Brasil Imperial Católico e o surgimento dos cemitérios protestantes. FAJARDO, Alexander. 2015

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BRASIL IMPERIAL CATÓLICO E O SURGIMENTO DOS CEMITÉRIOS PROTESTANTES Alexander Fajardo* Resumo O artigo procura traçar um histórico da formação dos cemitérios protestantes no Brasil, juntamente com um estudo de caso sobre alguns cemitérios protestantes ao qual o autor teve oportunidade de visitar. São eles, Cemitério dos Ingleses na cidade de Recife, e os cemitérios paulistanos do Redentor e dos Protestantes. Visualizaremos a forma com que foram implantados no Brasil pré-império a partir do Tratado de Comércio e Navegação de 1810, época em que a família real portuguesa chegava na Colônia e tinha a Inglaterra como a principal parceira econômica. As principais cidades da época, predominantemente as litorâneas, foram instalados os primeiros cemitérios protestantes. Após a independência do Brasil em 1822 e com a instauração do catolicismo como sendo a religião oficial do país, os protestantes tiveram dificuldades ao enterrar os seus mortos. Entrave este que perdurou até o fim do reinado, sendo resolvido com a instauração da República no Brasil quando os cemitérios passaram a ser administrados pelos municípios. Procuraremos perceber alguns momentos deste período e o processo de manutenção e artístico desses cemitérios. Palavras-chave: Protestantismo, Brasil, Império, cemitérios, ingleses, religião. Abstract: This article tries to build up a chart about the formation of protestant cemeteries in Brazil, using a case study about some protestant cemeteries visited by the author of this article. He visited the English Cemetery in Recife city and two cemeteries in São Paulo city, they are: Protestant Cemetery and Redeemer Cemetery. We are going to see their formation in the context of pre-Empire Brazil since Navigation and Commercial Treat in 1810. In this time the real Family arrived here and they had England as the main economical partner. In that time the first ones cemeteries were formed in the main cities in Brazil, especially the littoral ones. After the Brazilian Independence in 1822 the official religion was Catholic, for that reason the protestants had many difficulties to bury their corpses. It happened until the end of the Empire. The solution to this problem came with the Brazilian Republic establishment when the cemeteries started to be organized by their own cities. In this article we are realizing these situations in this context and the artistic and maintenance processes of the cemeteries. Keywords: Protestantism; Brazil; Empire; Cemeteries; English People; Religion.

* Mestre em Ciências da Religião pela UMESP (2011). Professor da Faculdade Nazarena do Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8570336484269313. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO Este artigo traça um histórico da formação dos cemitérios protestantes no Brasil, e um estudo de caso sobre alguns cemitérios protestantes ao qual este autor teve oportunidade de visitar1. São eles, Cemitério dos Ingleses na cidade de Recife, e os cemitérios paulistanos do Redentor e dos Protestantes. O avanço dos estudos acadêmicos sobre cemitérios em geral são recentes. Exemplo disto é que em 2004 realizou-se na Universidade de São Paulo o I Encontro Brasileiro sobre Cemitérios, organizado pelo Departamento de Geografia desta Universidade. O termo cemitério vem do grego koumeterion, que indica o local onde se dormia. A apropriação do termo pelos primeiros cristãos que usaram o derivado para o latim ressurreição.

coemiterium, local onde dormiam Com

a

instituição

organizada

da

seus mortos esperando a Igreja

cristã,

os

mortos,

principalmente os de classe social elevada eram enterrados dentro do templo ou ao seu redor, por questões políticas a prática foi encerrada, isto acaba dando espaço para a criação dos cemitérios intramuros no formato que conhecemos hoje, os cemitérios passam a ter uma conotação com o sagrado, e são administrados pela Igreja Católica. (Rezende, 2007) Entretanto, sobre a questão de não mais enterrar os mortos dentro dos templos e os cemitérios serem considerados espaços sagrados, este processo não foi de imediata e tranqüila transição, pois segundo Coe, (2007) em pesquisa realizada no estado do Maranhão, na capital São Luiz, através de medidas de saúde pública aplicada na cidade a partir de 18282, tinha um dos principais intuitos a finalização da prática de sepultamento dentro das igrejas que difusão de doenças e surtos epidêmicos, entretanto a população religiosa não viu com bons olhos a idéia de que a mudança era uma questão de higiene pública. Para uma população acostumada por mais de três séculos com a prática de sepultamentos nas igrejas, os enterramentos extramuros dos templos foi visto, ao longo principalmente da primeira metade do século XIX, como “anti-religioso”, revelando certo desprezo para com os finados. (2007, p.10)

Entretanto a tradição protestante no sepultar dos mortos é conflitante com a 1 A pesquisa na cidade do Recife aconteceu por meio de um intercâmbio acadêmico no período de pesquisas do mestrado em 2010 na Universidade Católica do Recife por meio da CAPES em seu programa Nacional de Cooperação Acadêmica – PROCAD. 2 Esta medida aconteceu a principio em todas as capitais e principais cidades brasileiras, pois nesta data D. Pedro I assinou uma lei imperial que proibia o sepultamento no interior de igrejas e ao seu redor, impondo as cidades o único costume de enterrar seus mortos em cemitérios.

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Igreja Católica, como observa Carvalho (2009, p.38), já em 1536 quando o protestantismo toma conta da cidade de Genebra na Suíça, um dos primeiros atos foi fechar capelas e igrejas onde eram realizados sepultamentos, na Alemanha na época da reforma, diversos cemitérios foram construídos, neste sentido, luteranos ou calvinistas são unânimes de que era inviável realizar sepultamento dentro dos templos. Os cemitérios também são considerados patrimônio cultural, pois carregam em seus espaços valores que estão ligados aos bens materiais, seus aspectos são de caráter ambiental/urbano, artístico e histórico. (Carrasco, 2009). O ponto artístico será também um dos objetos de analise mais adiante neste trabalho. 1.

Breve levantamento bibliográfico Como já nos referimos, as pesquisas nesta área tem sido de maior

intensidade na última década, principalmente no que se refere a pesquisas de cunho acadêmico. Historiadores, geógrafos, urbanistas e arquitetos são em sua maioria os que têm se debruçado sobre o tema. Para nossas pesquisas sobre cemitérios protestantes, um dos primeiros livros escritos sobre o assunto data de 1972, obra do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, que organizou o curso de pós-graduação em História da UFPE na década de 70, escreveu sobre a História do Cemitério Britânico do Recife e da participação de ingleses e outros estrangeiros na vida e na cultura de Pernambuco no período de 1813 a 1909. No livro Mello apresenta detalhes da formação do cemitério e estatísticas de avanço dos sepultamentos e nome dos familiares e personalidades em meados do século XIX. Por sua vez, Camargo (2007), pesquisou a colônia alemã em Santos a partir dos primeiros anos de independência do país onde em um dos capítulos se dedica ao cemitério protestante, conhecido como o cemitério dos alemães. O geógrafo Rezende (2007), fundador da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais (ABEC), e um dos organizadores do I Congresso do Brasil sobre Cemitérios na USP, publicou suas pesquisas sobre cemitérios em geral, incluindo referências aos cemitérios protestantes no Brasil. Nesta linha de pesquisa, Coe (2008) estudou o fim dos sepultamentos nas igrejas a transição e a construção de novos cemitérios, pois o desenvolvimento médico e a reestruturação de municípios no império não permitiam mais o sepultamento em igrejas. FAJARDO,

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A preservação dos artefatos ornamentais integrados a arquitetura foi pesquisado através de um estudo de caso por Carrasco (2009) no cemitério protestante em Joinville, conhecido como cemitério dos imigrantes. O cemitério Evangélico de Porto Alegre foi palco de pesquisa de Carvalho (2009), onde analisou a influência da cultura greco-romana na representação escultural das pranteadoras e o material usado na arte funerária do Evangélico. Todos

os

trabalhos

listam

um

percurso

dos

cemitérios

evangélicos

pesquisados, sua origem, histórico e atual estado, com isso podemos identificar alguns pontos em comuns destes locais sagrados para a cultura protestante nacional.

2.

Tratado de comércio e navegação de 1810 A implantação dos cemitérios protestantes no Brasil se deu a partir da

segunda década do século XIX. Este processo ocorre com a vinda da família real para o Brasil em 1808, com o reino de Portugal ocupado pelos franceses, ocorre a chamada abertura dos portos para as nações amigas, sendo que a Inglaterra foi a maior beneficiada, com isto é firmado um acordo em 1810 chamado de Tratado de Comércio e Navegação. Os Ingleses estavam atuando em ramos de fundição, estradas de ferro, entre outros trabalhos, com isto o artigo 12 do Tratado versava acerca dos direitos religiosos dos ingleses que eram protestantes. Permitir-se-á também enterrar os Vassalos de Sua Majestade Britânica, que morrerem nos Territórios de Sua Alteza Real O Príncipe Regente de Portugal, em convenientes lugares, que serão designados para este fim. Nem se perturbarão de modo algum, nem por qualquer motivo, os Funerais, ou as Sepulturas dos Mortos. Do mesmo modo os Vassalos de Portugal gozarão nos Domínios de Sua Majestade Britânica de uma perfeita e ilimitada liberdade de Consciência em todas as matérias de Religião, conforme ao Sistema de Tolerância que se acha neles estabelecidos. Eles poderão livremente praticar os Exercícios de Sua Religião, ou particularmente nas Suas próprias casas de habitação, ou nas Capelas e lugares de Culto designados para este objeto, sem que se lhes ponha o menor obstáculo, embaraço, ou dificuldade alguma, tanto agora,como para futuro. (Tratado de 1810 in: AGUIAR, 1960: p. 141-142)

O Tratado dispõe de liberdade para os ingleses realizarem seus cultos nas casas e terem um espaço destinado a sepultar seus mortos, entretanto a iniciativa da criação de cemitérios ocorreu pela demanda e por situações delicadas ao império, como foi o caso dos cemitérios de Ipanema e Recife, como veremos adiante. 3.

Primeiros cemitérios protestantes

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O primeiro cemitério protestante que se tem notícia no Brasil esta no Rio de Janeiro, conhecido como Cemitério dos Ingleses uma chácara foi separada pelo Príncipe Regente e incorporado aos bens da Coroa para ter o destino de se enterrar os estrangeiros ingleses que não professavam a fé Católica. Em seu livro de registros encontra-se o primeiro sepultamento em cinco de janeiro de 1811. (Costa, 2008) Neste mesmo ano em fevereiro, ocorre um incidente na primeira indústria siderúrgica do país a Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, localizada nos arredores de Sorocaba. Seus trabalhadores eram em sua maioria suecos, ligados a Igreja Luterana. Um dos funcionários falece e é enterrado no único cemitério da cidade, e a Igreja Católica cedeu o caixão como era costume, entretanto espalhou-se pela cidade que o estrangeiro não era católico e sim protestante, boatos de que ele tinha se suicidado também circularam, o resultado foi que o defunto foi desenterrado e seu caixão foi cobrado. (Boy, 2007, Costa, 2008.) Com isso os ânimos se acirram entre a população majoritariamente católica e os funcionários protestantes suecos. O diretor da fábrica escreve em junho a D. João VI relatando o incidente, em 28 de agosto a resposta vem por meio de uma Carta Régia com o título: Sobre a Fábrica de ferro de Sorocaba da Capitania de S. Paulo destinada ao Marquez de Alegrete, Governador e Capitão General da Capitania de S. Paulo, em que autoriza a construção do cemitério para os protestantes, que reproduzimos com a ortografia da época: havendo subido á minha real presença algumas informações que havendo morrido em Sorocaba um dos mineiros Suecos, o Director e os outros Suecos, tieram um susto mal fundado que os prejuízos populares dos habitantes os consideravam com horror visto serem herejes, ordeno-vos que tenhais particular cuidado em persuadir tanto ao Director como aos mais Suecos, que respeitando elles como devem a nossa santa religião, e praticas da mesma, podem estar seguros que ninguem os hade inquietar nas sua praticas rligiosas, que fizerem particularmente em suas casas, e que não só hei de manter tudo a que a tal respeito lhes mandei prometter pelo contracto que com elles se celebrou, a que estou obrigado pelos tratados que ultimamente celebrei com a Gram Bretanha, mas que conheço muito os meus reaes intresses e de minha coroa, para que deixe de fazer observar fiel e religiosamente tudo o que sabiamente tenho ordenado a semelhante respeito, e que a vós muito vos encarrego de novo por esta minha carta régia de cuidares e vigiares na fiel observancia de tão essenciaes objectos tendo sempre vossos olhos abertos para evitares qualquer mau effeito, que possa resultar dos prejuizos de povos, que mais por ignorancia do que por fins sinsitros podem em tal materia fazer-se a si e a o Estado um grande mal, levados de um mal entendido zelo religioso, e contrario aos principios da nossa santa religião. Tambem vos encarrego o cuidares em que ahi se estabeleça e cosnerve emboa ordem um terreno que sirva de cemiterio aos Inglezes e Sueccos, e em FAJARDO,

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geral aos que não forem membros da nossa santa religião, permittindolhes tambem que nas suas casas particulares e sem fórma de Igreja possam reunir-se para o culto particular que dirigem ao Ente Suppremo, e no qual vigiareis não possam jámais ser inquietados pelos habitantes do paiz, o que muito vos hei por recommendado. (Coleção de Leis do Império do Brasil - 1811 , Página 95 Vol. 1 – Publicação e grafia original)3

Com isto acontece a fundação do primeiro cemitério luterano do Brasil e o segundo chamado protestante. Diversos outros cemitérios se seguiram, os primeiros principalmente em capitais litorâneas São Luiz (1817), Recife (1819), Santos (1846), Joinville (1851), Porto Alegre (1856), São Paulo (1858). Em sua maioria, os cemitérios protestantes têm sua arquitetura simples, despida de grandes obras suntuosas, enriquecida pela ornamentação vegetal que circula seus túmulos. (Carrasco, 2009, p.33). Caso curioso acontece na cidade de São Paulo em 1841, ainda na falta de um cemitério protestante, o professor Julius Frank, de origem alemã, era docente de História, Filosofia e Geografia no Curso anexo da Academia do largo de São Francisco, hoje conhecida como Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Por uma forte gripe, o professor veio a falecer. Como era protestante, seu corpo não poderia ser sepultado no cemitério católico da cidade. Uma iniciativa dos alunos, o sepultaram em um dos pátios do colégio. Até hoje pode ser visitado seu mausoléu, que fica justamente em frente à sala que Frank ministrava suas aulas, segundo nos informa Campos Neto (2003)

4.

Igreja Católica o Estado e questões jurídicas Nesta primeira metade do século XIX a presença dos protestantes em terra

brasileira ainda era restrita aos imigrantes que vinham a trabalho enviado por países da Europa, as missões protestantes ainda não havia estabelecido raízes e não dava seus frutos brasileiros. Entretanto, mesmo após a chegada de missionários enviados pelas igrejas norte-americanas e europeias, os protestantes ainda tiveram problemas acerca das leis que vigoravam no país, não somente sobre sepultamento, como batismo de crianças e casamentos, isto ocorria principalmente pelo fato de a Igreja Católica ser a religião oficial do estado, como bem observou Mendonça. Numa sociedade tradicional em que a Igreja Católica controlava 3 Disponível original e na íntegra em PDF no site da Câmara dos http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/Colecoes/Legislacao/LegimpB3_26.pdf#page=4

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todos os atos da vida – pelo menos os mais cruciais como casar, nascer e morrer -, a presença de protestantes, em número razoável nas décadas de 1860 e 1870, veio causar grande transtorno e provocar polêmicas agudas em que os liberais, e até mesmo conservadores, estes ao menos por razões humanitárias, tomaram a defesa dos protestantes. A resistência católica ao reconhecimento do casamento protestante, do batismo de seus filhos e do sepultamento de seus mortos em cemitérios controlados pela Igreja – aliás, os únicos – criou soluções jurídicas e circunstanciais constrangedoras para os governantes. Impossível não reconhecer o casamento protestante. Os pastores acabaram sendo autorizados a fazê-los e a efetuar os batismos, o que significava o registro civil das pessoas. A secularização dos cemitérios demorou, obrigando os protestantes a construírem os seus próprios. (1990:77)

O sepultamento dos protestantes nesta época acaba sendo protagonista de alguns entraves entre o estado e a Igreja Católica que apesar de não se dona dos cemitérios públicos detinha sua total administração, em 1869 ainda se havia entraves neste sentido, como relatou Vieira (1980, p. 270), de que um construtor da estrada de ferro do Rio de Janeiro chamado David Sampson se suicidará em 29 de outubro de 1869. O padre local de Sapucaia não autorizou o sepultamento do trabalhador, pois além de ter se suicidado, era protestante. O diretor da estrada apelou para o Estado, pois a obra era feita pelos protestantes e devia continuar, o Conselho de Estado estipulou que os cemitérios teriam que ser franqueados a pessoas de qualquer confissão religiosa, questionando o conceito de caridade e tolerância civil e religiosa da Igreja Católica. Esta demanda resultou no ano seguinte uma resolução assinada pelo Ministro do Império de que a negação de sepultamento constituía em perseguição, injúria e aflição à família do falecido. Porém, apesar da resolução, em muitos cemitérios pelo Brasil ainda era negada a sepultura de não católicos. Somente a partir da República com a instituição de um Brasil laico, Igreja e Estado tornam-se instituições autônomas. Funções até então realizadas pela Igreja passam a ser atribuídas ao Estado. Através de sua primeira Constituição, a República reconhece como válido apenas o casamento civil e os cemitérios passam obrigatoriamente à administração municipal. 5.

Cemitério dos Ingleses em Recife Recife sendo uma cidade portuária e uma das mais movimentadas províncias

da colônia recebia diversos trabalhadores ingleses que se beneficiando do Tratado de Comércio e Navegação de 1810, que vinham à cidade para ampliar o comércio e indústria. Como expõe Mello (1972, p.12) apenas em novembro de 1813, que com o FAJARDO,

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intenso movimento de ingleses na cidade, o ministro inglês enviou uma carta ao Príncipe Regente D. João informando do inconveniente que estava ocorrendo com a morte dos ingleses em Recife, os cadáveres estavam sofrendo a indecência de serem sepultados nas praias, juntos com os escravos que não eram batizados. Com isto solicita a intervenção para que seja destinado um terreno para o sepultamento digno dos vassalos britânicos. Dom João ordena ao Governador e Capital General da Capitania de Pernambuco que demarcasse e comprasse um terreno que seria entregue aos ingleses para fins de sepultamento. Em 1814 ao ter em mãos a propriedade do terreno no bairro de Santo Amaro medindo 120 palmos de frente e 200 de fundo, o ministro inglês mandou murar o terreno, entretanto o governo havia desapropriado o terreno de uma chácara de um proprietário local, que depois quis cobrar o terreno dos ingleses. Todavia o cemitério não foi utilizado de imediato, pois se necessitava de que a Igreja Anglicana enviasse da Inglaterra para Pernambuco um capelão para reger a vida espiritual dos ingleses e também realizar os ofícios fúnebres, tal acontecimento veio ocorrer apenas em 1819. As anotações do capelão sobre batismos casamentos e atos fúnebres vieram a ser registrado a partir de 1821, sendo que o primeiro sepultamento registrado foi de uma criança em dois de junho de 1822. A tabela abaixo nos mostra o movimento dos registros através dos anos. Ano

Enterros

Ano

Enterros

Ano

Enterros

1822

5

1831

5

1841

13

1823

2

1832

11

1842

25

1824

4

1833

5

1843

14

1825

12

1834

7

1844

16

1826

3

1835

10

1845

10

1827

8

1836

15

1846

11

1828

5

1837

16

1847

07

1829

10

1838

9

1848

12

1830

7

1839

11

1849

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1840

16

1850

65

Podemos notar pela tabela que a média de sepultamento por ano era em torno de uma dezena, entretanto no ano de 1850 ocorre um salto vertiginoso no número de pessoas sepultadas, isso se deve pela terrível epidemia que ocorreu em Recife neste ano. Com isso o cemitério teve sua primeira ampliação após negociações e intermediações com o estado e os proprietários de terras. Neste Cemitério dos Ingleses está sepultado o general José Ignácio de Abreu e Lima um dos maiores revolucionários da América Latina. Nascido no Recife, em seis de Abril de 1796. Seu pai, José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima, foi um dos idealizadores da Revolução Republicana de 1817, o mais importante movimento na tentativa de separação de Brasil de Portugal, entretanto foi preso e condenado a morte na Bahia. Abreu e Lima, também acusado de ter aderido à revolução foi preso na Bahia e condenado a morte. Escapa da prisão e foge para os Estados Unidos, e depois para a Venezuela onde integra como voluntário, os exércitos de Simon Bolívar. Abreu e Lima chegou a alcançar o posto de general nas forças venezuelanas. Participou, com Bolívar, das várias batalhas que levaram à libertação da Colômbia, Venezuela, Equador, Peru e Bolívia. Com a morte do libertador Simon Bolívar, Abreu e Lima regressou ao Brasil, fixando-se no Recife, onde se dedicou a escrever vários livros. O General apesar de católico ficou conhecido por divulgar pelos jornais da cidade a ideia de liberdade religiosa para espíritas e protestantes, isto lhe causou a inimizade com o clero católico, que respondeu ao general pela imprensa, em meio a troca de farpas via jornais, Abreu e Lima adoece e morre. O bispo com isso proíbe o sepultamento do general no cemitério católico alegando que ele era maçom e defensor dos protestantes. O Cemitério dos Ingleses acolheu o corpo de Abreu e Lima, e seus familiares para lembrança do acontecido escreveram em sua sepultura: Aqui jaz o cidadão brasileiro general José Ignácio de Abreu e Lima, propugnador esforçado da liberdade de consciência. Faleceu em 8 de março de 1869. Foi-lhe negada sepultura no Cemitério Público pelo bispo Francisco Cardoso Ayres. Lembrança de seus parentes.

Atualmente o Cemitério dos Ingleses em Recife permanece o dia todo fechado, seus portões são abertos apenas para visitas de familiares ou visitas agendadas, como foi o caso deste autor. Seus muros estão revestidos de cerca elétrica. Toda a segurança atual foi devido a invasões noturnas onde foram roubadas lápides de FAJARDO,

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bronze e utensílios feitos de prata para ornamentação dos túmulos. Em nossa visita, podemos notar uma arquitetura simples em sua maiores os túmulos são apenas ornamentados com flores. Os que tinham artisticamente uma ornamentação escultural traziam apenas as cruzes anglicanas, encontramos em todo o cemitério apenas duas esculturas artísticas de anjos. 6.

Cemitério Protestante de São Paulo Em 1845 em São Paulo foi criado próximo ao parque da Luz, o Cemitério dos

Imigrantes, aonde chegou a receber o sepultamento de alguns protestantes, mas o cemitério foi logo desativado para alargamento das vias municipais. Uma comissão municipal estudava criar um cemitério municipal, e em 1855, o engenheiro Carlos Frederico Rath, que administrava o cemitério no bairro da Luz, sugeriu o Alto da Consolação como o local mais interessante para a criação do novo cemitério municipal. Sendo assim, em 1858 foi inaugurado o Cemitério da Consolação, sendo que uma parte do local, com entrada na rua Sergipe foi separada para sepultamento dos acatólicos, neste mesmo ano foram realizados os primeiros sepultamentos também no Cemitério dos Protestantes. Conforme registrou Flávio Magalhães (S/D.p.18) a proposta da comissão foi de que: Que o terreno que fica aquém do cemitério se destine para cemitérios de indivíduos de religiões diferentes, com 28 braças na frente e no fundo, e nos lados com a mesma extensão de fundo do cemitério geral, fazendo os interessados os fechos e mais obras necessárias.

No

inicio

se

juntaram

os

luteranos,

anglicanos

e

posteriormente

presbiterianos para a criação de uma associação para administrar o local, com a arrecadação das igrejas, foi construído um muro que cercou todo o cemitério para que houvesse privacidade para os eternos hóspedes. A grande maioria dos sepultamentos neste cemitério foi realizada por luteranos, entretanto para os presbiterianos o cemitério guarda os principais fundadores da igreja, sendo que o primeiro missionário e fundador do presbiterianismo em solo brasileiro, Ashbell Green Simonton esta sepultado nele. No início a condição de acesso ao local era difícil, pois não existiam estradas boas para o local, isso resultou em uma reclamação na prefeitura em 1962. Nesta queixa era relatado o quão difícil era para os protestantes levaram os cadáveres para serem enterrados, pois devido ao péssimo estado do caminho, principalmente em épocas de chuva. (Magalhães, s/d. p.21) Visitamos este local no dia de finados de 2010, o cemitério atualmente realiza sepultamento de pessoas de todas as religiões, a arquitetura tumular é feita de FAJARDO,

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diversos formatos, desde os mais simples até os majestosos. Entretanto a ornamentação é em sua maioria realizada com flores e grama, o local é mantido sempre limpo por diversos funcionários que trabalham para a Associação que ainda hoje é responsável por este local e por mais 4 cemitérios, incluindo o Cemitério do Redentor que com o esgotamento das sepultaras em 1919 no Cemitério dos Protestantes e a impossibilidade de expansão do mesmo, foi comprado um terreno na avenida doutor Arnaldo e com a autorização do município, em 1922 foi inaugurado o segundo cemitério destinado aos protestantes em São Paulo, que ganhou o nome de Cemitério do Redentor. Abaixo uma lista de alguns dos principais nomes do presbiterianismo que estão sepultados neste cemitério. Ashbell Green Simonton (1833-1867) – missionário fundador da IPB, primeiro pastor da I. P. do Rio de Janeiro. William Dreaton Pitt (1828-1870) – comerciante inglês, primeiro presbítero da Igreja de São Paulo, ordenado pastor em 1869. José Manoel da Conceição (1822-1873) – ex-sacerdote, primeiro ministro evangélico brasileiro, ordenado em 1865. Eduardo Carlos Pereira (1855-1923) – pastor da I. P. de São Paulo, fundador da Igreja Presbiteriana Independente. Vicente do Rego Themudo Lessa (1874-1939) – primeiro historiador do presbiterianismo brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o Brasil colônia, com a chegada da família real ao país e o catolicismo como religião do reinado, a demanda por cemitérios protestantes se formou, devido aos primeiros estrangeiros britânicos que vieram trabalhar no país, seja no Rio de Janeiro, Recife ou Ipanema, ou estivesse um grande número de estrangeiros de confissão protestante, se fazia necessário a autorização de D. João para a criação dos cemitérios. Esta pratica continuou após a independência do Brasil, agravada pelo catolicismo ter sido considerada religião oficial do país, sendo assim novamente os protestantes teriam que procurar por seus direitos acerca do sepultamento de seus mortos. Com a vinda de missionários protestantes a partir da segunda metade do século XIX, a população de protestantes começa a aumentar, juntamente com o embate com o estado para as necessidades de regulamentação de batismos, casamentos e ofícios fúnebres. Casos de constrangimentos ocorreram neste período, FAJARDO,

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como citamos no decorrer do texto, a liberdade religiosa chega apenas com a proclamação da República em 1890, onde o estado e a Igreja Católica não mais caminhavam de mãos dadas, o país se torna laico, e os protestantes, neste quesito, não tiveram maiores problemas quanto ao sepultamento, pois a partir de então todos os cemitérios passaram a ser administrados pelos municípios.

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imperial

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INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 5-17.

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http://www.luteranos.com.br/articles/13364/1/Primeiro-Cemiterio-EvangelicoLuterano-no-Brasil-/1.html Publicado em 12/6/2009 – acessado em 08/03/ 2011 VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980. Sites visitados http://www.cemiteriosp.com.br/pdf/Professor_eduardo.pdf http://www.funerariaonline.com.br/forum/topic.asp?TOPIC_ID=1379 http://www.luteranos.com.br/articles/13364/1/Primeiro-Cemiterio-EvangelicoLuterano-no-Brasil-/1.html http://www.acempro.com.br/unidade_detalhe.cfm?id=2 http://www.ipb.org.br/portal/artigos-e-estudos/414-o-cemiterio-dos-protestantesde-sao-paulo http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/conteudo/Colecoes/Legislacao/Legimp -B3_26.pdf#page=4

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