos, o dos lugares e o das imagens ou pinturas (Constat igitur artificiosa memoria ex locis et imaginibus). O primeiro consiste em instituir uma topologia concreta, destinada a armazenar argumentos, sentenças, hieróglifos, emblemas, etc., ao passo que o segundo propõe a eleição de um elenco de imagens (res picta) a cada uma das quais possa ser associado um conceito ou uma palavra31. Até ao séc. XIII, salvo uma breve referência de Martianus Capella (410-439), no De nuptis Philologiae et Mercurii, nada consta sobre a utilização de regras mnemónicas. Nessa centúria, Rogério Bacon (1214-1294) redige a Arte memorativa e Raimundo Lúlio (1235-1346) a sua Ars Generalis [BPNMafra: 2-19-4-5 e 6]. Cerca dos finais de qua31

trocentos, Pedro de Ravena causa sensação em Itália com as suas proezas mnemónicas tidas por nigromânticas por alguns. A Phoenix Artis Memoriae (Veneza, 1491) deste mnemotécnico teve diversas edições num período de poucos anos, merecendo ainda destaque a Oratoriae artis epitome (Veneza, 1482) de J. Publicius, a Epitoma in Utramque Ciceronis Rhetoricam cum Arte Memorativa Nova (1492) de Conrado Celtes ou o Congestorium Artificiose Memorie (1520) de Johannes Romberch, não esquecendo, todavia, Pedro Ciruelo (De Arte Memorandi), frei Bartolomeo de S. Concórdio (Trattato della Memoria artificiale), Guillermo

A retórica clássica concebe o orador como construtor de um espaço mental próprio, no qual armazena, por ordem e consoante uma determinada disposição, uma série de figuras que contêm as palavras, os conceitos, bem como a estrutura do discurso.

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Grataroli Bergomatis (De Memoria Libellus), Lodovico Dolci (Dialogo di Memoria), Cosme Ronello (Thesaurus Artificiosae Memoriae), etc. Com efeito, seria simplesmente fastidioso prosseguir na enumeração dos propagandistas da Arte da Memória até à actualidade, ainda que apenas reportando-me aos mais notáveis32. Reservo, portanto, o destaque para os portugueses, de entre os quais saliento, meramente a título exemplificativo: um tal Adrião, Mestre da "Arte de Reymonde"33, frei Isidoro de Ourém34, Álvaro Francisco de Vera35, frei Francisco de Santo Agostinho Macedo36, padre Cristóvão Bruno37, frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas38, António Pereira Ferrea Aragão39, J. F. e A. M. de Castilho40, António Feliciano de Castilho41 e Martins Oliveira42. Mas adivinho no meu leitor a impaciência própria de quem espera uma explanação cabal, tal como a adiantada para caracterizar a vertente cosmológica, acerca do modo como a mnemotecnia influiu na disposição e organização da BPNMafra. Um princípio de resposta pode ser entrevisto na exposição atribuída ao próprio Simónides sobre o método de aplicação da sua combinatória: "[...] deveis figurar na vossa mente a imagem de um edifício de três corpos divididos cada um deles em aposentos, e cada compartimento há-de estar designado por uma letra, uma palavra ou o nome de um animal que sirva de ponto de referência para pensar no respectivo compartimento. Em cada compartimento imaginemos cinquenta lugares numerados, distribuídos como segue: Nove números ocuparão cada uma das quatro paredes e o pavimento, ou seja um total de 45. O número 50 colocar-se-á no centro do tecto. Na parede fronteira à porta de entrada estarão os números de 1 a 9; na parede direita, os de 11 a 19; na da esquerda, de 21 a 29; na outra, de 31 a 39; e 33

no pavimento de 41 a 49. Os números 10, 20, 30 e 40 colocar-se-ão no tecto, precisamente em cima das respectivas paredes dos números dez, vinte, trinta e quarenta. Se for preciso aumenta-se o número de compartimentos mobilando-os imaginativamente a tal ponto que, como têm feito alguns dos meus discípulos, podeis figurar mentalmente bairros inteiros de edifícios imaginários com os seus diversos aposentos. Uma vez que tenhais construído este arquivo mnemotécnico podereis utilizá-lo para visionar milhares de objectos, vocábulos ou ideias que queirais recordar, para o que bastará imaginá-los situados em um dos números do aposento, como o lugar que ocupa um comensal a uma mesa ou um colegial no dormitório. Quando chegardes a estar senhores deste sistema sereis capazes de recordar milhares de nomes de coisas sem relação entre si, pois esta incongruência é suprida pela associação do objecto com o lugar que ocupa no compartimento imaginário". Partindo do pressuposto indiscutível que o organizador da BPNMafra, frei João de Santa Ana, dominava as regras da Arte da Memória, mesmo assim não creio ser possível saber com rigor se o sistema de Simónides lhe era familiar, nem tão pouco quais os mnemotécnicos que o terão inspirado. As fontes disponíveis na BPNMafra constituem uma substancial colecção dos melhores autores sobre a matéria em apreço43, mas não está, igualmente, posta de parte a possibilidade de ter sido compulsada bibliografia inexistente no acervo mafrense ou, quiçá, havido colaboração de mnemotécnicos religiosos ou leigos activos em Portugal na época. Ocorre-me como possível inspirador do bibliotecário arrábido o nome do bispo de Évora, frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, cuja actividade como organizador da biblioteca do Convento de Jesus, segundo cânones idênticos, lhe 34

A escada da Subida e da Descida, segundo o Liber de ascenso et descensu intellectus (Valência, 1512) de Raimundo Lúlio.

não era decerto estranha44, tal como as suas preocupações relativamente ao sistema da ciência (como diria Fichte) concebido por Raimundo Lúlio45. Que a Arte luliana tinha cultores também em Mafra é um dado adquirido, rastreável nas Conclusões de Filosofia dos Reais Estudos aí instalados46. Resta extrair as ilações adequadas dessa circunstância. Antes, porém, é conveniente sublinhar que a Arte luliana é algo mais que um mero artifício dialéctico, ultrapassando em muito qualquer estrita metodologia do pensamento. Trata-se, na verdade, de um conjunto de estruturas sistémicas e escalonadas dirigido para o conhecimento, encurtando o percurso e facilitando o exercício intelectual. Suposta uma recta intenção, a Arte luliana exige aprendizagem e treino simultâneos, com o intuito 35

de atribuir a cada conceito o lugar e a figura que lhe convêm. Para alcançar esse desiderato o praticante dispõe de uma tábua de 84 combinações ternárias, cada uma delas cabeça de 20 câmaras, num total de 1680 câmaras (84 x 20), curiosamente, apenas mais

1. Tábua das 84 combinações ternárias da gramática mnemotécnica de Raimundo Lúlio. Cada uma delas é a cabeça de 20 câmaras, perfazendo um total de 1680 câmaras (84 x 20). 2. As 20 câmaras da primeira coluna da Tábua.

quatro que o número total de casas (536 + 1140 = 1676) da BPNMafra! No que concerne à arrumação das matérias, confrontem-se as duas plantas anexas (Estantes 36

inferiores e Estantes superiores) e suas respectivas legendas para se constatar o jogo das polaridades e a harmonia dos contrários no seio da organicidade geral. Eis-nos, pois, face à BPNMafra, na presença de um espectacular exemplo do tão propalado visualismo barroco, dirigido à formação da memória e à persuasão por meio do pathos.

A associação dos lugares às imagens ou pinturas, preconizada pela generalidade dos mnemotécnicos, esteve prevista na BPNMafra: as molduras como aquela aqui observável, eram destinadas aos retratos dos mais ínsignes tutelares de cada uma das disciplinas do trivium e do quadrivium.

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Os mármores do piso na zona do cruzeiro da BPNMafra formam um mosaico comparável a uma rosa de marear.

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ESTANTES INFERIORES Na Ordem inferior a BPNMafra possui LIV estantes, com I a XII prateleiras cada, perfazendo um total de 536 casas. As quatro ordens das LIV estantes contam-se de baixo para cima e da direita para a esquerda. 1 - Textos e Versões da Escritura Sagrada 2 - Filologia Sagrada 3 - Intérpretes da Escritura Sagrada 4 - Idem 5 - Teologia Parenética ou Sermões 6 - Concílios, Constituições e Cânones Apostólicos 7 - Direito Canónico Universal 8 - Idem 9 - Direito Canónico Universal e Particular 10 - Direito Eclesiástico Regular. Constituições das Ordens Religiosas e dos Bispados de Portugal, etc. 11 - Dicionários vários 12 - Autores Clássicos e Oradores Gregos e Latinos 13 - Idem 14 - Poetas Gregos, Latinos e Italianos 15 - História Literária e Bibliográfica 16 - História Tipográfica, Académica, Memórias da Academia Francesa 17 - Poligrafia e Simbologia 18 - Medicina, Cirurgia e Farmácia 19 - Filosofia 20 - Matemáticas e História Natural 21 - Direito Natural, Público e Romano 22 - Jurisprudência Civil em geral 23 - Idem 24 - Jurisprudência Universal. Consultas e Decisões de Direito 25 - Conselhos de Direito Civil 26 - Vários tratados de Jurisprudência 27 - Vários tratados de Direito Civil 28 - Direito Civil Alemão, Francês, Inglês e Espanhol 29 - Direito Civil Lusitano 30 - Direito Civil dos Reinos de Itália 31 - Teologia Moral 32 - Geografia e Viagens 33 - História de Portugal em geral e particular 34 - História Genealógica 35 - História de Espanha em geral e particular 36 - História da Inglaterra e de outros Reinos 37 - História da França em geral e particular

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38 - História Germânica, Romana, Numismática e Lapidária 39 - Antiguidades Romanas e História de Itália 40 - História Grega e Antiguidades da Itália 41 - História Universal e Cronológica 42 - História Monástica e Religiosa 43 - História Religiosa 44 - História Santa ou Vidas de Santos 45 - História Eclesiástica de diversos reinos 46 - História Eclesiástica Universal 47 - Teologia Litúrgica em geral e particular 48 - Teologia Dogmática 49 - Teologia Polémica 50 - Escritores Eclesiásticos 51 - Santos Padres da Igreja Romana 52 - Monumentos e Escritores da Igreja Grega e Latina 53 - Santos Padres e Escritores da Igreja Grega 54 - Prolegómenos da Escritura Santa, Física e Poligrafia Sagrada

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ESTANTES SUPERIORES A galeria ou Ordem superior da BPNMafra possui LXXXII estantes, com I a XVIII prateleiras cada, perfazendo um total de 1140 casas. As seis ordens das LXXXII estantes contam-se de cima para baixo e da esquerda para a direita. A varanda, situada a 3,30 m do solo, tem parapeito de balaustres, assente em mísulas de talha, avançando sobre o salão cerca de 1,15 m. As pilastras que dividem as estantes superiores são encimadas por fogaréus, não tendo nunca sido concretizado o projecto dos Cónegos Regrantes de fazer pintar com destino às molduras situadas sobre os títulos das disciplinas, os bustos dos autores mais ilustres dos ramos do saber representados em cada estante. 1 - Bíblias, Filologia Sagrada e História da Vida de Jesus Cristo 2 - Expositores do Antigo e Novo Testamento 3 - Expositores do Antigo e Novo Testamento. Instruções sobre as Epístolas e Evangelhos do Ano 4 - Expositores do Novo Testamento, Homílias e Meditações sobre as Epístolas e Evangelhos de todo o Ano 5 - Homílias sobre os Evangelhos das Domínicas e Festas do Ano 6 - Teologia Parenética. Homílias e Sermões Latinos e Italianos 7 - Homílias e Sermões Franceses 8 - Sermões Espanhóis 9 - Idem 10 - Sermões Portugueses 11 - Idem 12 - Teologia Catequética 13 - Teologia Mística em geral 14 - Meditações Místicas e Tratados diversos 15 - Vária Miscelânea Mística, Novenários, etc. 16 - Direito Canónico em geral e particular 17 - Direito Canónico Regular e Estatutos das Ordens Religiosas 18 - Gramática Hebraica, Grega e Latina 19 - Gramáticas e Dicionários das Línguas da Europa 20 - Retórica e Eloquência 21 - Eloquência Oratória e Poética 22 - Poetas Gregos e Latinos 23 - Poetas Italianos, Franceses, Ingleses e Alemães

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24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68

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- Poetas Espanhóis e Portugueses - Poesia - História Bibliográfica - História Literária em geral e particular - História, Actas e Memórias Académicas - Poligrafia, Cartas e Miscelânea Erudita - Medicina em geral e particular - Idem - Cirurgia, Anatomia, Química, Farmácia e Botânica - História Filosófica e Filosofia Antiga e Moderna - Filosofia Moderna em geral - Lógica, Metafísica e Ética - Economia Política e Diplomática - Física e História Natural em geral - História Natural em particular, Agricultura, Botânica - Matemática em geral e particular - Astronomia e outros Tratados de Matemática - Artes Liberais e Mecânicas - Jurisprudência Civil em geral - Diversos Tratados de Direito Civil - Miscelânea - Direito Civil Germânico, Francês e Espanhol - Vários Tratados de Direito Civil - Legislação Portuguesa - Direito Civil Lusitano - Vária Miscelânea Proibida - Idem - Idem - Geografia e Viagens - Idem - História e Literatura Portuguesa - História Portuguesa em geral e particular - História da Espanha em geral e particular - História da Inglaterra, Rússia e outros Reinos do Norte - História da França em geral e particular - História Germânica, Romana e dos Ducados de Itália - Antiguidades Romanas. História Grega e Peregrina - História Universal e Jornais, Gazetas e Mercúrios - História do Mundo e de todos os Tempos - História Universal e Princípios Cronológicos para o seu estudo - História das Pessoas Ilustres e das religiões militares - História das Religiões Monacais e Mendicantes - História Santa ou Vidas de Santos - História Eclesiástica Francesa, Espanhola e Portuguesa - História dos Hereges, Concílios e Disciplina da Igreja

69 - História Eclesiástica em geral e particular dos Pontífices, Cardeais, Arcebispos e Bispos 70 - História Eclesiástica em geral e do Povo de Deus em particular 71 - Liturgia em geral e particular 72 - Vários Tratados dos Sacramentos. Exame de Bispos 73 - Teologia Moral em geral e particular 74 - Sumas, Compêndios e Resoluções de Moral 75 - Teologia Moral 76 - Teologia Polémica 77 - Teologia 78 - Teologia Dogmática em geral. Tratados de Deus Uno, Trino, da Encarnação e da Graça 79 - Teologia Dogmática em geral 80 - Idem 81 - Teologia Dogmática em geral e particular 82 - Santos Padres e Escritores Eclesiásticos e Intérpretes da Sagrada Escritura

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NOTAS 1

Por ocasião da publicação do Decreto-Lei, n. 28107, de 23 de Outubro de 1937, que mandou abrir a BPNMafra à leitura pública, Júlio Dantas afirmaria que "constitui uma importante biblioteca de conservação, de tipo erudito e de sistematização setecentista", importando "restituí-la à plenitude da sua função, como instrumento de cultura; abri-la à leitura dos estudiosos; e realizar, em harmonia com as aquisições da moderna ciência biblioteconómica, mas sem prejuízo do carácter especial e do interesse histórico desta antiga biblioteca portuguesa, todas as operações de conservação, de organização e de utilização destinadas a assegurar o exercício da função que lhe é própria". Cf. Anais das Bibliotecas e Arquivos, v. 12, n. 49-50 (Jul.-Dez. 1937), p. 161. 2 Os cerca de 34800 livros que a compõem, se dispostos linearmente em fila ininterrupta, alcançariam 1350 metros, i. e., dariam volta e meia ao Monumento. 3 Cf. A Casa da Livraria do Palácio Convento de Mafra, in Boletim Cultural ’92, Mafra, 1993, p. 17-21. 4 Ver Catálogo da Real Livraria de Mafra, prefácio, in v. 1. 5 Em nome de uma sã e recíproca amizade de muitos anos, não posso deixar de lamentar o recuo que significa, face à investigação desenvolvida e publicitada (apesar de não sufragada corporativamente!) durante a última decada, o teor das considerações dedicadas ao Monumento de Mafra por Vítor Serrão, in História da Arte em Portugal: o Barroco, Lisboa, 2003, parte 2, cap. VI, p. 181-186. 6 Outro exemplo de tais preocupações, numa perspectiva castelhana, é o mosteiro do Escorial. Cf. René Taylor, Architecture and Magic: considerations on the Idea of the Escorial, in Essays, Nova Iorque, 1967 e Hermetism and Mystical Architecture in the Society of Jesus, in Baroque Art: the Jesuit contribuition (ed. Irma B. Jaffe), Nova Iorque, 1972, p. 63-97. 7 Cf. Manuel J. Gandra, Da Face Oculta do Rosto da Europa, Lisboa, 1998, especialmente o capítulo terceiro, p. 67-102. 8 Oraculo Prophetico, prolegomeno da Teratologia, ou Historia Prodigiosa, em que se dá completa notícia de todos os Monstros, composto para confusão de pessoas ignorantes, satisfação de homens sábios, exterminio de profecias falsas e explicação de verdadeiras profecias. Parte Primeira, em que se exterminão as profecias falsas. Consagrada a Marte como quinto entre os Planetas, Lisboa Ocidental, 1733, p. 91. 9 Idem, p. 92-95. 10 Manuel J. Gandra, Bibliografia Mafrense III. Impressos até 1800, Mafra, 1994. Quadro 10 de Da Face Oculta do Rosto da Europa, p. 119.

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Cf. António Vieira, Sermão de Santo António pregado na festa que se fez ao Santo na Igreja das Chagas de Lisboa aos 14 de Setembro 1642, in Sermões, v. 7, p. 145. 12 [BPNMafra: 1-54-1-2 / 4]. Do autor existem no mesmo acervo as Explanationes in 22 posteria capita Ezechielis [BPNMafra: 1-54-4-15]. Sobre o assunto ver os minuciosos estudos de René Taylor, citados na nota 6. 13 1 Reis, V a VII. 14 A fortuna ininterrupta do Templo de Salomão entrou intacta, senão ainda mais prolífica, no séc. XVIII. No período compreendido entre o primeiro quartel de seiscentos e 1725 é possível contabilizar cerca de duas dezenas de títulos dedicados ao topos, dos quais se destacam: Filipe de Aquino, Discours du tabernacle et du Camp des Israelites recueily de plusieurs ancien Docteurs Hébreux, Paris, 1623 [BPNMafra: 2-1-14-16]; Jacob Jehudah Abravanel de Leon, Retrato del Templo de Selomoh, Middelbourg, 1642; Nikolaus Goldmann, Sciographia Templi Hierosolymitani, Lipsia, 1694; Roland Fréart de Chambray, Paralèle de l'architecture antique avec la moderne, Paris, 1650; John Lightfoot, The Temple, especially as it Stood in the Dayes of Our Saviour, Londres, 1650; Louis Cappel, Trisagion, sive Templi Hierosolimitani triplex delineatio, in Brian Walton, Biblia Sacra Polyglota [...] cum Apparatu, Appendicibus, Tabulis, v. 1, 1657; Claude Perrault, ilustrações da versão latina da Mishneh Torah de Maimónides, 1678; Juan Caramuel Lobkowitz, Architectura civil recta y obliqua [...] promovida a suma perfeccion en el Templo y Palacio de S. Lorenço cerca del Escorial [...], Vigevano, 1678; L. Christoph Sturm, Die Unentbarliche Regel der Symetrie oder des Ebenmasses, 1718-1720; Bernard Lamy, De Tabernaculo Foederis, de Sancta Civitate Jerusalem et de Templo eius Libri septem, Paris, 1720; J. B. Fischer von Erlach, Entwurff einer historischen Architektur, Viena, 1721; Isaac Newton, Prolegomena ad Lexici prophetici partem secundam (1725?). Acerca da produção intelectual e artística com relação ao tema, ver Ugolino Blasio, Thesaurus Antiquitatum Sacrarum complectens selectissima clarissimorum Virorum Opuscula in quibus veterum Hebraeorum mores, leges, instituta, ritus sacri et civiles illustrantur, Veneza, 1744-1769, 34 vols. Quanto ao engenho luso, preparo estudo. Ver, entretanto, Rafael Moreira, Novos dados sobre Francisco de Holanda, in Sintria, I-II (1982-1983), p. 619-692. 15 Papa = VICARIVS FILII DEI = V (5) + I (1) + C (100) + I (1) + V (5) + I (1) + L (50) + I (1) + I (1) + D (500) + I (1) = 666. 16 Cf. Número Vocal, exemplar católico, Lisboa, 1702, p. 407. 17 Manuel J. Gandra, A Cristofania de Ourique: mito e profecia, Lisboa, 2002. 18 Até o Guia Baedeker (Lípsia, 1898) anota a referência ao cúmulo

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do número 17 (a sua tripla ocorrência) na data do lançamento da primeira pedra do Monumento de Mafra. 19 Manuel J. Gandra, Apocalipse de Esdras: ecos nas letras e na arte portuguesas, Mafra, 1994. 20 Mafra, in Guia de Portugal, v. 1, Lisboa, 1924, p. 567. 21 O Concelho de Mafra (27 Mar. 1937). 22 Descrição de Mafra: Romance, Lisboa, 1725. 23 O seu apelido cifrado encontra-se gravado em baixo-relevo no cruzeiro das Almas, situado junto à ermida. Surge citado no testamento de João Fernandes da Conceição, ermitão de S. Julião (2 de Dezembro de 1764 [AHM]), falecido no ano de 1766. 24 Na língua portuguesa as palavras nortear e orientar fazem jus à importância transcendente do Norte e do Oriente, não existindo palavras correlatas para o Sul e o ocidente. A ideia é igualmente consagrada nas rosas de marear patentes na cartografia nacional. Cf. informação complementar em Lima de Freitas, Orientações: notas para uma hermenêutica das direcções do Espaço, in A Simbólica do Espaço: cidades, ilhas, jardins, Lisboa, 1991, p. 249-265. 25 Ver do subscritor, A Ideia do Monumento de Mafra: Arquitectura e Hermetismo, in Bol. Cultural ’94, Mafra, 1995, p. 11-78. 26 Para a aplicação dos mesmos preceitos à Baixa pombalina, ver Manuel J. Gandra, A Praça do Real Arco demonstrada, in Monumentos, n. 1 (Set. 1994), p. 35-40. Para o caso de Tomar consulte-se o Projecto de Salvaguarda do Centro Histórico daquela Cidade, sucintamente exposto no ensaio Anotações para a devolução do compasso aos Olhos, in Da Vida, da Morte e do Além: aspectos do Sagrado na região de Mafra, Mafra, 1996, p. 30-31 e in Portugal Misterioso, Lisboa, 1998, p. 337-343. 27 Segundo um axioma consagrado por Homero, no episódio da gruta de Ítaca incluso na Odisseia, as almas "descem" pela porta Sul ou dos Homens (Caranguejo) e "sobem" pela porta Norte ou dos Deuses (Capricórnio) do Zodíaco. No cristianismo, o simbolismo da escada de Jacob encerra a mesma ideia, tendo inspirado patriarcas e doutores. Cf. São Jerónimo, In Ecclesiastem, in Patrologia Latina, v. 23, col. 1049. O tema ocorre igualmente na Regra de São Bento, quiçá inspirado na representação dos dez graus de humildade descritos por Cassiano (De Coenobiorum Institutio, IV, 34), e no De Gradibus Humilitatis et Superbiae de São Bernardo. 28 Janus é também conhecido por Mestre do triplo tempo, sendo por vezes representado com três rostos, na ordem do passado, do eterno presente e do futuro. Outro dos seus atributos é a barca, também atributo de São Pedro. 29 Trata-se de uma distinção fundamental na gnose valentiniana. Dirigir-se para Oriente é, no sistema deste gnóstico, sinónimo de subida para o pólo. A expressão cognitio matutina (ou oriental), que ocorre em Santo Agostinho e foi igualmente adoptada pelo

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hermetismo do Renascimento, opõe-se, pela mesma ordem de razões, à cognitio vespertina (ou ocidental), típica do homem exterior e sensível. 30 A adopção da elipse pela arquitectura é ainda consequência das teses copernicianas. Ver Casa do Capítulo, vulgo Sala Elíptica, do Convento de Mafra. 31 Esquemas mnemotécnicos têm sido detectados e estudados em igrejas e conventos, em palácios, na arte efémera (festas, entradas régias, exéquias, canonizações, etc.), na literatura emblemática (pegmas, empresas, alegorias, enigmas, cânones musicais e diagramas místicos), no teatro (teatros da Memória), na oratória e até na actividade evangelizadora e missionária, designadamente na dos jesuítas, etc. Cf. Fernando R. de la Flor, La imagen leída: retórica, Arte de la Memoria y sistema de representacion, in Lecturas de Historia del Arte, v. 2, Vitoria-Gastriz, 1990, p. 102-115. 32 Para uma mais extensiva informação, apesar da omissão de quaisquer referências à mnemotecnia na Península Ibérica, ver Frances A. Yates, The Art of Memory, Londres, 1978. 33 Testemunha de um emprazamento, datado de 1431 [ANTT: Col. Especial, caixa 142], feito pelo agostinho frei Afonso de Lisboa, no convento lisboeta da sua Ordem, de umas casas sitas na freguesia de Santo Estêvão que pertenciam a Álvaro Vasques e sua mulher, Maria Esteves. Cf. Sousa Viterbo, Dicionário de Arquitectos, v. 3, Lisboa, 1922, n. 1035, p. 156-157. 34 Cf. Ars demonstrativa et inventiva Raymundi Lulli, citada por Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, v. 2, p. 843-844. De outro religioso bernardo anónimo, cf. Compendium Artis demonstrativae [BN: cod. alc. 203]. 35 Cf. Memória artificial ou modo para adquirir memoria por arte, in Orthografia ou modo para escrever certo na língua Portuguesa, Lisboa, 1631, fl. 57-76. 36 Padre Ilídio de Sousa Ribeiro, Fr. Francisco de Santo Agostinho de Macedo: um filósofo escotista português e um paladino da Restauração, Coimbra, 1952. 37 Jesuíta, professor da Aula da Esfera do Colégio de Santo Antão (1627-1630). As suas lições incluíam a Arte de Navegar, a Nova Astronomia e uma breve exposição sobre a Arte da Memória [BGUC: ms. 44; BPÉv: ms. CXVI / 1-17]. 38 Francisco da Gama Caeiro, Frei Manuel do Cenáculo: aspectos da sua actuação filosófica, Lisboa, 1959, p. 25-28, 32-24, 129-133, 221227, 229-231, etc. Ver do próprio Cenáculo: Advertencias criticas e apologéticas sobre o juizo que nas materias do B. Raymundo Lullo formou o dr. Apollonio Philo-muso, e communicou ao publico em a resposta ao Retrato de "morte-côr", que contra o auctor do "Verdadeiro Methodo d’estudar" escreveu o reverendo D. Alethophilo Candido de Lacerda, Valença, 1752 e Coimbra, António Simões, 1752 (anónima).

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Em cartas de 1754 e 1755, o cisterciense espanhol frei António Raimundo Pascoal, professor na Universidade luliana de Maiorca, refere o propósito de Cenáculo de introduzir a Filosofia de Lúlio em Portugal e a repugnância dos dominicanos em aceitar a doutrina do Doctor Illuminatus acerca da Imaculada Conceição. Cf. BPÉv: ms. CXXVII /1-3, p. 15-16 e padre Manuel Gonçalves da Costa, Inéditos de Filosofia da Biblioteca de Évora, in A Cidade de Évora, n. 23-24 (Jan.-Jun. 1951), p. 34-37. 39 Nascido em 1801, faleceu no ano de 1857. Foi Doutor em Matemática pela Universidade de Paris, professor de Humanidades e escrivão do Tribunal da Relação de Lisboa. Autor de extensa produção literária, de que se destaca o drama original A Rainha Santa Isabel e D. Diniz (Lisboa, 1854) e, designadamente, o Diccionario Mnemothecnico, e hum breve resumo das regras mais importantes da arte de ajudar a memória (Lisboa, 1850) e a Arte Latina Mnemothecnica para aprender a declinar e conjugar rapidamente, e a traduzir com facilidade (Lisboa, 1852), obras nas quais, segundo Inocêncio, alargou os limites da mnemotécnica, "introduzindo e desenvolvendo fórmulas de sua composição e combinações fecundas e vantajosas". 40 Cf. M. de Castilho, Recueil de Souvenirs du Cours de Mnémotechnie, Saint-Malo, 1831; J. F. de Castilho, Traité de Mnémotechnie ou Exposition des principes de cet Art et de ses principales applications, Paris, 1832 ; A. M. de Castilho / J. F. de Castilho, Dictionnaire Mnémonique, Lyon, 1834 (5ª ed.). 41 Tratado de Mnemónica ou Methodo facilimo para decorar muito em pouco tempo, Lisboa, 1851 e 1909-1910 (3 vols.). 42 Cf. Magia Teatral, Porto, 1948 (2 vols.). 43 A Filosofia Hermética em Portugal e no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Bol. Cultural ’93, Mafra, 1994, p. 58-59. 44 Planeada em 1768 por frei Manuel do Cenáculo, em colaboração com o arquitecto Joaquim de Oliveira. Iniciada a 12 de Fevereiro de 1771 e concluída em 1800. Também a Biblioteca dos Paulistas, em Lisboa, se presume posterior a 1763, porquanto Baptista de Castro (Mapa de Portugal) referindo-se nesse ano às obras em curso no convento, não a menciona. Cf. Carlos Azevedo, Some portuguese Libraries, in The Connoisseur Year Book (1956), p. 31-39. 45 Frei Manuel do Cenáculo é, consabidamente, tido pelo reintrodutor do lulismo em Portugal. Ver nota 38. Para o arrolamento da obra luliana sobre a Arte da Memória no acervo da BPNMafra, ver Manuel J. Gandra, O Monumento de Mafra de A a Z, v. 1, Mafra, 2002, p. 219. 46 Os Reais Estudos de Mafra foram criados por Dom João V, tendo sido inaugurados com toda a solenidade, a 14 de Fevereiro de 1737, na presença do fundador. Para uma primeira abordagem da questão em apreço, ver do subscritor: Bibliografia Mafrense: impressos até 1800, in Boletim Cultural ’98, Mafra, 1999, p. 800-807.

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A BIBLIOTECA DO PALÁCIO NACIONAL DE MAFRA resenha histórico-cronológica e bibliográfica

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1735 Na Biblioteca Sousana (Colecção dos Documentos, Estudos e Memórias da Academia Real da História Portuguesa, 1735) dá o 4º Conde da Ericeira notícia do modo como foi feita a catalogação da Livraria Real, repartida pelas bibliotecas das Necessidades e de Mafra: a D. Francisco Xavier de Meneses coube a catalogação do acervo relativo às matemáticas e às artes; a D. Manuel Caetano de Sousa, a parte relativa à Bíblia e aos seus expositores; a João da Mota e Silva, os livros de Teologia; a Francisco Xavier Leitão, as obras de filosofia e medicina; ao Marquês de Alegrete, a parte referente à filosofia; ao Marquês de Abrantes, as obras de história (ver Silvestre Ribeiro, História dos Estabelecimentos Científicos, Literários e Artísticos em Portugal, v. 1, p. 177-179). 1736 Frei Matias da Conceição inicia a elaboração da Biblioteca Volante, colecção de folhetos (47 dos quais cópias manuscritas) encadernados em 164 volumes. Servindo de exórdio ao primeiro volume da sua colecção, afirma: "Damos a este género de escritos a denominação de Biblioteca Volante, pela celeridade com que depois de impressos desaparecem; pois antes de um ano de existência não é fácil achá-los, senão em as mãos de alguns curiosos, que por preço algum os querem largar. Para se alcançarem os que neste e em outros tomos ofereço aos leitores se multiplicaram as diligências e se fizeram as indagações mais esquisitas. Deste trabalho não espero nem vitupério, nem louvor; louvor, não, porque não o mereço nem o procuro; vitupério, também não, porque o estilo e assuntos desta obra nada é meu. Porém, se a implacável austeridade dos leitores começar a roer, perguntando para que é esta papelada na Livraria? Responderei que a minha tenção não é obrigar aos Zoilos e Aristarcos 53

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a que gastem o seu tempo em os ler. Se não gostarem da lição, fechem o livro, restituam ao seu lugar, que não faltarão outros de ânimo mais sincero, que gostem do que eles se enfadam e colham fruto do que se julga por inútil, escusado". 1744 Ignora-se o destino que Dom João V tencionava dar à sala onde foi posterior e definitivamente instalada a Biblioteca. Corre por tradição que se destinaria à recepção de embaixadores. Contudo, Guilherme de Carvalho Bandeira na sua Relação do Convento de Santo António de Mafra, encetada em 1730, afirma que a livraria com carácter provisório se acha instalada em duas grandes casas do 3º pavimento, "por não estar acabada a principal com o último adorno, que fica no 5º e último plano, no lance onde se completam os quatro dormitórios e ainda se acha muito imperfeita". Acrescenta que o tecto se encontra revestido de "mármore branco de distintos lavores". 1751 Frei João de São José do Prado descreve a "famosa Casa da Livraria" já na actual localização (Monumento Sacro, p. 133-134), desconhecendo-se quer a forma como se achava organizada, quer qual a disposição da estanteria. A Biblioteca segundo o Monumento Sacro Fica a famosa casa da livraria no quarto dormitório da parte do nascente, tem de comprimento trezentos e oitenta e um palmo e de largo quarenta e três; faz no meio uma figura de cruz, na qual para a parte da cerca tem três janelas grandes de vinte palmos de alto sendo a do meio de volta no fecho com cimalha redonda de vistosos filetes; dos lados nesta parte tem duas janelas 55

iguais a estas para a mesma cerca; na parte fronteira tem as mesmas três grandes janelas com a fachada para o jardim, e as duas dos lados são duas portas, que entram cada uma em sua casa de cada parte, as quais têm cada uma três janelas para o jardim; e são para livraria de manuscritos; tem da parte da cerca dezoito janelas grandes iguais da galeria, ficando as três grandes no meio. É esta casa pelo tecto toda apainelada de vários debuxos sacados fora, e obrados na mesma abóbada, fazendo uma vistosa perspectiva; no fecho da abóbada no meio tem uma grande pedra branca redonda, e nela esculpida a figura do Sol. Tem nas cabeceiras das casas dois maravilhosos portais de, pedra branca de vinte palmos de alto e dez de largo com cimalhas de vistosa obra, corno é o pavimento de xadrez de pedra azul, branca, e vermelha. Tem comunicação para os dormitórios por duas escadas, e outras duas entradas para o dormitório, sendo todas da parte do jardim.

1754 Março 2 - A Bula Ad perpetuam Rei Memoriam do Papa Bento XIV, lança a excomunhão sobre todos quantos tirem, emprestem ou subtraiam livros à Livraria de Mafra. Bula Ad Perpetuam Rei Memoriam do Papa Bento XIV Para perpétua Memória do facto. Tanto os Romanos Pontífices, nossos Predecessores, como os ilustres Reis e Supremos Poderes e outros beneméritos e preclaros varões da República das Letras, trabalharam com mui louvado ardor e incrível solicitude, não só por igualar, mas até superar, o cuidado de reunir livros e fundar bibliotecas — cuidado mui honroso para os próprios reis e príncipes e observado, também, pelos varões do paganismo durante todos os tempos, ainda antes da luz do Evangelho ter brilhado nas trevas — com as quais [bibliotecas] salvariam da destruição os feitos dos 56

primeiros tempos e os monumentos ilustres antigos, e deles transmitiriam à mais remota posteridade memória e conhecimento, para prover à celebridade dos factos e ao louvor dos homens e esplendor dos exemplos e, também, à utilidade dos povos vindouros; e trabalharam, sobretudo, em fazer vir de toda a parte aqueles livros e códices que servissem para brilho, defesa e engrandecimento da Religião Católica e de seus Reinos e Domínios. Donde resultou que no nosso tempo em que florescem e são cultivadas ao máximo as belas artes, as ciências e todas as disciplinas, congratulemo-nos no Senhor por se encontrar em toda a parte tão grande número de livros e códices de óptima qualidade, que nada mais é para desejar do que um dedicado zelo, empenho e cuidado em os conservar e aumentar. Por isso, a Nós, constituído pela abundância da bondade divina neste sublime lugar de vigilância do sacrossanto Apostolado, nada Nos pode ser mais grato e agradável do que concedermos solícito, quando Nos é pedido, o patrocínio da nossa Apostólica Autoridade para a perpétua conservação, em boas condições, duma Biblioteca. Porém — como em nome do nosso caríssimo Filho em Cristo, José, Rei Fidelíssimo de Portugal e dos Algarves, nos foi — a biblioteca encontra-se no Real Convento da Ordem dos chamados Frades Menores da Observância de S. Francisco, situado junto de Mafra, da Diocese de Lisboa, sob a invocação de Nossa Senhora e Santo António; foi erigida por reis de Portugal e dos Algarves seus antecessores, de saudosa memória; dotada com enorme quantidade de livros e códices, e ainda com o Régio Direito de Padroado; e nela se encontram os melhores autores, principalmente católicos e, também, alguns heréticos, nos quais - visto que entre si contendem e disputam - se encerram muitíssimas coisas para consolidar e aclarar mais e mais a Religião Católica com as opiniões dos adversários. Por este motivo, foi-Nos suplicado da parte do mesmo José, Rei Fidelíssimo, que nos dignássemos atender e conceder, como abaixo vai, a Nossa Apostólica benignidade e autoridade. 57

E assim, Nós, louvando o mesmo José por seus merecidos títulos de glória, inclinado às suas súplicas e desejoso de olhar, quanto no Senhor podemos, pela conservação e manutenção de todos os livros, quer manuscritos, quer impressos, da já várias vezes nomeada Biblioteca e, além disso, para cuidar da segurança e tranquilidade de consciência tanto dos presentes como dos futuros bibliotecários da citada Biblioteca: Primeiro - Interditamos e proibimos com a Autoridade Apostólica a todas e a cada uma das pessoas que exercem ou hão-de exercer qualquer autoridade de qualquer estado, posição, condição, preeminência ou dignidade, existentes ou no futuro, que em nenhum tempo e de modo nenhum, ousem ou presumam, sob qualquer pretexto, causa, razão ou expediente, extrair, emprestar, tirar da Biblioteca, ou permitir ou tolerar que dela sejam extraídos, emprestados ou tirados, sem licença do actual ou futuro Rei Fidelíssimo, livros, cadernos, folhas, quer impressas, quer manuscritas, por qualquer que sejam dados e confiados à dita Biblioteca, ou que no futuro venham a ser. E isto sob pena de excomunhão, latae sententiae, da qual ninguém pode obter o benefício da absolvição, excepto em perigo de morte, senão de Nós ou do Pontífice ao tempo — só pelo facto de irem contra o que estipulamos — sem necessidade de nenhuma outra declaração. Segundo - De motu proprio, conhecimento certo e plenitude do poder Apostólico, concedemos e permitimos por força das presentes [letras] com a Apostólica autoridade aos três bibliotecários da citada Biblioteca ao tempo existentes e que devem ser designados pela forma que possam ter, ler e conservar, bem como transmitir àqueles que lhes venham a suceder no cargo, livre, lícita e impunemente, sem escrúpulo algum de consciência e sem incorrerem em quaisquer sentença, censuras ou outras penas eclesiásticas, mesmo em irregularidade, infâmia ou inabilidade, livros, manuscritos e quaisquer obras de hereges, heresiarcas ou outros autores reprovados de qualquer seita ou doutrina, mesmo da principal, que por qualquer causa, até mesmo por suspeita de falso dogma, tenha, de qualquer modo, sido 58

pelos Pontífices Romanos nossos predecessores, em Concílios Gerais e até por Nós e pela Sé Apostólica, proibidos e condenados, ou porventura o venham a ser no futuro por Nós próprio, pelos Pontífices Romanos nossos sucessores e pela referida Santa Sé, quer esses livros, manuscritos e obras tenham sido já publicados, quer o venham a ser no futuro, tratem, embora ex professo, de Religião e Fé Católica, ou contra as mesmas, desde que estejam já, ou hajam de estar, duas tardes na referida Biblioteca. Queremos que todos e cada um deles não possam com estas coisas, ou por causa e ocasião delas, ser molestados, perturbados ou inquietados, e, assim, determinamos que deva ser julgado e decidido pelos Juízes Ordinários e Delegados, mesmo pelos Auditores das causas do Palácio Apostólico e pelos Eminentíssimos Cardeais da Santa Igreja Romana, mesmo Legados de latere, e por quaisquer outros que gozem ou venham a gozar de qualquer autoridade, ficando-lhes suprimida a qualquer deles a faculdade e autoridade de julgar e interpretar de modo diferente; e se acontecer que alguém, com qualquer autoridade, ciente ou ignorantemente, atente contra isto julgando de maneira diferente, em cumprimento do que fica dito o faça írrita e vãmente. Nada obstam quaisquer anteriores Constituições e ordenações Apostólicas gerais ou particulares já publicadas ou que venham a sê-lo nos Concílios Ecuménicos ou Provinciais, e também as proibições superiores feitas já ou no futuro. Embora se devesse fazer delas e do contexto de cada uma delas uma enumeração especial, específica, expressa e individual ou então alguma outra expressão, não em resumo, mas palavra por palavra, ou se devesse conservar alguma forma escolhida, tendo todas e cada uma dessas coisas como expressas e insertas com a presente carta, pomos como nulas só para o efeito que dissemos acima aquelas e quaisquer outras em contrário, que aliás conservam todo o seu poder nos outros casos.

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Queremos porém: que os livros, escritos e obras mencionadas, que da Religião ou da Fé ou contra a Religião e Fé ortodoxa tratem ou venham a tratar, sejam conservados em segredo e sem escândalo dos outros; e que as presentes [letras] sejam votadas somente a favor dos bibliotecários da mesma biblioteca ao tempo designados e que a ninguém seja dado o poder concedido — senão a quem tiver sido dado pela Santa Sé Apostólica —, ou se dê licença de ler ou de escrever os códices ou quaisquer livros proibidos; e que um exemplar desta presente proibição e faculdade permaneça sempre afixado em algum lugar visível da dita Biblioteca onde por todos possa ser visto e lido. Dado em Roma, junto de Santa Maria Maior sob o anel do Pescador. Dia 2 de Março de 1754, ano décimo quarto do nosso Pontificado. a) Caetano Amado

1755 Frei António de Cristo dá início à organização do catálogo das duas livrarias então existentes, regidas cada uma por seu bibliotecário: a de frei António de Cristo, situada nas duas casas posteriormente chamadas Secretaria, para as quais se entra por um grande pórtico existente na escada da Fonte das Almas, e a de frei Matias da Conceição, nas dependências do 3º pavimento por cima da despensa e Porta do Carro. 1758 Frei António de Cristo conclui a elaboração do catálogo de ambas as livrarias. 1760 Frei Matias da Conceição dá por concluída a sua Biblioteca Volante. Setembro 15 - José Marco António Baretti visita Mafra, afirmando: "Tem o convento duas livrarias. 60

Uma já está cheia de livros e a outra vai-se enchendo. Nesta todas as estantes de um lado contêm obras portuguesas em um número talvez de duas mil [...]. Na outra biblioteca, que já está de todo cheia de livros, observei, de corrida, que os há bons em grande quantidade [...]". 1766 O general francês Charles François Dumouriez, autor do État Présent du Royaume de Portugal (Lausana, 1775), regista a existência em Mafra de "uma biblioteca bem escolhida" (livro IV, cap. VIII). 1771 Maio 3 - Os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho da Congregação de Santa Cruz de Coimbra tomam posse do Convento de Mafra. Transferem os livros das duas livrarias para duas salas contíguas à da actual biblioteca, uma a Sul e outra a Norte, enquanto aguardam a conclusão das estantes encomendadas ao arquitecto Manuel Caetano de Sousa. Da Relação do que se acha na Casa do Livreiro (i. e., a oficina de encadernador) constam, para uso de 3 encadernadores (mestre livreiro, obreiro e aprendiz): 2 prensas de aparar com seus engenhos e ferros, 7 ditas de apertar, 2 maços de ferro de bater, 2 xífaras [chifras] de raspar, 2 ferros com o feitio de SS, 3 tesouras, uma que serve de cortar latão, 2 martelos, 1 bigorna, 4 facas, 2 serrotes para os livros, 1 compasso ordinário, 2 cepilhos de ferro, 2 viradores de ferro de dar lustro, 6 viradores de fios, 4 rodas de latão, 78 ferros de dourar, 2 abecedários, 2 alicates, 2 bancas armadas para coser livros, 2 tachos de arame, 2 fogareiros de cobre, 2 dobradeiras de latão fundidas, mais duas ditas, 4 afiladores, 4 mesas, 2 caixas dos abecedários, estante, 100 réguas de apertar, 42 61

tabuleiros entre grandes e pequenos, 3 tábuas de pinho para afinar os livros, 4 réguas de bronze para afinar os livros, 5 ditas de pau para o mesmo, 2 pedras de raspar os couros, 1 dita de bater livros com sua tampa, 1 serra pequena, 1 goiva pequena, 1 enxó, 3 bancos, 2 quebradores de claras, 4 pincéis para várias tintas, 6 cabos de ferro para os ditos pincéis (Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, fl. 52-54). O piso em tijoleira é, entretanto, substituído por mármores. Cerca deste ano, frei José Pereira refere que a "[...] famosa Casa da Livraria está situada na frontaria do Palácio da parte do Nascente e ela ocupa quase toda a frontaria e esta está no mesmo olivel [i.e., nível] do Palácio Real de tal sorte que suas Majestades podem ir a ela sem descomodo algum [...]". Informa ainda que, segundo os arquitectos, a Biblioteca poderia albergar 100.000 volumes (Principio e fundação do Real Convento de Mafra, e sua grandeza, e sua sustentação e luxo [BPNMafra: ms., fl. 102-103]). 1777 Maio 14 - Chega a Lisboa o redactor de um manuscrito encontrado na biblioteca do Duque de Chatelet e cuja autoria continua sendo muito controvertida. De Mafra só a livraria conventual merece simples referência (Voyage du ci-devant duc de Chatelet en Portugal, Paris, 1801). 1782 Dezembro 1 - Don Francisco Perez Bayer, arcedíago da Catedral de Valência e Bibliotecário-Mor da Real Biblioteca de Madrid, visita Mafra, percorrendo demoradamente a livraria que, segundo lhe terão dito, possui cinquenta e três mil volumes divididos por duas casas devido às obras que prosseguem na 62

destinada para esse fim, ainda sem estantes. Acompanhado pelo bibliotecário e por diversos professores do Real Colégio de Mafra, esquadrinha diversas preciosidades bibliográficas, mostrando-se muito agradado (O Arqueólogo Português, v. 24, 1919-1920, p. 166-168 e O Concelho de Mafra, 5 Julho 1942). 1787 Agosto 27 - William Beckford desloca-se a Mafra, afirmando que "a colecção de obras que se compõe de mais de 60 mil volumes está agora encerrada numa série de casas que comunicam com a Livraria" (Carta n. 22, in Italy with sketches of Spain and Portugal, Londres, 1834). 1792 Maio 12 - Por deliberação de D. Maria I os Arrábidos substituem os Cónegos Regrantes na posse do convento. Desde o ano de 1777, estes haviam gasto réis 24.084$325 com a biblioteca, não incluindo os ordenados do arquitecto Manuel Caetano de Sousa, orçados em réis 1800$000. No inventário realizado já se não acham na Casa do Livreiro: 2 prensas de aparar com seus engenhos e ferros, 1 fogareiro, 28 ferros de dourar. Inclui, no entanto, 1 candeeiro, 2 raspadeiras de aço, 2 pedras de moer tintas, que não constam da Relação de 1771. 1794 É solicitada autorização ao rei para colocar os livros nas novas estantes, apesar de inacabadas (na douradura e nos retratos dos painéis). O Padre Mestre frei João de São José, que detém o cargo de bibliotecário, transfere os livros para as ditas estantes, sem, contudo, lhes dar qualquer ordenação sistemática. 63

1797 Início da elaboração de novo catálogo pelo bibliotecário e guardião do convento, Padre Mestre frei Joaquim da Conceição (vulgo Vila Viçosa), responsável pela primeira classificação dos livros por temas. 1798 Agosto 18 - Morre frei Joaquim da Conceição sem haver terminado a catalogação que encetara. 1800 A livraria de Mafra desperta a curiosidade do arqueólogo espanhol Don José Andres Cornide y Saavedra, encarregado por Godoy, mas alegadamente pela Academia Espanhola, de estudar as antiguidades do nosso país. Refere que ao tempo dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho chegara a possuir quarenta e cinco mil volumes, muitos dos quais haviam sido transferidos para S. Vicente de Fora quando os Arrábidos regressaram ao Convento de Santo António (Estado de Portugal en el año de 1800, cap. III, artigo 2º). 1801 Setembro 21 - O sacerdote sueco Carl Israel Ruders visita Mafra, considerando os catálogos da livraria conventual "mais explícitos que os da Biblioteca Real de Lisboa" (Portugisisk Resa, Beskrifven: Breftill Vanner, Estocolmo, 1805). Novembro 4 - Grande festa em acção de graças pela paz geral durante três dias, havendo serenata todas as noites na casa imediata à livraria, onde cantam Crescentini, Angeleli, Persegil e outros músicos italianos. Na terceira noite participa a famosa Catalani, de São Carlos. Eusébio Gomes regista nas Memórias de Mafra (1800 a 1833): "Na Livraria armou-se um tablado, onde depois desta função fez 64

o Pinetti muitas habilidades em uma só noite. O aperto era tanto que não podia passar a mais, e os frades tinham tido permissão para poderem ir gozar destes divertimentos, porém os que lá foram sofreram insultos muito atrevidos dos seculares; ali cada um parecia que estava em sua casa". 1803 Verão - O Conde de Lavradio narra nas suas Memórias que, em criança, assistira "sentado num grande livro, tirado para este efeito de uma das estantes [da biblioteca do Paço de Mafra], a uma serenata [...] dada ao Príncipe Regente e mais família real pelo Infante de Espanha, D. Pedro Carlos". A sala da Livraria achava-se muito bem iluminada tendo cantado as célebres Catalani e Gaforini e, entre outros, os cantores Valdi, Crescentini, Fioravanti, encontrando-se também presente João Cordeiro, o velho mestre da Capela de el-Rei e professor de música das irmãs do memorialista (Ângelo Pereira, Os Filhos d' El-Rei D. João VI, Lisboa, 1946, p. 17, nota). Uma Serenata no Palácio de Mafra, recordada por uma octogenária da família do Conselheiro Francisco da Silva Uma das minhas tias era dama da Senhora Rainha D. Maria I, antes da partida da corte para o Rio de Janeiro. A Família Real prolongou a sua estada em Mafra por espaço de muitos meses, naquele tão venerável monumento, habitação predilecta do Príncipe Regente. Eu conservo uma bem agradável recordação de uns dias que aí passei na pousada de minha tia; aquelas galerias infindas, o aspecto majestoso da sumptuosa igreja, os ofícios divinos dum esplendor incrível, onde uma vez vi o Príncipe Regente cantando no côro dos frades, as correrias com os meninos da minha idade naqueles vastíssimos terraços, os passeios ao cair da tarde com a 65

Angelica Catalani

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minha tia que, seguida do seu escudeiro (chamavam-lhe guarda-damas) se dirigia, nos dias em que não estava de serviço, à Tapada ou à Alameda. Ai! que saudades que eu tenho desse tempo! À noite, nos quartos da camareira-mor, entretinhamo-nos ao serão com alguns dos provinciais que mais primavam de eruditos, e que conjuntamente discutiam teologia e receitas de doces com minha tia; jogava-se, às vezes, não me recordo que jogo de cartas. Havia também um como que grande tabuleiro parecido com os bilhares de hoje, onde os homens jogavam um jogo a que, se bem me recordo, chamava-se caché. Tudo, tenho tudo na memória! Que alegria eu não sentia quando, às vezes, encontrava nos corredores as Princesas, caminhando gravemente, apoiadas ao braço do seu veador, para a portaria, a fim de darem o passeio de todas as tardes ou dirigindo-se para a igreja, porque nos dias ordinários todos eles ouviam missa nos seus oratórios particulares. Era eu então uma esbelta rapariga de donaire e anquinhas, fazendo aquelas profundas mesuras (que se aprendiam com os mestres de dança) quando passavam Suas Altezas! Minha tia, escrupulosa em artigos de etiqueta, dizia-me muitas vezes: - A menina é realmente perfeita em mesuras! - E só nisso, minha senhora? - volvia eu. - A vaidade, retorquia, é um feíssimo pecado, minha filha. E que respeitosa veneração, que culto quase religioso se prestava então à realeza! Neste ponto acusem-me embora de quanto quiserem, mas exaspera-me, revolta-me esta sem-cerimónia de hoje. Quantas vezes minha tia, quando passávamos pela Casa do Dossel, me obrigava a fazer uma mesura! "Menina, Deus no céu e o Rei na terra", tal era o seu credo. Mas vamos à maravilhosa voz; uma tarde, depois do jantar, minha tia disse-me: "É necessário que a menina se paramente o melhor que possa; esta noite há serenata na Livraria e a Sr.ª Infanta teve a gentileza de me dizer que levasse minha sobrinha. Chegou ontem uma italiana chamada Catalani, vinda expressamente de Lisboa para cantar na presença da Família Real; empresto-lhe o meu fio de pérolas e o afogador 67

Isabel Gafforini

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de topázios. Lembre-se da honra que vai receber e não se esqueça que às cinco horas a virei buscar para fazermos com o frei João da Soledade a via-sacra na pousada dos Padres". Fiquei louca! Ver de perto a Família Real, as damas e os camaristas, toda a corte enfim reunida, ouvir cantar uma italiana, que deveria ser um portento, com certeza, pois só assim se explicava caso tão extraordinário que vinha quebrar as praxes da monótona vida do Paço. Ouvir cantar a Catalani! Eu que, afora as vozes dos italianos nas festividades religiosas, só de tempos a tempos ouvia em Chelas, na quinta do meu tio cónego, alguns motetos profanos, cantados por ele, acompanhando-se numa velha espineta! Conhecem a biblioteca de Mafra, esse monumento que a grandeza de alma (porque não direi antes a necessidade da época?) levou D. João V a legar à posteridade, essa obra de arte que assombra o próprio Escorial? Pois bem, imaginem a balaustrada da varanda que circunda completamente aquela vastíssima sala, guarnecida de pequenos castiçais de que creio há milhares nas arrecadações do Convento, ardendo em cada um deles uma vela de cera; eram centos e centos de luzes e ainda assim a sala estava quase às escuras! Ao centro, sobre um tapete, as cadeiras para as pessoas reais, em frente um cravo com seis castiçais de prata, onde um frade acompanhava o canto da italiana. Fazia um frio imenso. A Catalani trajava um vestido de veludo vermelho franjado de branco; nos cabelos um pequeno penacho (aigrette lhe chamariam hoje) que brilhava muitíssimo. Pareceu-me feia. Entrou conduzida por um dos camaristas e, tendo feito três profundas mesuras diante das pessoas reais, começou o canto. Que voz! Que gorjeios! Que trilos aqueles, que ecoaram sob aquelas abóbadas! Eu, perto de minha tia, na fila das damas, de pé, por detrás das cadeiras reais, sentia uma comoção que ainda hoje não posso bem explicar. Minha tia atribuiu (santa criatura!) a poderes de Satanás o encanto daquela voz portentosa. Eu julgava ouvir uma toada de anjos e semelhante a tais harmonias só algum rouxinol por noites de Primavera nas balsas perfumadas da nossa quinta de Chelas. O Príncipe 69

Regente dormiu todo o tempo da serenata. A Rainha, ainda que um pouco mais aliviada dos seus terríveis padecimentos, que mais tarde a levaram ao túmulo, mostrava uma certa impaciência e tanto diligenciava bater com o leque o compasso da Música nos braços da sua cadeira dourada que acabou por o despedaçar! Um leque magnífico, de madrepérola e ouro, que uma açafata me disse ter sido um presente da Rainha de Espanha. A sala, como já disse, estava quase às escuras e quase deserta. Que era um grupo de 20 ou 30 pessoas para uma área tão espaçosa?! A etiqueta não consentia que pessoa alguma que não tivesse a honra de fazer parada se reunisse nesta ocasião à corte, sendo eu, talvez, a única excepção duma regra. Onde, porém, o espectáculo se apresentou animadíssimo, onde a multidão se aglomerava compacta por detrás das filas dos castiçais, era nas varandas da sala. O mordomo mor tinha facultado a entrada a todos os familiares do Paço e suas famílias, a quase todas as pessoas da vila, a muitos frades e leigos. Não se imagina quantas centenas de cabeças se enfileiravam, entremeadas com as luzes! Era curiosa esta exposição de caras! Quanto me recordo hoje de tudo isto! Não sei porquê, faz-me lembrar os ofícios das trevas! O que naquela altura se me afigurava uma festa dum esplendor inexcedível, seria hoje tomado por visita de pêsames, onde se desse o capricho de fazer música. Tal era então o aspecto que a severa etiqueta impunha às suas diversões, mesmo as mais particulares da corte. E, contudo, foi um caso digno de menção. Naquele tempo, vir uma cantora ao Paço dar uma serenata na presença das pessoas reais, era caso tão extraordinário que até a Gazeta, naquele seu mais que parco noticiário, narrou o caso - e até mesmo os diplomatas tomaram notas que enviaram aos seus governos. (Ângelo Pereira, Os Filhos d'el-Rei D. João VI, Lisboa,1946, p. 14-17).

1807 Entre 1792 e 1807 os arrábidos terminam pequenos detalhes da Biblioteca, obras que custariam 2642$415 mil réis ao Erário. 70

A fl. 140 do v. 1 do catálogo de frei João de Santa Ana lê-se a seguinte nota, acrescentada à descrição da Biblia sacra cum universis de Francisco Vatabli (Paris, 1729, 4 vols.): "Falta o 1º tomo que estava no Quarto do Príncipe Real o Senhor Dom Pedro de Alcântara, e como este com a Família Real precipitadamente se ausentaram para o Brasil em 1807, por causa da invasão dos franceses, foi o dito livro no seu fato e quando se procurou já o fato tinha ido para bordo". 1809 Frei João de Santa Ana é nomeado bibliotecário da Livraria do Convento de Mafra. A ele se fica a dever a colocação nas estantes dos pergaminhos assinalando os temas nelas contidos, a organização sistemática ainda vigente, bem como o catálogo onomástico, constituído por 8 volumes manuscritos (315 x 210 mm). Tem como colaboradores frei Manuel da Sacra Família e frei Manuel de Santa Escolástica. O Reverendo James Wilmot Ormsby publica em Londres An account of the operations of the British Army, and of the state and sentiments of the people of Portugal and Spain, during the campaigns of the years 1808 and 1809, fazendo-se eco de uma notícia segundo a qual os invasores franceses haviam roubado da biblioteca "as obras mais valiosas e os mais antigos e preciosos manuscritos" (v. 1, carta III, p. 47). É exagerada a afirmação, no entanto, devido à retirada após a batalha do Vimeiro, alguns livros não terão sido restituídos, conservando-se, ainda em 1880, os respectivos recibos de empréstimo (Júlio Ivo, Os Franceses em Mafra, in O Concelho de Mafra, 27 Junho 1908). Janeiro / Março - Caixotes com livros de Mafra, que não haviam sido embarcados quando Dom João VI partiu para o Brasil, terão seguido viagem durante 71

este período [AHMF: Casa do Infantado, liv. 2979], crê-se que secretamente. 1816 Agosto 7 - Por carta, Louis François de Tollenare narra a excursão que realizara a Mafra. O Palácio encontra-o desguarnecido de móveis e ornamentos. Quanto ao Convento, a sua atenção dirige-se por inteiro para a biblioteca que estima corresponder a cerca de metade da de Santa Genoveva de Paris, tendo constatado a existência de muitas obras em língua francesa, de que destaca a Encyclopédie par ordre de Matiéres, a qual o padre bibliotecário, por sua vontade, destinaria à fogueira (Notes dominicales prises pendant un Voyage en Portugal et au Brésil en 1816, 1817 et 1818, Paris, 1971-1973). 1818 George Landmann, oficial de Engenharia no exército inglês, publica em Londres as Historical, Military and Picturesque Observations in Portugal, obra na qual relata a sua visita a Mafra em cuja livraria observa uma excelente colecção das melhores publicações inglesas. Sublinha que antes da invasão francesa de 1807 o número de livros era superior aos 25 mil então contabilizados. 1819 Frei João de Santa Ana empreende a cópia do catálogo. Agosto 11 - Por determinação de Dom João VI, João António Salter de Mendonça remete carta a João Lourenço de Andrade, na qual, além da nomeação de frei Manuel de Santa Escolástica, comunica diversas outras deliberações régias relacionadas com a Biblioteca (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 1, v. 1, 1915, p. 44). 72

Carta de João Salter de Mendonça para João Lourenço de Andrade Querendo el-Rei Nosso Senhor que a Real Biblioteca de Mafra se conserve em bom estado e não sofra dano por falta, ou de pessoas que zelozamente cuidem da sua guarda e asseio, ou de meios para se repararem os danos causados pelo tempo: há por bem ordenar o seguinte: 1º Que achando-se vago o emprego do Segundo Bibliotecário por morte de frei Manuel da Sacra Família entre no exercício do mesmo emprego, o. Passante frei Manuel de Santa Escolástica [...] 2º Que o Primeiro e Segundo Bibliotecário serão responsáveis pela livraria e seus pertences [...] 3º Que se continue a antiga Consignação de duzentos mil réis por ano, não só para aumento da mesma biblioteca como também para os indispensáveis concertos dos livros, e mais utensílios dela [...] 4º Finalmente, o Primeiro bibliotecário [ou ?] o Guardião do Convento escolha uma pessoa, ou dos doze religiosos leigos, ou dos donatos que actualmente existem, ou também dos serventes das obras, para ser diariamente ocupado no asseio dos livros e da casa [...] O que participo a Vossa mercê. para que assim o cumpra pela parte que lhe toca; ficando na inteligência de que ficam expedidas as Ordens competentes ao Real Erário para a continuação do pagamento da dita Consignação - Deus Guarde a Vossa mercê. Palácio do Governo em 11 de Agosto de 1819.

1820 Frei Cláudio da Conceição publica o volume oitavo do Gabinete Histórico, obra onde se acha descrita a livraria (cap. XXXVII, p. 317-323), adiantando que "[...] tinha Sua Majestade [D. João VI] chaves, para poder entrar nela a todo o tempo, sem dependência do convento, nem perturbação da comunidade". 73

1821 Frei João de Santa Ana dá por concluída a reorganização da livraria conventual, tarefa em que foi secundado pelos bibliotecários frei Manuel da Sacra Família e frei Manuel de Santa Escolástica. Regras de catalogação adoptadas por frei João de Santa Ana 1) Como muitos autores são mais conhecidos pelos sobrenomes do que pelos nomes próprios, para achar-se qualquer obra deles, deve procurar-se o sobrenome dos ditos autores [...] 2) Quando os autores tiverem dois ou mais sobrenomes, buscar-se-ão as suas obras onde se fizer menção do primeiro sobrenome, e quando nos seus competentes lugares se escreverem os outros, aí se dirá só: veja-se o sobrenome tal, que aí se acharão as suas obras. Mas quando eles forem mais conhecidos por um sobrenome que pelos outros, naquele se escreverão as suas obras, e em competentes lugares dos outros remeterei o leitor para aquele onde eles se acham escritos, e até para lhe evitar o trabalho direi em que letra e em que página os há-de achar, se for autor já mencionado. 3) Quando o autor tiver por sobrenome algum santo ou mistério buscar-se-á o nome do autor no idioma, em que ele tiver escrito as suas obras. Advirta-se porém que quando as obras forem latinas, sempre os nomes ou sobrenomes dos autores se escrevem em genitivo. E como pode haver muitos autores do mesmo sobrenome, para se evitar toda a confusão direi a religião, província ou congregação a que eles pertencem. E como também algumas vezes acontece que o mesmo autor tenha obras latinas, portuguesas e francesas, achar-se-ão todas em uma só parte, isto é, ou debaixo do nome latino, ou do nome francês ou do nome português, e por este motivo se o nome do autor for v. g. João, todas as suas obras se hão-de achar ou em Joannes, ou João, ou Juan, ou Jean. 4) Quando o autor não tiver sobrenome e em lugar deste usar de algum título, dignidade ou ofício, buscar-se-á também o nome v. g. Pauli Diaconi. 74

5) Quando a obra não tiver o nome do autor, buscar-se-á o título da obra. E como são muitas conhecidas mais pelos seus títulos do que pelos nomes dos autores, achar-se-ão ordinariamente nos nomes dos autores, mas também nos títulos em referência para aqueles. 6) Quando for colecção de várias obras feita por alguns escritores, buscar-se-á pelo nome do colector. Quando for uma tradução, achar-se-á no nome do autor, e no lugar competente se fará menção do tradutor. 7) Os autores que tomarem nome fingido irão mencionados com o dito nome; e sabendo-se o seu nome verdadeiro, se fará neste uma referência para aquele. 8) O que se achar escrito entre parênteses, a não ser o nome do autor, não pertence ao título da obra, mas só se escreve para explicar alguma coisa parecida. 9) Juntamente com as obras se declara o nome da terra, e oficina onde foram impressas e também o ano da edição, e quando se achar escrita esta palavra Ibi - quer dizer que foi impresso na mesma cidade, e Ibidem no mesmo l. e tip. ultimamente designados. 10) No fim de cada obra se acharão três números - o 1.º com letra romana, o qual mostra o número da estante e esta é debaixo da varanda se o dito número tiver um só risco por cima, v. g. XII, e as que estão por cima VIII (dois riscos), o 2.º número indica a estante, e o 3.º o lugar do livro na estante a contar da esquerda para a direita. 11) Um risco à margem direita das obras ligando-as quere dizer que todas estão na mesma estante e lugar. 12) Ibi - quer dizer que está na mesma obra antecedente e Ibidem na mesma obra, tomo e vol. 13) Sempre se indica o número de vol. e tomos. Não havendo referência especial quer dizer que a obra só tem 1 vol. ou tomo. 14) Quando se fizer referência duma obra para o tomo 3.º, 4.º etc. doutra obra, quer dizer que esta é uma colecção. 15) Quando se disser "Está no tomo - Concilium Tridentinum Lovanii, 1567 - deve buscar-se Concilium Tridentinum impresso em Lovaina em 1567. 16) Nas estantes superiores nº 49-50 e 51 estão livros proibidos, e como alguns pelo seu tamanho não cabem nas casas estão nelas deitados, e por isso quando deles se fizer menção só se porá o número da estante e o da casa e no lugar do 3.º número se porá este sinal +. 75

17) Quando se encontrarem estas palavras anda volante, com os livros de encher se designa que aquela obra não tem lugar certo, por haver vários ex., e serve para preencher os espaços das que faltam. 18) Deixo espaços em claro para fazer no futuro menção das obras que se comprarem, e bem assim cada letra tem o seu suplemento. 19) Nos artigos Noticia - Novena - Relação - não se acharão as obras por ordem alfabética exacta, por serem opúsculos de pouca ponderação e que se acham juntos na Biblioteca Volante, e escrevi, para evitar trabalho, pela ordem em que se encontram a dentro dos vários tomos.

1825 Dezembro 5 - Alvará de Dom João VI institui o depósito legal em Mafra, tornando extensivas à sua livraria as disposições constantes no de 30 Dezembro do ano anterior, que determinava fosse remetida à Biblioteca Pública de Lisboa um exemplar de todas as obras impressas no Reino (cf. Colecção de todas as leis..., 1826, 1º semestre, fl. VI, p. 20).

Alvará de Dom João VI Eu o Imperador e Rei: Faço saber que merecendo a Minha particular Consideração a Real Livraria de Mafra, e Querendo concorrer para o seu aumento, em benefício da Pública Instrução, Hei por bem que as disposições do Alvará de trinta de Dezembro do ano passado para ser remetido à Biblioteca Pública de Lisboa um Exemplar de toda, e qualquer Obra, que se imprimir nas Oficinas Tipográficas do Reino, sejam extensivas à sobredita Real livraria para o mesmo fim, e

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debaixo das mesmas cláusulas, e penas; devendo porém a entrega dos Exemplares ser feita no Convento de S. Pedro de Alcântara desta Cidade à pessoa, que para os receber for designada pelo Guardião do Real Convento de Mafra [à data o Padre Mestre frei Manuel da Epifânia]".

1827 O 2º Tenente da Marinha, Ajudante Arquitecto da Casa do risco das Obras Públicas e Director das do Régio Palácio e Convento de Mafra, Amâncio José Henriques, oferece à Biblioteca as plantas do Monumento de Mafra, por si levantadas, explicadas no Real Edifício visto por fora e por dentro de frei João de Santa Ana. 1828 Frei João de Santa Ana compõe o Real Edifício Mafrense visto por fora e por dentro, apresentando minuciosa descrição da Biblioteca (fl. 420-425). A Biblioteca segundo o Real Edificio Mafrense visto por fora e por dentro [...] Esta magnífica e majestosa casa que faz a admiração de todos os que nela entram e é geralmente reconhecida pela melhor da Europa [...]. Estende-se de Norte a Sul. Entra-se do Palácio para ela pelos dois grandes portais que estão em cada topo [...]. Toda a livraria é cercada de estantes até à altura da cimalha e de uma soberba e majestosa varanda que passa pelo meio delas. O parapeito que acompanha a varanda é de balaustres e colunatas, o feitio de cada um dos quais custou 800 réis. A varanda é elevada sobre o pavimento 15 palmos, sacada fora 5, e o passeio tem três e meio de largo. As 77

estantes que são de pau e também a varanda são formadas de pilastras que divide umas das outras. Os capiteis das pilastras das estantes inferiores servem como de bases às grandes mísulas, sobre que descansa a varanda. As estantes da parte do nascente estão no espaço que há entre umas e outras janelas e tem 14 palmos de largo, e o mesmo têm as do poente, e as que neste lado estão defronte das janelas, têm 12 palmos de largo. Por cima da varanda tudo está ocupado de estantes, porque aí não há janelas, senão a grande no fundo do cruzeiro e correspondem todas às estantes inferiores. Estas são 54 e as superiores são 82. É tal e tão delicada a obra de talha que há em todas elas e na varanda, e principalmente nos do cruzeiro e dos fundos da Casa, que é impossível explicar-se. Sobre cada uma das estantes está uma riquíssima tarja, dentro de que está o título da matéria e ciência, de que tratam os livros de que ela está cheia. Sobre cada uma das superiores está um corpo grande de figura oval, digo, um painel que se eleva até ao tecto, destinados para neles se pintarem os heróis mais famosos nas ciências e artes de que tratam os livros de cada estante, mas não se chegaram a pintar. No fundo do cruzeiro, além de outro muito ornato, de cada parte sobre a janela grande, está uma Coroa Real como suspensa, coroando o nome da Rainha Senhora D. Maria I, que está em cifra entalhado no painel, que fica por baixo da coroa. O pavimento da casa é obra do Senhor Rei D. José I, as estantes foram mandadas fazer pelos Cónegos Regrantes de S. Agostinho. Cada estante tem um degrau, que se puxa fora para se chegar a todos os livros dela. Cada vão de janela, excepto os do cruzeiro, tem uma mesa coberta com pano verde, uma estante para livro e tinteiro, etc. Tem muitas obras raras e ricas edições. Tem actualmente 27 para 28 mil volumes e pode conter 60 até 70 mil. Vai-se aumentando com a consignação de 200$000 réis anuais e com todas as obras que saem à luz em Portugal, de cujas obras deve ser remetido das oficinas tipográficas um exemplar de cada uma para a mesma livraria, como mandou o Senhor Rei D. João VI por alvará de 5 de Dezembro de 1825. 78

Para as duas Casas indicadas pelo n. 130 se entra pelos portais próximos às janelas, que estão no fundo do cruzeiro, da parte do poente. Tem cada uma de comprido 71 palmos e meio, de largo 22 e 1/4 e de alto 24. Tem três janelas que deitam para o Jardim da Quadra, e são do mesmo tamanho, que as da livraria e as das frontarias de todo este andar. A do Sul está circundada de estantes para os livros proibidos; a do Norte está ornada com as plantas do edifício, com mapas gerais e particulares e tudo o que é preciso para o estudo da geografia, como é a esfera armilar, os globos terrestre e celeste. As plantas estão ornadas com molduras de pau santo; e do mesmo são também as que ornam os retratos de Sua Majestade o Senhor D. Miguel I, o de seu Augusto Pai e o do Imperador do Brasil, o Senhor D. Pedro I, que estão no topo da casa. No meio de cada uma delas está uma mesa de pau bordo, que tem 14 palmos de comprido, sete de largo, seis grandes gavetas, três de cada lado, em que se guardam vários papéis, folhetos, etc. Sobre estas duas casas há outras duas iguais, para as quais se sobe pelas duas escadas indicadas pelo n. 128 [...].

1830 A livraria deixa de receber um exemplar de todas as obras impressas no Reino, conforme estipulava o Alvará de 5 de Dezembro de 1825. 1834 Março 7 - Procede-se ao inventário da BPNMafra a fim de verificar a sua integridade, tendo sido inquiridas para o efeito 5 testemunhas idóneas: Gaspar Carlos da Silva (durante mais de 41 anos habitante do mosteiro, onde foi guardião), frei Joaquim de Nossa Senhora das Dores, frei António da Purificação e frei Brás do Sacramento (religiosos conversos) e Lourenço Justiniano Torcato (durante 42 anos aparelhador de carpinteiro no mosteiro). No Inventário número 246 dos Conventos Suprimidos 79

constam na Casa do Livreiro apenas 2 prensas e 1 ferro de aparar. Setembro 17 - Nesta data o regente mandou expedir ordens ao Prefeito da Província da Estremadura, "para dar as providências que julgar oportunas sobre o objecto de que tratava a sua Representação de quatro do corrente mês, relativamente à posse que tomou o Provedor do Concelho da Vila de Mafra das Cercas, Livraria, Baterias de cozinha e outros objectos que existiam no extinto Convento [...]" (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 1, v. 1, 1915, p. 45). 1836 O Conde de Canarvon, Henry John George Herbert, publica, em Londres, Portugal and Gallicia, obra que se reporta à biblioteca de Mafra. 1837 Novembro 7 – Ao presumir que a Biblioteca de Mafra não passara de uma livraria conventual de instituição régia (e não "de propriedade real"), a Comissão Administrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (Registo das actas das sessões, p. 68-69 [BN: AC/INC/DLEC/12/Caixa 02-02]) coloca em risco a sua sobrevivência. Tal intuito é evidenciado pela Acta 7 da CADLEC: "[...] na impossibilidade de recorrer a documentos por não existirem (ao menos a seu alcance) consultara pessoas respeitáveis e com profundo conhecimento da História antiga e moderna do País; as quais afirmaram que a Biblioteca da Mafra fazia uma parte integrante do convento, e que tendo este sido feito em cumprimento de um voto do Senhor Rei Dom João V fora por ele doado aos frades que o habitaram, os quais desde então estiveram sempre na livre posse e gozo da mesma livraria como propriedade sua" (ver 1840 e 2001). 80

1839 C. W. Vane, Marquesa de Londonderry, considera a "magnífica biblioteca [...] com 29 mil volumes na melhor ordem" um dos mais valiosos pertences do Palácio de Mafra (A steam voyage to Constantinople, by the Rhine and the Danube, in 1840-41 and to Portugal, Spain, etc., in 1839, Londres, 1842, v. 2, p. 143). 1840 Novembro 13 – Portaria do Ministro do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, declara a Biblioteca de propriedade régia e, consequentemente, fora da alçada da Comissão Administrativa do Depósito de Livros dos Extintos Conventos (CADLEC), abonando-se, para o efeito, no argumento de "que pelos esclarecimentos até agora chegados a este Ministério, tudo induz a fazer acreditar que tanto a biblioteca da extinta Casa das Necessidades de Lisboa, como a do Convento de Mafra, são de propriedade real" [cf. Portarias relativas às actividades da Comissão Administrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos [BN: AC/INC/DLEC/01/ cx. 01-01] e Copiador de portarias e ofícios relativos à actividade da CADLEC, p. 130 [BN: AC/INC/DLEC/04/cx. 01-02]). 1841 O escritor polaco Karl Dembrowski faz estampar em Paris a obra Deux ans en Espagne et en Portugal (1838-1840), onde considera magnífica a livraria de Mafra. 1842 O Príncipe Felix Lichnowsky visita Mafra, afirmando que a biblioteca "é mantida com uma ordem exemplar por dois velhos eclesiásticos, um dos quais está concluindo um excelente catálogo" 81

(Portugal Erinnerungen aus dem Jahre 1842, Mogúncia, 1843). Maio 25 - O padre Inácio da Purificação é nomeado bibliotecário, com o ordenado de réis 360$000 anuais. 1843 George Borrow afirma que em Mafra "existe a mais bela biblioteca de Portugal, possuindo livros sobre todas as ciências e em todas as línguas, adequada à dimensão e grandiosidade do edifício que a contém" (The Bible in Spain, Londres, p. 5). 1852 William Edward Baxter publica, em Londres, The Tagus and the Tiber, onde descreve a sua chegada proveniente de Torres Vedras e afirma: "o principal motivo de atracção em Mafra é a biblioteca, contendo um número extraordinário de livros em todas as línguas, designadamente sobre assuntos religiosos, mas também históricos, jurídicos, filosóficos, poéticos e relacionados com diversos outros géneros literários. Os volumes estão elegantemente encadernados e notavelmente bem arrumados" (v. 1, cap. III, p. 53). 1854 Lady Emmeline Stuart Wortley dá à estampa, em Londres, A Visit to Portugal and Madeira, sublinhando a magnificência da biblioteca e o seu esplêndido acervo, o qual calcula corresponder a cerca de 30 mil volumes, metade do número avançado por Beckford que o terá, não intencionalmente, exagerado (p. 122-123). 1855 Maio 2 - Por morte do anterior bibliotecário do Paço Real de Mafra, o padre António da Purificação 82

Morais Cardoso e nomeado responsável pela livraria (Diário do Governo). 1866 Agosto 26 - A Gazeta do Campo inclui missiva subscrita por Um estudante, intitulada Frei Tomé das Chagas e o bibliotecário d' esta villa, da qual sai manifestamente prejudicada a imagem do padre António da Purificação Morais Cardoso, acusado de não facultar aos investigadores "nem a vista do catálogo, nem a proximidade da galeria", alegando até a inexistência no acervo de certos autores, supostamente para impedir a sua consulta. 1873 Lady Jackson contabiliza cerca de 25 mil livros e alguns raros manuscritos na biblioteca (Fair Lusitania, cap. XVI). 1875 O Almanach Burocratico de Aristides Abranches apresenta António da Purificação Morais Cardoso como bibliotecário da Biblioteca do Paço Real de Mafra. 1878 Joaquim da Conceição Gomes publica A Bibliotheca Real de Mafra (in Bol. da Real Assoc. dos Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, t. 2, n. 7, p. 102 e n. 8, p. 118-119). 1882 Novembro - Por morte do padre António da Purificação Morais Cardoso a administração da biblioteca passa para a responsabilidade do Almoxarifado do Paço. 1883 83

Jane Leck visita Mafra que descreve nos Iberian Sketches (Glasgow, 1884). A propósito da biblioteca, de que trata sumariamente, sublinha que "[...] faria o coração de um bibliófilo sangrar ver o estrago realizado nas esplêndidas encadernações de pergaminho e carneira pelos implacáveis e não molestados insectos". 1887 Possidónio Narciso da Silva destina à Biblioteca elevado número de publicações artísticas e científicas contemporâneas. Agosto 14 e 21 - O Jornal de Mafra insere artigo de Joaquim da Conceição Gomes, intitulado Monumento de Mafra: Bibliotheca. Setembro 4 - Fica concluída a publicação do artigo supracitado de Joaquim da Conceição Gomes. 1888 Os irmãos Francisco e Hermenegildo Giner de los Rios não se decidem quanto ao número de volumes existente na biblioteca, se 25 ou 30 mil (Portugal: impresiones para servir de guia al viagero). 1889 Julho 17 - Dom Luís recebe do arquitecto Joaquim Possidónio Narciso da Silva a doação de uma colecção de obras artísticas e científicas (cerca de 1330 livros) com destino à biblioteca de Mafra (O Monumento de Mafra, in O Mafrense, 12 Jan. 1890). 1894 O arquitecto Possidónio Narciso da Silva manifesta a Joaquim da Conceição Gomes o seu agradecimento pela ordenação do acervo que doara à biblioteca do Paço e pela elaboração do respectivo catálogo (o qual não corresponde à ordem actual das publicações). 84

1895 Na Sala de Sua Majestade El-Rei da Exposição de Arte Sacra Ornamental, promovida pela Comissão do Centenário de Santo António, figuram peças de Música Sacra da Biblioteca do Paço Real de Mafra (Catálogo, p. 86-90). 1898 O Catálogo de frei João de Santa Ana é revisto pelo capitão de infantaria João Correia dos Santos. 1900 Novembro 6 - Aires Augusto Braga de Sá Nogueira e Vasconcelos é nomeado bibliotecário por Portaria da Administração da Fazenda da Casa Real, sucedendo ao Almoxarife do Palácio que desempenhara o cargo desde 1882. 1901 Julho 7 - O Correio de Mafra (artigo intitulado Real Bibliotheca de Mafra) elogia o desempenho de Aires de Sá como bibliotecário, anotando que a biblioteca tem "recebido dia a dia grande quantidade de obras dignas de menção". Encontra-se aberta ao público diariamente, no período compreendido entre as 11 e as 16 horas. 1902 Agosto - O Diário de Notícias relata uma demorada visita de Dom Carlos à biblioteca, durante a qual teve oportunidade de observar muitas das suas preciosidades.

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Aires de Sá

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Dom Carlos e a sua época O rei, no convívio entre amigos, era muito jovial. Uma vez, estava ele sentado no meu gabinete da biblioteca do paço de Mafra, a uma mesa, em frente de uma janela; conversámos de livros; ele estava folheando um Elzevir, nisto, uma nuvem de pombos correios, da Escola Prática de Infantaria, levanta voo do jardim e, o rei, interrompendo a leitura e a conversa, exclama: - Olha! tanto pombo. E ficou a segui-los com a vista. Erudito: uma vez, também no meu gabinete, para onde, às vezes, ia, depois do almoço, com o ajudante de campo e o oficial às ordens, e quando coincidia a ida do rei a Mafra com a estada dele lá, ou quando o acompanhava de Lisboa, com o meu velho amigo Tomás de Mello Breyner, mostrei-lhe, em consulta, um livro do século XVI, onde se via um brasão, que fora posto no frontispício, com tinta já apagada e destruidora do papel. Era a primeira vez que eu o abria, e sem detido exame: - Quer el-rei ver isto? O que será o que se veria ao alto deste escudo? Já não se percebe, ou mal se percebe. O rei, lembro-me muito bem, vestido do seu pequeno uniforme de generalíssimo, com que costumava quase sempre andar, pegou no livrinho, esteve a examinar o ponto para que eu chamara a sua atenção e, passado algum tempo: - Isto são armas de qualquer infante ou infanta. O que mal se vê aqui, em cima, é o banco de pinchar, com as armas maternas, por diferença. Outras vezes, em dúvidas, que eu tinha, ele ficava de mas resolver, logo que regressasse a Lisboa; e, daí a dias, eu recebia um grande subscrito, timbrado a oiro, com cópias de livros raros sobre bibliografia, explicativas da minha dúvida. Ainda tenho essas cópias, que eram acompanhadas de cartas de Arnoso. Um valet de pied, que estava, então, ao serviço da biblioteca, era muito zeloso na limpeza dos mármores de Pêro Pinheiro que a pavimentavam. Lembrou-se, um dia, de encerar a meia laranja central da biblioteca, um primor de combinação de mármores, rosa, azul e amarelo; pediu-me licença para o fazer, dei-lha. Se o leitor quiser ver o efeito desse enceramento, abra o 87

volume da Enciclopédia Espasa, na palavra Mafra, e lá verá a fotogravura, representando a biblioteca, onde brilha, pelo enceramento, a meia laranja central. A primeira vez que, depois deste enceramento que deixava livres as passagens laterais, o rei foi a Mafra, não deixou de ir, conforme o seu costume, à biblioteca. Ficou encantado. A meia laranja está sob a luz de seis grandes janelas que iluminam, a meio, a biblioteca. Nada mais escorregadio que o mármore assim polido e encerado a valer, para dar o brilho rutilante que se obteve. Achou magnífica a ideia e, enquanto fazia os comentários que o caso lhe sugeriu, começou a efectuar a travessia, muito sossegada e imponentemente, com o charuto na boca e as mãos nas algibeira do dolman. Hermenegildo Capelo, que conversava comigo, vendo o rei em terreno tão perigoso, disse-lhe: - El-rei acautele-se!... El-rei acautele-se!... Mas, o rei não se importou nada com o alarme do herói, e continuou, majestoso, o seu caminho. E eu disse ao almirante Capelo: - Também el-rei quer ter a glória de fazer uma travessia. (Aires de Sá, Príncipe Real D. Luís Filipe, 1930, cap. II)

1904 Março 6 - O francês Gaston Spira Thaun furta da biblioteca 3 obras quinhentistas, a saber: o Cancioneiro Geral Espanhol (edições de 1527 e 1573) e a Chronica del Famozo Cavalleiro Cid Roy Diez Campeador (1593). O Diário de Notícias (12, 13, 17 e 25 Março) e O Correio de Mafra (17 Março, 3, 10 e 17 Abril, 1 Maio) acompanham o episódio, narrando a detenção do ladrão no Porto, sua entrega à justiça e julgamento, numa série de artigos intitulados O larápio das Bibliothecas (assinados A. P.) e O Roubo dos Livros da Biblioteca do Real Convento, respectivamente. A correspondência e demais documentos relativos ao processo, recebidos pelo Administrador do Concelho de Mafra, arquivam-se actualmente no Arquivo Histórico de Mafra. 88

Gaston Spira Thaun: caricatura e retratopublicados na imprensa diária.

Agosto - O japonês Katisako Aragwisa visita Mafra na companhia do humorista Mardel. Termina o périplo do edifício pela biblioteca onde é apresentado a Aires de Sá. Impressionado pela sua grandiosidade e magnificência, recorda que ouviu dizer tratar-se da mais bela biblioteca de todo o mundo (Alfredo Gallis, Cartas de um Japonez, Lisboa, 1907, p. 223-224). Aires de Sá apresenta na revista A Caça (a. 6, n. 1, p. 2-4) o folheto da Biblioteca Volante [BPNMafra: 2-55-7-22] intitulado Relação em que se dá conta da jornada que fizeram suas magestades e altezas e a maior parte da nobreza da corte a ganhar o santo jubileu á Real Basilica de Mafra, e copia do breve por onde elle foi concedido, para cujo fim concorreu grande concurso de pessoas de todos os sexos d' este Reino. Dá-se noticia do numero das pessoas 89

que se confessaram e comungaram, e das que crismou o excellentissimo bispo de Macau e da caçada real que suas magestades fizeram, e do numero de rezes que mataram (Lisboa, 1752). Setembro - Aires de Sá transcreve longo excerto do folheto supra (El-Rei D. José em Mafra, in A Caça, a. 6, n. 2, p. 22-23). 1905 Agosto / Setembro - Aires de Sá edita excertos de um opúsculo anónimo da Biblioteca Volante [BPNMafra: 2-24-8-9], intitulado Relação da plausivel jornada que Suas Magestades Fidelissimas com toda a familia Real fizeram ao seu magnifico Convento da Villa de Mafra pela festividade do grande patriarcha S. Francisco n' este anno de 1750 [...] (El-Rei D. José em Mafra, in A Caça, a. 7, n. 1, p. 7-9 e n. 2, p. 19-21). 1908 Walter Crum Watson considera a biblioteca uma das melhores dependências do Monumento de Mafra (Portuguese Architecture). 1910 G. Le Roy Liberge publica Trois Mois en Portugal (Paris) onde, a propósito da biblioteca, escreve: "todos os volumes estão encadernados a branco" (p. 100). Outubro 5 - Aires de Sá demite-se do cargo de bibliotecário no próprio dia da implantação da República. A biblioteca fica a cargo do Administrador do Palácio, todavia, na prática, a tarefa será desempenhada pelos fiéis do edifício, situação que se manterá até 1937. 1912 Junho 4 – Júlio Dantas visita a Biblioteca conventual na companhia do Ministro do Interior. Entrevistado, 90

coloca como hipótese a sua integração no quadro das bibliotecas e arquivos dependentes da instrução pública e consequente extinção, destinando as obras mais vulgares à criação de um fundo de livraria a colocar em Beja ou Faro, uma vez que a BPNMafra se acha "num lugar isolado e de difícil acesso, está reduzida à condição de um simples museu, em que há entregues à guarda insuficiente de um velho criado do paço trinta mil volumes que ninguém utiliza, em cento e cinquenta estantes, onde ninguém toca" (O Século). Junho 11 – O Dr. Carlos Galrão publica artigo em O Século, criticando os argumentos avançados por Júlio Dantas para proceder à "vandálica extinção da Biblioteca de Mafra". 1913 Junho - José António Tavares entra ao serviço da biblioteca. 1914 Abril - A Enciclopédia das Famílias (a. 28, n. 328, p. 258) inclui artigo intitulado Monumentos Históricos: Bibliotheca de Mafra. 1915 É publicado A Biblioteca de Mafra: cópia de documentos do Arquivo da Administração da extinta Casa Real (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 1, v. 1, p. 44-45). 1916 Novembro 30 - João Paulo Freire assina com o pseudónimo Mário artigo intitulado Desleixo Criminoso ! - A bibliotheca de Mafra ao abandono ! Para o sr. Júlio Dantas ler, meditar... e proceder (A Ordem). 91

1918 Fevereiro - Por falecimento de José Tavares António, no mês anterior, a guarda e conservação da biblioteca ficam a cargo de Eduardo de Sousa Gomes. 1920 Janeiro 12 - Na sequência do suicídio de Eduardo de Sousa Gomes (numa das dependências da biblioteca), o, à data, administrador (posteriormente conservador) do Palácio, José da Costa Jorge, assume a tarefa de zelar por ela. Organiza uma lista dos incunábulos que compõem o seu acervo. Abril / Junho - É publicada uma lista composta por 21 incunábulos da Biblioteca de Mafra (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 2, v. 1, n. 2, p. 137-138). 1921 Março 27 - O Liberal (artigo intitulado Biblioteca de Mafra) insere notícia relatando a visita de Raúl Proença, com o fim de fazer uma relação das obras portuguesas impressas no século XVI existentes na Biblioteca do Palácio, então sob a administração de José da Costa Jorge. Abril / Junho - Raúl Proença publica o artigo Regras de Catalogação dum bibliothecario dos principios do século XIX (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, v. 2, n. 6, p. 154-155), no qual estuda e transcreve os critérios adoptados por frei João de Santa Ana para a classificação do acervo da livraria de Mafra. 1926 António Joaquim Anselmo publica Bibliografia das Obras impressas em Portugal no século XVI, com inúmeras referências ao acervo da BPNMafra (ver 1967). 92

Abril 15 - Armando Boaventura publica o artigo Alviçaras dão-se... - Onde pára um valioso manuscrito referente á vida de El-Rei D. Sebastião, e que pertencia á Biblioteca do Convento de Mafra ? - Uma visita ao grandioso mosteiro de D. João V - Portugal paiz de ... Turismo... - De Lisboa a Mafra ... - O Museu instalado no antigo Palácio Real - A Biblioteca Depois da Republica ... - Á procura de uma chave ... - Uma entrevista com o director das bibliotecas municipaes de Coimbra - E o mais que se lerá ... (A Época). O manuscrito em causa fora consultado por Raúl Brandão quando cumpria o serviço militar em Mafra e, constava que tinha desaparecido da biblioteca. 1927 Janeiro / Dezembro - Pedro de Azevedo publica Alguns ex-libris manuscritos (Anais das Bibliotecas e Arquivos, s. 2, v. 8, n. 29-32, p. 155-157), artigo no qual reproduz, a partir de informação fornecida por Aires de Sá, exemplo subscrito por Joaquim José Freire, extraído do ante-rosto do Combate Espiritual (Lisboa, 1761) do padre D. Lourenço Scupoli: "Se este livro for achado, / Caso venha a ser perdido / Para ser mais conhecido / Leva o meu assignado. / Se, a caso, for emprestado, / Para algum conhecimento, / Se lhe dê bom tratamento, / Quem houver de nelle ler, / Para que não venha a ser / O livro do esquecimento" (n. 17, p. 156). 1928 J. M. Cordeiro de Sousa publica O que levaram os caixões que foram para o Brasil (Notícias do Passado, p. 59-60). 1930 A revista valenciana Armas de Colegio (a. 14, n. 150, p. 276) publica artigo sobre Mafra, no qual sublinha 93

que "uma das peças mais dignas de ser visitada é a dilatada biblioteca com formosa abóbada e ricas estantes". O 4º Conde de Mafra, Tomás de Mello Breyner, narra nas suas Memórias (1869-1880) episódios ocorridos consigo, quando criança, na biblioteca, local ideal para a patinagem, de onde os príncipes e jovens cortesãos partiam para "dar a volta toda ao palácio sempre patinando" (p. 298). Recorda ainda os livros com estampas, algumas interditas aos visitantes da sua idade, que consultara demorada e repetidamente (p. 299-300). Aires de Sá publica Príncipe Real D. Luís Filipe (Lisboa), com interessante anotação sobre uma visita de Dom Carlos à biblioteca do Paço (ver 1902). Memórias de Tomás de Mello Breyner Também me divertia durante horas vendo estampas. E que estampas, que riqueza de gravuras! O que eu gostava de ver um livro enorme ricamente encadernado, tendo cantos e fechos de metal. Dentro estavam representadas todas as cerimónias na Corte dos Reis de França a começar pela sagração. As viagens de Cook numa edição grande e largamente ilustrada faziam as minhas delícias, bem como a representação da vida dos Padres Ermitões num tomo de grande formato e ainda as estampas com as batalhas navais contra os turcos. O livro de Andrade com todo o ensino da Arte marialva explicada em desenhos, mostrando alguns deles o Príncipe D. José dando a volta com o freio só, sem auxílio da chibata. Havia um outro livro de equitação ou arte de cavalgar com estampas ainda mais belas do que o português. Este era em francês e logo ao princípio tinha um cavalo trazido à mão por um palefreneiro de botas altas com esporas de cinco bicos e uma chibata na mão direita. O nome desse corcel de pata levantada é Le Bonite. Está escrito no alto da estampa por baixo das armas reais. 94

Ainda não pensara em ser médico, mas já me interessavam as estampas muito curiosas e bem desenhadas dum grande livro arrumado na estante das obras de medicina. Gostava de ver os esqueletos, os homens esfolados, os nervos bem patentes, as mioleiras à mostra. Este alfarrábio, para mim tão curioso passados anos, vinha a ser nem mais nem menos do que o famoso tratado de anatomia humana intitulado De humani corporis fabrica e composto por André Vesálio, anatómico flamengo do XVI século. Numa estante, quase encostada à janela grande deitando para o jardim dos buxos, estavam uns livros cujo exame me era vedado, mas que eu ia folheando com o consentimento tácito do Francisquinho da livraria, aliás encarregado de mos não deixar ver. As gravuras reproduziam candeeiros etruscos e frescos de Pompeia, alguns deles tão frescos que eu não resistia à tentação de para eles chamar a atenção de quantos rapazotes da minha idade eu apanhava o jeito, a começar por Suas Altezas. E note-se que eu era pelas mães de família considerado como companheiro de confiança para os respectivos filhos adolescentes... (Memórias de Tomás de Mello Breyner, p. 298-300)

1932 Paul de Laget publica En Portugal (Paris), obra na qual dedica capítulo a Mafra, onde se lê: "[Dom João V] fundou numerosas bibliotecas cujo fausto jamais foi igualado, tal como a da Universidade de Coimbra. A de Mafra merece uma visita" (p. 178). 1933 Junho 4 - Ernesto Soares publica O Terramoto de 1755 em Mafra, reproduzindo parcialmente o folheto manuscrito da Biblioteca Volante, intitulado Catalysis ou Assolação da cidade de Lisboa pelo terramoto do 1º Novembro de 1755 com a perservação [sic] do Real Convento junto à villa de Mafra, 95

composta pelo Padre Alberto da Fonseca Rebelo Lisbonense, graduado na Faculdade dos Sagrados Canones pela Universidade de Coimbra (O Concelho de Mafra). Setembro 24 - Carlos Galrão publica In Illo Tempore..., artigo no qual revela um documento de Dom José (27 Fevereiro 1761) arquivado nos reservados da Biblioteca de Mafra (O Concelho de Mafra). 1937 Outubro 23 - Graças ao empenho do Director Geral da Fazenda Pública, António Luís Gomes, e do Inspector Superior das Bibliotecas, Júlio Dantas, é publicado o Decreto-Lei n. 28107, que determina a abertura da BPNMafra à leitura pública, definindo também o quadro do seu pessoal: 1 segundo bibliotecário director, 1 aspirante, 1 contínuo de primeira classe e 1 contínuo de segunda classe (Crónica: Abre-se ao público a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, in Anais das Bibliotecas e Arquivos, v. 12, n. 49-50, p. 161-162). Doravante ficará administrativamente dependente da Direcção-Geral da Fazenda Pública e, tecnicamente, da Inspecção Superior das Bibliotecas e Arquivos. Transferido da biblioteca da Universidade de Coimbra, a cujo quadro pertencia, José Dias dos Santos Coelho é nomeado Bibliotecário-Director. Novembro – De acordo com ofício do Director, José dos Santos Coelho, é autorizada superiormente a construção "nesta biblioteca de um tanque em cimento armado, para aproveitamento da água das chuvas, destinada a prover este estabelecimento com a água necessária para a sua limpeza [...]".

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José dos Santos Coelho

1938 Janeiro 2 - A BPNMafra é aberta à leitura pública. Aproveitando a visita do Curso de Férias da Universidade de Lisboa é inaugurada uma exposição da camoneana do acervo. 97

Março - É inaugurada uma exposição de Livros de Medicina, por ocasião da visita do Auto Club Médico Português. Abril 23 - O Regionalista (artigo intitulado Biblioteca de Mafra) publica carta de José Dias dos Santos Coelho (datada de 18) sobre o movimento da biblioteca, realçando as doações dos ilustres mafrenses, Júlio Ivo e Carlos Galrão. A Comissão Cultural do Sport Algés e Dafundo é recebida em Mafra, onde se desloca para visitar uma exposição bibliográfica organizada pelo director da Biblioteca. Abril 26 – O Diário de Notícias informa que a Polícia de Investigação Criminal prossegue as averiguações sobre um importante furto de livros raros na BPNMafra, tendo detido como suspeito o almoxarife do Palácio, José da Costa Jorge, o qual recolheu aos calabouços do Torel. Abril 27 – José da Costa Jorge, antigo conservador da Biblioteca, é remetido ao tribunal da comarca de Mafra, implicado num furto de livros raros (Diário de Notícias, 28 Abr.). Maio 1 - O Bibliotecário-Director concede entrevista a O Regionalista (O Roubo de preciosos volumes na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra), na qual revela a ocorrência de um vultoso furto, alegadamente praticado por José da Costa Jorge, na BPNMafra. Julho 22 - José Dias dos Santos Coelho remete à Direcção da Fazenda Pública ofício com o inventário dos cerca de 70 títulos furtados da BPNMafra, juntamente com número considerável de gravuras. A lista inclui seis incunábulos, jamais recuperados, que se julga poderem achar-se (actualmente) em Inglaterra: Comentários, de Júlio César (1469), Vitae philosophorum, de Diógenes Laércio (1475), Satyrarum opus, de Francisco Filelfo (1476), Livre de Baudouin conte de flandres et de Ferrãt filz au roy de Portingal (1478), Regimiento de los principes 98

(1474), Leyes hechas por los muy altos e poderosos principes e señores dõ Fernãndo y la reina Dõna Isabel (1495). Julho 27 - Encontra-se concluído o inventário dos jornais da BPNMafra, incluindo os doados por Júlio da Conceição Ivo (inédito). Agosto - É inaugurada uma mostra de crónicas portuguesas, obras respeitantes a Ordens religiosas e encadernações notáveis. Outubro - São devolvidos à biblioteca diversos manuscritos que lhe pertenciam, bem assim como as Obras do Doctor Francisco Saa de Miranda (1614) e as Obras de Luis de Camões (1669), volumes estes na posse de um particular que os detectara entre livros herdados. 1939 Janeiro 1 - Carlos da Silva Lopes publica A Biblioteca de Mafra (O Concelho de Mafra). Janeiro - Exposição de livros raros e preciosos. Março - São integrados no acervo da biblioteca os Forais manuelinos de Vila do Prado (1510) e de Terras de Bouro (1514), remetidos pela Repartição do Património da Direcção-Geral da Fazenda Pública. Abril - Exposição de obras relativas à história da imprensa desde o século XV (cf. Uma admirável exposição bibliográfica, in O Concelho de Mafra, 7 Mai. 1939). José da Costa Jorge é condenado a dois anos de prisão pelo furto de livros da BPNMafra, alguns dos quais jamais seriam recuperados. Agosto - São incorporadas 26 obras de cariz religioso que se achavam numa arrecadação do Convento das Trinas. Outubro 7 - O director da BPNMafra conclui a elaboração do catálogo das Obras quinhentistas de autores nacionais impressas no estrangeiro (inédito). A arrumação é muito alterada no que diz respeito às 99

obras guardadas nas estantes inferiores, mantendo-se apenas nas da Galeria. Naquelas, "para se obter um efeito estético mais agradável à vista, os volumes foram dispostos por ordem crescente de alturas"! 1940 Agosto - É reincorporado na biblioteca o Real Edificio Mafrense visto por fora e por dentro (1828), obra manuscrita de frei João de Santa Ana. Agosto 21 - Até esta data apenas dezanove dos volumes furtados por José da Costa Jorge foram recuperados. Outubro 14 - Exposição de obras de temática militar, cuja Relação (inédita) é elaborada por José Dias dos Santos Coelho. A. P. publica Leituras Militares na Biblioteca Nacional de Mafra (Infantaria, a. 7, n. 83, p. 554-560), incluindo o elenco das obras patentes. 1941 Janeiro 3 – Guilherme Assunção publica o artigo A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra é, no género, uma das maiores do mundo (O Primeiro de Janeiro), onde faz o que chama "uma sucinta e modesta descrição da sua grandiosidade". Maio 17 - Correia da Costa publica Política do Espírito: A Biblioteca do Mosteiro de Mafra (Diário de Lisboa). Dezembro - Guilherme Assunção publica a introdução do catálogo Os Clássicos latinos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Ocidente, v. 15, n. 27, p. 417-421). 1942 António Ibot publica, em Madrid, Fuentes Historicas Españolas en la Biblioteca del Palacio Nacional de Mafra (Portugal). José dos Santos Coelho publica Uma Edição póstuma, antedatada, da obra "Concordia Liberi Arbitrii" (Anais das Bibliotecas e 100

Arquivos, v. 15, n. 57-60, p. 43-46), reportando-se ao exemplar desta controvertida obra do jesuíta Luís de Molina existente no acervo, no qual detectou algumas discrepâncias que deixa anotadas. Dezembro 6 - J. M. Cordeiro de Sousa publica Notícia de algumas Livrarias (O Concelho de Mafra), onde transcreve duas cartas de Dom Luís da Cunha comunicando a Dom João V as suas impressões sobre livrarias europeias que visitou, com vista à organização, presume o editor, da de Mafra. 1943 António de Andrade Rebelo substitui José Dias dos Santos Coelho. Abril 4 - J. M. Cordeiro de Sousa publica Outra Carta de D. Luiz da Cunha (O Concelho de Mafra), sobre o assunto supra. 1944 Guilherme José Ferreira de Assunção publica Uma Bula do Papa Bento XIV para a Biblioteca de Mafra (Ocidente, v. 23, p. 164-173). 1945 Setembro - Exposição de obras sobre o Brasil. Dezembro – Temporais danificam caixilharias da Biblioteca e salas anexas, "partindo-se mesmo alguns pinásios, sendo de 142 o número de vidros quebrados". 1946 Maio / Agosto - Carlos Galrão publica Um problema de cerâmica (Bol. da Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 12), artigo no qual, reportando-se à herança do padre Alexandre António Duarte (sobrinho do cónego regrante Mariano António Duarte), informa que "muitos volumes eram da Livraria do Convento, de que tinham a marca" (p. 211). 101

Julho – Durante uma visita de inspecção à BPNMafra, o Inspector da Inspecção Geral das Bibliotecas e Arquivos, António Ferrão, emite o parecer de "que para melhor segurança das espécies, deviam dotar-se as estantes [inferiores] de portas, fechadas à chave, com rede de arame [...]"! Agosto 16 – O parecer de António Ferrão é oficialmente comunicado a A. Luís Gomes, Director Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. 1947 Abril - António de Andrade Rebelo compõe um elenco das Obras relativas à Cidade de Lisboa (inédito). Abril 11 – É apresentada ao Director-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais uma proposta no sentido de ser estudada a instalação de alojamentos destinados ao Director da Biblioteca, uma vez que, por despacho de 17 de Janeiro, o Ministro das Finanças se dignara concordar com a ideia. Setembro 3 – A obra de vedação das estantes da Biblioteca continua pendente. Setembro / Dezembro - Guilherme Assunção publica Os Incunábulos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Bol. da Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 16, p. 393-407), descrevendo 17 cimélios. 1948 Fevereiro 3 – O Director de Serviços dos Monumentos Nacionais oficia ao engenheiro Director Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, informando-o "de que já se encontra colocada numa das estantes da BPNMafra, como amostra uma grade em madeira e rede, segundo, desenho junto [...]". Março – A Biblioteca Municipal de Mafra envia à Biblioteca do Palácio a Bula do Papa Bento XIV que estipula a excomunhão para todos quantos dela retirem livros sem autorização. 102

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Março 12 – Ofício do Director de Serviços dos Monumentos Nacionais remetido ao engenheiro Director Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais informa "que para a execução de 536 grades para as estantes da BPNMafra se torna necessária uma verba de Esc.: 118.000$00". Junho 6 - A propósito da publicação de Os Incunábulos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, o periódico O Concelho de Mafra noticia que o mesmo autor tem prontos para publicação os três volumes da Biblioteca Volante de frei Matias da Conceição. Julho – O Professor Robert Smith é impedido de visitar a Biblioteca pelo contínuo Fernando da Cunha Oliveira, mandatado pelo Director da mesma. 1949 Fevereiro 2 – Ofício recebido pelo engenheiro Director Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais informa-o que a residência do Director da BPNMafra, poderia ser instalada na que estava destinada ao Conservador do Palácio. Maio / Agosto - Guilherme Assunção dá à estampa A Biblioteca Volante de Frei Matias da Conceição: prefácio da obra com o mesmo título (Bol. da Junta de Província da Estremadura, s. 2, n. 21, p. 237242) e tem prontos para publicação As Bíblias da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e Os Atlas da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (inéditos). Junho 4 – Ofício estima em Esc. 97.950$00 a importância necessária para as obras da residência destinada ao Director da Biblioteca. O bibliotecário apresenta o Esboço da participação da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e Biblioteca Municipal nas cerimónias a realizar por ocasião do duplo centenário da morte de D. João V. À BPNMafra competiria organizar um Sarau de Arte (de que constaria a representação do Auto da 106

Fundação do Convento de Mafra, a declamação de poesias e panegíricos alusivos a Dom João V e um concerto de música de Câmara profana e sacra), uma Exposição de espécies bibliográficas e um ciclo de Conferências. 1950 Abril - Guilherme Assunção procede à catalogação dos Livros de Horas, elaborando, igualmente, a descrição dos 4 Globos da Biblioteca do PNMafra (inédita). Maio - Guilherme Assunção elenca as Obras relativas a São João de Deus (inédito).

Aspecto da exposição bibliográfica comemorativa do Bicentenário do falecimento de Dom João V.

Julho 30 - A Biblioteca e o Palácio Nacional, conjuntamente com a Biblioteca Municipal, inauguram diversas exposições bibliográficas e de arte, comemorativas do Bicentenário do falecimento de 107

D. João V. No seu âmbito é editada uma brochura intitulada D. João V sua vida e obra: catálogo da exposição bibliográfica comemorativa [BN: B 3511 P]. 1951 Setembro 15 – O projecto para a residência do Director da BPNMafra é abandonado, sendo-lhe atribuída a habitação do encarregado do pessoal menor, "acrescida de alguns melhoramentos". Outubro 1 - Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes é nomeado director da biblioteca. O padre Ilídio de Sousa Ribeiro publica Frei Francisco de Santo Agostinho Macedo: um filósofo português e um paladino da Restauração (Coimbra, 1951), estudo no qual arrola as obras do biografado constantes do acervo da BPNMafra. 1952 Março 26 – Novo estudo para a habitação do bibliotecário é presente ao Arquitecto Chefe da Repartição Técnica da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Exposição de livros militares e relativos à História de Inglaterra. Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes conclui o catálogo das Obras de Medicina e Farmácia (inédito). Julho 5 - Maria Brak-Lamy Barjona de Freitas publica a Arte do Livro no Convento de Mafra (A Voz), artigo no qual revela documentos setecentistas inéditos do Arquivo Histórico do Ministério das Finanças (inventários de 1771, fl. 52-54 e de 1792), descrevendo os objectos pertencentes à oficina de encadernador (Casa do Livreiro) do Convento de Mafra, bem como as encadernações-tipo que ali se realizavam: Carneira "atamarada" (sombreado castanho-claro, macio, geralmente obtido com soda cáustica muito diluída), cantos de metal presos por balmazios, 6 nervos, tendo na 2ª casa a seco letras (título) e na 5ª a palavra MAFRA. 108

Agosto 9 – Novo artigo de Maria Brak-Lamy Barjona de Freitas intitulado a Arte do Livro no Convento de Mafra. II – Estampilhagem (A Voz), no qual narra a sua visita ao Palácio-Convento de Mafra (no dia 29 de Maio) com o intuito de observar as estampilhas metálicas utilizadas pelos religiosos do cenóbio para ornar livros existentes na Biblioteca. Outubro – Uma infiltração no tecto da BPNMafra provoca a queda do estuque em diversos locais da abóbada apainelada, designadamente no lado nascente do cruzeiro. A resolução do problema arrastou-se até 1968, ano em que foram realizados alguns arranjos, porém não impeditivos de novas infiltrações, que haviam de repetir-se ciclicamente até às obras empreendidas na década de 1980. A Arte do livro no convento de Mafra II. Estampilhagem [...]. No alto de umas intérminas escadarias surge a figura desempenada do director [Ayres de Carvalho] que amavelmente se propunha acompanhar-nos na visita [...]. Dissemos ao que íamos: - Haverá alguns ferros de dourar?... Não se nos tirava do pensamento aqueles 78 ferros, 4 rodas e dois abecedários que em 1771 enriqueciam a "casa do Livreiro" e se tinham... volatilizado... Insistimos em persistência, teimosa. O pintor começava a irritar-se... - O que há são umas peças de latão... Luziu-nos uma esperança: - Sim os "ferros" embora assim se designem, na verdade são de bronze... - Mas não é nada disso, posso mostrar... [...]. Aires de Carvalho que agora segurava um pequeno embrulho esclarecia: - Quando vim para o Museu, isto andava a monte. Encontrei uma série de peças soltas, esparsas, que reuni e coleccionei. Não sei se têm relação com os livros – e ia 109

desatando o embrulho que nós espreitávamos curiosa. Tratava-se do Inventário 6736, constituído por um lote de 1201 peças de latão: letras maiúsculas, minúsculas, sinais, ornatos. Então surgiu uma colecção de estampilhas recortadas na folha de latão conhecido por ouro mouro, a recordar-nos o tempo em que, muito nova, dirigiamos o Jornal da Mulher e então a esse género de trabalho era elegante chamar, à francesa, pochoir. A quantidade de estampilhas, o seu desenho cuidado, o recorte apuradíssimo, constituía outra manifestação do amor que os frades consagravam ao livro, era outra modalidade conventual – e bem interessante – da arte do livro e que, francamente, não esperávamos ir aí encontrar. Examinávamos as diferentes peças, muito deterioradas, amachucadas, pedaços de ornato partidos, mas notando em todas uma aresta de recorte primorosíssimo o que é difícil obter, dada a natureza desse metal. Procurávamos imaginar o efeito da sua reprodução. A este tempo o espírito de artista já estava a vibrar em Aires de Carvalho, a despertar-lhe o interesse, a querer ver o que aquilo seria. Em poucos momentos aparece munido da tinta litográfica usada nos seus trabalhos de gravura, a que se tem dedicado com primorosos resultados. Trazia um pincel e papel... de máquina. Estávamos a compreendermo-nos sem falar e então a cena que obedecia a um pensamento artístico, tomou um aspecto de infantilidade: não tínhamos nada próprio para o trabalho mas tínhamos mais do que isso – tínhamos a boa vontade. Eu mantinha as peças seguras; Aires de Carvalho empunhava orgulhosamente o pincel e ia lambuzando os recortes. Mas as peças, muito encarquilhadas, contorcidas, perdido o hábito do trabalho, tendo sofrido maus tratos dos homens e do tempo, partidas aqui, amolgadas além, esquecidas da planificação arrebitavam os contornos; o pincel espirrava riscos por baixo do recorte. Mas apesar de todos esses contras, conseguíamos uma ideia do labor dos frades, uma ideia dos seus modelos, alguns de notável elegância. Entusiasmados, admirávamos o nosso trabalho e íamos 110

conhecendo as placas mais apresentáveis e as folhas de papel cobriam-se com os modelos ornamentais – o que mais nos interessava – pondo de parte letras e sinais. [...]. E ante os pobres restos de um esplendor passado, aos nossos olhos como que perpassava a visão dessas figuras anónimas que o burel cingia, acobertando nomes ilustres, almas de artista, faculdades notáveis, que se apagavam na renuncia, no anonimato, fundindo-se num todo, sombras deslizando nos longos corredores a alcançarem a oficina onde no arroubo da fé e no enlevo da arte criavam a beleza. E parecia-me vê-los curvados sobre sobre essa longa mesa negra que ali estava silenciosos e atentos acarinhando os livros da sua valiosa biblioteca, dando-lhes forma e graça, ilustrando-os com as suas estampilhas, que talvez algum donato fosse chamado a segurar como eu agora as estivera segurando. [...].

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1953 Março - As Obras de Joaquim Machado de Castro são inventariadas pelo director (inédito). Julho - Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes tem concluído o catálogo das Obras contendo gravuras das cidades fundadas e conquistadas pelos portugueses fora da Europa (inédito). Setembro - O director elabora o inventário das Obras relativas à Casa de Bragança (inédito). 1954 Março - Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes conclui o catálogo das Obras de Santo Agostinho da BPNMafra (ver 1955). Maio 13 - São incorporadas 90 obras de farmácia, na sua maioria edições dos séculos XVIII e XIX, doação de Jorge Pereira da Gama. Junho 27 - Ayres de Carvalho publica Uma estátua equestre do Rei D. João V (Diário de Notícias), artigo no qual se ocupa de um opúsculo de João António Beline de Pádua, integrado na Biblioteca Volante [BPNMafra: 2-29-3-6]. 1955 Abril / Junho - A Revista Portuguesa de Filosofia (t. 9, v. 1, n. 2, Abril - Junho, p. 193-196) publica o Catálogo das obras de Santo Agostinho existentes na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, organizado por Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes. Georges Bonnant publica La Librairie Genevoise au Portugal du XVIe au XVIIIe siècle (in Genava, nova série, t. 3, p. 183-200). Exposição sobre a História da Imprensa. A. Ferrand de Almeida Fernandes publica A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Arquivo de Bibliografia Portuguesa, a. 1, n. 3, Jul. - Set., p. 225-229; n. 4, Out. - Dez.). 112

1956 Carlos Azevedo publica, em Londres, Some Portuguese Libraries (The Connoisseur Year Book, p. 31-39). Janeiro / Março - A. Ferrand de Almeida Fernandes conclui a publicação de A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Arquivo de Bibliografia Portuguesa, a. 2, n. 5, p. 39-49). Fevereiro 18 - Manuel dos Santos Estevens profere na sala da biblioteca conferência subordinada ao título Evolução das Bibliotecas eruditas em Portugal. Exposição de obras ostentando marcas de posse. Abril - Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes estabelece o indículo das obras do acervo sobre o Beato Nuno Álvares Pereira (inédito). Junho 23 - Alberto Iria profere conferência (a 3ª do ciclo) sobre O Congresso de Biblioteconomia do Recife [1954]: alguns aspectos, problemas, soluções e sugestões, sendo apresentado por A. Ferrand de Almeida Fernandes (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 3, v. 1, p. 261-303). Dezembro 20 - O Arquivo Histórico Ultramarino oferece 149 espécies bibliográficas e 52 cartas manuscritas. 1957 Janeiro / Junho - O director publica Notícia sobre o exemplar da Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente, da impressão de 1562, existente na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Arquivo de Bibliografia Portuguesa, a. 3, n. 9-10, p. 10-15), descrevendo esta raridade bibliográfica e anotando as censuras e advertências manuscritas do censor inquisitorial a quem fora confiado o seu expurgo. Maio 20 - A. Ferrand de Almeida Fernandes suspende transitoriamente o desempenho das suas funções de director, sendo substituído interinamente por Francisco Xavier Martins. 113

Página censurada da Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente (Lisboa, 1562)

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Junho 12 - É inaugurada uma exposição de obras de temática bíblica, cuja Relação (inédita) tem data de 21 de Maio. 1958 Guilherme Assunção publica Um grande bibliotecário dos começos do século XIX (in À Sombra do Convento, p. 77-84). O carmelita frei Elias Maria Cardoso dá à estampa A Bibliografia Condestabriana (Roma), onde regista os exemplares do acervo da Biblioteca que interessam ao tema. Março 14 - São enviados para o Paço Ducal de Vila Viçosa cerca de um milhar de volumes, na sua maioria romances de literatura francesa, que haviam pertencido a Dom Carlos e à Rainha Dona Maria Pia.

Traça do papel

E. J. F. Sampaio publica os artigos Contribuição para o estudo da entomofauna do livro em Portugal e Situação sanitária das bibliotecas e Arquivos (Anais das Bibliotecas e Arquivos de Portugal, s. 3, p. 376-382 e 383-394, respectivamente). No primeiro destes artigos descreve os bibliófagosxilófagos detectados na Biblioteca de Mafra: Nicobium Castaneum Ol. e Anobium Punctatum Deg. (papel e lâminas de madeira das encadernações); 115

Térmitas masculina e feminina

Barata

Bicho da prata

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Anthrenus Verbasci L. e Attagenus Sp. (cabedais); Stegobium Paniceum L. (zonas de colagem). 1959 Julho 29 - Por ocasião da visita do Imperador da Etiópia, Heilé Seilassié, é inaugurada uma exposição de obras relativas àquele país, cujo Elenco (inédito) é elaborado por Guilherme Assunção. Novembro - Francisco Xavier Martins compõe os inventários das Obras do Padre Manuel Álvares e de Frei Gregório Baptista (inéditos). 1960 A. Fontoura da Costa publica A Marinharia dos Descobrimentos, com referências a obras da Biblioteca. Dezembro 31 - Álvaro Ferrand de Almeida Fernandes abandona definitivamente o cargo de director, deixando inéditos, entre outros trabalhos, os catálogos: Obras sobre História de Portugal, Obras de Manuel Almeida e Sousa, Obras de Anatomia, etc. 1961 Georges Bonnant publica La Librairie Genevoise dans la Peninsule Ibérique au XVIIIe siècle (in Genava, t. 9, p. 103-124). Março 3 - Com a saída de Francisco Xavier Martins, o aspirante Guilherme Assunção torna-se responsável pela biblioteca. Março 7 - Guilherme Assunção tem concluído o Catálogo das Bíblias em Português (inédito). Agosto 23 - É inaugurada uma exposição de obras de temática militar.

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Guilherme Assunção

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1964 Abril / Junho - Guilherme Assunção publica Obras de tipografia belga na Biblioteca de Mafra, século XVI (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 5, n. 2, p. 260-270). Junho - Para assinalar a visita de Oficiais e Cadetes das Academias Militares de Espanha e de Portugal é inaugurada uma exposição de livros militares. É elaborado um resumo da história e situação da biblioteca, destinado ao Roteiro das Bibliotecas Portuguesas. Julho / Setembro – Guilherme Assunção publica Obras de tipografia francesa na Biblioteca de Mafra, séculos XV e XVI (idem, n. 3, p. 453-481). Outubro 22 - Carlos Taveira oferece 14 livros religiosos e históricos do século XVIII. Outubro / Dezembro - Guilherme Assunção publica Obras de tipografia austríaca, holandesa e portuguesa na Biblioteca de Mafra, século XVI (idem, n. 4, p. 635-639). 1965 Janeiro / Março - Guilherme Assunção publica Obras de tipografia espanhola na Biblioteca de Mafra, século XVI (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 6, n. 1, p. 135-148). Abril - Guilherme Assunção elabora o elenco das Obras de Manuel Fernandes Vila Real (inédito). Outubro - As Obras de Gil Vicente são alvo de inventário (inédito) elaborado por Guilherme Assunção. 1966 Janeiro - Por ocasião da visita do Ministro da Guerra do Brasil é organizada uma mostra de livros sobre aquele país e sobre assuntos militares. Guilherme Assunção tem elaborado o indículo das Obras do Cardeal César Barónio (inédito). Janeiro / Março - Guilherme Assunção publica 119

Obras de tipografia alemã na Biblioteca de Mafra, séculos XV e XVI (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 7, n. 1 p. 71-89) Abril / Junho - Guilherme Assunção inicia a publicação de O Brasil nas obras da Biblioteca de Mafra (idem, n. 2, p. 310-362). Julho / Setembro - Fica concluída a publicação de O Brasil nas obras da Biblioteca de Mafra (idem, n. 3, p. 474-511). Outubro / Dezembro - Luís de Matos referencia as obras de António de Gouveia (Comédias de Terêncio, Paris, 1552 e Opera Iuris Civilis, Lyon, 1562) pertencentes ao acervo (Sobre António de Gouveia e a sua obra, in idem, n. 4, p. 557-583). 1967 Para assinalar uma visita cultural dos Amigos de Lisboa são expostas obras sobre esta cidade. É ainda organizada uma mostra de livros militares, subordinada aos temas: Infantaria, Artilharia, Engenharia, Ética e Disciplina Militar e Cavalaria. Janeiro / Março - Guilherme Assunção publica Obras de tipografia italiana e suiça na Biblioteca de Mafra, séculos XV e XVI (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 8, n. 1, p. 70-103). Abril / Junho - Guilherme Assunção dá início à edição de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 2, p. 136-181). Julho / Setembro - Prossegue a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 3, p. 319-334). No mesmo Boletim, Guilherme Assunção inclui uma nota sem título, destinada a indicar algumas obras erradamente dadas como existentes na Biblioteca de Mafra por J. A. Anselmo (ver 1926) e a corrigir descrições de outras (p. 104), reproduzindo facsimilado o folheto da Biblioteca Volante [BPNMafra: 2-55-8-7 (49º)] Relação curiosa de uma célebre disputa que teve um 120

saloio com uma sécia da corte sobre os excessos da francesia (p. 334-342). Outubro / Dezembro - Continua a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 4, p. 615-626). 1968 De visita a Mafra, os participantes no V Colóquio Luso-Espanhol Académico Militar são brindados com uma exposição de livros militares. Janeiro / Março - Guilherme Assunção prossegue a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 9, n. 1, p. 56-75) Maio 19 - Por carta, Guilherme de Assunção comunica à Fundação Calouste Gulbenkian ter pronto para publicação As Belas Artes da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (três pastas, com cerca de seis centenas de folhas dactilografadas, inéditas). Tem concluído igualmente o elenco das Gramáticas impressas na Europa (inédito). Julho / Setembro - Guilherme Assunção prossegue a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 3, p. 473-486). Outubro - Organiza uma lista das Obras de Beda (inédita). Outubro / Dezembro - Continua a edição de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 4, p. 589-615). 1969 Fevereiro 28 - O tremor de terra que se faz sentir provoca alguns estragos na biblioteca, designamente na abóbada apainelada: "apareceram algumas fendas e caíu estuque de um tecto". Novembro - A sala de leitura é instalada no piso térreo, junto do cruzeiro, local onde se mantém. 121

1970 Abril / Junho - Guilherme Assunção prossegue a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 11, n. 2, p. 263-325). Agosto - As Obras do Conde de Lippe são inventariadas (inédito) por Guilherme Assunção. Outubro - Dezembro - Continua a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, n. 4, p. 625-637). 1971 Março - Guilherme Assunção elabora o catálogo das Obras do Padre António Vieira (inédito). Anthony Hobson (Grandes bibliothèques, p. 239) refere com clareza que a Biblioteca de Mafra : "Não obstante a sua formação tardia, trata-se de uma biblioteca muito monástica que lembra Saint-Gall ou Admont", considerando-a, conjuntamente com a da Universidade de Coimbra, uma das 32 grandes bibliotecas da Europa e da América do Norte. Setembro - Guilherme Assunção abandona a biblioteca, deixando inéditos, além dos enumerados, outros catálogos, como: Obras de Séneca, o Retórico, impressas antes de 1700; Música manuscrita e estampilhada; etc. 1972 Julho / Setembro - Guilherme Assunção prossegue a publicação de Os Folhetos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Bol. Internacional de Bibliografia Luso-Brasileira, v. 13, n. 3, p. 499-534), a qual será interrompida, permanecendo inéditas seis pastas, num total de mais de um milhar de folhas dactilografadas. Novembro 30 – As infiltrações persistem, danificando "a talha das estantes da Biblioteca", segundo ofício de António Cândido Monteiro Guerreiro. 122

1978 Outubro – As infiltrações continuam. 1979 Janeiro 29 - M. V. H. publica Da Biblioteca Nacional à do Convento de Mafra: o roteiro de uma incapacidade para renovar (Diário de Notícias). 1981 Setembro 16 - A Autarquia oficia ao Presidente do então Instituto Português do Património Cultural, recordando os inconvenientes resultantes da inexistência quer de Conservador, quer de Bibliotecário no Palácio. 1982 Francisco Leite de Faria publica Difusão extraordinária do Livro de Frei Tomé de Jesus (Anais da Academia Portuguesa de História, s. 2, v. 28, p. 165234), estudo no qual inventaria os exemplares dos Trabalhos de Jesus existentes no espólio. 1983 Maio 17 - Luís Filipe Marques da Gama é nomeado director do Palácio Nacional assumindo, por inerência, a responsabilidade pelas actividades empreendidas pela biblioteca, local onde lhe será dada posse no dia 1 de Junho. 1984 O Técnico de BAD Carlos Francisco Abreu e Silva entra ao serviço da biblioteca que, após um interregno de 12 anos, volta a abrir ao público. É efectuada uma desinfestação total da BPNMafra. Marie Thérèse Mandroux-França publica L' Image Ornamentale et la Litterature Artistique importées du XVIe au XVIIIe siècle: un patrimoine meconnu des 123

Bibliothèques et Musées Portugais (Bol. Cultural da Câmara Municipal do Porto, s. 2, v. 1, p. 143-174) com referências a obras da Biblioteca. 1985 A Fundação Calouste Gulbenkian edita o Catálogo dos Fundos Musicais da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra, de João Azevedo. Janeiro 29 - Luís Elias Casanovas dá início aos registos das condições ambiente (temperatura) na Biblioteca. Janeiro / Junho - Justino Mendes de Almeida publica Copilacam de todalas obras de Gil Vicente (Lisboa, em casa de João Álvarez, 1562): O Exemplar da Livraria de Mafra (in Bibliotecas, Arquivos e Museus, v. 1, n. 1, p. 23-30), onde estuda a censura de que o cimélio foi alvo, de acordo com as normas expressas no Index auctorum damnatae memoriae, de 1624, ou constantes de notas marginais, reproduzindo os fólios em que ocorrem. Julho / Dezembro - No âmbito das comemorações do Ano Internacional da Música é organizada uma exposição bibliográfica subordinada ao título A Música no Palácio e Convento de Mafra nos séculos XVIII e XIX. Dezembro 4 - São dados por concluídos os registos das condições ambientais na Biblioteca. 1986 Julho / Dezembro - Exposição intitulada A Europa na Gravura do século XVIII, da qual é editado catálogo. 1987 Luís Elias Casanovas publica Análise da evolução anual das condições ambiente na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: algumas interrogações, 124

comunicação que apresentara na Semana dos Arquivos (Cascais, 1986). 1989 Junho 5 - Luís Filipe Marques da Gama deixa de exercer as funções de director do Palácio Nacional, as quais passam a ser interinamente desempenhadas por Maria Fernanda Monteiro dos Santos. 1990 O director da Biblioteca da Ajuda, Francisco da Cunha Leão, solicita a elaboração de novo catálogo dos incunábulos da BPNMafra (inédito). Julho 29 - Justino Mendes de Almeida profere em Mafra conferência subordinada ao título D. João V e a Biblioteca de Mafra. O historiador espanhol da História do Livro e das Bibliotecas, Hipolito Escolar Sobrino, integra a Biblioteca de Mafra na classe das bibliotecas conventuais, o que aliás também faz com a do Escorial (Historia de las Bibliotecas, Salamanca-Madrid). 1991 Fevereiro - A bibliotecária Isabel Abecasis publica a Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: Guia, encontrando-se a elaborar o Inventário da documentação dos Reservados, constituída por três caixas [R. 18.1.28 / 29 / 30]. Fevereiro 25 - Nesta data fica regulamentado o acesso à BPNMafra. Setembro 1 - Margarida Montenegro é nomeada directora do Palácio Nacional de Mafra. Outubro 7 - O Diário de Notícias publica artigo subscrito por H. B. M. e intitulado Mitos e Mentiras na Biblioteca de Mafra.

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Regulamento da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra Horário de Funcionamento: A Biblioteca está aberta à consulta todos os dias úteis (excepto terças-feiras) e tem o seguinte horário de serviço diário: Abertura às 10 horas; Encerramento às 17 horas Por conveniência de serviço, a sala de leitura encerra 30 minutos antes do fecho da Biblioteca. Condições de acesso: Têm acesso à sala de Leitura, os utilizadores nacionais e estrangeiros que apresentem prévia autorização escrita do Director do Palácio Nacional de Mafra. É igualmente necessária a apresentação de Bilhete de Identidade para os leitores de nacionalidade portuguesa, brasileira e demais países de língua oficial portuguesa. Aos restantes utilizadores é necessária a apresentação do passaporte e credencial do consulado, embaixada ou instituição do país de origem, confirmando a respectiva identidade, funções e âmbito da investigação a realizar. Consulta: A consulta de acervo documental da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra não está sujeita a qualquer restrição, exceptuando-se a documentação dos Reservados, classificada segundo critérios de raridade ou de conservação, à qual poderá estar vedada a sua utilização para consulta. É permitida a consulta simultânea de um máximo de 3 documentos, requisitados mediante impressos apropriados. Na sala de aleitura, com a capacidade máxima de 6 leitores, devem observar-se condições de silêncio e segurança dos espécimes em consulta, nomeadamente: a. Manuseamento cuidadoso dos espécimes de modo a evitar rasgões ou qualquer outro tipo de deterioração, como dobragem de folhas, sobreposição de livros, arrastamento, etc. Recomenda-se o mínimo de contacto com os documentos.

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b. Utilização de lápis ou lapiseira, com interdição de qualquer tipo de caneta. c. Não é permitido escrever sobre os documentos ou proceder a qualquer tipo de decalques, riscos ou anotações. Do mesmo modo não é autorizada a colocação de marcas. d. Não é permitida a entrada na sala de leitura de utilizadores acompanhados de pastas, malas, sacos ou quaisquer outros volumes. Estes devem ser deixados na recepção, à entrada do palácio. Reprografia e microfilmagem: A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra poderá condicionar a reprodução em fotocópia ou microfilme segundo critérios de conservação. No entanto, é vedada a fotocópia de manuscritos e livro antigo. Os documentos impressos, posteriores a 1801, poderão ser reproduzidos em fotocópia, condicionados igualmente ao seu estado de conservação, raridade ou valor. Os impressos pertencentes ao circuito da edição comercial, cuja difusão e comercialização se encontre activa, poderão ser fotocopiados, apenas se os termos do seu copyright o permitirem, ou a extensão dos textos a fotocopiar não abranja parte significativa da edição.

1992 Abril – Joaquim Oliveira Caetano publica A Biblioteca do Real Convento de Mafra (in VogaDecoração, n. 4, p. 51-60). Maio 25 – José Carlos Calazans tem concluída A "Casa da Livraria" do Convento de Mafra, monografia destinada à cadeira de Metodologia da História da Faculdade de Letras de Lisboa, onde, além de se ocupar da metodologia de organização da BPNMafra, estabelece o índice das obras do acervo respeitantes ao Oriente. 127

Julho – António Estácio dos Reis publica Um astrolábio diferente de todos os outros (Oceanos, n. 11, p. 35-42), onde alude ao volume do Tesouro de Prudentes (Lisboa, 1712) pertencente ao acervo da Biblioteca. Outubro 14 – A directora do PNMafra concede entrevista, em que revela projectos destinados à valorização a curto prazo da Biblioteca, os quais, no entanto, ainda não chegaram a ser concretizados (Biblioteca de Mafra vai sacudir a naftalina, in Correio da Manhã). 1993 Isabel Abecasis publica A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Cadernos BAD, n. 2, p. 93-100). José Carlos Calazans publica A "Casa da Livraria" do Palácio Convento de Mafra (Bol. Cultural '92 da Câmara Municipal de Mafra, p. 9-26), ocupando-se da metodologia de organização da BPNMafra, e O Núcleo da Ásia do Palácio-Convento de Mafra (Para além da Taprobana: de Lisboa a Nagasaqui, p. 9-18). 1994 A técnica BAD Teresa Amaral assume o cargo de bibliotecária. A Secretaria de Estado da Cultura e o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro publicam o volume 1 do Inventário dos Códices Iluminados até 1500 do Distrito de Lisboa, no qual são descritos 10 dos Livros de Horas pertencentes ao acervo da BPNMafra (n. 488-497, p. 330-334). Fevereiro – Manuel J. Gandra publica A Filosofia Hermética em Portugal e no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e Atanásio Kircher (16021680), Doutor das Cem Artes: Ecos portugueses e presença na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (Bol. Cultural ' 93 da Câmara Municipal de Mafra, p. 128

Fólio de um dos Livros de Horas (séc. XV) do acervo BPNMafra [cofre nº 25].

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11-74 e 333-340, respectivamente). José Carlos Calazans publica Erros e incorrecções em Registos Bibliográficos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (idem, p. 363-366). Maio – Manuel J. Gandra colabora no catálogo As Tentações de Bosch e o Eterno Retorno, com artigo onde cita algumas obras de alquimia existentes na BPNMafra. Dezembro – Manuel J. Gandra publica Organaria Mafrense: resenha histórico-cronológica e bibliográfica, comunicação que apresentou ao 1º Encontro Internacional de Órgão (Mafra), na qual divulga dados inéditos sobre os órgãos da Basílica de Mafra, bem como fornece catálogo das partituras para órgão que se conservam na BPNMafra. 1995 Fevereiro – O Bol. Cultural ' 94 da Câmara Municipal de Mafra inclui artigos de: Manuel J. Gandra, que inventaria algumas obras de Kabbalah do acervo (A ideia do Monumento de Mafra: arquitectura e hermetismo, p. 69, nota 146); Paulo J. S. Barata, ocupando-se de um conjunto de cerca de 100 das 1000 inquirições jurídicas De Genere, Vita et Moribus (pastas 1-5: 1739-1833) dos frades Menores da Província de Santa Maria da Arrábida integradas no acervo da BPNMafra (Admissão dos Noviços Arrábidos, p. 79-85); Isabel Abecassis (A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: condições de conservação, p. 87-94); José Carlos Calazans (Dos Livros desaparecidos da Real Biblioteca do PalácioConvento de Mafra, p. 393-399). Março – Margarida Montenegro publica A Real Biblioteca de Mafra (Casa - Decoração, n. 113, p. 8490) Outubro 22 – João Manuel Resina Rodrigues profere palestra promovida pela Liga dos Amigos de Mafra, 130

subordinada ao título: A propósito de alguns livros científicos portugueses da Biblioteca do PNMafra. 1996 Decorrem filmagens de cenas das Viagens de Gulliver. Março – Isabel Abecasis publica A Imagem Científica no Livro do século XVIII: alguns exemplos presentes na Livraria do Convento de Mafra (Boletim Cultural ’95, p. 53-70). Manuel Gandra publica Icones Symbolicae: contributo para o conhecimento da recepção e difusão da Cultura Simbólica em Portugal e sua presença na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra e Parenética Mafrense impressa (idem, p. 9-52 e 402-409, respectivamente). Abril 18 / 19 – O programa Acontece (RTP 2), de Carlos Pinto Coelho, é transmitido em directo da BPNMafra. Junho – Manuel J. Gandra publica O aperto de mão e a tourada têm uma origem comum (Tauromaquia e Tauródromos no Concelho de Mafra), incluindo referência aos folhetos da Biblioteca Volante descrevendo combates, festividades e outros eventos ocorridos com touros em Lisboa (Terreiro do Paço, Rossio, Campo Pequeno, etc.), Sacavém, Coina, etc. Julho 28 - Manuela Preto publica Onde o Saber ocupa lugar: a Biblioteca do Palácio de Mafra (Correio da Manhã). Outubro 19 – No âmbito das comemorações do 266º aniversário da Sagração da Basílica de Mafra, e na presença de Sua Exa. o Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, o New London Consort realiza um Concerto de Gala na Biblioteca. Na mesma ocasião o Chefe do Estado inaugura uma exposição de Partituras Históricas. O concerto seria repetido no dia imediato. Novembro 16 - Manuel J. Gandra publica o glossário 131

Mafra Mítica, Hermética e Simbólica (Da Vida, da Morte e do Além, p. 153-223), no qual referencia bibliografia do acervo subordinada às vozes Anjo, Anjo Custódio, Anticristo, Apocalipse, Ar, Bruxa, Cometa, Espírito Santo, Hermas, Kabbalah, Livre arbítrio, Magia, Mahdi, Profecia, Sabatai Sevi e Sibila. 1997 Abril 19 - Manuel J. Gandra publica A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: cosmologia e mnemotecnia (Bol. Cultural ’96 da Câmara Municipal de Mafra, p. 9-70). Outubro 23 - Manuel J. Gandra dedica à BPNMafra um capítulo do seu livro Da Face oculta do Rosto da Europa. Outubro 25 - A Sinfonietta de Lisboa dá recital na Biblioteca, no âmbito do I Festival Internacional de Música de Mafra. Novembro – No âmbito do mestrado de História e Cultura do Brasil, Isabel Maria Figueiredo Iglésias de Oliveira apresenta a tese de mestrado Testemunhos do Brasil na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (séculos XVI e XVII) [BN: HG 45556 V]. 1998 Set. / Dez. – A exposição Os Mares: novos Mundos descobertos, para assinalar o Quinto Centenário da viagem de Vasco da Gama, conta com catálogo homónimo, organizado por Maria Teresa Amaral. Outubro 4 – No âmbito do II Festival Internacional de Música de Mafra, o Grupo Vocal Olisipo, sob a direcção artística de Richard Gwilt e Jill Feldman, interpreta a versão de concerto de Venus and Adonis de John Blow. Outubro 24 – A Capela Real, dirigida por Stephen 132

Bull, interpreta obras de Avondano, Seixas e Vivaldi, incluindo Danças do Barroco, ainda no âmbito do mesmo Festival. 1999 Outubro 9 – Recital subordinado ao título A Arte da Fuga, por Ton Koopman e Tini Mathot que interpretam peças de Bach, no âmbito do III Festival Internacional de Música de Mafra. Outubro 30 – Ainda no mesmo Festival, Nancy Argenta (soprano) e Eugene Asti (pianista) interpretam Canções de Strauss. Outubro 31 – Recital pela Orquestra Sinfónica Juvenil, integrado no mesmo Ciclo. Manuel J. Gandra publica: Um folheto de cordel catalão (Nueva, y verdadera relación del Assombroso, y peregrino monstruo de naturaleza, que se há descubierto en las Costas de Mafra, en el Reyno de Portugal, el proximo passado mes de Junio de 1760) seguido de um subsídio para o inventário da literatura teratológica existente na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (in Boletim Cultural ’98 da Câmara Municipal de Mafra, p. 301-314) e Parenética dos autos de fé na Biblioteca Volante de Frei Matias da Conceição (idem, p. 847-852). 2000 Exposição bibliográfica sobre Santo Agostinho, coordenada pelo Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira, no âmbito do Congresso Internacional As Confissões de Santo Agostinho 1600 anos depois presença e actualidade (13-16 Nov. 2000). Outubro 29 – No âmbito do IV Festival Internacional de Música de Mafra, a violoncelista Jian Wang interpreta as Suites 1, 2 e 4 para violoncelo solo, de Bach. 133

Novembro 5 – Sob a direcção de César Viana, é interpretada música orquestral portuguesa de João de Sousa Carvalho, João Domingos Bomtempo, Francisco Santos Pinto e César Viana, ainda no âmbito do mesmo Festival. 2001 Paulo J. S. Barata apresenta tese de Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses, na Universidade Aberta, subordinada ao título Os livros e a Revolução Liberal: o Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos e a gestão do património bibliográfico dos conventos como reflexo de uma política cultural do Liberalismo. Nela ocupa-se da acção da Comissão Administrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos (CADLEC), a qual no seu afã de demonstrar que a Biblioteca de Mafra era uma biblioteca conventual de instituição régia (e não uma biblioteca real), chegou a colocar em risco a sua sobrevivência (ver 1837 e 1840). Outubro 13 – Actuação das Charamelas de El-Rei, no V Festival Internacional de Música de Mafra, interpretando obras para trompete, com estreia absoluta de uma de António Pinho Vargas. Manuel J. Gandra publica: Cosmologia e Mnemotecnia: o exemplo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (in Idade da Imagem, a. 1, n. 2, Mai.-Ago., p. 52-61); Alquimia em Portugal (in Discursos e Práticas Alquímicas. I, Lisboa,, p. 175229), onde apresenta o arrolamento provisório da tratadística alquímica de autores estrangeiros em circulação em Portugal, incluindo a do acervo da BPNMafra. 2002 Maio 2 – Perante professores e diversas dezenas de alunos das escolas do Ensino Básico de Mafra, 134

Ericeira, Malveira e Venda do Pinheiro, a BPNMafra serve de cenário ao lançamento de Uma Aventura Secreta de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada. Julho – O primeiro volume de O Monumento de Mafra de A a Z, de Manuel J. Gandra, inclui diversos verbetes com referência à BPNMafra e ao seu acervo. Na antologia, intitulada Poética Barroca do Monumento de Mafra, publicada na mesma colecção Mafra de bolso, acham-se transcritas algumas peças literárias com alusões à BPNMafra ou nela existentes, caso do poema Catalysis, cuja única cópia conhecida integra a Biblioteca Volante (ver 1933). Outubro 11 – The Hilliard Ensemble interpreta Morimur de Bach, no âmbito do VI Festival Internacional de Música de Mafra. Outubro 25 – O Boletim Cultural 2001 da Câmara Municipal de Mafra insere dois estudos sobre a BPNMafra: A Sobrevivência da Biblioteca de Mafra após a extinção das Ordens Religiosas: biblioteca conventual, embora de instituição régia, ou biblioteca real? (p. 9-29) de Paulo J. S. Barata e A Genealogia relativa a Portugal no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra (p. 485-503) de Rui Sérgio. Outubro 27 – Integrado no VI Festival Internacional de Música de Mafra, a Casa da Música / Estúdio de Ópera do Porto, apresenta O Teatro e a Vida: duas Óperas de Câmara. Novembro 3 – Ainda no âmbito do mesmo Festival, Pier Adams (Flauta), Richard Durrant (guitarras) e Howard Beach (cravo), interpretam Dançar as Músicas dos Tempos. 2003 Janeiro 7 – O Presidente da República, Jorge Sampaio, apresenta cumprimentos de Ano Novo ao Corpo Diplomático na BPNMafra. 135

Maio 6 – O Presidente da República Federal da Alemanha visita Mafra, tendo assistido a um concerto pela Orquestra Juvenil de Câmara do Land da Renânia do Norte – Vestefália, na BPNMafra, no qual são tocadas peças de Bach, Beethoven e Mozart. Acham-se presentes os Presidentes da República e da Assembleia da República de Portugal, diversos Ministros e muitos outros convidados.

Dois dos carimbos de posse utilizados na BPNMafra.

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CATÁLOGOS DA BIBLIOTECA DO PALÁCIO NACIONAL DE MAFRA

Alquimia 1994; 2001

Atlas 1949

Anjos e Anjo Custódio 1996; 2002

Auto-de-fé 1999

Belas Artes 1968

Bíblias 1949; 1961

Biblioteca Volante 1736; 1760; 1948; 1967; 1968; 1970; 1972; 1996; 1999

Brasil 1966; 1997

Catálogo da Livraria (frei Joaquim da Conceição) (perdido) 1797 Catálogo da Livraria (frei João de Santa Ana) (manuscrito) 1809; 1821 Catálogo das duas Livrarias conventuais (frei António de Cristo) (perdido) 1755; 1758 Catálogo de Jornais 1938

Clássicos Latinos 1941 139

Códices iluminados 1950; 1994

Cometas 1996

Europa na gravura do século XVIII 1986

Filosofia Hermética 1994; 1996

Fontes Históricas Espanholas 1942

Genealogia 2002

Globos 1950

História de Portugal 1960

Incunábulos 1947; 1990

Kabbalah 1995

Literatura emblemática 1996

Livros científicos 1996

Livros de Horas 1950; 1994

Marinharia dos Descobrimentos 1960

Medicina e Farmácia 1952

Música manuscrita e estampilhada 1971; 1985; 1994

Obras contendo gravuras de cidades fundadas e conquistadas pelos portugueses fora da Europa 1953

Obras de Anatomia 1960

Obras de António de Gouveia 1966 140

Obras de Atanásio Kircher 1994

Obras de Beda 1968

Obras de frei Francisco de Santo Agostinho Macedo 1951

Obras de frei Gregório Baptista 1959

Obras de Gil Vicente 1965

Obras de Machado de Castro 1953

Obras de Manuel Almeida e Sousa 1960

Obras de Manuel Fernandes Vila Real 1965

Obras de Santo Agostinho 1954; 1955; 2000

Obras de Séneca, o Retórico 1971

Obras de temática bíblica 1957

Obras de temática militar 1940

Obras do cardeal César Barónio 1966

Obras do conde de Lippe 1970

Obras do padre António Vieira 1971

Obras do padre Manuel Álvares 1959

Obras impressas antes de 1700 1971

Obras quinhentistas de autores nacionais impressas no estrangeiro 1939

Obras relativas à Casa de Bragança 1953 141

Obras relativas à cidade de Lisboa 1947

Obras relativas à Etiópia 1959

Obras relativas a São João de Deus 1950

Obras sobre o beato Nuno Álvares Pereira 1956; 1958

Parenética mafrense impressa 1996

Profetismo 1996

Tauromaquia 1996

Teratologia 1999

Tipografia alemã (séculos XV e XVI) 1966

Tipografia austríaca (século XVI) 1964

Tipografia belga (século XVI) 1964

Tipografia espanhola (século XVI) 1965

Tipografia francesa (séculos XV e XVI) 1964

Tipografia holandesa (século XVI) 1964

Tipografia italiana (séculos XV e XVI) 1967

Tipografia portuguesa (século XVI) 1927; 1964; 1967

Tipografia suiça (séculos XV e XVI) 1967

Trabalhos de Jesus de frei Tomé de Jesus 1982 142

SUBSÍDIO PARA O CATÁLOGO DA TRATADÍSTICA ALQUÍMICA ANTIGA (até 1800), PRESENTE NO ACERVO DA BIBLIOTECA DO PALÁCIO NACIONAL DE MAFRA

ABANO, Pietro d' (1250-1316) Médico e filósofo, adepto de Averróis. Cursou medicina e filosofia em Paris, tendo-se estabelecido em Pádua, onde ganhou reputação como médico, astrólogo e alquimista. Duas vezes incriminado pelo Santo Ofício, foi absolvido da primeira acusação, tendo falecido antes de julgado da segunda. Mesmo assim, a Inquisição ordenou que fosse exumado e queimado, o que um amigo frustrou, trasladando secretamente o seu cadáver. Em consequência, foi sentenciado em efígie. Autor do Conciliator controversiarum quae inter Philosophos et Medicos versantur (Veneza, 1565 [1-18-8-3]), citado por Lúcio Cipião no interrogatório a que foi submetido pelo Santo Ofício português. AEYRENAEO PHILALETHA Pseudónimo de autor seiscentista, também denominado Cosmopolita. Declara ter obtido a Pedra Filosofal em 1645, com 23 anos, e feito amizade com Robert Boyle. Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 236143

326 (Entrada aberta no Palácio encerrado do Rei) [2-32-326]; Manget, v. 2, p. 661 (idem, Tractatus de Mettalorum Metamorphosi e Brevis Manuductio ad Rubium Caelestem). AGRICOLA, George (1494-1555) Georg Bauer. Pai da metalurgia ocidental. Estudou Filosofia e Teologia, em Lípsia, Medicina (com Berengario da Carpi), em Bolonha e Pádua. Médico (1543), Diplomata ao serviço do duque da Saxónia (1546) e Burgomestre (1546, 1548, 1551 e 1553), em Chemnitz. Existe o De natura eorum qui effluent ex terra, libri 3, in Balneis omnia [1-18-12-17], cuja doutrina, segundo a qual os terramotos podem ser causados por demónios subterrâneos que habitam no seio da terra, o autor da Relação anónima da Destruição de Lisboa e famosa desgraça que padeceo no dia primeiro de Novembro de 1755 (Lisboa, 1756) refuta liminarmente. ALBINEI, Nathanis Ver Manget, v. 2, p. 387: Carmen Aureum e Aenygma. ALDRETE Y SOTO, Luis de (c. 1600-1689 ?) Aguazil-Mor da Inquisição, Regedor perpétuo da cidade de Málaga e seu Procurador-Mor na Corte de Madrid. Autor de La Verdad Acrisolada. Ilustrado con Letras Divinas y Humanas, Padres, y Doctores de la Iglesia. Respondiendo al auto del proto-medicato, en que prohibe la Medicina Universal. Y al Papel del Dr. Juan Guerrero, que intitula: Sol de la Medicina (Valência, 1682 [2-30-12-21]). Contraditado por Justo Delgado de Vera (Defensa, y respuesta, justa y verdadera, de la medicina racional, y philosophica, profanada de las imposturas de la chimia, introductora de el remedio universal, y agua de la vida de Alderete, Madrid, 1687) e Pedro de Godoy (Segundo discurso serio-jocoso sobre la nueva inventiva de la agua de la vida, s. l., 1682 [1-18-6-9]). No Castelo Forte (1723) de João Lopes Correia é citado o unguento de Alderete e na Farmacopeia Tubalense (1751) a água de vida de Alderete. ALONSO BARBA, Alvaro Religioso no México e célebre artista das minas de Potozi. Autor de Arte de los metales, en que se ensena el verdadero 144

beneficio de los de oro y plata por azougue [...] nuevamente anadido con el tratado de las antiguas minas de Espana que escrivió D. Alonso Carrillo y Laso (Madrid, [1729]) [2-41-4-29] A edição príncipe remonta a 1640. Tradução francesa: Traité de l' Art métalique (Paris, 1730) com uma memória sobre as minas de França da responsabilidade do editor da obra e alegado alquimista, Charles Hautin de Villars. [ANÓNIMO] Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 13-48: Turba dos Filósofos ou Assembleia dos Discípulos de Pitágoras, chamado o Código de Verdade) [2-32-3-26]. ARISTÓTELES (Pseudo) Muitos apócrifos lhe são atribuídos, designadamente o Secreta Secretorum, um dos mais importantes textos mediévicos, onde, dialoga com Alexandre Magno, expondo algumas considerações sobre os elixires para prolongar a vida. Ver Manget, v. 1, p. 638: De perpetuo Magisterio. ARNALDO DE VILANUEVA (1235-1311) Um dos maiores cientistas medievais e professor de medicina emérito, reputado por alquimista, apesar de os textos que lhe andam atribuídos serem na maior parte apócrifos, salvo o Tratado da preservação da juventude e o Rosarius Philosophorum ou Thesaurus. Muito antes de Paracelso são-lhe creditados remédios alquímicos. Uma obra de Kabbalah, intitulada Tetragrammaton (1292) valer-lhe-ia a prisão em Paris. No De Adventu antichristi et fine mundi anunciou o advento do Anticristo para o ano de 1345. *Semita Semitae (ver Helvetius, fl. 69 e Manget, v. 1); *Rosarius Philosophorum (ver Manget, v. 1); *Testamentum (idem); Perfectum Magisterium et Gaudium (idem); *Epistola super Alchimia (idem); *Speculum Alchimia (idem); *Schola Salermitana sive de Conservanda Valetudine praecepta metrica [2-30-2-2]; 145

ARTEPHIUS Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 2, p. 144188: Livro da Arte Secreta ou da Pedra Filosofal [2-32-3-26] e Manget, v. 1, p. 505: Clavis Majoris Sapientiae. AUGURELLO, Jean Aurelle (1441-1524) Alquimista e poeta italiano. Professor de grego e latim em Veneza e cónego em Treviso. Autor de Chrisopoiae libri tres (Veneza, 1515; trad. francesa: Art de Faire de l'Or, Lyon, 1548), obra dedicada ao Papa Leão X, o qual lhe ofereceu uma bolsa vazia dizendo-lhe que quem sabia fabricar ouro não necessitava senão do recipiente para guardá-lo. Citado por Manuel Bocarro Francês (Anacephaleoses da Monarquia Lusitana). Ver Manget, v. 2, p. 373: Chrysopoeia e Vellus Aureum. AVERRÓIS Ver Balneis omni quae extent e Manget, v. 2, p. 192: Thesaurus Philosophiae. AVICENA Aceita a teoria da geração dos metais a partir do mercúrio-enxofre, arguindo que a prata sólida pode ser produzida pela virtude do enxofre branco, com adição do mercúrio, e que um enxofre muito puro e subtil combinado com o mercúrio pode solidificar em ouro. Foi esta a base da doutrina da transmutação dos metais durante a Idade Média. Citado in Ennoea. Ver Balneis omni quae extent, Helvetius e Manget, v. 1, p. 638: De Conglutinatione Lapidum. BACON, Rogério (1214-1294) Franciscano, discípulo de Robert Grosseteste. No Opus Majus [Veneza, 1650: 2-40-4-14] expõe uma síntese coerente da filosofia natural, atribuindo uma especial enfâse à matemática, chave das ciências, embora mantendo a Teologia como Regina Scientiarum. Considerou a alquimia um dos pilares da medicina, por possibilitar a separação dos ingredientes benéficos dos prejudiciais, no que foi precursor de Paracelso. No Opus tertium demonstra conhecer a distinção entre alquimia especulativa e prática. Citado in Ennoea. Ver Manget, v. 1, p. 613: Speculum Alchimiae e De Secretis operibus Artis et Naturae et de nulitate Magiae. 146

BALDUÍNO, Cristiano Adolfo Ver Manget, v. 2, p. 856: Aurum Superius et Inferius Aurae Superioris et Inferiores Hermeticum. BECHER, Johann Joachim (1635-1682) Químico alemão. Caído em desgraça na corte do seu mecenas, o conde de Zinzendorf, fugiria para Viena, daí passando à Holanda e, posteriormente, à Inglaterra, onde terminaria os seus dias. Os estudos que empreendeu sobre a combustão conduziram-no à aceitação da existência de um espírito do fogo, que, embora escapando para o ar, podia ser novamente aprisionado numa substância à qual transmitiria a propriedade da combustibilidade. A teoria flogística exposta pelo discípulo G. E. Stahl, havia de consagrar as suas ideias a este respeito. *Physica Subterranea, Lipsiae, 1738 [2-37-8-4] obra (cuja edição príncipe saíu em 1669) que sintetiza as teorias de Becher acerca dos minerais e outras substâncias; *OEdipus chymicus, Frankfurt, 1716 (ver Manget, v. 1, p. 306). BERNARD Trevisan (c. 1380) Carteou-se com Tomás de Bolonha, astrólogo e médico de Carlos V de França. Numa das cartas (1385) expõe a sua teoria dos metais (mercúrio-enxofre), afirmando que o mercúrio é o único constitutivo do ouro. Demonstra grande animosidade contra Rhazes e Geber. Citado por Manuel Bocarro Francês (Anacephaleoses da Monarquia Lusitana). Fiama Brandão afirma conhecer uma obra sua em Portugal, sem contudo, indicar qual e onde se arquiva. Ver Manget (v. 2, p. 388) e Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 99-150: Livro da Filosofia Natural dos Metais [2-32-3-26]. BERNAUDI, Nicolas Ver Manget, v. 2, p. 713: Aenygmaticum quodam Epitaphium Bononiae ante multa Secula Marmoreo Lapidi insculptum Commentariolus. BLAVENSTEIN, Salomão Ver Manget, v. 1, p. 113-118: Contra Antichymisticum Mundum Subterraneum de A. Kircher. 147

Ilustração da Pretiosa Margarita de Petrus Bonus

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BOERHAAVE, Hermann Iatroquímico, representante máximo da escola humoral, denominado Communis Europae Praeceptor. Declinou convite de D. João V para vir ensinar em Portugal, onde o seu sistema, baseado na articulação de determinados fundamentos galénicos, a iatromecânica e certos príncipios da iatroquímica (aquele que mais influenciou a medicina durante o século XVIII), derrotou o animismo de Stahl, representado por José Rodrigues de Abreu. Ribeiro Sanches conta-se entre os seus discípulos. *Elementa Chemiae, Leide, 1732, 2 vols. [2-30-12-12 / 13]; *Elemens de Chymie, Paris, 1754, 6 vols. [2-32-3-7 / 12]; *Traité de la matière médicale pour servir a la composition des remedes indiqués dans les Aphorismes, Paris, 1739; [2-31-2-6] BONUS, Petrus (1300?-?) Filósofo hermético e alquimista, natural de Ferrara (?). Autor de Pretiosa Margarita Novella de Thesauro, ac Pretiosissimo Philosophorum Lapide (Veneza, 1546), redigido em Pola, na Ístria, em 1330. Num catálogo do livreiro João Santos é descrito um exemplar (n. 2095). Ver Manget, v. 2, p. 1-80. BORRICHIO, Oswald Ver Manget, v. 1, p. 1-37: De ortu et progressu Chemiae. BRACESCO, João Alquimista. Residiu em Brescia e, além dos comentários de Geber, publicou uma dissertação sobre o uso da pedra filosofal na medicina (Roma, 1542). *Dialogus Verum et germinem (ver Manget, v. 1, p. 565); *Lignum Vitae (idem, p. 911-938) CASTELO BRANCO, Anselmo Caetano Munhós de Abreu Gusmão Natural de Soure, filho do Dr. António Munhós de Abreu, formado na Faculdade dos Cânones, e de Simoa Godinha da Rosa. Doutor em Medicina pela Universidade de Coimbra, Barbosa Machado (Biblioteca Lusitana, v. 1, p. 178) di-lo "ornado de feliz memória, notícia das línguas 149

mais polidas da Europa e não menos versado na lição dos Santos Padres, Sagrada Bíblia, disciplinas Matemáticas e mistérios ocultos da Química [...]". Foi o maior químico hermético português de todos os tempos (discípulo de um mestre coimbrão, citado na Parte III, p. 73) e autor de Ennaea [sic], ou applicação do entendimento sobre a Pedra philosophal provada, e defendida com os mesmos argumentos com que os Reverendíssimos Padres Athanasio Kircher no seu Mundo Subterraneo, e Fr. Bento Hieronymo Feyjoo no seu Theatro Crítico, concedendo a possibilidade, negão, e impugnão a existencia deste raro e grande mysterio da Arte Magna, Lisboa, Maurício Vicente de Almeida, 1732-1733 (dois volumes encadernados conjuntamente, decerto para salvaguardar a inexistência, no segundo, de qualquer licença eclesiástica ou do Paço) [2-33-9-19]. O clérigo teatino, Rafael Bluteau, crismado por Anselmo Caetano de "Hermes católico", é responsável pelo panegírico que serve de Aprovação do Paço, enquanto Dom António Caetano de Sousa subscreve as Licenças do Santo Ofício. No Prólogo Galeato, o alquimista analisa os fundamentos filosóficos da química hermética, criticando a opinião advogada por Kircher e por Bento Feijó de não ser viável a crisopeia ou transmutação laboratorial dos metais, apresentando o Monumento de Mafra mandado erigir pelo Magnânimo como a pedra de toque, autêntica Pedra Cúbica ou Filosofal, do Quinto Império. A componente especificamente alquímica deste tratado concentra-se nos três diálogos cujos interlocutores são Enódio, Enodato, um Filósofo e um Peregrino. CLAUDERO, Gabriel Ver Manget, v. 1, p. 119-168: Tractatus de Tinctura Universali contra A. Kircher. CNOFFELLI, André Ver Manget, v. 2, p. 880: Responsum ad Positiones de Spiritu Mundi. CORTALANEI Ver Manget, v. 2, p. 619: Mysterium occultae Naturae e De duobus Floribus Astralibus Agricola minoris.

150

DAUSTENI, João Ver Manget, v. Philosophorum.

2,

p.

309:

Rosarium Arcanorum

DOM ESPAGNET ou Jean d’ Espagnet Presidente do Tribunal de Bordéus e alquimista que se ocultou sob os anagramas Spes mea est in Agno e Penes nos unda tagi. Associou-se a Pierre de Lancre na batalha contra os feiticeiros do Sudoeste da França. Ver Manget, v. 2, p. 626: Enchiridion Physicae restitutae. DORN, Gerard Dom Vicente Nogueira possuía obras deste autor [BNParis: ms. Port. 51, 5.51897, fl. 24 e 47], discípulo de Adam von Bodenstein. Com Miguel Toxites publicou Paracelso pela primeira vez. Responsável pelo glossário de termos paracélsicos e relato das posições de Tritémio sobre a Espagíria. Ver Manget, v. 1, p. 380: Tabula Smaragdina. FABRI, Pedro João Alquimista francês seiscentista de Castelnaudary. *Alchymista Christianus in quo Deus rerum author omnium et quamplurima Fidei Christianorum que orthodoxa doctrina, vita et probitas non oscitanter ex chymica arte demonstrantur, Toulouse, 1632 [2-32-3-1] Obra dedicada ao Papa Urbano VIII, na qual pretende demonstrar que os símbolos e os ritos da religião católica correspondem às diversas operações da Grande Obra: o baptismo à calcinação, a confirmação à fixação, a penitência à putrefação, a Eucaristia à própria Pedra; *Res Alchymiorum obscuras extraordinaria perspicuitate esplanans (Ver Manget, v. 1, p. 291) FANIANO, João Crisipo Ver Manget, v. 1, p. 210: De Jure Artis Alchemiae. FERNELIUS, Johannes Galeno moderno. Médico do rei Henrique II. *Universa Medicina, s. l., 1577 [1-18-4-6] 151

FEYJÓO Y MONTENEGRO, Padre Benito Jeronimo (16761764) Beneditino. A filosofia natural ensinada pelos padres do Oratório, apoiada pelas apologias de António Pereira de Figueiredo, abriu-lhe vastos auditórios em Portugal. No entanto, foi alvo de pertinentes contestações e refutações, como, por exemplo, as do dominicano Frei Bernardino de Santa Rosa ou do médico e hermetista coimbrão Anselmo Caetano de Abreu Gusmão Castelo Branco. Autor de Theatro Critico Universal (1726-1729), obra em oito tomos mais um suplemento (1741). Inclui ainda as Cartas Eruditas (1744-1760, em cinco tomos, a Justa Repulsa [...] e a Ilustração Apologética. Dedica grande número de estudos às tradições e ao que considera superstições populares (astrologia, artes divinatórias, magia, saludadores, duendes, espíritos familiares e outros seres sobrenaturais, pedra filosofal [tomo III, discurso VIII e tomo IV, discurso XVII], animais fantásticos, etc.). Foram extraordinárias em Portugal as repercussões da doutrina gassendista expendida nos tomos III (discurso VIII) e V (discurso XVII), no contexto da disputa entre antigos (peripatéticos ou aristotélicos, i. e., os Jesuítas) e modernos (iatromecânicos ou atomistas, i. e., os oratorianos) [225-6-2/14 e 19/20 = 15 tomos]. FICINO, Marsilio Ver Manget, v. 2, p. 172-183: De Arte Chimica. FLAMEL, Nicolas (c. 1330-1418) De acordo com um documento supostamente seu, comprou, em 1357, por dois florins, um livro atribuído a Abraão, o Judeu, o qual ensinava a transmutação dos metais por intermédio de figuras simbólicas. Trabalharia durante mais de duas décadas, até lograr a decifração do sentido oculto do texto, o que terá acontecido em 1382, ano em que transmutou mercúrio em ouro e prata. Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 49-98: Livro das Figuras Hieroglíficas [2-32-3-26]; Manget, v. 2, p. 350: Commentarium e Tractatus brevis seu summarium Philosophum.

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FLUDD, Robert (1574-1637) Manteve animadas controvérsias com Pierre Gassendi, o padre Mersenne e Kepler. Dom Vicente Nogueira refere-lhe-se em duas cartas enviadas a Dom Vasco da Gama, embaixador de D. João IV: "[...] as obras de roberto aflud que aqui se vendem a vinte e trinta escudos pude eu haver por dez, e inda menos: é de meu parecer deve V. S. lançar de sy como os de Scoto e o mesmo lhe dissera dos de S. Thomas [...]" (Carta XXXIX, 22 de Novembro 1649) e "Perdoe Deus quem aconselhou a V. S. que comprasse o Roberto de flud, autor meyo feiticeiro e mal acreditado, despesa tão desnecessaria como os concilios do Louvre, e obras de Scotto que são obras para uma Livraria Regia como a do Escurial [...]" (Carta XLIX, 29 de Junho a 19 de Setembro 1650). *Utriusque Cosmi Maioris scilicet et Minoris Metaphysica, Physica atque Technica Historia, in duo volumina secundum Cosmi differentiam divisa: Tomus primus De Macrocosmi Historia, Oppenheim, 1617 [1-51-13-6 = Proibido por decreto de 4 de Fevereiro de 1627]; *Tractatus Secundus De Naturae Simia Seu Technica macrocosmi historia in partes undecim divisa, Oppenheim, 1618 [1-51-13-7] A História Metafísica, Física, Técnica dos mundos maior e menor, dividida em 2 tomos, atendendo à diferença entre ambos: I. História, Metafísica e Física; II. Do Símio da Natureza é uma tentativa de ressuscitar a magia operativa e cabalística tal como Ficino e Pico a haviam teorizado, fundada sobre as relações entre macro e microcosmos e sobre a figura do homem mago delineada pelo Corpus Hermeticum; ignora deliberadamente os estudos críticos de Isaac Casaubon acerca da datação pós-cristã dos tratados, a qual constitui a definitiva demolição da teoria da prisca filosofia proposta por Ficino; publicada por John Bulwer, precursor da utilização da linguagem gestual para comunicar com surdos-mudos: os termos quiromânticos são ilustrados com diagramas de espantosa modernidade, tal como o texto, de resto, reimpresso por João Praetorius no Ludicrum chiromanticum [2-51-4-16]; *Tomus secundus De Supernaturali, Naturali,

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Praeternaturali et Contranaturali Microcosmi Historia, Oppenheim, 1619 [1-49-13-5] i. e., Da História Sobrenatural, Natural, Prenatural e Antinatural do Microcosmos; *Tomi secundi Tractatus Secundus De Praeternaturali Utriusque Mundi Historia, Frankfurt, 1621 [1-49-13-5] Este Da História Prenatural de ambos os Mundos inclui o Discurso Teosófico, Cabalístico e Fisiológico de ambos os Mundos; *Clavis Philosophiae et Alchymiae Fluddanae, sive Roberti Fluddi Armigeri, et Medicinae Doctoris, ad Epistolicam Petri Gassendi Theologi Exercitationem Responsum, Frankfurt, 1633 [2-49-13-3 e 4 = 2 exemplares] Inclui: Responsum ad Hoplocrisma-Spongum M. Fosteri Presbiteri, ab ipso, ad unguenti armarii validitatem delendam ordinantum, i. e., Resposta ao Hoplocrisma-spongus, do presbítero William Foster, composto por ele para destruir a validade do unguento armarium (Londres, 1631); *Philosophia Moysaica. In qua Sapientia et Scientia creationis et creaturarum sacra vereque Christiana (ut pote cuius basis sive Fundamentum est unicus ille Lapis Angularis Iesus Christus) ad amussim et enucleate explicatur, Gouda, 1638 [2-49-13-3] Derradeira obra publicada por Fludd e a única traduzida para inglês no seu tempo (Mosaicall Philosophy: Griunded upon the Essential Truth, or Eternal Sapience, Londres, 1659). Trata-se de uma das mais importantes para a compreensão da metafísica fludiana. FROBÉNIO, Melchior Ver Manget, v. 2, p. 875: Brevis enumeratio hactemus a se in chemia actorum. GEBER (c. 721- c. 815) Pai das alquimias árabe e europeia. Muito influenciado pelo misticismo shi'ita. Considerado a mais importante fonte da alquimia medieval. Ocupa-se do problema clássico da geração dos metais a partir do mercúrio e do enxofre. A numerologia talismânica é fundamental à sua doutrina da Pedra Filosofal. O auge da difusão de Geber foi atingido quando um tradutor exercendo o seu mister em Espanha, durante o século XIII, encetou a adaptação 156

latina de todos os textos alquímicos que lograva alcançar, colocando-os sob a tutela de Geber Rex Arabum. Geber ora é identificado com Yabir ben Hayan, ora com Yabir Ben Aflah. As notícias mais antigas a seu respeito são-nos facultadas por Ibn Umayl e Ibn Wahsiyya. Citado por Manuel Bocarro Francês. *Summa Perfectionis. Magisterii in sua natura; Ex Bibliothecae Vaticanae Exemplari undecunq; emendatissimo edita, cum vera genuinaq; delineatione Vasorum & Fornacum. Deniq; libri Investigationis Magisterii & Testamenti ejusdem Gebri, ac Aurei Trium Verborum Libelli, & Avicennae. Summi Medici & acutissimi Philosophi Mineralium additione Castigatissima, Veneza, 1542 Edição feita com base num manuscrito da Biblioteca Vaticana com o objectivo de corrigir as interpretações vulgares da Alquimia. À clareza e sistematização das formulações teóricas acrescenta uma particular precisão na descrição das operações de laboratório, sempre ilustradas com reproduções dos principais instrumentos técnicos. Além da Suma da Perfeição, inclui: Liber Trium Verborum Kallid acutissimi (p. 235), De Congelatione et Conglutinatione Lapidum, de Avicena (p. 245), Avicenae Mineralia, cujusdam Epistolae quae Alexandri Macedonum Regis nomine circumfertur, Interpretatio abditam Philosophici lapidis, compositionem sapientissimus acutissime declarans (p. 254), Authoris ignoti, Philosophici Lapidis Secreta, metaphorice describentis Opusculum (p. 261), Merlini Allegoria, profundissimum philosophici Lapidis Arcanum perfecte continens (p. 265), Rachaidibi, Veradiani, Rhodiani et Kanidis Philosophorum Regis Persarum, de Materia Philosophici Lapidis acutissime colloquentium fragmentum (p. 270), Faustus Sabeus ad Lectorem (p. 278). Reedição: Dantzig, 1682 [2-37-2-33]. Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 2, p. 189-487 [2-32-3-26] e Manget, v. 1, p. 519. GERHARDI, João Ver Manget, v. 1: Analysis Partis Praticae. GERMAIN, Cláudio Ver Manget, v. 2, p. 845: Icon Philosophiae Occultae. 157

GERNANDI, João Ver Manget, v. 1, p. 568: Exercitationes perbraves in Gebri. GRASSEI, João Ver Manget, v. 2, p. 585: Arcani artificiossimi. HARTMANN, João Autor de Opera Omnia Medico-Chymica (Frankfurt, 1684 [1-18-5-11]). HELVETIUS (pseud. Johann Frederich Schweitzer) (16251709) Em 1649 praticava medicina na Holanda, sendo médico do príncipe de Orange. Autor de Vitulus Aureus (ver Manget, v. 1, p. 196-210), onde reporta o diálogo com Elias Artista, em 1666, quando este realizou transmutações na sua presença. Impresso em Haia (1667) e reproduzido no Museum Hermeticum (Frankfurt, 1678) e no The Hermetic Museum Restored and Enlarged (Londres, 1893). Editor de Opuscula De Alchimia: Complura Veterum Philosophorum, s.l., s.d. [Frankfurt, 1650] [2-32-6-3]. Inclui: Semita Semitae, de Arnaldo de Vilanova (fl. 69), Tractatus de Tinctura Metallorum, de Avicena (fl. 75), Compendium animae Transmutationis, tractatus chymicus (fl. 92) e Vade mecum artis compendiosae, sive de tincturis compendium (fl. 153), ambos atribuídos a Raimundo Lúlio. HELVETIUS, Jean Adrien (1661-1727) Autor de: *Tratado das mais frequentes enfermidades, e dos remédios mais próprios para as curas: obra de grandíssima utilidade, não só para médicos, cirurgiões e boticários, mas para todos os pais de família, e pessoas curiosas, que ainda sem dependência dos professores de medicina, guiados só pela claresa do seu método se poderão socorrer a si mesmo na maior parte das suas enfermidades [...]. Acrescentado com um numerosíssimo catálogo de plantas medicinais com os seus nomes próprios em português, latim e francês (trad. por António Francisco da Costa), Lisboa: Oficina de Miguel Rodrigues, 1747 [2-30-9-13]. 158

Nesta obra indica as propriedades do pó de Ipecacuanha por si introduzido na farmacopeia francesa, o que lhe havia de valer uma gratificação de 1000 luíses de ouro; *Principia Physico- Medica in Pirorum Medicinae, Frankfurt, 1754, 2 vols. [2-30-9-14/15]. HERMES TRISMEGISTO O primeiro indício do conhecimento do Corpus Hermeticum na Europa, mais concretamente na Península Ibérica, remonta ao séc. X. A Tabula Smaragdina, supostamente descoberta no túmulo de Hermes, foi então, e pela primeira vez, usada como colofon de um livro de alquimia, o Sirr Al-Jaliqa ou Kitab Al-´Ilal, o qual fez a sua aparição no Al-Andalus durante o califado do omíada Al-Hakam II (f. 976). Traduzida para latim pelo bispo hispânico Hugo de Santalla, seria difundida por Alberto Magno, ao incorporá-la no De Rebus Metalicis et Mineralibus. D. Afonso V possuía na sua biblioteca um Hermes, aliás a única fonte citada nos dois tratados sobre a pedra filosofal que se lhe atribuem. Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 2, p. 1-81: Sete Capítulos [232-3-26], Hortulanus e Manget, v. 1, p. 380 e 400. HERTODT, João Fernando Ver Manget, v. 2, p. 697: Epistola contra Philalethem. HOFFMANN, Frederico A este médico se deve um misto em partes iguais de éter e álcool concentrado conhecido sob a designação de licor anódino mineral de Hoffmann, ainda hoje utilizado pela farmacopeia. *Opera omnia Physico-Medica, Génova, 1740 [1-18-2-1 / 4]; *Operum omnium Physico Medicorum Supplementum, Génova, 1749 [1-18-2-5]; *Supplementum secundum, Génova, 1753; [1-18-2-6 / 7]; *La Médicine Raisonnée, Paris, 1743-1751, 9 vols. [2-306-12 / 20]; *Les vertus medicinales de l´eau commun [...], Paris [2-312-18 / 19]

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HOGHLANDE, Teobaldo de Ver Manget, v. 1, p. 336: De Alchimiae Difficultatis Liber. HORTULANUS Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 112: comentário à Tábua de Esmeralda [2-32-3-26]. JOHNSON, William Ver Manget, v. 1, p. 217: Lexicon Chymicum (edição príncipe: Londres, 1660, 2 tomos). JUAN DE RUPESCISSA, de Ribatallada ou de Rocacelsa Frade menor, mestre, doutor e catedrático de Teologia em Barcelona e missionário em Moscovo (Historia de los Heterodoxos, v. 1). É considerado um dos expoentes máximos do pensamento hermético. Escritos proféticos e críticos da Igreja estiveram na origem da sua prisão, em 1357, por ordem do Papa Inocêncio VI. Muito citado nas miscelâneas sebastianistas sob as designações de João de Rocacelsa, Frade Bento e "ínclito profeta de S. Bento" (Inácio de Guevara). Num códice manuscrito dos inícios do século XV, proveniente de Portugal e ofertado a Marcelino Menendez Pelayo, acham-se obras químicas que lhe são atribuídas (ver Ramón de Luanco). Liber Lucis, in Theatrum Chemicum (v. 3, p. 284-294) e Manget (v. 2, p. 83-87) Situa-se entre a profética joaquimita e a alquimia. Afirma na introdução que são de esperar grandes perseguições patrocinadas pelo Anticristo, que os eleitos de Deus cairão em grande pobreza e que a Pedra Filosofal será revelada. Influenciou os Tratados de Afonso, Rei de Portugal. Citado in Ennoea; De Confectione veri Lapidis philosophorum, in Verae alchemiae artisque metallicae citra aenigmata (ed. G Gratarolus), Basileia, 1561 (v. 2, p. 226-230) e Manget (v. 2, p. 80-83) Declara que a matéria da pedra filosofal é uma água viscosa que se encontra em toda a parte, mas que se, porventura, fosse nomeada revolucionaria todo o mundo. KALID Ver Manget, v. 2, p. 183 e 189: Liber Secretorum e Liber Trium Verborum. 160

KIRCHER, Atanásio O Colégio Romano tornar-se-á a sua residência definitiva, leccionando aí, a partir de 1638, a Matemática e as línguas orientais, entre outras disciplinas. No período compreendido entre 1647 e 1678 (ano a partir do qual e até ao fim da vida a sua preocupação maior serão os exercícios espirituais), definitivamente liberto de obrigações pedagógicas e tendo encontrado, por fim, a estabilidade e os meios para prosseguir as suas investigações, o Doctor Centium Artium, epíteto que alude muito justamente ao número surpreendente de disciplinas e temas que examinou, dedicou-se quase exclusivamente à redacção da maior parte da cerca de meia centena de volumes e opúsculos a cuja passagem a letra de forma assistiu ainda. Mundus Subterraneus, (Amesterdão, 1665, 2 vols. [1-2012-1 / 2]), não oferece dúvida foi a sua obra mais larga e extensivamente divulgada e estudada em Portugal, muito propalada e glosada, mormente por quantos se dedicaram à especulação sobre as verdadeiras causas dos terramotos. Na doutrina dos pirofilácios (ou do fogo subterrâneo latente), aí consignada, encontraram inúmeros autores, não obstante o impacto da Filosofia Natural dos Modernos, o fundamento físico plausível para o terramoto de 1755. É o caso, entre númerosíssimos outros, de Bento Morganti (Carta de hum amigo para outro em que dá succinta noticia dos effeitos do terramoto succedido em o primeiro de Novembro de 1755 com alguns principios Fisicos para se conhecer a origem, e a causa natural de similhantes Phenomenos terrestres, Lisboa, 1756), do autor anónimo da Relação do Grande Terramoto que houve na Praça de Mazagam (1756) e de Veríssimo Moreira de Mendonça (Dissertação Philosophica sobre o terramoto de Portugal do primeiro de Novembro de 1755, Lisboa, 1756). Convém, no entanto, não esquecer que a mesma obra foi alvo de refutações pertinentes, como a exposta por Joaquim Moreira de Mendonça na História Universal dos Terramotos que tem havido no Mundo [...] com huma Narração Individual do Terramoto do primeiro de Novembro de 1755 [...] e huma Dissertação Physica sobre as causas geraes dos Terramotos, seus effeitos, differenças e Prognosticos, e as particulares do ultimo (Lisboa, 1758). A mais significativa e detalhada delas, 161

Rosto do Mundus Subterraneus de Atanásio Kircher.

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Ilustração do Mundus Subterraneus de Atanásio Kircher, demonstrando a teoria dos Pirofilácios exposta pelo jesuíta.

porém, foi apresentada por Anselmo Caetano de Abreu Gusmão Castelo Branco, em Ennoea ou Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal (Lisboa, 1732-33), e dirigida contra a opinião advogada por Kircher de não ser viável a crisopeia ou transmutação laboratorial dos metais, conquanto aceitasse a possibilidade da mesma transmutação na natureza.

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LANGELOTTUM, Joel Ver Manget, v. 1, Transmutatione.

p.

168-192:

De

Metallorum

LANIS, Francisco Tertii Autor de Magisterium Naturae et Artis (Brixiae, 1684-86 e Parma, 1692, 3 vols. [1-20-1-3 / 5]). LAVINIUS A MORAVIA, Venceslau Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 232-235: Tratado do Céu Terrestre [2-32-3-26]. LÉMERY, Nicolas Médico e químico, discípulo de Glazer. Autor do Cours de Chymie, contenant la manière de faire les opérations qui sont en usage dans la Médecine, par une méthode facile (Paris, 1690), obra que contou mais de três dezenas de edições. Trad. castelhana: Curso Chimico, Madrid, 1721 (D. Félix Palácios Baya) [1-18-10-14]. Citado in Ennoea. A Pharmacopea Ulyssiponense, galenica e chymica, que contem os principios, deffiniçõens e termos gerais de uma e outra Pharmacia (Lisboa: Pascoal da Silva, 1716. [BN: SA 9619 P]) de João Vigier (1662-1723), comerciante de drogas francês radicado em Lisboa desde os finais de seiscentos, foi a primeira obra de química farmacêutica impressa em Portugal, apesar de não passar de uma tradução quase integral do Cours de Chimie de Nicolas Lémery. Inclui, além dele, um Tratado da eleição, descrição, doses e virtudes dos purgantes vegetais e das drogas modernas de ambas as Índias e Brasil e um vocabulário latino e português de todas as drogas animais, vegetais e minerais. Contém estampas representando equipamentos de laboratório de química. LIBAVIUS, Andreas (1560-1616) Doutor pela Universidade de Wittenberg, com o título de Poeta Laureado (1581), e logo professor em Iemerau. Em 1586 StadtRector em Coburg e, no ano de 1588, estudante de Medicina em Basileia, onde se graduou. Foi o primeiro a referir-se à transfusão sanguínea. Professor de História e Poesia na Universidade de Iena. Apesar de, por vezes, atacar os paracelsianos, a sua obra é uma fonte 164

preciosa para o conhecimento da medicina hermética. Manuel Bocarro Francês cita uma obra cujo título grafa Syrraxi (Anacephaleoses da Monarquia Lusitana). Na D.O.M.A. Alchymia Triumphans de injusta in se Collegii Galenici Spurii in Academia Parisiensi Censura (Frankfurt, 1607), obra suscitada pelas censuras da Academia de Medicina de Paris, publica modelo de um laboratório de Química com suas diferentes dependências e aparelhos. *Praxis alchymiae [...], Frankfurt, 1604 [BUCoimbra] Descreve processos, produtos e a "casa química" (laboratório). Ver Manget, v. 2, p. 700; *D.O.M.A. Syntagmatis selectorum undiquaque et perspicue traditorum Alchymiae Arcanorum tomi duo, Frankfurt, 1613 e Petrikopfi, 1615, 1 vol. em 2 tomos [118-8-8]; *Appendix necessari syntagmatis arcanorum Chymicorum [...], Frankfurt, 1615 [2-51-13-10 = Proibido decreto 18 Maio 1618]; *Examen Philosophiae Novae, Petrikopfi, 1615 [2-51-1311 = Proibido por decreto de 18 Maio 1618] Referências a Paracelso, Rosa Cruzes, etc.; LUDOVICE DE COMITIBUS Ver Manget, v. 2, p. 759: Turba Semiraminis Hermetica Sigillata; De liquore Alchaest et Lapide Philosophorum; De Maceratensis Philosophiae ac Medicinae Doctoris. MANGET, Johann Jacob (1652-1742) Médico suiço, compilador de grande número de obras de medicina, farmácia, química e alquimia. Na BPNMafra existem, além da descrita, diversas outras antologias organizadas pelo mesmo autor, salientando-se a Bibliotheca Pharmaceutica-Medica [1-18-9-7/8], a Bibliotheca Chymica, sive rerum ad artem Machaonicam [1-18-9-1/4], a Bibliotheca scriptorum Medicorum veterum et recentiorum [1-18-9-9/10 e 1-15-6-10/12 = 2 exemplares] e a Bibliotheca Medico-Practica [1-18-8-9/12]. *Bibliotheca Chemica Curiosa, seu Rerum ad Alchemiam pertinentium Thesaurus Instructissimus: quo non tantum Artis Auriferae, ac Scriptorum in ea Nobiliorum Historia traditur; Lapidis Veritas Argumentis & Experimentis innumeris, immò & Juris Consultorum Judiciis evincitur; 165

Termini obscuriores explicantur; Cautiones contra Impostores, & Difficultates in Tinctura Universali conficienda occurrentes, declarantur: Verum etiam Tractatus omnes Virorum Celebriorum, qui in Magno sudarunt Elixyre, quique ab ipso Hermete, ut dicitur, Trismegisto, ad nostra usque Tempora de Chrysopoea scripserunt, cum praecipuis suis Commentariis, concinno Ordine dispositi exhibentur. Ad quorum omnium Illustrationem additae sunt quamplurimae Figurae aenae, Colónia e Genebra, 1702, 2 vols. [118-5-1/2]. No Catálogo de Livros antigos dos Extintos Conventos [...] da Estremadura (1864) constava um exemplar, com o nº 1482 (p. 57). O v. 1 inclui 71 tratados: De Ortu et progressu Chemiae (p. 1) e Conspectus scriptorum Chemicorum (p. 38) de Olaus Borrichio; De Lapide Philosophorum Dissertatio (Mundus Subterraneus, p. 54) e De Alchymia Sophistica (p. 82) de Atanásio Kircher; Interpellatio brevis ad Philosophos pro Lapide Philosophorum Contra Antichymisticum Mundum Subterraneum Athanasii Kircheri Jesuitae, de Salomão Blavenstein (p. 113); Tractatus de Tinctura Universali contra R. P. Athanasium Kircherum pro existentia Lapidis Philosophici disputatur de Gabriel Claudero (p. 119); De Metallorum Transmutatione de Joel Langelottum (p. 168); Aurum Chymicum de D. Filipe Jacob Sachs (p. 192); Vitulus Aureus de J. F. Helvetius (p. 196); De Jure Artis Alchemiae de João Crisipo Faniano (p. 210); Lexicon Chymicum e Lexicon Chymicum, liber secundus (p. 275) de Guilherme Johnsonio (p. 217); Res Alchymicorum obscuras extraordinaria perspicuitate explanans (p. 291) e Epistolae aliquot (p. 304) de Pedro João Fabri; Oedipus Chymicus de J. J. Becher (p. 306); De Alchimiae Difficultatibus Liber de Teobaldo de Hoghlande (p. 336); Tractatus quo verae ac genuinae Philosophiae Hermeticae et fucatae ac sophisticae Pseudo-Chemiae et utriusque Magistrorum Characterismi accurate delineantur de Cato Chemicus (p. 368); Comentário ilustrado da Tabula Smaragdina de W. C. Kriegsmanni e Gerard Dornei (p. 380); Testamentum de Arnaldo Vilanueva (p. 389); Comentário de Hermes Trismegisto (p. 389) de Gerard Dornei; Hermetis Trismegisti cap. 7 (p. 400); Turba Philosophorum ex antiquo Manuscripto Codice excerpta (p. 445); In Turbam Philosophorum Sermo unus Anonymi (p. 166

465); Allegoriae Sapientum supra Librum Turbae Philosophorum XXIX Distinctiones (p. 467); Turbae Philosophorum aliud exemplar (p. 480); Allegoriae super librum Turbae (p. 494); Aenygma ex visione Arislei Philosophi et Allegoris Sapientum (p. 495); Exercitationes in turbam Philosophorum (p. 497); Liber Clavis Majoris Sapientiae de Artephius (p. 503), Liber de Compositione Alchemiae de Morienus e Calid; Summa Perfectionis (p. 519) e Liber Investigationis Magisterii (p. 558) e Testamentum de Geber (p. 562); De Alchemia Dialogus Veram et genuinam librorum Gebri sententiam explicens (p. 565) de João Bracheschi; Exercitationes perbreves in Gebri Arabis summi Philosophi libro duos Summae Perfectionis (p. 598) de João Gerardo; Speculum Alchemiae (p. 613) e De Secretis operibus Artis et Naturae et de nulitate Magiae (p. 616) de Rogério Bacon; Tractatulus de Alchemia (p. 626) e De Congelatione et Conglutinatione Lapidum (p. 636) de Avicena; De perfecto Magisterio Tractatus (p. 638) e Tractatulus de practica lapidis philosophi (p. 659) de Aristóteles; Thesaurus Thesaurorum et Rosarium Philosophorum (p. 662), Novum Lumen (p. 672), Perfectum Magisterium et Gaudium transmissum ad inclytum Regem Aragonum, quod quidem est Flos Florum, Thesaurus omnium incomparabilis et Margarita (p. 679), Epistola super Alchemia ad Regem Neapolitanum (p. 683), Speculum Alchemiae (p. 687), Carmen (p. 698), Quaestiones tam Essenciales quam accidentales ad Bonifacium Octavium cum suis Responsionibus (p. 698), Semita Semitae (p. 702) e Testamentum (p. 704) de Arnaldo de Vilanova; Testamentum et primum de Theorica (p. 707) e Testamentum, pars practica super Philosophico Lapide (p. 763) de Raimundo Lúlio; Analysis Partis Praticae Raymundi Lullii in Testamento (p. 778) de João Gerhardo; Compendium animae Transmutationis Artis Metallorum Ruperto Anglorum Regi transmissum (p. 780), Testamentum Novissimum Carolo Regi dicatum (p. 790), Testamenti Novissimi pars altera (p. 806), Elucidatio Testamenti (p. 823), Liber dictus Lux Mercuriorum, Experimenta, Artis compendiosa, Compendii Animae Transmutationis Artis Metallorum in quo explicatur quod in aliis Libris occultatum est (p. 824), Experimenta in quibus verae Philosophicae Chemicae Operationes clarissime 167

traduntur (p. 826), Liber artis Compendiosae quem Vademecum nuncupavit (p. 849), Compendii Animae Transmutationis Artis Metallorum aliud exemplar (p. 853), Epistola de Accurtatione Lapidis Benedicti missa Anno 1412 (p. 863), Liber Potestas Divitiarum dictus, in quo optima expositio Testamenti Hermetis continetur (p. 866), Clavicula quae et Apertorium dicitur (p. 872), Compendium Artis Alchemiae et Naturalis Philosophiae (p. 875), Tractatus de Lapide et Oleo Philosophorum (p. 878) e Codicillus seu Vademecum et Cantilena in quo fontes Alchemicae Artis ac Philosophiae reconditioris uberrime traduntur (p. 880) de Raimundo Lúlio; Lignum Vitae (p. 911) de João Bracesco; Liber Mutus Alchemiae Mysteria filiis Artis nudis figuris [em falta no ex. da BPNMafra] (p. 938). O v. 2 inclui 72 tratados: Margarita Pretiosa novella de Pedro Bono (p. 1); Liber Magisterii de Confectione Veri Lapidis Philosophorum (p. 80) e Liber Lucis (p. 84) de João de Rupescissa; Rosarium Philosophorum (p. 87); Rosarium Philosophorum aliud Exemplar […] per Toletanum Philosophum maximum (p. 119); Scala Philosophorum (p. 134) de Guido de Montanor; Clangor Buccinae (p. 147); Correctio Fatuorum (p. 165); Liber de Arte Chimica (p. 172) de Marsílio Ficino; Liber Secretorum Artis (p. 183) de Calid Filius Jaici; Liber Trium Verborum (p. 189) de Calid Rex; Allegoria (p. 191) de Merlim; Thesaurus Philosophiae (p. 192) de Averróis; Aurelia Occulta (p. 198) de Zadith; Consilium Conjugii (p. 235); Libellus utilissimus peri Chemia V, cui titulum fecit Correctorium (p. 266); Liber duodecim Portarum (p. 275) de George Ripley; Tractatus Crede mihi, seu Ordinale dictus (p. 285) de Thomas Northoni; Rosarium Arcanorum Philosophorum (p. 309) de João Dausten; Dialogus inter Naturam et Filium Philosophiae (p. 326); Opusculum Chemicum (p. 336) de Dinis Zacarias; Commentarius in Dionysii Zacharii Opusculum Chemicum (p. 350) de Nicolau Flamel; Collectanea ex Democrito (p. 361); Tractatus brevis seu summarium Philosophicum (p. 368) de Nicolau Flamel; Chrysopoeia et Vellus Aureum (p. 371) de J. Aurélio Augurelo; Carmen Aureum (p. 387) e AEnygma (p. 388) de Nathanis Albinei; Liber de Secretissimo Philosophorum opere Chemico (p. 388) e Responsio ad Thomam de Bononiae (p. 399) de Bernardo Trevisano; Liber de Magno 168

Lapide Antiquorum Sapientum (p. 409), Liber duodecim Clavium (p. 413), De prima Materia Lapidis Philosophici (p. 421) e Brevis Appendix et perspicua repetitio aut iteratio in librum suum de Magno Lapide Antiquissimorum (p. 422) de Basílio Valentino; Congries Paracelsicae Chemiae de Transmutationibus Metallorum (p. 423) de Gerard Dorn; Novum Lumen Chemicum (p. 463), Parabola, seu Aenigma Philosophicum (p. 474), Dialogus Mercurii, Alchemistae et Naturae (p. 475), Tractatus de Sulphure (p. 479) e Apographus Epistolarum hactenus ineditarum super Chemia (p. 493) de Miguel Sendivogius; Commentarius in Novum Lumen Chemicum Michaelis Sendivogii XII figuris in Germania repertis illustratum (p. 516), de Orthélio; De lapide (p. 530) de Guilielmus Trognianus; Aquarium Sapientum (p. 537) de Hydrolithus Sophicus; Opus Aureum de Auro (p. 558) de Pico della Mirandola; Arca Arcani artificiossimi de Summis Naturae Mysteriis, constructa ex Rustico ejus majore et minore et Physica naturali rotunda, per visionem Cabalisticam descripta (p. 585) de João Grassei; Mysterium occultae Naturae e De Duobus Floribus Astralibus Agricolae minoris in ejus Arca Arcani Artifiosissimi contentis (p. 619) por discípulo anónimo de João Grassei; Enchiridion Physicae restitutae (p. 626) e Arcanum Hermeticae Philosophiae opus in quo occulta Naturae et Artis circa Lapidis Philosophorum materiam et operandi modum, canonice et ordinate fiunt manifesta (p. 649) de Dom Espagnet; Introitus apertus ad occlusum Regis palatium (p. 661), Tractatus de Metallorum Metamorphosi (p. 676), Brevis Manuductio ad Rubinum Caelestem (p. 686) e Fons Chemice Philosophie (p. 693) de Philaleto; Epistola contra Philalethem (p. 697) de João Fernando Hertodt; Resposta à precedente Epistola (p. 699) de Anónimo; Liber Praxeos Alchemicae cum Additionibus de André Libávio; In AEnygmaticum quoddam Epitaphium Bononiae ante multa Saecula Marmoreo Lapidi insculptum Commentariolus (p. 713) de Nicolau Bernardo; Extractum e Tractatu super eodem Epitaphio conscripto (p. 717) de Carolo Cesar Malvasius; Bitolium Metallicum seu Medicina duplex pro Metallis et Hominibus infirmis (p. 718), Tumulus Hermetis apertus (p. 728), Examen Alchemisticum (p. 736) e Disceptatio de Lapide Physico, in qua Tumbam Semiramidis ab Anonymo 169

Phantastice non Hermetice sigillatam; jam vero reclusam, si sapiens inspexerit ipsam, promissis Regum Thesauris vacuam inveniet (p. 744) de Pantaleon; Tumba Semiramidis Hermetice Sigillata (p. 759); Tractatus de liquore Alchaest et Lapide Philosophorum […] item de Sale volatili tartari, etc. (p.764), Metallorum ac Metallicorum naturae operum ex Orthophysicis fundamentis recens Elucidatio (p. 781) e Appendix Symbole Crucis aliqualem explicationem exhibens (p. 840) de Ludovicus de Comitibus; Icon Philosophiae Occultae (p. 845) de Claudius Germain; Aurum Superius, et Inferius Aure Superioris et Inferiores Hermeticum (p. 856) de Cristiano Adolfo Balduino; Brevis enumeratio hactenus a se in chemia actorum (p. 875) de Melchior Frobénio; De Spiritu Mundi Positiones aliquot (p. 876) de I. B.; Responsum ad Positiones de Spiritu Mundi (p. 880) de André Cnoffelius; Trames facilis et planus ad Aureum Hermetis Arcem (p.887); Hortulus Hermeticus e Flosculis Philosophorum Cupro Incisis Conformatus et brevissimia versiculis explicatus (p. 895) de Daniel Stolius von Stolzenberg, composto por 136 medalhões emblemáticos, alusivos a outros tantos autores representativos da história da alquimia. MARIA, a Profetisa Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 2, p. 8291: Diálogo entre Maria e Aros sobre o Magistério de Hermes ou a Prática de Maria, a Profetisa, sobre a Arte Química [232-3-26]. MERLIM Ver Manget, v. 2, p. 191: Allegoria. MONTANOR, Guido Ver Manget, v. 2, p. 134-147: Scala Philosophorum. MORIENUS Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 2, p. 92143: Diálogo entre Calid e o Filósofo Morieno sobre o Magistério de Hermes [2-32-3-26] e Manget, v. 1, p. 509: Liber de Compositione Alchemiae.

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NORTON, Thomas Ver Manget, v. 2, p. 285 e Tripus Aureus: Crede mihi seu Ordinale. ORTHELLI Ver Manget, v. 2, p. 516: Comm. in Novem Lumen Chemicum de Sendivogius. PANTALEONIS Ver Manget, v. 2, p. 718: Bifolium Mettalicum; Tumulus apertus; Examen Alchemisticum; Disceptatio de Lapide Physica. PARACELSO (c. 1493-1541) Auréolo Filipe Teofrasto Bombasto von Hohenheim. Grande reformador da medicina. Propôs a substituição da prática galénica pela observação da natureza e pela medicina hermética. Iniciado na Alquimia e na Magia Natural por Tritémio, estudou em Viena (1509-1511) e Ferrara (15131516), após o que vagueou pela Europa durante sete anos, tendo aportado a Lisboa. Atingiu o zénite da reputação em Estrasbrugo, no ano de 1526. Considera a natureza não um sistema de leis, mas como um fluxo criativo, autónomo e dinâmico, mais mágico do que racional. A fonte de tudo o que existe não é o intelecto divino de um Deus paternal mas o Mysterium Magnum. A medicina medieval defendia que as estrelas governavam o corpo, Paracelso, por seu turno, ensina que dentro do homem existem planetas ou constelações, os astra, um céu interior que governa a saúde e a doença. Consta do Index de 1597. *Opera Omnia medica-chymica-chirurgica, Genebra, 1658, 2 vols. [1-18-7-14/15] O v. 1 reúne toda a obra médica: patologia e terapeutica ocultas, assim como os mistérios magnéticos; o v. 2 comprende as obras mágicas, astronómicas e alquímicas (inclui: o Opus Paramirum, onde se refere às cinco entidades - veneni, naturale, astrale, spirituale, deale - que geram doenças no corpo, e o Volumen Paramirum, onde expõe os aspectos mais conhecidos da sua doutrina médica, designadamente a dos Tria Prima mercúrio, enxofre e sal -, que considera os princípios primordiais e activos da criação); o v. 3 (em falta na BPNMafra) abarca as matérias anatómicas e cirúrgicas

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propriamente ditas; *Transmutationibus Mettalorum (ver Manget, v. 2, p. 423). PICO DELLA MIRANDOLA (1463-1494) Filósofo e humanista. Durante sete anos percorreu diversas escolas da Itália e da França em busca dos saberes que os estudos tradicionais não lhe haviam transmitido. Além do grego e do latim, dominava o hebraico, o caldeu e o árabe. A Cabala exerceu enorme fascínio sobre Pico, tal como o hermetismo, designadamente a astrologia. Em 1486, em Roma, desafiou os sábios a discutirem consigo 900 proposições abrangendo a ciência, a filosofia e a teologia. É tido na conta de um dos grandes mestres da Academia florentina, tendo adoptado um neoplatonismo de tendência mística e cabalística, destinado a estabelecer uma concórdia entre as religiões e as filosofias, baseado no reconhecimento de um Deus único e supremo, princípio de todas as coisas. Citado por Manuel Bocarro Francês (Anacephaleoses da Monarquia Lusitana), com o título Livro de aureo faciendo (De Auro, Veneza, 1586 [Ver Manget, v. 2, p. 558]). PORTA, Giambattista della (1535-1615) Discípulo de Agrippa. Fundador da Academia Secretorum Naturae (também conhecida por Academia dei Oziosi), em Roma. Designado membro da Academia dei Lincei no ano de 1610. *Magia Naturalis, sive de miraculis rerum naturalium, Nápoles, 1558 [2-37-2-1] Os quatro livros que compõem esta edição deram lugar, na redacção definitiva (1589), a vinte: I. De mirabilium rerum causis; II. De variis animalibus gignendie; III. De novis plantis producendis; IV. De augenda supellectili; V. De metallorum transmutatione; VI. De gemmarum adulteriis; VII. De miraculis magnetis; VIII. De portentosis medelis; IX. De mulierum cosmetice; X. De extrahendis rerum essentiis; XI. De myropoeia; XII. De incendiariis ignibus; XIII. De raris ferri temperaturis; XIV. De miro conviviorum apparatu; XV. De capiendis manuferris; XVI. De invisilibus literarum notis; XVII. De catoptricie imaginibus; XVIII. De staticis experimentis; XIX. De pneumaticis; XX. Chaos. Os processos descritos na 1ª impressão assemelham-se ainda aos Segredos da tradição 172

medieval, caracterizando-se pela busca do maravilhoso. Define magia como a "parte prática da ciência natural" (os fenómenos mágicos derivam dos naturais), aproximando-se de Pico e Ficino na identificação do mago com o sapiente. A fortuna da 1ª redacção (seis impressões) acompanhará a 2ª (vinte e sete edições em latim e línguas vulgares), fazendo dela uma das obras mais populares de seiscentos, apesar do frio acolhimento contemporâneo (excepção feita a Kepler); *De Humana Physiognomonia, libri IV, qui ab extimis, quae in hominum corporibus conspiciuntur signis, ita eorum natura, mores et consilia [...], Rothomagi, 1650 [2-37-628] Ilustrada com numerosas gravuras duplas, representando lado a lado uma cabeça humana e uma animal, com a finalidade de realçar os traços comuns; *De Coelestis Physiognomoniae libri VI, unde quis facile ex humani vultus extima inspectione, poterit ex coiectura futura praesagire. In quibus etiam Astrologia refellitur, et inanis, et imaginaria demonstratur, Nápoles, 1603 [ed. 1650, 2-37-6-28] Primeira edição da última obra do autor sobre o tema. Enuncia método de previsão astrológica baseado no exame dos elementos, dos humores e outras peculiaridades do corpo humano. Os efeitos que os astrólogos pretendiam produzidos pelos planetas seriam antes simbolizados por eles. Reconhece, no entanto, a influência de certos astros sobre os temperamentos humanos. RIPLEY Ver Manget, v. 2, p. 275: Liber duodecim Portarum. RUEL, João (f. 1537) Autor do De natura Stirpium libri tres (Paris, 1536 [1-209-13), obra citada por Manuel Bocarro Francês (Anacephaleoses da Monarquia Lusitana), o qual lhe chama Ruélio. SACHS, Philip Jacob Ver Manget, v. 1, p. 192-195: Aurum Chymicum. SCHOTT, Gaspar Jesuíta, discípulo de Atanásio Kircher. 173

*Magia Universalis Naturae et Artis sive recondita Naturalium et Artificialium rerum Scientia, Wurzburg e Bamberg, 1657-59, 4 partes em 4 vols. [Bamberg, 1677, 2-37-8-8/11]; *Technica Curiosa, sive mirabilia artis, Nuremberga, 1664 Refere diversas maravilhas científicas, dedicando o último livro à Kabbalah, 2 vols. [Herbipoli, 1687, 2-37-8-12/13]; *Physica Curiosa, sive mirabilia naturae et artis, Herbipoli, 1697, 2 vols. Tratado de teratologia e demonologia [2-378-14/15]. SEGUSIO, Henrique Autor de Summa Aurea [...] (Londres, 1576 [2-17-16-5]). SENDIVOGIUS, Michael (1566-1646) Natural da Morávia. Discípulo de Alexander Sethon, alquimista escocês prisioneiro de Cristiano II, eleitor da Saxónia. Tendo-o auxiliado na fuga da prisão de Dresden, em 1603, terá ficado, segundo a tradição, depositário dos seus segredos alquímicos, motivo por que se considera a sua obra uma compilação de escritos de Sethon, "Scotus apostata qui scripsit anno 1541", conforme o Index de 1597. Sendivogius é citado in Ennoea. Ver Manget, v. 2, p. 463: Novum Lumen Chemicum (doze tratados), Dialogus Mercurii, Alchemistae et Naturae, Tractatus de Sulphuris e Chemia; Musaeum Hermeticum Reformatum: Novum lumen chemicum, Aenigma philosophicum, Dialogus Mercurii et Alchymistae et Naturae e Novi luminis tractatus alter de sulphure. SENERTI, Daniel Médico e alquimista. Publicou Opera Omnia Medica (Londres, 1676, 6 vols. [1-18-6-1 / 6]. STOLCIUS, Daniel Ver Manget, v. 2, p. 895: Hortulus Hermeticus Flosculis Philosophorum Cupro Incisis Conformatus. SWENDENBORG, Emanuel (1688-1772) Estudou Ciências Naturais e Filosofia em Upsala. Cientista, filósofo e místico. Em 1716, é nomeado asses174

sor da Comissão de Minas pelo rei da Suécia, Carlos XII. Antecipou muitos factos científicos, sendo notáveis as suas ideias sobre o átomo, o magnetismo, a luz, a paleontologia e a cristalografia. Entre 1743 e 1744, uma sucessão de visões e sonhos fê-lo ficar convicto de ser dotado da capacidade de contactar com os espíritos e anjos e haver sido eleito para uma missão sagrada. A partir de 1747 renunciou a todos os cargos oficiais, passando a dedicar-se exclusivamente à absorção mística e às viagens pelos mundos invisíveis. Não aceita os dogmas da Trindade e da Redenção, advogando a existência de uma única ordem de coisas sob aspectos diferenciados: um só mundo sob duas formas, a terra reproduzindo o céu e vice-versa. A sua obra originou a criação da Igreja de Nova Jerusalém, tendo exercido enorme influência sobre escritores e pensadores de todas as tendências. *Prodromus Principiorum Rerum Naturalium, 1734 [1-2011-12 = Proibido decreto 13 de Abril de 1730]; *Opera Philosophica et Mineralia, 1734, 3 vols. [1-20-12-8 / 10] O primeiro vol., dedicado aos Principia, expõe os seus pontos de vista sobre a formação nebulosa do universo, teoria precursora da de Kant-Laplace; *Regnum Subterraneum, sive minerale de ferro, 1734 [120-11-13]; *Regnum Subterraneum, sive minerale de cupro et orichalco, 1734 [1-20-11-14]. [THEOPHILO ?] Triunfo de la Transmutacion metallica, en que se evidencia la del Hierro en cobre fino, in D. Salvador Jose Mañer, Crysol Critico, Madrid [2-25-9-1]. VALENTINUS, Basilius (1394-1413) Uma lenda fá-lo monge beneditino, em S. Pedro de Erfurt, vivendo no século XV. Atribui-se a Valentino a teoria dos Tria Prima, ou dos três princípios, sal, enxofre e mercúrio, depois usurpada por Paracelso, segundo os adversários deste. Constava da biblioteca confiscada a Dom Vicente Nogueira [BNParis: ms. Port. 51, 5.51897, fl. 78-79]. Ver Manget, v. 2, p. 409: Liber de Magno Lapide Antiquorum Sapientur; Duodecim Clavium; Lapidis Philosophi; Magnus Lapide Antiquissimorum; T ripus 175

Aureus: Practica una cum 12 clavibus et appendice. VAN HELMONT, Jean Baptiste (1579-1644) Desiludido com o aristotelismo obcessivo da Universidade de Lovaina, voltou-se para os estudos médicos e herbais, doutorando-se em Medicina, no ano de 1599. Rejeitou a antiga doutrina dos quatro elementos, casando a tradição mediévica com a paracélsica da alquimia espagírica ou pirotécnica. Realizou descobertas inovadoras em química, sendo considerado o fundador da química pneumática: foi a primeiro a distinguir os gases da atmosfera. As teorias que expôs sobre o alkaest, o qual, assegurava, era detentor de extraordinárias propriedades dissolventes, ainda mais reputação lhe havia de grangear. Considera como príncipios: 1. os elementos (são primitivos o ar e a água; a terra é um produto da água; não toma o fogo propriamente como um elemento, mas como intermediário entre a substância e o acidente); 2. os arqueos (espírito ou agente seminal, verdadeira causa eficiente, existindo tantos quantas as classes dos corpos); 3. os fermentos (existe um fermento universal, como luz vital, sendo os restantes próprios de cada classe de seres); 4. os impulsos (sopros que impulsionam o movimento; há-os de duas espécies: os impulsos astrais e os impulsos naturais e voluntários dos homens); 5. as almas (situa-as numa ordem superior, classificando-as em sensitivas e intelectivas). Apesar de só postumamente editada pelo filho (François-Mercure Van Helmont), a sua obra provocou uma revolução de atitudes na medicina. Frei António da Anunciação refuta os químicos, servindo-se das experiências de Boyle e Van Helmont. *Ortus Medicinae, Leyden, 1667 [1-18-6-14] Obra póstuma (1ª edição: Amesterdão, 1648). Crê na transmutação dos metais. Considera o corpo humano um microcosmos químico e inicia o estudo e manipulação dos gases nos processos químicos. VAN SWIETEN, Gerardo Autor dos Commentaria in H. Boerhaave aphorisma [230-11-3/4].

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VÁRIOS AUTORES Bibliotheque des Philosophes [Chymiques] ou Recueil des Oeuvres des Auteurs les plus approuvés qui ont ecrit de la Pierre Philosophale. Avec un Discours servant de Preface sur la Verité de la Science et une liste des Termes de l´Art, et des Mots anciens qui se trouvent dans ces Traitez, avec leurs explications, Paris, 1672; Tome second qui contient cinq Traitez énoncez dans l´autre page, et nouvellement traduits. Avec des remarques et les diverses leçons. Une lettre latine sur le Livre intitulé Icon Philosophiae Occultae. Une Preface sur l´obscurité des Philosophes, et sur les Traittez de ce Tome, et leurs Auteurs. Et une Table des Matieres Par le Sieur S. Docteur en Medecine, Paris, 1678 [2-32-3-26 / 27] No v. I inclui: a Tábua de Esmeralda comentada por Hortulano (p. 1-12); a Turba dos Filósofos, ou Assembleia dos Discípulos de Pitágoras, chamado o Código de Verdade (p. 13-48), compilação elaborada directamente em língua árabe, relatando uma suposta reunião de grandes filósofos da antiguidade, presidida por Pitágoras, considerado discípulo de Hermes; o Livro contendo a explicação das Figuras Hieroglíficas de Nicolau Flamel (p. 49-98); o Livro da Filosofia Natural dos Metais do Trevisano (p. 99-150); o Opúsculo de Dinis Zacarias (p. 151-231); o Tratado do Céu Terrestre de Venceslau Lavínio de Morávia (p. 232-235); A Entrada aberta no Palácio encerrado do Rei eo Philaleto (p. 236326). No v. II: Os Sete Capítulos de Hermes Trismegisto (p. 1-81); o Diálogo entre Maria e Aros sobre o Magistério de Hermes ou a Prática de Maria, a Profetisa, sobre a Arte Química (p. 82-91); o Diálogo entre Calid e o Filósofo Morieno sobre o Magistério de Hermes (p. 92-143), obra supostamente fundada sobre um antigo escrito grego reencontrado em Alexandria e traduzido por Roberto de Chester (c. 1144); o Livro da Arte Secreta ou da Pedra Filosofal de Artephius (p. 144-188); a Suma da Perfeição, ou Sumário do Magistério Perfeito de Geber (p. 189-487). VÁRIOS AUTORES Opus Aureum ornatum omni Lapidem Pretioso singulare, Lyon, 1532 [2-4-2-14].

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VÁRIOS AUTORES Balneis omni quae extent [1-18-12-17] Inclui: Excerpta, quae ad Aquas et Balnea pertinent, de Avicena e seus comentadores, Excerpta de Balneis, de Averróis. VON ROSENROTH, Knorr Nobre alemão (barão) e um dos mais insignes expositores da Kabbalah em seiscentos. Organizador de Kabbala denudata, seu Doctrina Hebraeorum transcendentalis et metaphysica atque theologica (Salzbach, 1677-1678, 4 partes e Frankfurt, 1684, 4 partes, em 8 vols.) [2-49-4-8 / 11 = Proibido]. Inclui: Clavis ad Kabalam antiquam, Liber Schaare Orah seu Porta Lucis, Liber de Porta Coelorum (Porta dos Céus), de Abraão Cohen Ferreira ou Irira (tomo 1, parte 3), Adumbratio Kabbalae Christianae (tomo 2), Apparatus in librum Sohar, Compendium libri cabalistico-chymici Aesch Metzareph, dicti de Lapide Philosophorum, etc. Na biblioteca de Fernando Pessoa existe a tradução inglesa de S. L. MacGregor Mathers (Kabbalah Unveiled), o qual erroneamente considerou a obra como parte integrante do Zohar. WEIDENFELD, Johannes Segerus Autor do De Secretis Adeptorum, sive de usu spiritus vini Lulliani libri 4, Londres, 1684 [2-31-6-20]. Reedições: Hamburgo, 1685 e Lipsia, 1768. Tradução inglesa: Four books concerning the secret of the adepts or of the use of Lully’s spirit of wine (Londres, 1685). Ocupa-se dos Menstruos vegetais ao longo de 24 secções, cada uma das quais descrevendo um tipo particular de menstruum e incluindo um total de 150 receitas coligidas em vários tratados alquímicos. Esta obra teve sequência no Prodromus Libri secundi de Medicinis, vel potius dispositio Libri quinti de materia et praeparatione spiritus vini philosophici (Londres, 1687). ZACARIAS, Denis Ver Bibliothèque des Philosophes [Chymiques], v. 1, p. 151-231: Opúsculo [2-32-3-26]. ZADITH Ver Manget, v. 2, p. 198: Aurelia Occulta. 178

ÍNDICE

Nota do Presidente da Câmara Municipal de Mafra.....................................................................

3

Cosmologia e Arte da Memória: considerações acerca do programa emblemático e mnemotécnico da Casa da Livraria do Palácio Nacional de Mafra.....................................................................

5

A Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra: resenha histórico-cronológica e bibliográfica........................

51

Vária Miscelânea Catálogos da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra................................................................

139

Subsídio para o Catálogo da Tratadística alquímica antiga (até 1800), presente no acervo da Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra................................................................

143

179

180

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