Biografia de uma Obra

July 6, 2017 | Autor: Marcos Girão | Categoria: Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Marcos Girão
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Biografia de uma Obra

Texto de: Prof. Manuel Tavares de Pinho Título: Projecto "Nossa Senhora do Silêncio"

Mestre Girão sugere-nos um discurso amoroso, num espaço recatado, quase sagrado perante uma única testemunha: a lua. Este detalhe transporta a impossibilidade do discurso para uma cosmovisão em busca do Yin e do Yang, do I CHING de dois seres que resistem à força dos ventos, do destino e dos deuses, porém, condenados pela sua alma de profundis, tão contrária ao pathos de cada um. O amor não tem lógica, é como uma transcendência uma imanência para Pessoa, enquanto para Ofélia, mulher, Eva de carne e osso, o desejo não começa nem acaba num verso, por muito assombroso que seja. A mesma carne, o mesmo coração que os une, a lua, o sonho os separa, nada restando do sujeito amoroso: nem sujeito, nem objecto. Apenas a solidão, o amor castrado pela impotência de saber amar como o cauteleiro que vende a sorte grande ou o azar, sem nunca saber a que coração vai parar Mestre Girão traz-nos aqui um espaço uma atmosfera onírica em que apenas o reflexo do luar. E o silêncio crepuscular na postura de F.Pessoa e Ofélia que

teimam em esconder como catarse o seu sofrer dos elementos da natureza. Os tons de cor, sépia, dão-nos um ambiente se por um lado romântico, talvez melancólico ou mesmo de metamorfose, por outro lado comunica-nos uma nostalgia futura, constante, o desejo inacabado do verdadeiro encontro da água e da relva, uma comunhão fecunda. A lua aqui serve o sujeito e o objecto do sonho por realizar, impossível, que nem as palavras ou sentimentos refazem. Terminado o ciclo do luar, da ilusão, Pessoa volta ao seu lugar de sempre: a solidão o sonho físico impossível porque outro sonho universal o remete para outras cosmologias outros personagens em que o seu eu plural se move. Ofélia aqui não é mais do que a contradição entre o real e o irreal o visível e o oculto, uma tentativa de Fernando Pessoa se sentir e ver natural como qualquer homem vulgar comum, capaz do acto de amar, longe do seu amor metafísico. Também aqui a Lua cheia, sugere um discurso amoroso transbordante, límpido, porém condenado aos ciclos astrológicos, enquanto o banco forma nos aponta para a estagnação, sem movimento, sem gestos luzidios, talvez olhares furtivos, taciturnos. Fernando Pessoa preferiu o sofrimento epicurista do amor à carne, o sonho da borboleta à realidade, funcionado como uma catarse, uma libertação do corpo, uma alquimia lúdica e o assumir de um self de uma consciência incapaz de lidar com a natureza do amor humano. O jardim, lugar público por natureza, funciona com o lugar da intimidade possível, o lugar que Pessoa julgou poder desabrochar as flores, porém, não teve nem a água nem o vento forte capaz de levar o seu pólen ao canteiro do seu jardim mais íntimo. É em resumo uma trilogia cujos opostos não se conjugam no tempo e no espaço interior e exterior, o feminino Yin e o masculino Yang , cujos opostos não se conjugam no tempo e no espaço interior e exterior. Ficam apenas as silhuetas e talvez as sombras dos corpos e dos sonhos por revelar. A pintura do Mestre Girão aponta-nos, sugere-nos todo esse mundo onírico, escondido, por revelar, porque é na palavra que reside o mistério de tudo é na pincelada no traço que encontramos o labirinto da vida, o reino da criação artística.

E, felizmente para nós, a poética de Fernando Pessoa está para além das palavras e dos traços sublimes, enigmáticos da natureza do Homem do ser enquanto elemento indivisível do todo que é o universo Prof. Manuel Tavares de Pinho

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