BRASIL E ARGENTINA NO ÂMBITO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: POR UMA CONVERGÊCIA DE CONCEITOS E AGENDAS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

CRISTIANO ARMANDO DINIZ GUERRA SILVESTRE

BRASIL E ARGENTINA NO ÂMBITO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: POR UMA CONVERGÊCIA DE CONCEITOS E AGENDAS

São Cristóvão 2015

CRISTIANO ARMANDO DINIZ GUERRA SILVESTRE

BRASIL E ARGENTINA NO ÂMBITO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: POR UMA CONVERGÊCIA DE CONCEITOS E AGENDAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal de Sergipe como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Érica C. A. Winand

São Cristóvão 2015

CRISTIANO ARMANDO DINIZ GUERRA SILVESTRE

BRASIL E ARGENTINA NO ÂMBITO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: POR UMA CONVERGÊCIA DE CONCEITOS E AGENDAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Federal de Sergipe como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dr.ª Érica Cristina Alexandre Winand Universidade Federal de Sergipe

______________________________________ Avaliador: Prof.º Dr.º Edson Tomaz de Aquino Universidade Federal de Sergipe

______________________________________ Avaliador Prof.º Dr.º Lucas Miranda Pinheiro Universidade Federal de Sergipe

Aprovado em 13 de fevereiro de 2015.

AGRADECIMENTOS

Pipa, a pipa dos ventos, é uma sincera poetisa que vive a perguntar “quando compreenderemos que todo passo é caminho?”.

É um questionamento justo, Pipa. E

intensamente pontual, porque vez ou outra - ou quase sempre - não valorizamos os pequenos esforços que cimentam os nossos mais felizes feitos. Agradeço, primeiramente, a toda pequenez que me fez amar a carreira em que, neste exato momento, culmina neste Trabalho de Conclusão de Curso, consequentemente no meu requerimento de grau enquanto internacionalista e, assim, a permissão solene de exercer o meu ofício. Adiante, agradeço a todas as discussões que enchem meus dias daquele fervor incrível comum às ciências da sociedade: os debates, as ideias, o intercâmbio de posições que faz a gente amadurecer e a lealdade que desenvolvemos para com a nossa ciência: neste caso, especialmente, em sempre querer melhorar esse mundo, o meio de onde viemos e, honestamente, a nós mesmos. Cientificamente escolhi debater as questões que permeiam a Defesa neste trabalho. E à Defesa, devo agradecimentos sinceros, porquês esta área me proporcionou a maioria das oportunidades mais significativas de minha formação. Professora Érica Winand, poucas pessoas têm a capacidade de enxergar a vida com gentileza e da maneira resoluta como você o faz. Sua orientação foi preciosa, não para este trabalho, mas para a minha vida, e é justo publicizar aqui que maior que a minha gratidão, somente o quanto você me inspira. A Associação Brasileira de Estudos da Defesa (ABED), que me abriu as portas para os principais fóruns de discussão de Defesa e, inclusive, me cedeu uma menção honrosa, registro a minha enorme gratidão. Seus encontros e os nomes dos quais fazem parte seus associados foram e sempre serão incríveis contribuições. A Red de Seguridad y Defensa de América Latina (RESDAL), pelo estágio como pesquisador, e pela oportunidade de sentir, na prática, a importância do que eu pesquiso. E ainda por permitir-me participar da confecção da edição 2014 do seu renomado Atlas Comparativo de Defensa e Seguridad, no posto de assistente do projeto. Ao Grupo de Pesquisa Comparada em Política Externa e Defesa (COPEDE-GEDES), que me amadureceu enquanto pesquisador e que especialmente nunca deixará de ser minha casa, foi junto a vocês que eu nasci academicamente, e aproveito este espaço para desejar os melhores êxitos aos Observatórios Paraguai por ele mantidos, em especial o de Defesa e Forças Armadas, que tive a honra de ser o primeiro coordenador. E a todas as atividades de pesquisa e extensão, incluindo a criação e a primeira gestão, Ad Aeternum, do Centro

Acadêmico Independente de Relações Internacionais (CAIRI), que muito me expandiram em termos de execução. Não posso deixar de agradecer ao Professor Lucas Pinheiro, meu amigo e meu primeiro orientador, e à AIESEC, que me abriu os olhos para o tamanho do mundo, por ambos terem um papel definidor na dimensão humana que eu guardo no peito e por, diversas e recorrentes vezes, insistirem na importância de nunca nos acomodarmos, nunca desistirmos e sempre buscarmos incansavelmente o melhor que podemos ser, e mais importante ainda, que podemos oferecer aos outros. Cabem ainda nestes agradecimentos o Professor Edson Tomaz, plácido mestre de contribuições incríveis para o meu desenvolvimento técnico, os professores Flávia de Ávila, Israel Barnabé, Corival do Carmo e Júlio Cóssio que, cada qual a sua maneira, prestaram-me gentilezas de contribuição louvável. A Joana Andrade, que pulou sorridente na nau das pesquisas de Defesa e a Roberto Teles, meu amigo, na vida e na academia, que atravessou comigo esta graduação. E aos distantes, Camilla Cabral, minha companheira de simulações, e a Jan Marcell, pelas sempre contribuições em termos de pesquisa. Copedianos, resdalinos, aiesecos, professores e amigos, aplaudo-os com toda e efusividade que se é possível, honrado, permanentemente, pelo espaço de minha vida inteira. Todos os agradecimentos devem dizer que o trabalho em questão é fruto de um esforço hercúleo e que representam uma longa e vasta série de experiências. Bem, neste caso em específico espero que vocês o acreditem: as páginas que se seguem me enchem de orgulho, e já me tiraram sorrisos, lágrimas, momentos de fúria e de graça e tantas coisas que somente o exercício metodológico da ciência tem a capacidade de lapidar e transformar em resultados de pesquisa. A este admirável processo de engrandecimento científico, humano, social e pessoal, que chamam de “Ensino Superior”, meu mais solene obrigado.

Todo passo é caminho.

La única lucha que se pierde es la que se abandona. (Buenos Aires, jornal El Argentino, 08 de outubro de 2014)

RESUMO: O trabalho ora proposto visa comparar os âmbitos conceituais e práticos – ambos inter-relacionados – da conformação da política de Defesa no Brasil, utilizando como parâmetro comparativo a Argentina, de modo a localizar possíveis obstáculos advindos da disjunção do diálogo brasileiro-argentino no campo da Defesa e da Segurança que podem estagnar o aprofundamento da relação entre os dois Países, no contexto do Conselho de Defesa Sul-Americano. Neste sentido, elucidamos teoricamente o campo da Defesa nas nossas considerações iniciais, debatemos teoricamente as posições dos dois países em seguida, debruçamo-nos sobre as Forças Armadas na seqüência e, em último momento no âmbito regional através da figura do referido Conselho. PALAVRAS-CHAVE: BRASIL, ARGENTINA, DEFESA, FORÇAS ARMADAS, CDS.

RESUMEN: El trabajo que aquí se propone tiene como objetivo comparar los niveles conceptuales y prácticos - interrelacionados – de la conformación de la política de Defensa en Brasil, utilizando como elemento de comparación la Argentina a fines de encontrar obstáculos potenciales derivados de la disyunción del diálogo argentino-brasileño en el campo de la Defensa y Seguridad que pueden parar la profundización de las relaciones entre los dos países en el marco del Consejo de Defensa Suramericano. En este sentido, en nuestras palabras de apertura presentamos teóricamente el ámbito de la defensa, después discutimos teóricamente las posiciones de los dos países, luego nos centramos en sus Fuerzas Armadas y en la secuencia, y en último momento en el plano regional a través del dicho. PALABRAS-CLAVE: BRASIL, ARGENTINA, DEFENSA, FUERZAS ARMADAS, CDS

SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS ........................................................... 1 2. CAPÍTULO 1: Concepções de Defesa do Brasil em contraste às da Argentina através dos seus documentos declaratórios .......................................................... 8 3. CAPÍTULO 2: Concepções de Defesa do Brasil em contraste às da Argentina através da atuação de suas agências ................................................................... 20 4. CAPÍTULO 3: Brasil e Argentina no âmbito do Conselho de Defesa SulAmericano: por uma convergência de conceitos e agendas .............................. 37 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 49 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 50

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CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS :

Antes de tentarmos justificar a necessidade de um estudo que verse sobre a Defesa Nacional, cabe remetermos à clássica máxima de Raymond Aron que a considera como sendo a outra face da Política Externa, muitas vezes relegada pelos analistas das Relações Internacionais. Adverte o autor que: “A distinção entre diplomacia e estratégia é relativa. Os dois termos denotam aspectos complementares da arte única da política – a arte de dirigir o intercâmbio com outros Estados em benefício do ‘interesse nacional’.” (ARON, 2002, p.73). Portanto, a Defesa é objeto por excelência de estudo das Relações Internacionais. São diversos, entretanto, os aspectos que podemos tomar como objeto da Defesa. Debruçar-nos-emos nos chamados Componentes da Política de Defesa, que segundo Proença Jr. e Diniz (1998, p.23), compreendem: as Forças Armadas; a estrutura integrada de comando e planejamento militar; a institucionalização governamental para defesa e, por fim, a política declaratória a prática concreta. Precipuamente, recortaremos apenas um daqueles componentes como nosso objeto central: a relação entre a política declaratória e a prática concreta. De acordos com os referidos autores, a política declaratória e prática concreta constituem “o último nível de combinação entre os diversos elementos de uma política de defesa”, e aprofundam:

[...] Trata-se dos mecanismos de concertação dos diversos componentes da política do Estado no que se referem ao seu relacionamento com os demais Estados na cena política internacional, isto é, a produção da segurança através da política de Defesa. Sua componente essencial é a enunciação dos objetivos, compromissos e limites no relacionamento com os outros Estados e da postura que orienta as ações dos Estados no ambiente internacional – sua política declaratória. (Proença Jr; Diniz, 1998, p.36).

O trabalho que ora propomos pretende se ater sobre o que o Brasil entende por sua questão de Defesa Nacional, como a operacionaliza e como tal entendimento reflete na sua postura a nível regional, mais precisamente no Conselho de Defesa SulAmericano. Entretanto, só a trajetória brasileira não nos elucida suficientemente de

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nossa própria condução. Por isso, propomos um estudo comparativo, utilizando a Argentina, considerado país tão relevante quanto no tema, par brasileiro no tema e, ainda assim, de processo evolutivo no tema solidamente diferente do brasileiro. Comecemos, então, de como e porquê justificar um trabalho que se utilize-se dos Estudos de Defesa, nas palavras de Domingos Neto:

" [...] afirmo que o desenvolvimento dos Estudos de Defesa permitirá uma compreensão enriquecida sobre a trajetória da sociedade e do Estado na medida em que, pondo luz sobre o instrumento da força, propicie uma benfazeja revisão literária de fenômenos que hoje integramos. Os estudos sobre as Forças Armadas e as Políticas de Defesa podem ajudar a compreender os alongados e processos que perfazem a experiência humana. Essa é a primeira razão que alinhavo em favor dos Estudos de Defesa. Qualquer estudo ou ensaio reflexivo sobre a experiência histórica brasileira ou sobre os processos internacionais que não tenham em conta a atuação das corporações armadas, da indústria e da tecnologia de defesa é necessariamente débil incompleto e enviesado. Os Estudos da Defesa são importantes para o desenvolvimento do conhecimento científico: podem ajudar a vitalizar o debate conceitual e alargar o campo empírico das ciências humanas. A segunda razão para o desenvolvimento dos Estudos de Defesa diz respeito à necessidade de pensar o futuro da democracia, o desenvolvimento social e a ordem mundial. "não há Estado nem sociedade que prescindam de instrumentos de força e nos quais os elementos armados não desempenhem papel decisivo nos variados aspectos da dinâmica social. (DOMINGOS NETO apud Monteiro et al, 2013, pág. 46)

Mesmo a Academia ou mesmo a Sociedade Civil possuem não só a função de participar do debate das temáticas da Defesa, mas de contribuir. Para Celso Amorim, "a reflexão sobre a missão central das forças de defesa em uma sociedade democrática é uma das tarefas mais importantes da comunidade acadêmica.” (AMORIM apud MONTEIRO et al, 2013, pág. 28) Este trabalho poderia dirigir-se preponderantemente sobre qual Política de Defesa o Brasil, de fato, apresenta, ou as relações civil-militares que possuímos no país e mesmo compará-las com a Argentina. Entretanto, aqui, nossos esforços serão sobre os

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conceitos dos documentos declaratórios e das diferentes agências que ambos os países apresentam para a execução da Defesa. De acordo com Saint-Pierre e Lopes (apud CARMO et al, 2013, p.85) "um conceito categoriza, define, limita, a realidade em torno de uma hipótese formulada por um ser histórico e social". Assim, o conhecimento das relações entre Brasil e Argentina passa essencialmente pela definição dos conceitos e concepções de Defesa, de modo comparado, no sentido de avaliar se os mesmos convergem para uma realidade estratégica comum. Para o mesmo autor (2011, pág. 2) a ameaça1, ponto fulcral da Defesa, não tem sua existência em si mesma, mas na percepção de quem se sente ameaçado. Isso implica em dizer que a ameaça não é um objeto em si mesmo, mas decorre da dinâmica perceptiva relacional estabelecida entre o emissor do sinal e o receptor do mesmo. O autor ainda argumenta que a segurança é da mesma matéria empírica que as percepções: é sobre a percepção dos outros que atua a Política Externa e, por conseguinte, a Defesa como a entendemos academicamente. Sendo assim, não devemos esperar que convergências conceituais em torno da Defesa aconteçam espontaneamente. É o objetivo deste trabalho investigar as percepções originais dos países em questão, como são declaradas e como efetivamente se operacionalizam, e em seguida, como se subordinam ao concerto regional proposto pelo Conselho Sul-americano de Defesa. Cada unidade política projeta-se de modo a garantir seus interesses vitais e sua soberania. Façamos uma rápida digressão conceitual. Segundo Buzan e Hansen, 2009, há a conjunção de dois eventos que trouxeram à tona os conceitos de nacionalidade e soberania, fulcrais para a maneira como os debates em torno da segurança internacional se desenvolvem. Primeiramente compreendemos que o conceito de "Segurança" pode ser analisado pelas diferentes concepções estatais. Entretanto, colocando-os em perspectiva histórica, a discussão sobre "Segurança" sempre se atrela à do próprio Estado. Os dois eventos, desta maneira, são a mudança do sistema medieval para o moderno, através da reorganização do sistema de governança que mudou a forma de compreensão do que são as identidades políticas, inaugurando, assim, a ideia de soberania na Paz de Vestefália; e o "mito" da nacionalidade herdado das revoluções. 1

Héctor Saint-Pierre conceitua ameaça como: "uma representação, um sinal, uma disposição, gesto ou manifestação percebida como anúncio de uma situação não desejada ou de risco para a existência de quem percebe." (Pág 23, em Max Weber: entre a paixão e a razão, 3ª ed., campinas: Unicamp)

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Assim, as possibilidades de projeção externa por meio do monopólio da força, e sua conexão com a correlação de forças internacionais condicionam a elaboração estatal de seu quadro de ameaças, sendo, portanto, objeto central dos estudos da Segurança Internacional. Stephan Walt (1991) é quem define Segurança Internacional, dizendo que: "[a Segurança Internacional] explora as condições nos quais o uso da força é provável, as maneiras em que isso da força afeta os indivíduos, Estados e sociedades, assim como as políticas específicas que os Estados adotam de modo a prepararem-se, prevenirem-se ou declararem Guerra". A força, seu uso e, mais precisamente, seu monopólio, são parte essencial da Segurança. É importante compreendermos, então, como ela se disponibiliza dentro da configuração estatal. Sobre o monopólio da força, que caracteriza os Estados, SaintPierre caracteriza duas vertentes importantes, ambas necessárias de serem conceituadas:

"[...] uma primeira característica desse monopólio é que a natureza da decisão e da violência para com os súditos é ordenadora (na medida em que se manifesta normativamente) e protetora (tanto dos súditos quanto do status quo normativo que garante a segurança deles). A natureza da modalidade do emprego do monopólio legítimo da força para com os súditos é de garantir a segurança e a ordem, isto é, de anulação da polêmica interna e dissolução do conceito do "inimigo" no âmbito interno, uma vez que seu soberano deve aos seus súditos sua proteção e segurança. Daí que o exercício interno da soberania consista, antes de mais nada, em neutralizar os conflitos (...). Para o seu interior, o soberano é polícia, e no sentido estrito do termo, apenas para o exterior é política." (pág.7)

Em resumo, o autor defende que "A natureza da força na sua projeção interna é protetora do súdito e conservadora da ordem, e se emprega no regime de monopólio. É o que se conhece como 'segurança pública', 'segurança interna', 'segurança cidadã' (...)" (2011, pág8.) e ainda que, "com efeito, o principal desafio e preocupação permanente do soberano seja com o cuidado, por um lado, com a segurança dos seus súditos e a manutenção da ordem que garanta status quo perante eventuais ameaças do conjunto de unidades decisórias2" (idem) ou Estados. Atentar-nos-emos precisamente a esta 2

O autor é entende uma dinâmica própria entre as referidas Unidades. "(...) a existência dessa pluralidade de unidades decisórias, com valores, princípios e interesses diversos, que podem chegar a

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diferenciação do emprego da força porque dentro do Estado se estabelecem burocracias e regulamentações específicas, pois ambas as modalidades são essenciais à conservação e ao funcionamento da unidade política. Como vimos, a título de melhor iluminar o conceito, a soberania, fruto do monopólio estatal da força3, adquire duas dimensões: enquanto a primeira, interna, mantêm a ordem e a solidez da unidade política; a segunda, externa, põe os estados em termos de igualdade estrutural: todos são monopolistas da força de suas nações e, por isso, soberanos. É sobre esta diferenciação, inclusive, em que surgem as definições conceituais de Segurança Interna e Defesa4. Outra visão, embora corroborativa é a de Manuel Domingos Neto, em que diz que "as sociedades se desenvolveram paralelamente à construção de instrumentos de força sobre os indivíduos e as coletividades. O surgimento do Estado, bem como sua consolidação, foi simultâneo ao nascimento e evolução de corporações armadas: polícias e exércitos". (apud Monteiro et al, 2013, pág. 43). E ainda que:

Para o bem ou para o mal, dependendo do ponto de vista, os instrumentos de força foram e persistem decisivos na construção da ordem política e da organização da sociedade. Em boa dose, os Estados e as coletividades humanas são o que são, com suas virtudes e mazelas, fragilidades e potencialidades, em virtude do papel exercido por corporações preparadas para fazer determinações políticas através da força. (apud Monteiro et al, 2013, págs. 43 e 44).

Não é absurdo dizer que as Relações Internacionais baseiam-se na possibilidade do recurso à força. E, pelo apresentado, o monopólio da força de aplicação externa de um país reside sobre as suas Forças Armadas. Domício Proença Júnior e Eugênio Diniz afirmam que: "O importante é salientar que, em qualquer caso, as forças armadas são o instrumento de força dos Estados e a garantia última de seus interesses e de sua existência" (1998, p. 8). E ainda que "A atualidade das forças armadas, portanto, é um guerrear por eles, configura o ambiente externo como um pluriverso, mais que um universo. Nesse pluriverso, cada unidade política tentará preservar sua soberania e alcançar seu reconhecimento por parte das outras unidades." (Saint-Pierre in RESDAL, 2012, pág. 43). 3 Manuel Domingos Neto faz uma observação pertinente quanto à natureza das diferentes vertentes do monopólio da força. "Corporações militares e policiaistêm diversos aspectos culturais, orgânicos e funcionais comuns. Apenas na modernidade, com a consagração dos conceitos de cidadania e de sociedade nacional [como nos elucida Buzan e Hansen], as ideias de que o militar deve se preparar para o enfrentamento com estrangeiros e de que o policial serve para disciplinar cidadão passou a ser amplamente assimilada. (apud Monteiro et al, 2013, pág. 44) Comentário nosso. 4 Clarifica Saint-Pierre: o mesmo fenômeno mostra inequivocamente a diferente natureza da força empregada em cada caso: ordenadora e protetora internamente, defensora e letal externamente.

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dos assuntos centrais na gestão dos assuntos públicos - e até da segurança ou paz internacional." Agregamos aqui a noção de que a atualização a que alude os autores deve passar também pelo âmbito conceitual. Invariavelmente, antes de prosseguirmos, é necessário darmos um panorama prévio da institucionalização das Forças Armadas de cada país, precisamente de sua submissão como instrumento de suas democracias ou, mais precisamente, do controle civil que Brasil e Argentina exercem, respectivamente. Não é nossa pretensão nos deter ao conceito, mas ao fato de o processo de controle civil estar ainda em marcha tanto no Brasil quanto na Argentina, embora se encontre em estágio mais maduro e avançado no último país do que no primeiro. Seja por diferentes e descompassadas razões políticas ou sociais, seja pelo maior ou menor grau de intervenção militar na política, Brasil e Argentina não registram histórico de sincronização de seu processo de controle civil (WINAND; SAINT-PIERRE, 2007). Isto refletiu não apenas em diferentes caminhos de institucionalização da Defesa, como em diferentes de concepções sobre Defesa. Como exemplo grave desta desarticulação conceitual, exploraremos as distintas apreensões e abrangências do que venha a constituir a Defesa e a Segurança. O interesse nacional é um elemento importante por definir a leitura que o Estado faz de seu papel diante do mundo e do entorno com o qual se relaciona. Ele molda interesses e objetivos de atuação externa de longo prazo ainda que por vezes a conjuntura influencie a agenda governamental. É com base nesta leitura de objetivos e interesses que os Estados criam seus aparatos institucionais. É necessário salientar que no caso das políticas de Defesa, podem variar, de país para país, os agentes predominantes na elaboração das mesmas, a exemplo de militares, agentes executivos e parlamentares. O grau de intervenção de cada um destes faz com que as percepções contidas nos documentos sejam ainda mais férteis para análise. No caso argentino, é conhecido o teor mais político dos mecanismos institucionais e o fato de serem fruto de choque de pressões e interesses. No caso brasileiro, trata-se de análise de que deve levar em conta também a visão de mundo da instituição militar, a Defesa no Brasil ainda não alcançou nível desejado de politização, como veremos. Há diferentes abordagens sobre os fatores da baixa politização da Defesa brasileira. Uma delas se verte para os estudos do "Controle Civil". Derivado das ponderações de Samuel Huntington em "O soldado e o Estado", o conceito de "Controle Civil" é bastante questionável no que toca ao seu

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significado e abrangência. Rut Diamint (apud Carmo et al, 2014, p. 354) o define como sendo o controle civil sobre as Forças Armadas “como o processo contínuo de produção de políticas de defesa pelo poder legitimamente instituído, com uma cadeia de comando claramente definida, que garanta que o princípio e o fim de qualquer intervenção bélica corresponda à decisão das autoridades civis”. Esta discussão voltará a aparecer quando tratarmos das agências, no nosso Capítulo 2. No pluriverso ao qual se referiu Saint-Pierre, pode ser observado os marcos institucionais das políticas de Defesa dos Estados e é sobre eles que pretendemos nos debruçar, no primeiro capítulo, quando analisarmos as fontes documentais do Brasil e da Argentina. Ou seja, as características jurídico-institucionais, ou documentos declaratórios, serão o primeiro passo de compreender, sobretudo as nuances brasileiras, do tema, como já debatida e importância. No Capítulo 3, após termos debatido as concepções e a institucionalização da Defesa no Brasil, comparada com a Argentina, nos fixaremos a colocar tais posições estatais frente ao proposto do Conselho Sul-americano de Defesa, da UNASUL, defensora de que a construção de ideias e expectativas sul-americanas passam por um entendimento compartilhado de conceitos que, por sua vez, permitem operacionalizar a cooperação no âmbito da Defesa. Ou seja, para o efetivo desenvolvimento de um complexo de Defesa na região é necessário não só a compactuação de um objetivo comum, como de agendas que permitam tal operacionalização. Entretanto, são compatíveis as definições brasileiras e argentinas com a unasulina? E mais, as agências de ambos os países possuem, não só possibilidade, mas pressupostos para tal cooperação? E ainda, desta maneira, debatermos de fato a possibilidade de uma Política de Defesa regional sólida e exequível é cabida? Tais questionamentos encaminharemos para nossa Conclusão.

CAPÍTULO 1: CONCEPÇÕES DE DEFESA DO BRASIL EM CONTRASTE COM ÀS DA ARGENTINA ATRAVÉS DOS SEUS DOCUMENTOS DECLARATÓRIOS ( TEORIA )

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Na República Federativa do Brasil a Defesa Nacional fica a encargo do Ministério da Defesa, no que diz respeito à Lei nº 10.683 5, de maio de 2003, que organiza a Presidência da República e seus Ministérios. A Lei nº 12.4626, de 2011, apresenta algumas alterações neste sentido, mas é basilar fazer constar que no Artigo 27º, Seção II, Item VII, dentre as 26 competências de tal Ministério, encontram-se: a política de defesa nacional, a estratégia nacional de defesa e a elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional; assim como políticas e estratégias setoriais de defesa e militares e suas legislações; doutrina, planejamento, organização, preparo e emprego conjunto e singular das Forças Armadas; operações militares das Forças Armadas e o orçamento geral de defesa. Desde sua criação em 1999, quando se congrega sob a sua jurisdição os então independentes Ministérios das Forças Armadas, em cuja discussão não entraremos, o Ministério tem como papel, no que concerne à Defesa, proteger os interesses nacionais, os cidadãos, os bens e os recursos brasileiros. Para tanto, uma série de documentos declaratórios balizam e direcionam a sua atuação. Não estamos tratando dos documentos que regulam o Ministério da Defesa. Estamos tratando dos documentos de cuja elaboração faz parte o próprio Ministério e, ainda, os quais objetivam informar ao público, nacional e internacional, sobre a atuação do mesmo. Apresentar-lhes as Políticas Nacionais de Defesa brasileiras dos anos de 19967 e 20058, respectivamente apresentadas pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva terá espaço depois de elucidarmos o que vem a ser uma Política Nacional de Defesa através das mesmas. Os documentos parecem convergir sobre a necessidade de se elaborar prioridades estratégicas específicas decorrentes do interesse nacional e os objetivos nacionais de defesa. Em outros termos que, diante da análise de circunstâncias internacional e na compreensão da possibilidade de ameaças externas, tal Política de Defesa Nacional é

[...] o documento de condicionamento do mais alto nível de planejamento da defesa, e tem como finalidade o estabelecimento de 5

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.683.html Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12375.htm#art1 7 Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/publi_04/COLECAO/POLI.HTM4/20/2006 8 Disponível em: http://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/arquivos/pdf/Brasil%201998.pdf 6

9 objetivos e diretrizes para a elaboração e emprego de treinamento nacional, com a participação dos militares e secções cíveis, em todas as esferas do Poder Nacional. (BRASIL, 2005)[...].

Assim, a Política de Defesa Nacional estabelece objetivos e diretrizes para o preparo e o emprego da capacitação nacional, com o envolvimento dos setores militar e civil, em todas as esferas do Poder Nacional9. O documento se divide em duas partes, a que aborda os conceitos e objetivos da defesa, além de uma análise da conjuntura interna nacional e do âmbito internacional e outra de cunho estratégico, em que se apresentam orientações de segurança nacional. O documento ainda se declara de interesse de todos os segmentos da sociedade brasileira, por apresentar como premissas os fundamentos, objetivos e princípios dispostos na Constituição Federal10. Pela própria natureza do seu conteúdo, é o Ministério da Defesa que coordena as ações necessárias para a Defesa Nacional. De forma comparada11 os objetivos, desta forma, das Políticas de 1996 e 2005 são: Figura 1: Objetivos das Políticas de Defesa Nacionais 1996 e 2005 comparadas. Política de Defesa Nacional de 1996

Política de Defesa Nacional de 2005

a) para garantir a soberania, preservando a integridade territorial, o patrimônio e os interesses da Nação; b) para garantir o Estado de Direito e das instituições democráticas; c) a coesão e a unidade da Nação; d) para proteger as pessoas, bens, recursos que são brasileiros, ou estão sob Jurisdição brasileira; e) para alcançar e manter os interesses brasileiros no exterior; f) dar ao Brasil um papel significativo nos assuntos internacionais e um papel mais importante no processo de tomada de decisões a nível internacional; e g) Contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais.

I - A garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial; II - A defesa dos interesses e pessoas nacionais de bens e recursos brasileiros no exterior; III - A contribuição para a preservação da coesão e da unidade nacional; IV - A promoção da estabilidade regional; V - A contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais; e VI - A projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção nos processos de tomada de decisões internacionais.

É possível notar certa coincidência nos objetivos, pouco variando em termos de conteúdo, embora apresentem claras diferenciações quanto ao projeto político de cada

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Maiores detalhes em: http://www.defesa.gov.br/index.php/estado-e-defesa-a/politica-nacional-de-defesa O Art. 21 e o Título V versam sobre as temáticas da Defesa. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm 11 Por não dispor dos documentos em língua portuguesa, ou seja, somente na versão inglesa, informamos que a tradução é nossa. Tabela de elaboração nossa. 10

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governo em questão. A atual Política Nacional de Defesa12, de 201213, apresenta como objetivos14: I. garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; II. defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III. contribuir para a preservação da coesão e da unidade nacionais; IV. contribuir para a estabilidade regional; V. contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; VI. intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais; VII. manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII. conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; IX. desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; X. estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; e XI. desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional. (BRASIL, 2012)

O ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral foi enfático quando disse que "A Defesa é problema que diz respeito a toda a sociedade, e, assim, transcende os limites das Forças Armadas independentemente de sua história. (AMARAL, apud MONTEIRO et al, 2014, pp. 452-53). Tal argumento nos clareia, por exemplo, as motivações de se acrescentar os objetivos VII a XI, até então inéditos. Enquanto a maioria dos novos objetivos dizem respeito ao refinamento da ideia de Defesa no Brasil e de uma readequação das Forças Armadas rompendo seu marasmo administrativo desde a Redemocratização, o VIII, especificamente, almeja cumprir um papel decisivo quanto ao alargamento da questão da Defesa como fundamental para a democracia brasileira. Este aspecto será mais aprofundando adiante.

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Aprovado originalmente pelo Decreto no 5.484, de 30 de junho de 2005, como Política de Defesa Nacional (PDN), o documento foi atualizado em 2012, passando a se chamar Política Nacional de Defesa (PND). 13 Disponível em: http://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/END-PND_Optimized.pdf 14 O próprio portal do Ministério da Defesa apresenta informações rápidas dos documentos e do papel que desempenha. Por exemplo, estes mesmos objetivos estão dispostos aqui: http://www.defesa.gov.br/index.php/estado-e-defesa-a/papel-da-defesa-nacional

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Podemos ainda afirmar que a disposição dos objetivos, o aumento dos mesmos, e seu conteúdo mais detalhado evidenciam um maior trato da questão da Defesa Nacional. Proença Júnior e Eugênio Diniz fazem mais uma contribuição importante quando dizem que o componente fundamental nos documentos de Defesa Nacional é:

[...] a enunciação dos objetivos, compromissos, e limites no relacionamento com outros Estados e da postura que orienta as ações do Estado no ambiente internacional - sua política declaratória. Neste sentido, toda política de defesa está sempre vinculada à política exterior, assim como a políticas exterior está vinculada a uma determinada pauta de objetivos explícitos no cenário internacional, ao mesmo tempo em que reflete fielmente um dinâmica política interna. (PROENÇA JR; DINIZ, 1998, p. 36)

Em tal aspecto, o Brasil entende que Defesa15, através do próprio documento, é:

É o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (BRASIL, 2012)

Para sua execução, o Brasil desenvolveu e lançou em 2008 16, revista em 201217, a Estratégia Nacional de Defesa (END) que estabelece diretrizes para a adequada preparação e capacitação das Forças Armadas, de modo a garantir a operacionalização da defesa e o cumprimento dos seus objetivos. É importante ressaltar que a Estratégia Nacional de Defesa ainda prevê a reorganização da indústria de defesa, o reequipamento dos Comandos Militares e um plano de domínio tecnológico específico para cada Força: o campo nuclear para a Marinha, o espacial para a Aeronáutica e o cibernético para o Exército. Em outros termos, a END institui diretrizes estratégicas de médio e longo prazo e objetiva a modernização da estrutura nacional de defesa. "Também trata das questões político-institucionais que garantam os meios para fazer com que o governo e sociedade se engajem decisivamente na “grande estratégia” de segurança da nação", conforme a 15

Lembramos que tal definição foi apresentada anteriormente em 2005, na Política de Defesa Nacional, instituída pelo Decreto nº 5.484 da Presidência da República, de 30 de junho de 2005, no item 1.4, inciso II. 16 Disponível em: http://www.defesa.gov.br/index.php/estado-e-defesa-a/estrategia-nacional-de-defesa 17 Disponível em: http://www.defesa.gov.br/arquivos/estado_e_defesa/END-PND_Optimized.pdf

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chamada18 do site do Ministério da Defesa. São quatro os eixos que vão compor a estratégia Nacional: a composição dos efetivos, o serviço militar, como as Forças devem se organizar e suas atribuições de guerra e paz, e a já citada reorganização da Base Industrial de Defesa. A publicação de 2012 congrega no mesmo documento tanto a Política de Defesa Nacional de 2005 quanto a Estratégia Nacional de Defesa de 2012, por, segundo consta na introdução da publicação:

Em comum, os documentos pavimentam o caminho para a construção da Defesa que o Brasil almeja. Uma Defesa moderna, fundada em princípios democráticos, capaz de atender às necessidades de uma nação repleta de riquezas e inserida num mundo turbulento e imprevisível como o atual. Realizada pela primeira vez de maneira conjunta, a edição da Política e da Estratégia também procura atender a um dos principais objetivos da Defesa Nacional: conscientizar a sociedade brasileira sobre a importância dos temas do setor para o País. (BRASIL, 2012)

Entretanto um terceiro documento publiciza19 as concepções de defesa do Brasil: o Livro Branco da Defesa Nacional20, documento então inédito no Brasil até 2012. A Lei Complementar 97 de 1999, modificada pela Lei Complementar 136 de 2010, estabeleceu, em seu Art. 9º, parágrafo. 3ª, a obrigatoriedade de o Poder Executivo apresentar ao Congresso Nacional, na primeira metade da sessão legislativa ordinária de 2012, a primeira versão do Livro Branco de Defesa Nacional. Segundo o próprio Ministério da Defesa do Brasil21:

O Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) é o mais completo e acabado documento acerca das atividades de defesa do Brasil. 18

Disponível http://www.defesa.gov.br/estado-e-defesa-a/estrategia-nacional-de-defesa O conceito de publicização (...) funda-se numa visão ampliada da democracia, tanto do Estado quanto da sociedade civil, e na implementação de novos mecanismos e formas de atuação, dentro e fora do Estado, que dinamizem a participação social para que ela seja cada vez mais representativa da sociedade, especialmente das classes dominadas. (...) o processo de publicização pretende alterar a tendência histórica da subordinação da sociedade civil frente ao Estado. (...) Trata-se de uma dinâmica sociopolítica que envolve a organização e a representação dos interesses coletivos na cena pública, que possam ser confrontados e negociados a partir do enfrentamento dos conflitos que regem as relações sociais na sociedade de classes. (DEGENNSJAH, p. 63) 20 Disponível em: http://www.defesa.gov.br/projetosweb/livrobranco/lbdndigital/#/0 21 Disponível: http://www.defesa.gov.br/index.php/estado-e-defesa-a/livro-branco-de-defesa-nacional 19

13 Abrangente, visa esclarecer a sociedade brasileira e a comunidade internacional sobre as políticas e ações que norteiam os procedimentos de segurança e proteção à nossa soberania. (BRASIL, 2015)

Entre suas funções estão presentes a prestação de contas da estrutura de defesa no Brasil e da atuação das Forças Armadas para diferentes interessados internos, como o Congresso, a Academia e a sociedade civil. (D'ARAÚJO, apud DONADIO, 2012, p. 157). Externamente os Livros Brancos são considerados como um instrumento de transparência, especialmente entre Brasil, nações amigas e região, por compartilhar motivações e finalidades do instrumento militar. Nesse sentido, em geral, o Livro Branco contribui também para o fortalecimento da cooperação. É importante ressaltar que os três documentos em vigor são competência do Ministério da Defesa prevista em Constituição Federal: a) política de defesa nacional, estratégia nacional de defesa e elaboração do Livro Branco de Defesa Nacional, conforme redação dada pela Lei nº 12.375, de 2010. Outros países apresentam tal documento dentro do seu escopo declaratório. É o caso da República Argentina, sobre a qual nos debruçaremos conforme justificado neste trabalho. Na Argentina tal documento22 já possui duas versões, a primeira de 199923, do governo Carlos Menem, e a segunda de 201024, do governo Cristina Kirchner, estando em marcha os debates de formulação da terceira, conforme anuncia25 o Ministério da Defesa:

O Livro Branco é um documento oficial, através do qual as diretrizes básicas da política e do sistema de defesa do país são apresentadas. Seu desenvolvimento e a regular atualização de seu conteúdo ajuda a cumprir (...) prestação de contas sobre as características, objetivos, meios e capacidades que possui o sistema de defesa nacional; permitindo aos cidadãos o acesso a informações importantes relacionadas com o quanto, como e por que os recursos públicos destinados são aplicados ao setor. Além disso, a nível internacional, a divulgação das orientações estratégicas de base e doutrina de defesa nacional implica posicionamento estratégico transparente adotado pelo país em nível internacional e regional, evitando assim o aparecimento 22

Informamos que não dispomos de nenhum dos documentos argentinos em língua portuguesa, assim, a responsabilidade da tradução deve ser atribuída a nós e não tida como oficial. 23 Disponível em: http://www.resdal.org/Archivo/d0000022.htm 24 Disponível em: http://www.mindef.gov.ar/libro_blanco/Libro_Blanco_de_la_Defensa_2010FeDeErratas.pdf 25 Disponível em: http://www.libroblanco.mindef.gov.ar/

14 de equívocos ou distorções que afetem os laços de cooperação e confiança mútua entre as nações, ao promover a coexistência pacífica e os princípios democráticos de governo. A importância da elaboração do Livro Branco foi reiterada inúmeras vezes por diversas organizações e fóruns internacionais, incluindo a Organização das Nações Unidas (ONU). Argentina, seguindo estas recomendações publicou o seu Livro Branco sobre a Defesa, em 1999, e mais tarde, em 2010, que prevê a divulgação de uma nova edição. (...) (ARGENTINA, 2015).

O Livro Branco da Defesa Argentina de 2010 é composto de três partes e vinte e três capítulos e apresenta em seu quinto capítulo o que chama de "bases normativas da defesa", pormenorizando como se concebe e como se normatiza a Defesa na Argentina. As Bases Normativas da Defesa argentina são a Lei de Defesa Nacional de 1988, a Lei de Segurança Interior de 1992, a Lei de Serviço Militar Voluntário de 1995, a Lei de Reestruturação das Forças Armadas de 1998, a Lei de Inteligência Nacional de 2001 e a Reforma Integral dos Sistemas Militares de Disciplina e Justiça de 2008, além dos já citados Livros Brancos. Nem todas essas leis inserem-se no foco específico deste trabalho, apesar de obviamente inserirem-se na temática da Defesa Argentina, e se fôssemos para compará-las em todas as suas vertentes com as brasileiras, infelizmente não atingiríamos o objetivo específico deste capítulo em si. Debrucemo-nos, neste momento, além da Lei de Defesa Nacional de 1988, em que muito em breve trataremos, na Diretiva de Política de Defesa Nacional, de 2009, documento oficial do Governo Kirchner então em vigor. Tal Diretiva26, outorgada pelo Decreto 1714, de 2009, está orientada à defesa dos cidadãos argentinos, e então sua integridade territorial e seus recursos naturais ante qualquer agressão externa. Para tanto, o documento ainda afirma que as Forças Armadas devem, e estão a, ser reestruturadas em uma política de ação conjunta de elementos e meios, reforçando a formação técnica de suas tropas para maios capacidade operacional. Faz parte do projeto, também, a recuperação da Indústria Nacional de Defesa. A mesma Diretiva da Política de Defesa Nacional, composta de três longos capítulos, ainda orienta que a Argentina pauta-se na "defensiva estratégica", passando a ser orientação da política argentina atual. Isso implica a revogação dos conceitos de "cenários de conflito" com os países vizinhos, como afirma o documento, bem como o

26

Disponível em: http://www.mindef.gov.ar/institucional/marco_legal/decreto-1714-2009.html

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estabelecimento de um pressuposto que rompe com "posições de agressão e expansionistas" incluídas nas definições de paz da Organização das Nações Unidas. A Argentina busca, assim, uma política de cooperação regional, cujos pilares são constituídos, nomeadamente, no estabelecimento de parcerias, a saber, por exemplo, com o Chile Southern Cross para as operações de paz; a constituição da Joint Engineer Battalion "José de San Martín" com o Peru, também para as operações de paz;e participação no Conselho de Defesa Sul-Americano, CDS, no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Na Argentina, o conceito de Defesa Nacional é definido pela Lei 23.55427 de 26 de abril de 1988, especificamente na cláusula 2 do Art. 1 como:

A Defesa Nacional é a integração e a ação coordenada de todas as forças da Nação para a solução daqueles conflitos que requeiram o emprego das Forças Armadas, em forma dissuasiva ou efetiva, para enfrentar agressões de origem externa. (ARGENTINA, 1988)

Comparemos com o disposto pelo Brasil, em que relembremos, Defesa Nacional é definida pelo Documento de Política de Defesa Nacional de 2005, instituído pelo Decreto nº 5.484 da Presidência da República28, de 30 de junho de 2005, no item 1.4 como:

II - Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (BRASIL, 2005)

Vale observar, como primordial ponto de debate, que na definição de um conceito de Defesa, é determinado, ou ao menos destacado, os meios estatais disponíveis para efetivar a Defesa e garantir a Segurança. Isso quer dizer, em outros termos, que a conceituação da sua concepção é uma mostra clara e publicizada, vide conceito já apresentado de Degennsjah, não só de como o país compreende, mas de como trata o tema. 27 28

Disponível em: http://www.mindef.gov.ar/institucional/marco_legal/ley-defensa-nacional_1.html Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/\Ato2004-2006/2005/Decreto/D5484.html

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Duas divergências notáveis podem ser apontadas já pela forma como se dá a conceptualização dada pelos dois países: uma de dimensão, pela qual se compreende Defesa, e outra pelo objeto, no qual se dedicará à Defesa. Enquanto o Brasil recorta como objetos de sua Política de Defesa sua soberania, o território, e os seus interesses nacionais, emprestando ao conceito um tom patrimonialista, a Política de Defesa argentina dedica-se a dirimir agressões externas. E, enquanto a Argentina torna exclusiva para o âmbito externo, o Brasil abre a séria prerrogativa para o uso interno das Forças Armadas. Relembremos os objetivos da Defesa Nacional do Brasil e comparemos 29 com os da Argentina: Figura 2: Tabela comparativa dos objetivos da Defesa Nacional no Brasil e na Argentina Brasil: Decreto 5.484, 2005. Argentina: Lei 23.554, 1988. Política de Defesa Nacional (PDN). (Art. 5º) Lei de Defesa Nacional (Art. 8º) I. Garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; II. Defender os interesses nacionais e as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III. Contribuir para a preservação da coesão e da unidade nacionais; IV. Contribuir para a estabilidade regional; V. Contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais; VI. Intensificar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais; VII. Manter Forças Armadas modernas, integradas, adestradas e balanceadas, e com crescente profissionalização, operando de forma conjunta e adequadamente desdobradas no território nacional; VIII. Conscientizar a sociedade brasileira da importância dos assuntos de defesa do País; IX. Desenvolver a indústria nacional de defesa, orientada para a obtenção da autonomia em tecnologias indispensáveis; X. Estruturar as Forças Armadas em torno de capacidades, dotando-as de pessoal e material compatíveis com os planejamentos estratégicos e operacionais; e XI. Desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional.

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Tabela de elaboração nossa.

1. Determinar as hipóteses de conflito e que deve ser mantido como uma hipótese de guerra; 2. Desenvolver hipóteses de guerra, estabelecendo para cada um deles os meios a serem empregados; 3. Elaborar planos que permitem uma preparação adequada de toda a nação para a eventual guerra; 4. Desenvolver planos para a realização de níveis de defesa nacional, correspondendo a estratégia militar e estratégia operacional; 5. Dirigir a guerra em todos os seus aspectos, desde o nível da estratégia nacional; 6. Dirigir as Forças Armadas e os esforços dos setores do país afetados pelo conflito, a nível estratégico e operacional militar estratégico; 7. Desenvolver e implementar a mobilização nacional; 8. Garantir a implementação de operações militares conjuntas das Forças Armadas e das operações eventualmente combinados que podem se materializar; 9. Colocar a hipótese de convergência para permitir a preparação de alianças necessárias suficientes para responder adequadamente à possível realização da hipótese de guerra; 10. Verificar as ações de guerra.

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A comparação entre os objetivos apresentados pelos dois países nos leva a alguma considerações. A primeira é que, vistos nestas perspectivas, os objetivos brasileiros apresentam um caráter muito mais generalista e político, enquanto os argentinos focam-se, claramente, na detecção e contenção de ameaças por meio de um planejamento específico para as mesmas. Por outro lado, enquanto o Brasil expõe a pretensão de projeção na região e no mundo, a Argentina assume a necessidade de busca por alianças estratégicas pontuais e permanentes para cumprir sua Defesa. Podemos ainda observar que entre os objetivos da defesa brasileira encontra-se a permissão para intromissão em assuntos internos – como a coesão e ordem nacionais –, enquanto sobre os objetivos da defesa argentina não se pode inferir o mesmo. A nosso ver, enquanto a Argentina assume uma postura estritamente pragmática e utilitária de sua defesa, o Brasil a põe como ferramenta de política externa e, toda vez que entender que sim, de polícia. Observamos então, um Brasil com pretensões de inserção mundial, vide seu Livro Branco, enquanto a Argentina entende a Defesa em sua estrita função de salvaguarda nacional, vide sua Diretiva. Nas palavras de Lima e Soares (p. 346, 2014),

[...] enquanto a Argentina atribui peso relevante à defesa regional, o Brasil esmera-se em atingir uma inserção em patamar mundial e o peso da Defesa recai em seus próprios recursos. O resultado é um Brasil pouco integrativo, ao contrário de uma Argentina em que esta busca é mais visível.

Debatamos melhor, então, o que se concebe por Política de Defesa para prosseguirmos. É possível afirmar, primordialmente que a Política de Defesa é uma política pública. Polyara Pereira diz que o termo público tem uma conotação específica: "refere-se a medidas e formas de ação formuladas e executadas com vista ao atendimento de legítimas demandas e necessidade sociais (e não individuais)." E ainda que "Trata-se, pois, a política pública, de uma estratégia de ação pensada, planejada e avaliada, guiada por uma racionalidade coletiva, na qual, tanto o Estado como a sociedade, desempenham papeis ativos" (2008, pág. 96.) O argumento da autora incide especificamente na qualidade e na quantidade dos documentos públicos declaratórios da Defesa e, em especial, nos Livros Brancos, que pelas justificativas e motivações

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apresentadas pelos seus governos teriam este exato caráter de racionalidade coletiva, ampliando a participação da Defesa ao âmbito de todas as partes interessadas, inclusive a civil. Por exemplo, o Decreto 1714, de 2009, da República Argentina, a já vista Diretiva de Política de Defensa Nacional em seu preâmbulo reafirma que:

Que é política de estado exercer a plena condução política dos assuntos da Defesa Nacional, imputando diretivas políticas claras que estabeleçam rigorosamente os critérios e alinhamentos aos quais deverá ajustar-se a Política de Defesa, a Política Militar e, consequentemente, a organização e o funcionamento das Forças Armadas. (ARGENTINA, 2009)

Vejamos os argumentos de Carlos Wellington de Almeida (2010, pág. 223), que são a nós amplamente pertinentes quando diz que:

O conceito político de políticas públicas tem como engrenagem central a ideia de que determinados resultados desejados pela política somente têm chance de ocorrer quando contam com a força coercitiva do Estado. São chamadas “públicas” por terem origem e amparo no Poder Público e não são, de forma alguma, privadas, não se sujeitam às características do mercado. A política de defesa, sob esse ponto de vista, constitui política pública porque sua realização somente é possível com a intervenção da força estatal, da qual, reciprocamente, constitui um dos principais instrumentos. A defesa é uma atividade típica do Estado, indelegável para o setor privado e, até, para outro setor do próprio Estado. (...) Ainda do ponto de vista político, a defesa nacional deve constituir uma política de Estado e não uma política de governo. Deve haver um arranjo político subjacente à estrutura de defesa nacional, que, ao reunir militares e civis, partidos políticos e sociedade, permita sua condução acima das simples rivalidades. Possibilitando participação ativa na definição de prioridades, alocação de recursos e elaboração do orçamento. (ALMEIDA, 2010)

Almeida é bem claro quanto ao campo em que a Defesa Nacional, enquanto política pública, deve se respaldar e, mais precisamente, que devem apresentar claramente suas concepções e objetivos. É válido ressaltar que, tanto no Brasil como na Argentina, a estruturação da Política de Defesa é chamada, inclusive, de "Política

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Nacional de Defesa". Héctor Saint-Pierre defende que enquanto as Forças Armadas argentinas são utilizadas como instrumento de política externa, no Brasil são instrumentos de política. Esclareceremos melhor este ponto do uso das Forças Armadas no capítulo seguinte que trata da operacionalização, ou seja, o exercício da Defesa pelas suas agências. Não só a atuação dessas agências, como veremos, possui distintas competências; a questão fulcral é que já vimos que parece que as competências delegadas às Forças Armadas do Brasil são difusas enquanto que as da Argentina estão refinadamente especificadas. Não seria, portanto, infundado dizer que recai sobre os militares brasileiros certa autonomia velada que permite sua atuação claramente além de sua função enquanto elemento de política externa. A permissão, neste sentido, começa normativamente. Ou seja, está em lei e em diferentes documentos do executivo, o pressuposto de atuação em assuntos interno

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CAPÍTULO 2: CONCEPÇÕES DE DEFESA DO BRASIL EM CONTRASTE ÀS DA ARGENTINA ATRAVÉS DA ATUAÇÃO DE SUAS FORÇAS ARMADAS (PRÁTICA)

Como introduzimos neste trabalho, o que se concebe por Defesa é intimamente atrelado ao que se concebe por Segurança. Referente à separação entre Defesa e Segurança, Héctor Saint-Pierre e Diego Lopes da Silva (2014, p. 289) afirmam que em alguns países da região, as Forças Armadas são empregadas em funções que facilmente se deslizam entre o externo e o interno. Avaliemos, então, como Brasil e Argentina definem suas concepções. No âmbito do conceito de “pluriverso” que Héctor Saint-Pierre cunha e define como sendo a negação de uma única universalidade de interesses nos quais se situa um Estado, e na afirmação da existência de diversos universos, dentro dos quais se produzem sensações distintas de ameaça e, por conseguinte, variadas concepções de Defesa, podemos situar que nas relações entre Brasil e Argentina, há pontos de intersecção entre os dois universos, bem como pontos de disjunção. Como exemplo do primeiro caso, mencionamos as participações conjuntas dos dois países em Operações de Paz. O Atlas Comparativo de Defensa y Seguridad de América Latina 2014 da RESDAL (Red de Seguridad y Defensa de América Latina) apresenta dados interessantes para nossa compreensão do assunto. A Argentina possui 838 efetivos militares empregados em manutenção de paz, o que representa 13,72% do total do efetivo latino-americano disposto em missões de paz da ONU. A participação argentina apresenta-se

especialmente

nas

operações

do

Chipre

(UNFICYP)

e

Haiti

(MINUSTAH). O Brasil, por sua vez, apresenta grande contribuição no tema. A MINUSTAH, por exemplo, é liderada pelo Brasil desde 2004 e atualmente possui um contingente militar de 1.386 componentes brasileiros. Assim como também detém o comando da Força-Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNFIL), cujo país conta com 267 componentes brasileiros. Ainda, o posto de Force Commander da Missão de Estabilização da República Democrática do Congo (MONUSCO) atualmente é de um brasileiro. Em termos percentuais, as forças brasileiras representam 27,7% de todo o contingente latino-americano em Forças de Paz, presentes ainda no Saara Ocidental (MINURSO),

Libéria (UNMIL), Síria

(UNSMIS), Costa do Marfim (UNOCI), Sudão (UNMISS) e Abiel (UNISFA).

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Há, ainda, por parte de ambos o desejo de construção, em âmbito regional, de uma indústria de defesa. Não cabe aqui adentramos com precisão no tema, mas é válido saber que no ano de 2014, a Argentina investiu, em moeda local, 1.439.709.338,00 pesos com a Direção Geral de Fabricações Militares, quase o equivalente gasto com toda a manutenção de seu Ministério de Defesa (1.748.352.856,00 pesos argentinos), o equivalente a 4,1% do orçamento anual30 em Defesa. Já o Brasil direcionou 218.801.381,00 reais para a Indústria de Material Bélico Brasileira (IMBEL) e 233.203.311,00 reais para a Amazônia Azul Tecnologias S.A. (AMAZUL); lembrando que o Exército, Marinha e Aeronáutica possuem, cada qual, seus programas de desenvolvimento tecnológico científico, parte do Plano de Articulação e Equipamentos de Defesa (PAED), objetivo apresentado tanto na Estratégia Nacional de Defesa quanto na Lei de fomento da base industrial de Defesa (Lei Nº 12.598 de 2012), e previsto no Orçamento de Defesa brasileiro31. Por fim, é um objetivo declarado de ambos os países a cooperação regional no tema. Se como já vimos, Lima e Soares (2014, p. 346) atribuem a Argentina um entendimento estratégico voltado à compreensão da defesa baseada em cooperação regional, enquanto ao Brasil uma vontade de projeção internacional baseada em seus recursos próprios; assistimos a um Brasil pouco integrativo frente a Argentina em que esta vontade é mais visível. Entretanto, antes de adentrarmos no tema cooperação e segurança regional e nas possibilidades de um sistema de defesa padronizado, como faremos no terceiro capítulo deste trabalho, faz-se necessário partir de algumas noções comparadas quanto ao entendimento destes países sobre o que seja Segurança, bem como de suas concepções sobre o que devam constituir as missões de suas Forças Armadas. Paulo Kuhlmann e Aline Chianca Dantas (apud MONTEIRO et al, pág. 114) adiantam-se definindo que "o Brasil preferiu deixar o termo 'Segurança' para as Forças Armadas.", e continuam "Entretanto essa divisão não teve o efeito desejado, porque a missão das Forças Armadas inclui a atuação no ambiente interno, o que demonstra que somente a modificação da nomenclatura não resolve o problema da atuação".

30

O total do Orçamento de Defesa Argentino foi de 35.103.169.659 pesos argentinos. (DONADIO, 2014, p. 135) A porcentagem alcançada é só o direcionado à Direção Geral. É válido lembrar que cada Força possui recursos diretamente investidos em Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia para os avanços de seus programas, o que torna o total investido muito superior. 31 O Orçamento de Defesa brasileiro de 2014 foi de 74.645.480.148,00 reais. (DONADIO, 2014, p. 151)

22

A Política Nacional de Defesa do Brasil de 2012 assim sustenta o entendimento de Segurança:

"I. - Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza e a garantia dos cidadãos ao exercício dos direitos e deveres constitucionais;"

Não podemos deixar de observar que, comparada a definição que o mesmo documento traz de Defesa Nacional, a diferenciação das duas é pouco precisa. Érica Winand e Héctor Saint-Pierre (apud Sepúlveda, 2008, p. 17) defendem que o Brasil "seja por incompetência ou por falta de vontade política não alcançou uma clara distinção entre Defesa e Segurança, o que não é um mero problema de semântica, mas de ordem operativa". Ou seja, assim como a prerrogativa aberta pela definição de Defesa para possível a atividade das Forças Armadas em âmbito interno, a definição de Segurança não demonstra esforço em limitar o alcance da Defesa. Assim, não parece importar o esclarecimento da relação da percepção com ameaças internas ou externas e, consequentemente, dos objetivos que tomarão a Defesa como instrumentos de sua realização. Vejamos, por exemplo, como a Argentina enxerga tal questão. Para Rut Diamint a "Argentina é o país onde o controle civil dos militares obteve os progressos mais visíveis e onde mais se fixaram normativas para a condução civil da Defesa 32" (apud Carmo et al, 2013, pág. 372). A Lei 24.05933 de 1992 de Segurança Interior, atualizada pelas Leis 25.443 e 25.520, em seus Artigos 2º, 3º e 4º, corroboram a afirmação de Diamint. Tal lei, além de instituir o Ministério da Segurança Interior e pôr sob sua égide todas as forças policiais e de segurança da Argentina, estabelece as diretrizes de planejamento, coordenação e execução do que estiver sobre sua alçada, apresentando um marco institucional importante para nossa discussão. Sobre o que toca à delimitação entre interno e externo, vejamos:

32 33

Tradução nossa. Disponível em: http://pfba.georgetown.edu/Security/citizensecurity/argentina/leys/seginterior.pdf

23 ARTIGO 2º: Aos fins da presente lei se define como segurança interior à situação factual de direito na qual se encontram resguardadas a liberdade, a vida e o patrimônio dos habitantes, seus direitos e garantias e a plena vigência das instituições do sistema representativo, republicano e federal estabelecido pela Constituição Nacional. ARTIGO 3º: A segurança interior implica no emprego dos elementos humanos e materiais de todas as forças policiais e de segurança de Nação a fim de alcançar os objetivos do Artigo 2º. ARTIGO 4º: A segurança interior tem como âmbito o território da República Argentina, suas águas territoriais e seu espaço aéreo. (ARGENTINA, 1992)

Observemos o seguinte: as definições de Segurança e Defesa argentina diferenciam, desde a delimitação de conteúdo até a diferenciação de competências, a cujo agente cabe tal assunto. As brasileiras, em contraste, não são tão eficazes nesta delimitação e, como agravante, a segurança pública brasileira é passível de intervenção dos agentes da defesa nacional brasileira: as Forças Armadas. É importante manter em conta dois raciocínios: o primeiro de que o esforço de construções conceituais dos dois países representa a maneira como eles interpretam a realidade e como exercitam a percepção de seus interesses; e o segundo, não há um único conjunto de valores e interesses, dado que dois entendimentos, um civil e um militar alimentam de modo paralelo os valores relacionados à Defesa Nacional. Ernesto Lopes entende que "a construção e a administração de um sistema de defesa encontrase, dessa forma, fechadas em um paralelogramo de forças" (apud SAINT-PIERRE, 2007, p. 16). A autonomia é visto como o fator decisivo na questão da interferência militar nos assuntos de segurança pública. Para Paulo Kuhlmann e Aline Dantas:

No Brasil, percebe-se uma grande autonomia militar; as Forças Armadas não são vistas como uma ameaça para a estabilidade democrática e ainda exercem diferentes papéis formais e informais, como um membro natural do sistema político. No entanto, observa-se que, mesmo durante o processo de democratização, o Brasil não reduziu as prerrogativas militares herdadas do autoritarismo, as quais foram inclusive aceitas pelos seguimentos políticos, econômicos e pela sociedade civil. (KUHLMANN; DANTAS, apud MONTEIRO et al, 2013, pág.120)

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O mesmo fator é decisivo na Argentina para Rut Diamint, especialmente pelo fato da história argentina ter esforçando-se para superar tal autonomia. A autora defende que para a existência de uma verdadeira política nacional, o governo precisa ter a capacidade de decidir sobre o tamanho, a forma, a organização o armamento e os procedimentos do aparato militar, e não o contrário, ou seja, as Forças Armadas sobre si mesmas; sempre de acordo com os valores básicos e as crenças da sociedade em questão. (DIAMINT, apud CARMO et al, 2013). Em outros termos, que as Forças Armadas aceitem as regras do jogo clara e solidamente apresentadas pela sociedade. Ernesto Lopes, em complemento, frisa que a "Argentina, de todos os países que emergiram da longa noite das ditaduras latino-americanas é o que chegou mais adiante em matéria de redefinição das relações civil-militares e de controle civil34”. (LOPES, apud SAINT-PIERRE, 2007, pág. 16). Para Érica Winand e Hector Saint-Pierre (2007) Brasil e Argentina apresentam diferentes caminhos galgados nos seus projetos de Defesa, o que resulta no fato de na Argentina, ainda que não se tenha atingido uma democracia de "maturação esplendorosa" e uma completa e irrestrita subordinação dos militares aos civis, são notáveis diferenças substanciais em comparação ao caso brasileiro, que apresenta lacunas tanto em termos de obediência, quanto em participação e controle civil sobre os militares. A segurança, então, não se estrutura somente nos objetivos civis35 e do poder democraticamente eleito, as quais devem representar, mas na autonomia e nas missões que as Forças Armadas de cada país assumem. Necessariamente as Forças Armadas deveriam possuir como missão os objetivos civis, mas é sobre esse exato choque de interesses que se operacionaliza Defesa: não necessariamente correspondendo ao que deve ser feito, mas ao que se quer ser feito por quem vai ser feito. Ernesto Lopes continua: 34

E explica: Julgou e continua julgando os genocidas da última ditadura ela mesma, varreu prontamente a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) do interior do universo das instituições militares e elaborou a primazia dos poderes públicos e alcançar a subordinação militar. Além disso, desenvolveu capacidades civis para conduzir a defesa e a política militar, e assim um Ministério da Defesa no qual os oficiais da ativa não têm nenhuma função, sendo um funcionariado civil quem o dirige. A Argentina, então, caracterizou-se como uma referência quanto à questão do controle civil e da superação da autonomia castrense por elaborar diversos procedimentos cívicos. (LOPES, apud SAINT-PIERRE, 2007, pp. 16-17) 35 Deflagra-se, então, na América Latina pós-transição democrática, uma subordinação do setor militar às autoridades civis que é, em regra e em tese, apenas formal, tendo em vista a abnegação da sociedade civil no envolvimento com os aspectos militares e a percepção do que o legislativo e o executivo têm envolvimento limitado sobre as decisões relacionadas com defesa nacional e políticas militares (SERBIN; FONTANA, 2005)

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De um lado, os fardados buscam manter sua capacidade de influência e/ou controle sobre os temas de defesa, ademais, do processo de desenvolvimento da restauração democrática. De outro, as autoridades civis buscam, ou deviam buscar, afirmar sua responsabilidade de condução e mando: ao fim e ao cabo, eles são escolhidos para governar em um sistema democrático sobre todas as ordens da vida nacional e não somente sobre algumas. (LOPES, apud SAINTPIERRE, 2007, p. 16)

À luz da nova configuração do sistema internacional no pós Guerra Fria e das transições à democracia pelas quais passaram os dois países em questão, se requereu, em ambos, uma reflexão sobre o papel da Defesa face à Segurança, uma vez que, com a "superação" das ameaças convencionais e a emergência das ameaças não convencionais, fazia-se necessário a redefinição do papel das instituições diretamente relacionadas com esse novo contexto. Todavia, muitas chamadas "novas ameaças" por assim dizer são objeto de tratamento das forças de segurança pública e não das Forças Armadas. Segundo Winand e Saint-Pierre,

apesar de o fim da Guerra Fria prenunciar novos tempos e novas prioridades para a Defesa, era impossível que os militares revisassem do dia para a noite seus valores, seus conceitos políticos e estratégicos historicamente construídos. Enquanto permaneceu obscuro o entendimento sobre a missão, papel e função das Forças Armadas, na ova era, não houve atualização da Doutrina militar, nem de seu comportamento. (2007, pág. 54)

O cerne da discussão da operacionalização da Defesa no Brasil e Argentina e dos limites que teriam a atuação dessas agências, e mesmo a forma como elas concebem defesa, está na autonomia diferenciada que possuem os militares argentinos e brasileiros. Ou melhor, na forma como os primeiros subordinam-se ao poder estabelecido e os segundos exercem poder sobre ou mantém-se autônomos ao poder estabelecido. As missões de cada Força Armada devem, ou deveriam, apresentar tal nível de elucidação quanto à subordinação militar aos objetivos civis. Não nos alcança debater o objetivo de cada Força aqui, mas comparar o das Forças Armadas no Brasil e na Argentina. Trazemos abaixo um quadro comparativo36 de ambas:

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Elaboração nossa.

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Figura 3: Tabela comparativa de missões das Forças Armadas de Brasil e Argentina República Argentina

República Federativa do Brasil

Missão principal:

Missão principal:

Conjurar e repelir toda agressão externa militar estatal, a fim de garantir e proteger, de modo permanente, a soberania, independência e autodeterminação da Nação, a integridade territorial e a vida e liberdade de seus habitantes. (Diretiva de Organização e Funcionamento das Forças Armadas, Ministério da Defesa, Decreto Nº 1.691 de 2006)

Se destinam a defesa da Pátria e garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, a lei e a ordem. (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art.º 142)

Missões subsidiárias: Missões subsidiárias:    

Participar das operações multinacionais das Nações Unidas. Participar de operações de segurança interior, segundo o estabelecido pela Lei Nº 24.059 Apoiar a comunidade nacional ou de amigos Participar da construção de um sistema de defesa sub-regional.

(Diretiva de Organização e Funcionamento das Forças Armadas, Ministério da Defesa, Decreto Nº 1.691 de 2006) As Forças Armadas, instrumento da defesa nacional serão empregadas ante agressões de origem externa perpetradas por Forças Armadas pertencentes a outro(s) Estado(s), sem prejuízo do disposto na Lei Nº 24.059 de segurança interior e na Lei Nº 24.948 de reestruturação das Forças Armadas no concernente aos cenários em que se preveja o emprego do instrumento militar e as disposições que definam o alcance da dita intervenção em operações de apoio à segurança interior. (Regulamentação da Lei de Defesa Nacional, Nº 23.554, Decreto Nº 727 de 2006, Art. 1º)

   

Participação em operações de paz. Cooperação com o desenvolvimento nacional e defesa civil. Participação em campanhas institucionais de utilidade pública ou de interesse nacional. Corresponde às Forças Armadas, entre outras atividades pertinentes, assim como atribuições complementares, preservadas as competências exclusivas da polícia judiciária, atuar, por meio de medidas preventivas e repressivas nas regiões fronteiriças de no mar e em águas interiores, independente da posse, propriedade ou destino, contra os delitos fronteiriços e ambientais, executar entre outras funções: I - patrulhamento; II - revista de pessoas veículos terrestres, embarcações e aeronaves; III detenções em flagrante de delito.

(Lei sobre as normas gerais para a organização, preparação e emprego das Forças Armadas, Lei Complementar Nº 97 de 1999 e Lei Complementar Nº 136 de 2010, Art.º 15 e 16.)

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Parecem-nos claras as diferenças entre as missões, e, por conseguinte, o nível de subordinação das Forças Armadas. Enquanto na Argentina as Forças Armadas só devem reagir explicitamente a agressões formais militares por parte de outros Estados, a brasileira é passível, por missões principais e subsidiárias, de intervenção na Lei e na Ordem. As Forças Argentinas são estritamente proibidas desta atuação, em especial pela sua Lei de Segurança Interior, como veremos mais a frente. Ainda, é possível dizer que, enquanto as Forças Armadas argentinas voltam-se para a figura humana argentina, cabendo-lhe defender a liberdade e a vida, as Forças Armadas brasileiras têm uma missão patrimonialista, preocupando-se com o Estado e com suas instituições. Paulo Kuhlmann e Aline Chianca Dantas (apud MONTEIRO et al, 2013, p. 112) afirmam que [...] a construção histórica dos países gerou estruturas e práticas desiguais, determinados arranjos institucionais e algumas caracterizações de tamanho, tipo e missões, que, apesar da transição democrática, dificilmente serão modificadas, em decorrência da lógica da tradição, dos ressentimentos e das idiossincrasias de cada Estado. Assim, ressalta-se que as definições de Defesa e de Segurança Pública e a consequente separação de atribuições das forças militares e policiais podem parecer simples e comumente são afirmadas como essenciais para o controle civil sobre os militares. A argentina, por exemplo, é vista como modelo desse tipo ideal, já que separa claramente a atuação das Forças Armadas e das Forças Policiais. Entretanto as Forças Armadas foram empregadas largamente para a defesa interna na América Latina; em muitos países, esta se tornou a missão principal durante ditadura recente, como no caso do Brasil. Esse emprego foi condenado pelo uso abusivo da força em detrimento da proteção dos direitos humanos e da liberdade de expressão.

Não nos ateremos às atribuições das Forças Policiais nos dois países, muito menos os seus problemas estruturais e ou os de segurança pública. Entretanto, comparemos o uso das Forças Armadas brasileiras para tal tema, legitimada por lei, e o não uso por parte da Argentina, em decorrência da existência de seu Ministério de Segurança Interior. O tema é questionável visto a já observada importância de que a força aplicada externamente não tenha nem a mesma função nem a mesma intensidade aplicada internamente. O discurso do então Ministro da Defesa Celso Amorim, em 2012, no VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos da

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Defesa preocupou-se, em determinado momento, a prestar esclarecimentos com este aspecto. Vejamos:

"Mas certos temas continuam a levantar dúvidas e questionamentos, por exemplo: eventuais necessidades de segurança pública funcionam por vezes como fator de pressão e criam a expectativa de que, precisamente pelo respeito que suscitam, as Forças Armadas podem "resolver o problema". A solução para as questões estruturais da segurança pública não está na militarização de um desafio que, afora suas raízes sociais, é, em sua essência, policial e cuja competência constitucional recai primariamente na esfera das unidades da federação. Isso não significa que as Forças Armadas, em certas situações, como ocorreu no último ano e meio no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e tem ocorrido em outros estados, em virtude de outros fatores, não devam atender a um chamado justificado, desde que sua ação seja claramente limitada no tempo e no espaço e, sobretudo, entendida como exceção e não como regra. A maior visibilidade dessas ações de segurança, que são ações de natureza excepcional, acabam criando uma percepção distorcida da função primordial das Forças Armadas, que é - e continuará a ser - a defesa da nação contra ameaças externas." (AMORIM apud MONTEIRO et al, 2013, pág. 29)

Entretanto as expressões “como ocorreu no último ano e meio no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e tem ocorrido em outros estados,” e que este tipo de ação seja “entendida como exceção e não como regra.”, nos parecem não só contraditórias , mas que tais ações recorrentes continuem justificando os espaços de autonomia de sua missão e a permanência da influência das Forças Armadas em segmentos da vida pública nacional. Já estamos cientes de que a missão das Forças Armadas brasileiras prevê o seu emprego em ambiente interno em situações que beirem a crise, e que tal uso é visto, inclusive, durante os governos democráticos. Operações de Garantia de Lei e Ordem são ações caracterizadas por possuir uma localidade específica, por determinado período de tempo, com um princípio de "não guerra", mas, quando da necessidade, uso da força. Nestas operações, os militares brasileiros encontram-se autorizados a efetuar prisões em flagrante delito, assim como patrulhas e inspeções. A participação das Forças Armadas, assim como as competências que adquirem, estão garantidas pelo

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Artigo 142 da Constituição Nacional, pela Lei Complementar Nº 97 de 1999, pelo Decreto Presidencial Nº 3.897 de 2001, pela Lei Complementar 117 de 2004, pela Lei Complementar Nº 136 de 2010, sendo, a mais novo marco jurisdicional desta atuação, o Manual de Garantia de Lei e Ordem, elaborado pelo Ministério da Defesa e aprovado pelo Congresso Nacional em fevereiro de 2014 (DONADIO, 2014). Tal Manual normativo (BRASIL, 2014) estabelece que estas ações só podem ser determinadas pela Presidência da República ou por atenção a pedidos de autoridades constitucionais ou governamentais que a ela se dirijam. A ordem é transmitida ao Ministério da Defesa, que articula suas Forças e designa uma unidade das Forças Armadas para o processo; o Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, então, define os objetivos da missão e emite, uma vez decidida as táticas de aplicação, as Instruções de Emprego das Forças Armadas e a Diretriz Ministerial que define a área e capacidade da ação. As Forças Armadas, então, podem atuar de forma conjunta ou separada, sendo apoiadas a todo tempo pelas forças policiais, coordenadas por um Comando Militar específico para a situação. É válido lembrar que uma operação de GLO só deve ser autorizada quando os órgãos de segurança pública não possuem capacidade para os objetivos pretendidos e que as GLOs atuam sobre ameaças, compreendidas como "ações ou indivíduos que comprometam a segurança pública, os cidadãos ou o patrimônio" e sobre agentes perturbadores da ordem pública, compreendidos como "indivíduos ou grupos que possam comprometer momentaneamente a ordem pública". Sobre tal uso, Kuhlmann e Dantas (apud MONTEIRO et al, 2013, pag. 118 e 119) dizem que “muitos indicam a possibilidade de emprego das Forças Armadas em ações policiais, sobretudo em operações de paz. Isso reforçou o argumento para que fosse solicitada a atuação militar no Rio de Janeiro, com a alegação de que ocorreria o mesmo tipo de atuação verificada no Haiti, o que é contestável, mas possível.". Este acontecimento em específico, a Operação de pacificação do Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, foi autorizada pela Diretiva Ministerial Nº 15 de 2010, que delegou ao Exército Brasileiro a constituição da Força Pacificadora, tendo sido repassada em 2011 ao Governo do Rio. A RESDAL (2012) apresenta os seguintes números sobre a operação entre

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novembro de 2010 e junho de 2012 (19 meses), em que o Exército ocupou as favelas dos referidos complexos: 1800 efetivos do Exército, com R$ 333,4 milhões investidos; 148 da Marinha, com R$ 5,4 milhões investidos; foram executadas 62.489 patrulhas e 48.142 patrulhas montadas; 18 operações de busca e apreensão e 4.172 barricadas de bloqueio; foram confiscadas 42 armas, 2.015 munições, 250 quilos de entorpecentes; 732 prisões efetuadas. É ainda exemplo a Operações Bahia, de 2014, oriunda de pedido do então governador do estado da Bahia, e naturalmente autorização da Presidência da República, quando da greve das forças de segurança pública no estado. A operação envolveu 2.500 componentes do Exército e da Marinha, em atuação conjunta com 250 efetivos da Força Nacional de Segurança Pública, da Polícia Federal. Um último, e mais recente, a Operação São Francisco, primeira GLO a aplicar as diretrizes do Manual, instalada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, após pedido do governador do referido estado. O Governo do Rio de Janeiro e o Ministério da Defesa firmaram a cooperação em abril de 2014, pressupondo a operação até julho, mas prorrogando-a até outubro; em que foram executadas patrulhas e atividades de manutenção da segurança na zona, o que envolveu a atuação de 2.050 homens do Exército, 450 da Marinha e 200 da Polícia Militar do Rio de Janeiro. (DONADIO, 2014) Voltemos à Lei de Segurança Interior, 24.059, de 1992. Os Título V, "Da Complementação de Outros Organismos do Estado" e Título VI, "Do Emprego Subsidiário de Elementos de Combate das Forças Armadas em Operações de Segurança Interior" debruçam-se precisamente sobre as condições em que as Forças Policias e de Segurança podem cooperar. Por exemplo, os artigos do Título V; o Artigo 26 versa sobre situação de desastre, o 27 sobre a autorização do uso dos serviços de arsenal, intendência, saneamento, veterinária, construções e transporte, e elementos de engenharia e comunicação desde que requeridos pelo Comitê Nacional de Crises e devidamente disponibilizados pelo Ministério da Defesa. Já o 28 de que os casos de atentado em tempos de paz, independentes de porem em risco ou não a defesa nacional, também constituem atentado à segurança interior, apesar do Artigo 29 dizer que tal obrigação é primariamente da autoridade militar. E para o cumprimento do artigo 28, o 30 apresenta que é constitucional a adequada coordenação de apoio entre os Conselhos de Defesa

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Nacional e de Segurança Interior para a preservação da ordem quando desses casos. Já nos artigos que compõem o Título VI, o Artigo 31 diz que para o cumprimento do Artigo 27, tais serviços serão somente empregados nos casos de restabelecimento da segurança interior nos casos excepcionais, a critério do Presidente da República, em que por algum motivo fuja ao Ministério da Segurança Interior cumprir o 2º artigo desta lei, que foi apresentado anteriormente. Já o 32º, apresenta 3 normas para tal uso, conforme se pode ver integralmente a seguir:

ARTIGO 32. Para os efeitos do artigo anterior, o Presidente da Nação, no exercício das competências previstas no art. 86, inc. 17 da Constituição, tem o uso de elementos de combate das forças armadas para restaurar a situação normal de segurança interna na sequência de uma declaração da lei marcial. Nos casos excepcionais referidos acima, o uso das forças armadas se ajustarão às seguintes normas: a. A condução das Forças Armadas, de Segurança e policiais nacional e provincial fica a encargo do Presidente da Nação aconselhado pelos Comitês de Crise desta lei e da lei 23.554; b. Se designará um comandante operacional das Forças Armada se subordinará ao mesmo todas as outras Forças de Segurança e Policiais exclusivamente no âmbito territorial definido para tal comando; c. No caso em que se refere o presente artigo de forma excepcional de emprego, que será desenvolvido apenas em situações de extrema gravidade, isso não afetará a doutrina, organização, equipamento e treinamento das Forças Armadas, que mantêm as características derivadas aplicação da lei 23.554.

Podemos constatar que o uso das Forças Armadas na Argentina, para além de ser uma missão subsidiária, é estritamente específico. Ou seja, somente nos casos de extrema gravidade e em cumprimento de uma série de normativas legais, e mesmo constitucionais, ficando habilitada somente após decreto da Presidência da República Argentina, desde que o país encontre-se sob a vigência de uma lei marcial. No Brasil tal atribuição faz parte da missão principal das Forças Armadas, ficando a garantia da lei e da ordem a encargo dos poderes constitucionais e das instâncias de governo, desde que o pedido seja emitido e aprovado pela Presidência da República. Ainda é válido dizer que as missões

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subsidiárias das Forças Armadas brasileiras dão acesso a praticamente todas as políticas executivas e mesmo assuntos de utilidade pública e ou de interesse nacional. Antes

de

prosseguirmos,

baseados

nos

dados

da

RESDAL,

contabilizamos em números e em que se consistiram, as ações mais recentes37 em que se fizeram presentes as Forças Armadas brasileiras e argentinas. As versões de 201238 e 201439 dos Atlas Comparativos apresentam os seguintes dados sobre a Argentina. Entre 2012 e 2014 houve 63 operações militares internas envolvendo as Forças Armadas, todas elas envolvendo, principalmente a atuação junto ao Comitê Nacional de Crises, ou seja, que tenham envolvido apoio a catástrofes naturais, resgate e emprego logístico ou técnico das Forças Armadas; ou em apoio aos Ministérios da Ciência e Tecnologia e da Saúde e nenhuma diretamente ligada ao Ministério da Segurança Interior e ou qualquer pressuposto que a ele seja incumbido. O Plano Nacional de Abordagem Integral, o Plan AHÍ, um projeto do Estado Nacional Argentino, de abordagem interministerial40, gerenciado pelo Conselho Coordenador de Políticas Sociais, tem como objetivo a melhoria de vida de comunidades em situação de vulnerabilidade. O Plano se desdobra em quatro frentes: prestação de serviços de saúde, infraestrutura, desenvolvimento social e empreendedorismo (microempresas e crédito), nas diferentes jurisdições do país. As Forças Armadas, coordenadas pelo Comando Operacional do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas, sob delegação do Ministério da Defesa, iniciaram sua participação em 2012, apoiando especialmente nos temas do Desenvolvimento Social, com atividades recreativas e esportivas; Saúde, apoiando campanhas de vacinação e disponibilização de hospitais militares; e de

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Existem dois Observatórios que acompanham diariamente Brasil e Argentina, assim como quase todos os demais países da América do Sul. São, respectivamente, os observatórios de Política Externa e de Forças Armadas e Defesa. Embora não tenham sido citados ao longo deste trabalho, a leitura dos informes semanais distribuídos pelos observatórios grandemente contribuiu para este trabalho. Trata-se de um acompanhamento diário das principais fontes midiáticas dos referidos países para observação dos temas em tempo real. Estas publicações fazem parte da produção do Grupo de Estudos de Defesa Internacional e Segurança, e podem ser encontradas em: http://gedes.org.br/. 38 Integral e gratuitamente disponível em:http://www.resdal.org/atlas/atlas-libro-12-espanol.html. 39 Integral e gratuitamente disponível em http://resdal.org/atlas-2014.html. 40 Fazem parte os Ministérios do Desenvolvimento Social, do Interior, do Trabalho, da Educação, da Saúde, do Planejamento, da Segurança e da Defesa.

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Infraestrutura, operando na remoção de escombros, serviços de contra alagamento e carpintaria. Há, ainda, a extensiva operação Escudo Norte, de vigilância de fronteiras, prorrogada tanto em 2012, quanto em 2013, e estando autorizada até o fim de 2014; cujo objetivo é o controle dos espaços fronteiriços contra a entrada de entorpecentes, contrabando e pessoas. A Operação, entretanto, é de competência do Ministério do Interior, estando o Ministério da Defesa e suas Forças Armadas, sob o Comando do Estado Maior Conjunto, responsáveis pela cobertura de radares e operações aéreas. No Escudo Norte, até setembro de 2013, haviam sido empregados 4.500 militares nas zonas de fronteira. (DONADIO, 2014) Já sobre o Brasil a quantidade de informações se avoluma. Sobre a questão da vigilância, diferentemente da Argentina, o Sistema Brasileiro de Vigilância, SISBRAV, é competência das Forças Armadas e se divide em três subsistemas: o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras, SISFRON, por parte do Exército, responsável por todas as fronteiras terrestres, envolvendo a Amazônia, possuindo 16.886 quilômetros para atuação, aproximadamente 27% do território brasileiro; o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, SisGAAz, por parte da Marinha, responsável pelo ambiente marítimo e por respostas eficazes a qualquer situação de crise ou emergência no litoral brasileiro; e o Sistema de Controle de Espaço Aéreo do Brasil, SISCEAB, por parte da Força Aérea, responsável pelo controle e vigilância de todo o espaço aéreo nacional através de seu Sistema de Defesa do Espaço Aéreo Brasileiro (SISDRABA) de cobertura de 22 mil quilômetros quadrados. (Idem). Ainda há, na questão vigilância, o Plano Estratégico de Fronteiras, instituído pelo Decreto Nº 7.496 de 2011. Com o intuito de reduzir crimes fronteiriços e ambientais e intensificar a presença do Estado na Fronteiras, o Plano conta com o apoio do SISFRON e suas operações tem se realizado em média de três anuais. Operações, estas, de duas naturezas: a Sentinela, organizada pelo Ministério da Justiça, e a Ágata, organizada pelo Ministério da Defesa. Sob a Ágata, eis os dados apresentados41 pela RESDAL:

41

Elaboração nossa. Estes dados aparecem já no Atlas de 2012, naturalmente atualizada em 2014.

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Quando? Ágata I Ágata II Ágata III Ágata IV Ágata V Ágata VI Ágata VII

07/2011 09/2011 11/2011 05/2012 07/2012 10/2012 05-06/2013

Figura 4: Tabela de Operações Ágata do Brasil Fronteira com? Colômbia, Peru e Venezuela Argentina, Paraguai e Uruguai Bolívia, Peru e Paraguai Guiana, Guiana Fr., Suriname e Venezuela Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai Bolívia, Colômbia, Guiana e Peru Argentina, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Fr., Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela

Quantos? 3.044 efetivos 8.705 efetivos 7.195 efetivos 8.304 efetivos 19.806 efetivos 13.162 efetivos 31.263 efetivos

A Operação Ágata VII possui certa magnitude em seu tamanho: a sua zona de atuação envolveu 16,8 mil quilômetros, que representam cerda de 27% do território nacional; envolvendo 31.263 efetivos, que correspondem a aproximadamente 10% do efetivo ativo militar brasileiro42; 22 vezes mais do que se emprega em Missões de Paz da ONU43. Segundo dados da RESDAL, a Ágata VIII impactou diretamente seis milhões de pessoas em 710 municípios, perpassando 11 estados brasileiros, ao largo da fronteira com 10 países. As Forças Armadas brasileiras ainda atuaram na segurança dos grandes eventos44 sediados pelo Brasil. Sobre Desastres Naturais, as Forças Armadas possuem diretrizes traçadas pela Portaria 1.711 de 2014 do Ministério da Defesa que determina a atuação das Forças em questões de ajuda humanitária, de calamidade pública e desastres naturais tanto no contexto externo, quanto no contexto interno. Iniciativas oriundas desta lei são os Módulos por ela previstos: o Módulo de Apoio Saúde, que prevê o uso de equipamentos militares, como helicópteros, ambulâncias e conjuntos médicos diversos para apoio médico em emergências; o Módulo de Apoio Aéreo, que emprega diversos veículos aéreos especialmente para os casos de desastre e combate a incêndio que envolverem 42

Em 2012: 204.744 do Exército, 65.528 da Marinha, 69.093 da Força Aérea; totalizando 339.365 efetivos (DONADIO, 2014) 43 Vide dado já apresentado. 44 Listagem fornecida pela RESDAL (2014, p. 158) 2011 - Jogos Mundiais Militares, participação de 4200 atletas de 114 países. Rio de Janeiro; 2012 - Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) - participaram representantes de 193 países Estados-Membros das Nações Unidas. Rio de Janeiro.; 2013 - Jornada Mundial da Juventude - Emprego de 6.896 efetivos do Exército, 3.014 da Marinha e 646 da Força Aérea. Rio de Janeiro e Aparecida do Norte.; 2013 - Copa das Confederações, com atuação de 20 mil militares das três Forças em 6 cidades-sedes. Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Salvador, Recife e Rio de Janeiro; 2014 - Copa do Mundo FIFA - 57 mil militaresempregados. As 6 cidades da Copa das Confederações mais Manaus, Cuiabá, Curitiba, Porto Alegre, Natal e São Paulo; 2014 - Cúpula dos BRICS - 7.7 mil homens empregados. 3.3 mil para as reuniões que ocorreram em Fortaleza e 4,1 mil para as que ocorreram em Brasília.

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transporte humano e de materiais; e o Módulo de Salvamento, composto de embarcações especiais para o apoio de populações em situações de desastre natural. Os dados acima nos elucidam sobre a diferença conceitual e numérica de emprego das Forças Armadas do Brasil e da Argentina. Tais dados corroboram nossa argumentação, não só em torno da diferença de atuação das Forças e suas prerrogativas, sobre o diferente nível de autonomia e o espaçamento no campo interno que possuem as Forças Armadas brasileiras e o não espaço para a atuação das argentinas, exceto os momentos em que são convidadas a tanto. Se as diferentes concepções influenciam no comportamento externo que a Defesa de um país pode assumir, sobre o ponto das Forças Armadas, Kulhman e Dantas advertem que:

" (...) o alto grau de autonomia das Forças Armadas, embora variável, bem como a abdicação civil da responsabilidade em relação à defesa e à política militar, são os fatores que mais influenciam na dificuldade de construir um consenso sub-regional e hemisférico no que tange as principais ameaças que afligem a região e do papel que as Forças Armadas exercem nesse contexto. (KUHLMANN e DANTAS apud Monteiro et al, 2013, pág.119)

No discurso que já citamos, no VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos da Defesa, do ex-ministro de Defesa Amorim, observemos que ele ainda declarou: "A sociedade deve fortalecer continuamente a expectativa de que, na democracia45, as Forças Armadas se mantenham distantes das querelas inerentes ao jogo político” (AMORIM apud MONTEIRO et al, 2013, pág. 28). Tal argumento vai de encontro, não só das ações das Forças

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Érica Winand e Héctor Saint-Pierre pontuam alguns aspectos que corroem os pilares democráticos no Brasil, a saber: "o resquício do autoritarismo que ainda habita as instituições castrenses e a tendência, também autoritária, das elites civis dirigentes a recorrerem, freqüentemente, aos militares para resolver todas as premências nacionais; a ineficácia dos marcos jurídicos que regulam os temas da Defesa e da segurança; a falta de instituições (ou a debilidade delas) que administrem a Defesa segundo padrões democráticos (desde sua planificação até a execução de políticas e a bisca de consensos); conservação de prerrogativas que favorecem o intervencionismo militar em questões civis; a pendência no âmbito dos direitos humanos; o desinteresse da opinião pública em assuntos referentes à Defesa nacional; a falta de apoio acadêmico e parlamentar para o desenvolvimento de políticas democráticas nesse campo; etc." (WINAND; SAINT-PIERRE, apud SAINT-PIERRE, 2007, p. 60)

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Armadas, mas da sua própria missão e de como a Defesa é, de um modo geral, declarada no Brasil. Com disse Manuel Domingos Neto "não há um só aspecto da vida em sociedade isento da interferência direta ou indireta dos instrumentos de força” (DOMINGOS NETO apud MONTEIRO et al, 2013, pág. 46), entretanto, com tanta permissibilidade, há permanentemente o risco iminente de que as Forças Armadas o façam nos assuntos políticos internos, como já o vimos em variados casos na América do Sul. Entremos no terceiro capítulo em que trataremos da possibilidade de uma concepção sul-americana em matéria de Defesa e como se comportam Brasil e Argentina na promoção desta ideia.

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CAPÍTULO 3: BRASIL E ARGENTINA NO ÂMBITO DO CONSELHO DE DEFESA SUL-AMERICANO: POR UMA CONVERGÊNCIA DE CONCEITOS E AGÊNCIAS

Uma vez constatadas as divergências conceituais, que redundam, por sua vez, em descompassos operacionais, bem como em distintas arquiteturas institucionais da Defesa e da Segurança do Brasil e da Argentina, buscaremos analisar os desafios enfrentados pelo Conselho de Defesa Sul-Americano, bem como logros alcançados até o momento. Para isto, no entanto, voltaremos a apontar algumas singularidades na enunciação da política de Defesa de cada Pais, para, posteriormente, analisá-las no bojo das ações do Conselho, assim como buscar mapear continuidades e mudanças ocorridas por ocasião dos recursos institucionais do CDS da UNASUL. A Argentina apresenta, conforme dissertamos ao longo dos dois capítulos anteriores, uma inclinação para cooperação regional. Isto faz com que sua Defesa seja operacionalizada de modoa reafirmar a aproximação de interesses regionais e a inclusão da região no sistema internacional.Procedimentos cooperativos são observados tanto pelos gestores civis da Defesa, quanto pelos militares argentinos. Já no caso brasileiro, o norte operacional da Defesa gira em torno de interesses nacionais e da preservação das estruturas governamentais. Assim, o conservadorismo dos agentes de Defesa brasileiros, incluindo civis e militares, é ainda um fator que obstaculiza o aprofundamento da cooperação regional. A formulação da orientação brasileira em vigor está resumida no item 16 da Estratégia Nacional de Defesa (END):

O Brasil não tem inimigos no presente. Para não tê-los no futuro é preciso preservar a paz e preparar-se para a guerra. Esse desígnio se objetiva através da comunhão Forças Armadas – sociedade, na integração da América do Sul, visando ao desenvolvimento e à defesa comum (...).

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Embora a END enuncie a defesa comum, sabemos que apesar de ideal, ela é impassível de ser alcançada sem uma convergência em torno do reconhecimento de interesses e de ameaças em comum. A definição de ameaça de Saint-Pierre, anteriormente apresentada, de que a mesma é "uma manifestação percebida como anúncio de uma situação não desejada ou de risco para a existência de quem percebe", fundamenta um ponto basilar nesta nossa análise:o de que a ausência de inimigos, como anunciado na END, não significa a ausência de ameaças. Por outro lado, dado que a percepção de ameaças é uma ocorrência particular e Estatal, torna-se necessário pensar a articulação de mapeamento de ameaças regionais, para assim se pensar em agendas articuláveis. De acordo com Buzan e Waever, o termo região "refere-se ao nível no qual o Estado ou outras unidades são conectados de maneira suficientemente próxima que suas seguranças não podem ser consideradas separadas uma das outras” (BUZAN, WAEVER, 2003, p. 43). A END de 2005 do Brasil, em sua terceira sessão, reconhece tal dimensão quando diz que:

A segurança de um país á afetada pelo grau de instabilidade de sua região. Assim, é desejável que ocorram: o consenso, a harmonia política, e a convergência de ações entre os países vizinhos, visando lograr a redução da criminalidade internacional, na busca de melhores condições para o desenvolvimento econômico e social que tornarão a região mais coesa e mais forte. (BRASIL, 2005)

Buzan e Waevere Cepik, confirmam que as ameaças, em geral, viajam mais curtas distâncias do que longas e que os problemas de segurança estão intrinsecamente associados à sua região. (BUZAN; WAEVER, 2003; CEPIK, 2005).A América do Sul tem se compreendido como um espaço em que as relações políticas, econômicas e estratégicas apresentam grande proximidade em temas e agendas, e esse esforço congregativo deu origem àUnião das Nações Sul-Americanas – UNASUL. Pablo Celi reitera que A América Latina e, particularmente, a América do Sul, entrou em um processo de reestruturação de suas relações regionais, articulando novos direcionamentos políticos e econômicos com uma reorientação da projeção estratégica em matéria de segurança regional e defesa. (CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 388)

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Além disso, que:

Nas dinâmicas políticas que impulsionaram este processo, particularmente evidente no caso do Unasul, destaca-se a recuperação do papel dos Estados e de suas inter-relações como uma ferramenta para o posicionamento estratégico dos países. (...) A estas iniciativas políticas e econômicas associa-se um novo tipo de projeção estratégica, principalmente na América do Sul, que visa posicionar a região no mundo, ampliando seu contexto multilateral e elevando o papel dos Estados da região no sistema internacional. (CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 388)

Oficializada em 2008, quando da assinatura do Tratado Constitutivo da 46

Unasul , a União Sul-Americana de Nações é uma organização intergovernamental formada por doze países da América do Sul - sendo a única exceção a Guiana Francesa, segundo o seu Artigo 3º. A organização se define47 como um organismo internacional, cujo objetivo é construir um espaço de integração cultural, econômico, social, político, respeitando a realidade de cada nação. E, ainda, define que seu desafio é "eliminar a desigualdade socioeconômica, alcançar a inclusão social, aumentar a participação cidadã, fortalecer a democracia e reduzir as assimetrias existentes, considerando a soberania e a independência dos Estados". Além dos Conselhos de Chefe de Estados, de Ministros de Relações Exteriores e de Delegados, a UNASUL conta com doze Conselhos Ministeriais Setoriais, previstos no Artigo 5º e 6º do Tratado Constitutivo, como Conselhos temáticos que respondam aos objetivos do órgão e que sejam criados após manifestação do Conselho de Chefes de Estado. Faz parte destes, o Conselho de Defesa Sul-Americano48, criado em Salvador, em 2008. Encarregado de implementar "políticas de defesa em matéria de comunicação militar, ações humanitárias e operações de paz, indústria e tecnologia de Defesa, formação e capacitação", o Conselho 46

possui 5 objetivos específicos, a saber: 1)

Integralmente disponível em: http://pt.wikisource.org/wiki/Tratado_constitutivo_da_Uni%C3%A3o_de_Na%C3%A7%C3%B5es_SulAmericanas 47 Disponível em: http://www.unasursg.org/node/1. 48 Ver mais em: http://www.unasursg.org/node/21.

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Consolidar uma zona de paz sul-americana; 2) Construir uma visão comum em matéria de defesa; 3) Articular posições regionais em fóruns multilaterais sobre a defesa; 4) Cooperar regionalmente em matéria de defesa; e 5) Apoiar ações de remoção de minas, assim como de prevenção, mitigação e assistência às vítimas de desastres naturais. Sobre a Unasul, o embaixador e ex-ministro de Defesa José Viegas Filho (20032004) diz que: "Avançar o rumo da solidariedade sul-americana, no aprofundamento da integração econômica e militar e na construção de uma política externa coordenada são medidas básicas para nossa segurança". (VIEGAS, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 426). Adentremos nos objetivos 2 e 3 do CDS. O ex-ministro de Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral (2003-2004), clarifica os objetivos, justificando-os, quando argumenta que: A dissuasão, como estratégia, embora ligada à soberania nacional, compreende, igualmente a dimensão regional. Parece-nos que esta é a alternativa sul-americana (o Conselho de Defesa Sul-Americano, CDS, que deve ser o sucessor da Junta Interamericana de Defesa, JID, organismo a ser enterrado, é uma semente que devemos regar), e o papel do Brasil não é só estimulá-la, mas contribuir materialmente, porque as ameaças que podem nos atingir são comuns aos nossos vizinhos: os países centrais não farão economia de meios, quando necessitarem, para atender os seus interesses econômicos e outros, dasmatérias-primas e recursos estratégicos abundantes em nossos territórios. O projeto de defesa regional será produto da integração da América do Sul.(AMARAL, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 449)

Para Pablo Celi (apud MONTEIRO el al, 2014), e Samuel Alves Soares, Mayara do Prado e Daniele Godoy (apud MONTEIRO el al, 2013), o Conselho de Defesa Sulamericano constitui um espaço dinâmico de diálogo sobre políticas nacionais de Defesa, no sentido de debater a segurança regionalmente, e de propor um sistema de cooperação regional de Defesa, vindo a desempenhar um papel de mecanismo de consulta, informação e avaliação de risco, troca de experiências e perspectivas da doutrina da política de Defesa e articulação de ações coordenadas conjuntas em instâncias multilaterais. Ainda para os autores, as bases políticas e institucionais para uma doutrina comum em matéria de segurança regional e defesa são baseadas em mecanismos de confiança para garantir previsibilidade estratégica, baseada no conhecimento e

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percepção de equilíbrio e complementaridade em nível estratégico, tático e operacional. Assim, o progresso da região nesta matéria depende da formulação de definições políticas comuns, a partir da definição de fatores de risco e ameaças no cenário comum dos países envolvidos, para a estruturação de um sistema de segurança regional. A expressão "definições políticas comuns" é a que particularmente nos chama a atenção. A construção de ideias e expectativas sul-americanas passam por um entendimento compartilhado dos conceitos que, por sua vez permitam operacionalizar a cooperação. (SAINT-PIERRE e SILVA, 2013, p. 307). Este argumento é a base do esforço da Unasul em primar pela univocidade conceitual49 da Defesa na região.

Desde a criação do Conselho Sul-Americano, consolida-se a dimensão institucional da cooperação de defesa, através de um processo que vai desde o nível declaratório de zonas de paz e da implementação de medidas de transparência e confiança mútua até a formação de um sistema de segurança regional e cooperação em defesa, com a progressiva inclusão de definições, acordos e meios de cooperação próprios de uma institucionalidade regional que interage com as políticas e sistemas nacionais de defesa. (CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 392)

A criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED) do CDS da UNASUL significou importante avanço naquele sentido. Segundo Saint-Pierre e Diego Silva, o CEED expressa o compromisso com a construção de uma visão compartilhada de Defesa e Segurança Regional e com a identificação de enfoques conceituais comuns que permitam a exequibilidade de políticas regionais naquele âmbito(apud CARMO el al, 2013, p. 306). Assim sendo, o conselho de Defesa Sul-americano, no arcabouço do CEED, publicou, em 2012, no seu Informe de Avanço, um desenho inicial da definição regional de Defesa: [...] a defesa constitui uma função essencial do Estado, vinculada com a proteção e a manutenção de sua soberania e integridade de sua população, territórios e instituições; em tal virtude, abarca os assuntos de segurança relacionados com o âmbito externo, enquanto entorno estratégico da política Exterior dos Estados e se configura como o espaço específico e exclusivo de organizações e uso da força militar do Estado, em relação a riscos ou ameaças relativos à sua integridade e existência independente e soberana. 49

Univocidade conceitual, isto é, que todos atribuam a cada conceito, e só a ele, uma e apenas única semântica. (SAINT-PIERRE e SILVA, apud CARMO, 2014, p. 285).

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Este conceito indica algumas conclusões preliminares. A primeira de que o Conselho reconhece que há, de fato, diferenças conceituais entre os países que precisam ser dirimidas uma vez que representam empecilho à condução dos trabalhos do Conselho. Um centro de estudos estratégicos sul-americanos, por outro lado, é um celeiro de produção acadêmica, ideias e soluções normativas específicos para problemas da região. Trata-se, portanto, de oportunidade de criação de valores próprios e alternativas críticas às propostas de Defesa e Segurança sugeridas pelos Estados Unidos. Segundo Rut Diamint (2014. p. 372), "a decisão do Brasil de criar um Conselho Sul-americano de Defesa no marco da Unasul tem obrigado a estabelecer planos doutrinários e recursos de largo prazo no campo da defesa". Pode-se dizer, por conseguinte que faz-se urgente "[...] criar condições para uma atuação mais autônoma da região na qual está presente a potência hegemônica mundial. Este foi o espírito de criação da UNASUL e de seu braço voltado para a Defesa, o CDS” (Lima e Soares, apud CARMO el al, 2014, p. 318). Sobre a ausência dos Estados Unidos na região, Hal Phillip Klepak Powell (apud MONTEIRO et al, 2013) escreve que os Estados Unidos não parecem notar a região e que simplesmente a América do Sul não é prioridade. América Central, México e Caribe, na atual conjuntura captam maior atenção da hiperpotência por questões de drogas, crime e imigração ilegal, do que toda América do Sul e que, de uma maneira ou de outra, os olhos de Washington se voltam para outras partes do mundo por questões mais ou menos tradicionais. Poderíamos nos delongar no tema, mas fundamentalmente a "desatenção" estadunidense corrobora tacitamente com o processo que aqui se desenvolve. Celi também nos contribui com esta visão quando diz que:

Em um perspectiva que transcende o modelo hemisférico, a Unasul vem desempenhando um papel importante na condução do eixo de mudança na política de segurança continental, incorporando uma visão de inserção na fronteira global e redistribuição de saldos globais. Desde essa nova perspectiva geopolítica, a América do Sul avança também em um processo que articula, num primeiro plano, em nível sub-regional, a cooperação dos setores de defesa dos países sulamericanos com uma visão comum de segurança regional. (CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 391 e 392)

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Entretanto, é difícil vislumbrar a concretude do CDS sem que se tenha presente a univocidade conceitual. É nesta perspectiva que se faz importante o estudo conceitual como condicionante, sob o enfoque que trazemos do Brasil e da Argentina, dois atores fundamentais na América do Sul. O que se concebe como Defesa – sua definição e seus limites operacionais – também pode ser relacionado a fatores conjunturais, como traços da política externa de determinados governos. Trazendo à tona as marcas da política externa do governo Lula, gestão na qual foi fundado o CDS é uníssono o reconhecimento de maior assertividade no questionamento da ordem internacional, assim como a busca pela diversificação de parcerias e aproximações dos países em desenvolvimento e, em especial, da América do Sul, buscando influenciar ou até contrabalancear a balança de poder mundial. (LIMA; SOARES, 2013). No âmbito da Defesa regional, porém, pouco se mudou em função de concepções historicamente construídas. As mudanças ocorridas, merecem, no entanto, atenção. A Lei Complementar 136 de 2010, por exemplo, impõe, por indicação do Ministro da Defesa, e nomeação do Presidente da República, um comandante sobre os três comandantes que formam o Estado-Maior Conjunto; criando assim uma ponte de confiança com o Ministro e um superior hierárquico pertencente à força militar. A mesma lei cria a Secretaria de Produtos de Defesa e Ciência e Tecnologia deste órgão 50. Ambas as medidas são importantes tanto para o alargamento do controle civil quanto para o aprofundamento da institucionalização do Ministério. O PDN de 2005, em sua seção 3, altera o eixo estratégico do Brasil do Cone Sul para a Amazônia. Uma análise desta mudança indica que o Brasil se preocupa com conflitos diretos na citada região e volta sua atenção à região amazônica e em como cooperar para a solução dos problemas que lá se apresentam. A cooperação e integração 50

Para maiores dados do tema da Indústria de Defesa no Brasil, há 6 decretos que regulam este marco no Brasil; 4 empresas nacionais para o tema, a saber a EMGEFRON, AMAZUL, IMBEL e EMBRAER; uma cadeia de indústrias voltadas ao tema, em que dela faz parte a Base Industrial de Defesa do Brasil, a Associação Brasileira de indústrias materiais de defesa (ADIMBE) e ainda a Secretaria de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, fora todas as empresas e o complexo produtivo envolvidos, que permeiam desde grandes iniciativas privadas a universidades; e ainda os três programas de domínio tecnológico das Forças Armadas, estando a Marinha responsável pela nuclear, a Aeronáutica pela aeroespacial e o Exército pela cibernética, além PAED, plano de Articulação e Equipamentos de defesa, que incluem diversos programas para a Marinha, o PROFORÇA para Exército e a construção de diferentes veículos no âmbito da Aeronáutica. Obviamente o tema é largo e denso e, como foge, ao escopo prioritário deste trabalho, sugerimos, para o tema, os Capítulos 12 do Atlas 2012 e 13 de 2014 da RESDAL, além do próprio PDN.

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se apresentam como os mecanismos de preferência brasileira, em que o próprio documento de 2005 apresenta esses focos: o fortalecimento do processo de integração pelo MERCOSUL, a Comunidade Andina de Nações, o estreitamento de relações com os países amazônicos, a intensificação da cooperação e do comércio com os países africanos e a consolidação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. (Idem). Critica-se, portanto, a carência de um eixo delineador claro e preciso dos objetivos brasileiros e que, tal imprecisão contrasta com o esforço de cooperação estratégica e da confiança mútua abordada pelo Brasil. É inegável o esforço do Brasil, entretanto Lucas Rezende é bastante enfático quando diz que:

O que existe em termos de cooperação em defesa na América do Sul existe por conta de financiamento brasileiro, como nos mostra o Unasul, o CDS e o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa (CEED). Se o Brasil se recusa a arcar com o papel de mantenedor dos processos de cooperação em defesa na região, enquanto potência unipolar, hegemônica regional ou o centro do Complexo regional de Segurança Sul-Americano, as iniciativas de cooperação em defesa mostram-se severamente fragilizadas. (REZENDE, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 423)

Neste sentido, o Brasil teria o papel de "moldar as instituições da região de acordo com as suas preferências, uma vez que, como único pólo, cabe a ele atuar como provedor dos custos da cooperação."(REZENDE, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 421). Interpretamos aqui que, os esforços do Unasul, mesmo buscando um consenso regional, subordinar-se-iam a flexão brasileira51 à suas propostas. Brasileiras e de qualquer outro país que manifeste interesse e/ou dependa deste processo para sua defesa. Nelson Jobim insiste que "entre outros objetivos, a cooperação no contexto sulamericano deve buscar produzir a dissuasão extrarregional." (JOBIM, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 436). A dissuasão, por conseguinte, é a forma de defesa do Brasil retratada em todos os seus documentos declaratórios em vigor. A cooperação 51

Rezende (apud MONTEIRO et al, 2014, p. 421) ainda clama por um argumento que perpassa a lógica do realismo estrutural. Segundo o autor, ainda que, por vezes, não aja como tal, o Brasil possui recursos para já ser interpretado como o único ator de peso na região sul-americana. A análise estrutural, como colocam Mersheimer (2001) e Waltz (2002), é uma questão de recursos materiais disponíveis, e não de outras interpretações.

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estratégica regional frente a ameaças, por sua vez, é a orientação basilar da Política de Defesa argentina. No que toca à Argentina, o governo do presidente Néstor Kirchner (2003-2007) marca um momento de inflexão na autoimagem do país. Para Raphael Lima e Samuel Soares, "a pedra angular encontrava-se na ideia de que as 'relações históricas com os Estados Unidos não haviam garantido vantagens à Argentina" (2013, p. 331). Ou seja, dele para os governantes vindouros, a concepção era de se tratar assertivamente frente ao cenário incerto, tanto pelo prisma econômico quanto pelo político, possibilidades para o país inserir-se no sistema internacional e nele posicionar-se de modo a beneficiar, de fato, a Argentina. O projeto de política externa pautou-se em distanciar a Argentina de sua condição de periférica em relação aos Estados Unidos, tornando-a mais autônoma, com a capacidade de decisão e discernimento sobre seus rumos de inserção internacional. Muda-se o eixo prioritário hemisférico/global para o regional. Aos olhos do então presidente Kirchner, e de sua ministra de Defesa, Nilda Garré, a profunda mudança na política externa do país e,por conseguinte, das novas orientações Defesa, demandou ampliações que não estavam previstas nos documentos anteriores, como a Lei de Defesa, a Lei de Segurança Interior ou o Livro Branco de Defesa. Buscou-se, então, a renovação do arcabouço jurídico-institucional, no aprofundamento teórico que acompanhamos nos capítulos anteriores. A atual incorporação de competências do Ministério da Defesa encontra-se, respectivamente, nas oportunidades de apoio que este Ministério tem prestado às outras instituições nacionais, como visto no capítulo anterior e, na já brevemente tratada, indústria de Defesa. O Decreto Presidencial 636 de 2013 cria a Secretaria de Coordenação Militar de Assistência em Emergências, formada pelas Subsecretarias de Planejamento de Assistência de Emergências e a de Coordenação Executiva em Emergências. Do número de operações militares de apoio citadas anteriormente, 12 delas foram executadas por esta Secretaria até meados de junho de 2014, envolvendo aproximadamente 700 componentes militares (DONADIO, 2014). Planeja-se, ainda, a criação de 13 unidades capacitadas e equipadas para situações emergenciais de inundações, incêndios, abalos sísmicos, energia elétrica e desabamentos em diferentes zonas do país (Idem).

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O mesmo decreto ainda criou a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Produção para a Defesa, e devolveu a Direção Geral de Fabricações Militares, até então passada ao Ministério do Planejamento; estes dois órgãos conformam o Pólo IndustrialTecnológico para Defesa argentina, em cuja jurisdição ainda encontra-se a Fábrica Argentina de Aviões Brigadeiro San Martin, o Serviço de Hidrografia e o Complexo Industrial Naval argentinos, o Serviço Meteorológico Naval e o Instituto de Pesquisas Científicas e Técnicas para a Defesa. (RESDAL, 2014) As aproximações dos dois países ao eixo regional, em termos de defesa e segurança, podem ser vistas como o que Pablo Celi chama de "necessidade de transcender crises nacionais para conseguir uma mudança de paradigma nas relações de segurança e defesa em nível sul-americano, que supere toda a unilateralidade no tratamento das questões de interesse regional."(CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 395). E como vimos anteriormente, nos eventos que fundamentam a Unasul e seu CDS, de 2008. No âmbito do referido Conselho, Héctor Saint-Pierre e Diego Lopez (2014) em seu trabalho que se deteve especificamente neste ponto, apresentam dados sólidos sobre a participação do Brasil e Argentina. Num gráfico de produção própria (p. 233) os autores afirmam que juntos totalizam, até fevereiro de 2014, 27% dos Planos de Ação do Conselho, sendo 13% brasileiras e 14% argentinas. Do percentual argentino, duas são profundas contribuições para os trabalhos do órgão: a criação do Centro de Estudos Estratégicos (CEED), sediado em Buenos Aires e de cuja produção, inclusive, nos valemos neste capítulo; e o Registro de Gastos de Defesa Sul Americano, uma proposta amplamente aceita pelos países membros que tem contribuído para a transparência na região e desmistificação de ideais como a suposta corrida armamentista que existiria no continente. A Argentina realmente leva a cabo seu compromisso institucional com o CDS como um importante meio de cooperação, como vimos anteriormente. Outra prova disso é tê-lo incorporado, inclusive, em suas políticas declaratórias. No Livro Branco de Defesa de 2012 o governo expressa o seguinte entendimento: Nesse sentido, em um mundo crescentemente interrelacionado, a Argentina concebe que sua defesa na dupla dimensão de autônoma, por um lado, e cooperativa, por outro. Isso implica que seu desenho de forças e suas capacidades não ofensivas se vinculam e complementam com seus compromissos multilaterais. Com esse espírito, e no marco

47 da União Sul-Americana, a Argentina participou de modo ativo no processo de criação Conselho de Defesa Sul-Americano. (ARGENTINA, 2012)

Assim, a Argentina põe-se em direção à inclusão de seus sistemas nacionais rumo a um contexto de confiança e apoio à cooperação transfronteiriça multilateral, seja pelo que declara e seja pela forma como suas agências atuam. O Brasil, em contrapartida, apresenta certa inconsistência entre o que declara, especialmente pelo cunho vago que seus documentos adquirem, e pelas ações que tem executado. As agendas do Ministério da Defesa e das Forças Armadas brasileiras não parecem estar em plena consonância. Enquanto os documentos de defesa do Brasil apresentam uma tentativa de aproximação à região e uma suposta confiança com os países membros, a Operação Ágata VII, trabalhada anteriormente, patrulhou um raio de 16,8 mil quilômetros, fronteira com 10 países, utilizando cerca de 10% do seu total efetivo militar, numa clara demonstração logística e de desempenho militar nas zonas de fronteira. Em novembro de 2003, anos antes da criação do CDS, em fala proferida no VI Encontro de Estudos Estratégicos na Escola de Defesa Nacional argentina, o professor Samuel Soares já advertia que "A defesa, por seu caráter intrínseco de postura de contrarreação ao emprego da força, e a Segurança, que denota uma atitude de preparação para a tomada da iniciativa, devem fazer parte do rol de questões a serem debatidas para o esforço da cooperação.". Mas, como vimos, a compreensão entre concepções e agendas dos dois países possui drástica divergência. A semântica da "Defesa" na argentina e o emprego das Forças Armadas - lembremos a separação profunda entre Segurança e Defesa - são mais detalhados e regulados na Argentina que no Brasil. Tal distanciamento tende a tornar qualquer iniciativa do CDS abrangente e superficial, visto, inclusive o nível de responsabilidades que ambos os países assumem neste Conselho. Sobre o importante passo que tenta dar o CDS, Pablo Celi sustenta que "esse salto qualitativo impõe uma nova forma de reflexão sobre a política externa e os novos princípios de definição de políticas de defesa, com base em um pensamento comum que se aproxime da gestão de uma dimensão fundamental do Estado, como é a defesa, que, ao lidar fundamentalmente com o uso da força militar dos Estados (...)" (CELI, apud MONTEIRO el al, 2014, p. 395).

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O problema fundamental deste alinhamento recai em dois temas que temos trabalhado. A cooperação não se efetivará se, no âmbito interno de um país não se efetivar o alargamento das questões de discussão de defesa em esfera civil, levando a um esforço político de precisão conceitual e controle civil dos assuntos de defesa, como fez a Argentina. A autonomia militar está intrinsecamente ligada a esta ponderação. O grande problema da autonomia militar, dentro da América Latina, em geral, é que ela impede iniciativas de coordenação dos esforços políticos e militares para lidarem com os desafios regionais e encontrarem os objetivos comuns em termos de estabilidade democrática, garantia de direitos humanos, contribuições da região para segurança global e de ações coletivas para o enfretamento dos cartéis de drogas e crimes organizados. (SERBIN; FONTANA, 2005)

Compromete-se, então, a própria atuação do CEED e do CDS. Além de que, segundo o mesmo trabalho de Silva e Saint-Pierre (2014), são vários os problemas que comprometem o desenvolvimento das atividades. A junta do CEED, dentre os seus 22 postos, somente 2 são civis. Quase todos os membros, agregados militares que executam trabalhos às Embaixadas em Buenos Aires findam em assumir mais esta função. Instala-se, além de uma morosidade nos processos, discussões nem sempre congregadoras. Ainda, tirou-se de pauta, por exemplo, qual seria o papel das Forças Armadas em Âmbito regional. As propostas e as missões que as forças dos diferentes países possuem são tão heterogêneas que, para avançar na discussão de Defesa, retirou-se a tentativa de formular tal concepção. Os autores alegam que este é um ponto fundamental, visto que, de uma maneira ou de outra a cooperação das agências se fará necessária. Considerando-se a superficialidade que o conceito do CDS apresenta e a incapacidade de fazer frente aos posicionamentos militares, apesar do esforço voluntário dos países presentes, o Conselho sofre o que o Héctor Saint-Pierre e Diego Lopes Silva vão chamar de “ação de forças centrípetas e centrífugas” (p. 233). Considerando que os autores concluem o trabalho dizendo que “com poucos anos de vida, baixa institucionalidade e excepcional voluntarismo, o CDS depara-se com (...) seu presente complexo e o seu futuro incerto.”, só temos a entender que o marasmo imposto é fruto da vitória das forças centrífugas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A problemática do Conselho de Defesa Sul-Americano, mais do que conceitual que se tem tentado contornar – é de cunho operativo. Parece-nos que os conceitos de Defesa refletem os processos históricos e o grau de engajamento dos diferentes interessados no tema em cada um dos países, sejam, acadêmicos, militares, políticos e sociedade civil como um todo. Se na Argentina, a Defesa é fruto de profundas discussões sobre o papel das Forças Armadas e a busca de um projeto autônomo e cooperativo; no Brasil tal projeto é assumido pelas próprias Forças Armadas e culmina na permanência de uma atuação larga, inclusive, em temas e espaços da vida interna nacional. A introdução deste trabalho buscou clarificar conceitualmente os espaços da Segurança Internacional e, em seguida, da Defesa, buscando elucidar a diferenciação entre os dois. Não obstante a tal clareamento do tema, evidenciou-se o papel e a importância dos Estudos da Defesa como propagadores de uma consciência nacional de democratização do debate sobre o destino nacional. Trabalhamos as concepções de Defesa entre Brasil e Argentina, debatendo seus diferentes documentos declaratórios, visando compreender o que este conjunto documental revela sobre o interesse de cada um dos países. Documentos declaratórios, de fato, possuem a função de emitir, a todo interessado, países ou indivíduos, as concepções sobre a matéria em discussão. Desde então nota-se uma primeira diferenciação entre Brasil e Argentina. Se por um lado os argentinos concebem Defesa como a proteção da nação, os brasileiros compreendem que a garantia do Estado e de suas instituições é fundamental. Em seguida, nos debruçamos no âmbito operativo das Forças Armadas de cada país, nas missões principais e subsidiárias que assumem, e com o que tem se ocupado, quantitativa e qualitativamente. Não é surpreendente inferir que Brasil e Argentina divergiram quando de nossas comparações: enquanto as Forças Armadas brasileiras atuam especialmente em exercícios de fronteiras e Operações de Lei e Ordem em seu histórico recente, as argentinas contribuem, pontualmente, na cooperação com outros Ministérios em termos logísticos. Missões de Paz da ONU, entretanto, são características entre os dois países. Outra importante diferenciação constatada foi a

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diferenciação entre Segurança e Defesa aportada pelos dois países. No Brasil pouca distinção possui, na Argentina agências completamente distintas se ocupam de cada uma das concepções, limitando, densamente, o campo de atuação entre o interno e o externo no país. Posteriormente, no âmbito da UNASUL, testamos a exequibilidade do conceito de defesa comum que apresenta. Se por um lado a abrangência do conceito – e sua superficialidade – possa comportar as diferentes concepções de Brasil e Argentina, por outro, compromete a sua operacionalização, visto a diferença de agenda a que as Forças Armadas aderem em cada País, assim como o diferenciado grau de autonomia militar entre um País e outro. Em resumo, nos parece que a Argentina possui um Ministério da Defesa voltado para o exterior e Forças Armadas intencionadas a defender a nação Argentina, a pleitear cooperação regional no âmbito regional como eixo estratégico e a dedicar-se a missões de paz. O Brasil, por sua vez, possui seu próprio entendimento. A ignorância dos setores da sociedade e a apatia política com o tema continuam a permitir que as Forças Armadas brasileiras permaneçam imputando sua compreensão própria de atuação, vinculando não só os documentos declaratórios que possuímos, mas tendo acesso a vários aspectos da vida interna do país, especialmente na garantia da Lei e da Ordem; embora já existam diversos especialistas no país que debatam tais problemas, como tivemos oportunidade de aprender, e mesmo uma maior inclinação política, como também vimos, para superar tal processo. Temas como Indústria de Defesa e Fronteiras, apesar de termos somente descrito em certos aspectos, também corroboram nossa alegação: na Argentina soam como um projeto de nação, no Brasil como mais pressupostos das Forças Armadas, especialmente na forma como os exercícios militares e o Plano Estratégico Nacional se desenvolvem. Entendemos, portanto, que esta disparidade conceitual e de agenda das agências responsáveis pela Defesa nos respectivos países é um profundo obstáculo na execução de um eixo estratégico comum na região. Brasil e Argentina apresentam-se como principais atores, geopoliticamente e economicamente falando, e, portanto, a desarticulação entre os mesmos significa um grande entrave para qualquer que seja a proposta do Conselho de Defesa Sul-Americano, ainda que este tenha apresentado inegável avanço, com criação do CEED.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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